Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | NUNO LOPES RIBEIRO | ||
Descritores: | DISPENSA DE AUDIÊNCIA PRÉVIA NULIDADE DE DESPACHO EXCEPÇÃO DILATÓRIA DE INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/12/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I. Padece de nulidade o despacho, proferido com dispensa de audiência prévia, que julga procedente a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial, por ininteligibilidade de um dos pedidos, absolvendo o réu parcialmente da instância, relativamente a esse mesmo pedido. II. Essa nulidade não afecta o despacho que indeferiu o pedido de intervenção principal provocada passiva, pois esse incidente ainda se insere na fase dos articulados e deve ser objecto de decisão autónoma e necessariamente antecedente à audiência prévia. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa I. O relatório A e B interpuseram a presente acção comum, contra C, S.A, peticionando: a) Os A.A. pedem a condenação da Ré, no pagamento da quantia de €297.500,00 (Duzentos e noventa e sete mil e quinhentos euros, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, desde a citação até integral pagamento; b) A resolução do contrato por verificação do seu cumprimento, desde 28/09/2016. Nestes termos, deve a presente ação ser julgada procedente por provada e em consequência ser a R., condenada no pagamento aos AA., do valor de €297.500,00 (Duzentos e noventa e sete mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, desde a citação até integral pagamento, bem como, ser resolvido o contrato em virtude do seu incumprimento por parte da Ré. A ré contestou, impugnando parte da factualidade vertida na petição inicial e excepcionando a ilegitimidade passiva, a ineptidão da petição inicial, por inexistência de nexo lógico entre os pedidos deduzidos e a causa de pedir invocada na petição inicial bem como por ininteligibilidade do pedido formulado em b) e, ainda, deduzindo pedido reconvencional contra os autores. Os autores replicaram, propugnando pela improcedência das excepções e da demanda reconvencional bem como requereram intervenção principal provocada de D, S.A.. Com data de 3/6/2022, foi proferido despacho, salientando-se o seguinte teor: Impõe-se agendar a audiência prévia a realizar nestes autos. Porém, face às posições antagónicas firmadas nos autos, não se afigura possível o acordo das partes. Tendo sido deduzidas excepções, e pedido reconvencional, os AA. tiveram, já oportunidade de lhes responder. Assim, nos termos do art.º 593º do Código de Processo civil decido dispensar a realização da audiência prévia. No mesmo despacho, decidiu-se, ainda, indeferir a requerida intervenção principal provocada, fixar o valor da causa, admitir o pedido reconvencional, julgar improcedente a excepção de ilegitimidade passiva, absolver o réu da instância quanto ao pedido formulado em b), por ineptidão parcial da petição inicial, apreciar tabelarmente a regularidade da restante instância, fixar o objecto do litígio e os temas da prova, e admitir os meios probatórios apresentados. * Inconformados, os autores interpuseram recurso de apelação para esta Relação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: 64. O Tribunal a quo tendo em conta que a exceção dilatória de ineptidão não foi debatida nos articulados estava obrigada a marcar a audiência prévia. 65. A não realização de audiência prévia, impondo a lei a sua realização, constitui nulidade processual, podendo ser arguida em sede de recurso, conduzindo à anulação da decisão que dispensou a sua convocação e do saneador-sentença que se seguiu a essa decisão. 66. Assim o facto de ter sido dispensada a audiência prévia, não obstante não se mostrar, fundamentada a opção pela não realização de tal formalidade. 67. É notório que a causa de pedir ou o fundamento de tal pedido é o incumprimento culposo do R. 68. O tribunal a quo tivesse sobre esta matéria, haveria sempre lugar ao convite ao aperfeiçoamento de tal alegação. Cfr. art.º 590º, n.º 2 do CPC. 69. O tribunal a quo não logrou fazer o convite ao aperfeiçoamento. 