Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | JOSÉ MANUEL MONTEIRO CORREIA | ||
Descritores: | NULIDADE DA SENTENÇA DECISÃO SURPRESA PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO TAXA DE JUSTIÇA PRAZO PEREMPTÓRIO PROVA INCONSTITUCIONALIDADE TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/06/2024 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I.- Não há violação do princípio do contraditório por, nos termos do n.º 3 do art.º 3.º do CPC, não ter sido dada a oportunidade às partes de se pronunciarem sobre questão de que ao tribunal cabia conhecer quando tal audição seja manifestamente desnecessária ou quando, perante as circunstâncias do caso, às partes não seja possível invocar, agindo de boa fé, desconhecimento da questão de direito a decidir e das suas consequências. II.- O pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça e da multa nos termos do n.º 3 do art.º 14.º do RCP deve ser feito necessariamente no prazo, absolutamente perentório, previsto em tal preceito, sob pena de, tal não ocorrendo, o tribunal determinar, nos termos do n.º 4, a impossibilidade de realização de diligências de prova pela parte faltosa. III.- Uma tal interpretação não viola, quer o princípio da proporcionalidade, quer o princípio do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva, previstos, respetivamente, nos art.ºs 18.º e 20.º da CRP. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | .- Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa os Juízes Desembargadores abaixo identificados, I.- Relatório 1.- (…) apresentou em juízo requerimento de injunção, visando a notificação de (…) para que lhe fosse paga a quantia global de €149.611,01, sendo €99.658,55 de capital, €49.799,46 de juros de mora vencidos e €153,00 de taxa de justiça paga, acrescendo ao capital os juros de mora vincendos até integral pagamento. * 2.- Pessoalmente notificada, deduziu a Requerida oposição, defendendo-se por exceção - deduzindo a exceção dilatória de nulidade de todo o processo fundada em ineptidão da petição inicial e a exceção perentória de compensação pelo valor de €27.840,05 - e por impugnação, mais deduzindo, estribada na matéria de exceção, reconvenção, pedindo a condenação da Reconvinda no pagamento da referida quantia pecuniária, acrescida de juros de mora vincendos, até integral pagamento. * 3.- Distribuídos os autos, replicou a Autora batendo-se pela improcedência das exceções - dilatória e perentória - deduzidas e da reconvenção. * 4.- Foi realizada, em 15-06-2023, a audiência prévia, na qual foram proferidos os seguintes despachos, notificados na diligência a ambos os mandatários das partes, nela presentes: .- a admitir a reconvenção deduzida; .- a fixar em €177.298,06 o valor da causa; .- a julgar improcedente a exceção dilatória de nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial; .- a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova; .- a designar, com o acordo de ambos os mandatários, o dia 17 de janeiro de 2024, pelas 09h30, com eventual continuação pelas 13h30, a realização da audiência de julgamento. * 5.- Não sendo comprovado nos autos, pela Ré, o pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça devida, pela Secção foi emitida, em 30-06-2023, guia para pagamento, com a data limite de 13-07-2023, da taxa de justiça devida, no valor de €204,00, acrescida de multa de igual montante, no total, portanto, de €408,00. * 6.- A Ré não efetuou o pagamento de qualquer dos valores discriminados na guia referida em 5 até à data limite de pagamento nela mencionada. * 7.- Por requerimento de 12-01-2024, a Ré juntou aos autos DUC e comprovativo do pagamento, em 12-01-2024, da quantia pecuniária de €204,00, correspondente ao valor em singelo da taxa de justiça devida. * 8.- Foi realizada, em 05-03-2024, a audiência de julgamento, sendo que, no seu início, foi proferido o seguinte despacho: “(…) 2 – Uma vez que a Ré não procedeu ao pagamento da multa nos termos em que foi notificada em 29-06-2023, tendo apenas pago a taxa de justiça, e sendo certo que a tal estava sob pena de ver aplicado o disposto no n.º 4 do artigo 14º do Regulamento das Custas Processuais, fica a Ré impedida de produzir prova. Notifique. (…)”. * 9.- Seguidamente à prolação de tal despacho, pela Ré foi ditada para a ata a seguinte exposição: “A Ré opõe-se ao despacho agora proferido. A questão ora apreciada, a de saber se a taxa de justiça subsequente e a multa podem ser pagas até ao início da audiência de julgamento, ao abrigo do disposto no artigo 14.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais, deve ser interpretada conforme a Constituição e também conforme o Direito da União Europeia. A Constituição deve ser tida como um instrumento hermenêutico de conhecimento das normas constitucionais e, portanto, deve recorrer-se a estas normas para determinar o conteúdo intrínseco das leis. No que se refere à Constituição importa ter presente e levar a sério alguns direitos e princípios constitucionais: o princípio do Estado de direito (artigo 2.º), e o respeito e garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais, sendo um desses direitos o direito que a todos pertence a uma tutela jurisdicional efectiva nos termo do artigo 20.º, 1. O direito de acesso aos tribunais para defesa dos direitos de cada um é, entre o mais, um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder «deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas da outra parte e discretear sobre o valor e resultados de umas e outras. Dito isto, e sem mais, dir-se-á que o artigo 14.º, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais sempre deveria ser interpretado no sentido dar à parte, até ao início desta audiência de julgamento, de pagar a taxa de multa em falta com tudo o mais. Reserva a Ré o seu direito ao recurso do presente despacho, citando o entendimento do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa sob esta matéria, nomeadamente o proferido no âmbito do processo n.º 10624/19.7T8LRS-C.L1-8, proferido pelo Relator Luís Correia de Mendonça.” * 10.- Inconformada com o despacho referido em 5, dele veio a Ré/Reconvinda interpor, em 20-03-2024, o presente recurso, batendo-se pela sua revogação, formulando, para o efeito, as seguintes conclusões, que aqui se transcrevem: A.- No pretérito dia 05.03.2024, em data agendada para audiência e julgamento dos presentes autos, proferiu a Meritíssima Juiz a quo o despacho ora recorrido: “Uma vez que a Ré não procedeu ao pagamento da multa nos termos em que foi notificada em 29-06-2023, tendo apenas pago a taxa de justiça, e sendo certo que a tal estava sob pena de ver aplicado o disposto no n.º 4 do artigo 14º do Regulamento das Custas Processuais, fica a Ré impedida de produzir prova.” B.- Porém cabe clarificar o ocorrido, pois se é verdade que por mero lapso a ora Recorrente não procedeu ao pagamento da guia da qual foi notificada a 29.06.2023, também é verdade que assim que se deparou com o lapso ocorrido, a Ilustre Mandatária da então Ré, ligou de imediato para a secretaria judicial do Tribunal Recorrido. C.- Perentoriamente foi lhe transmitido que “não seria possível emitir e/ou renovar a referida guia de pagamento, pelo que deveria emitir DUC no valor de €204,00 (duzentos e quatro euros) remetendo comprovativo de pagamento aos autos.” D.- Mais lhe foi referido que “quanto ao valor de €204,00 (duzentos e quatro euros), correspondente ao montante de multa se deveria aguardar pelo despacho da Sra. Dra. Juiz.” E. Por considerar sérias e exatas as instruções da secretaria judicial quanto ao entendimento daquela secção, em 12.01.2024 por requerimento com a Ref.