Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1393/23.7PDAMD.L1-5
Relator: ALDA TOMÉ CASIMIRO
Descritores: EXCESSO DE PRONÚNCIA
CONTRADIÇÃO INSANÁVEL
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA
AGENTE DA AUTORIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/21/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECUSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I. O aditamento de um facto, provado, que enquadra a actuação do arguido, não pode ser tido como um facto de que o Tribunal não podia tomar conhecimento ou que alargue o objecto da causa, para efeitos de cometimento de nulidade por excesso de pronúncia.
II. Não configura contradição insanável ter sido dado como provado que o arguido empurrou o Agente da PSP com o propósito de atingir o corpo daquele e ainda com o propósito de impedir a sua algemagem, pois estes dois propósitos podem coexistir na acção de empurrar, sem que se possa afirmar que a existência de um exclui por natureza a existência de outro.
III. Um empurrão, ainda que não cause dor significativa ou lesão visível, constitui uma agressão do ponto de vista ético-social, um gesto molestador, um constrangimento físico com capacidade para integrar o conceito de ofensas à integridade física.
IV. É facto especialmente censurável a resposta violenta de um suspeito da prática de crime, a uma conduta legítima de um Agente da Autoridade que, no exercício das suas funções, o esteja a deter enquanto suspeito da prática de um crime.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa,

Relatório
No âmbito do processo abreviado, nº 1393/23.7PDAMD, que corre termos no Juiz 3 do Juízo de Local Criminal da Amadora, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, foi o arguido,
AA, solteiro, ..., nascido a ........1975 em …, filho de BB e CC, residente na ...,
condenado, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143º, nº 1 e 145º, nºs 1, alínea a) e 2, por referência ao disposto no art.º 132º, nº 2, alínea l), todos do Cód. Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão, substituída por 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), num total de € 500,00 (quinhentos euros).
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Sem se conformar com a condenação o arguido interpôs o presente recurso, pedindo que:
- se declare a sentença nula por excesso de pronúncia, de acordo com o art.º 379º, nº 1 alínea c) do Cód. Proc. Penal;
- se considere que existe contradição insanável na fundamentação da matéria de facto da decisão e consequentemente se decrete o vício previsto no art.º 410º nº 2 alínea b) do Cód. Proc. Penal, determinando-se o reenvio dos autos, para novo julgamento na íntegra, como dispõe o art.º 426º nº 1 do mesmo Código;
- subsidiariamente, deverá considerar-se não estar verificada a agravante do tipo e que a conduta do arguido não foi suficiente para preencher materialmente o tipo legal de ofensa à integridade física, dada a insignificância do respetivo grau de ilicitude, absolvendo-se o mesmo do crime de que vem acusado.
Para tanto, formula as conclusões que se transcrevem:
a) Foi o ora recorrente arguido condenado pela prática, de 1 (um) crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artºs 143º, nº 1 e 145º, nºs 1, al. a) e 2 por referência ao disposto no artigo 132º, nº 2, al. l), todos do Código Penal, na pena de 6(seis) meses de prisão, substituída por uma multa de 100 (cem) dias, à taxa diária de €5,00 (cinco), no valor global de €500,00 (quinhentos) euros.
b) A 30 de abril de 2024 o Tribunal comunicou uma alteração não substancial dos factos entendendo se encontrarem indiciados os seguintes factos: “Mais agiu com o propósito de impedir a sua algemagem, apesar de bem saber que o ofendido era agente da autoridade e que se encontrava no exercício das suas funções e, ainda assim, não se inibiu de praticar a conduta descrita».
c) O arguido deduziu oposição à aludida comunicação, que poderia conduzir à condenação do arguido por um crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo art.º 347º do Código Penal, por entender que não obstante se tratar de um crime menos gravemente punido, trata-se de um crime diverso daquele que o arguido foi acusado, protegendo bens jurídicos diferentes.
d) Concluindo, que tal facto não podia ser adicionado, porquanto representaria uma alteração substancial de factos, nos termos do artigo 359º nº 1 do C.P.P e não uma alteração não substancial dos factos, nos termos do art.º 358º do C.P.P. como foi comunicado.
e) Porém e em face da oposição apresentada pelo arguido, o Tribunal verificou certamente que não obstante a convolação comunicada fosse para um crime menos grave, tal não poderia operar porquanto estaríamos perante uma alteração substancial de factos, cfr. art.º 1º alínea f) do C.P.P.
f) Nesta medida e decidindo “andar para trás”, condenou o arguido pelo crime de ofensa à integridade física qualificada, ao invés de o absolver como se impunha.
g) Ora, o Tribunal aquando da sua comunicação fez desde logo constar que se encontravam indiciados factos que consubstanciavam a prática de um crime de resistência e coação sob funcionário.
h) Certo é que e não obstante condenar o arguido pelo crime de ofensa à integridade física qualificada, manteve nos factos provados o facto comunicado, não o podendo fazer pois, tal facto levaria à imputação de um outro crime e estaríamos perante uma alteração substancial de factos, cfr. art.º 1º alínea f) e art.º 359º do C.P.P., ou seja do crime de ofensas à integridade física qualificada para o crime de resistência e coação sob funcionário.
