Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
12319/18.0T8LSB.L1-7
Relator: ANA RODRIGUES DA SILVA
Descritores: COMPETÊNCIA
HOMOLOGAÇÃO
PODER PATERNAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: (elaborado ao abrigo do disposto no art. 663º, nº 7, do CPC)

1. As alterações legislativas introduzidas no Código do Registo Civil e no Código Civil pela Lei 5/2017, de 2 de Março, não retiraram competência ao Tribunal para a homologação de acordo sobre as responsabilidades parentais em caso de progenitores casados entre si e divorciados;

  2. A Lei 5/2017, de 2 de Março apenas alargou a faculdade de recurso às Conservatórias do Registo Civil aos progenitores unidos de facto em caso de separação e não casados nem unidos de facto, tal como já sucedia no caso de progenitores casados, e foi determinada pela necessidade de evitar tratamentos diferenciados para situações idênticas.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO

1. A. e A’. intentaram os presentes autos de alteração das responsabilidades parentais sobre os seus três filhos menores, requerendo a homologação de acordo que juntam.

2. Foi proferido despacho, declarando o Tribunal incompetente para apreciar o presente acordo e competentes as Conservatórias do Registo Civil.

3. Inconformados, os Requerentes recorrem deste despacho, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“O presente recurso restringe-se a uma questão de direito
2 - Efectivamente, os Recorrentes, cientes da possibilidade alternativa que lhes é conferida pela actual redacção do nº 2 do artº 1909º, do Código Civil, e atento facto de que o exercício das Responsabilidades Parentais, que pretendem alterar, já se encontra regulado por decisão transitada em julgado, de acção que correu termos pela (Extinta) 3ª Secção do anterior 1º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, sob o processo nº 1778/09.1TMLSB,
3 – E que, por factos supervenientes, se modificou a situação patrimonial de ambos os Requerentes, e também o estado de saúde do Requerente varão, acordaram em alterar os termos do Acordo em causa, tendo chegado a entendimento quanto à nova redação que o mesmo deverá ter, e submeteram-no à apreciação do Tribunal de Família e Menores da Comarca de Lisboa;
4 - Após um primeiro despacho, que ordenou à secção que obtivesse do arquivo o processo findo, em versão documental, os Requerentes foram notificados da decisão final, de que agora recorrem.
5 - Nesta, o Tribunal julgou-se incompetente para apreciar o requerido, determinando que, após a entrada em vigor da Lei 5/2017, de 02/03, essa competência é exclusiva das Conservatórias do Registo Civil.
6 - Ora, os Recorrentes têm diferente entendimento sobre as alterações determinadas pela entrada em vigor da Lei 5/2017, de 02/03, e pensam que não foi retirada aos Tribunais a competência agora também atribuída, por alargamento, às Conservatórias do Registo Civil, continuando os Tribunais de Família a manter a competência para homologar os Acordos sobre o exercício das Responsabilidades Parentais, neste caso em qua ambos os progenitores não são casados nem vivem em comum;
7 - O artº 1909º, nº 2, do Código Civil, na actual redacção, confere disjuntivamente aos requerentes a possibilidade de requererem a homologação de acordos junto do Tribunal competente ou junto da Conservatória do Registo Civil, nas restantes condições previstas na lei.
8 - Assim, o tribunal a quo está adstrito a ter de apreciar o Acordo submetido pelos Requerentes, nos termos do citado nº 2 do artº 1909º, do Código Civil, não podendo negar essa apreciação por se considerar incompetente, como o fez no Ponto 6 da Decisão em crise, 9 - Sob pena de estar a violar o estatuído no nº 2 do artº 1909º, do Código Civil, na sua actual redacção, o que tem de conduzir à nulidade da decisão ! Nulidade que aqui se argúi, para todos os efeitos legais !
10 - A própria Relação de Lisboa, no Acórdão de 21.06.2018, proferido no Processo 28114/17.0T8LSB.L1-6 (in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc73231603980256...) veio reiterar que a competência, nestas matérias abrangidos pela Lei 5/2017, de 02/03, pertence quer às Conservatórias do Registo Civil, quer aos Tribunais, por ser este o alcance do nº 2 do artº 1909º do Código Civil.
11 - Pelo que a decisão recorrida violou o artº 1909º, nº 2, do Código Civil, sendo nula. O que determina a sua revogabilidade, nos termos do artº 644º nº 1, al. a), do CPC”.

4. O Ministério Público apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
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II. QUESTÕES A DECIDIR
Considerando o disposto nos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, impõe-se concluir que a questão a decidir é determinar a quem compete a apreciação de acordos sobre a regulação das responsabilidades parentais no caso dos autos.
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III. APRECIAÇÃO DO RECURSO
Considerando as alegações apresentadas, temos que a questão a decidir é unicamente de direito, devendo ser apenas referidos os seguintes factos, que decorrem da análise dos autos:

1. Os Requerentes contraíram matrimónio entre si no dia 9 de Junho de 2004, tendo tal casamento sido dissolvido por divórcio decretado na 7ª Conservatória do Registo Civil em 12 de Dezembro de 2006;
2. No âmbito desse divórcio, os Requerentes acordaram quanto ao exercício do poder paternal relativamente aos seus três filhos menores, à prestação de alimentos e ao destino da casa de morada de família,
3. Em 22/09/2009, a Requerente intentou contra o Requerido incidente de incumprimento, no âmbito do qual foi alcançado acordo;
4. Em 23/05/2018, os Requerentes intentaram a presente alteração das responsabilidades parentais.