ª Citius n.º 47641745, juntou aos autos comprovativo de pagamento do valor de €204,00 (duzentos e quatro euros). F. Julgava assim a ora Recorrente que teria sanado o lapso verificado, até que, no próprio dia agendado para audiência de julgamento, contrariamente ao anteriormente dito, o Sr. Oficial de Justiça informou a ora Recorrente que estava em falta quanto ao pagamento da quantia de €204,00 (duzentos e quatro euros), sendo que de imediato a Recorrente solicitou a respetiva guia de pagamento, pedido que lhe foi NEGADO! G. Mais uma vez perante a Meritíssima Juiz a quo a Recorrente manifestou propósito de pagar de imediato o valor de €204,00 em falta, cujo pedido foi desconsiderado, tendo o Tribunal Recorrido, de imediato, de forma absolutista, e sem audição da Recorrente, proferido o despacho aqui sindicado. H. A Recorrente viu-se confrontada com uma decisão surpresa, que jamais poderia antecipar face ao conjunto de factos já alegados, tendo pedido palavra e ditado para a ata requerimento de oposição ao referido despacho. I. Termos em que o objeto do presente recurso consubstancia-se na interpretação do n.º 4, do artigo 14.º do RCP. J. O elemento literal da lei é expresso e claro - marca como momento útil para a demonstração do pagamento da taxa de justiça e da multa aquele em que a prova vai ser produzida, sendo certo que é na audiência final que a prova é produzida, era, pois, ademais possível, e direito da Recorrente, que a secretaria procedesse à emissão de nova guia e facultasse à Ré a possibilidade de pagar os valores em falta. K. Pois a emissão de guias para pagamento de qualquer multa, a todo o tempo, constitui um dever legal que não pode ser denegado. L. Tal não ocorreu, e após a Ré ter pago a quantia de €1224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros) de taxa de justiça, ficou absolutamente vedada de produzir todo e qualquer meio de prova, porque (pasme-se) não lhe foi conferida a possibilidade de regularizar ali mesmo, em momento anterior à audiência o pagamento da quantia de €204,00, corresponde ao valor da multa até então não paga. M. É, pois, contra a interpretação da indicada norma feita em sede do despacho recorrido que a Apelante se insurge, sendo do parecer que a mesma não se compadece com as regras que presidem à interpretação de lei. N. Em resultado da atuação do Tribunal a quo foi realizado um julgamento meramente de fachada, de faz de conta, com vista a ser proferida uma decisão à priori conhecida! O. É entendimento da Apelante que o n.º 4 do artigo 14 do Regulamento das Custas Processuais deve ser interpretado no sentido de que, até ao início da audiência final ou da realização de qualquer outra diligência probatória, ainda se pode efetuar o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da correspondente multa - definindo-se assim como momento último para a demonstração daquele pagamento precisamente aquele em que a prova irá ser produzida. P. O despacho ora recorrido ao determinar imediatamente, a impossibilidade de realizar quaisquer diligências de prova, sem conceder palavra à Recorrente e ainda a última hipótese de efetuar o pagamento da multa em falta até ao início da audiência final, violou o concreto entendimento do n.º 4 do artigo 14.º do R.C.P, desrespeitando o princípio da igualdade das partes, o princípio da proporcionalidade e o princípio do contraditório estatuídos nos artigos 3.º e 4.º do CPC. Q. Padece o despacho recorrido do vício da inconstitucionalidade, por clara violação do principio da proporcionalidade, que aqui desde já se invoca, pois não se pode exigir a uma parte que pague €1224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros) de taxa de justiça para depois, numa interpretação que se afigura incorreta, desproporcional e excessiva do preceito legal, sancioná-la drástica e irremediavelmente, como se nada tivesse pago até ao momento que a lei permite. R. A veracidade das presentes alegações é por demais evidente quando em confronto nos deparamos com a falta de pagamento – da mínima quantia de €204,00, quando comparada com o (elevadíssimo) valor da presente ação – €177.298,06. S. Deveria o Tribunal Recorrido ter concedido a palavra à Recorrente, para que esta formalmente formulasse a sua pretensão, já anteriormente expressa, de proceder ao pagamento da multa em falta, comprovando o seu efetivo pagamento, em momento anterior ao início da produção de prova, ao invés de imediato proferir o despacho recorrido, que se revela totalmente desproporcionado quando confrontado com a irregularidade cometida por aquela. T. Assim, o segmento do nº 4 do artigo 14 do RCP que prevê a impossibilidade de diligências de prova em julgamento, como sanção acessória para a parte que omitiu o cumprimento do dever de pagamento da taxa de justiça subsequente e da multa respetiva, é inconstitucional, se a parte o pretendeu fazer e foi disso impedida pelo próprio Tribunal. U. A interpretação que a Meritíssima Juiz a quo faz do n.º 4 do artigo 14.º do RCP, não é, na perspetiva da Apelante, conforme ao texto constitucional, constante dos artigos 18.º n.º 2 e 20.º, n.º 1 e 4 da CRP, motivo pelo qual deverá julgar-se e decidir-se, nos termos e para os efeitos do artigo 280.º da CRP e artigo 70.º da LOTC a inconstitucionalidade da norma do n.º 4 do artigo 14.º do RCP quando interpretada no sentido de não ser concedida e admitida às partes processuais a faculdade de efetuarem o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e multa em igual montante até ao início da audiência final. V. Diga-se ainda, por fim, que o Tribunal Recorrido violou o princípio do contraditório, estatuído no artigo n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil. W. Antes de proferir qualquer decisão o juiz deve conceder às partes a oportunidade de se pronunciarem sobre todas as questões. X. No caso vertente, a Recorrente foi confrontada com uma decisão surpresa, que jamais poderia antecipar face ao conjunto de factos já alegados, decisão que ocorreu, sem qualquer razoabilidade e cooperação processual, em especial - sem audição específica da ora Recorrente. Y. A inobservância do contraditório constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual, que desde já se invoca nos termos e para os efeitos do artigo 195.º do CPC. Z. Ao fazer uma errónea aplicação, fora do âmbito dos pressupostos de aplicação do n.º 4 do artigo 14.º do RCP, o Tribunal Recorrido violou além da referida norma, o artigo 9.º do Código Civil, o artigo 3.º n.º 4 e o artigo 4.º ambos do CPC e ainda os artigos 2.º, 18.º n.º 2 e 20.º n.º 1 e 4, todos da CRP. * A Autora/Reconvinda não respondeu ao recurso. * 7.- O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, em separado e com efeito suspensivo e assim recebido nesta Relação, que o considerou corretamente admitido e com o efeito legalmente previsto. * 8.- Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. ** * II.- Das questões a decidir O âmbito dos recursos, tal como resulta das disposições conjugadas dos art.ºs 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 641.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil (doravante, CPC), é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente. Isto, com ressalva das questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado ou das que se prendem com a qualificação jurídica dos factos (cfr., a este propósito, o disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 663.º, n.º 2 e 5.º, n.º 3 do CPC). Neste pressuposto, as questões que, neste recurso, importa apreciar e decidir são as seguintes, de acordo com a sua precedência lógica: i.- da nulidade processual decorrente da prolação do despacho recorrido em violação do princípio do contraditório; ii.