Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | AMÉLIA PUNA LOUPO | ||
Descritores: | ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO PRAZO CERTO DURAÇÃO MÍNIMA CLÁUSULA CONTRATUAL OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/13/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - A interpretação do artº 1096º nº 1 do Código Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 13/2019, de 12/02, não prescinde da sua concatenação com o nº 3 do artº 1097º aditado por essa mesma lei. II - A tutela do inquilino pela estabilidade do arrendamento reside no aditado nº 3 do artº 1097º e não no nº 1 do artº 1096º, ambos do CCivil. III - A oposição do senhorio à renovação do contrato, estando esta nele prevista, está apenas condicionada, por via da aplicação do nº 3 do artº 1097º, à vigência ininterrupta do contrato por um período de três anos contado da data da sua celebração, não afastando o artº 1096º nº 1 do Código Civil a aplicabilidade de cláusula contratual que preveja a renovação do contrato por período inferior a três anos. IV - Esta é, a nosso ver, a interpretação que, respeitando a intenção legislativa de protecção do inquilino por estabilidade do arrendamento confere, concomitantemente, maior coerência e unidade ao regime jurídico em causa. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam na 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I – RELATÓRIO MTPA, residente na Rua …, Lote …, …, em …, intentou procedimento especial de despejo contra MMSG, residente na Rua …, nº …, em …, com fundamento na sua oposição à renovação do contrato de arrendamento celebrado com a Ré. A Ré deduziu oposição ao procedimento especial de despejo sustentando que o contrato de arrendamento se renovou automaticamente a 01/06/2022 por um novo período de 3 (três) anos nos termos do disposto no nº 1 do artº 1096º do Código Civil, concluindo que o contrato de arrendamento se encontra em vigor. Por outro lado, no seu requerimento de oposição, a Ré invocou que o locado constitui a sua casa de habitação permanente, vive numa situação de vulnerabilidade social e económica, e tem diversos problemas de saúde pelos quais tem uma incapacidade global de 60%. E, a final, concluiu que seja ordenado o cumprimento do contrato até 31/05/2025, data do termo da sua renovação, e pelo diferimento da desocupação do imóvel por prazo não inferior a 5 meses. Perante a apresentação de oposição, os autos foram distribuídos ao Juízo Local Cível de …, tendo de imediato sido apreciado o requerimento de diferimento da desocupação do imóvel, o qual foi liminarmente indeferido. Foi ainda determinada a notificação da Autora para exercer o contraditório quanto à matéria de excepção aduzida na oposição, nada a mesma tendo dito. Após, sob invocação do nº 3 do artigo 15º-H do NRAU, a contrario, entendendo disporem os autos de todos os elementos para conhecer de mérito sem necessidade de realização de audiência de julgamento, o Tribunal proferiu decisão que terminou com o seguinte dispositivo «Termos em que julgo a oposição improcedente e, em consequência, tendo operado validamente a cessação do contrato de arrendamento, por oposição à renovação, comunicada pela Autora à Ré, condeno a Ré a entregar, no prazo de 30 dias, à Autora o locado - segundo andar esquerdo do prédio urbano sito na Rua …, n.º …, em … -, livre e devoluto de pessoas e bens.». Inconformada, veio a Ré interpor o presente recurso de apelação sustentando que a decisão deve «ser revogada e ser declarada nula, determinando-se a designação de audiência prévia, ou, em alternativa, a marcação da audiência de julgamento». Das suas alegações extraiu a Recorrente as seguintes Conclusões «54.º O Tribunal a quo julgou a oposição improcedente e, em consequência, julgou que operou validamente a cessação do contrato de arrendamento por oposição à renovação comunicada pela Autora à Ré, condenando a Ré a entregar, no prazo de 30 dias, à Autora, o locado – segundo andar esquerdo do prédio sito na Rua …, n.º…, em … – livre e devoluto de pessoas e bens. 55.º Salvo o devido respeito ao douto Tribunal, conclui-se que [a] decisão do Tribunal a quo, não apenas constitui uma verdadeira decisão surpresa, como não fez uma análise crítica da prova, não tendo em consideração as condições pessoais e financeiras a Ré/Apelante, verificando-se, dessa forma, um excesso de pronúncia nos termos previstos na segunda parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. 56.º Configurando uma decisão restritiva e castradora dos direitos de defesa da Ré/Apelante, pondo, ainda, em causa o princípio do contraditório desta. 57.º Pois que, a prolação naquelas circunstâncias de saneador-sentença, como a decisão recorrida, configura-se como uma decisão-surpresa, importando entender que o Tribunal a quo conheceu de questões que por ora não podia conhecer, termos em que incorreu um excesso de pronúncia. 58.º Nesse sentido, a prolação de decisão surpresa constitui uma nulidade da decisão por excesso de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), parte final do CPC. 59.º De salientar que a tramitação processual do presente litígio resumiu-se, portanto: à apresentação dos articulados pelas Partes, ao despacho de indeferimento da petição de diferimento da desocupação e, numa diligência imediatamente subsequente, à decisão do mérito do litígio no próprio despacho saneador. 60.º Sendo que o despacho saneador-sentença, que decidiu o mérito do litígio, foi proferido sem que as Partes tivessem sido convocadas para audiência prévia. 61.