Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5432/15.7TDLSB-A-3
Relator: FLORBELA SANTOS A. L. S. SILVA
Descritores: CAUÇÃO ECONÓMICA
NATUREZA URGENTE DO PROCESSO
JIC COMPETENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: As medidas de garantia patrimonial, que vêm concretamente previstas nos artºs 227º e e 228º do CPP são a caução económica e o arresto, este último, seguindo a lei do processo civil que o qualifica de providência cautelar a que se atribui natureza urgente.
As medidas cautelares, quer sejam medidas de coacção, quer sejam de garantia patrimonial, tendo sido pedidas na acusação, têm de ser decididas por um juiz de instrução, e porque têm de ser decididas de forma célere, por serem medidas com natureza urgente, até que se saiba se a instrução é requerida e se o processo é efectivamente distribuído para esse efeito ou para julgamento, as questões cautelares que surgem no fim do inquérito mas antes da nova fase processual devem ser decididas pelo JIC que sempre acompanhou o inquérito e não pelo JIC que irá assegurar a instrução.
No tempo que medeia entre o fim do inquérito e o início de uma nova fase processual, quer seja a instrução, quer seja o julgamento, o processo não pode ficar numa espécie de limbo processual à espera de distribuição para um ou outro destino.
É a única forma de garantir a prolação de decisão com a celeridade que a natureza cautelar do respectivo incidente exige com respeito pelo juiz natural.
Os requisitos necessários para que seja determinada a prestação de caução económica por parte do arguido, nos termos do artº 227º do CPP é:
- a probabilidade de vir a existir um crédito sobre o arguido proveniente da actuação criminosa que lhe é imputada;
- a existência de um fundado receio de que venham a faltar ou que sejam diminuídas as garantias patrimoniais do arguido aptas a assegurar a satisfação do respectivo crédito.
No caso de ser o Ministério Público a requerer a caução económica, esta deve ainda ser pedida para garantir as seguintes finalidades:
i) para pagamento:
- da pena pecuniária;
- das custas do processo; ou,
- de qualquer outra dívida para com o Estado relacionada com o crime;
ii) para assegurar:
- a perda dos instrumentos, produtos e vantagens de facto ilícito típico; ou,
- o pagamento do valor a estes correspondente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. A) No âmbito de Inquérito (Actos Jurisdicionais) que corre termos pelo Juiz 3 do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, sob o nº 5432/15.7TDLSB, na sequência da dedução de acusação pelo MºPº contra a recorrente (e outros arguidos), veio o MºPº requerer, como medida de garantia patrimonial, a caução económica, através de hipoteca voluntária, de dois imóveis titulados pela recorrente Convida – Investimentos Imobiliários e Turísticos, Lda..
B) Foi então proferido despacho em 13-02-2020, constante a fls. 551 e ss da certidão que instrui este recurso, com a refª 394349347, através do qual se deferi a pretensão do MºPº nos seguintes termos:
“O Ministério Público veio solicitar a prestação de caução económica nos termos do art. 227º nº 3 do CPP contra a arguida Convida – Investimentos Imobiliários e Turísticos, S.A. requerendo que esta seja prestada mediante hipoteca voluntária dos bens imóveis identificados a fls. 13248, moradia e apartamento sitos na Quinta  , com o valor tributário respetivo de €1.537.696,47 e €800.155,01.  
Para fundamentar a sua pretensão, alega em suma o Ministério Público que : A ora arguida e o arguido PC______  , seu legal representante, alienaram na pendência destes autos património imobiliário e sendo o pedido de perda de vantagens a favor do Estado no valor de €4.663.259,92 é previsível que procurem alienar ainda mais património para evitar a sua perda a favor do Estado.
A arguida contestou a pretensão do Ministério Público, alegando que este não esclarece o valor da caução a prestar, que esta não pode contabilizar o valor da perda de vantagens a considerar relativamente ao arguido PC______ e porquanto a alienação de património realizada foi apenas de uma pequena parte do património da arguida e sem qualquer relação com a pendência destes autos.
Assim, requer que seja o presente incidente julgado improcedente ou caso assim não se entenda, que a prestação de caução seja realizada apenas sobre a moradia identificada pelo Ministério Público.
Nos termos do 227.º do CPP a caução económica é a medida de garantia patrimonial cuja finalidade processual é garantir o pagamento da pena pecuniária, das custas do processo ou do pagamento de qualquer divida, indemnização ou obrigação civil derivadas do crime, desde que se verifique a probabilidade de um crédito sobre o requerido e fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento.
A caução económica a que se refere o citado art.º 227.º do CPP tem ainda como pressuposto a pendência de um pedido de indemnização que haverá de ser conhecido nos próprios autos de processo penal, onde aquele foi formulado por força do princípio de adesão, em conformidade com os nºs. 1 e 4 do mesmo dispositivo. 