i) Não estando habilitado a introduzir tal facto no objeto do processo, não o poderia dar como provado afinal.
j) Pois alargou ilegalmente aquele objeto.
k) O que se reconduz a um excesso de pronúncia e determina a nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, nos termos do art.º 379º nº 1 alínea c) in fine C.P.P, o que desde já se argui.
l) Porém também entende que existe contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, cfr. art.º 410º nº 2 alínea b) do C.P.P.
m) E isto porque o Tribunal deu simultaneamente como provado que o arguido pretendia agredir o ofendido, atingindo-o na sua integridade física, mas também resistir à detenção que estava a ser efetuada pelo ofendido.
n) Ora os factos 5 e 6 da matéria de facto provada, são antitéticos e por isso, não podem coexistir na matéria de facto da mesma sentença, porquanto estão em contradição.
o) Constitui, pois, o vício da decisão previsto no art.º 410º nº 2 alínea b) do CPP que não pode ser sanado nesse VENERANDO TRIBUNAL DA RELAÇÃO.
p) Devendo, pois, determinar-se o reenvio dos autos, para novo julgamento na íntegra, como dispõe o art.º 426. º nº 1 do Código de Processo Penal.
q) No entanto e por mero dever de patrocínio, sempre se dirá que não está preenchida a agravante do nº 2 do art.º 145º que remete para o artigo 132º nº 2 alínea l).
r) O preenchimento do tipo legal do crime de ofensa à integridade física qualificada previsto no artigo 145º do Código Penal, no que ao presente caso importa, pressupõe a verificação de uma lesão da integridade física simples (artigo 143º do CP), sendo necessário, ainda, que a conduta do agente revele uma censurabilidade ou perversidade acrescida, a qual poderá decorrer das circunstâncias previstas no nº 2 do artigo 132º do Código Penal, entre outras.
s) “Existe especial censurabilidade para efeitos do disposto no artigo 132º do Código Penal, suscetível de qualificar o crime de ofensa à integridade física, ex vi do estatuído no artigo 145º, nº 2 do Código Penal, se as circunstâncias em que a ofensa foi causada forem de tal modo graves que refletem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores. E existirá especial perversidade do agente, se a conduta empreendida revelar uma atitude profundamente rejeitável, no sentido de ter sido determinada e constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade.”
t) Ora, da sentença do Tribunal “a quo”, verificamos que o mesmo não justifica porque considera estar verificada a perversidade ou censurabilidade constante quer do art.º 145º nº 1, quer do art.º 132º nº 2 do C.P.
u) Reconduzir-se o preenchimento deste tipo de culpa com a simples afirmação de que o arguido pôs em causa atos praticados por agente de autoridade é o mesmo dizer que a referida tipicidade é de preenchimento automático, não carecendo da análise sobre a censurabilidade ou perversidade da conduta, isto é, é realizar uma leitura errada do disposto nos artigos 132º nº 2 alínea l e 145º nº 1 do C.P.
v) Entende assim o recorrente que há omissão de pronúncia quanto a esta questão que se reconduz também a nulidade, nos termos do art.º 379º nº 1 alínea c) do C.P.P.
w) Ou se se preferir revela a inexistência dessa especial censurabilidade ou perversidade, ou que só pode determinar a absolvição do arguido por este crime.
x) Com efeito, o arguido apenas empurrou o ofendido quando ia ser detido, situação que não revela especial agressividade e que é até normal, na luta do homem pela sua liberdade.
y) Nunca poderia, pois, mesmo fundamentando concluir-se pela existência no caso, da especial censurabilidade ou perversidade, nos termos do art.º 132º nº 2 alínea l) e 145º nº 1 do C.P, pelo que restaria ao julgador absolver o arguido do crime imputado.
z) No entanto, e por mera cautela de patrocínio sempre se dirá que a conduta do arguido não foi suficiente para preencher materialmente o tipo legal de ofensa à integridade física, dada a insignificância do respetivo grau de ilicitude.
aa) E isto porque não se pode descurar o contexto em que tal o empurrão foi dado.
bb) O arguido estava a ser detido e, portanto, privado da sua liberdade, o que parece aliás ser até normal, a luta do homem pela sua liberdade.
cc) Por outro lado, não ficou provado que o empurrão dado pelo arguido ao ofendido tenha afetado o bem-estar físico do agente da PSP de forma minimamente apreciável, pelo que tal comportamento deve ser considerado de pequena intensidade e sem consequências assinaladas.
dd) Devendo revelar-se atípica a conduta do arguido recorrente, impondo-se a sua absolvição do crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelos artigos 143º e 145º, nº 1, al. a) por referência ao art.º 132º, nº 2, al. l), ambos do Código Penal, pelo qual o arguido vinha acusado.
ee) Foram violadas as seguintes normas jurídicas: art.º 145º nº 1 e 2; 132º nº 2 alínea l) ambos do Código Penal e artºs 358º nº 1 e 379º nº 1 alínea b) e c) do Código de Processo Penal.