º Não podendo o Tribunal a quo olvidar que a Ré/Apelante, na sequência do despacho que alegou inexistir fundamento para o pedido de diferimento de desocupação, fez um requerimento autos, a 10/10/2024, a informar que tinha agendado um novo pedido de avaliação do seu grau de incapacidade, atenta o agravamento do seu estado de saúde, desde o ano de 2018. 62.º Ademais, conforme se poderá concluir pelo teor e conclusões da douta sentença recorrida, a supressão da audiência prévia nos presentes autos não se justificou por nenhuma das razões elencadas nas supra indicadas alíneas do n.º 1 do artigo 592º do CPC, pois que à ação especial de despejo foi apresentada a respectiva oposição e o processo não findou pelo reconhecimento de uma qualquer exceção dilatória apresentada. 63.º É ainda possível concluir que a Ré/Apelante é uma pessoa com diversos problemas de saúde e que vive numa situação de visível vulnerabilidade social e económica, sofrendo de diversas patologias físicas diagnosticadas. 64.º A Ré/Apelante vive em condições financeiras muito precárias e aufere mensalmente o montante de € 514,00 (quinhentos e catorze euros), a título de pensão de reforma, não lhe sobrando praticamente nada para suportar todas as despesas que tem a seu cargo, nomeadamente despesas de alimentação, higiene e medicamentosas. 65.º Sendo certo que Autora/Apelado aceitou, e fez suas, as quantias depositadas pela Ré/Apelante, após a data de 31/05/2024, não as devolvendo por não aceites, criando claramente uma expetativa na esfera jurídica desta última. 66.º A Ré/Apelante vive com sérias limitações de mobilidade, sendo que a sua condição atual aumenta o risco de complicações médicas, além de afetar seu bem-estar psicológico, o que acaba por provocar isolamento e ansiedade. 67.º Com efeito, tendo em conta o estado de saúde física e psicológica da Ré/Apelante, aliado ao facto da mesma não possuir outro imóvel, não possuir condições financeiras suficientes para arrendar outro local, pugna-se pela atribuição do efeito suspensivo à decisão terminativa do processo que ora se recorre, para que a situação de saúde da Ré/Apelante não se agrave, com base no que dispõe o próprio n.º 3 do artigo 863.º do Código de Processo. 68.º O Tribunal a quo considerou que a comunicação da oposição à renovação por parte da Autora/Apelada era válida e eficaz, pelo que o referido contrato de arrendamento cessou a 31/05/2024. 69.º Mais acrescentou que a situação económica e de saúde da Ré/Apelante não obsta a essa conclusão de cessação do contrato de arrendamento, defendendo ainda que o facto de a Autora/Apelada ter aceitado na sua conta bancária pagamentos de renda após a data de 31/05/2024, não constitui assentimento à renovação. 70.º Ora, salvo o devido respeito pelo Tribunal a quo, esta interpretação consubstancia uma violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado nos termos do artigo 20º da CRP. 71.º No caso em apreço, à Ré/Apelante não foi dada qualquer oportunidade de apresentar as suas testemunhas, tendo-lhe sido vedada a produção de prova necessária que pudesse valorar a existência de fundamento para o pedido de diferimento de desocupação. 72.º Entende, por isso, a Ré/Apelante que o douto despacho saneador-sentença de que recorre é inválido e nulo por omissão de atos, diligências e formalidades impostas por lei, por excesso de pronuncia do juiz a quo, por violação do princípio do contraditório e por violação do direito de acesso ao direito, à prova e à tutela jurisdicional efetiva, nos termos e para os efeitos dos artigos 3º, n.º 3, 6º, nº 1, 195º e seguintes, 547º, 615º, nº 1, al. d) e 591º a 597º do Código de Processo Civil e, ainda, do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa. 73.º Padece ainda o despacho saneador-sentença recorrido de nulidade processual inominada, por prolação de uma prévia diligência imposta por lei, suscetível de influenciar o exame e o mérito da causa, nos termos do artigo 195º e seguintes do Código de Processo Civil e por violação dos artigos 3º n.º 3 e art.º 591, n.º 1, al. b) do mesmo diploma. 74.º Acresce que, o contrato de arrendamento em apreço nos autos teve o seu início em 01/06/2018, e foi celebrado pelo prazo certo de 1 (um) ano, renovando-se de forma automática e sucessiva por iguais períodos, salvo oposição à renovação por alguma das partes. 75.º Nesse sentido, resulta do disposto no n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, «Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte». 76.º A expressão “salvo estipulação em contrário” deve ser interpretada como reportando-se apenas à possibilidade de as partes afastarem a renovação automática do contrato. 77.º Pois que, não havendo oposição válida e eficaz, os contratos de arrendamento para habitação renovam-se por mínimos de 3 anos, ou por período superior, caso o período de duração do contrato seja superior a 3 anos. 78.º Segue este entendimento, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido em 23/03/2023, no âmbito do processo n.º 1824/22.3T8VCT.G1 “Nos arrendamentos para habitação permanente, a liberdade dos contratantes para modelarem o conteúdo do contrato sofreu significativas limitações com as alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, quer quanto à exigência de um prazo mínimo de um ano (cfr. artigo 1095º n.º 2 onde está em causa uma norma imperativa que não admite convenção em contrário) mas também quanto à sua renovação pois, ainda que as partes possam convencionar a exclusão da possibilidade de qualquer renovação, só terão liberdade para convencionar prazo de renovação igual ou superior a três anos, impondo o legislador um prazo mínimo, também imperativo, de três anos. IV - Os contratos de arrendamento com prazo para habitação permanente renovam-se automaticamente, por períodos sucessivos de igual duração ou, se esta for inferior, de três anos, em conformidade com o estipulado no número 1 do artigo 1096º do Código Civil.” 