Ora no caso vertente e conforme acusação proferida e que se dá por reproduzida, resultam dos autos indícios da prática pela arguida Convida, em coautoria com o arguido PC______  , dos crimes de falsificação e branqueamento, p.p. nos arts. 256.º nº 1 als. a) e d) e 368.º-A nºs 1 a 3 do C. Penal (cfr. explicitado a fls. 13161 a 13165).
Em conformidade, o Ministério Público solicita a perda a favor do Estado das vantagens dos factos ilícitos no montante total de €3.841.400,16 (não se considerando aqui as vantagens ilícitas obtidas exclusivamente pelo arguido PC______  ).
Analisando a pretensão do Ministério Público neste incidente, esta encontra-se deduzida em conformidade com o art. 227.º nº 2 do CPP, mediante a indicação da modalidade da caução, não exigindo a norma em causa que se identifique o valor monetário da mesma, quando alternativamente se indicou a sua modalidade e valor tributário dos bens a caucionar.
No caso dos autos, apesar da alegação da arguida que não existe fundado receio de perda de património que possa vir a satisfazer a pretensão do Estado vertida na acusação quanto à perda de vantagens (quanto ao arguido PC______ e a ora arguida), como bem refere o Ministério Público tal não corresponde à realidade.
Com efeito, salientando-se que a própria arguida admite estes factos, na pendência destes autos foram já alienados dois imóveis do seu património, facto que teve a intervenção do seu representante legal, o arguido PC______  , nos anos de 2016 e 2017.
Acresce que os autos principais, no âmbito dos quais o Ministério Público, solicita a condenação da arguida na perda de vantagem superior a 3 milhões de euros, apresentam grande complexidade, prevendo-se que até que seja obtida decisão com trânsito em julgado possam decorrer anos, sendo por esse motivo fácil à arguida ir alienando paulatinamente o seu património, ocultando-o de outras formas, para furtar o mesmo a uma eventual perda a favor do Estado.
Assim, sendo afigura-se que o justo receio alegado pelo Ministério Público é efetivo e deverá ser acautelado mediante a prestação de caução ou futuro arresto caso esta não seja voluntariamente apresentada, arts. 227.º nº 1 e 228.º nº 1 do CPP.
A aplicação da medida de garantia patrimonial em causa encontra-se sujeita aos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, art. 193.º nº 1 do CPP, ou seja, o valor da caução deverá ser no caso dos autos proporcional ao valor do montante da eventual condenação a operar contra a arguida (mas não contra o arguido PC______  , terceiro para os efeitos deste incidente, na parte em que este atuou sem a intervenção da Convida).
Devemos deste modo considerar para efeitos de proporcionalidade da caução o montante de €3.841.400,16, o qual é superior ao valor tributário dos imóveis indicados pelo Ministério Público a fls. 13248, sendo por esse motivo a prestação de caução mediante a hipoteca voluntária destes imóveis a favor do Estado proporcional e adequada à garantia patrimonial pretendida, sem prejuízo de o arguido, querendo, optar pela prestação de garantia bancária, à ordem destes autos pelo montante de €3.841.400,16, válida até ao trânsito em julgado da decisão final a proferir nos autos principais.
Por todo o exposto e nos termos do art. 227.º n.º 1 do CPP, determino que a arguida Convida – Investimentos Imobiliários e Turísticos, S. A., no prazo de 20 dias, preste caução económica no montante de €3.841.400,16 mediante hipoteca voluntária dos seguintes imóveis : 
- moradia na Quinta    , descrito na 2ª CRP de Cascais, sob o nº 0 6/2 896; 
- apartamento na Quinta   Alcabideche, descrito na 2ª CRP de Cascais, sob o nº 00000  – fração A.
Alternativamente, poderá a arguida, caso assim o entenda, prestar garantia bancária, à ordem destes autos pelo montante de €3.841.400,16, válida até ao trânsito em julgado da decisão final a proferir nos autos principais.
Custas a cargo da arguida nos termos do art. 7.º nº 4 e tabela II anexa do RCP.  Notifique. 
Remeta os autos ao DIAP para apensação aos autos principais.”
II.  Inconformada com tal decisão veio a arguida CONVIDA – Investimentos Imobiliários e Turísticos, Lda. interpor o recurso junto a fls. 569 e ss da certidão que instrui os presentes autos, com entrada em 27-03-2020 (refª 25937991), através do qual oferece as seguintes conclusões:
“A) O Ministério Público deduziu acusação nos presentes autos, tendo pedido, a final, que a Recorrente prestasse caução económica como garantia das quantias cuja perda a favor do Estado foi igualmente pedida, requerendo que a Recorrente prestasse tal garantia através da hipoteca voluntária de dois imóveis de que é proprietária.
B) A Recorrente deduziu oposição, alegando não ter sido indicado o valor da caução económica pretendida pelo MP, nem justificado o receio de perda ou diminuição substancial do património da Recorrente, pressuposto previsto no art. 227.°, n.° 3 do CPP.
C) O mesmo JIC que presidiu ao inquérito proferiu a decisão que ora se impugna por via do presente recurso.
