Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
16516/15.1T8SNT-A.L1-2
Relator: GABRIELA CUNHA RODRIGUES
Descritores: TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO
FALTA DE COMPARÊNCIA
MULTA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - O CPC de 2013 reforçou o âmbito da intervenção do juiz no seu papel de conciliador, não se podendo reagir com indiferença a uma visão descomplexada do processo civil face à finalidade da pacificação social.
II - O dever das partes comparecerem, ou fazerem-se representar por mandatários, na diligência de tentativa de conciliação a que alude o artigo 594.º do CPC, deve ser entendido como a concretização no processo civil do princípio da boa-fé.
III - Ainda que o preceito relativo à multa – artigo 417.º, n.º 2, do CPC – esteja inserido no Título V, sobre a epígrafe Da instrução do processo, reportando-se especificamente à colaboração das partes para a descoberta da verdade, decorre da conjugação de tal preceito com o disposto nos artigos 7.º, n.ºs 1 e 2, e 594.º, n.º 2, do CPC, que a multa se aplica também à falta de comparência ao ato da tentativa de conciliação das partes.
IV - A comunicação da parte de que não irá comparecer por não querer conciliar-se não é, por si, motivo suficiente para alterar a decisão de convocação da diligência nem constitui justificação bastante para a falta.
V - Ainda que a tentativa de conciliação tenha lugar no Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste, enquanto a Exequente está sedeada na área do Tribunal da Comarca de Lisboa, tal como o escritório dos mandatários a quem outorgou procuração com poderes especiais, está implícito o entendimento do Tribunal a quo no sentido de a deslocação não comportar sacrifício considerável.
VI - E, efetivamente, não constituía, sobretudo se considerarmos que o percurso entre as duas comarcas é relativamente curto e dotado de bons acessos, para além de estarmos perante uma entidade bancária com delegações na maioria das cidades do país.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I - Relatório
1. A sociedade Banco Cofidis, S.A., com sede na avenida 24 de Julho, n.º 98, em Lisboa, interpôs recurso da decisão que a condenou no pagamento da multa de 2 UC por  falta de comparência à diligência de tentativa de conciliação.
2. Banco Cofidis, S.A. intentou a presente ação executiva para o pagamento de quantia certa, sob a forma de processo sumário, contra PC…, fundada em requerimento de injunção para o pagamento da quantia de 4 885,42 €, a título de capital e de juros.
3. No dia 7.11.2019, foi proferido o seguinte despacho:
«I. Referência n.º 15556207:
Em face do requerimento da executada e dos documentos juntos - de que a exequente foi notificada -, afigura-se útil ouvir as partes, designadamente para o efeito de se tentar uma solução concertada que possa satisfazer o essencial dos interesses em conflito (artigo 7.º, n.º 2, do CPC).
Para o efeito, designo o próximo dia 22/11/2019, às 14h00.
Notifique.
II. Até lá, susta-se provisoriamente a penhora sobre o vencimento da executada.
Notifique.
Comunique ao Sr. Agente de Execução
4. O sistema informático CITIUS certificou a elaboração da notificação da Exequente no dia 8.11.2019, com o seguinte teor:
«Fica deste modo V. Exa notificada, relativamente ao processo supra identificado, do despacho proferido, de que se junta cópia, e de que se encontra designado o dia 22-11-2019, às 14:00 horas para a tentativa de conciliação, devendo comparecer pessoalmente ou se fazer representar por mandatário judicial com poderes especiais
5. No dia 11.11.2019, foi apresentado o seguinte requerimento:
«BANCO COFIDIS, S.A, nos de execução á margem referenciada, que corre por apenso á execução em que é exequente o ora requerente e em que é executado PC…, tendo sido notificado do despacho de V. Exa de fls., que designa o próximo dia 22 de Novembro de 2019, pelas 14.00 horas para ter lugar a tentativa de conciliação vem, por um lado, reiterar o requerimento que nos autos apresentou aos 7 de Novembro de 2019, requerendo o prosseguimento da execução com a penhora no vencimento da executada P…, e por outro, requerendo para o efeito a melhor compreensão de V. Exa nos termos do artigo 7º do Código de Processo Civil, deixar expresso que não comparecerá, nem se fará representar na referida diligência tentativa de conciliação, requerendo contudo que se digne realizar mesma, e, ainda, que não se concilia.
Mais consignando que todos os advogados constantes da procuração junto aos autos têm poderes para transigir.»
6. No dia 15.11.2019, foi proferido o seguinte despacho:
«Referência n.º 15763961:
Visto.