79.º Nestes termos, dúvidas inexistem de que o contrato de arrendamento objeto dos presentes autos iniciou a sua vigência em 01/06/2018 e, em 01/06/2019 renovou-se automaticamente pelo prazo de 3 (anos) anos. 80.º E, não se tendo verificado uma oposição – válida e eficaz- em 01/06/2022 renovou-se automaticamente por 3 (três) anos adicionais, pelo que ainda se encontra em vigor até 31/05/2025. 81.º Assim, o Tribunal a quo deveria ter considerado a situação de sem abrigo, inevitável, em que colocou a Ré/Apelante com a decisão proferida, o que se afigura desumano, ainda para mais nas condições de saúde e idade em que a mesma se encontra. 82.º Por fim, forçoso será concluir que a Decisão se impõe ser revogada e ser declarada nula, determinando-se a designação de audiência prévia, ou, em alternativa, a marcação da audiência de julgamento.». Não foram apresentadas contra-alegações. Colhidos os vistos, importa apreciar e decidir. ** O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das partes, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 662º nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o Tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. artº 5º nº 3 do mesmo Código). Assim, no caso, as questões a decidir radicam em saber : - se ocorre nulidade da sentença por excesso de pronúncia por o Tribunal a quo ter conhecido de questões que por ora não podia conhecer, na medida em que a decisão foi proferida sem que as partes tivessem sido convocadas para audiência prévia, tratando-se de preterição de diligência imposta por lei susceptível de influenciar o exame e o mérito da causa, e tal importa violação do princípio do contraditório, manifestado na prolação de decisão surpresa. - se foi violado o direito de acesso à prova e à tutela jurisdicional por ter sido vedada à Ré a produção de prova, nomeadamente testemunhal, que pudesse valorar a existência de fundamento para o pedido de diferimento de desocupação. - se é válida e eficaz a comunicação de oposição à renovação do arrendamento enviada pela ora Recorrida à ora Recorrente. II – FUNDAMENTAÇÃO A) DE FACTO Na sentença sob recurso foi considerada a seguinte a factualidade: Factos Provados «1. Em 25 de Maio de 2018, MAFFFCBG deu de arrendamento à Ré, para habitação desta, o segundo andar esquerdo do prédio urbano sito na …, n.º …, em …, pelo prazo de 1 ano, com início a 1 de Junho de 2018, renovável por períodos sucessivos e iguais, enquanto não fosse denunciado pela Senhoria ou Inquilina, por carta registada, com aviso de recepção, obrigando-se a requerida a pagar uma renda mensal de 450,00 €. 2. Está registada a favor da Autora, pela Ap. … de …, a aquisição da propriedade da fracção referida em 1. na Conservatória do Registo Predial de …. 3. A Autora remeteu a carta registada, com aviso de recepção, datada de 2 de Novembro de 2023, à Ré, para a morada referida em 1., a comunicar que não pretendia renovar o contrato de arrendamento e que o contrato de arrendamento cessaria os seus efeitos a 31 de Maio de 2024. 4. A carta referida em 3. veio devolvido por não reclamada. 5. A Autora remeteu nova carta registada, com aviso de recepção, datada de 11 de Dezembro de 2023, à Ré, para a morada referida em 1., a comunicar que não pretendia renovar o contrato de arrendamento e que o contrato de arrendamento cessaria os seus efeitos a 31 de Maio de 2024. 6. A carta referida em 5. foi recebida pela Ré em Dezembro de 2023.». B) DE DIREITO Embora de modo disperso ao longo das suas alegações e respectivas conclusões, delas se pode apreender que a Recorrente suscita uma primeira questão, com diversos elos, que podemos condensar do seguinte modo: - ocorre nulidade da sentença por excesso de pronúncia por o Tribunal a quo ter conhecido de questões que por ora não podia conhecer, na medida em que a decisão foi proferida sem que as partes tivessem sido convocadas para audiência prévia, tratando-se de preterição de diligência imposta por lei susceptível de influenciar o exame e o mérito da causa, e tal importa violação do princípio do contraditório, manifestado na prolação de decisão surpresa. Vejamos então. As nulidades da sentença mostram-se taxativamente enumeradas no artº 615º nº 1 do CPC, do qual se alcança que as nulidades da decisão respeitam a vícios estruturais ou intrínsecos da sentença que decorrem do conteúdo do acto do Tribunal, ocorrendo quando as decisões não têm o conteúdo que deviam ter ou têm um conteúdo que não poderiam ter nos termos do artigo 615º nº 1 CPC [e também dos artºs 666º nº 1 e 685º do CPC, que ao caso não importam]. No fundo, são erros de actividade ou de construção da própria sentença, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito (veja-se, por todos e a título de exemplo, Acórdão do STJ de 11/10/2022, no proc. 602/15.0T8AGH.L1-A.S1 - disponível in www.dgsi.pt). A Recorrente reconduz a nulidade que vislumbra à previsão da alínea d) do nº 1 do citado artigo 615º CPC, que tem correspondência directa com o artigo 608º nº 2 do mesmo Código, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. Assim, verifica-se a omissão de pronúncia quando o juiz deixe de apreciar as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e ocorre excesso de pronúncia quando o Tribunal conhece de questões que não tendo sido colocadas pelas partes também não são de conhecimento oficioso. No caso, a sentença debruça-se exclusivamente sobre a cessação do contrato de arrendamento por oposição da A., senhoria, à sua renovação. E esta corresponde à única questão colocada à apreciação do Tribunal no presente