D) A acusação foi deduzida em 05.11.2019 e foi requerida a abertura da instrução em 23.01.2020 - isto significa que já não estamos na fase de inquérito, razão pela qual a magistrada que proferiu a decisão a quo não tinha competência para o fazer (o que, de resto, a Recorrente logo assinalou na sua oposição).
E) Decorre da conjugação do disposto nos arts. 268.° e 288.° do CPP, que o juiz de instrução do inquérito não transita automaticamente para juiz de instrução da fase de instrução, devendo ter lugar uma nova distribuição assim que requerida a abertura de instrução; e essa é a prática no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa.
F) Assim sendo, salvo melhor opinião, o acto ora sob recurso não foi praticado pelo juiz de instrução competente, o que acarreta a sua nulidade nos termos do art. 119.°-e) do CPP.
G) Deve, assim, a decisão ser revogada por incompetência material da juíza que a proferiu, a qual será da competência de JIC a quem o processo venha a ser distribuído para efeitos da fase instrutória.
H) Ainda que se considerasse que a Senhora JIC do inquérito tinha competência para proferir a decisão a quo - o que não se concede -, a verdade é que a decisão não é adequada na sua substância, fazendo uma aplicação errónea do art. 227.°, n.° 3 do CPP.
I) O MP havia pedido a prestação de caução económica por considerar que, tendo a Arguida vendido dois imóveis na pendência do processo, isso justificaria o receio de perda ou diminuição substancial das garantias existentes relativamente aos valores reclamados à Recorrente pelo Estado português.
J) A decisão a quo repetiu existir tal receio, ignorando por completo a situação fáctica real - que bem conhece e desde o início, uma vez que foi JIC do inquérito.
K) Na verdade, como resulta do apenso de busca 13.17 e do documento ora junto, os dois imóveis que o MP refere foram postos no mercado em 2015, ainda a Arguida estava longe de ser constituída nessa qualidade (Junho de 2019); mesmo o seu Administrador Único - o co-arguido PC______ - apenas foi constituído Arguido em Janeiro de 2017, tendo tomado conhecimento da existência de um processo contra si e do seu objecto em 13 de Dezembro de 2016, quando todas as suas propriedades foram alvo de buscas; ademais, um dos prédios (o do Porto) foi vendido em 24.05.2016, ou seja, muito antes da ocorrência desses factos.
L) Acresce que o valor de venda de ambos os imóveis representa cerca de 4% do património total da Recorrente (como resulta dos valores patrimoniais constantes de fls. 11.887 dos autos principais), de onde não se pode concluir que há um fundado receio de perda ou diminuição substancial das garantias existentes.
M) Ao decretar a medida de caução económica com a situação fáctica real, o tribunal a quo aplicou erroneamente o art. 227.°, n.° 3 do CPP, que determina como pressupostos de tal decretamento a ocorrência de receio objectivo, justificado e claro relativamente à capacidade futura das garantias de pagamento, por receio de perda ou diminuição substancial do património da Arguida, pressupostos que, como já supra se expôs, não estão preenchidos.
N) Entretanto, à Arguida foi ordenado que prestasse a garantia requerida sobre os dois imóveis em apreço, o que a Arguida fez, como já veio demonstrar no presente apenso, tendo liquidado uma avultada quantia de imposto de selo.
O) Por todo o supra exposto, deve ser revogada a decisão a quo, e substituída por outra que indefira o pedido realizado pelo MP, autorizando a requerida a cancelar o registo de hipoteca voluntária a favor do Estado realizada naqueles dois imóveis.
Nestes termos, deve o presente recurso merecer provimento, com as legais consequências.”
III. O recurso foi admitido por despacho de 02-09-2020 (refª 4313101), de fls. 598, tendo sido fixado efeito devolutivo.
IV. Respondeu o MºPº através das contra-alegações constantes a fls. 603 e ss da certidão que instrui o presente recurso, juntas em 23-09-2020 (refª 95684), através das quais pugna pela improcedência do recurso e confirmação da decisão recorrida.
V. Foi aberta vista nos termos do disposto no artº 416º nº 1 do CPP, tendo a Exmª Srª. Procuradora-Geral Adjunta proferido o douto parecer constante de fls. 624 (refª 16150795), no qual pugna pela improcedência do recurso, acompanhando a resposta do MºPº da 1ª instância.
VI. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
VII: Analisando e decidindo.
O objecto do recurso, e portanto da nossa análise, está delimitado pelas conclusões do recurso, atento o disposto nos artºs 402º, 403º e 412º todos do CPP devendo, contudo, o Tribunal ainda conhecer oficiosamente dos vícios elencados no artº 410º do CPP que possam obstar ao conhecimento do mérito do recurso.[1]
Das disposições conjugadas dos artºs 368º e 369º, por remissão do artº 424º nº 2, e ainda o disposto no artº 426º, todos do Código de Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso, pela seguinte ordem:
1º: das questões que obstem ao conhecimento do mérito da decisão, aqui incluindo-se as nulidades previstas no artº 379º e os vícios constantes do artº 410º, ambos do CPP;
2º: das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do artº 412º do CPP;
3º: as questões relativas à matéria de Direito.