70. A não realização de audiência prévia, impondo a lei a sua realização, constitui nulidade processual, podendo ser arguida em sede de recurso, conduzindo à anulação da decisão que dispensou a sua convocação e do saneador-sentença que se seguiu a essa decisão. 71. O que aqui se requer. 72. Pois que a mesma carecia de ser realizada, aliás como igualmente a recorrida em sede de reclamação também sustenta. 73. Ou pelo menos o Tribunal a quo deveria ter ouvido as partes. 74. Considerando que o crédito cedido à D, SA, e tendo igualmente esta comunicado ao Banco de Portugal a situação de alegado incumprimento dos apelantes, mesmo sustentada num negócio jurídico ferido de nulidade, deverá a mesma ser chamada ao processo por ser igualmente responsável pela situação danosa criada na esfera jurídica dos apelantes. 75. Normas jurídicas violadas: Artigos 590º, n.º 2, 592º, 595º, 1. B), 6º, nº 1 e 3.º, todos do Código de Processo Civil. Pelo exposto, se requer a procedência da apelação, e assim procedam à anulação da decisão que dispensou a realização da audiência prévia e o subsequente saneador-sentença, devendo ser proferida decisão a convocar as partes para audiência prévia, nos termos e para os efeitos do artigo 591.º do Código de Processo Civil e ser chamada ao processo como interveniente principal a D, SA, bem como julgar o pedido formulado em B) da p.i., inteligível e apto a prosseguir em sede de julgamento. * O réu não contra-alegou. * Em 4/11/2022, foi realizada audiência prévia, onde foram aditados os temas da prova e foi admitido o recurso interposto pelos autores, como sendo de apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. * II. O objecto e a delimitação do recurso Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio. De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo. Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece, sob pena de indeferimento do recurso. Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras. Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal: Nulidade emergente da dispensa de audiência prévia; Adequação legal do despacho que indeferiu a intervenção de terceiros. * III. Os factos Encontra-se provada a factualidade processual que supra se expôs. * IV. O Direito Da omissão de audiência prévia Em primeiro lugar, vêm os recorrentes impugnar a decisão de absolvição parcial da instância, limitada ao pedido formulado em b), por ineptidão da petição inicial emergente da ininteligibilidade do mesmo pedido. Arguindo que tal decisão deveria ter sido proferida em sede de audiência prévia e não por despacho contemporâneo à decisão de dispensa da mesma. A este respeito, veja-se desta Relação e Secção, o arresto de 8/2/2018 (Cristina Neves), disponível em www.dgsi.pt: I.– No NCPC (Lei 41/2013), passou a dispor-se como regra a obrigatoriedade da realização de audiência prévia, agora previsto no art.º 591 do C.P.C., nomeadamente quando “tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa.” (nº1 b) II.– A lei processual apenas autoriza o juiz a dispensar a audiência prévia nas acções que hajam de prosseguir e, a realizar-se, a audiência prévia só tivesse por objecto as finalidades indicadas nas alíneas d), e) e f) no n.º 1 do artigo 591.º III.– A dispensa da audiência prévia fora destes casos, só é possível por via do mecanismo da adequação formal prevista no art.º 547 e 6 do C.P.C. sem prejuízo de a dispensa ser precedida de consulta das partes, por exigência do princípio do contraditório, como decorre do art.º 3º, nº 3, do NCPC. IV.– Sendo esta uma formalidade obrigatória e essencial, a sua não observância é fundamento de nulidade, que inquinou a sentença proferida por ter decidido de questão de que não podia conhecer e apenas impugnável por via do competente recurso. A obrigatoriedade de realização da audiência prévia, por contraponto à possibilidade de dispensa prevista no art.