procedimento especial de despejo, certo que a referência legal a questões reporta-se a questões jurídicas e não aos argumentos expendidos pelos partes. Não é, portanto, possível afirmar que a sentença padeça do vício de excesso de pronúncia decorrente do conhecimento de questão que o Tribunal não pudesse apreciar. E observada a argumentação da Recorrente, verifica-se que o que esta, na verdade, entende é que o Tribunal conheceu daquela questão em momento em que não o poderia ter feito (cfr. sintetiza na conclusão contida no ponto 57º das alegações) por não ter convocado as partes para audiência prévia, preterindo diligência imposta por lei susceptível de influenciar o exame e o mérito da causa, o que nos remete para a figura das nulidades processuais, as quais “consistem em desvios ao formalismo processual prescrito na lei, quer por se praticar um acto proibido, quer por se omitir um acto prescrito na lei, quer por se realizar um acto imposto ou permitido por lei mas sem o formalismo estipulado e, a que a lei faça corresponder, ainda que de modo não expresso, uma invalidade, mais ou menos extensa, dos actos processuais” (cf. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, 1993, pág. 176; Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, pág. 52). Enquanto as nulidades da decisão respeitam ao conteúdo da peça decisória e são as previstas no artº 615º nº 1, já as nulidades processuais respeitam à prática de acto não previsto na tramitação definida ou à omissão de um acto que é imposto por essa tramitação, ou seja, trata‑se de nulidades atinentes ao acto como trâmite, quer na perspectiva de acto pertencente a uma sequência processual quer quanto ao momento em que o acto deve ou pode ser praticado nessa tramitação, e estão previstas nos artºs 186º e seguintes do CPC, concretamente, no que ao caso interessa, no artº 195º CPC que a Recorrente expressamente invoca. A este respeito importa recordar que em presença de nulidades processuais a regra é a de que (sem prejuízo das que são de conhecimento oficioso - artº 196º do CPC) deve a parte que tenha interesse na eliminação ou na repetição regular do acto reclamar perante o Tribunal onde as mesmas tenham sido (alegadamente) cometidas (artº 197º CPC) e dentro dos prazos previstos para o efeito (artºs 198º e 199º, nº1). E arguida a nulidade perante o Tribunal onde ela tenha tido lugar compete ao juiz decidi-la, cabendo então recurso dessa decisão (embora com as limitações mencionadas no artº 630º nº 2 do CPC // cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Processo Civil, 3ª edição, pág. 24). “Esta solução de reclamação perante o juiz do tribunal onde foi cometida a nulidade deve ser igualmente aplicada nos casos em que tenha sido praticada uma nulidade processual que se projecte na sentença, mas que não se reporta a nenhuma das alíneas do art.º 615º, nº 1, do CPC. Assim, embora a mesma afecte a sentença, deve ser objecto de prévia reclamação que permita ao próprio juiz reparar as consequências que, precipitadamente, foram extraídas ainda que com prejuízo da decisão que foi proferida” (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Processo Civil, 3ª edição, pág. 24). Contudo, como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa in (GPS) CPC Anotado Vol. I, 2ª ed., p. 792 (em anotação ao artº 615º), “(…) nem sempre esta distinção [entre as nulidades processuais e as decisórias] é evidente, como sucede nos casos em que a omissão de determinada formalidade obrigatória (v.g cumprimento do contraditório (…)) acaba por se traduzir numa nulidade da própria decisão, ajustando-se então a interposição de recurso no âmbito do qual essa nulidade seja suscitada.”. E conforme se expendeu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27/01/2015 (proc. 1378/14.4TBMAI.P1, Rel. M. Pinto dos Santos), “a violação do princípio do contraditório é geradora da nulidade processual prevista no art. 195º nº 1 do Novo CPC se influir no exame ou na decisão proferida. Quando o acto afectado de nulidade se encontra coberto por decisão que se lhe seguiu, tal nulidade pode ser objecto de recurso e pode ser declarada pelo Tribunal da Relação”. Ora, o que se alcança das alegações de recurso e suas conclusões, é que a Recorrente perspectiva a nulidade da sentença em resultado de violação do princípio do contraditório decorrente de ter sido conhecido do mérito em saneador-sentença sem realização da audiência prévia. E considerando o acima exposto, o vício arguido, a verificar-se, traduzir-se-á numa nulidade intrínseca da sentença sendo o presente recurso o meio próprio para a invocar. Dito isto, coloca-se então a questão de saber se a sentença é nula por estar inquinada pela nulidade processual originada pela não realização de audiência prévia encerrando violação do princípio do contraditório, manifestando-se na prolação de decisão-surpresa. Estamos em presença de procedimento especial de despejo regulado nos artºs 15º a 15º-S[1] da Lei nº 6/2006, de 27/02 (NRAU). Trata-se, portanto, de um procedimento especial com regulamentação própria; e transcorrida a mesma, nela não se mostra prevista a realização de audiência prévia, sequer por adaptada remissão para o Código de Processo Civil. O regime aplicável a este procedimento especial revela, outrossim, uma clara vontade legislativa de celeridade e simplificação na sua tramitação, de que dá nota, por exemplo, o estabelecimento de prazos curtos para a prática dos actos das partes e do Tribunal e a atribuição de natureza urgente a este procedimento. Em conformidade com essa intenção legislativa, o regime estabelece uma tramitação própria após a distribuição do procedimento ao Tribunal a qual não