Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1013/22.7GAALQ.L1-9
Relator: ANA MARISA ARNÊDO
Descritores: CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
MEDIDA CONCRETA DA PENA ACESSÓRIA
PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS COM MOTOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/24/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I. Tem sido entendido de forma unânime pela doutrina e pela jurisprudência que a determinação da medida concreta da pena acessória é efectuada de acordo com os critérios gerais utilizados para a fixação da pena principal, enunciados no art.º 71º do C. P.
II. A condução de veículos é, de per si, uma actividade perigosa e a concomitante ingestão de álcool potencia exponencialmente a perigosidade, sabido, ademais, o desfecho, demasiadas vezes trágico, de um tal binómio.
III. Conforme resulta dos mais recentes relatórios de sinistralidade da A.N.S.R.:
- Nos sete primeiros meses de 2024, face a 2023, verificaram-se aumentos em quase todos os principais indicadores: mais 626 acidentes (+3,1%), mais 49 feridos graves (+3,5%) e mais 647 feridos leves (+2,8%);
- Comparativamente a 2019 (ano de referência para a análise da evolução na década, conforme estabelecido pela Comissão Europeia), registou-se no Continente um agravamento na sinistralidade, reflectida em: aumentos nos acidentes (+639; +3,2%) 20.561; nas vítimas mortais (+7; +2,7%) e nos feridos graves (+191; +15,2%).
IV. É objectivamente revelador da concreta perigosidade o grau de álcool que foi detectado no sangue do agente, sendo certo que, no caso, como resulta da matéria de facto dada por assente, o arguido conduzia com uma taxa consideravelmente elevada, concretamente 2.594g/l, e foi interveniente em acidente de viação, o que revela o evidente perigo (para ele próprio e para os demais utentes da via pública) que sobreveio da sua conduta.
V. Ademais, o arguido trabalha por conta própria como motorista e já foi anteriormente condenado, por duas vezes, pela prática de crimes da mesma natureza.
VI. Neste concreto contexto, impõe-se a conclusão de que, a par das elevadíssimas razões de prevenção geral, são também já vigorosas as razões de prevenção especial.
VII. Atenta a identidade de critérios para a determinação da medida concreta da pena principal e da pena acessória, é, por princípio, expectável que se verifique alguma proporcionalidade na concretização e definição das mesmas.
VIII. In casu, o Tribunal a quo fixou a pena de multa em 95 (noventa e cinco) dias, ou seja, já no último terço da moldura legal – de 10 (dez) a 120 (cento e vinte) dias.
IX. E assim sendo, por referência ao conjunto dos factos apurados, incluindo, necessariamente, as condições pessoais do recorrente, a concreta pena acessória aplicada desacata os critérios legais e, maxime, os de adequação e proporcionalidade constitucionalmente impostos.
X. Se é certo que, como uniformemente tem sido defendido na jurisprudência, «(…) em sede de escolha e medida da pena, o recurso não deixa de reter o paradigma de remédio jurídico (na expressão de Cunha Rodrigues), no sentido de que a intervenção do tribunal de recurso, (também) neste particular, deve cingir-se à reparação de qualquer desrespeito, pelo tribunal recorrido, dos princípios e normação que definem e demarcam as operações de concretização da pena na moldura abstracta determinada na lei», não será de olvidar que, no caso, numa moldura legal de 3 (três) meses a 3 (três) anos, o Tribunal a quo fixou a pena acessória de proibição de condução em 5 (cinco) meses, ou seja e frisa-se, a parcos 2 (dois) meses do limite mínimo legal.