º 508-B nº1 b) do Código de Processo Civil anterior, tem sido defendida de forma unânime pela nossa jurisprudência (Relação de Évora de 30/06/2016 (Mário Serrano); Relação de Lisboa de 9/10/2014 (Jorge Leal), de 5/5/2015(Cristina Coelho). Também na doutrina, a obrigatoriedade de realização desta audiência prévia, é defendida de forma igualmente unânime, referindo Ferreira de Almeida, in Direito Processual Civil, vol. II, 2015, pág. 190, o seguinte: «Uma vez executado o despacho pré-saneador (ou seja, uma vez concluídas as diligências resultantes do preceituado no nº 3 do art.º 590º - correcção das irregularidades formais dos articulados), ou, não tendo a ele havido lugar, logo que o processo lhe seja feito concluso, após a fase dos articulados, o juiz, observado o preceituado pelo art.º 151º, nºs 1 e ss., designa dia para a audiência prévia indicando o seu objecto e finalidade de entre os constantes do nº 1 do art.º 591º, a realizar num dos 30 dias subsequentes, salvo se ocorrer alguma das hipóteses previstas no art.º 592º (em que a mesma não pode ex-lege realizar-se) ou no art.º 593º (em que o juiz a entenda dispensável). Conforme a exposição de motivos da Reforma de 2013, «a audiência prévia é, por princípio, obrigatória. Porquanto só não se realizará: - nas acções não contestadas que tenham prosseguido em regime de revelia inoperante; - nas acções que devam findar no despacho saneador pela procedência de uma excepção dilatória, desde que esta tenha sido debatida nos articulados» (sic). E obviamente que também se não realizará no caso de revelia absoluta (operante) do réu, hipótese em que haverá lugar ao julgamento abreviado previsto no art.º 567º, por reporte ao art.º 56º.» No mesmo sentido, JOÃO CORREIA, PAULO PIMENTA e SÉRGIO CASTANHEIRA defendem que que «por princípio, no processo comum de declaração, é obrigatória a realização de audiência prévia» (Introdução ao Estudo e à Aplicação do Código de Processo Civil de 2013, Almedina, Coimbra, 2013, p. 73). Sobre a questão do conhecimento de mérito no despacho saneador, referem que «(…) sempre que o juiz projecte conhecer no despacho saneador de uma excepção peremptória ou de algum pedido (independentemente do possível sentido da decisão), deverá convocar audiência prévia para os efeitos do art.º 591º.1.b)», aditando que «está em jogo assegurar o exercício do contraditório, na acepção de direito a produzir alegações antes de uma decisão final (art.º 3º.3)» (idem, p. 77) Por sua vez, Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo”, 2014, Almedina, págs. 231, 232, refere, relativamente à necessidade de ser convocada a audiência prévia: “Antes de mais, impede que as partes venham a ser confrontadas com uma decisão que, provavelmente, não esperariam fosse já proferida, isto é, evita-se uma decisão-surpresa (art.º 3º 3). Depois, são acautelados os casos em que a anunciada intenção de conhecimento imediato do mérito da causa derive de alguma precipitação do juiz, tanto mais que não é frequente a possibilidade de, sem a produção de prova, ser proferida já uma decisão final. Desse modo, a discussão entre as partes tanto poderá confirmar como infirmar a existência de condições para o tal conhecimento imediato do mérito (…). Por outro lado, sabendo as partes que, no caso de o juiz pretender decidir o mérito da causa logo no despacho saneador, serão convocadas para uma discussão adequada, não terão de preocupar-se em utilizar os articulados para logo produzirem alegações completas sobre a vertente jurídica da questão. A solução consagrada permite, portanto, que os articulados mantenham a sua vocação essencial (exposição dos fundamentos da acção e da defesa), ao mesmo tempo que garante a discussão subsequente, se necessária, em diligência própria.” * No caso e como se viu, a Exma. Juiz a quo proferiu despacho, em 3/6/2022, dispensando a audiência prévia e procedendo à elaboração de despacho saneador, nos seguintes termos: Impõe-se agendar a audiência prévia a realizar nestes autos. Porém, face às posições antagónicas firmadas nos autos, não se afigura possível o acordo das partes. Tendo sido deduzidas excepções, e pedido reconvencional, os AA. tiveram, já oportunidade de lhes responder. Assim, nos termos do art.