Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
148/17.2YHLSB.L1-8
Relator: AMÉLIA AMEIXOEIRA
Descritores: PROPRIEDADE INTELECTUAL
MARCAS
IMITAÇÃO
CONCORRÊNCIA DESLEAL
MARCA DE GRANDE PRESTÍGIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/23/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I- Deve ser recusado o registo da marca que reproduza ou imite, no todo ou em parte, marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada (art. 239º, nº 1, al. a), do CPI).
II - Quando, como no caso dos autos, estamos perante duas marcas que, em termos figurativos, são absolutamente iguais, não podem ambas deixar de causar, por isso confusão no consumidor médio.
III- E, se ambas as marcas em confronto se destinam a assinalar produtos afins, inevitável é consequentemente ter-se por verificada a condição prevista na al. b) do n.º 1 do artigo 245.º do CPI e, com ela, uma situação de imitação da marca .
IV - Gozando a marca registada de excepcional notoriedade e atracção e satisfação junto dos consumidores, devendo ser qualificada como marca de prestígio , licito é concluir que a marca a registar , imitando a primeira, permite o aproveitamento indevido do carácter distintivo e reputação da marca registada, com diluição da sua capacidade distintiva, devendo também ao abrigo do artigo 242.º do CPI , o pedido de registo ser recusado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO:
A [ GG & A…,Ldª ] , pessoa colectiva nº 500129282 com na Rua Nova da Trindade, nº .., 1º, 1200-302 Lisboa veio interpor contra B [ G…. – Administração de Bens, S.A. ] , pessoa colectiva nº 505102048 com sede no Monte dos Perdigões, EN 255, Km …,4, Apartado 147, 7200-309 Reguengos de Monsaraz, recurso da decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) que concedeu o registo de marcas nacional nº 561896 BELCANTO, pedindo que seja revogado o despacho recorrido e substituição deste por decisão de recusa do mencionado registo.
Alegou, em síntese, existir afinidade entre os produtos assinalados pela marca em questão na classe 33 e os serviços visados na classe 43 pela marca nacional nº 455669 BELCANTO da recorrente, de prestígio e prioritária, já que protegida em Portugal desde 31.12.2009, que lhe foi oposta em sede de reclamação perante o INPI, bem como identidade dos sinais, pelo que se verifica imitação e inerente risco de confusão, assim como possibilidade de concorrência desleal, devendo por isso o respectivo registo ter sido recusado, contrariamente ao entendimento sufragado no despacho recorrido.
Cumprido o artigo 43º do CPI, o INPI remeteu, a título devolutivo, os processos administrativos.
Citada a parte contrária, nos termos e para os efeitos do artigo 44º do CPI, respondeu, invocando a falta de afinidade entre os produtos ou serviços assinalados, respectivamente, pelas marcas registanda e prioritária, inexistindo assim imitação ou concorrência desleal que possa motivar a requerida recusa de registo, sendo certo que muitos outros restaurantes, para além do da recorrente, se denominam ‘BELCANTO’, impugnando igualmente o invocado prestígio da marca da recorrente.
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Foi proferida sentença que negou provimento ao recurso interposto por A. e, em consequência, manteve a decisão do INPI de 3.02.2017, publicada no BPI de 15.02.2017, que concedeu o registo de marca nº 561896 BELCANTO.                              
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Inconformada com o teor da sentença, dela interpôs recurso, A, concluindo da forma seguinte:
A. O presente recurso vem interposto da sentença, proferida pelo Tribunal da Propriedade Intelectual, que negou provimento ao recurso apresentado pela Recorrente e, em consequência, manteve a decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial que concedeu o registo de marca nacional n.º 561896 BELCANTO à Recorrida para assinalar “Vinhos” na classe 33 da Classificação de Nice.
B. No recurso perante o Tribunal da Propriedade Intelectual, a Recorrente alegou: (i) que é a titular da marca nacional n.º 455669 BELCANTO, registada para assinalar “Serviços de bar; cafés-restaurantes” na classe 43 da Classificação de Nice; (ii) Que a marca nacional n.º 561896 BELCANTO (verbal) da Recorrida imita a marca nacional n.º 455669 BELCANTO (verbal) da Recorrente, nos termos e para os efeitos dos artigos 239.º, n.º 1, al. a) e 245.º, n.º 1 do Código da Propriedade Industrial (“CPI”), considerando prioridade do registo da marca nacional n.º 455669 BELCANTO, a afinidade entre os serviços assinalados pelas marcas sob cotejo, e a identidade entre os sinais; (iii) Que a marca nacional n.º 455669 BELCANTO goza de elevada notoriedade e prestígio em Portugal, e que o uso da marca n.º 561896 BELCANTO da Recorrida procura tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio daquela, podendo prejudicá-los, nos termos e para os efeitos do artigo 242.º, n.º 1 do CPI; e (iv) que a marca n.º 561896 BELCANTO da Recorrida é apta à prática de actos de concorrência desleal, porquanto o seu registo deve ser qualificado como um ato susceptível de criar confusão, e como um ato de aproveitamento, nos termos e para os efeitos do artigo 317.º, n.º 1, al. a) e al. c) do CPI.
C. Na sentença recorrida, o Mmo. Tribunal a quo considerou estar demonstrada a prioridade da marca nacional n.º 455669 BELCANTO e a semelhança entre os sinais em confronto, que são idênticos, mas entendeu não existir afinidade entre os serviços (“Serviços de bar; cafés-restaurantes”) e os produtos (“Vinhos”) assinalados pelas marcas BELCANTO da Recorrente e da Recorrida, respectivamente, concluindo por causa disso pela inexistência de imitação.
D. Na sentença recorrida, entendeu ainda o Mmo. Tribunal a quo que a notoriedade do restaurante BELCANTO e do seu Chef José Avillez não significa que a marca n.º 455669 BELCANTO da Recorrente seja qualificada como marca de prestígio, e entendeu não terem sido alegados factos suscetíveis de consubstanciar concorrência desleal.
E. A sentença recorrida incorre em erros na apreciação da matéria de facto, e procede a uma errada subsunção da factualidade provada aos normativos legais aplicáveis, enfermando de diversos erros do foro técnico-jurídico.
F. A sentença recorrida não tomou em consideração factos relevantes e suscetíveis de influenciar a decisão da causa alegados pela Recorrente nos artigos 34, 35 e 37 do recurso interposto por esta junto do Tribunal da Propriedade Intelectual, porquanto tais factos estão relacionados com a verificação do prestígio da marca nacional n.º 455669 BELCANTO da Recorrente.
G. Considerando a importância da factualidade referida nos artigos 34, 35 e 37 do recurso interposto pela Recorrente junto do Tribunal da Propriedade Intelectual, devem os sobreditos factos, abaixo reproduzidos, ser aditados à matéria assente e considerados no Acórdão a proferir por este Venerando Tribunal, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC:
i. Os prémios e reconhecimentos atribuídos ao [restaurante] Belcanto foram e são altamente publicitados em material impresso, na internet, e nos principais meios de comunicação em Portugal.” – artigo 34 do recurso interposto pela Recorrente junto do Tribunal da Propriedade Intelectual, demonstrado pelos docs. 7 a 11 e 15 e 16 juntos com o recurso (que compreende clippings de imprensa, de 2011 a 2016, incluindo, inter alia, vários artigos do Público, Visão, Sol, Jornal de Notícias, Expresso, Jornal Económico, Jornal i, TSF online, Visit Portugal, Diário de Notícias, Dinheiro Vivo, Observador, TVI online, Sábado, Revista de Vinhos, Evasões, Essência do Vinho, Rádio Renascença, SIC Notícias, Rádio Comercial e RTP);
ii. “Os artigos publicados [referidos no artigo 34] atingem milhões de leitores e estão igualmente disponíveis em edições online, acessíveis a utilizadores da internet em Portugal e em todo o mundo” – artigo 35 do recurso interposto pela Recorrente junto do Tribunal da Propriedade Intelectual, demonstrado pelos docs. 7 a 11, e 15 e 16 juntos com o recurso, sendo ainda um facto público e notório;
iii. “Além-fronteiras, o Belcanto é também objecto de divulgação pública em meios de comunicação relevante” - artigo 37 do recurso interposto pela Recorrente junto do Tribunal da Propriedade Intelectual, demonstrado pelos docs. 17 (artigo do jornal francês Le Fígaro) e 18 (Revista Luxury Travel) juntos com o recurso.
H. A prova produzida nos autos impõe uma decisão diversa da que foi tomada pelo Mmo. Tribunal a quo, na sentença recorrida, quanto aos pontos 3, 4, 5, e 8 dos factos provados.
I. No processo administrativo, a Recorrente não alegou a notoriedade da sua marca nacional n.º 455669 BELCANTO, mas sim o prestígio da mesma, e nesses termos o ponto 3 dos factos assentes deve ser alterado em conformidade por este Venerando Tribunal, nos termos do artigo 662.º, n.º 1 do CPC, propondo-se a seguinte redacção: Em 31.05.2016, a recorrente apresentou junto do INPI reclamação contra o mencionado pedido de registo de marca (ponto 2 do presente enunciado de factos), invocando a imitação da sua referida marca nacional homónima n.º 455669, prestígio desta, e possibilidade de concorrência desleal por parte da recorrida, nos termos constantes de fls. 5 a 11 do processo administrativo apenso, que aqui se dão por reproduzidos”.
J. Certamente por lapso, as referências aos números das marcas citadas no ponto 4 dos factos provados estão erradas, devendo o ponto 4 dos factos assentes ser alterado em conformidade por este Venerando Tribunal, nos termos do artigo 662.º, n.º 1 do CPC, propondo-se a seguinte redacção: “Por despacho de 14.10.2016, o INPI indeferiu provisoriamente o pedido de registo de marca n.º 561896, por considerar existir uma marca internacional obstativa (n.º 590443 BELCANTO para assinalar bebidas alcoólicas na classe 33, não obstante considerar não haver imitação da marca n.º 455669 da reclamante por falta de afinidade entre os produtos ou serviços respectivamente assinalados, cf. doc. 13- 15 do processo administrativo apenso, que se dá por reproduzido.”.
K. No ponto 5 dos factos provados, o Tribunal a quo, novamente por lapso, identificou a marca internacional obstativa referida no ponto anterior pelo número 590444 e não pelo seu número correto, 590443, pelo que o ponto 5 dos factos assentes deve ser alterado em conformidade por este Venerando Tribunal, ao abrigo do artigo 662.º, n.º 1 do CPC.
L. Face aos documentos 7 a 11 juntos com o recurso da Recorrente junto do Tribunal a quo, o ponto 8 dos factos assentes deve ser alterado por este Venerando Tribunal, nos termos do artigo 662.º, n.º 1 do CPC, propondo-se a seguinte redacção: “Em 2012 e em 2013, o restaurante Belcanto foi distinguido com uma estrela do Guia Michelin, tendo em 2014 sido distinguido com duas estrelas do mencionado Guia, distinção que se repetiu em 2015 e 2016”.