XI. O contexto delituoso - designadamente a taxa de álcool no sangue, a circunstância de o arguido ter sido interveniente em acidente de viação - e as condições pessoais - em particular as condenações já sofridas neste espectro criminal - justificam e reclamam a aplicação da pena acessória de proibição de condução em medida menos próxima do limite mínimo da pena aplicável, concretamente em 7 (sete) meses, tal qual propugna o recorrente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
1. Nos autos em referência, precedendo audiência de julgamento, a Senhora Juíza do Tribunal a quo, por sentença de 27 de Novembro de 2024, decidiu:
«1) Condenar o arguido AA pela prática do crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido nos termos do artigo 292º, nº1 do Código Penal, numa pena 95 (noventa e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros), numa quantia total de € 665,00 (seiscentos e sessenta e cinco euros);
2) Condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir, pelo período de 5 (cinco) meses, com a advertência de que, se não entregar a carta de condução na secretaria deste tribunal ou qualquer posto de polícia, em 10 dias a contar do trânsito da presente decisão, incorrerá na prática de um crime de desobediência, sem prejuízo da apreensão da mesma, (artigos 69º nº 3 do Código Penal e 500º nº 2 do Código de Processo Penal)».
2. O Ministério Público interpôs recurso da sentença condenatória. Aparta da motivação as seguintes conclusões:
«1. Nos presentes autos, foi o arguido AA, condenado pela prática do crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido nos termos do artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, numa pena 95 (noventa e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros), numa quantia total de € 665,00 (seiscentos e sessenta e cinco euros) e na pena acessória de proibição de conduzir, prevista e punida pelo artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, pelo período de 5 (cinco) meses.
2. Embora não se discorde da escolha da pena principal e do seu respetivo quantitativo diário, na opinião do Ministério Público, tal factualidade e razões de prevenção geral e especial positiva, impunham que fosse outra a pena acessória de proibição de conduzir em que o arguido foi condenado.
3. A medida acessória de proibição de conduzir traduz-se numa censura adicional pelo crime praticado, neste caso pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por se revelar especialmente censurável, e visa o efeito de prevenção geral de intimidação, e de prevenção especial, de modo a que o condutor imprudente não volte a praticar factos da mesma natureza.
4. Na determinação da sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor, o tribunal deverá dar predominante atenção à prevenção especial, que visa a consciencialização e futuramente paute a socialização do arguido, de molde a que futuramente paute as condutas de acordo com o prescrito pela lei, fatores estes que o tribunal a quo, salvo melhor opinião em contrário, não atendeu.
Senão vejamos.
5. As exigências de prevenção geral neste tipo de criminalidade são muito elevadas, pois importa acautelar as muito recorrentes situações de infração à lei por via do exagerado consumo de álcool, potenciadoras da elevada sinistralidade que ocorre nas estradas nacionais, e das nefastas consequências daí advenientes, bem como da tomada de consciência desses factos por parte de todos os cidadãos.
6. Ao nível das exigências de prevenção especial, estas também são elevadas, porquanto, se é certo que, por um lado, o arguido se encontra inserido profissional, social e familiarmente, por outro lado, não demostrou se encontrar arrependido da sua conduta, tendo inclusive procurado escamotear a sua conduta ao ter negado a prática dos factos, apresentando a versão que só tinha ingerido bebidas alcoólicas no período em que mediou a ocorrência do acidente de viação e a chegada das autoridades, ao que acresce, com especial relevância, o facto de este ter averbado no seu certificado criminal duas condenações pela prática de crimes da mesma natureza, ambos ocorridos em data anterior à dos factos aqui em apreço, mas em que uma das condenações é posterior.
7. No que concerne à ilicitude esta é elevadíssima, na medida em que, para além de o arguido ter sido interveniente em acidente de viação, a taxa de álcool com que o arguido conduzia de, pelo menos, 2,594 g/l, é mais do dobro a partir do qual se considera crime, sendo que a partir de 0,5 g/l já é proibido exercer a condução.
8. A culpa do arguido situa-se no patamar elevado, pois que, para além de esta ser reflexo da ilicitude, o arguido agiu com dolo direto.
9. Refere o Tribunal a quo que não se pode deixar também de ter em consideração que esta pena é sentida de forma mais pesada ou menos pesada de forma diferente por cada arguido, consoante a utilização que é dada a este documento, tendo-se em consideração que o arguido é o único sustento da família e trabalha por conta própria como motorista.
10. Pelo contrário, somos a entender que o facto de o arguido ser motorista profissional de pesados, ainda eleva mais as exigências preventivas que no caso se fazem sentir.