º 593º do Código de Processo civil decido dispensar a realização da audiência prévia. No mesmo despacho, decidiu-se, ainda, indeferir a requerida intervenção principal provocada (imediatamente antes), fixar o valor da causa, admitir o pedido reconvencional, julgar improcedente a excepção de ilegitimidade passiva, absolver o réu da instância quanto ao pedido formulado em b), por ineptidão parcial da petição inicial, apreciar tabelarmente a regularidade da restante instância, fixar o objecto do litígio e os temas da prova, e admitir os meios probatórios apresentados. Fundamentou a sua decisão de absolvição da instância do réu, quanto ao pedido formulado em b), por ineptidão da petição inicial, da seguinte forma: Analisados os pedidos formulados nos autos verifica-se que, sob a al. b), peticionam os AA. “A resolução do contrato por verificação do seu cumprimento, desde 28/09/2016”. Ora, o pedido de resolução por cumprimento, encerra, desde logo, dois conceitos contraditórios. Na verdade, a resolução de um contrato será sempre consequência de um incumprimento e não de um cumprimento, conforme peticionado. Acresce que os AA. alegam a existência de dois contratos (art.º 8º da PI “paralelamente...” o que reitera na réplica — art.º 24º) porém peticiona, apenas, a resolução do contrato por verificação do seu cumprimento, não identificando qual o contrato cuja resolução requer, ficando em dúvida se pretenderia ter dito “dos contratos”, o que o Tribunal não pode concluir face ao princípio do pedido (art.º 661º do Código de Processo Civil). Por outro lado, atenta a factualidade invocada não se compreende se os AA. alegam que o contrato está cumprido porque a conta estava provisionada e o R. não descontou as prestações (mora do credor??) ou se o R. incumpriu as obrigações contratuais ao não bater as prestações mensais. Não se alcança de todo o articulado se o fundamento/causa de pedir é o cumprimento ou o incumprimento e em que termos, assim como não se alcança por que razão o contrato deve considerar-se cumprido em 28/09/2016. Diga-se, ainda, que toda a alegação se afigura contraditória e ininteligível. Alegam os Aa. no art.º 27º da PI que nada devem ao R. “pois sempre tiveram a conta provisionada para as prestações serem descontadas”, para logo no art.º 28º referirem que “as prestações não estavam a ser debitadas”, embora não aleguem desde quando. Seguidamente, alegam no art.º 32º que “sempre procederam ao pagamento das prestações a que estavam adstritos por força do contrato assinado com a R”, mais uma vez não identificando a qual dos contratos se refere, para logo no art.º 33º referir que “pagaram todos os meses a prestação estipulada e ficaram impossibilitados de continuar a dar cumprimento ao mesmo”. Assim, afigura-se que, no que respeita ao pedido formulado em b), o mesmo se afigura ininteligível o que determina a ineptidão da PI geradora de nulidade nos termos do art.º 186º, n.º 1 e 2 al. b) do Código de Processo Civil. Não se trata, pois, de uma excepção dilatória passível de ser conhecida com dispensa de audiência prévia, nos termos do disposto no art.º 593º, nº1 do Código de Processo Civil. Nem, acrescente-se, de uma situação enquadrável na excepção prevista no art.º 592º do mesmo Código: Não realização da audiência prévia 1 - A audiência prévia não se realiza: a) Nas ações não contestadas que tenham prosseguido em obediência ao disposto nas alíneas b) a d) do artigo 568.º; b) Quando, havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória, esta já tenha sido debatida nos articulados. 2 - Nos casos previstos na alínea a) do número anterior, aplica-se o disposto no n.º 2 do artigo seguinte. Isto, na medida em que a procedência da excepção dilatória decidida pela Exma. Juíza a quo não findou todo o processo, por se referir apenas a um dos pedidos formulados. Do que se conclui pela procedência da alegação, no que concerne à nulidade do despacho proferido em 3/6/2022, de dispensa da realização da audiência prévia e processado subsequente. Os autos deverão regressar à primeira instância, com vista à marcação da audiência prévia, onde deverão ser apreciadas as excepções suscitadas pela ré e retomado o correcto processado. Sem prejuízo da prolacção de despacho pré-saneador, com vista ao aperfeiçoamento da petição inicial, caso a Exma. Juíza a quo considere necessário. Sem prejuízo, haverá que ponderar a alegação dos autores, em sede de resposta à excepção dilatória de ineptidão da petição inicial, no art.