Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JOÃO ABRUNHOSA | ||
Descritores: | CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE LEGITIMIDADE OFENDIDA INCAPAZ SUJEITA A INTERDIÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/28/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário: | I–Considerando-se as regras de interpretação da lei, não se possa contornar a letra dessa norma, que expressamente estabelece que, no caso de a ofendida ser incapaz, como é o caso, só pode constituir-se assistente o seu representante legal. II–Não estando em causa a legitimidade substancial da Recorrente, tendo sido declarada incapaz como ofendida, mas tão-só o poder de se constituir assistente por si mesma nos termos do artigo 68º nº 1 do CPP. Nem todos os ofendidos, ainda que tenham legitimidade substancial para se constituir assistentes, o podem fazer por si mesmos, como resulta da norma supra. III–Por isso, estando o requerimento, redigido, nele constando só o nome da ofendida/ incapaz, este, não está em condições de produzir o efeito pretendido, sendo certo que a procuração foi passada a mandatário pelo seu tutor legal.No entanto, essa redacção resultará de erro da Exm.ª Mandatária, pelo qual não deve ser prejudicada a ofendida. Esse erro conclui-se, quer do teor da procuração que foi outorgada à Exm.ª Mandatária pelo tutor legal, quer do contexto processual em que foi requerida a constituição da ofendida como assistente. IV–Perante este quadro deve ser dada oportunidade para rectificação do requerimento, pois a rejeição do requerimento para constituição como assistente, feito naqueles termos e contexto processual, sem que seja formulado um convite prévio ao seu aperfeiçoamento, seria uma consequência desproporcional, que poria em causa o direito constitucional a uma tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art.º 20º/1 da Constituição da República Portuguesa | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: No Juízo Local Criminal de Lisboa, por despacho de 02/04/2021, constante de fls. 10v.º, a AA, com os restantes sinais dos autos, foi recusada a intervenção como assistente, nos seguintes termos: “… Veio, nos presentes autos, AA requerer a sua constituição como assistente. O Ministério Público declarou nada ter a opor à referida constituição. Por seu turno, a arguida opôs-se, alegando em suma que a requerente carece de legitimidade para o efeito por ser incapaz. Cumpre apreciar e decidir. De acordo com o artigo 68.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, podem constituir-se assistentes no processo penal, além das pessoas e entidades a quem leis especiais conferirem esse direito, os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maiores de 16 anos. Por seu turno, a alínea d), do sobredito preceito, estabelece que, no caso de o ofendido ser menor de 16 anos ou por outro motivo incapaz, a legitimidade para se constituir como assistente pertence ao seu representante legal. A representação do ofendido incapaz “por outro motivo” rege-se pelo disposto na lei civil e processual civil, sendo aplicável o disposto nos artigos 143.º, n.º 1, do Código Civil, e 16.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que estabelecem que os maiores acompanhados sujeitos a representação só podem estar em juízo por intermédio dos seus representantes, sendo estes designados judicialmente. Revertendo para o caso dos autos, verifica-se que a requerente foi declarada incapaz (ainda ao abrigo da legislação anterior) e, consequentemente, sujeita a interdição, por sentença transitada em julgado em 14-09-2009, no âmbito do processo n.º 437/07.4TVLSB, da 2.