Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
21137/23.2T8LSB.L1-4
Relator: ALEXANDRA LAGE
Descritores: PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
NOTA DE CULPA
RESPOSTA
CARTA REGISTADA COM AVISO DE RECEPÇÃO
DEVOLUÇÃO
DIREITO DE DEFESA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – No procedimento disciplinar a resposta à nota de culpa é parte essencial do exercício do direito de defesa do trabalhador, sendo nesta oportunidade que o mesmo pode invocar e produzir provas de forma a refutar os factos imputados pela entidade empregadora constituindo aquela um elemento fundamental para a materialização da defesa do trabalhador.
II – O trabalhador pode remeter a resposta à nota de culpa para a entidade empregadora como também o pode fazer para o instrutor do processo.
III - A entidade empregadora (ou o instrutor do processo), ao não proceder ao levantamento da correspondência que lhe foi endereçada, adota atitude contrária ao princípio da boa fé e, por via do não recebimento da resposta à nota de culpa, veda ao trabalhador a possibilidade de os factos, argumentos ou fundamentos por si alegados na resposta serem ponderados no contexto do procedimento disciplinar e, ainda, de ser produzida prova, caso a tenha requerido, o que constitui uma inadmissível compressão do direito de defesa do trabalhador que, no caso, pela sua gravidade, equivale à sua não concessão.
(sumário da autoria da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 4ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I - Relatório
1. AA propôs ação de impugnação da regularidade e licitude do seu despedimento, sob a forma de processo especial, contra a XX pedindo que fosse declarada a ilicitude ou a irregularidade do seu despedimento, com as legais consequências.
2. Realizada a audiência de partes não se logrou a conciliação, tendo a entidade empregadora sido notificada para apresentar o articulado motivador do despedimento e respetivo procedimento disciplinar.
3. A entidade empregadora apresentou o articulado motivador do despedimento e juntou o procedimento disciplinar.
Alegou, no referido articulado, em síntese, que a trabalhadora violou os deveres de respeitar os superiores hierárquicos e colegas com urbanidade e probidade e de realizar o trabalho com zelo e diligência, não tendo cumprido ordens e instruções do empregador respeitantes à execução ou disciplina no trabalho considerando que os factos que imputa à trabalhadora, pela sua gravidade e consequências, são suficientes para tornar impossível a subsistência da relação laboral.
4. A trabalhadora apresentou a contestação/reconvenção tendo alegado, em síntese, que o despedimento é ilícito por invalidade do procedimento disciplinar (o instrutor do processo não recebeu a carta com a defesa da autora que foi devolvida com a menção de “não reclamada” promovendo a aplicação da sanção máxima sem nunca ter dado à autora a possibilidade de defesa); nota de culpa e a decisão do processo disciplinar contém afirmações e acusações conclusivas e não circunstanciadas; já fora ultrapassado o prazo para o exercício do poder disciplinar (em relação a alguns dos factos) e, concluindo, entende que deve ser declarada a ilicitude do seu despedimento, sendo a entidade patronal condenada a reintegrá-la, ou a pagar-lhe a legal indemnização no montante correspondente a trinta dias de retribuição por cada ano de antiguidade ou fração, se assim vier a optar, bem como as retribuições que se vencerem no decurso da ação e até ao trânsito em julgado da decisão. Em reconvenção peticiona o pagamento da quantia de 521.87 € relativa à diferença entre os créditos laborais pagos e os devidos acrescida de juros de mora à taxa legal até integral pagamento.
5. A entidade empregadora respondeu à contestação, pugnando, a final pela improcedência do pedido reconvencional e que deve ser declarada a regularidade e licitude do despedimento.
6. Foi proferido despacho saneador dispensando-se a audiência prévia não tendo sido fixado o objeto de litígio e os temas da prova.
7. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença cujo dispositivo é o seguinte:
«1- Julgo totalmente improcedente a oposição apresentada por AA ao despedimento promovido por XX1 e julgo improcedentes os pedidos que resultassem da ilicitude.
2- Julgo parcialmente procedente o pedido reconvencional e, em consequência, decido:
a. Condenar a ré XX, a pagar à autora AA, as seguintes quantias:
(i) 53,36€ (cinquenta e três euros e trinta e seis cêntimos) a título do remanescente da retribuição base e diuturnidades.
(ii) 225,68€ (duzentos e vinte e cinco euros e sessenta e oito cêntimos) a título de remanescente da retribuição de férias.
(iii) juros de mora à taxa legal desde a data de vencimento até efetivo e integral pagamento.
b. Absolver a XX do demais peticionado.»
8. Inconformada com o decidido, a trabalhadora interpôs recurso para esta Relação com vista à revogação da sentença, formulando, em síntese, as seguintes conclusões (que se transcrevem):
“1- Dispõe o artigo 615º nº 1 al c) e d) do NCPC que é nula a douta sentença que seja formulada, ainda que parcialmente, em termos ambíguos ou obscuros que a tornem efetivamente ininteligível, ou não se pronuncie ou não conheça, devidamente, claro, questões sobre as quais se devia pronunciar.
2- E é o caso, que foi nos autos alegado, da ausência de contraditório no processo disciplinar, porquanto, por facto imputável à recorrida, na pessoa do Ilustre Instrutor do processo disciplinar, já que este, tendo remetido a nota de culpa do seu domicílio profissional, utilizando o seu papel timbrado,
3- não cuidou de proceder ao levantamento no correspondente posto de Correios da resposta que a recorrente lhe remetera, conforme foi dado como provado no artigo 11º da matéria dada como provada na douta sentença, a que seguiu, de imediato, a decisão de despedimento (cfr. Artigo 12º da mesma peça) não levando, nem podendo levar, em consequência, diga-se, assim, em consideração a defesa desta,
4- o que determina a ilicitude do procedimento disciplinar com a consequente ilicitude do despedimento da recorrente, por invalidade do despedimento conforme resulta dos artigos 381º-2-c) do Código de Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 7/2, na atual redação
5- Não é de aceitar como avaliação ou conhecimento adequados a consideração da resposta à nota de culpa como de não «declaração reptícia», forma esdrúxula de passar impedir a defesa do trabalhador processado, quando se trata sim da defesa deste, única forma de intervir no processo disciplinar.