contempla a realização de qualquer audiência prévia, prevendo até que logo após a distribuição seja de imediato designada data para a realização de julgamento, caso não decida logo do mérito. Efectivamente, o nº 3 do artº 15º-H prevê que recebidos os autos o juiz pode convidar as partes para, no prazo de 5 dias, aperfeiçoarem as peças processuais – naturalmente se as mesmas carecerem de algum aperfeiçoamento, o que pode ocorrer se se mostrarem imprecisas, pouco claras ou insuficientes; o que manifestamente não ocorria no caso vertente – ou, no prazo de 10 dias, apresentarem novo articulado sempre que seja necessário garantir o contraditório – o que se mostra necessário se arguida alguma matéria de excepção, o que no caso foi cumprido. Por sua vez, o nº 4 prevê que, não julgando logo procedente alguma excepção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer ou não decidindo logo do mérito da causa, o juiz ordena a notificação das partes da data da audiência de julgamento (nº 4). Fica assim claro, por um lado, que o procedimento especial em presença não contempla na sua tramitação a realização de audiência prévia, e por outro, que o juíz pode decidir do mérito imediatamente após a distribuição. Assim se vê que não foi preterida a realização de qualquer diligência imposta por lei, concretamente a realização de audiência prévia, por a mesma não estar prevista no regime legal especial aplicável; não foi violado o princípio do contraditório porquanto, relativamente à matéria de excepção vislumbrada, foi a parte contra a qual a mesma foi oposta notificada para se pronunciar; não foi proferida decisão-surpresa uma vez que, apresentadas pelas partes os articulados previstos na lei, o Tribunal tão só se pronunciou sobre a questão colocada à sua apreciação e fê-lo em termos que para as partes não poderiam deixar de ser expectáveis face às posições por elas expressas, pois firmou a decisão com esteio em corrente doutrinária e jurisprudencial com que as partes poderiam contar por a mesma ter sido aportada aos autos no articulado inicial e objecto de defesa na oposição; e proferiu a decisão em momento processual em que poderia fazê-lo, porquanto o regime legal aplicável prevê que após a distribuição o Tribunal possa logo decidir do mérito da causa e no caso, tal como a 1ª instância ponderou, não se descortina a necessidade de julgamento uma vez que a apreciação do mérito do presente procedimento especial de despejo - reconduzido à cessação do contrato de arrendamento por oposição da senhoria à sua renovação - não carecia de produção de prova para além da documental existente nos autos. A propósito deste último aspecto, diga-se que a posição defendida pela Recorrente acerca da necessidade de produção de prova reporta-se ao pedido de diferimento de desocupação do locado, o qual, como veremos de seguida, não respeita ao mérito da causa. Face a quanto antecede, improcede o recurso quanto a esta linha recursória. Vejamos agora se foi violado o direito de acesso à prova e à tutela jurisdicional por ter sido vedada à Ré a produção de prova, nomeadamente testemunhal, que pudesse valorar a existência de fundamento para o pedido de diferimento de desocupação do locado. No seu requerimento de oposição, além do mais, a Ré invocou que o locado constitui a sua casa de habitação permanente, vive numa situação de vulnerabilidade social e económica, e tem diversos problemas de saúde pelos quais tem uma incapacidade global de 60% e, consequentemente, pediu o diferimento da desocupação do imóvel por prazo não inferior a 5 meses. Na primeira intervenção judicial foi apreciado o requerimento de diferimento da desocupação do imóvel, o qual foi liminarmente indeferido. De acordo com o artº 15º-F do regime legal a que nos vimos referindo (NRAU), o requerido pode opor-se à pretensão, qual seja a de despejo contra ele formulada (nº 1), e com a oposição identifica um conjunto de elementos enunciados no nº 3 do normativo. Da compaginação do nº 1 com o nº 3 do artigo decorre que a oposição dirige-se à pretensão de despejo, que consiste na situação litigiosa sobre cujo mérito o Tribunal decidirá; e os factores mencionados no nº 3 do artº 15º-F são elementos que com a oposição são identificados, portanto não intrínsecos à oposição à pretensão mas tão só com ela indicados, e que se destinam a aportar aos autos informação que releva para a actuação que deve ser tomada se decretado o despejo. Dentre esses elementos a identificar com a oposição constam, para o que ao caso importa, as situações que motivem a suspensão e/ou diferimento da desocupação do locado nos termos do artigo 15º-M (cfr. al. d) do nº 3 do artº 15º-F). O artº 15º-M estabelece que à suspensão e diferimento da desocupação do locado aplica-se, com as devidas adaptações, o regime previsto nos artigos 863º a 865º do Código de Processo Civil. Tendo a Ré requerido o diferimento da desocupação do locado à situação são aplicáveis, com as devidas adaptações, os artºs 864º e 865º do CPC. E do regime neles estabelecido, especialmente no artº 865º, se vê estar-se em presença de um incidente da acção, no caso do procedimento de despejo, com tramitação tipificada e autónoma. De acordo com o nº 2 do artº 864º CPC o diferimento de desocupação do locado para habitação só pode ser concedido desde que se verifique algum dos seguintes fundamentos: a) Que, tratando-se de resolução por não pagamento de rendas, a falta do mesmo se deve a carência de meios do arrendatário, o que se presume relativamente ao beneficiário de subsídio de desemprego, de valor igual ou inferior à retribuição mínima mensal garantida, ou de rendimento social de inserção; b) Que o arrendatário é portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60 %. Por seu turno, nos termos da al. b) do nº 1 do artº 865º CPC, a petição de diferimento da desocupação é indeferida liminarmente quando o fundamento não se ajustar a algum dos referidos no artigo anterior. Foi precisamente o que na 1ª instância se decidiu. Não estando em causa procedimento especial de despejo fundado na resolução por não pagamento de rendas, o diferimento de desocupação apenas poderia ter por fundamento a situação prevista na al. b) do nº 2 do artº 864º, isto é que a requerente fosse portadora de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60 %. Ora, tendo a ora Recorrente alegado e comprovado um grau de incapacidade de 60% tal não constitui fundamento para o diferimento da desocupação e acarreta o indeferimento liminar da correspondente pretensão (cfr. citado artº 865º nº 1 al. b) CPC), pelo que não merece crítica a decisão que indeferiu liminarmente a petição de diferimento da desocupação. Com essa decisão de indeferimento o incidente em causa ficou definitivamente decidido, por conseguinte nenhuma prova subsequente haveria a produzir a seu respeito. Assim, a sentença sob recurso não padece do vício que lhe é apontado, não tendo violado qualquer dos direitos a que a Recorrente alude, improcedendo este segmento recursório. Por fim, vejamos se é válida e eficaz, pondo termo ao contrato, a comunicação de oposição à renovação do arrendamento enviada pela ora Recorrida à ora Recorrente. As partes não põem em causa que estamos perante um contrato de arrendamento urbano para fins habitacionais, com duração limitada. O contrato em discussão foi celebrado em 25 de Maio de 2018, pelo prazo de 1 ano, com início a 1 de Junho de 2018, renovável por períodos sucessivos e iguais, enquanto não fosse denunciado pela Senhoria ou pela Inquilina. A questão que se suscita prende-se com o período de renovação do contrato, sustentando a Recorrente que com a redacção dada pela Lei nº 13/2019, de 12/02, ao nº 1 do artº 1096º do CCivil esta norma passou a impor que os contratos de arrendamento para habitação com prazo certo se renovam por períodos mínimos de 3 anos, ou por período superior no caso de o período de duração do contrato ser superior a 3 anos. A citada Lei nº 13/2019 entrou em vigor em 13/02/2019, antes, portanto, de decorrido o período de duração inicial do contrato e de se operar a primeira renovação do mesmo. Temos por seguro que, nos termos do artº 12º nº 2, 2ª parte, do CCivil, a Lei nº 13/2019 de 12/02, tem imediata aplicação ao contrato dos autos. Na doutrina e na jurisprudência dos Tribunais Superiores perfilam-se diversas interpretações relativamente ao artigo 1096º nº 1 do CCivil, essencialmente as seguintes: a norma consagra (i) um prazo de renovação mínimo imperativo de três anos; (ii) um prazo de renovação mínimo supletivo; (iii) além de um prazo de renovação mínimo supletivo, a norma, quando interpretada em conjugação com o disposto no artigo 1097º n.º 3, obriga ao decurso de três anos de duração inicial antes da primeira renovação automática do contrato. Para a apreciação da questão há que interpretar o mencionado normativo legal, para tanto tendo presente que à data em que foi celebrado o contrato dos autos o artº 1096º do CCivil apresentava a seguinte redacção (dada pela Lei nº 31/2012, de 14/08): «1- Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 2 - Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos celebrados por prazo não superior a 30 dias. 3 - Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes.» Entretanto, antes de decorrido o período de duração inicial do contrato, a redacção da norma foi alterada pela Lei nº 13/2019, de 12/02 (entrada em vigor em 13/02), passando a ser a seguinte: «1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 2 - Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos previstos n.º 3 do artigo anterior. 3 - Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes.» Para a interpretação da norma teremos, naturalmente, de recorrer ao artº 9º do CCivil, cujo nº 1 prescreve que “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, devendo ter presente que o seu nº 2 estabelece que “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” e que o nº 3 nos diz que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”. Portanto, além do elemento literal/gramatical - expresso na redacção da norma - haverá que atender aos elementos sistemático, histórico e teleológico. Uma vez que, como bem se assinala no Acórdão de 17/03/2022 desta Relação de Lisboa, tirado no processo nº 8851/21, de que foi Relator o Exmº Desembargador Nuno Ribeiro, “o processo legislativo (disponível em https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=42542) pouco esclarece a intenção do legislador, pois a alteração do art.º 1096º tem origem em proposta de alteração do Grupo Parlamentar do Partido Socialista à Proposta de Lei nº 129/XIII/3, no seio da discussão na Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação - sendo que a Proposta inicial do Governo em nada se referia a este preceito em concreto”, no esforço interpretativo relevará ter em conta que a Lei nº 13/2019, de 12/02, como consta do respectivo artº 1º, teve como objectivo estabelecer medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade; o que, enquanto elemento teleológico, deve ser considerado. De outra banda, a mesma Lei alterou também a redacção do nº 3 do artº 1097º do CCivil, passando a dispor que “A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte”, o que, enquanto elemento sistemático, se deve também considerar para a interpretação do aludido artº 1096º. Partindo dos termos literais do