- da data limite de pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça devida, acrescida da multa de igual montante, liquidada pela unidade de processos nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 14.º do RCP; iii.- da inconstitucionalidade da interpretação dos n.ºs 3 e 4 do art.º 14.º do RCP sufragada no despacho recorrido, por violação dos princípios constitucionais do acesso ao direito e à justiça e da proporcionalidade. ** * III.- Fundamentação III.I.- Da Fundamentação de facto .- Os factos que aqui importa considerar e que, em função dos elementos constantes dos autos, se mostram provados, são os acima descritos no relatório desta decisão, os quais, por razões de economia processual, se dão aqui por integralmente reproduzidos. ** * III.II.- Do objeto do recurso 1.- Da nulidade processual decorrente da prolação do despacho recorrido em violação do princípio do contraditório Este recurso incide sobre o despacho proferido pelo tribunal a quo no início da audiência de julgamento realizada em 05-03-2024, por via do qual foi determinado, com fundamento no disposto no art.º 14.º, n.º 4 do RCP, o impedimento da Ré/Recorrente de produzir prova, em razão do não pagamento da multa pela não liquidação atempada da 2.ª prestação da taxa de justiça, devida nos termos previstos no n.º 2 daquele preceito legal. Segundo a Ré/Recorrente, tal despacho foi proferido sem a sua audição prévia e, portanto, em violação do princípio do contraditório previsto no art.º 3.º, n.º 3 do CPC, com o que foi cometida uma nulidade processual que aqui invoca nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 195.º do CPC. A nulidade em causa estriba-se na omissão de um ato processual que devia ter precedido o despacho recorrido, constituindo, assim, verdadeiramente, um vício do procedimento e não um vício do julgamento ínsito ao despacho recorrido. Contudo, foi “revelada apenas através da prolação da decisão com que a parte [foi] confrontada”, sem que esta tenha sequer disposto “da possibilidade de arguir a nulidade correspondente à omissão do ato”, pelo que é o recurso e não a reclamação prevista no art.º 196.º do CPC o mecanismo adequado para a sua arguição (v., neste sentido, Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 2022, 7.ª edição, p. 26, bem como Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I., 2022, 3.ª edição, anotação 17, p. 23). O princípio do contraditório, enquanto princípio estruturante do sistema jurídico, foi refletido pelo legislador processual civil no art.º 3.º, n.º 1 do CPC, nos termos do qual o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição. Afloramento deste princípio é a proibição das ‘decisões surpresa’, contida no n.º 3 do citado preceito legal, o qual, depois de cometer ao juiz o dever de observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, aquele princípio do contraditório, prescreve que não lhe é lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. Subjacente à adoção de tal solução normativa esteve a ideia de que “a liberdade de aplicação das regras do direito adequadas ao caso e a oficiosidade no conhecimento de excepções” pode conduzir a decisões que, embora corretas, surgem “contra a corrente do processo, à revelia das posições jurídicas que cada uma das partes tomou nos articulados”, visando-se com ela, por conseguinte, impedir que “as partes sejam confrontadas com soluções jurídicas inesperadas, com as quais não podiam razoavelmente contar, por não terem sido objecto de discussão no processo” (v., neste sentido, Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, 1 - Principio Fundamentais; 2 – Fase Inicial do Processo Declarativo, Coimbra, 1997, p. 67). Nestes casos, “o respeito pelo contraditório impõe a audição específica das partes”, que é “o único modo de possibilitar que a decisão seja o culminar de um processo argumentativo justo e equitativo, que permita que cada um dos justiciáveis faça ouvir a sua voz, assim trazendo ao decisor a sua perspectiva e, nessa medida, assim, influenciando a decisão”, o que, em último termo nos reconduz à ideia de que, mais do que a “discussão dialética entre as partes”, a verdadeira concretização do princípio do contraditório pressupõe que às partes seja dada a oportunidade de que “influenciem directamente a decisão”. Ou seja, que seja permitido às partes “que exerçam os direitos de acção e defesa, mas, também, que sejam chamadas a emitir pronúncia sobre as questões que hajam de ser decididas a respeito dos interesses que na acção e defesa fazem valer” (v., neste sentido, Acórdãos da Relação de Lisboa de 10-09-2020, proferido no processo 12841/19.0T8LSB.L2-6 e do STJ de 17-06-2014, proferido no processo 233/2000.C2.S1, disponíveis na internet, no sítio com o endereço www.dgsi.pt). O respeito pelo princípio do contraditório visto nesta perspetiva não implica, contudo, e naturalmente, que a tomada de qualquer decisão imponha sempre a audição prévia das partes. Assim não será, desde logo, e de acordo com o expressamente previsto no preceito legal em apreço, nos casos em que a audição se revele manifestamente desnecessária; e assim não será, também, nos casos em que, objetivamente considerados, “as partes não possam alegar, de boa fé, desconhecimento das questões de direito ou de facto a decidir pelo juiz e das respectivas consequências” (v., neste sentido, Abrantes Geral, in “Temas da Reforma…”, p. 70). No caso, está em causa, como se viu, o despacho proferido pelo tribunal a quo no início da audiência de julgamento, por via do qual foi determinada a impossibilidade de a Ré/Recorrente produzir prova com fundamento no disposto no n.º 4 do art.º 14.º do RCP. Tal despacho foi, de facto, proferido sem audição prévia de qualquer das partes e, nomeadamente, da Ré/Recorrente, a qual, como tal, sobre ele se não pronunciou antecipadamente de forma específica. Não cremos, contudo, que, com a sua prolação, tenha havido violação relevante do princípio do contraditório, com o fundamento aqui em consideração e não o cremos porque, por um lado, tal audição era manifestamente desnecessária; por outro lado, porque à Ré/Recorrente não estava vedada, agindo de boa fé, a possibilidade de antecipar a prolação da decisão recorrida com o concreto sentido que lhe foi conferido. Assim, e quanto à desnecessidade da sua audição, do que se trata aqui é de um despacho que tem por objeto a apreciação de consequências do incumprimento de uma obrigação tributária pela parte responsável, isto é, do não pagamento atempado da 2.ª prestação da taxa de justiça devida e da multa devida por essa omissão. A obrigação de pagamento da referida parcela da taxa de justiça deve ocorrer no prazo de 10 dias a contar da notificação para a audiência final (v. o n.º 2 do art.º 14.º do RCP), enquanto que a obrigação de pagamento dessa parcela da taxa de justiça, acrescida da multa, deve ser cumprida, independentemente da posição a adotar quanto à data limite de pagamento, a partir da notificação para o efeito por parte da unidade de processos (v. o n.º 3 do art.º 14.º do RCP). Aquilo que, por via do despacho recorrido, foi apreciado foi, assim, não uma questão suscitada ou surgida nos autos por via dele, mas sim uma questão que tem a sua génese num momento processual anterior e cujo dever de apreciação pelo tribunal era já, por isso mesmo, do conhecimento da parte interessada. Acresce que a prolação do despacho em causa no início da audiência de julgamento está expressamente prevista no art.º 14.º, n.