6- É o caso do ocorrido no que respeita ao não recebimento (e consequente não consideração) da resposta à nota de culpa pela recorrente, dados como provados nos artigos da douta decisão recorrida quanto à matéria de facto que se traduziu no impedimento do exercício do contraditório pela recorrente, pondo em causa, consequentemente, o exercício do seu direito de defesa, do que resulta, insanavelmente, a ilicitude do despedimento por invalidade do procedimento disciplinar, conforme dispõe o referido artigo 382º-nº 2-al) c) do Código de Trabalho
7- Da mesma forma, alegou a recorrida, no processo disciplinar, factos e comportamentos da recorrente, em relação aos quais, pela sua datação (ou imprecisão da mesma) ocorridos nalguns casos em 2021 e até os ocorridos em 2022, caducara já, nos termos do artigo 329º2, ainda do Código de Trabalho, o direito de a recorrida, por eles, contra a recorrente, proceder disciplinarmente contra ela por terem ocorrido mais de sessenta dias sobre a sua ocorrência ou conhecimento pela recorrida, nalguns casos identificadas, de ocorrência publica
8- Ora, tais factos que foram deduzidos pela recorrente na sua contestação ao requerimento fundamentador, foram referidos ou mesmo dados como provados nos números 13º, 16º, 18º (aqui indeterminação da data)
9- e, no entanto, não mereceram na douta sentença recorrida, conhecimento ou decisão adequada, pois como tal não se pode considerar o entendimento de que caberia à recorrente provar a data do conhecimento pela recorrida (se calhar, mesmo aqueles cuja data de conhecimento fora admitido pela recorrida), o que lhe estava vedado, por a documentação disponível estar com a esta ou ser o conhecimento transmitido por testemunho ou informação oral e estava até, nalguns casos, os datados de há dois ou três anos, prescrita já a infração nos termos do artigo 329º-1 ainda do mesmo Código..
9- Traduz, assim, esta omissão ou apreciação inadequada ou mesmo esdrúxula, ausência de conhecimento de questões neste ponto, o que a torna neste ponto nula, nos termos do preceito citado o artigo 615º als c) d) do NCPC
(…)
10- Entendeu a recorrente fazer tramitar o procedimento disciplinar confiando, ao Ilustre Instrutor esta tarefa, designadamente com o envio do seu escritório e utilizando o seu papel timbrado à ora recorrente a nota de culpa a que devia responder, oferecendo prova, para pleno exercício do contraditório a que tinha direito.
11- A ora recorrente decidiu enviar a sua resposta à nota de culpa para a morada da qual recebera a correspondência da qual recebera a nota de culpa e aqui, com o devido respeito, é que «a dita torce o rabo».
12- Não recebida a correspondência no seu escritório, foi o Ilustre Instrutor avisado para a necessidade de proceder ao respetivo levantamento, o que não fez.
13- E pior ainda não conheceu do respetivo conteúdo, que era a defesa da recorrente e não a considerou, nem levou em conta, na decisão de despedimento que afetou a recorrente.
14- Ora tal traduz uma denegação de defesa, imputável exclusivamente à recorrida e que se traduz no impedimento do contraditório, com a consequente invalidade do procedimento disciplinar. e com a consequência prevista no já citado artigo 382º-nº 2-al) d) do Código de Trabalho
15- Não se mostra assim regularizada, nestes autos, a (não) intervenção da A, no procedimento,
16- Pelo que é este inválido senão mesmo inexistente para efeitos processuais a partir da elaboração da nota de culpa, o que só pode ter como consequência a ilicitude do despedimento do ora recorrente pela recorrida, conforme estabelece o artigo 98º-J-3 do C.P.T. dada a invalidade do procedimento nos termos do artigo 382º-1 e nº 2 al) d ) do Código de Trabalho.
17- Pelo que está o procedimento disciplinar ferido de invalidade por omissão de audição do A. e o seu despedimento ferido de ilicitude, conforme estabelecem os artigos 381º -c) (aqui entendendo-se como exigência de despedimento válido) e 382-1-in fine do Código de Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12/02, na atual redação. b) da inexistência de justa causa para o despedimento do recorrente
18- Resultam provados dos autos, é certo, factos que traduzem, no entendimento do Tribunal, violações pela recorrente dos seus deveres laborais.
19- Sucede, porém, e tal resulta de uma mera comparação, a olho nu, passe o plebeísmo, do texto das acusações e do da sentença, estes não justificam a sanção aplicada
20- Na verdade, quanto à expressão alegadamente ofensiva da recorrente «baixar as calças», revela a douta sentença um entendimento preciso do seu sentido e alcance e que era não se sentir a recorrente obrigado a aceitar tudo o que o responsável da recorrida entendesse. E a expressão é de uso popular corrente e não tem o significado que o responsável (sabe-se lá porquê?) dela exclusivamente retirou
21- Note-se que este é um dos factos em relação aos quais se verifica a caducidade de a recorrida, por eles proceder disciplinarmente, dada a data da ocorrência e ser de conhecimento imediato.
22- O mesmo sucede no que toca à louça partida, porque ao contrário do que resulta da nota de culpa, dá-se como provada a não voluntariedade da ocorrência, sendo a declaração da recorrente uma típica reação nervosa de uma trabalhadora (ou outra qualquer pessoa) perante uma situação como a descrita e que afeta, fortemente, o seu dia a dia no trabalho É que o ius variandi não é um direito absoluto e tem de conformar-se, no seu exercício e concretização com os direitos que assistem ao trabalhador e aos deveres e obrigações que limitam a empregadora.
(…)
23- Ora, sucede que, além do acima referido, há que ponderar o que realmente se passou e os comportamentos efetivos e devidamente enquadrados da recorrente e as demais circunstâncias do caso para a devida aplicação da sanção aplicável nos termos do dispõe o artigo 330º sempre do Código de Trabalho citado.
24- É que, ao contrário do que pretende a recorrida, o despedimento não é a única sanção do catálogo das aplicáveis aos trabalhadores, em caso de infração disciplinar25-Existe, pelo contrário, no artigo 328º-1 sempre do Código de Trabalho, um vasto elenco de sanções aplicáveis aos trabalhadores em caso de infração aos seus deveres laborais.
26- E está definido no artigo 330º-1 do mesmo Código o critério na graduação na aplicação, tal como foi avaliado na douta sentença
27- E é esta ponderação que, in casu, não foi feita, porquanto, além do realmente ocorrido (a sentença distancia-se largamente da decisão punitiva) não levou a recorrida (nem a douta sentença, diga-se) os antecedentes disciplinares da recorrente.