º 27º: (…) dúvidas não restam que a obrigação se extingiu, (volvido este largo esforço de tempo) assim se tendo requerido a resolução dos sobreditos contratos de mútuo. Aparentemente, esclarecendo as dúvidas que surgiram sobre o exacto pedido formulado na petição inicial, face ao aí invocado: 34.º Assim, tendo em conta a conduta da Ré ao fim de estes anos, outra solução não resta aos AA, a de proceder à resolução do contrato. e III- DO PEDIDO: (…) b) A resolução do contrato por verificação do seu cumprimento, desde 28/09/2016. Procede, pois e nesta parte, a apelação, devendo anular-se o despacho que dispensou a realização de audiência prévia e todas as decisões subsequentes. * Do indeferimento do pedido de intervenção de terceiros. Previamente à dispensa da audiência prévia, a Exma. Juíza a quo proferiu a seguinte decisão: Pelo exposto, indefiro a requerida intervenção principal provocada. A intervenção de terceiros foi pedida pelos autores, no seu articulado de resposta às excepções, nos seguintes termos: Da intervenção provocada do Banco D SA. 50º Não obstante e sem prescindir de tudo o que foi alegado, e tendo em conta que o R, alude na sua contestação/reconvenção, concretamente no artigo 17º e 18º, que foi um terceiro quem comunicou à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal uma alegada situação de incumprimento, e que por causa disso os AA. sofreram os danos de natureza patrimonial e não patrimonial mais e melhor descritos e peticionados na p.i., 51º Impõe-se de harmonia com o artigo 33º nº 2 do CPC, existir uma situação de litisconsórcio necessário, atenta a própria natureza da relação jurídica, sendo assim a intervenção de todos os interessados necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal, ou seja, para que “possa regular definitivamente a situação concreta das partes quanto aos bens ou interesses em jogo” (Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, página 76). 52º A responsabilidade por danos patrimoniais e não patrimoniais que se peticionou, afecta a esfera patrimonial da sociedade D SA, que terá por essa razão, interesse na causa, com legitimidade para nela intervir. 53º Por essa via se requer a sua intervenção provocada, nos termos do art.º 316º do CPC. 54º Assim se requer a V.Exª., que seja admitido o presente incidente de Intervenção Principal Provocada deduzida, sendo chamada a juízo a interveniente: • D, S.A., NIF …, com sede … Fundou a Exma. Juíza a quo a sua decisão de indeferimento nas seguintes considerações jurídicas: Ora, em face do pedido formulado na acção e da respectiva causa de pedir é manifesto que, face à relação material controvertida, tal como é configurada pelos AA., apenas o R. é parte legítima já que terá sido este a praticar o facto ilícito que serve de fundamento à acção, inexistindo, pois, qualquer situação de litisconsórcio necessário. Invocam os recorrentes, para fundar o seu recurso, o seguinte: 74. Considerando que o crédito cedido à D, SA, e tendo igualmente esta comunicado ao Banco de Portugal a situação de alegado incumprimento dos apelantes, mesmo sustentada num negócio jurídico ferido de nulidade, deverá a mesma ser chamada ao processo por ser igualmente responsável pela situação danosa criada na esfera jurídica dos apelantes. Ora, a análise deste despacho desdobra-se em duas questões: i) determinar se a nulidade emergente da dispensa de audiência prévia inquina também esta decisão; ii) analisar o mérito do indeferido da intervenção de terceiros. Começando pela primeira, parece-nos claro que a audiência prévia apenas deve ser designada findos os articulados, como refere expressamente o art.º 590º do Código de Processo Civil. O incidente de intervenção principal provocada passiva ainda se insere na fase dos articulados e deve ser objecto de decisão autónoma e necessariamente antecedente à audiência prévia, pois apenas efectuada a citação do chamado se estabilizam os articulados (veja-se o disposto nos art.