º 4 do RCP e está-o em termos de automaticidade, isto é, impõe-se pela simples verificação da realidade de facto pressuposta naquele preceito e dele resulta a produção de um específico efeito jurídico-processual. A prolação de um tal despacho é, pois, no contexto da normal tramitação do processo que segue a forma comum, algo previsível e com o que qualquer das partes pode razoavelmente contar de antemão. Ora, há manifesta desnecessidade de audição prévia das partes ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 3.º do CPC quando, à luz do “princípio da proporcionalidade”, a “pronúncia [das partes] é dispensável (…), vislumbrando-se como tal, designadamente, aquelas situações em que o efeito pretendido resulta automaticamente da lei, o enquadramento fáctico relevante se mostra insusceptível de controvérsia, ou, dados os contornos da lide, a decisão era expectável para os seus destinatários” (v., neste sentido Acórdão da Relação de Lisboa de 11-07-2019, proferido no processo 29624/13.4T2SNT-W.L1, apud o citado Acórdão da mesma Relação de 10-09-2020). E é esse exatamente o caso do despacho dos autos, que, como se viu, além de proferido num momento temporal previamente estabelecido pelo legislador, se limitou a aplicar o efeito jurídico que resulta automaticamente da lei, tendo por base pressupostos de facto insuscetíveis de controvérsia e em que a decisão, independentemente de se concordar ou não com o sentido da mesma, era expectável. A auscultação prévia das partes era, pois, no caso, manifestamente desnecessária, o que afasta a existência de violação do princípio do contraditório com o fundamento aqui em apreço. A audição prévia da Ré/Recorrente era, por outro lado, dispensável já que, perante as circunstâncias do caso concreto, objetivamente considerado, àquela não era possível invocar, de boa fé, desconhecimento da questão de direito apreciada no despacho recorrido. Na verdade, subjacente ao despacho recorrido estava em causa, como se viu, uma questão atinente ao cumprimento de uma obrigação processual - pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça devida -, cumprimento esse que se impõe às partes independentemente de qualquer notificação do tribunal para o efeito. Acresce que, no caso, a Ré/Recorrente, incorrera efetivamente em incumprimento dessa obrigação, tal como, aliás, resulta das suas próprias conclusões de recurso, nas quais, não só reconhece que não pagou atempadamente a taxa de justiça por “lapso” (v. conclusão B), como que desenvolveu diligências tendentes a repará-lo. Finalmente, dessas diligências terá resultado, mais uma vez de acordo com as próprias conclusões de recurso da Ré/Recorrente, que, quanto ao valor correspondente à multa, teria de “aguardar pelo despacho” do tribunal (v. conclusão D). Ou seja, estava em causa o cumprimento de uma obrigação legal, que a Ré sabia que não tinha cumprido e que, de acordo com a informação que lhe havia sido transmitida, a sua resolução dependia de despacho judicial a proferir. Perante um quadro desta natureza, não vemos como possa a Ré/Recorrente alegar, de boa fé, desconhecimento da questão de direito a decidir pelo tribunal e das suas potenciais consequências, a ponto de vir agora em sede de recurso rotular o despacho recorrido de ‘decisão surpresa’. Note-se que se ao tribunal é cometido o dever de, ao longo de todo o processo, dar a possibilidade às partes de influenciarem a decisão a tomar, sobre estas recai, também, não só um dever de ‘diligência’ no que toca à defesa dos seus interesses, como, também, um dever de ‘cooperação’ com o tribunal em vista da justa composição do litígio. Sobre elas recai, assim, como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/2019, de 10-07-2019, “o ónus de analisarem as diversas possibilidades interpretativas, suscetíveis de virem a ser seguidas e utilizadas na decisão, cumprindo-lhes adotar as necessárias e indispensáveis precauções, em conformidade com um dever de litigância diligente e de prudência técnica” (apud Acórdão da Relação de Lisboa de 10-09-2020, acima citado). Ora, in casu, numa situação em que, reconhecida e assumidamente, a Ré/Recorrente se encontrava em incumprimento de uma obrigação legal, cuja superação dependia de despacho judicial a proferir, não seria de descurar, à luz daquele dever de ‘diligência’ e de ‘prudência técnica’, a possibilidade de suscitar a intervenção do tribunal através de requerimento formal no processo, expondo as razões que, na sua perspetiva, justificariam a prolação de decisão com o sentido que preconizava. Não o tendo feito, não vemos como possa imputar ao tribunal a quo violação do princípio do contraditório com o fundamento aqui em apreço. Em suma, o despacho recorrido não implicou qualquer violação do princípio do contraditório, improcedendo, consequentemente, a arguição da nulidade aqui em apreço. * 2.- Da data limite de pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça devida, acrescida da multa de igual montante, liquidada nos termos do n.º 3 do art.º 14.º do RCP Este recurso incide, como se viu, sobre o despacho proferido pelo tribunal a quo no início da audiência de julgamento realizada em 05-03-2024, por via do qual foi determinada, com fundamento no disposto no art.º 14.º, n.º 4 do RCP, a impossibilidade de a Ré/Recorrente produzir prova. De acordo com o entendimento sufragado no despacho recorrido, a Ré/Recorrente disporia do prazo de 10 dias subsequente à notificação, efetuada pela unidade de processos, para que procedesse ao pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça, acrescida da multa de igual montante, multa essa liquidada em razão do não pagamento atempado daquela prestação. Não o tendo feito nesse prazo, designadamente, não tendo, no caso, pago a multa devida, precludiu-se a possibilidade de o fazer posteriormente, sujeitando-se à consequência, prevista no citado preceito legal, de ficar impossibilitado de ver realizadas as diligências de prova que tivesse requerido ou viesse a requerer. Já para a Ré/Recorrente, o citado n.º 4 do art.º 14.º do RCP deve ser interpretado no sentido de que, até ao início da audiência final (ou da realização de qualquer outra diligência probatória, hipótese esta não que não se verifica no caso dos autos), ainda se pode efetuar o pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça e da multa correspondente, definindo-se, assim, como momento último para a demonstração daquele pagamento precisamente aquele em que a prova irá ser produzida. A questão que aqui importa apreciar e decidir é, pois, a de saber qual é o terminus ad quem do pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça devida e da multa correspondente, liquidadas em razão do não pagamento atempado daquela prestação: se o preconizado no despacho recorrido, se o propugnado pela Ré/Recorrente no recurso. A taxa de justiça corresponde, de acordo com o disposto no art.º 6.º do RCP, ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa, de acordo com o aludido Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela i-A, que dele faz parte integrante. É paga, de harmonia com o n.º 1 do art.º 13.º, nos termos fixados no CPC, sendo que, de acordo com o n.º 2 do preceito, nos casos da tabela i-A e C, na parte relativa ao n.º 3 do art.º 13.º, é-o em duas prestações de igual valor por cada parte ou sujeito processual. A primeira ou a única prestação da taxa de justiça devida deve ser paga, nos termos do n.º 1 do art.º 14.º do RCP, até ao momento da prática do ato processual a ela sujeito, devendo: nas entregas eletrónicas, ser comprovado por verificação eletrónica, nos termos da Portaria prevista no n.º 1 do art.º 132.º do CPC – alínea a); nas entregas em suporte de papel, o interessado proceder à entrega do documento comprovativo do pagamento – alínea b). A segunda prestação da taxa de justiça, por seu turno, deve, nos termos do n.