28- Felizmente, já não é este o sentido seguido na jurisprudência dos Tribunais superiores e, procurando não fazer cair sobre os Ilustres Desembargadores um dilúvio de doutos acórdãos sobre o tema, bastará remeter para os que acima se referem constantes do douto Parecer do Exmo. Magistrado do Ministério Público no Proc. 11852/23.6T8SNT-J2 do Juízo de Trabalho de Sintra do Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste, em recurso pendente nesse Tribunal.
29- Está assim o processo disciplinar instaurado à recorrente insanavelmente viciado pela violação, ou melhor, negação à recorrente, do princípio da contraditório, pela caducidade para efeitos disciplinares de factos imputados e pela não adequação da sanção aplicada ao comportamento da recorrente e à ausência de antecedentes disciplinares
30- Assim não tendo entendido, violou a douta decisão recorrida os artigos 118º-1, 328º e 2, 381º -c) (aqui entendendo-se como exigência de despedimento válido) e 382-1-c) do Código de Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12/02, na atual redação.”
Conclui a recorrente que de que «deve ao presente recurso ser dado provimento e anulada, por nulidade, a douta sentença recorrida, e, ao mesmo passo, julgado inválido o procedimento disciplinar instaurado ao recorrente e inexistente a justa causa para esse despedimento e, como tal, ser condenada a recorrida no pedido (…)».
9. Não foram apresentadas contra-alegações pela empregadora.
10. O Exmo. Sr. Procurador – Adjunto emitiu Parecer no sentido de não se verificarem as nulidades apontadas na sentença devendo, no entanto, ser dada razão à recorrente no sentido de ser julgado inválido o procedimento disciplinar, com as legais consequências e, para o caso de não ser decidido neste sentido é de parecer que a decisão do Tribunal a quo se mostra acertada, pelo que o recurso interposto deve ser julgado improcedente quanto à invocada inexistência de justa causa para o despedimento e à inadequação da sanção aplicada.
11- Ouvidas as partes, apenas se pronunciou a recorrente no sentido de concordar com a posição defendida quanto à invalidade do procedimento disciplinar discordando, no entanto, quanto à inexistência de nulidade de sentença e existência de justa causa para o despedimento.
II – Objeto do Recurso
Resulta das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, do CPC(Código de Processo Civil), aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º2, al. a) do CPT, que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).
Assim, são as seguintes as questões a decidir: (i) nulidade da sentença por padecer de ambiguidade ou obscuridade (art.º 615º, n.º 1, al. c) do CPC); (ii) nulidade da sentença por omissão pronúncia( art.º 615º, n.º1, al. d)) do CPC ); (iii) invalidade do procedimento disciplinar; (iv) caducidade do direito da ação disciplinar; (v) aplicabilidade do regime do art.º 387º, n.º 4 do CT.
III – Nulidades da sentença.
Nas suas alegações de recurso e, bem assim, nas respetivas conclusões a recorrente defende que a sentença será nula, por omissão ou apreciação inadequada das questões da ausência do contraditório ( artigos 2º a 6º das conclusões) e da caducidade do exercício do poder disciplinar (artigos 7º a 9º2primeiro das conclusões). A final pretende a recorrente que a sentença seja anulada.
Argumenta a recorrente que enviou resposta à nota de culpa para o domicílio do instrutor do processo disciplinar, que não a recebeu nem a considerou na decisão de despedimento, o que põe em causa a sua defesa e, impedindo o exercício do contraditório torna o procedimento disciplinar inválido e o despedimento ilícito. Mais refere não concordar com o entendimento do tribunal de primeira instância que considerou a sua resposta à nota de culpa classificando-a como “declaração não receptícia”, sendo que a resposta a nota de constitui a sua defesa e a única forma de intervir no processo disciplinar.
Quanto à caducidade refere que a recorrida imputou factos, em relação aos quais o direito de a punir caducou visto terem decorrido mais de 60 dias entre a sua ocorrência ou conhecimento e o início do processo disciplinar e, considera, ainda, criticável o entendimento da sentença de que lhe cabia o ónus de provar a data do conhecimento pela recorrido dos factos e que, em alguns casos, estes já estavam prescritos nos termos do art.º 329º, n.º 1 do CT.
Vejamos.
O artigo 615.º, n.º 1, do CPC, sob a epígrafe, “Causas de nulidade da sentença”, preceitua, no que ora releva que:
« 1. É nula sentença quando:
(…)
c. “Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;”
d. O juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento;
(…).
A nulidade a que se refere a alínea c) apenas se verifica quando se constate que os fundamentos de facto e/ou de direito da sentença não podiam logicamente conduzir à decisão que veio a ser tomada ou quando nesta se verifica uma obscuridade ou ambiguidade que torna a própria decisão ininteligível.
O que está aqui em causa nesta alínea não é a decisão da matéria de facto, porquanto a lei prevê que quando a decisão da matéria de facto seja deficiente, obscura ou contraditória sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando se mostre indispensável a sua ampliação quanto a determinados factos ou, ainda, quando não esteja tal decisão devidamente fundamentada sobre factos essenciais para o julgamento da causa, haja lugar à impugnação da decisão da matéria de facto e à sua modificação, que até pode ser oficiosamente determinada em certas situações, nos termos previstos nos artigos 640.º e 662.º do CPC.
No que concerne à nulidade prevista na alínea d) esta tem de se conjugar com o disposto no n.º 2 do art.º 608.º do CPC, nos termos do qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Importa ter em atenção que o dever de decidir se impõe apenas quanto a questões suscitadas e quanto a questões do conhecimento oficioso, logo a omissão de pronúncia, geradora de nulidade da sentença, consubstancia-se no incumprimento do dever de decidir aquelas questões.
E como se pode ler no Ac. RL de 22/06/20233 “de salientar ser absolutamente pacífico que o conceito de “questões” que o juiz deve resolver na sentença, a que alude aquele normativo legal, se relaciona com a definição do âmbito do caso julgado, não abrangendo os meros raciocínios, argumentos, razões, considerações ou fundamentos (mormente alegações de factos e meios de prova) produzidos pelas partes em defesa das suas pretensões. Neste sentido, a título de exemplo, veja-se o acórdão do STJ de 10-01-2012, no proc. n.º 515/07.0TBAGD.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt.”
Atentando na sentença recorrida, constata-se que a mesma contem a decisão da matéria de facto, incluindo o elenco dos factos provados e não provados e a respetiva motivação e a fundamentação de direito onde foram apreciadas e decididas quer a questão do exercício do direito de defesa da trabalhadora quer da caducidade da ação disciplinar.