Atento o disposto no artigo 7.º, n.º 3, do CPC, aguarde a data designada para a realização da diligência.
Notifique
7. No ato da diligência do dia 22.11.2019, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
«Atenta a falta da presença da parte contrária e/ou dos seus Mandatários com poderes especiais, fica inviabilizada a diligência para hoje designada de tentativa de conciliação.
Não podendo o Tribunal, como é evidente, impor às partes acordos de resolução amigável do objecto de litígio, afigura-se que a falta de presença, no caso concreto, da Cofidis representa uma violação do dever de colaboração que a lei impõe as partes (artigos 7.º, n.º 2, e 417.º, n.º 1, do CPC).
Por isso, nos termos do n.º 2 do artigo 417.º do CPC, condeno a exequente no pagamento de uma multa de 2 UC.
Notifique e comunique ao Agente de Execução, para efeitos de prosseguimento da Execução.»
8. Não se conformando com o decidido, a Exequente interpôs recurso de apelação, no qual alega que se aplica ao caso o artigo 594.º, n.º 2, do CPC, pois o requerimento do dia 11.11.2019 integra-se precisamente na parte final do dito preceito, havendo ainda que ter em consideração o disposto no artigo 7.º do CPC e o facto de a Recorrente não ser testemunha.
Apresenta a seguinte CONCLUSÃO:
«Em conclusão, portanto, o despacho recorrido violou o disposto nos artigos 594º, nº 2, 7º e 508º, nº 4, do Código de Processo Civil, pelo que o presente recurso deve ser julgado procedente por provado, e assim revogar-se o despacho recorrido, na parte objecto do presente recurso, proferindo-se Acórdão que declara sem efeito a condenação do ora recorrente em multa, desta forma se fazendo.» 9. Não foi apresentada alegação de resposta.
10. O recurso foi admitido por despacho do dia 10.1.2020, o qual é de apelação, com subida imediata, em separado e efeito suspensivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - Âmbito do recurso de apelação
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões da Recorrente (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), a solução a alcançar pressupõe a análise da seguinte questão:
- Saber se o despacho recorrido desrespeitou o preceituado nos artigos 594.º, n.º 2, 7.º e 508.º, n.º 4, do CPC.
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III - Fundamentação
Fundamentação de facto
Com relevância para a decisão a proferir, importa ter em consideração o iter processual e factual referido no relatório.
Apreciação do recurso
É objeto do presente recurso saber se a condenação em multa da Exequente por falta de comparência numa tentativa de conciliação designada pelo Tribunal a quo, em sede de ação executiva, respeita os princípios e regras legais.
A conciliação judicial no processo civil é regulada pelos artigos 594.º, 591.º, n.º 1, alínea a), e 604.º, n.º 2, do CPC, relevando no caso o primeiro daqueles preceitos.
Dispõe o artigo 594.º do CPC que:
«1 - Quando a causa couber no âmbito dos poderes de disposição das partes, pode ter lugar, em qualquer estado do processo, tentativa de conciliação, desde que as partes conjuntamente o requeiram ou o juiz a considere oportuna, mas as partes não podem ser convocadas exclusivamente para esse fim mais que uma vez.
2 - As partes são notificadas para comparecer pessoalmente ou se fazerem representar por mandatário judicial com poderes especiais, quando residam na área da comarca, ou na respetiva ilha, tratando-se das Regiões Autónomas, ou quando, aí não residindo, a comparência não represente sacrifício considerável, atenta a natureza e o valor da causa e a distância da deslocação.
3 - A tentativa de conciliação é presidida pelo juiz, devendo este empenhar-se ativamente na obtenção da solução de equidade mais adequada aos termos do litígio.
4 - Frustrando-se, total ou parcialmente, a conciliação, ficam consignadas em ata as concretas soluções sugeridas pelo juiz, bem como os fundamentos que, no entendimento das partes, justificam a persistência do litígio
O Código de Processo Civil de 2013 introduziu alterações relevantes no regime da tentativa de conciliação.
A tentativa de conciliação continua a ser presidida pelo juiz «devendo este empenhar-se ativamente na obtenção da solução de equidade mais adequada aos termos do litígio» (artigo 594.º, n.º 3, do CPC).
Frustrando-se a conciliação, devem ficar «consignadas em ata as concretas soluções sugeridas pelo juiz, bem como os fundamentos que, no entendimento das partes, justificam a persistência do litígio» (n.º 4 do mesmo preceito).