11. Deste modo e tudo ponderado, atendendo à ilicitude dos factos apurados, ao grau de culpa do arguido e às anotadas exigências de prevenção, entendemos que, nos termos do disposto nos artigos 71.º e 69.º, ambos do Código Penal, a Douta Sentença deve ser parcialmente revogada e o arguido AA condenado numa pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período, nunca inferior, a 7 meses».
3. O recurso foi admitido, por despacho de 16 de Janeiro de 2025, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
4. O arguido respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público, sem formulação de conclusões, nos seguintes termos:
«1.º O presente recurso está centrado na impugnação da decisão sobre a matéria de direito relativa à sentença proferida, no sentido de diferente aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados em que o Arguido fora condenado.
2.º Ora, salvo o devido respeito e conforme resulta de toda a prova produzida, a decisão do Tribunal a quo é integralmente acertada.
3.º De facto, todos os elementos probatórios que demonstraram os factos, per si, já foram considerados pelo Tribunal a quo na determinação da pena principal, e do respetivo quantitativo diário, e na determinação da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor.
4.º Ademais, conforme fora referido pelo Tribunal a quo “não se pode deixar também de ter em consideração que esta pena é sentida de forma mais pesada ou menos pesada de forma diferente por cada arguido, consoante a utilização que é dada a este documento, tendo-se em consideração que o arguido é o único sustento da família e trabalha por conta própria como motorista”.
5.º Pelo que se torna inteligível que a sentença ora proferida, para além de cumprir as exigências extraídas da determinação da medida da pena, nos termos do artigo 71.º do Código Penal, também considera as exigências de determinação concreta da pena, e de entre estas uma especialmente relevante no caso concreto: as condições pessoais do agente e a sua situação económica.
6.º Entendendo que a aplicação da pena principal de multa de 95 (noventa e cinco) dias, à taxa diária de € 7,00 (sete euros), perfazendo a quantia total de € 665,00 (seiscentos e sessenta e cinco euros) e a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 (cinco) meses, suficientemente acautelam as exigências de prevenção geral, o Tribunal a quo julgou, e bem, atender às exigências de prevenção especial.
Senão vejamos:
7.º Segundo a douta sentença proferida pelo tribunal a quo, quanto à aplicação da medida da pena acessória, que aqui se transcreve parte “: Por sua vez, o artigo que já foi referido anteriormente, artigo 69º, nº 1, alínea a) do Código Penal, refere que é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido, por crimes previstos nos artigos 291º e 292º, designadamente, crime de condução em estado de embriaguez. Assim, atento que o arguido vai condenado pela prática daquele crime, de acordo com aquela norma, será de aplicar a referida pena acessória, restando determinar a medida concreta da mesma. Considerar-se-á, assim, que os critérios de aferição da mesma são os mesmos da determinação da pena principal, já amplamente expostos, mas que, no entanto, a medida não é obrigatoriamente proporcional. Não se pode deixar também de ter em consideração que esta pena é sentida de forma mais pesada ou menos pesada de forma diferente por cada arguido, consoante a utilização que é dada a este documento, tendo-se em consideração que o arguido é o único sustento da família e trabalha por conta própria como motorista. Tendo isto em conta, ponderando os factores que já foram descritos, o presente Tribunal considera adequado que a pena acessória de proibição de conduzir por 5 meses.”
8.º Corrobora-se, portanto, que observando os componentes da ponderação na decisão in casu, ou seja, a ilicitude dos factos apurados, o grau de culpa do agente e as exigências de prevenção, o Tribunal a quo decidiu bem com a aplicação da pena acessória de proibição de veículos motorizados pelo período de 5 meses.
9.º O Ministério Público, ora recorrente, sustenta o seu articulado, em parâmetros que já foram considerados na aplicação da pena principal e na aplicação da pena acessória, não suscitando qualquer novo dado concreto para que se reformule a decisão, em nosso entender, correta proferida pelo douto Tribunal a quo.
10.º Pelo exposto decidiu bem o Tribunal a quo, determinando a pena principal de multa e a pena acessória de acordo com os supramencionados critérios, que foram corretamente valorados, sendo que, no caso concreto, ressurte para a decisão a circunstância das condições pessoais do Arguido».