M. O Mmo. Tribunal a quo andou mal ao decidir pela não verificação de afinidade entre
“Serviços de bar; cafés-restaurantes” e “Vinhos” atendendo à lei, à doutrina e à jurisprudência relevante sobre esta matéria.
N. A al. b) do n.º 2 do artigo 245.º do CPI clarifica que produtos e serviços que não estejam inseridos na mesma classe da Classificação de Nice podem ser considerados afins, e a jurisprudência e a doutrina admitem também de forma expressa que nada impede que se considerem serviços como afins de produtos, e vice-versa. Vide, nesse sentido:
i. O Acórdão o Supremo Tribunal de Justiça, de 30 de Outubro de 2003 (Rel. OLIVEIRA BARROS), no processo 03B2331 (disponível para consulta in www.dgsi.pt.), onde se lê o seguinte:
“II - O risco de confusão prevenido no artº. 189º, nº. 1, al. m), CPI pode ocorrer não apenas no campo dos produtos ou no domínio dos serviços, mas também entre produtos, por um lado, e serviços, por outro, devendo, nomeadamente, ter-se em atenção os seus modos de utilização.
III - A semelhança ou falta de semelhança dos produtos ou serviços deve ser apreciada em concreto, do ponto de vista das representações que se possam gerar na mente do consumidor.”.
ii. A sentença de 31 de Janeiro de 2011 do 3.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, proferida no Processo de registo de Marca Internacional n.º 827774 (disponível para consulta no Boletim da Propriedade Industrial de 29 de Abril de 2011, in https://inpi.justica.gov.pt/), concluindo pela afinidade manifesta entre produtos da classe 16 (livros e outros produtos impressos relacionados com serviços bancários e financeiros) e serviços de publicidade da classe
iii. LUÍS COUTO GONÇALVES, in Manual de Direito Industrial, 2015, Almedina, pág. 242, nota de rodapé 609.
iv. PEDRO SOUSA E SILVA, afirmando “parece-me claro que nada impede que se considere um serviço como afim de um produto” (SILVA, PEDRO SOUSA E, “Direito Industrial, Noções Fundamentais”, Coimbra Editora, 1.ª Ed., 2011, pág. 170).
O. Afigura-se um facto público e notório, que a comercialização de vinhos é parte integrante e absolutamente essencial da prestação de serviços de bar e de serviços de cafés-restaurantes em Portugal, não se configurando como possível a existência generalizada em território nacional de bares ou restaurantes que não comercializem vinhos aos seus Clientes.
P. As regras da experiência confirmam que a actividade de bares e restaurantes não existe, em regra, sem a comercialização de vinhos aos seus Clientes.
Q. É do conhecimento público e notório que na realidade do mercado os grupos de empresas que exploram restaurantes desenvolvem comummente actividades conexas aos serviços de restauração incluindo, designadamente, a venda de bebidas alcoólicas que podem usar ou não marca idêntica àquela que assinala os serviços de restauração - veja-se, a título meramente exemplificativo, o conhecido restaurante lisboeta “O Talho” (Chef Kiko), e correspondente vinho com o mesmo nome “O Talho”-Cf. https://pt-pt.facebook.com/OTalhoChefKiko/ e
https://ptpt.facebook.com/OTalhoChefKiko/photos/a.311300865664143.1073741829.299633183497578/929875577 139999/?type=3
R. É também conhecimento público e notório que na realidade do mercado muitas empresas produtoras de vinhos exploram estabelecimentos onde são prestados serviços de bar em restaurante, e comercializados vinhos – cf. a título meramente exemplificativo, e por todo o país, os seguintes: “By the Wine José Maria da Fonseca” – Loja/Winebar (Lisboa), “Restaurante Esporão” – Herdade do Esporão (Reguengos de Monsaraz), “Mesa de Lemos” – restaurante da Quinta de Lemos (Viseu), Restaurante “Malhadinha-Wine & Gourmet” (Beja), Restaurante “Barão Fladgate nas Caves Taylor’s” (Porto), “Caves Calém” (Porto), “Vinum at Graham’s” (Porto), “Quinta do Gradil” (Cadaval), “Quinta do Quetzal” (Vidigueira), “Quinta de Cabriz (Currelos).
S. Atendendo ao supra exposto, o consumidor não se surpreenderá que um prestador de serviços de restauração BELCANTO coloque no mercado um vinho com a mesma marca BELCANTO.
T. Pode afirmar-se com segurança que os produtos e serviços sob cotejo são manifestamente afins, não só porque são complementares entre si, existindo uma conexão estreita e essencial entre eles, mas também porque comungam dos mesmos canais de distribuição, e dirigem-se ao mesmo público consumidor.
U. É esse o entendimento perfilhado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, que na decisão T-213/09, de 15 de Fevereiro de 2011, afirma que “os serviços de restauração utilizam necessariamente os produtos relevantes das classes 30, 32 e 33. Os produtos e serviços em causa devem assim ser considerados como complementares à luz da jurisprudência acima citada (…)” – cf. parágrafo 46 da decisão, disponível para consulta inhttp://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf;jsessionid=9ea7d2dc30dd510fe01ba4124a88b3d1f2dbe8a9a032.e34KaxiLc3qMb40Rch0SaxyNb390?text=&docid=84519&pageIndex=0&doclang=FR&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=392374
V. É esse também o entendimento da doutrina nacional num caso absolutamente idêntico ao presente. Com efeito, PEDRO SOUSA E SILVA afirma sem margem para segundas interpretações, o seguinte: “(…) parece-me claro que nada impede que se considere um serviço como afim de um produto: por exemplo, os serviços de restauração têm grande proximidade (afinidade) com produtos alimentares e com bebidas alcoólicas” – in “Direito Industrial, Noções Fundamentais”, Coimbra Editora, 1.ª Ed., 2011, pág. 170.
W. Aqui chegados, é evidente que a marca sub iudice da Recorrida se destina assinalar produtos afins àqueles que são assinalados pela marca da Recorrente, e que se deve ter por inequivocamente verificada a condição prevista na al. b) do n.º 1 do artigo 245.º do CPI e, com ela, a imitação da marca da Recorrente.
X. Com efeito, sendo a marca BELCANTO da Recorrente prioritária em relação à marca BELCANTO da Recorrida, e sendo os sinais sob cotejo absolutamente idênticos, é inevitável que consumidores, em erro, quando confrontados com os produtos da Recorrida, considerem que os mesmos estão a ser prestados pela Recorrente, por uma empresa licenciada pela Recorrente, ou por alguém que com esta mantenha uma relação de parceria.
Y. Andou mal o Mmo. Tribunal a quo ao considerar que que a marca Belcanto da Recorrente não é marca de prestígio no sentido do artigo 242.º do CPI, desde logo, porque atribuiu à Recorrente declarações que esta não prestou, e que são contrariadas pela matéria assente, e porque errou na avaliação dos pressupostos relevantes para a qualificação da marca da Recorrente como marca de prestígio.
Z. A afirmação, na decisão recorrida, que a Recorrente “apenas invocou a notoriedade da sua marca” é errada, sendo directamente contrariada pelos pontos 10 e 11 da matéria assente, que referem que na reclamação apresentada em sede administrativa contra o registo da marca n.º 561896 a Recorrente afirmou que pretende que a Marca seja reconhecida, pelo menos no território nacional, como uma marca notória com força suficiente para serem impedidos quaisquer outros registos de marcas iguais ou semelhantes, independentemente dos serviços a registar.”
AA. A afirmação acima transcrita da Recorrente não se presta a dúvidas, não compreendendo nenhum reconhecimento, sugestão ou vinculação da Recorrente à afirmação de que a sua marca BELCANTO deva ser meramente ser qualificada como marca notória e não como marca de prestígio, já que a derrogação do princípio da especialidade foi expressamente afirmada pela aqui Recorrente.
BB. No que respeita à verificação dos pressupostos para a qualificação da marca da
Recorrente como marca de prestígio, andou mal o Mmo. Tribunal a quo na referência à utilização do nome BELCANTO no ramo da restauração por estabelecimentos similares em outras capitais europeias.
CC. Sendo a marca da Recorrente uma marca nacional, e estando o princípio da territorialidade dos direitos de propriedade industrial expressamente consagrado no artigo 4.º do CPI, os pressupostos do prestígio daquela são aferidos apenas no território onde a mesma está registada, devendo ser desconsiderada a referência a estabelecimentos situados fora do território relevante.
DD. A expressão BELCANTO para assinalar serviços de restauração, em Portugal, deve ser considerada como possuindo uma individualidade acentuada.
EE. A Recorrente demonstrou, através de abundante prova documental, que a marca BELCANTO goza de um elevado grau de notoriedade e prestígio junto do público relevante, elevada notoriedade e prestígio essa que resulta da extensa divulgação e reconhecimento do restaurante em todos os meios relevantes de comunicação social existentes em Portugal, e do reconhecimento da sua qualidade excepcional.
FF. A Recorrente vê como incompreensível ou, no mínimo, limitativa, a referência feita pelo Mmo. Tribunal a quo, de que “As estrelas atribuídas pelo Guia Michelin premeiam a excelência do serviço ou da gastronomia dos restaurantes distinguidos, não o prestígio das respectivas marcas”, já que de entre os fatores mais relevantes para aferir se a marca goza de prestígio estão a elevada qualidade associada à marca e o seu reconhecimento. Nessa medida, a presença do BELCANTO no guia de restaurantes mais importante do mundo não poderia ter sido desvalorizada.
GG. A Recorrente juntou prova documental de que os prémios e reconhecimentos atribuídos ao Belcanto foram e são altamente publicitados em material impresso, na internet e nos principais meios de comunicação em Portugal, e que o Belcanto é desde 2012 o mais premiado restaurante do país, estando consecutivamente listado na lista de melhores restaurantes do mundo – cf. Docs. 7 a 11, 15 e 16 do recurso perante o Tribunal a quo.
HH. A exposição mediática e publicidade associada aos serviços assinalados pela marca da Recorrente são fatores que, aliados à qualidade desses serviços e à presença contínua e duradoura no mercado, determinam que a marca BELCANTO da Recorrente goze de excepcional notoriedade e atracção e satisfação junto dos consumidores, devendo ser qualificado como marca de prestígio.
II. A coexistência no mercado dos produtos assinalados pela marca BELCANTO da Recorrida com os serviços marcados pela marca BELCANTO da Recorrente tem a potencialidade de permitir que a Recorrida obtenha um benefício ilegítimo do prestígio e carácter distintivo da marca da Recorrente, sendo que isso mesmo decorre da forma como a Recorrida configurou o seu pedido de registo, “colando-o” parasitariamente à marca da Recorrente.