Sendo estes os factos, cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do art. 1901º, nº 1 do CC, “na constância do matrimónio, o exercício das responsabilidades parentais pertence a ambos os pais”.
Por seu turno, sobre a epígrafe “Exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento”, dispõe o art. 1906º, nº 1 do CC, que “As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio (…)”.
Mais refere o art. 123º, nº 1, al. d) da Lei da Organização do Sistema Judiciário que compete aos juízos de família e menores regular o exercício das responsabilidades parentais e conhecer das questões a este respeitantes.
Da conjugação destas normas parece resultar claro que as alterações aos acordos sobre as responsabilidades parentais são da competência material dos juízos de família.
Entende o despacho recorrido que “os progenitores que pretendam regular por mútuo acordo o exercício das responsabilidades parentais de filhos menores de ambos, ou proceder à alteração de acordo já homologado, devem requerê-lo a todo o tempo junto de qualquer Conservatória do Registo Civil e não junto do Tribunal, cabendo a competência para apreciar o presente acordo às Conservatórias do Registo Civil”, fundamentando esta conclusão no disposto no art. 274º-A do Código do Registo Civil e no art. 1909º, nº 2 do CC.
Defende assim o despacho recorrido que estas normas, aditadas pela Lei 5/2017, de 2 de Março, que entrou em vigor em 1 de Abril de 2017, vieram afastar dos tribunais estes processos de regulação das responsabilidades parentais.
Vejamos.
O diploma legal em apreço estabelece o regime de regulação das responsabilidades parentais por mútuo acordo junto das Conservatórias do Registo Civil, tendo, para tanto, alterado o Código Civil e o Código do Registo Civil, alargando às Conservatórias do Registo Civil a competência para homologar os acordos sobre o exercício das responsabilidades parentais.
Nos termos de tais alterações, sob a epígrafe “Separação de facto”, preceitua o art. 1909º, nº 1 do CC que “As disposições dos artigos 1905.º a 1908.º são aplicáveis aos cônjuges separados de facto”, estipulando o nº 2 que “Quando os progenitores pretendam regular por mútuo acordo o exercício das responsabilidades parentais de filhos menores ou proceder à alteração de acordo já homologado, podem requerê-lo a todo o tempo junto de qualquer Conservatória do Registo Civil, nos termos previstos nos artigos 274.º-A a 274.º-C do Código do Registo Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 131/95, de 6 de junho, ou requerer a homologação judicial de acordo de regulação das responsabilidades parentais, nos termos previstos no Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro”.
Por seu turno, o art. 274.º-A do Código de Registo Civil, aditado pela Lei n.º 5/2017, de 2 de Março, determina o modo como a regulação das responsabilidades parentais junto da Conservatória do Registo Civil deve operar, estabelecendo o respectivo processo de funcionamento.
Refere este artigo, sob a epígrafe “Regulação das responsabilidades parentais junto da Conservatória”, o seguinte:
“1- Os progenitores que pretendam regular por mútuo acordo o exercício das responsabilidades parentais de filhos menores de ambos, ou proceder à alteração de acordo já homologado, devem requerê-lo a todo o tempo junto de qualquer Conservatória do Registo Civil.
2- O requerimento previsto no número anterior é assinado pelos próprios ou pelos seus procuradores, acompanhado do acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais e sobre alimentos.
3- Recebido o requerimento, o conservador aprecia o acordo convidando os progenitores a alterá-lo se este não acautelar os interesses dos filhos, podendo determinar para esse efeito a prática de atos e a produção da prova eventualmente necessária.
4- Após apreciação do acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais prevista no número anterior, o processo é enviado ao Ministério Público junto do tribunal judicial de 1.ª instância competente em razão da matéria no âmbito da circunscrição da residência do menor, para que este se pronuncie sobre o mesmo no prazo de 30 dias.
5- Não havendo oposição do Ministério Público, o processo é remetido ao conservador do registo civil para homologação.
6- As decisões de homologação proferidas pelo conservador do registo civil produzem os mesmos efeitos das sentenças judiciais sobre idêntica matéria”.
Ora, da conjugação destas normas não se pode retirar a conclusão constante do despacho recorrido no sentido de retirar dos tribunais os processos em causa.
Na verdade, a alteração efectuada ao art. 1909º do CC foi determinada pela necessidade de adequação do Código Civil à realidade de progenitores não casados e por forma a evitar tratamentos diferenciados para situações idênticas.