Está em causa no presente recurso saber se:
- a decisão recorrida foi proferida por JIC materialmente incompetente para a proferir, tendo, assim, sido violadas as disposições nos artºs 268º e 288º do CPP gerando a nulidade do artº 119º al. e) do CPP;
- a decisão recorrida viola o disposto no artº 227º nº 3 do CPP por não se verificarem os requisitos legais para o decretamento da caução económica.
Vejamos.
Diz o artº 268º do Código de Processo Penal, cuja epígrafe é “actos a praticar pelo juiz de instrução”, o seguinte:
“1 - Durante o inquérito compete exclusivamente ao juiz de instrução:
a) Proceder ao primeiro interrogatório judicial de arguido detido;
b) Proceder à aplicação de uma medida de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção da prevista no artigo 196.º, a qual pode ser aplicada pelo Ministério Público;
c) Proceder a buscas e apreensões em escritório de advogado, consultório médico ou estabelecimento bancário, nos termos do n.º 3 do artigo 177.º, do n.º 1 do artigo 180.º e do artigo 181.º;
d) Tomar conhecimento, em primeiro lugar, do conteúdo da correspondência apreendida, nos termos do n.º 3 do artigo 179.º;
e) Declarar a perda a favor do Estado de bens apreendidos, com expressa menção das disposições legais aplicadas, quando o Ministério Público proceder ao arquivamento do inquérito nos termos dos artigos 277.º, 280.º e 282.º;
f) Praticar quaisquer outros actos que a lei expressamente reservar ao juiz de instrução.
2 - O juiz pratica os actos referidos no número anterior a requerimento do Ministério Público, da autoridade de polícia criminal em caso de urgência ou de perigo na demora, do arguido ou do assistente.
3 - O requerimento, quando proveniente do Ministério Público ou de autoridade de polícia criminal, não está sujeito a quaisquer formalidades.
4 - Nos casos referidos nos números anteriores, o juiz decide, no prazo máximo de vinte e quatro horas, com base na informação que, conjuntamente com o requerimento, lhe for prestada, dispensando a apresentação dos autos sempre que a não considerar imprescindível.”
Por sua vez, dispõe o artº 288º do Código de Processo Penal, subordinado à epígrafe “direcção da instrução”, o seguinte:
“1 - A direcção da instrução compete a um juiz de instrução, assistido pelos órgãos de polícia criminal.
2 - As regras de competência relativas ao tribunal são correspondentemente aplicáveis ao juiz de instrução.
3 - Quando a competência para a instrução pertencer ao Supremo Tribunal de Justiça ou à relação, o instrutor é designado, por sorteio, de entre os juízes da secção e fica impedido de intervir nos subsequentes actos do processo.
4 - O juiz investiga autonomamente o caso submetido a instrução, tendo em conta a indicação, constante do requerimento da abertura de instrução, a que se refere o n.º 2 do artigo anterior.”
Por fim, diz o artº 119º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “nulidades insanáveis” o seguinte:
“Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais:
a) A falta do número de juízes ou de jurados que devam constituir o tribunal, ou a violação das regras legais relativas ao modo de determinar a respectiva composição;
b) A falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 48.º, bem como a sua ausência a actos relativamente aos quais a lei exigir a respectiva comparência;
c) A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência;
d) A falta de inquérito ou de instrução, nos casos em que a lei determinar a sua obrigatoriedade;
e) A violação das regras de competência do tribunal, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 32.º;
f) O emprego de forma de processo especial fora dos casos previstos na lei.”
Entende a recorrente, numa primeira linha de argumentação, que a decisão recorrida foi proferida por JIC materialmente incompetente uma vez que a decisão sobre a garantia patrimonial deveria ter sido tomada pelo JIC a quem fosse distribuída a instrução que veio a ser requerida na sequência da acusação deduzida pelo MºPº.
A decisão ora sob escrutínio foi proferida pela Mmª JIC do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, que era quem estava encarregue dos actos instrutórios ainda em fase de inquérito.
Com a dedução de acusação por parte do MºPº o processo ou segue para instrução, se esta vier a ser requerida, ou segue para julgamento, no caso contrário.
A questão que se coloca assim é a de saber se, findo o inquérito, a decisão sobre um pedido de garantia patrimonial deve ser decidido pelo JIC a quem o processo deve ser distribuído na sendo de requerimento para abertura de instrução ou se pode ser decidido pelo mesmo JIC que assegurou os actos de instrução na fase do inquérito.
Vejamos.
A acusação, onde o MºPº pede a garantia patrimonial em referência, foi deduzida em 05-11-2019.
Por despacho de 25-11-2019, com a refª 392079175 (fls. 534 da certidão que instrui o presente recurso) foi determinada a autuação por apenso do incidente de prestação de caução económica bem como prorrogado o prazo de abertura de instrução por 30 dias para além do prazo legal previsto, dada a complexidade dos autos.