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O Ministério Público junto da 1ª instância apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença recorrida e apresentando as seguintes conclusões:
1. Segundo parece dar a entender o recorrente, o tribunal a quo procedeu a uma alteração dos factos da acusação, os quais, na sua perspetiva, integram uma alteração substancial dos factos, incorrendo o Tribunal, assim, no vício previsto na alínea c) do artigo 379.º do CPP, que se reconduz a um excesso de pronúncia e determina a nulidade da sentença;
2. No caso em apreço não se verifica qualquer dos vícios elencados no artigo 379.º do CPP.
3. Na nossa perspetiva, inexiste qualquer alteração substancial de factos, pois o crime não é diverso e a moldura penal abstracta permanece a mesma. Na verdade, a unidade criminosa mantém-se intocada, a realidade fáctica é aquela, embora com uma nuance de pormenor que não agudiza, nem de longe nem de perto, a situação do arguido;
4. A alteração introduzida pelo Tribunal na descrição dos factos, revela-se, salvo melhor entendimento, como inócua e absolutamente irrelevante para a decisão da causa, motivo pelo qual deverá improceder a arguição da nulidade invocada pelo recorrente, não ocorrendo qualquer supressão dos direitos da defesa;
5. Acresce que, não assiste razão ao recorrente quando alega que “o Tribunal deu simultaneamente como provado que o arguido pretendia agredir o ofendido DD atingindo-o na sua integridade física e também resistir à detenção que o ofendido efetuava” e que tais “factos antitéticos não podem coexistir na matéria de facto, na mesma sentença, sob pena de contradição, na sua matéria de facto”;
6. Compulsada a decisão recorrida na sua globalidade, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum e sem possibilidade de recurso a quaisquer elementos externos, como manda o corpo do n.º 2 do art.º 410.º, não detectamos a existência do vício que estivemos a falar;
7. Assim, atendendo ao exposto é forçoso concluir que a pretensão do recorrente quanto ao alegado vício de contradição insanável deve improceder, porquanto as situações invocadas, ao longo da extensa motivação recursória, não configuram oposição inconciliável para os efeitos do artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do CPP;
8. Alega, por fim, o arguido, aqui recorrente que “a conduta do arguido não foi suficiente para preencher materialmente o tipo legal de ofensa à integridade física, dada a insignificância do respetivo grau de ilicitude. Devendo revelar-se atípica a conduta do arguido recorrente, impondo-se a sua absolvição do crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelos artigos 143.º e 145º, nº 1, al. a) por referência ao art.º 132.º, nº 2, al. l), ambos do Código Penal.”;
9. Resulta da factualidade dada como provada que o arguido deu um empurrão no peito do ofendido, agente da PSP em exercício das funções, o que provocou o desequilíbrio do mesmo;
10. O facto de não haver lesões não significa que o crime não se consumou. O arguido ao empurrar o ofendido, provocou-lhe desequilíbrio. Portanto, foi o ofendido prejudicado no seu bem-estar físico de uma forma significante e não o contrário, como pretende o recorrente;
11. Veja-se a este propósito o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, de 07.03.2012, disponível em www.dgsi.pt, ao considerar que: “1.- Não é necessário que haja uma lesão na saúde do ofendido para que se atinja o conceito de ofensa corporal. 2.- Pratica o crime de ofensa à integridade física aquele que, voluntária e conscientemente desfere um empurrão com ambas as mãos no peito do ofendido, desequilibrando-o, ainda que não lhe cause qualquer lesão.”;
12. Cumpre, agora, analisar se a conduta do arguido, aqui recorrente, é ainda subsumível à circunstância modificativa agravante prevista no artigo 145.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, por referência ao art.º 132.º, n.º 2, al. l) do CP;
13. Ficou demonstrado que o arguido quis molestar fisicamente o corpo do ofendido, ao desferir-lhe um empurrão no peito, provocando o seu desequilíbrio;
14. A conduta descrita nos factos provados reflectiu uma especial indiferença para com o direito, sendo, por via disso, merecedora de uma especial censurabilidade, nos termos e para efeitos do mencionado artigo 145º, do aludido diploma legal - que nos remete para as diversas alíneas do artigo 132º, n.º 2;
15. In casu, a actuação do arguido constitui uma violação inaceitável da integridade física do agente da PSP e uma demonstração intolerável de força física intencionalmente dirigida à lesão do corpo e da saúde daquele;
16. Reveste, assim, a especial censurabilidade geradora de uma culpa agravada, de que as circunstâncias previstas no artigo 132º, nº 2, al. l), do referido Código constituem exemplo padrão;
17. O arguido sabia que o ofendido integrado em patrulha policial executava missão de autoridade pública pelo que o facto de se ter decidido investir contra a integridade física do mesmo é merecedora de especial censura, daí a justificação para a qualificação do crime;
18. Não sendo invocável o direito à resistência previsto no art.º 21º, da CRP, pois a ilicitude da sua conduta justificou a intervenção da autoridade policial;
19. Por conseguinte, bem andou o Tribunal a quo ao subsumir os factos ao direito, integrando a conduta do arguido na prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 143.º, n.º 1, 145º, n.º 2, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. l, todos do Código Penal.