JJ. O que a Recorrida pretende com seu pedido de registo é que os seus produtos sejam associados ao restaurante e marca BELCANTO da Recorrente, porque o uso da marca permite que os consumidores venham a procurar os produtos da Recorrida na errónea convicção de que existe uma parceria com ou licença da Recorrente. Nessa medida, a marca sub iudice permite o aproveitamento indevido do carácter distintivo e reputação da marca da Recorrente, com diluição da sua capacidade distintiva, devendo também ao abrigo do artigo 242.º do CPI o pedido de registo da marca nacional n.º 561896 ser recusado.
KK. Ainda que por hipótese académica não se considerasse a marca BELCANTO da Recorrente como uma marca de prestígio, mas sim como uma marca notória, o artigo 16.º, n.º 3 do acordo TRIPS – aplicável directamente em território nacional - reconhece ao titular de uma marca notória o direito de proibir o uso de marca idêntica ou confundível quando aplicada a produtos ou serviços diversos dos assinalados pela marca registada, desde que tal uso indique a existência de uma relação entre esses produtos ou serviços e o titular da marca notória, se tal utilização for susceptível de prejudicar os interesses deste.
LL. Pode afirmar-se com segurança que os produtos e serviços sob cotejo são manifestamente afins, e que o uso da marca sub iudice da Recorrida é susceptível de prejudicar os interesses da Recorrente. Nessa medida, ainda que viesse a considerar-se que a marca BELCANTO da Recorrente era apenas marca notória, estariam verificadas as condições para recusa do registo da marca BELCANTO da Recorrida ao abrigo do artigo 16.º, n.º 3 do acordo TRIPS.
MM. A Recorrente discorda veementemente da conclusão do Tribunal a quo, de que não foram alegados factos suscetíveis de consubstanciar concorrência desleal.
NN. De acordo com o disposto no artigo 239.º, n.º 1, e) do CPI, constitui fundamento de recusa do registo de marca o reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal ou de que esta é possível independentemente da sua intenção, e nos termos do artigo 317.º, n.º 1 do CPI constitui concorrência desleal todo o ato de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica.
OO. A qualificação de determinada conduta como ato de concorrência desleal depende da verificação de dois requisitos: (i) a existência de um ato de concorrência (ii) contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica, estando ambos verificados no presente caso.
PP. O registo de marca requerido pela Recorrida tem por finalidade óbvia a colocação no mercado dos produtos (“Vinhos”) assinalados por essa marca, não se concebendo a situação de que tal registo tenha sido efetuado sem qualquer intenção da Recorrida de usar, por si ou através de terceiros, o sinal registando para a comercialização de vinhos - desde logo, porque a validade do direito é dependente do uso sério da marca, mas também porque esta foi pedida para um único produto.
QQ. O consumidor dos produtos assinalados pela marca da Recorrida coincide com o consumidor dos serviços assinalados pela marca da Recorrente, e tal significa que existe, em boa medida, uma relação concorrencial entre os mesmos, e que a Recorrida tem a capacidade de influir na posição de mercado da Recorrente.
RR. O mercado de livre concorrência determina que os concorrentes deverão procurar obter a diferenciação positiva da sua oferta, desse modo permitindo que as escolhas dos consumidores quanto à aquisição de determinado produto seja feita de forma informada quanto à origem comercial e as características do produto.
SS. Deve ter-se por assente que o uso do sinal BELCANTO pela Recorrida constitui(rá) um artifício desleal apto a impedir que o consumidor faça uma escolha totalmente livre e, mais do que isso, constitui prova bastante de um ato efetuado intencionalmente pela Recorrida, com o fim de beneficiar do crédito e reputação da marca BELCANTO da Recorrente.
TT. A identidade entre os sinais, aliadas ao amplo conhecimento e difusão da marca BELCANTO em Portugal, demonstram que a Recorrida tinha amplo acesso e conhecimento da marca da Recorrente, e que efetuou intencionalmente um pedido de registo para “apanhar uma boleia” às custas e em prejuízo da Recorrente.
UU. Assim, o pedido de registo sub iudice é, claramente, uma tentativa por parte da Recorrida de se aproveitar do bom nome associado à marca da Recorrente, e de levar os consumidores em Portugal a acreditar que os vinhos disponibilizados pela Recorrida provêm ou estão, de algum modo, associados à Recorrente, ao restaurante Belcanto e/ou ao Chef José Avillez.
VV. As circunstâncias descritas supra determinam que o pedido de registo da marca nacional n.º 561896 seja qualificado como um ato susceptível de criar confusão com a empresa e os serviços da Recorrente nos termos do disposto no artigo 317.º, n.º 1, a) do CPI, e como um ato de aproveitamento nos termos do disposto no artigo 317.º, n.º 1, c) do CPI, devendo por isso ser recusado.
Conclui no sentido de que:
a) Devem ser reconhecidos e declarados os erros na apreciação da matéria de facto constante da sentença recorrida, ordenando-se a sua alteração nos termos requeridos;
b) Deve ser dado provimento ao presente recurso de apelação, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-se a mesma por Acórdão que determine a recusa do registo da marca nacional n.º 561896 BELCANTO.
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A Apelada apresentou contra-alegações, concluindo da forma seguinte:
1. O objecto da apelação é a douta sentença de 18/01/2018, proferida nos autos, que nega provimento ao recurso interposto pela Recorrente, e, em consequência, decide manter o despacho da Exma. Senhora Directora da Direcção de Marcas e Patentes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, de 3/02/2017, por subdelegação de competências do Conselho Directivo, de concessão do registo das marca nacional nº 561896 “BELCANTO”.
2. A Recorrente fundamentou a reclamação contra o pedido de registo da marca nacional nº 561896 com fundamento em confusão com a sua marca do registo nacional nº 455669 e possibilidade de se verificarem situações de concorrência desleal.
3. Foi ainda invocada pela Recorrente o estatuto de marca notória da sua marca “BELCANTO”, destinada a serviços de restauração.
4. O Tribunal a quo deu como provado que o sinal BELCANTO é utilizado como nome de outros inúmeros restaurantes situados em várias cidades europeias e que o termo BELCANTO significa um termo musical de origem italiana, referindo-se de um modo geral à arte da técnica vocal.
5. O thema decidendum consiste em estabelecer se, no confronto entre a marca do registo nacional nº 561896 com a marca do registo nacional nº 455669 se verifica a imitação desta última, nos termos e para efeitos do conceito de imitação ou usurpação de marca previsto no C.P.I.
6. A marca da Recorrente (registo nacional nº 455669) destina-se a assinalar exclusivamente “serviços de bar, café e restaurantes”, da classe 43, enquanto que a marca registanda (registo nº 561896) se destina a assinalar, em exclusivo, “vinhos”, da classe 33.
7. A douta sentença recorrida considerou e bem que não existe afinidade entre os serviços e os produtos respectivamente assinalados pelas marcas prioritária e registanda nas classes 43 e 33.
8. O facto de vinhos e quaisquer outras bebidas ou produtos alimentares serem servidos em restaurantes não é sintomático de serem produtos e serviços afins.
9. A ser assim, o sal, a água, o azeite, o pão, a carne, o peixe, o bolo e todos os outros alimentos e bebidas seriam afins de serviços de restauração.
10. Os produtos “vinhos” e serviços “bar, cafés e restauração” são produtos e serviços com utilidades e fins totalmente diferentes, e portanto, não são substituíveis entre si e logo não concorrentes entre si.
11. Cumpre referir que o próprio registo da marca da Recorrente para designar serviços de restauração foi solicitado e concedido quando se encontrava válido em Portugal o registo da marca internacional nº 590443 “BELCANTO” para assinalar “bebidas alcoólicas”, da classe 33.
12. Na sentença recorrida considerou-se assim não estar preenchido in casu o requisito de imitação da prioridade, previsto na alínea b) do nº 1, do artigo 245º do C.P.I.
13. Este entendimento do Tribunal a quo e bem assim do INPI está perfeitamente consagrado na jurisprudência nacional, sendo aliás este o entendimento perfilhado por este Venerando Tribunal a quo em vários casos similares e citados pela Recorrida, designadamente Acórdãos do TRL de 19-04- 2016 (Proc. nº 1947/11.4YLSB-1) e de 22-10-2015 (proc. nº 177/14.8YHLSB.L1- 6).
14. Improcede assim a invocada imitação de marca, nos termos dos art.ºs 239.º, n.º 1, al. a), 244.º e 245.º, n.º 1, al. b) do C.P.I.
15. Não estando em causa produtos e serviços concorrentes, também fica preterida a possibilidade de se verificar qualquer situação de concorrência desleal da parte da Recorrida.
16. Não obstante não ter sido alegado o prestígio da sua marca, mas tão somente o estatuto de notoriedade, a Recorrente vem fazer uma interpretação correctiva das suas alegações e vem defender que o sinal distintivo BELCANTO é uma marca de prestígio.
17. Desde logo, foi dado como provado que o restaurante BELCANTO no Chiado (Lisboa, Portugal) não é o único no mundo, uma vez que existem dezenas de outros restaurantes em outras cidades europeias, denominados BELCANTO, pelo simples facto de estarem situados dentro ou próximo de um teatro de ópera.
18. A Recorrente vem fazer depender a atribuição do estatuto de prestígio à sua marca ao facto de ter duas estrelas do Guia Michelin.
19. Considerou e bem o Tribunal a quo que as estrelas atribuídas pelo Guia Michelin premeiam a excelência do serviço ou da gastronomia dos restaurantes distinguidos, não o prestígio das respectivas marcas.
20. A ser assim, teríamos de concluir que os restaurantes MC DONALDS, PIZZA HUT ou BURGER KING – nenhum deles com qualquer estrela do Guia Michelin – não seriam marcas de prestígio apenas pelo simples facto de não terem sido galardoados com esse género de distinção.
21. Não se pode confundir o conceito de marca de prestígio previsto no artigo 242º do C.P.I. com o facto de ser prestigiante um restaurante ser distinguido com estrelas do Guia Michelin.
22. A título de mera curiosidade cite-se os exemplos dos já consagrados melhores restaurantes do mundo – THE FAT DUCK, EL BULI ou OSTERIA FRANCESCANA – todos com três estrelas Michelin, sendo que, não obstante a inegável excelência da qualidade das respectivas gastronomias, não são consideradas marcas de prestígio para efeitos de aplicação do artigo 242º do C.P.I.
23. Uma marca de prestígio tem de ser uma marca “super notória”, ou seja uma marca que se torne uma referência mesmo para os que não consomem tais tipos de produtos ou adquirem tais géneros de serviços.
24. Uma marca de prestígio deve ser espontânea, imediata e generalizadamente conhecida do grande público consumidor, e não apenas dos correspondentes meios interessados e é aqui que reside precisamente a diferença para as marcas notórias que são apenas muito conhecidas mas apenas no âmbito do seu sector de mercado.