artº 1096º nº 1 do CCivil, os mesmos apontam no sentido de que a norma é integralmente supletiva, pois a sua redacção mostra-se encabeçada com a expressão “Salvo disposição em contrário”, de onde resulta que a estipulação constante do corpo da norma é toda ela supletiva; por outro lado, a única ressalva prevista no preceito encontra-se no final do mesmo, reportando-se ao que consta no número seguinte (que contém previsão diversa para determinado tipo de contratos) e não a qualquer segmento do corpo da norma. Entender que parte da norma é supletiva e parte é imperativa não tem, quanto a nós, suporte adequado na respectiva redacção, e, como vimos acima, não pode haver interpretação que não tenha um mínimo de correspondência verbal no texto. Por outro lado, noutra linha interpretativa, não faria sentido que a lei permitisse o mais - convenção de não renovação automática do contrato - e não permitisse o menos - estipulação de renovação automática por período inferior a três anos. Interpretação diversa contenderia, a nosso ver, com o reforço da segurança e estabilidade do arrendamento urbano que a Lei nº 13/2019 pretendeu fomentar, pois contribuiria para o aumento de contratos nos quais fosse expressamente afastada a possibilidade de renovação automática, único modo de obstar à renovação pelo período de três anos; o que nos parece que manifestamente não corresponderá ao pensamento legislativo. O que resulta do artº 1096º nº 1 do CCivil é que a sua aplicação pressupõe a inexistência de cláusula contratual que disponha diversamente, não afastando a aplicabilidade de cláusula contratual que preveja a renovação do contrato por período inferior a três anos; e tal não colide com o objectivo do legislador de protecção do inquilino pela estabilidade do arrendamento, porquanto tal tutela realmente se alcança por força do artº 1097º nº 3 CCivil aditado pela citada Lei nº 13/2019. A questão mostra-se eximiamente sintetizada no Acórdão de 10/01/2023 desta Relação de Lisboa, tirado no processo nº 1278/22.4, de que foi Relator o Exmº Desembargador Luís Filipe Sousa, nos seguintes moldes: “Em primeiro lugar, é patente que as partes são livres de estabelecer o prazo do arrendamento entre os prazos mínimos de um ano e máximo de trinta anos, conforme deflui do Artigo 1095º, nº2, do Código, na redação da Lei nº 13/2019, de 12.2. Em segundo lugar, da ressalva inicial do nº 1 do Artigo 1096º (“Salvo estipulação em contrário”) decorre que as partes podem, ab initio, convencionar que o contrato de arrendamento não será renovado. Em terceiro lugar, estipulando as partes que o contrato será renovável, são livres de estabelecer prazos diferenciados de renovação, sendo o prazo de três anos (introduzido pela Lei nº 13/2019) um prazo supletivo a aplicar nos casos em que as partes não concretizem o prazo da renovação (silêncio do contrato), apesar de preverem a renovação do contrato. De facto, se a lei permite que as partes afastem, de todo, a renovação, então também permite que esta tenha uma vigência diferenciada em caso de renovação (argumento a maiori ad minus; cf. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, Almedina, p. 443). A tutela da posição do inquilino e da estabilidade do arrendamento, erigida como um dos propósitos da Lei nº 13/2019 não decorre neste circunspecto, em primeira linha, da nova redação do nº1 do artigo 1096º, mas sim do aditado nº 3 ao Artigo 1097º, nos termos do qual: «3- A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte.» Ou seja, a tutela do inquilino e da estabilidade do arrendamento decorre diretamente desta norma e não propriamente do nº1 do Artigo 1096º do Código Civil. De facto, a tese (…) segundo a qual, a prever-se a renovação do contrato, esta ocorre imperativamente por um prazo mínimo de três anos sucumbe quando confrontada com o disposto no nº 3 do Artigo 1097º do Código Civil. Na verdade, na lógica dessa tese, desde que as partes prevejam a renovação do contrato de arrendamento, este terá, inapelavelmente, uma duração sempre de quatro anos (mínimo imperativo de um ano, acrescendo renovação imperativa por mais três anos). Ora, se assim fosse, o disposto no nº 3 do Artigo 1097º não faria qualquer sentido, tratando-se de uma norma inútil e espúria porquanto os contratos de arrendamento, desde que as partes não afastassem expressamente a sua renovabilidade, teriam sempre uma duração mínima de quatro anos. Porém, o que decorre do nº3 do Artigo 1097º é que, prevendo-se a renovação do contrato, o prazo mínimo garantido da vigência do contrato é de três anos a contar da data da celebração do mesmo! Ou seja, o direito de o senhorio opor-se à renovação do contrato, quando seja prevista a renovação do contrato, está apenas condicionado à vigência ininterrupta do contrato por um período de três anos, contado da data de celebração do contrato. A tutela da estabilidade do arrendamento está aqui e não propriamente no nº1 do Artigo 1096º. Assim, na discussão da questão em apreço, o elemento interpretativo da lei que mais releva não é propriamente o teleológico, mas sim o sistemático. Conforme explica Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, Almedina, 2013, p. 360: «O elemento sistemático impõe que a lei seja interpretada no respetivo ambiente sistemático, ou seja, impõe que se passe do preceito para o texto legal que o contém, deste para o respetivo subsistema e, finalmente, deste para o sistema jurídico. Desta afirmação é possível extrair que nenhuma lei deve ser interpretada isolada de outras leis com as quais ela apresenta uma conexão sistemática e que, de entre os vários significados literais possíveis, há que preferir aquele que for compatível com o significado de outras leis. Só assim se dá expressão à unidade do sistema jurídico.» E, mais adiante: «Em matéria de interpretação, a construção dessa unidade implica que deve ser dada preferência a uma interpretação que seja compatível com o maior número possível de regras do mesmo sistema jurídico. A lei interpretada é consistente com as demais do sistema jurídico quando elas se conjugarem harmonicamente entre si» (p. 366). (…) Conjugando o disposto no nº1 do Artigo 1096º com o disposto no nº3 do Artigo 1097º do Código Civil, e acompanhando aqui Jorge Pinto Furtado, Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, 2ª ed., Almedina, 2020, p. 661, temos que: «Ora, já se viu que o nº1 do presente artigo só dispõe para o silêncio contratual e, como no art.