Ora, a caução económica pedida pelo MºPº na acusação que deduziu contra a recorrente integra uma garantia patrimonial que é considerada uma medida cautelar nos termos do artº 191º do CPP.
Como medida cautelar que é a decisão sobre a sua admissibilidade tem de ser dada em curto prazo, mais especificamente em 5 dias nos termos do artº 194º nº 5 do CPP, durante o inquérito.
É certo que, com a dedução de acusação, findou o inquérito, mas mantém-se a natureza cautelar da garantia patrimonial, pelo que se mantém a natureza urgente da mesma.
Essa natureza não se coaduna com a eventual demora que a abertura de instrução poderá implicar e que, no caso em concreto, até implicou, atento o facto da própria distribuição dos autos, já enquanto instrução, não ter sido pacífica, pois o JIC de Lisboa declarou-se incompetente tendo a instrução acabado por ser distribuída ao Juiz 2 do TCIC em 23-04-2020, a qual só foi aceite por despacho de 20-08-2020 – cfr. fls. 19103 e 19104, 19118 e 19119, 19140 e ss, 19175 e ss, 19308 a 19310 e 19420 e ss.
Ora, as medidas de garantia patrimonial têm de ser decididas num mais breve espaço possível, precisamente por serem medidas cautelares, isto é, que visam evitar a dissipação de património considerado necessário para garantir o pagamento de quantias em cuja condenação o MºPº também requereu.
Aliás, as medidas de garantia patrimonial, que vêm concretamente previstas nos artºs 227º e e 228º do CPP são a caução económica e o arresto, este último, seguindo a lei do processo civil que o qualifica de providência cautelar a que se atribui natureza urgente.
Ora, no tempo que medeia entre o fim do inquérito e o início de uma nova fase processual, quer seja a instrução, quer seja o julgamento, o processo não pode ficar numa espécie de limbo processual à espera de distribuição para um ou outro destino.
As medidas cautelares, quer sejam medidas de coacção, quer sejam de garantia patrimonial, têm de ser decididas por um juiz de instrução, e porque têm de ser decididas de forma célere, até que se saiba se a instrução é requerida e se o processo é efectivamente distribuído para esse efeito, as questões cautelares que surgem no fim do inquérito mas antes da nova fase processual devem ser decididas pelo JIC que sempre acompanhou o inquérito.
É a única forma de garantir a prolação de decisão com a celeridade que a natureza cautelar do respectivo incidente exige com respeito pelo juiz natural.
Tanto mais que, no caso em apreço, o pedido de garantia patrimonial foi formulado em 05-11-2019, o respectivo incidente a que esse pedido deu lugar foi autuado em 28-11-2019, a decisão foi proferida 13-02-2020 sendo que os respectivos autos só foram distribuídos para a fase de instrução em Abril de 2020, sendo que, por vicissitudes várias, como já referimos, a instrução só foi declarada aberta em Agosto de 2020.
Pelo que tem de improceder o recurso nesta parte, não se verificando a nulidade prevista no artº 119º al. e) do CPP por a Mmª JIC que decidiu o incidente cautelar de garantia patrimonial deter competência para essa decisão.
Vejamos, agora, se a caução económica decretada pela Mmª JIC é legal, respeitando o disposto no artº 227º do CPP que é o seu assento legal.
Diz o artº 227º do Código de Processo Penal, subordinado á epígrafe “caução económica” o seguinte:
“1 - O Ministério Público requer prestação de caução económica quando haja fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias:
a) Do pagamento da pena pecuniária, das custas do processo ou de qualquer outra dívida para com o Estado relacionada com o crime;
b) Da perda dos instrumentos, produtos e vantagens de facto ilícito típico ou do pagamento do valor a estes correspondente.
2 - O requerimento indica os termos e as modalidades em que deve ser prestada a caução económica.
3 - Havendo fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento da indemnização ou de outras obrigações civis derivadas do crime, o lesado pode requerer que o arguido ou o civilmente responsável prestem caução económica, nos termos do número anterior.
4 - A caução económica prestada a requerimento do Ministério Público aproveita também ao lesado.
5 - A caução económica mantém-se distinta e autónoma relativamente à caução referida no artigo 197.º e subsiste até à decisão final absolutória ou até à extinção das obrigações. Em caso de condenação, são pagas pelo seu valor, sucessivamente, a multa, a taxa de justiça, as custas do processo, a indemnização e outras obrigações civis e, ainda, o valor correspondente aos instrumentos, produtos e vantagens do crime.”        