ºs 315º e 319º, nº1 do mesmo Código). Ou seja, e quanto ao primeiro dos argumentos, a nulidade emergente da dispensa de audiência prévia fora dos pressupostos legais para tanto não afecta o despacho (anterior a essa mesma dispensa) que indeferiu o pedido de intervenção de terceiros. No que tange ao segundo fundamento da apelação, cumpre apreciá-lo, na medida em que, sendo o incidente de intervenção de terceiros um incidente da instância, dotado de autonomia face à acção onde é suscitado, a decisão que conhece do mesmo é passível de recurso imediato, nos termos do art.º 644º, nº1, a) do Código de Processo Civil – por todos, veja-se o recente arresto desta Relação de 27/1/2022 (Cristina Lourenço), disponível em www.dgsi.pt. Fundam os autores a sua pretensão na figura do litisconsórcio necessário útil, previsto no art.º 33º, nº 2 do Código de Processo Civil: 1 - Se, porém, a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade 2 - É igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal. 3 - A decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado. Como se decidiu nesta Relação, em Acórdão de 15/3/2006 (Isabel Tapadinhas), disponível em www.dgsi.pt: III - O litisconsórcio necessário tem carácter excepcional, dados os graves embaraços que para a parte representa a sua imposição e assim existirá apenas nos contados casos em que a lei pôs acima dos interesses das partes e dos respectivos custos, a unidade da decisão; o litisconsórcio é necessário quando a lei ou o contrato o impuserem, ou quando pela própria natureza da relação jurídica a intervenção de todos os interessados seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal. IV - A concepção de “efeito útil normal” tem o sentido de que só haverá litisconsórcio necessário quando a decisão que vier a ser proferida não possa persistir inalterada quando não vincule todos os interessados pois o que se pretende é que não sejam proferidas decisões que praticamente venham a ser inutilizadas por outras proferidas em face dos restantes interessados, por virtude de a relação jurídica ser de tal ordem que não possam regular-se inatacavelmente as posições de alguns sem se regularem as dos outros. Antunes Varela, designadamente na RLJ 117º, pág. 380 e segs., fixa os contornos do litisconsórcio voluntário e do necessário incluindo neste as relações indivisíveis por natureza, que têm de ser resolvidas de modo unitário para todos os interessados, sem a presença dos quais, a decisão não conduziria a nenhum efeito útil, como nas acções constitutivas em que a falta de alguns deles poria em causa a globalidade da própria relação jurídica; e bem assim aquelas em que só a intervenção de todos produzirá, não apenas algum efeito útil, mas ainda o considerado normal, definindo a situação concreta entre as partes, de tal modo que não possa vir a ser inutilizada por outros interessados a quem a decisão não seja oponível, como em casos de limitação de indemnização por responsabilidade objectiva. Como refere Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pg. 58: A pedra de toque do litisconsórcio necessário é, pois, a impossibilidade de, tido em conta o pedido formulado, compor definitivamente o litígio, declarando o direito ou realizando-o, ou, ainda, nas acções de simples apreciação de facto, apreciando a existência deste, sem a presença de todos os interessados, por o interesse em causa não comportar uma definição ou realização parcelar. Ora, desde o início do processo, na petição inicial, que os autores alegam que a referida D, S.A. efectuou a comunicação do seu alegado incumprimento ao Banco de Portugal; veja-se, o art.º 17º desse articulado (tal situação de alegado incumprimento se encontra reportada e registada no Banco de Portugal, curiosamente pela instituição de crédito D, S.A.). Juntando, aliás e sob documento nº 9, listagem de comunicação de créditos do Banco de Portugal, onde expressamente à referido que a informação (foi) comunicada pela instituição D, S.A.. Acrescentando, na mesma petição inicial que: 11.