25. Contrariamente a marca como MC DONALDS, PIZZA HUT, COCA-COLA, LEGO, NIKE, ROLEX, GOOGLE – conhecidas por consumidores de todos os sectores de mercado – a marca BELCANTO é apenas conhecida por consumidores deste género de restaurantes e, portanto, com uma alta capacidade económica.
26. Assim, o uso da marca registanda – destinada a produtos distintos dos serviços assinalados pela marca da Recorrente – e não sendo, efectivamente, uma marca que goze do estatuto de marca de prestígio nos termos e para os efeitos do artigo 242º do C.P.I., não prejudica o carácter distintivo da marca da Recorrente, não originando qualquer situação de risco ou confusão junto dos consumidores.
27. Bem andaram o INPI e o Tribunal a quo ao concluírem que não se demonstrou o prestígio da marca da Recorrente, nos termos e para os efeitos do artigo 242º do C.P.I., e que a marca que a Recorrida pretende registar não se confunde com a marca da Recorrente, e, assim, por não estar preenchido o requisito do conceito de imitação de marca do artigo 245º, nº 1, alínea b) do C.P.I., terem admitido o registo dessa marca.
28. Não sendo as marcas em confronto confundíveis, nem sendo de antever a possibilidade de concorrência entre as partes – nem mesmo a leal –, por exercerem actividades completamente díspares e os produtos e serviços em causa não serem afins, está igualmente afastada a possibilidade de a marca registanda poder servir para fazer concorrência desleal.
Conclui no sentido de dever a apelação ser julgada totalmente improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida, e, em consequência, ser concedido o registo da marca nacional n.º 561896.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
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QUESTÕES A DECIDIR:
-Da Impugnação da Decisão de Facto.
-Da Imitação da Marca.
-Saber se a marca da Recorrente é uma marca de prestigio.
-Da Concorrência Desleal.
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FUNDAMENTAÇÃO:
A-DE FACTO.
Resultam provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:
1. A recorrente é titular do registo de marca nacional (verbal) nº 455669 BELCANTO, solicitado em 12.10.2009 e concedida em 31.12.2009 para assinalar na classe 43 da Classificação de Nice “Bar (serviços de -); cafés-restaurantes”, cf doc. 5 junto a fls. 42-43 dos autos, que aqui se dá por reproduzido.
2. Em 14.03.2016, a recorrida solicitou ao INPI o registo de marca nacional nº 561896 BELCANTO para assinalar “Vinhos” na classe 33 da Classificação de Nice, cf. doc. junto a fls. 3-4 do processo administrativo apenso, que aqui se dá por reproduzido..
3. Em 31.05.2016, a recorrente apresentou junto do INPI reclamação contra o mencionado pedido de registo de marca (ponto 2 do presente enunciado de factos), invocando imitação da sua referida marca nacional homónima nº 455669, notoriedade desta, e possibilidade de concorrência desleal por parte da recorrida, nos termos constantes de fls. 5 a 11 do processo administrativo apenso, que aqui se dão por reproduzidos.
4. Por despacho de 14.10.2016, o INPI indeferiu provisoriamente o pedido de registo de marca nº 455669, por considerar existir uma marca internacional obstativa (nº 590444 BELCANTO para assinalar bebidas alcoólicas na classe 33, não obstante considerar não haver imitação da marca nº 561896 da reclamante por falta de afinidade entre os produtos ou serviços respectivamente assinalados, cf. doc. 13-15 do processo administrativo apenso, que aqui se dá por reproduzido.
5. Em 18.11.2016, a recorrida apresentou junto do INPI resposta à mencionada decisão de recusa provisória (ponto 4 do presente enunciado de factos), invocando falta de uso da marca internacional nº 590444 considerada obstativa, cuja declaração de caducidade por esse motivo requereu, solicitando a suspensão do estudo do processo do registo até que a questão da caducidade esteja decidida, cf. doc. junto a fls. 17-23, que aqui se dá por reproduzido.
6. Por decisão de 3.02.2017, o INPI indeferiu a reclamação da recorrente e concedeu o registo da marca nº 561896 BELCANTO para assinalar “Vinhos” na classe 33 da Classificação de Nice, nos termos constantes de fls. 1-2 do processo administrativo apenso, que aqui se dão por reproduzidos.
7. A marca nº 455669 BELCANTO da recorrente (ponto 1 do presente enunciado de factos) é usada pela sociedade Grupo José Avillez, Lda., em conjunto e mediante autorização da recorrente, para a exploração do restaurante Belcanto, aberto originariamente em 1958 no Chiado e reaberto totalmente renovado sob a direcção do Chef José Avillez.
8. Em 2012, o dito restaurante (ponto 7 do presente enunciado de factos) foi distinguido com uma estrela do Guia Michelin, tendo em 2013 sido distinguido com uma segunda estrela do mencionado Guia, distinção que se repetiu em 2015 e 2016, cf. docs. 7, 8, 9 e 10 juntos a fls. 25-28v, 33-39v e 65-81, que aqui se dão por reproduzidos.
9. A listagem de restaurantes do mundo “The World’s 50 Best Restaurants” lista o restaurante Belcanto, desde 2015, como um dos cem melhores restaurantes do mundo, sendo o único restaurante português incluído na dita lista, cf. docs. 13 e 14 juntos a fls. 62-62v e 82 dos autos, que aqui se dá por reproduzido.
10. Na reclamação apresentada em sede administrativa contra o registo da marca nº 561896 BELCANTO (pontos 2 e 3 do presente enunciado de factos) a recorrente alegou designadamente (ponto 5) o seguinte:
11. “Importa esclarecer que a ora Requerente não pretende, para estes efeitos, que a Marca seja considerada como uma marca de prestígio (ao nível da Coca-Cola ou outras similares) mas pretende que a Marca seja reconhecida, pelo menos no território nacional, como uma marca notória com força suficiente para serem impedidos quaisquer outros registos de marcas iguais ou semelhantes, independentemente dos serviços a registrar.”
12. Segundo a Wikipedia, Belcanto, belo canto ou bel canto é um termo musical de origem italiana, referindo-se de um modo geral para a arte e a ciência de técnica vocal, cf. doc. 5 junto a fls. 138v dos autos, que aqui se dá por reproduzido.
13. Além do da recorrente, existem outros restaurantes denominados “Belcanto” em cidades como Paris, Budapeste, Zurique, Heidelberg ou Luxemburgo, cf. docs. 6, 7, 8, 11, 12 e 13, juntos a fls. 139-140v e 142-143 dos autos, que aqui se dão por reproduzidos.
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DE DIREITO:
-Da Impugnação da decisão de Facto:
I-A Recorrente insurge-se contra a decisão proferida sobre a matéria de facto defendendo que existe erro de julgamento em relação aos factos quanto aos pontos 3, 4, 5, e 8 dos factos provados.
II-Mais defende que deveriam ter sido considerados provados factos que considera relevantes e suscetíveis de influenciar a decisão da causa alegados pela Recorrente nos artigos 34, 35 e 37 do recurso interposto por esta junto do Tribunal da Propriedade Intelectual, porquanto tais factos estão relacionados com a verificação do prestígio da marca nacional n.º 455669 BELCANTO da Recorrente.
Vejamos:
I-a)-Nas suas conclusões, vem o recorrente defender que, no processo administrativo, a Recorrente não alegou a notoriedade da sua marca nacional n.º 455669 BELCANTO, mas sim o prestígio da mesma, e nesses termos o ponto 3 dos factos assentes deve ser alterado em conformidade por este Tribunal, nos termos do artigo 662.º, n.º 1 do CPC, propondo-se a seguinte redacção: Em 31.05.2016, a recorrente apresentou junto do INPI reclamação contra o mencionado pedido de registo de marca (ponto 2 do presente enunciado de factos), invocando a imitação da sua referida marca nacional homónima n.º 455669, prestígio desta, e possibilidade de concorrência desleal por parte da recorrida, nos termos constantes de fls. 5 a 11 do processo administrativo apenso, que aqui se dão por reproduzidos”.
Lendo atentamente o requerimento dirigido pela ora Recorrente ao Director do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, dai resulta de forma clara que sempre vem utilizado o termo de marca notória e não marca de prestigio.
No ponto 5º do requerimento, vem referido o seguinte:
“Importa esclarecer que a ora Requerente não pretende, para estes efeitos, que a Marca seja considerada como uma marca de prestígio (ao nível da Coca-Cola ou outras similares) mas pretende que a Marca seja reconhecida, pelo menos no território nacional, como uma marca notória com força suficiente para serem impedidos quaisquer outros registos de marcas iguais ou semelhantes, independentemente dos serviços a registrar.”
Este facto teve tradução no art.11 dos factos provados.
Nas Conclusões no art.15º, vem referido: Mas marcas em confronto são idênticas, sendo a Marca uma marca notória, não só por ser a denominação de um restaurante mundialmente conhecido e com diversas nomeações que o distinguem, mas também por ter ligação a um Chef português, altamente conceituado, que pelo seu trajecto profissional e ainda por outras acções que desenvolve (tais como programas na televisão e na rádio) fazem dele uma figura pública.
Se o ora Apelante queria dizer outra coisa, exprimiu-se mal e a declaração no caso, não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto, por expressa exigência do art.238º do Código Civil.
Por isso, olhando ao conjunto do então alegado, discorda-se do Apelante, que só no recurso da decisão proferida pelo órgão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, veio fazer referência ao prestígio da ora Apelante.
Cabe no entanto salientar, que a classificação e integração da matéria de facto dentro de uma categoria, é tarefa do julgador, independentemente da designação que a parte lhe tenha dado. Mas essa tarefa é desenvolvida na conjugação da fixação dos factos provados e na análise de direito.
Em razão do exposto, mantém-se o facto 3º nos seus precisos termos.
b)-No que se reporta aos factos 4º e 5º, entende-se que existe um lapso por parte do tribunal a quo, que se impõe corrigir.
Há assim que corrigir os números de registo das marcas em causa, nomeadamente, no ponto 4, pois a marca indeferida provisoriamente foi a marca do registo nacional nº 561896 (e não 445669) e a marca internacional obstativa foi o registo nº 590443 (e não 5907444) e quanto ao ponto 5, a marca do registo internacional é o nº 590443 (e não 590444).
Pelo que, o ponto 4º, passará a ter a seguinte redacção:
4.“Por despacho de 14.10.2016, o INPI indeferiu provisoriamente o pedido de registo de marca n.º 561896, por considerar existir uma marca internacional obstativa (n.º 590443 BELCANTO para assinalar bebidas alcoólicas na classe 33, não obstante considerar não haver imitação da marca n.º 455669 da reclamante por falta de afinidade entre os produtos ou serviços respectivamente assinalados, cf. doc. 13- 15 do processo administrativo apenso, que se dá por reproduzido.”.
c)-Mais alega a Apelante que, no ponto 5 dos factos provados, o Tribunal a quo, novamente por lapso, identificou a marca internacional obstativa referida no ponto anterior pelo número 590444 e não pelo seu número correto, 590443, pelo que o ponto 5 dos factos assentes ser alterado em conformidade por este Tribunal.