º 2 do mesmo art.º 14.º, ser paga no prazo de 10 dias a contar da notificação para a audiência final, devendo o interessado entregar o documento comprovativo do pagamento ou comprovar a realização desse pagamento no mesmo prazo. Mas se, no momento definido no número anterior, o documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça não tiver sido junto ao processo, ou não tiver sido comprovada a realização do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, a secretaria, nos termos prescritos no n.º 3, notifica o interessado para, no prazo de 10 dias, efetuar o pagamento, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC, nem superior a 10 UC. Sem prejuízo do prazo adicional concedido no número anterior, se, no dia da audiência final, não tiver sido junto ao processo o documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa, ou não tiver sido comprovada a realização do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, o tribunal, nos termos do n.º 4 do art.º 14.º em apreço, determina a impossibilidade de realização das diligências de prova que tenham sido ou venham a ser requeridas pela parte em falta. Tendo por base o teor dos n.ºs 3 e 4 do art.º 14.º do RCP que acabam de ser mencionados, há duas linhas de orientação jurisprudencial divergentes sobre aquele que deve ser acolhido como o terminus ad quem do pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça devida e da multa correspondente. Assim, para uma linha de orientação, coincidente com a preconizada no despacho recorrido, a parte que, não tendo pago inicialmente a 2.ª prestação da taxa de justiça devida no prazo previsto no n.º 2 do preceito, dispõe do prazo perentório de 10 dias, previsto no n.º 3, para liquidar tal prestação da taxa de justiça, acrescida da multa correspondente, sob pena de, não o fazendo, ficar sujeita aos efeitos preclusivos da produção de prova fixados no n.º 4. Neste sentido, alinharam, entre outros, os seguintes Acórdãos (todos eles disponíveis na internet, no sítio com o endereço acima referenciado): 1.- Acórdão da Relação de Lisboa de 07-03-2024, proferido no processo n.º 15768/19.2T8LSB-A.L1-2, desta 2.ª Secção, em cujo sumário se lê: “I.- O pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, acrescida de multa, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 14.º do Regulamento das Custas Processuais, tem de ser feito necessariamente no prazo de 10 dias, sob pena de a parte não poder produzir prova; tal pagamento não pode ser feito até à audiência final, se aquele prazo já tiver decorrido; II.- Admite-se que a parte possa comprovar no dia da audiência final que o pagamento foi realizado, desde que o tenha sido dentro dos prazos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 14.º do Regulamento das Custas Processuais”; 2.- Acórdão da Relação do Porto de 17-01-2022, proferido no processo n.º 4480/20.0T8MTS-A.P1, em cujo sumário pode ler-se: “I.- O n.º 3 do artigo 14.º do RCP apenas concede um prazo suplementar para o pagamento da taxa de justiça em falta e da respetiva multa. II.- O seu n.º 4 não alude a ato de pagamento, mas apenas à junção ao processo do documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa. III.- Caso o pagamento da taxa de justiça e da multa, em falta, não seja efetuado no momento temporal a que alude o n.º 3 do artigo 14.º do RCP, nenhuma outra oportunidade processual tem a parte faltosa para o efetuar. IV - No entanto, para evitar que o tribunal determine a impossibilidade de realização das diligências de prova, a parte faltosa tem a faculdade de até ao início da audiência de julgamento ou da realização de qualquer outra diligência probatória, juntar documento comprovativo do pagamento efetuado no prazo suplementar concedido pelo n.º 3 do artigo 14.º do RCP”; 3.- Acórdão da Relação de Lisboa de 18-02-2020, proferido no processo n.º 9761/18.0T8LSB.L1-7, em cujo sumário pode ler-se: “1.- Nos termos do artigo 14º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, a parte deve comprovar o pagamento da taxa de justiça subsequente no prazo de dez dias a contar da notificação para a audiência final. Se não o fizer, tem dez dias para a pagar, acrescida de multa, a contar da notificação que para o efeito a secretaria lhe deverá efetuar, conforme estatuído no n.º 3 do mencionado artigo 14º. 2.- Decorrido o prazo de dez dias previsto no artigo 14º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais sem que a parte tenha juntado ao processo o documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa ou da concessão de benefício de apoio judiciário, ou não tiver sido comprovada a realização do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, fica precludida a possibilidade de a efetuar e chegado o dia da audiência final, o tribunal determina a impossibilidade da realização das diligências de prova que tenham sido requeridas ou venham a sê-lo pela parte em falta. 3.- A expressão constante do n.º 4 do artigo 14º do Regulamento das Custas Judiciais ”sem prejuízo do prazo adicional concedido no número anterior” deve ser interpretada no sentido de que a cominação nele prevista – a impossibilidade de realização das diligências de prova – terá lugar quando, no dia da audiência final, o documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa não se mostre junto aos autos nem tenha sido feita a comprovação da realização desse pagamento, mas desde que já tenha sido concedido o prazo adicional para o efeito, previsto no n.º 3 do art.º 13º daquele diploma legal. 4.- A parte poderá, contudo, comprovar no dia da audiência final que o pagamento foi realizado, desde que o tenha sido dentro dos prazos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 14º do Regulamento das Custas Processuais”; 4.- Acórdão da Relação do Porto de 18-04-2017, proferido no processo n.º 1391/16.7T8AVR-A.P1, em cujo sumário se lê: .- “O pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, acrescida de multa, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 14.º do Regulamento das Custas Processuais, tem de ser feito necessariamente no prazo de 10 dias, sob pena da parte não poder produzir prova, não podendo tal pagamento ser feito até à audiência de julgamento se aquele prazo já decorreu.” Para outra linha de orientação, coincidente com aquela por cuja aplicação propugna a Ré/Recorrente no seu recurso, a 2.ª prestação da taxa de justiça devida e a multa correspondente podem ser pagas, demonstrado o seu pagamento, até ao início da audiência final. Neste sentido, seguiram, entre outros, os seguintes Acórdãos (todos eles disponíveis na internet, no sítio com o endereço acima referenciado): 1.- Acórdão da Relação de Lisboa de 14-09-2022, proferido no processo n.º 14284/21.7T8LSB-A.L1-2, cujo sumário diz o seguinte: “I.- A finalidade da previsão sancionatória contida no artigo 14.º, n.º 4, do RCP – determinando a impossibilidade de produção probatória, relativamente àquela parte que requereu diligências de prova, mas que não efetuou o devido pagamento da taxa de justiça até ao momento da prática do ato processual a ela sujeito – prende-se com a verificação pelo julgador, no momento em que a prova vai ser produzida, de que o pagamento devido pelo funcionamento da atividade do sistema de Justiça do Estado se encontra garantido em tal momento. Este é o momento relevante e limite para aferir se tal pagamento se encontra efetuado. II.- Atenta a referida finalidade, o mencionado artigo 14.º, n.º 4, do RCP, ao reportar que a verificação de impossibilidade probatória ocorre “sem prejuízo do prazo adicional” - a que se refere o n.