5. Nesta instância, a Ex.ma Sra. Procuradora-Geral Adjunta, louvada no recurso interposto, é de parecer que o mesmo deve ser julgado procedente.
6. Cumprido o artigo 417.º, n.º 2 do C.P.P. não houve reacção.
7. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Delimitação do objeto do recurso
Atento o teor das conclusões da motivação do recurso, importa fazer exame da questão de saber se a Sra. Juíza incorreu em erro de jure na determinação da medida da pena acessória.
2. A decisão trazida da instância sobre a matéria de facto é do seguinte teor:
«1. No dia ........2022, pelas 19h20, o arguido seguia ao volante do veículo automóvel, ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-..-TM, na ..., em ..., depois de ingerir bebidas alcoólicas, apresentando uma taxa de álcool no sangue de 2,594 g/l, após deduzida a margem de erro máxima admissível.
2. Nessas circunstâncias o arguido foi interveniente em acidente de viação.
3. O arguido sabia que a quantidade de bebidas alcoólicas que havia ingerido lhe determinava necessariamente uma taxa de álcool no sangue superior a 1, 20 g/l e, não obstante, não se absteve de conduzir o aludido veículo na via pública, bem sabendo ser a sua condução proibida por lei.
4. Agiu livre, voluntária e conscientemente em toda a sua descrita atuação, bem sabendo que esta o fazia incorrer em responsabilidade criminal.
*
5. O arguido foi julgado, no âmbito do processo nº 49/19.0GFVFX, pela prática, a .../.../2019, de um crime de condução em estado de embriaguez, tendo sido condenado, por sentença transitada em julgado a 11/03/2019, numa pena de 75 dias de multa, à taxa diária de € 7,00, numa quantia total de € 525,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 4 meses.
6. O arguido foi julgado, no âmbito do processo nº 944/22.9GAALQ, pela prática, a .../.../2022, de um crime de desobediência, tendo sido condenado, por sentença transitada em julgado a 03/05/2023, numa pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 7,00, numa quantia total de € 420,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 3 meses e 15 dias.
7. O arguido trabalha por contra própria e retira um ordenado mensal de € 2.000,00.
8. Reside com a esposa, que padece de um cancro e se encontra sem trabalhar e com os dois filhos de 19 e 25 anos de idade que se encontram a estudar.
9. Paga uma renda no valor de € 370,00 e outra renda para o quarto da filha no valor de €270,00.
10. Relativamente a despesas habitacionais com água e electricidade, gasta, de 2 em 2 meses, cerca de € 470,00».
3. Da medida da pena acessória
Passemos, então, à apreciação da dissensão do recorrente relativamente ao julgado, na instância, sobre a pena acessória aplicada.
Como se extrai das conclusões apresentadas, o recorrente pretende ver agravada a pena acessória de inibição de condução aplicada, concluindo que o Tribunal a quo incorreu em erro de jure, por deficiente interpretação do disposto nos art.º 40.º e 71.º do C.P.
Relembremos que, em sede de escolha e medida das penas - principal e acessória - o Tribunal a quo ponderou nos seguintes termos:
«Tendo em conta o artigo 71º do Código Penal, esta determinação deverá ser efectuada em função da culpa do agente, tal como previsto no nº2 do artigo 40º do CP e das exigências da prevenção, previstas no nº1 do mesmo artigo.
O primeiro critério a ter em consideração são as exigências de prevenção geral, através das quais se determina o quantum da pena que satisfará aquelas exigências de forma mais cabal e se determina o limite mínimo, o quantum de pena abaixo do qual não se pode ficar por forma a não se frustarem aquelas exigências.
Dentro desta moldura, a medida concreta da pena irá ser encontrada em função das exigências de prevenção especial, funcionando a culpa, tal como referido no artigo em causa, uma função de limite máximo da pena, delimitando o seu máximo inultrapassável.
Posto isto, a determinação da medida concreta da pena será efectuada de acordo com estes critérios, atendendo às circunstâncias que fazem parte do tipo, na sua intensidade e às circunstâncias constantes do nº 2 daquele artigo 71º.