Porque assiste razão á Apelante conforma resulta da mera análise da decisão proferida pelo INPI, o facto 5º passará a ter a seguinte redacção:
 5. Em 18.11.2016, a recorrida apresentou junto do INPI resposta à mencionada decisão de recusa provisória (ponto 4 do presente enunciado de factos), invocando falta de uso da marca internacional nº 590443 considerada obstativa, cuja declaração de caducidade por esse motivo requereu, solicitando a suspensão do estudo do processo do registo até que a questão da caducidade esteja decidida, cf. doc. junto a fls. 17-23, que aqui se dá por reproduzido.
d)- Finalmente, defende o Apelante que, em face aos documentos 7 a 11 juntos com o recurso da Recorrente junto do Tribunal a quo, o ponto 8 dos factos assentes deve ser alterado, propondo a seguinte redacção: “Em 2012 e em 2013, o restaurante Belcanto foi distinguido com uma estrela do Guia Michelin, tendo em 2014 sido distinguido com duas estrelas do mencionado Guia, distinção que se repetiu em 2015 e 2016”.
O facto 8º tem a seguinte redacção:
Em 2012, o dito restaurante (ponto 7 do presente enunciado de factos) foi distinguido com uma estrela do Guia Michelin, tendo em 2013 sido distinguido com uma segunda estrela do mencionado Guia, distinção que se repetiu em 2015 e 2016, cf. docs. 7, 8, 9 e 10 juntos a fls. 25-28v, 33-39v e 65-81, que aqui se dão por reproduzidos.
A análise dos documentos juntos aos autos permite concluir que pela razão do Autor, já que o documento de fls.27-28, datado de 21-11-2013, reporta-se à distinção com uma estrela para no ano de 2013.
Já a distinção de duas estrelas para 2014, consta do documento junto a fls.65.
Pelo exposto face à análise dos documentos juntos, o art.8º passará a ter a seguinte redacção:
“Em 2012 e em 2013, o restaurante Belcanto foi distinguido com uma estrela do Guia Michelin, tendo em 2014 sido distinguido com duas estrelas do mencionado Guia, distinção que se repetiu em 2015 e 2016”.
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II-Em relação à segunda categoria de factos, entendemos que assiste razão à recorrente, admitindo-se que os factos alegados são relevantes na caracterização e definição do prestígio ou da notoriedade da marca nacional n.º 455669 BELCANTO da Recorrente, já que é tarefa do julgador a qualificação, independentemente da designação dada pela parte.
Assim sendo, aceitando a sugestão proposta quanto à redacção dos factos, que estão provados pelo teor de vasta documentação junta aos autos, narrada na conclusão G), nos pontos i), ii) e iii), nas páginas ai referidas, decide-se aditar o facto 8º-A, com a seguinte redacção, ao abrigo do artigo 662.º, n.º 1 do CPC.
i. Os prémios e reconhecimentos referidos no ponto 8º, atribuídos ao restaurante Belcanto, foram publicitados em material impresso, na internet, e nos principais meios de comunicação em Portugal, de que são exemplo os clippings de imprensa, de 2011 a 2016, incluindo, inter alia, vários artigos do Público, Visão, Sol, Jornal de Notícias, Expresso, Jornal Económico, Jornal i, TSF online, Visit Portugal, Diário de Notícias, Dinheiro Vivo, Observador, TVI online, Sábado, Revista de Vinhos, Evasões, Essência do Vinho, Rádio Renascença, SIC Notícias, Rádio Comercial e RTP, que constituem os docs. 7 a 11 e 15 a 16 do recurso interposto pela Recorrente junto do Tribunal da Propriedade Intelectual.
ii. Os artigos publicados atingiram milhões de leitores e estão igualmente disponíveis em edições online, acessíveis a utilizadores da internet em Portugal e em todo o mundo.
iii. Além-fronteiras, o Belcanto é também objecto de divulgação pública em meios de comunicação relevante como ressalta do artigo do jornal francês Le Fígaro (doc.nº 17) e da Revista Luxury Travel (doc nº18) juntos com o referido recurso.
Procede nos termos vistos a decisão sobre a matéria de facto.
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A)- DA IMITAÇÃO DA MARCA:
Dispõe o art. 1º do Código da Propriedade Industrial, que «a propriedade industrial desempenha a função de garantir a lealdade da concorrência, pela atribuição de direitos privativos sobre os diversos processos técnicos de produção e desenvolvimento da riqueza».
Um desses direitos privativos é a marca, entendida como «o sinal adequado a distinguir os produtos ou serviços de um dado empresário em face dos serviços e produtos dos demais, ou, por outras palavras, o sinal destinado a individualizar produtos ou mercadorias, ou serviços, e a permitir a sua diferenciação de outros da mesma espécie.
Embora o CPI não consagre uma definição acabada de marca, dispõe, no entanto, no artigo 222º, epígrafe “constituição da marca”:
«.1 - A marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.
2 - A marca pode, igualmente, ser constituída por frases publicitárias para os produtos ou serviços a que respeitem, desde que possuam carácter distintivo, independentemente da protecção que lhe seja reconhecida pelos direitos de autor.
A marca pode ser definida como um sinal distintivo do comércio que se destina a identificar e diferenciar os produtos ou os serviços oferecidos no mercado, distinguindo aqueles que pertencem a uma determinada empresa dos de outras empresas, ao mesmo tempo que permite ao consumidor reportá-los à sua verdadeira origem empresarial.
A marca pode ser constituída, como decorre do art. 222º por um sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outra empresas, podendo igualmente ser constituída por frases publicitárias para produtos ou serviços a que respeitem, independentemente do direito de autor, desde que possuam carácter distintivo” – vide Jorge Bravo, in Comentário das Leis Penais Extravagantes, Volume 2, UCE, Págs. 321.
Por sua vez o artigo 245º do CPI consagra o “conceito de imitação ou usurpação”, assim:
1 - A marca registada considera-se imitada ou usurpada por outra, no todo ou em parte, quando, cumulativamente:
a) A marca registada tiver prioridade;
b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;
c) Tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
Quanto aos requisitos da imitação de marca, refere Jorge Bravo a título informativo, que vêm sendo enunciados pelo STJ de forma pacífica, desde há muito, como:
a) respeitarem (marcas em confronto) ao mesmo ou produtos afins;
b) existir entre elas semelhança gráfica, figurativa ou fonética, de modo a induzir facilmente em erro ou confusão o consumidor;
c) exigir exame atento a distinção de marcas imitante e imitada.
Na jurisprudência do STJ e quanto aos requisitos de imitação de marca, respiga-se, a título meramente exemplificativo, a seguinte jurisprudência:
II - A função da marca é identificar um produto ou serviço com a sua proveniência, estabelecer uma relação entre o produto ou serviço e um determinado agente económico, independentemente da individualização concreta deste.
III - O grau de semelhança que a nova marca não pode ter com a outra anteriormente registada traduz-se na possibilidade de confusão entre elas, decorrente da semelhança gráfica, figurativa ou fonética entre os seus sinais distintivos, tendo em atenção a impressão do conjunto ou aspecto geral das marcas, a globalidade dos elementos constitutivos delas, olhando mais à semelhança deste conjunto do que à dissemelhança apresentada por diversos pormenores considerados isolada e separadamente;(…)
IV - O juízo de semelhança entre as duas marcas, melhor dito, o risco de confusão entre elas, que, nos termos da lei, se deve considerar relevante ou decisivo, é o que emitiria um consumidor médio do produto em questão, a massa geral do público a quem o produto é destinado, e não o técnico especializado do sector ou o observador especialmente perspicaz e atento. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.3.98, disponível in www.dgsi.pt.
«(…)IV - Sempre que no conjunto da marca se possa ver uma semelhança capaz de estabelecer confusão, deve considerar-se a marca como imitada, sem estar a atender ao facto de ser ou não necessário o confronto das marcas para apreender as diferenças que as separam; deve-se olhar à semelhança do conjunto e não à natureza das dissemelhanças ou ao grau das diferenças que as separam.
V - O agente do juízo de semelhança é o consumidor, não o técnico nem o consumidor perito ou especializado ou o observador perspicaz, capaz de fazer ligações que escapam à maioria das pessoas, mas o consumidor médio, menos atento e cuidadoso. (…) Acórdão da Relação de Lisboa de 26.4.94, disponível in www.dgsi.pt.
«I - A marca é um sinal destinado a individualizar produtos ou mercadorias e a permitir a sua diferenciação de outros da mesma espécie ou afins.
II - Na apreciação de susceptibilidade de erro ou confusão das marcas deve atender-se menos às dissemelhanças que oferecem os diversos pormenores considerados isoladamente, do que à semelhança que resulte do conjunto dos respectivos elementos mais significativos. (…) Acórdão da Relação de Lisboa de 30.11.94, disponível in www.dgsi.pt.
«I - A imitação de marcas baseia-se mais na semelhança possivelmente resultante do conjunto dos elementos respectivos do que na dissemelhança de certos pormenores.
II - É portanto através duma intuição de síntese que se tem de determinar se há ou não possibilidade de confusão entre duas marcas. (…) Acórdão da Relação de Lisboa de 3.11.94, disponível in www.dgsi.pt.
«(…) II - A questão da imitação de marca deve ser apreciada pela semelhança que resulta do conjunto dos elementos que constituem a marca e não pelas dissemelhanças que poderiam oferecer os diversos pormenores considerados isolada e separadamente.
III - Sempre que no conjunto da marca se possa ver uma semelhança capaz de estabelecer confusão, deve considerar-se a marca como imitada. Acórdão da Relação de Lisboa de 17/03/94, disponível in www.dgsi.pt.
«I - O que mais releva para se determinar a existência de imitação de uma marca por outra, é a impressão do conjunto, pois é esta que sensibiliza o público consumidor.
II - É por intuição sintética e não por dissecação analítica que deve proceder-se à comparação das marcas. (…) Acórdão da Relação de Lisboa de 18.2.99, disponível in www.dgsi.pt.
«I - O julgador há-de ter presente que o comprador não tem simultaneamente sob os olhos os produtos das duas marcas, um a par do outro;
II - O exame das marcas é feito pelo consumidor em sucessão, às vezes numa sucessão de momentos muito distanciados no tempo.