Com efeito, esta lei, e tal como consta do seu texto, “estabelece o regime de regulação das responsabilidades parentais por mútuo acordo junto das Conservatórias do Registo Civil em caso de separação de facto e de dissolução de união de facto, bem como entre pais não casados, nem unidos de facto”, sendo que a sua origem é a existência dessa possibilidade em caso de progenitores casados entre si, no momento de apresentação de requerimento de divórcio por mútuo consentimento, e a consequente violação do principio da igualdade.
Com efeito, até à promulgação da Lei 5/2017, de 2 de Março, os progenitores que não fossem casados, vivendo ou não em união de facto, apenas poderiam estabelecer os termos do acordo sobre as responsabilidades parentais de filhos comuns através dos Tribunais.
Ao invés, aqueles progenitores casados entre si e que, por via da sua separação quisessem proceder a essa regulação de forma consensual, poderiam recorrer às Conservatórias do Registo Civil para peticionarem o divórcio por mútuo consentimento, nos termos previstos no DL 272/2001, de 13 de Outubro.
Ora, esta disparidade de critérios, claramente violadora do principio da igualdade, levou à criação da Lei 5/2017, de 2 de Março, cujo regime se refere apenas às regulações das responsabilidades parentais por mútuo acordo em caso de separação de facto e de dissolução de união de facto, bem como entre pais não casados, nem unidos de facto, estando as regulações das responsabilidades parentais por mútuo acordo em caso de progenitores casados previstas no âmbito do divórcio por mútuo consentimento no DL 272/2001, de 13 de Outubro.
Tal como se refere no Ac. TRL de 21.06.2018, Proc. 28114/17.0T8LSB.L1-6, relator Maria de Deus Correia, in www.dgsi.pt, “o objectivo da Lei n.º 5/2017 de 2 de março foi estender a faculdade de requerer a homologação do acordo de regulação das responsabilidades parentais na Conservatória do Registo Civil que já existia para os pais casados, em processo de divórcio por mútuo consentimento, àqueles pais que pretendem a separação de facto, e ainda àqueles que vivam em união de facto e pretendam dissolver tal união e ainda aos pais não casados nem unidos de facto. Ou seja, as alterações legais foram determinadas por razões de igualdade de tratamento.”
Acresce que, no caso dos autos, não tem aplicação o art. 1909º, nº 2 do CC, porquanto os progenitores foram casados entre si, encontrando-se divorciados. Na verdade, o citado art. 1909º apenas terá aplicação em situações de separação de facto e quando se torne necessário proceder à regulação por mútuo acordo do exercício das responsabilidades parentais de filhos menores ou proceder à alteração de anterior acordo sobre tal matéria, caso em que poderão os progenitores optar pelas vias propostas em alternativa no referido artigo.
A questão que ora se coloca é, independentemente da aplicação aos autos do art. 1909º do CC, saber qual o alcance do art. 274º-A do Código do Registo Civil quando refere “ou proceder à alteração de acordo já homologado”.
A resposta a esta questão não pode deixar de passar pela já referida necessidade de adequação à realidade de progenitores não casados e por forma a evitar tratamentos diferenciados para situações idênticas. Ou seja, as normas introduzidas no nosso ordenamento jurídico através da Lei 5/2017 de 2 de Março não podem deixar de ser entendidas como um todo, visando a adequação das várias realidades sociológicas em que esteja em causa a necessidade de fixação de acordos sobre as responsabilidades parentais, afastando qualquer tratamento desigual entre as várias situações.
Por este motivo, a possibilidade de peticionar a homologação de um acordo ou a sua alteração apenas pode ser enquadrada no âmbito do art. 1909º do CC e na alternativa ínsita nesta norma. Com efeito, importa não esquecer que o art. 1909º, nº 2 do CC permite aos progenitores optar entre duas vias, não excluindo qualquer uma das hipóteses aí referidas.
No que aos presentes autos diz respeito, e considerando que a alteração do acordo sobre as responsabilidades parentais dos Requerentes relativas aos seus três filhos menores não cai na previsão do art. 1909º, nº 2 do CC, conclui-se que a apreciação de tal acordo é da competência dos juízos de família e menores nos termos do art. 123º, nº 1, al. d) da Lei da Organização do Sistema Judiciário.
Mais, mesmo que assim não fosse, sempre os Requerentes poderiam optar pela via judicial, nos termos e para os efeitos do art. 1909º, nº 2 do CC, e tal como se veio de explanar.
Concluindo, e por ter partido de pressupostos errados, terá o despacho recorrido de ser revogado e substituído por outro que aprecie o requerimento de alteração das responsabilidades parentais apresentado pelos Requerentes e determine o prosseguimento dos autos em conformidade com o peticionado.

IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente a apelação, revogando-se o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que aprecie o requerimento de alteração das responsabilidades parentais apresentado pelos Requerentes e determine o prosseguimento dos autos em conformidade com o peticionado.

Sem custas.

Lisboa, 27 de Novembro de 2018

Ana Rodrigues da Silva

Micaela Sousa

Maria Amélia Ribeiro