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Nesta Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta elaborou Parecer onde afirma acompanhar, nos precisos termos em que vem formulada, a resposta apresentada pela Digna Procuradora da República junto da 1ª Instância.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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Fundamentação
Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos:
1. No dia ... de ... de 2023, o arguido foi abordado na ..., pelo Agente da PSP EE, enquanto conduzia um velocípede da ...”, por existirem suspeitas de que o mesmo pudesse ser furtado, em virtude de ser de uso exclusivo à circulação em ...
2. Com vista à realização de diligências processuais relacionadas com tal situação, compareceu uma patrulha da ... Esquadra da PSP, da …, por forma a realizar o transporte do arguido.
3. Nessa sequência, compareceram os Agentes da PSP FF e DD, devidamente uniformizados e em exercício de funções, que de imediato elucidaram o arguido dos procedimentos a adotar para a sua condução à Esquadra, mormente a necessidade de ser algemado.
4. Quando os Agentes da PSP iniciaram a algemagem do arguido, este, em ato contínuo, desferiu com as suas mãos um empurrão no peito do Agente da PSP DD, causando o seu desequilíbrio.
5. Ao desferir, nos termos descritos, um empurrão no Agente da PSP DD, o arguido agiu com o propósito de atingir, como bem atingiu, o corpo daquele, bem sabendo que a sua conduta era adequada a provocar o seu desequilíbrio, o que quis e logrou.
6. Mais agiu com o propósito de impedir a sua algemagem, apesar de bem saber que o ofendido era agente da autoridade e que se encontrava no exercício das suas funções e, ainda assim, não se inibiu de praticar a conduta descrita, o que logrou e quis.
7. O arguido actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que o seu comportamento se encontra previsto e é punido pela lei penal.
Mais se provou:
8. Apesar de regularmente notificado, não compareceu à audiência de julgamento.
9. O arguido não tem averbados antecedentes criminais.
E consideraram-se como não provados os seguintes factos:
1. Que, em consequência do empurrão desferido pelo arguido, DD tenha sentido dores.
2. Que o arguido soubesse que a sua conduta era adequada a provocar dores ao ofendido e que essa fosse a sua intenção.
O Tribunal recorrido motivou a decisão sobre a matéria de facto como segue:
O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica e articulada dos diversos elementos de prova constantes dos autos, à luz do art.º 127.º do CPP.
No que respeita aos factos n.ºs 1 a 4, o Tribunal atendeu aos autos de notícia juntos aos autos a fls. 3 e 5, os quais foram corroborados pelas declarações dos agentes da PSP FF e DD. Com efeito, os agentes referiram que, quando se encontravam a realizar uma operação de patrulhamento, foram chamados ao local por outro colega, em virtude de haver suspeitas da prática de um ilícito de furto de uma bicicleta da empresa “...” (de uso exclusivo à circulação em Lisboa). Chegados ao local, explicaram ao arguido os procedimentos que teriam de ser adotados em virtude das suspeitas que sobre o mesmo recaíam, designadamente, a algemagem do mesmo e transporte para a esquadra, com vista a proceder à elaboração do expediente. No momento em que o agente DD se preparava para algemar o arguido, o mesmo desferiu-lhe um empurrão no peito com as suas mãos, na sequência do qual o ofendido foi impelido a dar dois passos atrás até recuperar o equilíbrio. Mais referiram que, após a situação referida, manietaram o arguido e procederam à sua detenção.
O Tribunal reputou por credíveis as declarações dos agentes, as quais se mostraram seguras, assertivas e consentâneas entre si, inexistindo qualquer elemento nos autos do qual resulte que estivessem animados por um sentimento de retaliação ou vingança em relação ao arguido. Acresce que a versão dos acontecimentos avançada pelos mesmos se mostra consentânea com os restantes elementos probatórios juntos aos autos.
O arguido, apesar de regularmente notificado, optou por não comparecer à audiência de discussão e julgamento, o que, conforme é consabido, não o pode favorecer ou prejudicar. Não obstante, o Tribunal ficou plenamente convencido de que o mesmo foi o autor dos factos em apreço. Com efeito, o agente da PSP FF salientou que procederam à sua identificação com base na identificação que tinha sido feita aquando da elaboração do expediente relativo ao ilícito de furto (sendo que, conforme resulta dos respetivos autos de notícia, os expedientes foram realizados com a diferença de 19 minutos). Mais acrescentou que não tinha qualquer dúvida de que se tratava do mesmo indivíduo.
Os factos objetivos dados como provados não se compreendem a não ser como a exteriorização de uma vontade de atingir a integridade física do ofendido, apesar de bem saber que se tratava de agente da PSP devidamente uniformizado e no exercício das suas funções, com vista a impedir que o mesmo lograsse efetivar a sua detenção (porquanto o empurrão foi desferido no momento em que o ofendido se preparava para proceder à sua algemagem). Acresce que, ao desferir um empurrão no peito do ofendido, o arguido não poderia deixar de saber que tal comportamento era adequado a provocar o desequilíbrio daquele. Nada nos autos permite afirmar que o arguido não tivesse a liberdade e a capacidade de agir de forma diversa, de acordo com o comportamento lícito alternativo, pelo que se não o fez foi porque não quis.