Com efeito e quanto à invocada preterição do direito de defesa face à devolução da carta de resposta à nota de culpa remetida pela recorrente ao Instrutor do processo, depois de decidir que a autora podia remeter a resposta à nota de culpa, quer para a entidade empregadora, quer diretamente para o Instrutor do processo (o que se verificou), o Tribunal a quo pronunciou-se sobre se a devolução da carta com a resposta à nota de culpa, configura uma recusa da entidade patronal/Instrutor do processo em recebê-la, referindo: “Subscrevemos a posição que a resposta à nota de culpa é uma declaração não receptícia. Donde resulta que, ela é eficaz, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada. No sentido que a resposta à nota de culpa não constitui uma declaração receptícia veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25.10.2017 domiciliado em www.dgsi.pt. Tendo no caso a forma sido a adequada, a devolução da carta remetida ao Instrutor do processo, com a menção “não reclamado”, não consubstancia, em nosso entender, uma recusa em receber a resposta à nota de culpa. Donde não podemos afirmar que houve preterição do dever de defesa da trabalhadora. Concluímos que inexiste a nulidade do processo disciplinar apontada pela trabalhadora.
E quanto à questão relativa à caducidade do poder disciplinar para efeitos de procedimento disciplinar o Tribunal a quo pronunciou-se no sentido de não se verificar a caducidade do direito de a recorrida exercer a sua ação disciplinar, tal como se pode aferir designadamente do seguinte excerto : “Competia, pois, à autora provar, não apenas a data do conhecimento dos factos mas também que quem deles teve conhecimento tinha competência disciplinar. A autora nada alega sobre o conhecimento dos aludidos factos pela ré como também nada alega quanto ao conhecimento dos mesmos por quem tivesse competência disciplinar. “
Do exposto resulta a falta de acolhimento dos argumentos aduzidos pela recorrente, porquanto a decisão assume um sentido claro não revelando ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível tendo-se pronunciado sobre todas as questões, sendo certo que aferir se a decisão em referência está correta ou não, é questão de mérito, que não de nulidade da mesma.
Improcedem, pois, as conclusões da alegação de recurso atinentes à arguição de nulidades da sentença.
IV- Fundamentação de facto
1-Na sentença foram considerados os seguintes factos:
«1 – Em 27 de maio de 2014, ré e autora subscreveram o escrito designado por “Contrato de Trabalho a Termo Certo”, junto a fls. 47 a 48 vs. cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzida.
2 – A autora foi admitida nessa data ao serviço da ré para exercer as funções da categoria profissional Ajudante de cozinha.
3 – Envolvendo tarefas inerentes à preparação e distribuição das refeições à sala de refeição da Direcção Central da XX; levantamento, lavagem e arrumação da loiça utilizada nos locais apropriados; auxílio à Cozinheira na confecção dos produtos alimentares, limpeza e arrumos diários; Desempenha, ainda, as tarefas de preparação da sala de reuniões da Direcção Central, que engloba a colocação de águas, fornecimento de cafés e bolos e o levantamento da respectiva loiça no final de cada sessão, entre outras funções que lhe possam incumbir, para as quais tenha afinidade e capacidade para as executar.
4 – A autora tinha como seu superior hierárquico imediato para o desempenho das suas tarefas a chefe de cozinha BB, no escalão superior o coordenador do Serviço YY CC e, por último, o Secretário-Geral da Direcção da ré, o Senhor DD.
5 – A autora tinha como local de trabalho as instalações da ré, sitas na Rua....
6 - Auferindo ultimamente a retribuição mensal de 779,72€ acrescida de diuturnidades de 21,00€.
7 - Por escrito de 3 de maio de 2023, remetido à autora por carta registada com aviso de recepção e junto a fls. 3 do processo disciplinar, a ré comunicou à autora a sua suspensão de funções e proibição de entrar nas instalações da ré.
8 – Por escrito datado de 19 de junho de 2023, remetida à ré por carta registada e com aviso de recepção e, junta a fls. 7 e ss. do processo disciplinar apenso, a ré comunicou a intenção de proceder ao despedimento, juntando a nota de culpa, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, assinaladamente, o seguinte: “(…).
I – Quanto aos Factos
1.º A entidade Empregadora é uma Pessoa Colectiva de Utilidade Pública Administrativa, sem fins lucrativos, de ideal patriótica e de carácter social, dotada de plena capacidade jurídica para a prossecução dos seus objectivos.
2.º No dia 27 de maio de 2015, a Arguida foi admitida pela Arguente, mediante a celebração de um contrato individual de trabalho por tempo certo para exercer sob a sua autoridade e direcção, as funções correspondentes à categoria profissional Ajudante de Cozinheira, cabendo-lhe as funções inerentes à sua categoria profissional, bem como outras actividades que a entidade empregadora pudesse legitimamente vir a incumbir, para as quais tenha afinidade e capacidade para a as executar.
3.º O que envolve, essencialmente, as tarefas inerentes à preparação e distribuição das refeições à sala de refeição da Direcção Central da XX; levantamento, lavagem e arrumação da loiça utilizada nos locais apropriados; auxilio à Cozinheira na confecção dos produtos alimentares, limpeza e arrumos diários; Desempenha, ainda, as tarefas de preparação da sala de reuniões da Direcção Central, que engloba a colocação de águas, fornecimento de cafés e bolos e o levantamento da respectiva loiça no final de cada sessão, entre outras funções que lhe possam incumbir, para as quais tenha afinidade e capacidade para as executar.
4.º Sem prejuízo da estrutura hierárquica e funcional da entidade arguente, no âmbito das responsabilidades e das relações de subordinação, a arguida tem como seu superior hierárquico imediato para o desempenho das suas tarefas a chefe de cozinha, BB, no escalão superior, o coordenador do Serviço YY CC e por último, o Secretário-Geral da Direcção da XX, o Senhor Cor. DD.
5.º A arguida tem como local de trabalho, as instalações da entidade arguente, sitas na Rua....
6.º A arguida desde há algum tempo que pauta a sua conduta no desempenho das suas funções com total desprezo pelas hierarquias estabelecidas pela Direcção Central da XX e no cumprimento das suas funções, o que levou à necessidade prévia (Procedimento Prévio de Inquérito) à acusação de apurar a totalidade dos factos e circunstâncias relevantes indiciadores de infracção disciplinar que consubstanciem como elementos necessários e suficientes à prática da violação de deveres gerais e especiais inerentes à função que exerce.
7.º Com efeito, tem sido recorrentes ao longo dos últimos anos, episódios de desobediência perante as instruções e ordens legitimamente emanadas pela sua estrutura hierárquica, com particular incidência na constante e reincidente recusa em prestar apoio ao serviço de copa nas reuniões da Direcção Central, tarefa que faz parte do conteúdo funcional das funções.