º 3 do mesmo artigo - acolhe, para além da possibilidade de comprovação do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa ter lugar no prazo de 10 dias após a notificação a que se refere o n.º 3 do artigo 14.º do RCP – pressupondo que a parte foi notificada nesta conformidade - , a possibilidade de a parte poder comprovar o pagamento omitido até ao início da audiência de julgamento ou da respetiva diligência probatória, mesmo que aquele pagamento venha a ter lugar depois de decorrido o mencionado prazo de 10 dias.”; 2.- Acórdão da Relação de Lisboa de 17-11-2022, proferido no processo n.º 10624/19.7T8LRS-C.L1-8, que é o invocado pela Ré/Recorrente no seu recurso, em suporte da tese nele defendida, em cujo sumário pode ler-se: .- “De uma interpretação conforme a Constituição e também conforme o Direito da União Europeia, da proposição normativa do artigo 14.º, 4 do Regulamento das Custas Processuais resulta que a taxa de justiça subsequente e a multa podem ser pagas (e demonstrado o seu pagamento) até ao início da audiência de julgamento.”; 3.- Acórdão da Relação de Guimarães de 15-10-2020, proferido no processo com o n.º 2568/18.6T8VRL-C.G1, em cujo sumário se diz: .- “Não deve ser determinada a impossibilidade de realização das diligências de prova que tenham sido ou venham a ser requeridas pela parte que, tendo, embora, sido notificada para efetuar o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, acrescido da multa de igual montante, nos termos do n.º 3 do art.º 14.º do Regulamento das Custas Processuais, paga a taxa de justiça e a multa, demonstrando nos autos o pagamento, cinco dias antes da audiência final, ainda que já então tenha expirado o prazo de 10 dias de que dispunha para o efeito.” Devidamente analisada e ponderada a questão, sufragamos a posição coincidente com a primeira das linhas de orientação supra expostas, por ser aquela que melhor se coaduna com o teor literal do preceito e com a sua razão de ser. Com efeito, o n.º 3 do art.º 14.º do RCP aqui em apreço estabelece claramente que o pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça devida, acrescido do da multa correspondente, é efetuado no prazo de 10 dias contado da notificação feita para o efeito pela unidade de processos. Por outro lado, aquilo que, no n.º 4, é referido pelo legislador é que o documento comprovativo do pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça e da multa pode ser junto no dia da audiência final e não que o pagamento possa ser feito até àquele momento, sendo claro, assim, que em cada um dos números do preceito se está a referir a duas realidades distintas: no n.º 3, ao pagamento; no n.º 4, ao seu comprovativo. Do elemento literal do preceito resulta, pois, que a parte que seja notificada para pagar a 2.ª prestação da taxa de justiça e a multa correspondente tem o prazo de 10 dias contado da notificação para o efeito e nada mais. Interpretar-se o preceito, como preconizado pela Ré/Recorrente, no sentido de que da conjugação dos seus n.ºs 3 e 4, à parte assistiria a possibilidade de proceder ao pagamento dos valores em falta até ao início da audiência de julgamento equivaleria, tal como se referiu no supra citado Acórdão da Relação de Lisboa de 07-03-2024, a “esvaziar a utilidade” do n.º 3, não tendo tal interpretação, por conseguinte, “apoio na letra da lei”. A interpretação que aqui se faz do sentido das normas contidas nos n.ºs 3 e 4 do art.º 14.º do RCP é reforçada pela consideração da alocução, prevista no primeiro período do n.º 4, “sem prejuízo do prazo adicional concedido no número anterior”. Na verdade, ciente de que, no n.º 3, se fixava o prazo limite de pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça e da multa e que, no n.º 4, se regulava o comprovativo desse pagamento, ressalvou o legislador a possibilidade de, estando ainda, no início da audiência final, a correr o prazo de 10 dias para pagar os valores em falta, a parte poder prevalecer-se do prazo em curso e efetuar o pagamento além do momento do próprio início do julgamento. Tal solução não pode, contudo, ter outro sentido que não o aqui preconizado, de que é no prazo perentório de 10 dias fixado no n.º 3 (que ainda pode estar em curso no início do julgamento) e não até ao início do julgamento tal como referido no n.º 4, que o pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça e da multa deve ser efetuado. A interpretação que aqui se preconiza do preceito é também aquela que melhor se coaduna com a sua própria natureza e razão de ser. Assim, o preceito em causa enquadra-se no regime de pagamento das custas processuais estabelecido pelo legislador. Tal pagamento, como decorre da breve síntese de normas do RCP que acima foi feita, obedece a regras precisas e objetivas quanto ao momento e aos termos em que deve ser efetuado, de modo a garantir harmonia, certeza e segurança ao sistema e, com isso, previsibilidade na sua aplicação. Faz todo o sentido, por isso, que, numa matéria como a que aqui está em causa, atinente ao incumprimento da obrigação de pagamento da taxa de justiça devida e às consequências decorrentes desse incumprimento, sejam certos e seguros os prazos que devem ser observados. Ora, o prazo previsto no n.º 3 do art.º 14.º do RCP visa fixar o período dentro do qual a parte pode proceder ao pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça e da multa, aliás, no quadro de uma segunda oportunidade, depois de a mesma não ter pago aquela parcela da taxa de justiça no prazo legalmente estipulado para o efeito. Considerar-se, por isso, perentório tal prazo é a solução que melhor se adequada com os valores acima destacados. De resto, como se referiu no Acórdão da Relação de Lisboa de 18-02-2020 acima referenciado, é essa, também, a solução que melhor garante a “igualdade de tratamento para o sujeito processual que cumpre o prazo de 10 dias e para o sujeito que não cumpre este mesmo prazo”. A interpretação assim preconizada é, pois, a mais consentânea com a razão de ser do preceito em análise. De referir, ainda, que, no sentido da mesma interpretação, alinha Salvador da Costa, que, a respeito do preceito em apreço, escreveu o seguinte (com sublinhados nossos): .- “(…) o n.º 3 estabelece a consequência jurídica da omissão da junção, no decêndio previsto no número anterior, do documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça ou da concessão de apoio judiciário ou da sua não comprovação por via eletrónica. Essa consequência jurídica imediata, por força deste normativo, é a de a secretaria notificar a parte em falta para, no prazo de 10 dias, contado nos termos supracitados, efetuar o pagamento da taxa de justiça em falta e da multa reportada. Mas isso não significa que a parte tenha a faculdade alternativa de pagar a taxa de justiça e a multa objeto da notificação da secretaria até à audiência final, salvo se, eventualmente, ainda não tiver decorrido o prazo a que este normativo se reporta. (…) o n.º 4, depois de salvaguardar o decurso do prazo adicional de 10 dias, previsto no n.º 3, reporta-se à verificação, no dia da audiência final ou de qualquer outra diligência probatória, da falta de comprovação pela parte do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa ou da concessão do apoio judiciário na modalidade de assistência judiciária. Nesse caso, o juiz determina a não realização de diligências probatórias, de qualquer natureza, que tenham sido ou venham a ser requeridas pela parte em falta, ou seja, declara a sua inadmissibilidade. Proferido o referido despacho, consumada fica a sanção relativa ao incumprimento pela parte em causa da sua obrigação de pagamento pontual da segunda prestação da taxa de justiça e da multa associada.” (in As Custas Processuais, Análise e Comentário, 2022, 9.