Concretizando.
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As exigências de prevenção geral, que se traduzem na necessidade de consciencializar a generalidade dos membros da comunidade e de reforçar a validade da norma jurídica violada são, conforme já referido e pelos motivos expostos, elevadas.
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Atendendo ao grau de ilicitude da conduta, ao modo de execução desta e à gravidade das suas consequências, bem como ao grau de violação dos deveres impostos ao agente, considera-se que estas apresentam níveis elevados.
O grau de ilicitude da conduta e o grau de violação dos deveres impostos ao agente mostram-se, desde logo, de um nível elevado, tendo em conta que a taxa de álcool que o arguido apresentava no sangue, era já bastante afastada face ao mínimo previsto na norma incriminadora.
Por sua vez, relativamente ao modo de execução da conduta não se observa qualquer especial grau de perversidade.
Em relação à gravidade das consequências da conduta, considera-se de grau elevado, uma vez que o arguido foi interveniente num acidente de viação.
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A intensidade do dolo assumiu a sua forma mais grave, conforme oportunamente exposto.
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Quanto aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, nada se pode considerar, uma vez que o arguido não admitiu a prática dos factos.
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Atendendo à conduta posterior e anterior ao facto, existe a relevar, de forma desfavorável ao arguido, o facto do mesmo ter optado prestar declarações em audiência de julgamento e ter optado por faltar à verdade, tentando desresponsabilizar-se da sua conduta.
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Atendendo às condições pessoais do agente e à sua situação económica, bem como à sua falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando deva ser censurada através da aplicação da pena, e referindo-nos também, face ao que vem sendo exposto, às exigências de prevenção especial em específico, afirme-se que são as mesmas de grau entre mediano e elevado, pelos motivos já expostos.
*
Ponderando todos estes factores, as exigências de prevenção geral e especial, a culpa e as condições pessoais do arguido, o tribunal entende por ajustada e adequada a seguinte pena:
- pena de multa de 95 dias pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez previsto e punido pelo artigo 292º, nº1 e artigo 69º, nº1, alínea a) do Código Penal.
*
Quanto à taxa diária a fixar - entre € 5,00 a € 500,00 - nos termos do artigo 47º do Código Penal deve-se atender à situação económica e financeira do arguido, bem como aos seus encargos.
Ora, atendendo aos factos dados como provados relativamente a esta situação do arguido, considera-se adequado fixar a taxa diária em € 7,00.
v. pena acessória
Por sua vez, o artigo que já foi referido anteriormente, artigo 69º, nº 1, alínea a) do Código Penal, refere que é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido, por crimes previstos nos artigos 291º e 292º, designadamente, crime de condução em estado de embriaguez.
Assim, atento que o arguido vai condenado pela prática daquele crime, de acordo com aquela norma, será de aplicar a referida pena acessória, restando determinar a medida concreta da mesma.
Considerar-se-á, assim, que os critérios de aferição da mesma são os mesmos da determinação da pena principal, já amplamente expostos, mas que, no entanto, a medida não é obrigatoriamente proporcional. Não se pode deixar também de ter em consideração que esta pena é sentida de forma mais pesada ou menos pesada de forma diferente por cada arguido, consoante a utilização que é dada a este documento, tendo-se em consideração que o arguido é o único sustento da família e trabalha por conta própria como motorista. Tendo isto em conta, ponderando os factores que já foram descritos, o presente Tribunal considera adequado que a pena acessória de proibição de conduzir por 5 meses».
Vejamos, então.
Tem sido entendido de forma unânime pela doutrina e pela jurisprudência que a determinação da medida concreta da pena acessória é efectuada de acordo com os critérios gerais utilizados para a fixação da pena principal, enunciados no art.º 71º do C. P.1
Na verdade, como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16 de Maio de 2018, processo n.º 185/17.7PFCBR.C1, in www.dgsi.pt. «IV – As penas acessórias são verdadeiras penas criminais e por isso, também elas estão ligadas à culpa do agente e são justificadas pelas exigências de prevenção (cfr. Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, 1ª Edição, 2013, Coimbra Editora, pág. 34).