III - Sendo propósito da lei evitar a confusão entre produtos por virtude das semelhanças das marcas usadas, o risco de uma tal confusão deve medir-se no cotejo das semelhanças passíveis de levar a que se tome uma marca pela outra, tendo-se, designadamente, em conta a postura do consumidor distraído e pouco experimentado, que não tem à sua frente as duas marcas para entre elas fazer o confronto. Acórdão da Relação de Lisboa de 28.5.98, disponível in www.dgsi.pt.
Também na doutrina tem sido estabelecida a distinção entre contrafacção, usurpação e imitação, conforme Pedro Sousa e Silva, que recorre à doutrina de Pinto Coelho Lições de Direito Comercial Vol. I. 1957, pág. 369 e 370: “Na classificação proposta por Pinto Coelho, que se mantém actual(…), a usurpação consiste no uso indevido de uma marca por pessoa diversa do titular (…),enquanto a imitação se traduz na criação de uma marca nova, objectivamente diversa da pertencente ao titular, mas que dela constitui reprodução mais ou menos fiel; a figura da contrafacção, por seu turno, é empregue com o duplo sentido de uso de marca alheia integralmente reproduzida (no que se confunde como o conceito de usurpação) e de confecção material da marca de outrem, independentemente do uso ou aposição dos produtos do usurpador.”
No mesmo sentido José Mota Maia faz a seguinte exposição “Assim este conceito de imitação não exige que os sinais constitutivos das duas marcas sejam, total ou parcialmente idênticos; basta que o seu conjunto gráfico, figurativo, ou fonético, seja semelhante. (…). Se os sinais constitutivos da marca posterior constituírem uma cópia servil dos sinais da marca anteriormente registada, ou de parte deles, estar-se-á em presença da contrafacção, total ou parcial, da marca registada.”
Concluindo, “a contrafacção corresponde à cópia fiel, total ou parcial dos sinais constitutivos da marca registada (contrafacção total ou parcial); a imitação corresponde à utilização, na constituição da marca, de sinais de tal maneira semelhantes aos da marca registada, que os consumidores são, facilmente induzidos em erro, ou confusão, nomeadamente pelo fenómeno da associação entre as duas marcas.” - vide José Mota Maia, PROPRIEDADE INDUSTRIAL, vol. II, Código da Propriedade Industrial Anotado, págs. 435 e 436, Almedina 2005.
Por outro lado, a lei pretende impedir que por via da reprodução ou da imitação de uma marca já registada se possa criar confusão e erro no mercado, visando proteger-se por um lado a confiança e interesse do consumidor e, por outro lado, a reputação, prestígio, crédito e benefícios económicos do titular da marca – vide o já citado Acórdão do TRL de 3 de Novembro de 1994.
(Cfr. Ac da RP de 22 de Março de 2017, Proc. Nº 7/13.8EACBR.P1.).
O juízo de semelhança entre as duas marcas, melhor dito, o risco de confusão entre elas, que, nos termos da lei, se deve considerar relevante ou decisivo, é o que emitiria um consumidor médio do produto em questão, a massa geral do público a quem o produto é destinado, e não o técnico especializado do sector ou o observador especialmente perspicaz e atento. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.3.98, disponível in www.dgsi.pt.
O nº 1 do art. 224º do CPI estatui, por sua vez, que «o registo confere ao seu titular o direito de propriedade e do exclusivo da marca para os produtos e serviços a que esta se destina».
Assim, o registo da marca apenas é concedido no caso de se mostrarem verificados determinados requisitos:
a)- uns, de natureza formal, e que são os mencionados nos arts. 25º e 26º do Regulamento, e 24º, 233º e 234º, do CPI;
b) outros, de natureza substancial de proteção, os quais, por sua vez, se podem classificar em:
- absolutos, destinados a garantir que o sinal registando é apto a desempenhar a sua função distintiva e indicativa para uma determinada categoria de produtos ou serviços, a eles se reportando o art. 238º do CPI, ao impor diversas proibições absolutas ao registo de marca; e
- relativos, destinados à salvaguarda dos direitos de terceiros anteriormente constituídos, a eles se reportando o art. 239º do CPI, ao estabelecer proibições relativas ao registo da marca.

Assim sendo, deve ser recusado o registo da marca que reproduza ou imite, no todo ou em parte, marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada (art. 239º, nº 1, al. a), do CPI).
Este preceito deve ser conjugado com o art. 245º do CPI, cujo nº 1 dispõe assim:
«1– A marca registada considera-se imitada ou usurpada por outra, no todo ou em parte, quando, cumulativamente:
a)- A marca registada tiver prioridade;
b)- Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;
c)- Tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto».
Vejamos:
Não restam dúvidas quanto à anterioridade do registo da marcas nacional nº 455669 BELCANTO da recorrente, solicitado em 12.10.2009 e concedido em 31.12.2009, relativamente ao pedido de registo da marca nacional nº 561896 BELCANTO da recorrida, solicitado em 14.03.2016.
Tão pouco suscita dúvidas a existência de semelhança entre os sinais em confronto, já que são idênticos, em ambos casos: BELCANTO.
A questão coloca-se em relação ao requisito da alínea b), ou seja, ao facto de os produtos assinalados pela marcas prioritária e registanda estarem inseridos em classes diferentes (classes 43 e 33, respectivamente).


Cl. Serviços prioritários Produtos registandos
43Bar (serviços de -); cafés-restaurantes
33 Vinhos


Constata-se desde logo que, enquanto a marca prioritária assinala uma actividade, um serviço (serviços de bar, cafés-restaurantes), a marca registanda assinala um produto (vinhos).
Entenderam as decisões quer do INPI quer do Tribunal a Quo, que não estamos perante uma situação integradora da alínea b), em atenção a esta circunstância.
Segundo Carlos Olavo, «é necessário que os sinais distintivos em causa se reportem aos mesmos produtos ou serviços, ou a produtos ou serviços afins; é o chamado princípio da especialidade das marcas», acrescentando que «a afinidade entre produtos ou serviços afere-se em face do próprio objecto do direito à marca, que é o de distinguir a respectiva origem empresarial. Para que haja possibilidade de confusão sobre a origem empresarial dos produtos ou serviços, há que ter em atenção diversos factores, nomeadamente a natureza e o tipo de necessidades que os produtos ou serviços visam satisfazer e os circuitos dedistribuição desses produtos ou serviços. Desta sorte, a doutrina tem considerado que o público atribuirá a mesma origem a produtos ou serviços de natureza e utilidade próxima e que sejam habitualmente distribuídos através dos mesmos circuitos. No juízo sobre a afinidade de produtos e serviços é irrelevante o número do reportório em que estejam inscritos ou a classe da tabela em que se integra». (in, Propriedade Industrial. Sinais Distintivos do Comércio. Concorrência Desleal, Almedina, 1997, p. 50.
Segundo Luís Couto Gonçalves, analisando o requisito da afinidade de produtos ou serviços afirma que «do que se trata não é de distinguir económica ou, sequer, de um modo juridicamente abrangente produtos ou serviços, mas, apenas, o de distinguir produtos e serviços no âmbito do direito de marcas. Para além do critério da finalidade e utilidade dos produtos e serviços a doutrina refere ainda o critério da natureza (estrutura e características) dos produtos e serviços e o critério dos circuitos e hábitos de distribuição dos produtos e serviços. O grau de importância de cada um destes critérios é difícil de estabelecer aprioristicamente. É óbvio que quando todos os critérios puderem concorrer num caso concreto o conceito de afinidade sai claramente reforçado. O facto de os produtos ou serviços confrontados se destinarem à mesma finalidade e à satisfação da mesma utilidade, terem a mesma natureza e serem distribuídos, vendidos ou prestados através dos mesmos circuitos de comercialização, de modo simultâneo, indicia, com maior margem de segurança, a existência de afinidade.
Nos casos em que não concorram, simultaneamente,  todos os factores de apreciação de afinidade haverá que ponderar cuidadosamente o peso relativo de cada um e não perder de vista o risco de confusão quanto à origem dos produtos e serviços marcados de forma igual ou semelhante.
Há casos em que o risco de afinidade aumenta. Referimo-nos aos casos em que possa mediar uma relação de substituição, complementaridade, acessoriedade ou derivação entre os produtos ou serviços ou, mesmo, entre produtos e serviços». (Cfr. autor citado, in Direito das Marcas, 2ª Edição Revista e Atualizada, pp. 133-135).
Nos termos do art. 258º do CPI, «o registo da marca confere ao seu titular o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de usar, no exercício de actividades económicas, qualquer sinal igual, ou semelhante, em produtos ou serviços idênticos ou afins daqueles para os quais a marca foi registada, e que, em consequência da semelhança entre os sinais e da afinidade dos produtos ou serviços, possa causar um risco de confusão, ou associação, no espírito do consumidor».
Conforme decidido no Ac. do STJ de 28.09.2010, Proc. nº 235/05.TYLSB.L1.S1 (Cons. Helder Roque), in www.dgsi.pt «do carácter exclusivo do direito à marca emergem, assim, duas consequências, contempladas pelo artigo 258º, do CPI, sendo a primeira a de que o seu titular se pode opor à sua utilização por terceiros, sem o seu consentimento, e a segunda a de que um terceiro não pode utilizar, no exercício de actividades económicas, o sinal que constitua a marca de outrem, de modo a lesar o correspondente direito, confundível com marca registada para produtos ou serviços idênticos ou afins, sob pena de se constituir na autoria de um acto ilícito».
Ainda no mesmo acórdão, pode ler-se que «a imitação entre uma marca e uma denominação só existe quando a imitada e a imitante digam respeito ao mesmo produto ou serviço ou a produtos ou serviços semelhantes, ou afins, por imperativo do estipulado pelos artigos 189º, nº 1, m) e 193º, nº 1, do CPI, sendo certo, outrossim, que este último normativo não se basta com uma qualquer afinidade, porquanto exige que a mesma seja manifesta, isto é, clara, ostensiva, patente e indiscutível, sendo necessário que a apreciação de uma eventual imitação se faça, menos pelas dissemelhanças que ofereçam os seus diversos pormenores, considerados, isolada e separadamente, do que pelas semelhanças do conjunto dos elementos que a constituem, por forma a afastar-se, terminantemente, a ideia de que só há imitação quando as semelhanças sejam tão marcadas, ou antes as dissemelhanças tão ténues que se torne necessário o confronto ou o exame atento para que as marcas se distingam.
Na apreciação das semelhanças existentes entre duas ou mais firmas, com vista a poder concluir-se pela confusão ou indução em erro, há que atender aos elementos preponderantes ou significantes, nominativos, figurativos ou emblemáticos, que integram o conjunto da sua composição, ou seja, aqueles elementos que, usualmente, o público mais conserva na memória, quer pela abreviatura ou expressão os tornar mais acessíveis a ser retidos, quer por, mais facilmente, serem pronunciados ou reproduzidos, desde que, só por si, sejam bastantes».