Na reforma de 1995-96, a disposição equivalente dispunha que a tentativa de conciliação, sendo igualmente presidida pelo juiz, «terá em vista a solução de equidade mais adequada aos termos do litígio» (n.º 3 do artigo 509.º do CPC) e, frustrando-se a conciliação, deviam ficar consignados em ata «os fundamentos que, no entendimento das partes, justificam a persistência o litígio» (n.º 4 do citado artigo 509.º).
Da conjugação dos dois regimes, ressalta com clareza que o legislador de 2013 reforçou o âmbito da intervenção do juiz no seu papel de conciliador, não se podendo reagir com indiferença a esta visão descomplexada do processo civil face à finalidade da pacificação social.
Já nas Ordenações Filipinas, L. 3.º, Título 20, § 1.º, era feita expressa menção à conveniência das partes não gastarem «suas fazendas» pois «o vencimento da causa é sempre duvidoso».
O artigo 28.º, n.º 4, do Decreto n.º 12353, de 22.9.1926, e subsequentemente o artigo 15.º, n.º 4, do Decreto n.º 21287, previam uma tentativa de conciliação, por iniciativa do juiz, embora sem concretizarem o momento em que deveria ocorrer.
No artigo 450.º do Projeto do CPC de 1939, foi introduzida a tentativa de conciliação na fase intermédia entre os articulados e o saneamento e condensação do processo.
O CPC de 1939 inseriu a fórmula «solução de equidade» para distinguir a conciliação judicial da simples mediação.
A reforma de 1961 manteve a função conciliatória do juiz mas contemplou limitações para prevenir abusos, designadamente com a consagração da impossibilidade de existir adiamento da tentativa por falta de comparecimento bem como das partes serem convocadas mais do que uma vez para tal efeito.
Na reforma de 1995-96, a alteração mais significativa quanto à tentativa de conciliação foi, como vimos, a introdução do n.º 4 do artigo 509.º, nos termos do qual, frustrando-se a conciliação, devia ficar consignada em ata «os fundamentos que, no entendimento das partes, justificam a persistência o litígio
Ademais, aos princípios do dispositivo e do inquisitório foi acrescentado o princípio da cooperação (artigo 265.º-B).
O princípio da cooperação não deve ser entendido como uma imposição às partes para que abdiquem dos seus interesses para auxiliarem o tribunal a chegar a um resultado justo, nem se propõe que encerre uma visão utópica do processo.
No estudo sobre a «Conciliação Judicial à Luz dos Deveres de Imparcialidade do Tribunal, de Cooperação e de Boa-fé» (ebook do CEJ, Mediação e Conciliação nos Conflitos Civis e Comerciais, maio de 2019, in http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/eb_Mediacao2019.pdf), Patrícia Helena Costa aborda a questão de saber se as partes, nomeadamente em obediência ao dever de cooperação e de agir com boa-fé, têm um específico dever de tentar a conciliação ou mesmo de se conciliarem e se, em caso afirmativo, poderão ser sancionadas, e em que termos, pelo não cumprimento desse dever.
Depois de analisar os sistemas jurídicos brasileiro e italiano, a Exequente acaba por concluir que, à luz do sistema nacional, lhe parece excessivo que a recusa de uma proposta conciliativa possa, por si só, constituir violação dos referidos deveres.
Considera a Autora que, «Na realidade, não podemos olvidar que a conciliação, e também a mediação, têm como finalidade primacial a realização da justiça do caso concreto através da contribuição da vontade dos interessados, sendo a voluntariedade do acto um elemento fundamental do mesmo. Sancionar a parte apenas porque recusa conciliar-se, ou aceitar a proposta formulada em sede de mediação/conciliação, reduz estes meios de composição de litígios a meros instrumentos de eficiência do sistema de justiça, sem atentar à natureza substancial dos mesmos enquanto meios, eles próprios, de realização de uma particular ideia de justiça. (obra citada, p. 103)
Mais escreveu que «Cremos ainda que, em favor deste entendimento, podemos retirar importante contributo do artigo 4.º, n.º 3 da Lei portuguesa sobre mediação civil e comercial, acima identificada, e que preceitua expressamente, por forma a dar consistência à necessária voluntariedade da mediação, que a recusa das partes em iniciar ou prosseguir o procedimento de mediação não consubstancia violação do dever de cooperação nos termos previstos no Código de Processo Civil. Por igualdade de fundamentos, a recusa das partes em conciliar-se, nomeadamente através da aceitação de proposta conciliativa formulada pela contraparte ou pelo juiz, em sede de tentativa de conciliação, não consubstancia violação do dever de cooperação.» (ibidem)
«A adopção de distinto entendimento, - continua a Autora - permitindo o sancionamento por si só da recusa de proposta conciliativa nomeadamente pelo instituto da litigância de má-fé (cfr. artigo 542.º, n.º 2, al. c) do CPC, realçando-se de todo o modo que não é qualquer violação do dever de cooperação que pode sustentar uma condenação como litigante de má-fé, mas apenas a violação grave, com dolo ou negligência também ela grave) teria o efeito contraproducente de constituir elemento de intimidação apto a inculcar nas partes que devem aceitar o acordo proposto pelo mediador/juiz, qualquer que seja, para evitar sancionamentos no processo judicial, o que afasta a possibilidade de realização da ideia de Justiça nestes casos. Na realidade, se a passagem por procedimento de mediação ou conciliação obrigatório não será inconstitucional, ainda que eventualmente possa ser inadequado, já o é o acordo obrigatório.» (ibidem)
Afastado o dever de conciliar das partes no caso concreto, quid iuris quanto ao dever de comparência em diligência designada para o efeito?