V – São-lhes aplicáveis os critérios legais de determinação das penas principais o que significa dever, em princípio, ser observada uma certa proporcionalidade entre as medidas concretas da pena principal e da pena acessória, mas sem, todavia, esquecer, que a finalidade a atingir com a pena acessória é mais restrita, pois visa, essencialmente, prevenir a perigosidade do agente».2
Não obstante, e como é também pacífico, de entre os critérios gerais de determinação da pena, a fixação concreta da pena acessória de proibição de condução de veículos reclama particular ponderação no espectro da perigosidade demonstrada pelo agente.3
Dir-se-á a respeito, desde já, que não nos assolam quaisquer dúvidas - é, aliás, facto notório - que, a condução de veículos é, de per si, uma actividade perigosa e que a concomitante ingestão de álcool potencia exponencialmente a perigosidade, sabido, ademais, o desfecho, demasiadas vezes trágico, de um tal binómio.
Conforme resulta dos mais recentes relatórios de sinistralidade da A.N.S.R.4:
- Nos sete primeiros meses de 2024, face a 2023, verificaram-se aumentos em quase todos os principais indicadores: mais 626 acidentes (+3,1%), mais 49 feridos graves (+3,5%) e mais 647 feridos leves (+2,8%);
- Comparativamente a 2019 (ano de referência para a análise da evolução na década, conforme estabelecido pela Comissão Europeia), registou-se no Continente um agravamento na sinistralidade, reflectida em: aumentos nos acidentes (+639; +3,2%) 20.561; nas vítimas mortais (+7; +2,7%) e nos feridos graves (+191; +15,2%).
Vale por dizer que, as necessidades de prevenção geral são, inequivocamente, muitíssimo elevadas.
Por outro lado, desde logo, é objectivamente revelador da concreta perigosidade o grau de álcool que foi detectado no sangue do agente, sendo certo que, no caso, como resulta da matéria de facto dada por assente, o arguido conduzia com uma taxa consideravelmente elevada, concretamente 2.594g/l, e foi interveniente em acidente de viação, o que revela o evidente perigo (para ele próprio e para os demais utentes da via pública) que sobreveio da sua conduta.
Ademais, como ficou consignado na sentença revidenda, o arguido trabalha por conta própria como motorista5 e já foi anteriormente condenado, por duas vezes6, pela prática de crimes da mesma natureza.
Ou seja, neste concreto contexto, impõe-se a conclusão de que, a par das elevadíssimas razões de prevenção geral, são também já vigorosas as razões de prevenção especial.
Por outro lado, atenta a identidade de critérios para a determinação da medida concreta da pena principal e da pena acessória, é, por princípio, expectável que se verifique alguma proporcionalidade na concretização e definição das mesmas7.
Ora, in casu, como resulta do trecho acima transcrito, o Tribunal a quo fixou a pena de multa em 95 (noventa e cinco) dias, ou seja, já no último terço da moldura legal – de 10 (dez) a 120 (cento e vinte) dias.
E assim sendo, por referência ao conjunto dos factos apurados, incluindo, necessariamente, as condições pessoais do recorrente, estamos em crer que, a concreta pena acessória aplicada desacata os critérios legais e, maxime, os de adequação e proporcionalidade constitucionalmente impostos8.
Na verdade, se é certo que, como uniformemente tem sido defendido na jurisprudência, «(…) em sede de escolha e medida da pena, o recurso não deixa de reter o paradigma de remédio jurídico (na expressão de Cunha Rodrigues), no sentido de que a intervenção do tribunal de recurso, (também) neste particular, deve cingir-se à reparação de qualquer desrespeito, pelo tribunal recorrido, dos princípios e normação que definem e demarcam as operações de concretização da pena na moldura abstracta determinada na lei»9, não será de olvidar que, no caso, numa moldura legal de 3 (três) meses a 3 (três) anos, o Tribunal a quo fixou a pena acessória de proibição de condução em 5 (cinco) meses, ou seja e frisa-se, a parcos 2 (dois) meses do limite mínimo legal.