Ora, no final da acusação deduzida pelo MºPº contra a recorrente (e outros arguidos) o MºPº, para fundamentar o seu pedido de caução económica em relação à arguida CONVIDA, diz o seguinte:
“Após a instauração dos presentes autos, no seu decurso, a CONVIDA procedeu à venda de algum património imobiliário:
- O prédio urbano, sito na Rua  , descrito na CRP do Porto, sob o nº 427 , da freguesia de  , composto por rés-do-chão e andar com 103 m2, dependência com 10 m2 de quintal, foi vendido a terceiros em 24/05/2016 (fls. 9647-9648);
- O apartamento sito na Rua  , em Lisboa, descrito na  , sob o nº   da freguesia de S. Mamede – Fracção  , por ela adquirido em 30-06-2003, que foi utilizado por LCR_______, foi vendido a terceiros em 05/12/2017 (fls. 281, Auto de Busca e Apreensão fls. 3592 a 3600, Ap. 13.17, doc. 84, fls. 15-16, 18 a 22, 26-27, 28-40; fls. 9645-9646).
Por seu lado, o pedido formulado pelo Ministério Público contra os arguidos PC______ e a CONVIDA – Investimentos Imobiliários, SA de perda a favor do Estado dos benefícios concedidos e obtidos com origem na atividade delituosa dos arguidos é de valor muito elevado (€ 4.663.259,92).
Existe fundamento, a nosso ver, para que os arguidos prestem caução económica nos termos do artº 227º nº 1 do CPP, por existir um fundado receio de que os arguidos ao tomarem conhecimento da acusação transmitam património para se desonerarem do pagamento da quantia em que venham a ser solidariamente condenados.
Para o efeito, requer-se que a CONVIDA preste caução económica através de hipoteca voluntária a favor destes autos sobre os imóveis:
7. Moradia na  , sita na Av. …, nº …, Lote 75 – R/C –  , descrito na 2ª CRP  /000000, adquirido em 2001, pelo valor de € 1.537.696,47 (fls. 661-662; 9635-9636, 11910 a 11913);
8. Apartamento na   na Av. …, nº …, Lote 94 – A1 –  , descrito na 2ª CRP de   /000000 – Fracção A, adquirido em 2000, pelo valor de € 803.155,01 (fls. 663; 9637, 11908).”
Na acusação deduzida pelo MºPº este veio efectuar, ao abrigo do artº 111º nºs 1 e 4 do Código Penal, pedido de condenação solidária de PC______ e CONVIDA a pagar ao Estado a quantia de € 3.841.400,16.
Entende a recorrente que o MºPº, ao não indicar o valor da caução a prestar, violou o disposto no artº 227º do CPP pois entende que o valor é elemento integrante da validade do pedido de caução.
Vejamos.
Da cuidada análise do disposto no artº 227º do Código de Processo Penal podemos concluir que os requisitos necessários para que seja determinada a prestação de caução económica por parte do arguido é:
- a probabilidade de vir a existir um crédito sobre o arguido proveniente da actuação criminosa que lhe é imputada;
- a existência de um fundado receio de que venham a faltar ou que sejam diminuídas as garantias patrimoniais do arguido aptas a assegurar a satisfação do respectivo crédito.
No caso de ser o Ministério Público a requerer a caução económica, esta deve ainda ser pedida para garantir as seguintes finalidades:
i) para pagamento:
- da pena pecuniária;
- das custas do processo; ou,
- de qualquer outra dívida para com o Estado relacionada com o crime;
ii) para assegurar:
- a perda dos instrumentos, produtos e vantagens de facto ilícito típico; ou,
- o pagamento do valor a estes correspondente.
Ora, no caso da caução económica ter por finalidade garantir o pagamento das custas do processo, por exemplo, ou da pena pecuniária não é possível indicar-se logo o respectivo valor porquanto este não é conhecível antes que seja determinada a condenação do arguido em concretas UC’s a título de custas ou numa pena de multa fixada em dias e taxa diária.
Por outro lado, conforme dispõe o nº 5 do citado artº 227º do CPP “em caso de condenação, são pagas pelo seu valor, sucessivamente, a multa, a taxa de justiça, as custas do processo, a indemnização e outras obrigações civis e, ainda, o valor correspondente aos instrumentos, produtos e vantagens do crime”, pelo que, em bom rigor a caução económica servirá para garantir uma série de valores pecuniários cujo montante total não é previsível e que até podem vir a consumir a totalidade da caução antes da mesma chegar a garantir a finalidade específica para a qual foi fixada.
Assim, por este raciocínio, fácil é de ver que a indicação do valor da caução não é um elemento essencial à sua fixação, nem existe uma obrigação legal, por parte do MºPº, de indicar o valor que pretende ver caucionado, devendo apenas indicar os respectivos termos, isto é, para que finalidade pretende a caução económica, termos esses que irão permitir delinear, como aconteceu nos autos, o possível valor em causa.
Quanto às modalidades da caução económica que também devem ser indicadas as mesmas vêm contempladas no artº 206º nº 1 do Código de Processo Penal que as discrimina da seguinte forma:
“1 - A caução é prestada por meio de depósito, penhor, hipoteca, fiança bancária ou fiança, nos concretos termos em que o juiz o admitir.”