No que respeita à ausência de antecedentes criminais, o Tribunal atendeu ao CRC juntos aos autos.
Quanto à não comparência do arguido na audiência de discussão e julgamento, atendeu-se à respetiva ata.
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O juízo probatório negativo quanto ao facto n.º 1 do elenco dos factos não provados resultou da circunstância de o ofendido ter afirmado que o empurrão desferido pelo arguido não lhe provocou dores. No que concerne ao facto não provado n.º 2, resultou da ausência de prova do facto objetivo que permitiria inferir a representação e vontade por parte do arguido de causar dores ao ofendido.
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Apreciando…
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência dos vícios indicados no nº 2 do art.º 410º do Cód. Proc. Penal.
Assim, o recorrente invoca:
- nulidade por excesso de pronúncia e por omissão de pronúncia;
- vício de contradição insanável na fundamentação da matéria de facto da decisão;
- errada integração jurídica.
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Da nulidade por excesso e por omissão de pronúncia
Alega o recorrente que o Tribunal recorrido comunicou uma alteração não substancial dos factos, no sentido de estar indiciado o facto: “Mais agiu com o propósito de impedir a sua algemagem, apesar de bem saber que o ofendido era agente da autoridade e que se encontrava no exercício das suas funções e, ainda assim, não se inibiu de praticar a conduta descrita” e que deduziu oposição à aludida comunicação porque poderia conduzir à condenação por um crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo art.º 347º do Cód. Penal, o que, não obstante tratar-se de crime punido de forma menos grave, era um crime diverso daquele por que foi acusado, protegendo bens jurídicos diferentes, ou seja, estava em causa uma alteração substancial de factos.
Mais alega que foi condenado pelo crime de ofensa à integridade física qualificada, mas que o Tribunal manteve nos factos provados o facto comunicado, não o podendo fazer por tal facto levar à imputação de um outro crime que conduziria a uma alteração substancial de factos, assim alargando ilegalmente o objeto da causa, o que se reconduz a um excesso de pronúncia e determina a nulidade da sentença nos termos do art.º 379º, nº 1, alínea c) in fine, do Cód. Proc. Penal.
Alega ainda o recorrente que foi condenado, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143º, nº 1 e 145º, nºs 1, alínea a) e 2, por referência ao disposto no art.º 132º, nº 2, alínea l), todos do Cód. Penal, sem que a sentença justifique porque considera estar verificada a perversidade ou censurabilidade constante quer do art.º 145º nº 1, quer do art.º 132º nº 2 do Cód. Penal e não pode considerar-se que a referida tipicidade é de preenchimento automático.
Diz que tal configura omissão de pronúncia quanto a esta questão, que se reconduz também a nulidade, nos termos do art.º 379º, nº 1, alínea c), do Cód. Proc. Penal.
Preceitua a alínea c) do nº 1 do art.º 379º do Cód. Proc. Penal, que é nula a sentença “quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Não se vê como é que o aditamento de um facto, provado, que enquadra a actuação do arguido, pode ser identificado como um facto de que o Tribunal não podia tomar conhecimento ou que alargue o objecto da causa. Efectivamente, a circunstância de se ter considerado provado que o arguido “Mais agiu com o propósito de impedir a sua algemagem”, limita-se a motivar a conduta.
Por outro lado, não tendo o recorrente sido condenado por crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo art.º 347º do Cód. Penal, forçoso é concluir que o facto aditado aos factos provados não levou à imputação de um outro crime que conduzisse a uma alteração substancial de factos, pelo que não se entende a alegação do recorrente.
Ou seja, não se verifica a alegada nulidade por excesso de pronúncia.
Quanto à nulidade por omissão de pronúncia, cumpre desde já verificar qual foi o enquadramento jurídico realizado pelo Tribunal a quo em relação à qualificativa do tipo de ofensas à integridade física.
Assim, pode ler-se na sentença:
«O arguido vem acusado da prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.ºs 1, al. a) e 2, por referência ao art.º 132.º, n.º 2, al. l, todos do CP.
Dispõe o art.º 143.º, n.º 1 do CP: «Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa». Por sua vez, prevê o art.º 145.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do CP: «1 - Se as ofensas à integridade física forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido: c) Com pena de prisão até quatro anos no caso do artigo 143º; (…) 2- São susceptíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente, entre outras, as circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 132.º». Por último, estatui o art.º 132.º, n.º 2, al. l) do CP: «l) Praticar o facto contra (…) agente de força pública».
O bem jurídico protegido pela norma incriminadora é a integridade física e psíquica.
No que respeita ao grau de lesão dos bens jurídicos protegidos e ao modo de afetação do objeto da ação, trata-se de um crime de dano e de resultado, respetivamente. Tratando-se de um crime de resultado, torna-se imperioso concluir que a conduta do agente constituiu uma causa adequada da produção do resultado (art.º 10.º, n.º 1, do CP). O tipo objetivo consiste «no ataque ao corpo ou saúde de uma outra pessoa viva». Sendo que, conforme decidido no Ac. de fixação de jurisprudência n.º 2/92, de 18/12/1991, o preenchimento do tipo objetivo de ilícito do crime em apreciação não exige que o ofendido sofra lesão, dor ou incapacidade temporária/permanente.