8.º A reiteração em comportamento de insubordinação deu origem a diversos comunicados escritos, pois sempre se acreditou que a mera possibilidade de uma sanção, para além da censura, fosse suficiente para debelar tais comportamentos.
9.º Para que se tenha a noção exacta da reiteração no comportamento errático da arguida que coloca em causa a disciplina e o regular funcionário do serviço a que está adstrita, afectando o bom nome da própria instituição perante os seus convidados e colaboradores, se passa a enunciar os factos concretos,
Assim,
11.º No dia 06 de Outubro de 2021, a entidade arguente foi informada pelo Coordenador do Serviço YY CC, que a trabalhadora arguida se tinha recusado a efectuar a tarefa de preparação da sala de Reuniões da Direcção Central, para a qual se encontrava escalada/nomeada.
12.º Basicamente, o serviço a que estava escalada compreendia a colocação de águas, o fornecimento de cafés e levantamento da loiça no final da sessão.
13.º Não obstante estar alertada, a arguida recusou liminarmente cumprir as ordens de trabalho, emanadas pelo seu chefe CC, sem qualquer motivo ou justificação.
14.º Assim como, não apresentou qualquer justificação plausível ou motivo de força maior que a impedisse de executar tal tarefa.
15.º Inclusivamente foi aconselhada pela Secretária do pessoal da Direcção Central, a senhora EE para repensar e reconsiderar a sua decisão, mas sem sucesso.
16.º Com a sua conduta reprovável não apenas colocou em causa a autoridade e direcção do seu chefe de serviço CC perante os demais colaboradores, como colocou fragilizou a sua autoridade perante a Direcção Central da XX, como obrigou à sua substituição pela cozinheira BB.
17.º A deslocação da cozinheira para o desempenho das tarefas da competência da arguida teve como consequência directa que a mesma deixasse de preparar o almoço e servi-lo dentro do horário definido.
18.º Com a sua conduta, de forma deliberada e consciente, a arguida colocou em causa o regular funcionamento da reunião da Direcção Central e dos seus membros, marcada para esse dia, com início pelas 10H00.
19.º Como se não bastasse, na presença de BB e EE e do seu chefe, o coordenador do Serviço YY, teceu comentários depreciativos dirigidos ao Secretário-Geral da XX, que se passa a transcrever: “Eu não vou baixar as calças ao senhor DD”.
20.º Tratou-se de um comentário reprovável e insultuoso, dirigido à pessoa do SecretárioGeral Cor DD, colocando em causa a sua dignidade e autoridade de chefe máximo do pessoal da DC.
21.º A arguida AA nunca procurou prevenir e minimizar eventuais conflitos que a sua postura pudesse originar, patenteando um agravamento da sua postura hostil e de desafio, que não podem continuar a ser toleradas.
22.º Apurou-se que em 7 de fevereiro de 2022, o coordenador do YY CC informou a Direcção da XX que a arguida AA insiste em pautar a sua conduta ao serviço com total desrespeito pela hierarquia estabelecida pela Direcção Central da XX.
23.º Em 22 de Abril de 2022, pela mão do coordenador do Serviço YY CC, a direcção da entidade arguente foi informada do seguinte:
1. A Ajudanta de cozinha AA já foi diversamente vezes alertada e instruída para prestar serviço de apoio às reuniões da Direcção Central (DC) da XX, instruções que são sistematicamente recusadas pela mesma.
2. O serviço referido em 1. Consiste basicamente em montar a mesa da sala de reuniões da DC com copos e garrafas de água individuais, servir cafés e chás sensivelmente a meio da Reunião e no final da Reunião recolher toda a palamenta para a cozinha da LC.
3. No final do dia 22 de Abril de 2022, o Ex.mo. Sr. Secretário-Geral da XX DD, após ter sido colocado ao corrente de que a situação de insubordinação se mantinha, instruiu a cozinheira e o coordenador para tentassem demover a arguida a mudar o seu comportamento, a fim de não comprometer o serviço e sobrecarregar outras colegas com uma tarefa que faz parte exclusivamente das funções da categoria que a mesma detém na orgânica da XX.
4. Mais uma vez, tais apelos revelaram-se completamente infrutíferos, alegando a arguida que não iria executar tais tarefas e que estaria disposta a enfrentar todas e quais quer punições que daí adviesse.
24.º Veio apurar-se que em 29 de Dezembro de 2022, a arguida recusou-se uma vez mais a executar algumas das funções para as quais fora contratada, neste caso, a lavagem da loiça do almoço, sendo já reincidente neste tipo de comportamento.
25.º Não obstante os múltiplos avisos da sua chefe directa e do coordenador do serviço YY, os quais a alertaram do risco de lhe ser instaurado um processo disciplinar, a arguida retorquiu que não se importaria com qualquer medida ou sanção que lhe fosse imposta, não reconhecendo a autoridade e direcção ao seu chefe directo CC, enquanto coordenador do Serviço YY, bem como a sua condição subalterna, perante a cozinheira BB, alegando que o seu único chefe seria o Secretário-geral XX, DD.
26.º No dia 28 de Abril de 2023, no período a seguir aos almoços, a arguida AA chegou ao balcão do Bar da XXe atirou toda a loiça que se encontrava no balcão para o chão, partindo-a lindamente.
27.º Como se não bastasse, dirigiu-se à cozinheira BB que se encontrava presente, dizendo-lhe: - “Estou cansada. Parti a loiça toda. Já está.”, deixando a sua colega de trabalho perplexa com a sua decisão, sem qualquer motivo ou fundamento que justificasse tal atitude.
28.º Nesse mesmo dia, a cozinheira BB confidenciou junto do colega FF o que se tinha passado, tendo sido aconselhada a participar superiormente.
29.º A cozinheira BB comunicou ainda que a arguida todas as quintasfeiras, dia de reunião da Direcção da XX, se recusa a colocar a e levantar a loiça utilizada no apoio às reuniões, apenas aceitando servir os cafés aos seus membros, obrigando a cozinheira a abandonar as suas funções e atrasar o seu serviço para executar as funções que lhe foram confiadas e são da sua responsabilidade.