No caso dos autos, estamos perante duas marcas que, em termos figurativos, são absolutamente iguais, não podendo de, por isso, causar confusão no consumidor médio.
Está em causa apenas uma designação Belcanto.
A questão dúbia, está no facto de uma delas, a do recorrente se destinar a serviços de restaurante e a do recorrido a produtos, vinhos.
É um facto incontroverso que nos Restaurantes se consome vinho. E não raro, existem marcas de vinho associadas a restaurantes.
Acerca desta temática, sufraga-se o referido nos Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 5-03-2009, Proc. nº 11129/2008-6, Relator Eduado Sapateiro, publicado no ITIJ e no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa e secção (6.ª), com o número 6032/07, que foi relatado pela Juíza – Desembargadora Graça Araújo e que aquele também subscreveu como adjunto, onde se refere, “Para Carlos Olavo (obra citada, página. 59), “a afinidade entre produtos ou serviços afere-se em face do próprio objecto do direito à marca, que é o de distinguir a respectiva origem.
Para que haja possibilidades de confusão sobre a origem dos produtos ou serviços, há que ter em atenção diversos factores, nomeadamente a natureza e o tipo de necessidades que os produtos ou serviços visam satisfazer e os circuitos de distribuição desses produtos ou serviços.
Desta sorte, a doutrina tem considerado que o público atribuirá a mesma origem a produtos ou serviços de natureza ou utilidade próxima e que sejam habitualmente distribuídos através dos mesmos circuitos.”
“Assim, um reduzido grau de semelhança entre os produtos ou serviços pode ser compensado por uma maior semelhança dos sinais e vice-versa. A interdependência entre estes factores encontra efectivamente expressão no décimo considerando da directiva” (o autor refere-se à Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21.12.88) “segundo o qual é indispensável interpretar o conceito de semelhança em relação com o risco de confusão cuja apreciação, por seu turno, depende nomeadamente do conhecimento da marca no mercado e do grau de semelhança entre a marca e o sinal e entre os produtos ou serviços designados” – Américo da Silva Carvalho, Direito de Marcas, Coimbra Editora, Coimbra, 2004:49.
Américo da Silva Carvalho, Direito de Marcas, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, páginas 31 e segs, defende que a única posição consentânea com a função distintiva da marca assinalada no artigo 222.º do Código de Propriedade Industrial é a que considera que devem ser considerados semelhantes para efeitos de recusa do registo da marca posterior os produtos ou serviços cuja origem/empresa o público possa atribuir à titular da marca anterior (página 67). E acrescenta: “(…)a finalidade ou utilidade ou destino dos produtos ou serviços devem ser retidos não como um critério determinante para se considerar um produto ou serviço como semelhante ou dissemelhante, mas como um meio que nos ajudará a afirmar se os produtos ou serviços são semelhantes ou dissemelhantes. Com efeito, os factores que devem ser retidos para apreciar se os produtos são ou não semelhantes, como diz Mathély, são por uma parte a natureza e o destino do objecto e doutra parte as modalidades de utilização, os locais de fabrico, de venda e os circuitos comerciais” (fim de citação do Acórdão).
Entendemos que, no caso em apreço, a presença dos produtos e serviços sob cotejo em classes distintas da Classificação de Nice (classe 43 e classe 33) nada obsta a que estes sejam considerados afins.
Em primeiro lugar, a al. b) do n.º 2 do artigo 245.º do CPI clarifica que produtos e serviços que não estejam inseridos na mesma classe da Classificação de Nice podem ser considerados afins.
Como bem referem ANDRÉ ROBALO, CARLA ALBUQUERQUE, INÊS VIEIRA LOPES, JOÃO MARCELINO, MARIA JOÃO RAMOS, MIGUEL GUSMÃO, TELMO VILELA, Coord. Geral de ANTÓNIO CAMPINOS e Coord. Científica de LUÍS COUTO GONÇAVES in Código da Propriedade Industrial Anotado, 2010, Almedina, pág. 478, a Classificação de Nice “constitui essencialmente um auxiliar administrativo, nomeadamente para efeitos de realização de pesquisas de anterioridade e de cálculo do pagamento de taxas”, e “não assume caráter decisivo” “no que tange à ponderação da afinidade entre produtos e/ou serviços”.
Em segundo lugar, a jurisprudência e a doutrina admitem também de forma expressa que nada impede que se considerem serviços como afins de produtos, e vice-versa, de que são exemplo, além do já exposto:
i. O Acórdão o Supremo Tribunal de Justiça, de 30 de Outubro de 2003 (Rel. OLIVEIRA BARROS), no processo 03B23319, onde se lê o seguinte:
“II - O risco de confusão prevenido no artº. 189º, nº. 1, al. m), CPI pode ocorrer não apenas no campo dos produtos ou no domínio dos serviços, mas também entre produtos, por um lado, e serviços, por outro, devendo, nomeadamente, ter-se em atenção os seus modos de utilização.
III - A semelhança ou falta de semelhança dos produtos ou serviços deve ser apreciada em concreto, do ponto de vista das representações que se possam gerar na mente do consumidor.”.
ii. A sentença de 31 de Janeiro de 2011 do 3.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, proferida no Processo de registo de Marca Internacional n.º 82777410, concluindo pela afinidade manifesta entre produtos da classe 1611 (livros e outros produtos impressos relacionados com serviços bancários e financeiros) e serviços de publicidade da classe 35.
Na doutrina, pode ler-se LUÍS COUTO GONÇALVES, in Manual de Direito Industrial, 2015, Almedina, pág. 242, nota de rodapé 609 e PEDRO SOUSA E SILVA, afirmando “parece-me claro que nada impede que se considere um serviço como afim de um produto”, in “Direito Industrial, Noções Fundamentais”, Coimbra Editora, 1.ª Ed., 2011, pág. 170.
No caso em apreço, é um facto público e notório, que a comercialização de vinhos é parte integrante e absolutamente essencial, da prestação de serviços de bar e de serviços de cafés-restaurantes em Portugal.
As regras da experiência confirmam, pois, que a actividade de bares e restaurantes não existe, em regra, sem a comercialização de vinhos aos seus Clientes.
É também do conhecimento público e facto notório que na realidade do mercado os grupos de empresas que exploram restaurantes desenvolvem comummente actividades conexas aos serviços de restauração incluindo, designadamente, a venda de bebidas alcoólicas que podem usar ou não marca idêntica àquela que assinala os serviços de restauração.
Veja-se, a título meramente exemplificativo, o conhecido restaurante lisboeta “O Talho” (Chef Kiko), e correspondente vinho com o mesmo nome “O Talho”.
É também conhecimento público e notório que na realidade do mercado muitas empresas produtoras de vinhos exploram estabelecimentos onde são prestados serviços de bar e restaurante, e comercializados vinhos – veja-se a título meramente exemplificativo, e por todo o país, os seguintes:
i. “By the Wine José Maria da Fonseca” – Loja/Winebar (Lisboa) - http://www.jmf.pt/index.php?id=375;
ii. “Restaurante Esporão” – Herdade do Esporão (Reguengos de Monsaraz) -https://www.esporao.com/pt-pt/
iii. “Mesa de Lemos” – restaurante da Quinta de Lemos (Viseu) –
http://www.celsodelemos.com/7611-2/?lang=pt-pt
iv. Restaurante “Malhadinha-Wine & Gourmet” (Beja) –
https://www.malhadinhanova.pt/pt/hotel/restaurante/
v. Restaurante “Barão Fladgate nas Caves Taylor’s” (Porto) –
http://www.baraofladgate.com/
vi. “Caves Calém” (Porto)
https://www.winetourismportugal.com/pt/catalogo/adegasvinhas/caves-calem/
Cf. https://pt-pt.facebook.com/OTalhoChefKiko/ e
https://ptpt.facebook.com/OTalhoChefKiko/photos/a.311300865664143.1073741829.29633183497578/929875577 139999/?type=3
vii. “Vinum at Graham’s” (Porto) - http://www.vinumatgrahams.com/
viii. “Quinta do Gradil” (Cadaval) - http://www.quintadogradil.wine/vinhos
ix. “Quinta do Quetzal” (Vidigueira) - https://quintadoquetzal.com/
x. “Quinta de Cabriz (Currelos) - http://cabriz.pt/gastronomia
Tendo presentes os exemplos referidos, um consumidor normal não se surpreenderá que um prestador de serviços de restauração BELCANTO coloque no mercado um vinho com a mesma marca BELCANTO. É até bastante possível a associação.
Comunga-se assim do entendimento de que os produtos e serviços sob cotejo são manifestamente afins, não só porque são complementares entre si, existindo uma conexão estreita e essencial entre eles, mas também porque comungam dos mesmos canais de distribuição, e dirigem-se ao mesmo público consumidor.
Também na decisão T-213/09, de 15 de Fevereiro de 2011, o Tribunal de Justiça da União Europeia afirma que “os serviços de restauração utilizam necessariamente os produtos relevantes das classes 30, 32 e 33. O produtos e serviços em causa devem assim ser considerados como complementares à luz da jurisprudência acima citada (…)” [  cf. parágrafo 46 da decisão, disponível para consulta in http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf;jsessionid=9ea7d2dc30dd510fe01ba4124a8 8b3d1f2dbe8a9a032.e34KaxiLc3qMb40Rch0SaxyNb390?text=&docid=84519&pageIndex=0&docla ng=FR&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=392374.
PEDRO SOUSA E SILVA, por sua vez, afirma sem margem para segundas interpretações, o seguinte:
 “(…) parece-me claro que nada impede que se considere um serviço como afim de um produto: por exemplo, os serviços de restauração têm grande proximidade (afinidade) com produtos alimentares e com bebidas alcoólicas” (SILVA, PEDRO SOUSA E, “Direito Industrial, Noções Fundamentais”, Coimbra Editora, 1.ª Ed., 2011, pág. 170).
Donde se impõe concluir que a marca da Recorrida se destina a assinalar produtos afins àqueles que são assinalados pela marca da Recorrente, e que se deve ter por verificada a condição prevista na al. b) do n.º 1 do artigo 245.º do CPI e, com ela, a imitação da marca da Recorrente.
Na verdade, estando provado que a marca BELCANTO da Recorrente é prioritária em relação à marca BELCANTO da Recorrida, e sendo os sinais sob cotejo absolutamente idênticos, é inevitável que consumidores, em erro, quando confrontados com os produtos da Recorrida, considerem que os mesmos estão a ser prestados pela Recorrente, por uma empresa licenciada pela Recorrente, ou por alguém que com esta mantenha uma relação de parceria.
*
B)- DO PRESTÍGIO DA MARCA NACIONAL N.º 455669 BELCANTO DA RECORRENTE
Defende a recorrente que alegou o prestigio da marca e não apenas a sua notoriedade, razão porque também nesta parte discorda da sentença objecto de recurso.