ª edição, p. 135). Reportando-nos ao caso em apreço, resulta dos factos apurados que, realizada a audiência prévia em 15-06-2023, na qual ambas as partes estiveram representadas pelos seus mandatários, nela foi agendado dia para a realização da audiência de julgamento, abrindo-se, então, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 14.º do RCP, o período temporal destinado à liquidação da 2.ª prestação da taxa de justiça devida. Não tendo a Ré/Recorrente procedido a tal pagamento, pela secção de processos foi, então, emitida, em 30-06-2023, guia para pagamento, com a data limite de 13-07-2023, da taxa de justiça devida, no valor de €204,00, acrescida de multa de igual montante, no total, portanto, de €408,00. A Ré, contudo, não liquidou os valores em falta no prazo que lhe foi fixado, vindo apenas a pagar o valor em singelo da 2.ª prestação da taxa de justiça devida em 12-01-2024, pelo que, não só não efetuou o pagamento da totalidade dos valores em falta, como aquele que efetuou fê-lo fora do prazo de que dispunha para o efeito. O despacho recorrido, ao determinar que a impossibilidade de a Ré/Recorrente produzir prova, obedeceu, pois, ao disposto na lei, nenhuma censura merecendo. Improcede, pois, a pretensão da Ré/Recorrente em apreço. * 3.- Da inconstitucionalidade da interpretação dos n.ºs 3 e 4 do art.º 14.º do RCP sufragada no despacho recorrido, por violação dos princípios constitucionais do acesso ao direito e à justiça e da proporcionalidade Invoca a Ré/Recorrente, nas suas conclusões de recurso, a inconstitucionalidade da interpretação do art.º 14.º, n.ºs 3 e 4 do RCP sufragada no despacho recorrido (e aqui já acompanhada), por violação do princípio do acesso ao direito e à tutela judicial efetiva, previsto no art.º 20.º da CRP. A propósito de tal princípio, preceitua, no que ao caso importa, o art.º 20.º, n.º 1 da CRP que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. Tal normativo consagra um direito fundamental de natureza complexa, passível, enquanto tal, de se desdobrar numa multiplicidade de dimensões e de direitos conexos, entre os quais, com relevo para o caso dos autos, o direito de acesso aos tribunais e ao da tutela jurisdicional efetiva. Este direito, nas palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira, compreende no seu “âmbito normativo” a denominada “proibição da indefesa, que consiste na privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhe dizem respeito”, privação ou limitação essas que, enquanto “violação do direito à tutela judicial efectiva”, ocorrerão, nomeadamente, “quando a não observância de normas processuais ou de princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar, daí resultando prejuízos efectivos para os seus interesses” (in Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 1993, 3.ª edição, p. 164). Sobre o direito fundamental em causa, densifica-o o Tribunal Constitucional do seguinte modo, sintetizado no seu Acórdão n.º 96/2016, de 02-02-2016: .- “[a] jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que o direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional implica a garantia de uma proteção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efetiva, cujo âmbito normativo abrange nomeadamente: (a) o direito de ação, no sentido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional; (b) o direito ao processo, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada; (c) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, no sentido de a decisão haver de ser proferida dentro dos prazos preestabelecidos, ou, no caso de estes não estarem fixados na lei, dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa; (d) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade, no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas (publicado no Diário da República n.º 123/2016, II-S, de 2016-06-29). Como decorrência de tal densificação e por forma a não colidir com a referida “proibição de indefesa”, cabe ao legislador proporcionar aos cidadãos regimes de processo que garantam meios efetivos de tutela dos seus direitos, em condições de livre acesso e de igualdade de armas, despojado de obstáculos que, de forma desnecessária ou desproporcionada, impeçam ou dificultem o acesso daqueles aos tribunais. Como quer que seja, o direito em causa não afasta, nos termos do mesmo Acórdão, que, “quando estejam em causa normas que impõem ónus processuais”, se reconheça ao legislador “a liberdade de conformação (…) na concreta estruturação do processo, não sendo [aquele princípio] incompatível com a imposição de ónus processuais às partes”. Ponto é, como expressivamente sintetizado no Acórdão da Relação de Lisboa de 18-02-2020 acima referenciado, que tais ónus, “por força dos artigos 13.º e 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição, não impossibilit[em] ou dificult[em], de forma arbitrária ou excessiva, a atuação procedimental das partes” e que as “as cominações ou preclusões previstas, por irremediáveis ou insupríveis, [se revelem] totalmente desproporcionadas face à gravidade e relevância, para os fins do processo, da falta cometida”, o que, a ocorrer, colocaria inequivocamente “em causa o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva”. Por isso, a necessária compatibilização entre, por um lado, os ónus e as cominações processuais e, por outro lado, a maximização do princípio da tutela jurisdicional efetiva, deverá levar em consideração os “três vetores essenciais” seguintes: (i) a justificação da exigência processual em causa; (ii) a maior ou menor onerosidade na sua satisfação por parte do interessado; e (iii) a gravidade das consequências ligadas ao incumprimento dos ónus” (v., apud o referido Acórdão da Relação de Lisboa, os Acórdãos do Tribunal Constitucional com os n.ºs 197/07, 277/07 e 332/07).” Tendo presentes estas considerações, e reportando-nos ao caso em apreço, não vemos em que medida é que a interpretação aqui preconizada do art.º 14.º, n.ºs 3 e 4 do RCP ofenda o núcleo essencial do direito fundamental em apreço. Na verdade, do que se trata aqui é do cumprimento de uma obrigação (o pagamento da taxa de justiça) que, na sua essência, constitui a contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte de um utente, sujeito passivo daquela contrapartida. Por outro lado, está em causa o cumprimento de uma obrigação com um prazo fixado de antemão pelo legislador e que, se não observado, não só não acarreta a produção de efeitos preclusivos imediatos, como, pelo contrário, é proporcionada à parte faltosa a possibilidade do cumprimento da obrigação, ainda que com sujeição a multa, no quadro de uma segunda oportunidade. Finalmente, ainda que se reconheça severidade à consequência decorrente do incumprimento da obrigação naquela segunda oportunidade, consubstanciada na impossibilidade de produzir prova dos factos que servem de fundamento à ação e/ou à defesa, certo é que tal consequência, como referido no sobredito Acórdão da Relação de Lisboa, surge apenas na sequência de duas oportunidades concedidas para efectuar o pagamento devido e, portanto, num quadro de puro e ostensivo incumprimento da parte faltosa. Há, pois: justificação para a exigência de que o pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça devida e da multa seja feito no prazo perentório previsto no n.º 3 do art.º 14.