Ante todo o exposto, e sem desconsideração pela sensibilidade da Sra. Juíza do Tribunal a quo, afigura-se que o contexto delituoso - designadamente a taxa de álcool no sangue, a circunstância de o arguido ter sido interveniente em acidente de viação - e as condições pessoais - em particular as condenações já sofridas neste espectro criminal - justificam e reclamam a aplicação da pena acessória de proibição de condução em medida menos próxima do limite mínimo da pena aplicável, concretamente em 7 (sete) meses, tal qual propugna o recorrente.
Termos em que, o recurso merece procedência.
III. DISPOSITIVO
Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, revogando-se, na parcela atinente à pena acessória, a sentença recorrida, que se substitui pela decisão de condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de condução, prevista no artigo 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, por um período de 7 (sete) meses.
Notifique.

Lisboa, 24 de Abril de 2025
Ana Marisa Arnêdo
Manuela Trocado
André Alves
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1. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 3ª edição, pág. 348, «Tal como no direito germânico, a sanção de proibição de conduzir veículos com motor é, no direito nacional, uma verdadeira pena acessória. Desde logo, a sua aplicação depende da gravidade dos critérios gerais de determinação das penas, incluindo a culpa, e, por isso, a pena deve ser graduada no âmbito de uma moldura (…) devendo a graduação da pena atender ao grau de censurabilidade da conduta do agente e, nomeadamente, ao valor apurado da taxa de álcool no sangue».
2. No mesmo sentido, entre muitos outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/1/2015, in www.dgsi.pt. «“XVI - A proibição de conduzir veículos motorizados como pena acessória que é deve ser graduada, tal como a pena principal, segundo os critérios gerais de determinação das penas que decorrem dos artigos 40.º e 71.º do Código Penal».
3. «A pena acessória tem uma função preventiva adjuvante da pena principal, cuja finalidade não se esgota na intimidação da generalidade, mas dirige-se também, ao menos em alguma medida, à perigosidade do agente, reforçando e diversificando o conteúdo penal sancionatório da condenação», Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, §§ 88 e 232.
4. Consultáveis in www.ansr.pt.
5. «(…) como é sublinhado no acórdão do Tribunal Constitucional nº 440/202, de 23-10-2002, com a proibição de conduzir imposta ao recorrente, não fica postergado o direito ao trabalho, mas tão só «constrangido» esse direito, sendo que o direito ao trabalho (sem restrições), não pode ser valorado em termos absolutos, e a limitação desse direito decorrente da proibição de conduzir em consequência da prática dos crimes que a lei expressamente refere, é necessário na medida em que o sacrifício parcial daí resultante não é arbitrário ou carente de justificação, estando justificada essa limitação, para salvaguarda de outros bens fundamentais ou interesses constitucionalmente protegidos, como seja a segurança e a vida das pessoas que circulam nas estradas, como é aqui o caso. Aliás, aqueles que para exercerem a sua actividade tem de conduzir, devem ser os primeiros a cumprir escrupulosamente as regras estradais e, por serem os que utilizam com mais frequência as vias públicas, potenciando assim, maior risco, não podem invocar a necessidade de conduzir para beneficiarem de uma maior benevolência», Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16/5/2017, processo n.º 377/16.6GGSTB.E1, in www.dgsi.pt, com sublinhado nosso.
6. Pese embora a condenação sofrida no processo n.º 944/22.9GAALQ esteja em relação de concurso com a ora em crise.
7. Apesar de não ser exigível uma correspondência na duração, como assinalado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 667/94 de 14.12, BMJ 446º - suplemento, p. 102, « (…) a ampla margem de discricionariedade facultada ao juiz na graduação da sanção de inibição de conduzir, permite-lhe perfeitamente fixá-la, em concreto, segundo as circunstâncias do caso, desde logo as conexionadas com o grau de culpa do agente, nada na Lei Fundamental exigindo que as penas acessórias tenham que ter, no que respeita à sua duração, correspondência com as penas principais».
8. Art.º 18º, n. º 2 da C.R.P.
9. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/5/2021, processo n.º 88/16.2PASTS.S2, in www.dgsi.pt.