º 1097-3 também não se estabelece qualquer dimensão para o ulterior período de renovação, em si, daí se seguirá, se bem nos parece, que quando pretenda estabelecer-se renovação para um arrendamento habitacional de prazo certo terá de atribuir-se à própria duração desse contrato, pela aplicação conjugada dos dois preceitos, uma duração mínima de três anos.» Em síntese, e mais uma vez, a tutela da estabilidade do contrato está, interpretando-se conjugadamente os preceitos, no estabelecimento de uma duração mínima do contrato de três anos, desde que as partes prevejam a renovabilidade do contrato de arrendamento sem que, nesta eventualidade, haja que fazer aceção do período de renovação expressamente convencionado.”. Aderimos totalmente a esta posição, por ser a que, a nosso ver, respeitando a intenção legislativa de protecção do inquilino por estabilidade do arrendamento confere, concomitantemente, maior coerência e unidade ao regime jurídico em causa. Assim, atento quanto antecede e tendo em conta que: - o contrato dos autos foi celebrado pelo prazo de 1 ano, com início a 01/06/2018, renovável por períodos sucessivos e iguais, enquanto não fosse denunciado por qualquer das partes (cfr. facto 1), portanto com termo a 31/05/2019, - em 13/02/2019 entrou em vigor a Lei nº 13/2019 introduzindo o nº 3 do artº 1097º do CCivil, aplicável ao contrato em causa por força do disposto no artº 12º nº 2, 2ª parte, do CCivil, dele resultando que pelo período mínimo de três anos a contar da sua celebração o contrato de arrendamento não poderia cessar por oposição do senhorio à renovação, i.é antes de 31/05/2021, - por falta de oposição à renovação - nos três primeiros anos por parte da arrendatária, e nos anos posteriores por qualquer das partes - o contrato renovou-se sucessivamente em 01/06/2019, 01/06/2020, 01/06/2021, 01/06/2022 e em 01/06/2023, conclui-se que a senhoria Autora poderia, nos termos das disposições conjugadas do artº 9º nºs 1 e 2 da Lei nº 6/2006 e do artº 1097º nº 1 al. b) e nº 2 do CCivil, licitamente opor-se à renovação que ocorreria a 01/06/2024, comunicando-o à inquilina Ré, por carta registada com aviso de recepção, enviada para a morada do locado, com a antecedência de 120 dias relativamente ao termo do prazo da renovação. Ora, a A. enviou à R., para a morada do locado, carta registada com aviso de recepção, datada de 02/11/2023, comunicando-lhe que não pretendia renovar o contrato de arrendamento e que o mesmo cessaria os seus efeitos a 31/05/2024, carta que foi devolvida por não reclamada (cfr. factos 3 e 4), tendo então a A., em cumprimento do artº 10º nº 3 da Lei nº 6/2006, remetido à Ré nova carta registada com aviso de recepção, datada de 11/12/2023, para a morada do locado, comunicando-lhe que não pretendia renovar o contrato de arrendamento e que o mesmo cessaria os seus efeitos a 31/05/2024 (cfr. facto 5), carta esta que a Ré recebeu em Dezembro de 2023 (cfr. facto 6). Portanto, a oposição à renovação do contrato por parte da senhoria foi tempestiva e eficaz, produzindo os efeitos pretendidos, fazendo cessar o contrato de arrendamento a 31/05/2024. Por fim, diga-se que a circunstância referenciada pela Ré no seu articulado de oposição e reiterada nas alegações de recurso de que a senhoria aceitou, e fez suas, as quantias depositadas, não as devolvendo por não aceites como podia ter feito, não é susceptível, por si só, para fazer concluir pela sua anuência na renovação do contrato, nem é suficiente para demonstrar a criação de uma expectativa legitima na Ré de que o contrato se renovaria não obstante a expressa e formal comunicação de oposição à renovação. Efectivamente, tal como com acerto se consignou na sentença sob recurso com esteio no Acórdão desta Relação de 09/01/2024 (no proc. n.º 2126/22.0YLPRT.L1-7), «a aceitação dos valores pagos pela Autora em montante igual ao da renda, após a cessação do contrato, “de per si, não comporta a leitura de constituir assentimento à renovação, sendo que incumbe ao arrendatário pagar o valor da renda a título de indemnização pelo atraso na restituição do locado (cf. Artigo 1045º do Código Civil). Teriam que estar demonstrados outros factos autónomos indiciadores de que a senhoria criou uma situação de confiança na esfera do inquilino, inexistindo a demonstração de tais factos”, certo que no caso inexiste a alegação de quaisquer factos a esse respeito, como igualmente se assinalou na sentença. Assim, não resta que não seja concluir pela improcedência do recurso e pela manutenção da sentença recorrida. III - DECISÃO Nestes termos e pelos fundamentos supra expostos, acorda-se em julgar a apelação improcedente, mantendo-se a sentença de 1ª instância. Custas a cargo da Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia. Notifique. Lisboa, 13/02/2025 Amélia Puna Loupo Fátima Viegas Marília Leal Fontes [1] Estando alguns dos preceitos revogados pela Lei nº 56/2023, de 06/10. |