º do RCP; não há excessiva onerosidade no seu cumprimento por parte do responsável pelo pagamento; e a gravidade das consequências ligadas ao incumprimento, apesar de severa, não é desproporcional em face das oportunidades de cumprimento que são dadas ao devedor. De resto, o juízo de inconstitucionalidade que a Ré/Recorrente sustenta no recurso tem subjacente, não a imposição do pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça, nem o seu valor ou mesmo as consequências do seu definitivo incumprimento, mas tão somente a exigência de que tal pagamento seja feito no prazo previsto no n.º 3 do art.º 14.º do RCP e não numa fase subsequente do processo (na audiência de julgamento), não se vendo, assim, em que medida é que o momento temporal do pagamento numa fase ou noutra possa gerar a inconstitucionalidade da primeira solução, mas já não da segunda. Não há, pois, violação do princípio do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva, tal como sustentado pela Ré/Recorrente no seu recurso. Invoca a Ré/Recorrente, também, a inconstitucionalidade da interpretação do art.º 14.º, n.ºs 3 e 4 nos moldes preconizados pelo tribunal recorrido por violação do princípio da proporcionalidade, previsto no art.º 18.º da CRP. Segundo tal princípio, decorrente, no que ao caso importa, do n.º 2 do art.º 18.º da CRP, qualquer restrição de direitos, liberdades e garantias deverá limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Tal princípio, segundo, mais uma vez, Gomes Canotilho e Vital Moreira, “desdobra-se em três subprincípios: (a) princípio da adequação, isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionais protegidos); (b) princípio da exigibilidade, ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; (c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa «justa medida», impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos”, sendo que, em todo o caso, “há um limite absoluto para a restriução de direitos, liberdades e garantias, que consiste no respeito pelo «conteúdo essencial» dos respetivos preceitos” (ibidem, p. 152). No caso, segundo a Ré/Recorrente a interpretação do preceito em causa sufragada no despacho e aqui acolhida seria desproporcional e, por isso, inconstitucional por duas ordens de razões: (i) porque não se pode exigir a uma parte que pague €1.224,00 de taxa de justiça para, depois, sancioná-la como se nada tivesse pago até ao momento que a lei permite, além do que há manifesta desproporção entre o valor da quantia em falta (€204,00) e o valor da ação (€177.298,06); (ii) porque pretendeu fazer o pagamento da quantia em falta e foi disso impedida pelo tribunal. Não há, contudo, qualquer inconstitucionalidade atendível. Na verdade, e desde logo, a Ré/Recorrente não foi impedida pelo tribunal a quo de pagar a 2.ª prestação da taxa de justiça devida e a multa correspondente; o que se passou foi que o tribunal a quo, reputando extemporâneo o pagamento que a Ré/Recorrente efetuara da taxa de justiça e o que pretendia efetuar da multa, não admitiu, com esse fundamento, que fosse feito o pagamento da multa. Depois, e em segundo lugar, o valor pecuniário em falta e que não foi devidamente pago pela Ré/Recorrente ascende, não a €204,00, mas a €408,00, já que o pagamento que a mesma efetuou referente à 2.ª prestação da taxa de justiça foi extemporâneo (além do prazo previsto no n.º 3 do art.º 14.º do RCP), não produzindo, assim, qualquer efeito. Finalmente, e em terceiro lugar, do que se trata aqui é do cumprimento de uma obrigação legalmente prevista na lei como contrapartida da prestação de um serviço que a Ré/Recorrente pretendia usufruir, obrigação esta que a mesma pura e simplesmente não cumpriu. De resto, tal como já acima se disse, a única discordância da Ré/Recorrente relativamente à questão que nos ocupa prende-se com o momento temporal em que deve ser paga a 2.ª prestação da taxa de justiça e da multa correspondente, não se vendo em que medida é que o pagamento no prazo previsto no n.º 3 do art.º 14.º possa gerar inconstitucionalidade e que o seu pagamento na fase imediatamente seguinte já não padeça de qualquer vício. Não há, pois, também aqui, inconstitucionalidade atendível. E não havendo, improcede, na totalidade a apelação, com a consequente manutenção do despacho recorrido. *** Porque vencida, suportará a Ré/Recorrente as custas da apelação (art.ºs 527.º e 529.º do CPC). ** * IV.- Decisão Termos em que se decide julgar totalmente improcedente o recurso e, consequentemente, manter o despacho recorrido. Custas da apelação pela Ré/Recorrente. Notifique. ** * Lisboa, 6 de junho de 2024 José Manuel Correia Rute Sobral António Moreira (vencido, nos termos constantes da declaração de voto infra exposta) *** ‘Vencido, por discordar da interpretação dos nº 3 e 4 do art.º 14º do Regulamento das Custas Processuais expressa no acórdão. Entendo que a utilidade do nº 3 do art.º 14º é (tão só) a imposição à parte de uma sanção pecuniária (multa) pelo atraso no cumprimento da sua obrigação tributária (o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça). Não há aí qualquer outra utilidade ou fim, ao nível de consequência processual, entendida esta como a perda do direito a praticar um acto de processo (o chamado efeito peremptório do prazo). Tal consequência processual do incumprimento da obrigação tributária só surge no nº 4, e é mais severa que a consequência meramente pecuniária. Daí um número próprio para essa consequência (o nº 4), com uma específica possibilidade de a parte em falta a evitar, mas mantendo-se a consequência pecuniária (a multa). Assim, e fazendo apelo aos princípios interpretativos que emergem do art.º 9º do Código Civil, entendo que o que o legislador pretendeu foi que, quem não pagasse a segunda prestação da taxa de justiça, ficaria obrigado a pagar multa por essa falta de pagamento, sendo a mesma liquidada pela secretaria, nos termos do nº 3 do art.º 14º. E se ainda assim não cumprisse com tal obrigação tributária, ficaria impedido de produzir prova (o princípio em questão já vem do anterior Código das Custas Judiciais). Mas sempre podendo a parte fazer cessar tal impedimento à produção de prova se, até ao momento designado para tal produção, pagar (e comprovar o pagamento) da segunda prestação da taxa de justiça. Dito de outra forma, se a parte pagar impede a consequência processual (a extinção do direito a produzir prova) do seu atraso, mas nunca se livra da consequência desse atraso no cumprimento da obrigação tributária (a multa devida pelo atraso). Entendo que só assim está assegurada a coerência e unidade lógica do sistema, decorrente da separação das consequências entre os nº 3 e 4, ligados pela expressão “sem prejuízo do prazo adicional”. Caso contrário, a interpretação dos preceitos questão apresenta-se como incoerente e desprovida de lógica, exactamente por causa da utilização da tal expressão “sem prejuízo do prazo adicional”, uma vez que bastava ao legislador ter dito que, decorrido o prazo adicional do nº 3, a parte que omitiu o pagamento atempado perdia o direito à produção da prova que havia requerido, sem ser necessário falar no “dia da audiência final ou da realização de qualquer outra diligência probatória”, uma vez que, nesse caso, essa referência apresenta-se como inútil (e não é suposto o legislador introduzir referências inúteis em textos legais). Em suma, acompanho a posição que resulta dos acórdãos referidos em segundo lugar no acórdão (desde logo o acórdão de 14/9/2022 desta mesma 2ª Secção, proferido no processo 14284/21.7T8LSB-A.L1 e relatado por Carlos Castelo Branco), e não a posição que resulta dos acórdãos referidos em primeiro lugar (desde logo o acórdão de 7/3/2024 desta mesma 2ª Secção, proferido no processo 15768/19.2T8LSB‑A.L1 e relatado por Higina Castelo). António Moreira’ |