No caso, em apreço, o MºPº pediu a caução económica na modalidade de hipoteca voluntária e identificou a finalidade da requerida caução – para garantir a perda a favor do Estado das vantagens dos factos ilícitos no montante total de € 3.841.400,16 – pelo que se mostram cumpridas as obrigações provenientes do nº 2 do citado artº 227º do CPP.
Vejamos, agora, se se mostram preenchidos os dois requisitos principais, o da existência de crédito a favor do Estado, da obrigação do arguido assegurar, e o fundado receio de que o arguido, neste caso, a arguida CONVIDA, diminua, de forma deliberada, as suas garantias patrimoniais como forma de fugir a qualquer futura obrigação que possa resultar de uma possível condenação.
No caso em apreço à arguida CONVIDA é imputada a prática, em co-autoria com os restantes arguidos singulares, vários crimes de branqueamento, p. e p. pelo artº 368º-A do Código Penal, bem como vários crimes de falsificação quer na forma continuada quer na forma consumada, p. e p. pelo artº 256º do Código Penal.
É ainda imputada à CONVIDA, na acusação, pelo MºPº um ganho ilícito, proveniente da actividade criminosa, no valor € 3.841.400,16 cuja perda a favor do Estado é também pedida.
Há, assim, a possibilidade real de, em caso de condenação, a CONVIDA ter de assegurar um crédito a favor do Estado naquele valor.
Quanto ao fundado receio de perda da respectiva garantia patrimonial, o MºPº invocou a alienação de património por parte da CONVIDA e do seu administrador único, o co-arguido PC______  , na pendência dos autos de inquérito.
Contra-argumenta a recorrente que a alienação em causa ocorreu antes da sua constituição como arguida, bem como da constituição do co-arguido PC______  , e que o seu património excede em larga medida o valor computado não tendo as referidas alienações afectado a capacidade financeira dos arguidos em garantirem quaisquer futuros valores em que possam vir a ser condenados.
Vejamos os factos.
 Em nome da CONVIDA existem os seguintes imóveis:
- sito na freguesia de Alcabideche com valor patrimonial de € 180.465,08;
- sito na freguesia de Alvalade com valor patrimonial de € 152.807,31;
- sito na freguesia de Coração de Jesus com valor patrimonial de € 127.829,43;
- sito na freguesia da Graça com valor patrimonial de € 517.907,84;
- sito na freguesia da Graça com valor patrimonial de € 348.001,32;
- sito na freguesia de Massarelos com valor patrimonial de € 121.735,04;
- sito na freguesia de Paranhos com valor patrimonial de € 53.445,61;
Com um valor patrimonial total de € 1.778.564,29.[2]
Por escritura pública de compra e venda outorgada em 05-12-2017 a CONVIDA, representada nesse acto notarial pela co-arguida HMNC __________  e vendeu a terceiro, pelo preço de € 515.000,00, a fracção autónoma sita no prédio nº da Rua em Lisboa, imóvel esse que integra o objecto da acusação.[3]
Por escritura pública outorgada em 24-05-2016 a CONVIDA vendeu a terceiro o imóvel sito na Rua do …, em[4].
Em 30-10-2015 PC______ dirige à Srª Procuradora-Geral da República requerimento onde declara o seguinte:
“O Requerente tomou conhecimento, no dia 29-10-2015, do teor de vários artigos publicados na imprensa televisiva e escrita de âmbito nacional (nomeadamente na TVI e Jornal de Notícias, este último referindo como fonte a LUSA) trazendo ao conhecimento do público a existência de um processo de natureza criminal tendo por objecto o «negocio do plasma» em Portugal. (…)
(…) vem informar da sua inteira disponibilidade para em dia, hora e local, que venha a ser indicado pelo titular de tal Inquérito prestar todos os esclarecimentos que se afigurem necessários.”[5]
Nesse requerimento juntou procuração forense datada de 10-09-2015[6] e pediu fosse o seu requerimento junto ao respectivo inquérito caso o mesmo viesse a existir de facto.
Com o requerimento de 30-10-2015 PC______ junta um documento que traduz uma notícia do Jornal de Notícia, publicada em 29-10-2015, no qual se pode ler, entre outras coisas, o seguinte:
“O responsável da O...,  e , foi quem deu emprego a JS______ depois do ex-primeiro-ministro ter deixado o executivo. Além de JS_____ é também um dos arguidos do processo «Operação Marquês».”
No verão de 2015 a TVI, numa grande reportagem assinada pela jornalista Alexandra Borges, denunciou irregularidades com a O... e a venda de plasma, na qual se alicerçaram as posteriores notícias referidas por PC______ nos seus requerimentos.[7]
Em 05-11-2015 PC______ envia novo requerimento a reiterar a sua vontade em que o mesmo fique junto ao inquérito que entretanto apurou ter sido distribuído à 9ª Secção do DIAP.[8]
Em 02-12-2016 é expedida Carta Rogatória de Busca e Apreensão às autoridades Suíças referente PC______  , aí residente, tendo o mesmo consentido na respectiva execução por carta de 30-06-2017.[9]
Em 13-12-2016 foi efectuada uma busca no INEM onde esteve presente, entre outras pessoas, HMNC ___________  e , irmã de PC______  .[10]
A CONVIDA foi constituída arguida em 15-07-2019, na pessoa do seu legal representante JC PC______  de e (o co-arguido PC______  )[11].