O tipo subjetivo de ilícito admite qualquer modalidade de dolo. A imputação do dolo ao agente depende da representação (elemento cognitivo) e vontade (elemento volitivo) da realização do tipo objetivo de ilícito (art.º 14.º do CP). Por sua vez, a culpa constitui um juízo de censura dirigido ao agente por ter atuado como atuou, uma vez que, nas circunstâncias concretas, podia e deveria ter adotado o comportamento lícito alternativo, isto é, aquele comportamento conforme ao dever-ser jurídico-penal. In casu, resulta da factualidade dada como provada que o arguido deu um empurrão no peito do ofendido, o que provocou o desequilíbrio do mesmo. E que o fez de forma propositada, razão pela qual resta concluir que atuou com dolo direto (art.º 14.º, n.º 1 do CP).
O arguido podia e deveria ter agido em conformidade com o direito, porquanto não se verifica qualquer circunstância impeditiva da adoção do comportamento lícito alternativo, aqui residindo a sua culpa. Não se verificam quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa. Saliente-se, a este respeito, que, por a atuação dos agentes da PSP se mostrar legítima (considerando as suspeitas que sobre o mesmo recaiam de que tinha furtado o velocípede que trazia consigo), não é invocável o direito de resistência, previsto no art.º 21.º da CRP. A esta luz, encontram-se preenchidos todos os elementos objetivos e subjetivos do crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.º 143.º, n.º 1 do CP.
Tendo o arguido sido acusado pelo crime referido na sua forma qualificada, cumpre, neste momento, averiguar se a sua conduta é ainda subsumível à circunstância modificativa agravante prevista no art.º 145.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, por referência ao art.º 132.º, n.º 2, al. l) do CP. Antes de mais, cumpre salientar que o crime de ofensa à integridade física qualificada constitui uma forma agravada dos ilícitos-base previstos nos artigos 143.º e 144.º, ambos do CP, fundamentada na especial censurabilidade ou perversidade do agente documentada no facto. Assim, a agravação resulta de um especial tipo de culpa, constituindo, assim, um elemento constitutivo desta.
A especial censurabilidade compreende «aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refracção, ao nível da atitude do agente, de formas de realização do facto especialmente desvaliosas», enquanto a especial perversidade se reporta à documentação direta no facto de «qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas».
O legislador elencou no n.º 2 do art.º 132.º, do CP, ex vi art.º 145.º, n.º 2 do CP, uma série de exemplos-padrão indiciadores de uma especial perversidade ou censurabilidade do agente. Contudo, os mesmos não são de funcionamento automático, tornando-se necessária a realização de um juízo específico, tomando em consideração a imagem global do facto, quanto à especial perversidade ou censurabilidade do agente documentadas no facto. A consagração legislativa da circunstância agravante prevista na al. l) do art.º 132.º, n.º 2 do CP, consistente na ofensa à integridade física de agente policial no exercício das suas funções ou por causa delas, «visa, por um lado, dar um acréscimo de segurança ao exercício das suas funções, já que estas, por natureza, podem revelar-se conflituantes com os interesses de alguns, e, por outro, proteger a própria dignidade de tais funções, enquanto expressão de um importante poder/função do Estado: garantir a ordem pública e a legalidade» .
Revertendo ao caso concreto, emerge da factualidade dada como provada que o arguido representou, quis e conseguiu atingir a integridade física de um agente da PSP, apesar de bem saber que o mesmo se encontrava uniformizado e no exercício das suas funções. Ora, a conduta do arguido, neste contexto específico, merece um juízo de censura agravado. Com efeito, ofendeu a integridade física de um agente da PSP, apesar de saber que o mesmo se encontrava no exercício das suas funções e que a sua atuação se mostrava legítima, por sobre si recaírem suspeitas da prática de um crime. Ao fazê-lo, documentou no facto uma atitude interna de indiferença pela importante função, confiada às forças de segurança, de proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos e de garantia da ordem e tranquilidade públicas. E, por isso, a circunstância modificativa agravante prevista no art.º 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do CP encontra-se, sem mais, verificada.
Acresce ao referido a circunstância de ter resultado provado que o arguido agiu com o propósito de impedir que o ofendido procedesse à sua algemagem, apesar de lhe terem sido explicados os procedimentos legais que teriam de ser adotados em virtude de sobre o mesmo recaírem suspeitas da prática de um crime de furto.
Em face do exposto, dúvidas inexistem de que o arguido cometeu um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo art.ºs 143.º, n.º 1, 145.º, n.ºs 1, al. a) e 2, por referência ao art.º 132.º, n.º 2, al. l), todos do CP.»
Como resulta evidente da transcrição da sentença efectuada, a mesma justificou a verificação da censurabilidade revestida no facto: “a conduta do arguido, neste contexto específico, merece um juízo de censura agravado. Com efeito, ofendeu a integridade física de um agente da PSP, apesar de saber que o mesmo se encontrava no exercício das suas funções e que a sua atuação se mostrava legítima, por sobre si recaírem suspeitas da prática de um crime. Ao fazê-lo, documentou no facto uma atitude interna de indiferença pela importante função, confiada às forças de segurança, de proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos e de garantia da ordem e tranquilidade públicas. E, por isso, a circunstância modificativa agravante prevista no art.º 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do CP encontra-se, sem mais, verificada”.