30.º No dia 03 de maio de 2023, a cozinheira BB comunicou ao coordenador do Serviço YY o que se tinha passado, pois não podia continuar a encobrir mais as atitudes de total insubordinação da arguida, o qual transmitiu ao Secretário-Geral da XX, que considerou que deixou de haver condições para a manutenção do posto de trabalho da arguida, pois coloca em causa o regular funcionamento do seu serviço e a autoridade de todos os que sobre ela exercem autoridade funcional, ordenando a abertura de um inquérito prévio e instaurar contra a arguida um processo disciplinar com vista ao seu despedimento, por justa causa. (…).”
9 – A carta remetida à autora com a comunicação acima referida foi devolvida à ré com a menção “objecto não reclamado”.
10 – A comunicação acima referida, foi de novo remetida à autora em 06.07.2023 por correio registado e aviso de recepção e por email de 05.07.2023, ambos recepcionados pela autora.
11 – A autora remeteu a resposta à nota de culpa datada de 13.07.2023 para o domicilio profissional do Instrutor do processo, Advogado, por carta registada e aviso de recepção, devolvida à autora com a menção “objecto não reclamado”.
12 – Por escrito de 26 de julho de 2023, recebido pela autora em 28.07.2023, a ré remeteu à o relatório final e comunicação da aplicação da sanção de despedimento, com efeitos imediatos, junta a fls. 15 e ss. do processo disciplinar e, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
13 – Desde data não concretamente apurada mas situada entre os anos de 2020 e 2021 e, em número de vezes não concretamente apurado, a autora recusa efectuar a tarefa de preparar a sala de reuniões da Direcção Central designadamente colocar as águas na mesa para os membros da reunião e levantar a loiça no final da sessão com o esclarecimento que a autora servia os cafés e os bolos.
14 – Em face da recusa da autora era a cozinheira BB, além das tarefas que tinha a seu cargo, quem colocava as águas na mesa e a mesa era levantada quando houvesse oportunidade.
15 – Na presença de EE e do seu chefe, o coordenador do Serviço YY a autora afirmou quanto ao Secretário geral da ré, “Eu não vou baixar mais as calças ao senhor DD”, no contexto de não ter de fazer tudo o que este mandasse fazer.
16 – Em 29 de dezembro de 2022, alguns, entre quatro ou cinco associados, propuseram levar comida, no caso leitão e almoçarem nas instalações da XX e utilizando apenas a loiça da ré, o que foi autorizado pelo Secretário Geral.
17 – A autora recusou lavar a loiça utilizada nesta ocasião.
18 – Em circunstâncias não concretamente apuradas, em dia do mês de Abril de 2023, no período a seguir aos almoços quando a autora estava no Bar da XX a loiça que estava em cima do Balcão caiu e partiu-se.
19 – Posteriormente a este acontecimento, a autora disse perante a cozinheira BB “Estou cansada. Já está”.
20 – As tarefas acima referidas eram executadas antes por uma funcionária que se reformou em 2020.
21 – A autora invocava como motivo da recusa o excesso de tarefas a que estava adstrita.
22 – O escrito referido em 8, com a nota de culpa constava de papel timbrado com o nome do instrutor do processo “GG” e a menção “Advogado” constando no rodapé da folha o domicilio “Rua...” e o endereço electrónico e-mail....
23 – Em Julho de 2023 a ré pagou (28 dias) à autora a quantia 675,76€ de vencimento base e 18,20€ de diuturnidades.
24 – No ano de 2023, gozou dez dias úteis de férias entre 27 de Fevereiro a 10 de Março, vencidas em 01.01.2022.
25 – Em Maio de 2023, quando a autora foi suspensa, não tinha as férias afixadas. 26 – A autora recebeu a título de férias 441,16€.
*
Na sentença foi, ainda, considerado que “Com relevância para a discussão da causa, não se provaram outros factos do articulado de motivação, da contestação/reconvenção, resposta, designadamente:
1 – Que a deslocação da cozinheira para efectuar a tarefa da autora teve como consequência directa que a mesma deixasse de preparar o almoço e servi-lo dentro do horário definido;
2 – Que com este comportamento a autora colocou em causa o funcionamento da reunião central e dos seus membros marcada para aquele dia, com início pelas 10h00;
3 - Que a autora deliberadamente atirou toda a loiça que se encontrava no balcão para a partir;
4 – Que a autora afirmou ou admitiu ter partido a loiça intencionalmente;
5 – Que no dia 28 de abril de 2023, por cima da máquina do café estava um pano com um pires em cima que a autora não viu;
6 – Que quando a autora puxou o pano, o pires que veio atrás, tendo este caído em cima dos copos, partindo dois;
7 - Que a ré atribuiu à autora um número de tarefas que não lhe era possível cumprir dada a sua quantidade;
8 – Que o facto de a autora servindo apenas café, chá e bolos com uma bandeja, já fazia atrasar o trabalho da cozinha nos dias da reunião;
9 – Que a autora nunca se recusou a realizar tarefas, tendo muitas vezes ficado sem horas de almoço para executar todas as tarefas que lhe foram determinadas;
10 – Que a situação se agravou muito porque o chefe CC encarregado de fazer as compras de produtos para os almoços chega muitas vezes às 10h00/11h00 o que complica o trabalho uma vez que a refeição tem de estar pronta às 12h00;
11 – Que o episódio referido em 15 cerca das 12h00, quando o chefe CC, junto à cozinha, proferiu insultos dirigidos à autora, dizendo-lhe que esta “não servia nem como funcionária, nem como pessoa, nem como mulher”;
12 – Que no dia 2 de maio o Chefe CC chamou a autora e a cozinheira para irem ao Senhor Secretário, o qual pediu ao Senhor Arquitecto e à Senhora D. EE para estarem presentes;
13 – Que o Senhor Secretário despediu a autora verbalmente, devido a ter partido a loiça no dia 28 e devido às “bocas” desse mesmo dia.”
2. A recorrente não coloca em causa a factualidade apurada nem se mostra controvertido o decidido relativamente ao pedido reconvencional que se reportava a créditos salariais.
3- Invalidade do procedimento disciplinar
Regime legal do procedimento disciplinar
1. Em causa, nos autos está um despedimento com alegada justa causa sendo que as regras que regulam o correspondente procedimento disciplinar são as constantes do art.º 329º e ss e artigos 352º a 358º do CT.
O procedimento disciplinar inicia-se com a comunicação ao trabalhador da nota de culpa tendo como seu fundamento a prática, pelo trabalhador, de factos que integrem qualquer um dos comportamentos a que alude o art.º 351º n.º 2 do CT ou outros, pois que ali se prevê uma enunciação meramente exemplificativa, factos esses que, pela sua gravidade e consequências, são suscetíveis de tornar imediata e praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral afetando irremediavelmente a relação de confiança que subjaz a este tipo de vínculo.