Na apreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto, tecemos já considerações sobre a interpretação do alegado pela parte, entendendo-se que, então a recorrente alegou a notoriedade da marca a nível nacional.
Mas, em simultâneo, juntou documentação, que deu azo à introdução de novos factos e que permitem interpretar a matéria de facto, no seu conjunto, como reportando-se ao prestigio da marca da Recorrente.
Na verdade, é bom recordar que o juiz não está sujeito às alegações das partes podendo interpretar e qualificar os factos livremente, como resulta claramente do disposto no art.5º nº3, do CPC.
Donde, ainda que a parte refira num dado articulado que na sua óptica a marca é notória, o tribunal pode entender que os factos provados revelam o prestígio da mesma.
E afigura-se-nos ser esse o caso dos autos.
A propósito da “marca com renome” – ou marca notória, marca de alto renome, marca de grande prestígio …, sendo a terminologia muito variada, como assinala Ribeiro de Almeida, In Denominação de Origem e Marca, STVDIA IVRIDICA, Boletim da Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1999, p. 27, nota – e justificando o afastamento do princípio da especialidade (cfr. o art. 242º do CPI), alude-se ao “enfraquecimento do carácter distintivo e do poder atractivo da marca com renome quando esta é aplicada a outros produtos. Este emprego poderá diminuir o valor da marca, tornando-a vulgar ou banal. É a chamada teoria da Diluition ou Verwasserung (diluição ou enfraquecimento com a consequente debilitação da marca, perca da sua celebridade e força distintiva)” Obr. cit., p. 284.
No caso, é indiscutível que estamos perante uma denominação de prestígio, como evidenciam os factos provados, tendo em conta a relevância da marca não só a nível nacional, como internacional, prestigio reconhecido ao longo dos anos.
No caso, a absoluta igualdade de designação da marca, visa aproveitamento por parte da recorrida e banalização da marca da recorrente, com evidente prejuízo desta última.
A exposição mediática e publicidade associada aos serviços assinalados pela marca da Recorrente são fatores que, aliados à qualidade desses serviços e à presença contínua e duradoura no mercado, determinam que a marca BELCANTO da Recorrente goze de excepcional notoriedade e atracção e satisfação junto dos consumidores, devendo ser qualificado como marca de prestígio.
A coexistência no mercado dos produtos assinalados pela marca BELCANTO da Recorrida com os serviços marcados pela marca BELCANTO da Recorrente tem a potencialidade de permitir que a Recorrida obtenha um benefício ilegítimo do prestígio e carácter distintivo da marca da Recorrente, sendo que isso mesmo decorre da forma como a Recorrida configurou o seu pedido de registo, “colando-o” parasitariamente à marca da Recorrente.
O que a Recorrida pretende com seu pedido de registo é que os seus produtos sejam associados ao restaurante e marca BELCANTO da Recorrente, porque o uso da marca permite que os consumidores venham a procurar os produtos da Recorrida na errónea convicção de que existe uma parceria com ou licença da Recorrente. Nessa medida, a marca sub iudice permite o aproveitamento indevido do carácter distintivo e reputação da marca da Recorrente, com diluição da sua capacidade distintiva, devendo também ao abrigo do artigo 242.º do CPI o pedido de registo da marca nacional n.º 561896 ser recusado.
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C. A MARCA BELCANTO DA RECORRIDA É APTA PARA A PRÁTICA DE ATOS DE CONCORRÊNCIA DESLEAL – ARTIGO 239.º, N.º 1, 2) E 317.º DO CPI
Por fim, considerou o Mmo. Tribunal a quo que não foram alegados factos suscetíveis de consubstanciar concorrência desleal.
Especificamente com relevância para a apreciação deste ponto, foi considerado como provado nos presentes autos o seguinte:
i. “A Recorrente é titular do registo de marca nacional (verbal) n.º 455669 BELCANTO, solicitado em 12.10.2009 e concedida em 31.12.2009 para assinalar na classe 43 da Classificação de Nice “Bar (serviços de-); cafés-restaurantes”;
ii. “Em 14.03.2016, a Recorrida solicitou ao INPI o registo de marca nacional n.º 561896 BELCANTO [verbal] para assinalar “Vinhos” na classe 33 da Classificação de Nice”.
iii. “A marca n.º 455669 BELCANTO da Recorrente é usada pela sociedade Grupo José Avillez, Lda., em conjunto e mediante autorização da Recorrente, para a exploração do restaurante BELCANTO, aberto originariamente em 1958 no Chiado e reaberto totalmente renovado sob a direcção do Chef José Avillez.”;
iv. “Em 2012, o dito restaurante foi distinguido com uma estrela do Guia Michelin, tendo em 2013 sido distinguido com uma segunda estrela do mencionado Guia, distinção que se repetiu em 2015 e 2016, cf. docs 7, 8, 9 e 10 juntos a fls 25-28v, 33-39v e 65-81, que aqui se dão por reproduzidos”;
v. “A listagem de restaurantes do mundo “The World’s 50 Best Restaurants” lista o restaurante BELCANTO, desde 2015, como um dos cem melhores restaurantes do mundo, sendo o único restaurante Português incluído na dita lista, cf. docs. 13 e 14 juntos a fls. 62-
De acordo com o disposto no artigo 239.º, n.º 1, e) do CPI, constitui fundamento de recusa do registo de marca o reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal ou de que esta é possível independentemente da sua intenção.
Nos termos do artigo 317.º, n.º 1 do CPI constitui concorrência desleal todo o ato de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica.
A qualificação de determinada conduta como ato de concorrência desleal depende da verificação de dois requisitos: (i) a existência de um ato de concorrência (ii) contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica.
No presente caso, estão ambos verificados.
Com efeito, o registo de marca requerido pela Recorrida tem por finalidade óbvia a colocação no mercado dos produtos assinalados por essa marca: vinhos.
Na verdade, não se concebe a situação de que tal registo tenha sido efetuado sem qualquer intenção da Recorrida de usar, por si ou através de terceiros, o sinal registando para a comercialização de vinhos, desde logo porque a validade do direito é dependente do uso da marca, e também porque esta foi pedida para um único produto: vinhos.
Como vimos acima, o consumidor dos produtos assinalados pela marca da Recorrida coincide, pelo menos em parte, com o consumidor dos serviços assinalados pela marca da Recorrente.
Tal significa que existe, uma relação concorrencial entre os mesmos.
Significa ainda que a Recorrida tem a capacidade de influir na posição de mercado da Recorrente.
Nas palavras de LUÍS COUTO GONÇALVES, “No plano merceológico, pode haver um acto de concorrência não só no caso de se procurar satisfazer as mesmas necessidades do público consumidor, mas também quando as necessidades, apesar de diferentes, se possam inserir no mesmo sector de mercado, dirigindo-se ao mesmo tipo de clientela.” In LUÍS COUTO GONÇALVES, “Manual de Direito Industrial – Propriedade Industrial e Concorrência Desleal, 2015, 6.ª Edição Revista e Actualizada, Almedina, p. 377)
Encontra-se, pois, preenchido o primeiro requisito do conceito legal de concorrência desleal: a existência de um ato de concorrência.
No que respeita ao segundo requisito necessário para a verificação de concorrência desleal, o mercado de livre concorrência determina que os concorrentes deverão procurar obter a diferenciação positiva da sua oferta, desse modo permitindo que as escolhas dos consumidores quanto à aquisição de determinado produto seja feita de forma informada quanto à origem comercial e as características do produto.
Isto porque, “Não obstante vivermos numa economia de mercado aberta, em que a livre concorrência é considerada salutar ao desenvolvimento e progresso económico e social, as condutas dos agentes económicos, que visam a captação de clientela, devem ser objecto de regulamentação.
Com efeito, as escolhas dos consumidores devem ocorrer livremente sem terem por base artifícios desleais construídos por quem oferece produtos e presta serviços.”  [ ANDRÉ ROBALO, CARLA ALBUQUERQUE, INÊS VIEIRA LOPES, JOÃO MARCELINO, MARIA JOÃO RAMOS, MIGUEL GUSMÃO, TELMO VILELA in Código da Propriedade Industrial Anotado, Coord. Geral de António Campinos e Coord. Científica de Luís Couto Gonçaves, 2010, Almedina, pág. 550 ].
Afigura-se que o uso do sinal BELCANTO pela Recorrida constitui(rá) um artifício desleal apto a impedir que o consumidor faça uma escolha totalmente livre.
Mas, mais do que isso, constitui prova bastante de um ato efetuado intencionalmente pela Recorrida, com o fim de beneficiar do crédito e reputação da marca BELCANTO da Recorrente.
Assim, o pedido de registo sub iudice é, claramente, uma tentativa por parte da Recorrida de se aproveitar do bom nome associado à marca da Recorrente, e de levar os consumidores em Portugal a acreditar que os vinhos disponibilizados pela Recorrida provêm ou estão, de algum modo, associados à Recorrente, ao restaurante Belcanto e/ou ao Chef José Avillez.
As circunstâncias supra descritas determinam que o pedido de registo da marca nacional n.º 561896 seja qualificado como um ato susceptível de criar confusão com a empresa e os serviços da Recorrente nos termos do disposto no artigo 317.º, n.º 1, a) do CPI, e como um ato de aproveitamento nos termos do disposto no artigo 317.º, n.º 1, c) do CPI.
Em sentido próximo, cfr. Ac. da RL de 9/12/2014, Proc.nº 274/12.7YHLSBL1-1, Relatora Isabel Fonseca neste contexto, pode até questionar-se se não estaremos perante hipótese que a doutrina vem caracterizando como de concorrência parasitária (concorrência ilícita) (cfr.Ribeiro de Almeida, obr. cit. p. 286-287).
“Os comportamentos parasitários devem ser reprovados.
Fala-se de«concorrência parasitária».
Estaríamos em face de um comportamento parasitário quando uma empresa procura tirar partido, sem despesas, do renome de uma marca de outrem, violando, assim, as regras do «fair play». Para além de concorrência parasitária fala-se também de concorrência ilícita” Sobre o “critério definidor do parasitismo” vide Oliveira Ascensão, In Concorrência Desleal, Almedina, 2002, Coimbra, p. 446-447.
Em face dos fundamentos expostos, impõe-se revogar a sentença objecto de recurso, e, na procedência da Apelação, decide-se determinar a recusa do registo da marca nacional nº 561896 BELCANTO.
*
DECISÃO:
Nos termos vistos, Acordam os Juízes da 8ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente a Apelação, revogando a sentença recorrida quer na decisão de facto, nos termos acima expostos, quer recusando o registo da marca nacional nº 561896 BELCANTO.
Custas a cargo da Apelada.
Remeta ao INPI para publicação.
(Esta decisão foi elaborado pela Relatora e por ela integralmente revista)

Lisboa, 23 de Maio de 2019

Maria Amélia Ameixoeira
Rui Moura
Mário Silva