Pode, eventualmente, o recorrente não concordar com a integração jurídica feita pelo Tribunal recorrido, mas não pode afirmar que não existe.
Termos em que se conclui pela inexistência de nulidade por omissão de pronúncia.
Do vício de contradição insanável na fundamentação da matéria de facto da decisão
Alega o recorrente que a sentença enferma do vício de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, com previsão no art.º 410º, nº 2, alínea b), do Cód. Proc. Penal, porque o Tribunal deu simultaneamente como provado que o arguido pretendia agredir o ofendido, atingindo-o na sua integridade física, mas também resistir à detenção que estava a ser efetuada pelo ofendido, estando os factos 5 e 6 da matéria de facto provada em contradição.
Cabe, então, apreciar se os factos 5 e 6 da matéria de facto provada estão em contradição. São eles:
5. Ao desferir, nos termos descritos, um empurrão no Agente da PSP DD o arguido agiu com o propósito de atingir, como bem atingiu, o corpo daquele, bem sabendo que a sua conduta era adequada a provocar o seu desequilíbrio, o que quis e logrou.
6. Mais agiu com o propósito de impedir a sua algemagem, apesar de bem saber que o ofendido era agente da autoridade e que se encontrava no exercício das suas funções e, ainda assim, não se inibiu de praticar a conduta descrita, o que logrou e quis.
Analisado o teor dos factos sub iudice, não encontramos contradição entre eles no sentido de se poder afirmar que a existência de um exclui por natureza a existência de outro, ou seja, que não podem coexistir na mesma realidade.
Efectivamente, o que foi dado como provado foi que o arguido empurrou o Agente da PSPDD, com o propósito de atingir o corpo daquele e ainda com o propósito de impedir a sua algemagem – e estes dois propósitos podem coexistir na acção de empurrar.
Uma só acção pode visar dois ou mais resultados e foi o que sucedeu.
Pelo que não existe o alegado vício previsto no art.º 410º, nº 2, alínea b), do Cód. Proc. Penal.
Da integração jurídica
Alega o recorrente que não está preenchida a agravante do nº 2 do art.º 145º, que remete para o art.º 132º, nº 2, alínea l), ambos do Cód. Penal, uma vez que a sua conduta não revela uma censurabilidade ou perversidade acrescida – a qual poderá decorrer das circunstâncias previstas no nº 2 do art.º 132º do Cód. Penal, mas não é de preenchimento automático – pois apenas empurrou o ofendido quando ia ser detido, situação que não revela especial agressividade e que é até normal, na luta do homem pela sua liberdade.
E alega ainda que a sua conduta não foi suficiente para preencher materialmente o tipo legal de ofensa à integridade física, dada a insignificância do respetivo grau de ilicitude perante o contexto em que o empurrão foi dado, já que estava a ser detido e, portanto, privado da sua liberdade, sendo normal a luta do homem pela sua liberdade. Mais afirma que não ficou provado que o empurrão dado tenha afectado o bem-estar físico do agente da PSP de forma minimamente apreciável, pelo que a sua conduta revela-se atípica, impondo-se a sua absolvição.
Damos aqui por reproduzida a transcrição que supra efectuámos do enquadramento jurídico-penal a que procedeu o Tribunal recorrido.
Está provado que o recorrente, após ter sido abordado na via pública por Agentes da PSP, por suspeitas de furto de um velocípede, e após ter sido elucidado pelos Agentes dos procedimentos a adotar para a sua condução à Esquadra, mormente a necessidade de ser algemado, quando os Agentes da PSP iniciaram a algemagem, este desferiu com as suas mãos um empurrão no peito do Agente da PSP DD, causando o seu desequilíbrio.
Mais está provado que os Agentes da PSP estavam devidamente uniformizados e em exercício de funções e que ao desferir o empurrão no  Agente da PSP, o arguido agiu com o propósito de atingir, como bem atingiu, o corpo daquele, bem sabendo que a sua conduta era adequada a provocar o seu desequilíbrio, o que quis e logrou, agindo ainda com o propósito de impedir a sua algemagem, apesar de bem saber que o ofendido era agente da autoridade e que se encontrava no exercício das suas funções.
Está ainda provado que o arguido actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que o seu comportamento se encontra previsto e é punido pela lei penal.
Ora não há qualquer dúvida de que um empurrão, ainda que não cause dor significativa ou lesão visível, constitui uma agressão do ponto de vista ético-social, um gesto molestador, um constrangimento físico com capacidade para integrar o conceito de ofensas à integridade física.
De facto, a acção de empurrar preenche o crime de ofensas à integridade física.