ª Vara dos Juízos Cíveis. Mais se constata que, atualmente, é seu tutor BB. Conclui-se, assim, que a requerente AA carece de legitimidade para requerer a sua constituição como assistente, por tal pertencer ao seu representante legal, BB. Por todo o exposto, não admito a sua intervenção nos autos como assistente. …”. ***** Não se conformando, AA interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 13/20, com as seguintes conclusões: “… a)- Ofendido para efeitos de legitimidade quer do direito de queixa quer da faculdade de se constituir assistente é aquele que for titular de um interesse legítimo, tutelado pela lei; b)- Pelas condutas da arguida, a ora Recorrente foi a principal e a especialmente lesada, pois foi ela que ficou sem 71.410,15 € (setenta e um mil, quatrocentos e dez euros e quinze cêntimos) que legitimamente lhe pertenciam; c)- Veio a Recorrente apresentar nos autos, em 15-01-2021, requerimento para constituição de assistente; d)- Não tendo o mesmo sido admitido, porquanto, segundo a Arguida e o Tribunal a quo, consideraram que “(…) a Requerente AAcarece de legitimidade requerer a sua constituição como assistente, por tal pertencer ao seu representante legal, BB.”; e)- Pelo que vem a Recorrente interpor o presente recurso do Despacho proferido em 12-04-2021; f)- A legitimidade está consagrada no art.30.º CPC, que dita que “O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer.”; g)- Pois a legitimidade afere-se pela suscetibilidade de ser titular, de ser parte numa relação jurídica, sendo, portanto, uma qualidade do sujeito; h)- Enquanto que a capacidade jurídica está contemplada no art.67.º CC; i)-E nem todos os sujeitos têm plena capacidade dos seus direitos; j)- Situação que se aplica aos menores, interditos, inabilitados e agora aos Maiores Acompanhados; k)-Porquanto a regra geral no nosso Ordenamento Jurídico é reconhecer a capacidade da pessoa humana para exercer livre e pessoalmente os seus direitos, tal como dispõe o art.147.º, n.º2 do CC; l)- Podendo, em certas circunstâncias, existir capacidade de gozo de certos direitos, sem haver capacidade para os exercer, nomeadamente no caso de menores, interditos e inabilitados; m)-Porquanto a ora Recorrente tem legitimidade, contrariamente ao que a Arguida defende e o Tribunal a quo entendeu; n)-E tem, ainda, capacidade de gozo, pois tem aptidão para ser titular de direitos e obrigações; o)- No entanto, não tem capacidade de exercício, a qual se traduz na suscetibilidade de exercer, pessoal e livremente, os seus direitos; p)- Não estando na plenitude da sua capacidade, o que significa que, para certos atos, necessita de representação; q)-Pois não tem idoneidade para atuar pessoal e autonomamente; r)-Tal sucede com os incapazes, inabilitados e Maiores Acompanhados, que não deixam de ser titulares de direitos e obrigações mas que carecem de capacidade para exercer os seus direitos; s)- Acontece que, salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo foi induzido em erro pela Arguida que confunde legitimidade com capacidade jurídica; t)- Pois a Recorrente não carece de legitimidade; u)-Carece de capacidade e tal incapacidade é suprida mediante representação legal; v)-O representante legal da ora Recorrente constituiu mandatária, a ora signatária, como também consta dos autos, para dar suporte jurídico à Maior Acompanhada; w)-Motivo pelo qual o requerimento apresentado teria de ser sempre apresentado em nome da Maior Acompanhada, que é efetivamente parte no processo e possui legitimidade para o efeito; x)- E não poderia o requerimento para constituição de assistente ser apresentado pelo seu representante legal, porquanto a lesada e ofendida nos autos é, de facto, a ora Recorrente e não o seu representante legal; y)-Porquanto a parte legítima para requerer a constituição de assistente nos presentes autos é a ora Recorrente por aquela ser a ofendida; z)-Assim, por via da conduta da arguida foi a Recorrente a principal lesada e tem um interesse especial na realização da justiça porque sofreu uma lesão no seu património em consequência da conduta criminosa; aa)-É que o dinheiro que a arguida se locupletou era da Recorrente! bb)-Por isso, dizer-se que, mesmo assim, a Recorrente não tem legitimidade para se constituir assistente nestes autos é negar-se-lhe o direito ao acesso aos Tribunais e à Justiça, constitucionalmente consagrado; Nestes termos e mais de direito aplicáveis e sempre com o douto suprimento de V. Exas. deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência ser o Despacho recorrido revogado e substituído por outro que admita a Recorrente a intervir nos presentes autos como assistente, fazendo assim V. Exas., Venerandos Desembargadores, a Costumada JUSTIÇA! …”. ***** Respondeu a Exm.