JC PC______    e  foi constituído arguido em 03-01-2017.[12]
Ora, embora seja verdade que, a recorrente, bem como o seu representante legal PC______  , tenham apenas sido constituído arguidos em 15-07-2019 e 03-01-2017, respectivamente, sendo nessas datas que teriam formalmente tomado conhecimento do inquérito que contra si corria, não é menos verdade que desde Outubro de 2015 que o arguido PC______ revela conhecimento da situação subjacente aos autos, conhecendo a existência de inquérito onde estaria implicada a O..., tendo inclusive manifestado a sua disponibilidade para prestar quaisquer esclarecimentos no inquérito.
Por outro lado, em Dezembro de 2016 é efectuada uma busca com vista a apreensão de documentos no INEM, tendo estado presente, pelo menos durante parte da diligência, a irmã de PC______  , a co-arguida HMNC ___________  e .
E desde o verão de 2015 que a situação com a O..., a venda de plasma e o possível envolvimento de várias pessoas da roda política, bem como o arguido PC______  , legal representante da CONVIDA, é alvo de uma grande reportagem transmitida pela TVI, sendo do domínio público.
Fácil é de constatar que o arguido PC______ e, consequentemente, a sociedade por si representada CONVIDA, têm pleno conhecimento da existência de uma investigação relacionada com a O... e a venda de plasma desde meados de 2015, tendo em Outubro de 2015 PC______ pedido expressamente para se inteirar da existência de eventual inquérito e oferecido a sua disponibilidade em prestar declarações.
Ora, a venda do imóvel relacionado com o inquérito, a casa sita na Rua  , onde teria residido o co-arguido LCR_______, é vendida em 05-12-2017, ou seja, já depois de PC______ ter sido constituído arguido.
E embora a CONVIDA só tivesse sido constituída arguida em 2019[13], a verdade é que a mesma é uma pessoa colectiva, pelo que o seu “conhecimento” dos factos advém através do seu legal representante o co-arguido PC______  .
Fácil é de ver que durante o inquérito, e já após o seu legal representante ter sido constituído arguido, e muito após ter tomado conhecimento do objecto dos autos, a CONVIDA,  alienou parte do seu património.
Sendo que a venda da casa ocorre em Maio de 2016 quase um ano após a reportagem na TVI e cerca de 7 meses após PC______ se ter dirigido à Procuradora-Geral da República a pedir intervenção no inquérito.
Por fim, alega a recorrente que mesmo com as referidas alienações a mesma detém património que chegue para garantir os eventuais valores em cujo pagamento possa vir a ser condenada.
Além do património não se mostrar devidamente avaliado, a verdade é que, nada nos garante que o mesmo não pode vir a ser alienado, pois já foram vendidos dois imóveis na pendência do inquérito, sendo que o processo em apreço é complexo, tendo havido abertura de instrução, e até ser julgado em termos definitivos ainda pode ocorrer muitas demoras, podendo, em tal tempo a CONVIDA e/ou o seu representante legal se desfazer de mais património, mostrando-se, assim, plenamente justificado e fundado o receio manifestado pelo MºPº.
Estando, assim, reunidos todos os requisitos legais previstos no artº 227º do Código de Processo Penal, constata-se que não há ilegalidade nem vício a apontar ao despacho recorrido o qual deve ser confirmado na íntegra.
Decisão:
Em face do acima exposto nega-se provimento ao recurso interposto pela Arguida CONVIDA e, em consequência, confirma-se o despacho recorrido.
Custas a cargo da arguida recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC's (artºs 513º nº 1 CPP e 8º e 9º do Regulamento das Custas Processuais conjugando este com a Tabela III anexa a tal Regulamento).

Lisboa, 13 de Janeiro de 2021.
Florbela Sebastião e Silva
Alfredo Costa
_______________________________________________________
[1] Ver a nota 1 do acórdão da RC de 21/01/2009, relatado por Gabriel Catarino, no proc. 45/05.4TAFIG.C2, in www.dgsi.pt, que reproduzimos: “Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; www.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).”.
[2] Fls. 13 e ss do Apenso 13.17.
[3] Escritura de fls. 9856 e ss.
[4] Certidão do registo predial de fls. 9647 e ss.
[5] Fls. 190 e ss.
[6] Fls. 193.
[7] Fls. 202.
[8] Fls. 194 e ss.
[9] Apenso 17.1.
[10] Auto de Busca e Apreensão de fls. 3592 e ss.
[11] TIR de fls. 10882.
[12] Fls. 4264.
[13] De notar que na respectiva escritura pública quem representa a CONVIDA é a irmã de PC______  , talvez porque este já estava constituído arguido.