No sentido de que para o preenchimento do crime de ofensas à integridade física apenas se exige a existência de uma ofensa no corpo, como um empurrão, e não, cumulativamente, a existência de ofensa à saúde, constituindo ofensa toda a acção que prejudique o bem estar físico da vítima, até independentemente de provocar ou não dor, cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 9.05.2012 (pesquisado em www.dgsi.pt); e o Acórdão do mesmo Tribunal de 7.03.2012 (pesquisado no mesmo sítio), onde se pode ler que “não é necessário que haja uma lesão na saúde do ofendido para que se atinja o conceito de ofensa corporal (…) Pratica o crime de ofensa à integridade física aquele que, voluntária e conscientemente desfere um empurrão com ambas as mãos no peito do ofendido, desequilibrando-o, ainda que não lhe cause qualquer lesão”.
Também em sentido próximo pode ver-se o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 2/92, de 18 de Dezembro de 1991, publicado no Diário da República, Série I-A, de 8.02.1992 (e citado na decisão recorrida) onde se estipula que “integra o crime do art.º 142º do Cód. Penal a agressão voluntária e consciente, cometida à bofetada, sobre uma pessoa, ainda que esta não sofra, por via disso, lesão, dor ou incapacidade para o trabalho”.
E, no caso, nem sequer estamos perante um empurrão ligeiro. Pelo contrário, foi um empurrão que provocou o desequilíbrio do recorrente e, por isso, necessariamente desferido com força, constituindo uma agressão do ponto de vista ético-social, um gesto molestador, um constrangimento físico com capacidade para integrar o conceito de ofensas à integridade física.
Por outro lado, ao invés do alegado, não podemos considerar “normal” e no âmbito da “luta do homem pela sua liberdade”, que um arguido decida ofender o corpo de um Agente da PSP que, devidamente uniformizado e no exercício das suas funções, está a deter um suspeito da prática de um crime.
Desta forma podemos concluir, tal como o Tribunal a quo, que o recorrente cometeu, em autoria material, um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art.º 143º, nº 1, do Cód. Penal…
Qualificado?
Para averiguar se o crime agora em análise foi cometido na forma qualificada, há que ver se a conduta do recorrente é subsumível à circunstância modificativa agravante prevista no art.º 145º, nºs 1, alínea a), e 2, por referência ao art.º 132º, nº 2, alínea l), ambos do Cód. Penal.
Tal como se afirma na sentença recorrida “o crime de ofensa à integridade física qualificada constitui uma forma agravada dos ilícitos-base previstos nos artigos 143.º e 144.º, ambos do CP, fundamentada na especial censurabilidade ou perversidade do agente documentada no facto. Assim, a agravação resulta de um especial tipo de culpa, constituindo, assim, um elemento constitutivo desta”.
Entendemos, tal como Figueiredo Dias (em anotação ao art.º 132º do Comentário Conimbricense do Cód. Penal, Parte Especial, tomo I, p. 27), que os exemplos-padrão constantes das diversas alíneas do nº 2 do art.º 132º devem ser entendidos como elementos constitutivos do tipo de culpa, já que “muitos dos elementos constantes das diversas alíneas do art.º 132º 2, em si mesmo tomados, não contendem directamente com uma atitude mais desvaliosa do agente, mas sim com um mais acentuado desvalor da acção e da conduta, com a forma de cometimento do crime. Ainda nesses casos, porém, não é esse maior desvalor da conduta o determinante da agravação, antes ele é mediado sempre por um mais acentuado desvalor da atitude: a especial censurabilidade ou perversidade do agente, é dizer, o especial tipo de culpa do homicídio agravado”.
Assim, para que se possa falar de qualificação de um crime de ofensa à integridade física simples, é necessário que a conduta do agente revele um especial tipo de culpa, que revele uma especial censurabilidade ou perversidade, sendo os exemplos referidos nas alíneas do nº 2 meras exemplificativas que só qualificam o crime se a conduta criminosa for especialmente censurável ou perversa.
Caberá desde já aqui esclarecer que os conceitos “censurabilidade” e “perversidade” não são equivalentes. Por “especial censurabilidade” deve entender-se a forma especialmente desvaliosa como o acto criminoso é cometido, enquanto por “especial perversidade” deve entender-se as qualidades especialmente desvaliosas da personalidade do agente.
No caso concreto não há dúvida de que as circunstâncias do crime revestem “especial censurabilidade”: o arguido ofendeu a integridade física de um Agente da PSP, devidamente uniformizado e no exercício das suas funções, que o estava a deter enquanto suspeito da prática de um crime.
Como já dissemos, não pode considerar-se “normal” e no âmbito da “luta do homem pela sua liberdade”, que um arguido decida ofender o corpo de um Agente da PSP, que no exercício das suas funções, o esteja a deter enquanto suspeito da prática de um crime. A resposta violenta de um suspeito da prática de crime, a uma conduta legítima de um Agente da Autoridade – enquanto defensor da ordem e do Estado de Direito em que queremos viver – é, de facto, especialmente censurável.
Pelo que se entende que o Tribunal recorrido procedeu a uma correcta integração jurídica dos factos, improcedendo também o recurso nesta parte.
* * *
Decisão
Pelo exposto, acordam em julgar improcedente o recurso e confirmam a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UCs.

Lisboa, 21.01.2025
(processado e revisto pela relatora)
Alda Tomé Casimiro
Ana Lúcia Gordinho
Rui Poças