ª Magistrada do MP[1], a fls. 22/27, concluindo nos seguintes termos: “… 1º)– O tribunal “a quo” por despacho de fls.582 e 583, datado de 12/04/2021, indeferiu o pedido de constituição como assistente da ofendida AA, por entender que a mesma carece de legitimidade, por tal direito pertencer ao seu representante legal, BB. 2º)–A recorrente não se conformando do despacho proferida, intentou recurso invocando em síntese que é a principal lesada e ofendida com o comportamento da arguida, sendo a titular de interesse legítimo na constituição da assistente; perfilha o entendimento de que o Tribunal “a quo” confundiu legitimidade com capacidade judiciária, sendo certo que o seu representante legalmente constituiu mandatária, pelo que discorda do indeferimento da constituição como assistente uma vez que viola o seu direito de acesso aos tribunais e à justiça. 3º)–Para apreciação do recurso importa ter em consideração as seguintes ocorrências processuais: a)- Em 27/11/2015 AA legalmente representada pelo Tutor BB, apresentou queixa no DIAP contra a arguida CC, pelo indiciado crime de abuso de confiança, conforme resulta de fls.2 a 122, 1º volume; b)- A factualidade indiciada é de que a arguida, supostamente, terá movimentado os saldos de contas bancárias de AA no BES, CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL e na CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, em proveito próprio, uma que foi sua tutora -cfr.fls.6. c)-A Recorrente encontra-se interditada desde 14/09/2009, mediante sentença proferida no âmbito do processo n.º 437/07.4TVLSB, sendo o seu Tutor BB e Protutor DD, conforme resulta de fls.14 a 26, 1º volume; d)-A Recorrente, atualmente Maior Acompanhada, necessitou, desde essa altura, do apoio de terceiros para reger a sua vida e os seus bens; e)- Em 25/05/2020 a ofendida, por requerimento subscrito por mandatária requereu a constituição de Assistente e formulou o propósito de deduzir pedido de indemnização cível-cfr.fls.482 a 487. f)-O requerimento de constituição de Assistente é apresentado em nome da ofendida e mostra-se instruído com PROCURAÇÃO e pedido de apoio judiciário, a constituir mandatário a advogada Dra. …………….., documento que foi assinado pelo Tutor BB, em representação da ofendida AA -cfr.fls.487. g)-Em 16/06/2020 o protutor DD requereu a sua constituição como assistente-cfr.fls.500 a 502, 516 a 519. h)-Em 19/06/2020 AA deduziu pedido de indemnização cível-cfr.fls.505 a 515. i)- Em 16/10/2020 o Instituto de Segurança Social, IP informou os autos que a ofendida não beneficia de apoio judiciário por força dos rendimentos, sendo que o pedido estava em fase de audição prévia - cfr.fls.538/539. j)-10.Nos autos não consta qualquer documento a comprovar o pagamento da taxa de justiça correspondente à constituição como assistente, nem que AA beneficie de Apoio Judiciário na modalidade de isenção, total ou parcial, de pagamento de encargos e custas. 4º).– semelhança da recorrente, o Ministério Público consigna que discorda do despacho recorrido, pois entende que em face do enquadramento factual efectuado supra, a aqui denunciante, representada pelo tutor, claramente pode ser considerada aqui como “ofendido”, pois é titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com o crime de abuso de confiança, que constitui objecto imediato do crime, pelo que assume a qualidade de ofendido (art.º 68.°/1, al. a) e d) do CPP e art.º113.º/1 e 4 do CP). 5º)– os presentes autos discute-se o facto da arguida, à data dos factos indiciados, tutora da ofendida declarada interdita, ter movimentado valores monetários depositados em conta pertencente à mesma que fez seus, está indiciada pela prática do crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205.º do CP, inserido nos crimes contra a propriedade. 6.º)–Este tipo de crime consiste na apropriação ilegítima de coisa móvel alheia que o agente detém ou possui em nome alheio e na conformação do bem jurídico tutelado pelo referido crime deve-se ter ainda em consideração a relação de confiança existente entre o agente e o proprietário da coisa ou entre o agente e a própria coisa, e que o agente viola com o crime. 7.º)–No caso vertente, a Recorrente é a pessoa proprietária das quantias bancárias movimentadas pela arguida, sua tutora, pelo que deduziu queixa crime contra a mesmo, sendo que é a titular de um interesse que especificamente a norma procurou proteger. 8.