A nota de culpa deduzida por escrito e efetivamente notificada ao trabalhador há-de conter a descrição circunstanciada dos factos que são imputados ao trabalhador, o que, aliás, consubstancia a única solução compatível com a dimensão e conformação material do direito de audiência prévia do trabalhador, decorrente do disposto no art.º 329º n.º 2 do CT e, antevendo-se a possibilidade de ser ao trabalhador aplicada, a sanção do despedimento com justa causa, tal sanção terá de ser expressamente referida, também por escrito, aquando da notificação da nota de culpa, art.º 353º, n.º1 do CT.
Nos termos do artigo 355º n.º 1 do CT, após ter sido notificado da nota de culpa, o trabalhador dispõe de 10 dias úteis para consultar o processo responder à nota de culpa, deduzindo por escrito os elementos que considera relevantes para esclarecer os factos e a sua participação nos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade.
Por seu turno o n.º 1 do art.º 356.º do CT prescreve que “O empregador, por si ou através de instrutor que tenha nomeado, deve realizar as diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa, a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo neste caso alega-lo fundamentadamente por escrito.”
Daqui resulta que as diligências probatórias requeridas pelo trabalhador têm de se mostrar pertinentes para o esclarecimento da verdade, o que significa que devem ter como objeto factos essenciais ou relevantes para a boa decisão do procedimento disciplinar e devem ser adequadas à demonstração da realidade dos factos objeto do procedimento disciplinar.
Após a receção da resposta à nota de culpa ou a conclusão das diligências probatórias, cumpre à entidade empregadora suscitar a intervenção das entidades a que alude o art.º 356º n.º 5 do CT, podendo o trabalhador, igualmente, usar da faculdade a que alude o nº 6, do mesmo preceito.
Recebidos os pareceres referidos no nº 5, do art.º 356º do CT, ou decorrido o prazo para o efeito, o empregador dispõe de 30 dias para proferir a decisão de despedimento, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção, cfr., o art.º 357º nº 1 do CT.
Quando não exista comissão de trabalhadores e o trabalhador não seja representante sindical, o prazo de 30 dias conta-se a partir da data da conclusão da última diligência de instrução, nº 2, do art.º 357º do CT.
A decisão que procede à aplicação da sanção do despedimento com justa causa deve ser fundamentada e constar de documento escrito, cfr. art.º 357 n.º5 do CT sendo na mesma ponderadas as circunstâncias do caso, nomeadamente as referidas no nº 3, do art.º 351º do CT mantendo-se a regra da vinculação temática da entidade empregadora, isto é, a impossibilidade de, em sede de decisão, serem invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, a menos que atenuem a sua responsabilidade.
A decisão determina a cessação do contrato logo que chega ao conhecimento do trabalhador ou dele é conhecida ou, ainda, quando só por sua culpa não foi oportunamente recebida, cfr. 357 n.º 7 do CT.
Importa, ainda, referir para a decisão em causa que o art.º 381º do CT sob a epigrafe “Fundamentos gerais de ilicitude do despedimento” preceitua que:
“Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes ou em legislação específica, o despedimento por iniciativa do empregador é ilícito:
a) Se for devido a motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso;
b) Se o motivo justificativo do despedimento for declarado improcedente;
c) Se não for precedido do respetivo procedimento;
d) Em caso de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador durante o gozo de licença parental inicial, em qualquer das suas modalidades, se não for solicitado o parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.”
E o art.º 382 do CT sob a epigrafe “Ilicitude de despedimento por facto imputável ao trabalhador” dispõe que:
1 - O despedimento por facto imputável ao trabalhador é ainda ilícito se tiverem decorrido os prazos estabelecidos nos n.ºs 1 ou 2 do artigo 329.º, ou se o respetivo procedimento for inválido.
2 - O procedimento é inválido se:
a) Faltar a nota de culpa, ou se esta não for escrita ou não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador;
b) Faltar a comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa;
c) Não tiver sido respeitado o direito do trabalhador a consultar o processo ou a responder à nota de culpa ou, ainda, o prazo para resposta à nota de culpa;
d) A comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não for feita por escrito, ou não esteja elaborada nos termos do n.º 4 do artigo 357.º ou do n.º 2 do artigo 358º.»
2. O Tribunal a quo depois de decidir que a autora podia remeter a resposta à nota de culpa quer para a empregadora quer para o instrutor do processo e tendo sido enviada para o instrutor o foi na forma adequada, classificando a resposta à nota de culpa como uma declaração não receptícia considerou que “ a devolução da carta remetida ao Instrutor do processo com a menção “ não reclamado” não consubstanciava, (…), uma recusa em receber a resposta à nota de culpa” concluindo que não houve preterição do direito4 de defesa da trabalhadora.
Acompanhamos o entendimento da sentença recorrida na parte em que se refere que “(…) em abstrato, pode o trabalhador remeter a resposta à nota de culpa quer para a entidade empregadora como também o pode fazer para o Instrutor do processo. No caso, por maioria de razão, parece-nos que a trabalhadora teve legitimidade acrescida para remeter a nota de culpa para o Instrutor do processo disciplinar considerando as menções/informações que o papel onde foi exarada a nota de culpa continha, designadamente domicílio e endereço electrónico”.
E, acrescentamos, ainda que, mais estaria a trabalhadora legitimada a responder ao Instrutor do processo já que resulta da nota de culpa que o mesmo tinha procuração forense e poderes para a instrução do processo conforme print que segue:


Outrossim, se refira que da nota de culpa não consta qualquer advertência para a recorrente responder apenas para a sede da entidade empregadora ou das consequências a extrair se não o fizesse.
A discordância da recorrente reconduz-se ao entendimento na sentença recorrida de que a resposta à nota de culpa é uma declaração não receptícia e, ainda, de que não houve preterição do direito de defesa.
O aspeto mais importante da defesa do trabalhador é, obviamente, a resposta à nota de culpa.5
A resposta à nota de culpa é parte essencial do exercício do direito de defesa do trabalhador, sendo nesta oportunidade que o mesmo pode invocar e produzir provas de forma a refutar os factos imputados pela entidade empregadora constituindo aquela um elemento fundamental para a materialização da defesa do trabalhador.
A desconsideração pela entidade empregadora da resposta à nota de culpa impossibilita a apreciação dos argumentos e provas apresentados pela defesa do trabalhador.