º Sucede que a R. resolve ceder o seu crédito à D, S.A., que veio a habilitar-se na posição de adquirente ou cessionário por apenso aos autos de Execução, que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu Processo: 403/10.2TBCNF-C, Juízo de Execução de Viseu - Juiz 1 e no processo 397/10.4TBCNF-A - Comarca de Viseu - Juízo Execução - Juiz 2. 12.º Sendo que nunca notificou os AA. dessa cedência nos termos do preceituado no artigo 583º do Código Civil, não obstante estes se encontrarem a cumprir pontual e integralmente o contrato e demais condições para com a R., 13.º. 13.º Facto esse, que só poderá explicar ou não (!), que o adquirente cessionário, assumindo na execução a posição de Reclamante, não tendo conhecimento cabal da situação do crédito que tinha adquirido à R. tenha vindo à execução requerer o prosseguimento da venda dos bens dos executados, ora aqui AA., cfr. doc.6. Ou seja, as autoras demandaram a ré, C S.A, em virtude do alegado incumprimento por parte desta, dos contratos celebrados. Incumprimento consubstanciado, entre outras circunstâncias, na cedência do crédito emergente dos contratos de mútuo celebrados, sem que notificasse as autoras dessa cedência e sem que informasse a cessionária (ora chamada) dos exactos contornos da operação, nomeadamente, de que o mesmo se encontrava em cumprimento por parte das autoras. Isto, na versão das autoras, que se encontra controvertida e não sendo este o local e altura apropriados para ajuizar do mérito desta demanda. Mas, limitados nesta fase a essa delimitação da causa de pedir, não vemos como deduzir da mesma qualquer responsabilização da ora chamada, que, desde a petição inicial, vem enunciada e descrita como tendo comunicado a situação de incumprimento das autoras ao Banco de Portugal, exclusivamente porque deficientemente informada pela ré. Assim sendo, a versão da ré, quanto à autoria da comunicação ao Banco de Portugal, não surge como nova nos autos, correspondendo à versão plasmada na petição inicial, nada tendo acrescentado as autoras no articulado de resposta que corresponda a alteração da causa de pedir invocada e, acrescente-se, do pedido, pois nenhuma pretensão continua a ser deduzida contra a chamada. Recorde-se que as autoras terminam o articulado em que deduzem o chamamento da seguinte forma: Toda a matéria de exceção e pedidos reconvencionais ser julgados improcedentes, por não provados, concluindo-se tudo como na p.i., devendo a Ré ser condenada nos pedidos aí formulados. Logo depois de requererem: Assim se requer a V.Exª., que seja admitido o presente incidente de Intervenção Principal Provocada deduzida, sendo chamada a juízo a interveniente: • D, S.A., … Tal como configurada pelas autoras, em ambos os articulados apresentados, não nos encontramos perante uma situação de litisconsórcio necessário natural, como pretendido pelas autoras. Pelo que, neste ponto, concordamos com o juízo formulado pela Exma. Juíza a quo: Ora, em face do pedido formulado na acção e da respectiva causa de pedir é manifesto que, face à relação material controvertida, tal como é configurada pelos AA., apenas o R. é parte legítima já que terá sido este a praticar o facto ilícito que serve de fundamento à acção, inexistindo, pois, qualquer situação de litisconsórcio necessário. Pelo que, quanto a este despacho de indeferimento do chamamento, será de improceder a apelação. * V. A decisão Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam em, na procedência parcial da apelação: a) manter o despacho de indeferimento do pedido de intervenção de terceiros; b) anular o despacho que dispensou a audiência prévia bem como o despacho saneador e de identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova e todo o processado subsequente que deles dependem; c) determinar que a Exma. Juíza a quo proceda à realização de audiência prévia, onde deverão ser apreciadas as excepções suscitadas pela ré e retomado o correcto processado. Custas pelas recorrentes, na proporção de 50%. * Lisboa, 12 de Outubro de 2023 Nuno Lopes Ribeiro Anabela Calafate Adeodato Brotas |