º)–Todavia, afigura-se-nos que o Tribunal “a quo” fez uma interpretação restritiva e formalista do previsto no art.º 68.º/ 1 al. d) do CPP, uma vez que, perfilhou o entendimento de que a ofendida – interditada- carece de legitimidade para se constituir assistente. 9.º)–O pomo de discórdia no presente recurso é o facto do Tribunal “a quo” entender que o requerimento de constituição de assistente não é efectuado em nome do seu tutor, representante legal da ofendida, uma vez que apenas menciona como requerente a ofendida. 10ª)–De excepcional apenas existe a sua situação de a ofendida estar interditada pelo que quanto à sua constituição como assistente nos remete para o previsto no art.º 68.º/1, al. d) do CPP que dispõe:1 - Podem constituir-se assistentes no processo penal, além das pessoas e entidades a quem leis especiais conferirem esse direito: a) Os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maiores de 16 anos; (…) d) No caso de o ofendido ser menor de 16 anos ou por outro motivo incapaz, o representante legal e, na sua falta, as pessoas indicadas na alínea anterior, segundo a ordem aí referida, ou, na ausência dos demais, a entidade ou instituição com responsabilidades de protecção, tutelares ou educativas, quando o mesmo tenha sido judicialmente confiado à sua responsabilidade ou guarda, salvo se alguma delas houver auxiliado ou comparticipado no crime; 11.º)–Sucede que, apesar do requerimento estar só em nome da ofendida, certo é que no mesmo é feita a junção aos autos de uma procuração que o tutor emitiu nessa qualidade, que assinou como representante legal de AA, mandatando a advogada nela identificada com poderes forenses gerais, pelo que a denunciante/ofendida se encontra regularmente representada. 12.º)–Assim, face ao requerimento da ofendida, tendo em conta as especiais circunstâncias do caso concreto, o Ministério Público entende que ao abrigo dos poderes de gestão processual e de adequação formal (arts.º 6.º e 547.º do CPC. ex vi art.º 4º do CPP) cabia ao Tribunal “a quo” ordenar a rectificação do requerimento e em consequência admitir a requerida constituição de assistente. 13.º).–Em face do exposto, deve o recurso interposto ser declarado procedente por provado, alterando o despacho recorrido, substituindo por outro que admita a constituição da ofendida como Assistente, mediante o pagamento de taxa de justiça correspondente. Nestes termos, julgamos que o presente recurso merece provimento devendo o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que admita o requerimento da ofendida, constituindo-a como assistente nos termos do previsto no art.º 68.º/1 al. d) do CPP.. …”. *** Ao recurso respondeu também a Arg. DD, a fls. 28/30, nos seguintes termos: “... 1ª- Nos termos do art.º 68º, n.º 1, al. d) do Cód. Proc. Penal, podem constituir-se assistentes no processo penal «no caso de o ofendido ser (...) incapaz, o representante legal (...)». 2ª- Ou seja, caso o ofendido seja incapaz, quem intervém no processo é o seu representante legal e não a pessoa do incapaz, devendo ser o seu representante legal a constitui-se como assistente no processo. 3ª- No caso concreto, o tutor de AA é BB, pelo que, tendo o requerimento para constituição de assistente siso apresentado por AA, o mesmo teria, como foi, de ser indeferido por a mesma carecer de legitimidade para o efeito. 4ª- Sendo que, o princípio da adequação formal, previsto no art.º 547º do Cód. Proc. Civil, não pode servir para colmatar omissões da parte, nomeadamente, para atribuir legitimidade a quem a lei não a atribui. ...”. ***** Neste tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer de fls. 39, com o seguinte teor: “... O recurso doutamente interposto pela Exma. Advogada da recorrente AA (fls. 13/20) está em tempo e nada obsta ao conhecimento do objecto do recurso e cremos que com fundamento jurídico-legal bastante na pretensão em ver revogada a não obstante douta decisão judicial ora aqui sindicada. Não se concordando portanto com a posição não obstante doutamente assumida pela Exma. Advogada da Arguida (fls. 28/29v.) aderimos à douta e competente peça de resposta ao recurso apresentada pela Exma. Procuradora da República (fls. 22/27v.), quer no que aos seus considerandos respeita quer quanto à respectiva conclusão. Com efeito também achamos que sendo claro, designadamente pela outorga da procuração, que é intenção do legal representante da ofendida, o tutor dela, BB em constituir-se como assistente no processo, pensamos que um critério eivado de razoabilidade deve prevalecer, permitindo no caso que seja efectuada a devida rectificação e consequentemente permitir o exercício do direito pretendido, tudo aliás ao abrigo das normas dos artigos 6.