Decorre do contexto factológico apurado que a entidade empregadora não tomou conhecimento da resposta à nota de culpa enviada pela recorrente com carta registada com aviso de receção e, não tomou conhecimento por não a ter ido reclamar à estação dos correios, depois de devidamente avisada (o que determinou que a mesma fosse devolvida à recorrente com a menção de “ não reclamada”, cfr. facto 11º da fundamentação de facto).
Ora, independentemente de se considerar (ou não) a resposta à nota de culpa como uma declaração não receptícia, o que releva no caso concreto é o comportamento da entidade empregadora que, em face do recebimento de um aviso dos correios não diligenciou – como devia - pelo levantamento da carta, carta essa que foi de forma adequada enviada pela recorrente.
No caso concreto o que releva é o comportamento da entidade empregadora que, em face do recebimento de um aviso dos correios não diligenciou – como devia – pelo levantamento da carta,
De acordo com o art.º 126º n.º 1 do CT “o empregador e o trabalhador devem proceder de boa fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respetivas obrigações.” Assim e, desde logo a entidade empregadora ao não proceder ao levantamento da correspondência que lhe foi endereçada adotou atitude contrária ao princípio da boa fé decorrente desta norma como princípio geral.
Mas mais, a entidade empregadora, por via do não recebimento da resposta à nota de culpa vedou a possibilidade à trabalhadora de os factos, argumentos ou fundamentos por si alegados na resposta fossem ponderados no contexto do procedimento disciplinar e de ser produzida prova que tenha requerido, o que constitui uma inadmissível compressão do direito de defesa, no caso, pela sua gravidade, à sua não concessão.
O direito de defesa não se materializa ou reconduz apenas à concessão de prazo para a resposta à nota de culpa ou à consulta do processo, antes impõe que desse direito derivem efeitos substantivos relevantes como sejam a possibilidade de ponderação da defesa e a realização das diligências de provas requeridas.
No caso, em que a recorrida se colocou, voluntariamente, numa situação de não ponderação da defesa e, inviabilizou, ainda, a produção de prova apenas se poderá concluir pela violação do direito de defesa.
E vedando à recorrente, arguida no processo disciplinar, a possibilidade de exercer o seu direito de defesa, verifica-se a existência de uma invalidade insanável do procedimento disciplinar que torna o procedimento disciplinar inválido e ilícito o despedimento da recorrente, cfr. art.º 382 n.º 2 al. c) do CT.
Consequentemente terá de proceder nesta parte o recurso.
3. Da caducidade do direito da ação disciplinar
Mostrando-se o procedimento disciplinar inválido e ilícito o despedimento da recorrente fica prejudicada a apreciação da caducidade do direito de ação disciplinar bem como de prescrição das infrações disciplinares.
4. Da invalidade do procedimento disciplinar e aplicabilidade do artigo 387º, n.º 4 do CT.
O art.º 387º n.º 4 do CT, estatui, no que ora releva que
(…)
4. «Em casos de apreciação judicial de despedimento por facto imputável ao trabalhador, sem prejuízo da apreciação de vícios formais, o tribunal deve sempre pronunciar-se sobre a verificação e procedência dos fundamentos invocados para o despedimento.»
No presente caso o procedimento disciplinar está afetado por vício gerador da sua invalidade, sendo as consequências daí decorrentes exatamente as mesmas que emergem da improcedência do motivo justificativo do despedimento.
No quadro exposto a apreciação da justa causa apenas se revelaria útil se a recorrente tivesse formulado a indemnização de antiguidade ao invés da reintegração, uma vez que os fundamentos invocados para o despedimento poderiam ter impacto na graduação da indemnização.
Assim, no caso em apreço, em que a recorrente pretende a reintegração – cfr. pedido formulado e sendo certo que não se vislumbra nos autos que tenha optado pela indemnização até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, cfr. art.º 391º n.º1 do CT - torna-se inútil apreciar, em termos substanciais ou materiais dos fundamentos da justa causa de despedimento por nenhuma influência terem nas consequências da ilicitude e não foi deduzido pedido de indemnização por danos não patrimoniais.
5 – Consequências da ilicitiude
Face à solução alcançada o despedimento é ilícito, pelo que deverá a ré/recorrida ser condenada a: (i) reintegrar a autora/recorrente, sem prejuízo da sua antiguidade e categoria profissional; e (ii) a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, art.º 389 e 390 n.º 1 do CT.
Às retribuições referidas deve ser deduzida a retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da ação, considerando que a comunicação do despedimento foi recebida por email em 05.07.2023 e a ação foi proposta em 07.09.2023 e, ainda, o subsídio de desemprego de que, porventura, a autora haja beneficiado que a ré/recorrida deve entregar à Segurança Social, cfr. artigos 389.º e 390º n.ºs 1 e 2 alíneas b) e c) do CT relegando-se a sua liquidação para incidente próprio dado que, de momento, se desconhecem os valores.
6. Responsabilidade pelas custas.
Na procedência do recurso interposto as custas da ação na primeira instância e do recurso são a cargo da ré/recorrida.
7- Decisão.
Em face do exposto, julga-se procedente o recurso interposto, revogando-se a sentença recorrida, na parte em que julgou a oposição improcedente e absolveu a ré dos pedidos que resultassem da ilicitude e, em sua substituição, declara-se ilícito o despedimento promovido ré XX e condena-se a mesma ré a:
(i) reintegrar a autora, sem prejuízo da categoria profissional e antiguidade;
(ii) pagar à autora as retribuições que esta deixou de auferir desde o dia o dia 8 de agosto de 2023 até ao trânsito em julgado da presente decisão, acrescidas de juros de mora até efetivo pagamento, retribuições essas deduzidas, no entanto, do subsídio de desemprego de que, porventura, a autora haja beneficiado durante aquele período de tempo que a ré deve entregar à Segurança Social, relegando-se a liquidação das mencionadas retribuições para incidente próprio.

Custas da ação na 1ª instância e do recurso a cargo da ré.

Lisboa, 20 de novembro de 2024
Alexandra Lage
Maria José Costa Pinto
Alves Duarte
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1. Por manifesto lapso de escrita escreveu-se “competentes”.
2. Há nas conclusões a repetição do art.º 9º.
3. Proferido no processo n.º 12225/21.0T8SNT.L1-2, disponível in www.dgsi.pt
4. Na decisão refere-se “dever” por mero lapso de escrita.
5. Ver Maria do Rosário Palma Ramalho, em “Direito de Trabalho – Parte II: Situações Laborais Individuais, 2ª Edição, Revista e Actualizada, pág. 851