º e 547º. do C.P.C. e artigo 4.º do C.P.P., concluindo-se pois que o recurso merece provimento. ...”. ***** É pacífica a jurisprudência do STJ[2] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação[3], sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso. Da leitura dessas conclusões, tendo em conta as de conhecimento oficioso, afigura-se-nos que a única questão fundamental a apreciar no presente recurso é de saber se o requerimento para intervir nos autos como assistente está em condições de ser recebido. *** Cumpre decidir. Nos termos do art.º 68º/1 do CPP[4], podem constituir-se assistentes (sublinhados nossos), “… além das pessoas e entidades a quem leis especiais conferirem esse direito: ... d) No caso de o ofendido ser menor de 16 anos ou por outro motivo incapaz, o representante legal e, na sua falta, as pessoas indicadas na alínea anterior, segundo a ordem aí referida, ou, na ausência dos demais, a entidade ou instituição com responsabilidades de protecção, tutelares ou educativas, quando o mesmo tenha sido judicialmente confiado à sua responsabilidade ou guarda, salvo se alguma delas houver auxiliado ou comparticipado no crime; …”. Não está em causa a legitimidade substancial da Recorrente como Ofendida, mas tão-só o poder de se constituir assistente por si mesma. Nem todos os Ofendidos, ainda que tenham legitimidade substancial para se constituir assistentes, o podem fazer por si mesmos, como resulta da norma que acabamos de transcrever. Não vemos como, atentas as regras de interpretação da lei[5], se possa contornar a letra dessa norma, que expressamente estabelece que, no caso de a Ofendida ser incapaz, como é o caso, só pode constituir-se assistente o seu representante legal. Por isso, o requerimento, nos termos em que está redigido, não está em condições de produzir o efeito pretendido. No entanto, essa redacção resulta de erro da Exm.ª Mandatária, pelo qual não deve ser prejudicada a Ofendida. Esse erro conclui-se, quer do teor da procuração que foi outorgada à Exm.ª Mandatária, quer do contexto processual em que foi requerida a constituição da Ofendida como assistente. Concordamos com o Exm.º Procurador-Geral Adjunto, quando defende que deve ser dada oportunidade para rectificação do requerimento, porque consideramos que a rejeição do requerimento para constituição como assistente, feito naqueles termos e contexto processual, sem que seja formulado um convite prévio ao seu aperfeiçoamento, seria uma consequência desproporcional, que poria em causa o direito constitucional a uma tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art.º 20º/1 da Constituição da República Portuguesa[6]. Por isso, ainda que por razões diferentes, é procedente o recurso. ***** Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, julgamos provido o recurso e, consequentemente, revogamos o despacho recorrido, determinando que seja substituído por outro, que convide à correcção de requerimento para constituição como assistente, decidindo-se, depois, em conformidade. Sem custas. * Notifique. D.N.. ***** Elaborado em computador e integralmente revisto pelo relator (art.º 94º/2 do CPP). ***** Lisboa, 28/10/2021 João Abrunhosa Cristina Pego Branco [1]Ministério Público. [2]Supremo Tribunal de Justiça. [3]“Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; www.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).” (com a devida vénia, reproduzimos a nota 1 do acórdão da RC de 21/01/2009, relatado por Gabriel Catarino, no proc. 45/05.4TAFIG.C2, in www.dgsi.pt). [4]Código de Processo Penal. [5]Na verdade, nos termos do art.º 9º do CC, “1 - A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. 2- Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. 3 - Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.” (sublinhados nossos). [6]Com o seguinte teor: “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.”. |