O dever das partes de comparecerem em diligência de tentativa de conciliação deve ser entendido como a concretização no processo civil do princípio da boa-fé.
Enquanto dever do juiz, fomentar a conciliação entre as partes reflete o reconhecimento de que na sociedade atual não é admissível uma justiça em que o juiz se abstrai totalmente da realidade.
O modelo do atual processo civil é, ainda, um modelo de flexibilidade, em que o juiz deve conduzir o processo da forma que entender mais adequada ao caso concreto, com absoluto respeito pelos direitos fundamentais das partes.
Depois da análise da relevância que o legislador vem concedendo ao papel do processo civil ao serviço do cidadão, na vertente da pacificação social, atentemos nas consequências do incumprimento do dever de comparência das partes à diligência designada para a tentativa de conciliação.
Segundo o artigo 512.º do CPC de 1939, a parte que não comparecesse na audiência preparatória, nem se fizesse representar por advogado com poderes especiais para transigir, era condenada em multa.
Com o CPC de 1961 (artigo 508.º, n.º 2), a sanção passou a ser aplicada apenas quando as partes residissem na comarca, único caso em que eram notificadas para comparecer pessoalmente.
Com o Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 29.12, passou a atender-se à área – mais vasta – do círculo judicial ou da ilha das Regiões Autónomas, passando ainda o juiz a poder determinar a notificação para comparência da parte (ou do mandatário com poderes especiais: artigo 37.º, n.º 2, do CPC de 1961, correspondente ao atual artigo 45.º) residente fora dessa área quando entendesse que tal não representaria sacrifício incomportável e objetivamente justificado (artigo 509.º, n.º 2, do CPC de 1961).
Por outro lado, deixou de se fazer referência à multa aplicável às partes em caso de não comparência.
Com a Lei n.º 3/99, de 13.1, na versão de 2008 (LOFTJ), o artigo 509.º, n.º 2, do CPC de 1961 passou novamente a atender à comarca, em vez do círculo, situação que ainda hoje se mantém (artigo 594.º, n.º 2, do CPC), em harmonia com a atual divisão judicial do território (artigo 33.º, n.º 2, da Lei n.º 62/2013, de 26.8 - LOSJ) – cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 3.ª edição, Coimbra: Almedina, p. 654.
Preceitua o artigo 7.º do CPC que:
«1- Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.
2 - O juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir as partes, seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência. (…)»
Por seu turno, dispõe o artigo 417.º do CPC que:
«1 - Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados.
2 - Aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil. (…)»
Ora, ainda que o preceito relativo à multa esteja inserido no Título V, sobre a epígrafe Da instrução do processo, reportando-se especificamente à colaboração das partes para a descoberta da verdade, decorre da conjugação do disposto neste artigo 417.º, n.º 2, com os artigos 7.º, n.ºs 1 e 2, e 594.º, n.º 2, do CPC, que a multa se aplica também à falta de comparência ao ato de tentativa de conciliação das partes.
Na situação em apreço, é evidente que a causa cabe no âmbito dos poderes de disposição das partes e, por conseguinte, poderia haver lugar à tentativa de conciliação por iniciativa do Tribunal.
O Tribunal recorrido considerou tal diligência oportuna, como expressamente se consignou no despacho que a designou.
Aliás, a conciliação foi perspetivada com referência ao artigo 7.º, n.º 2, do CPC, afirmando o Tribunal a quo o desiderato de ouvir as partes.
Segundo o n.º 2 do artigo 594.º do CPC, «As partes são notificadas para comparecer pessoalmente ou se fazerem representar por mandatário judicial com poderes especiais, quando residam na área da comarca, ou na respetiva ilha, tratando-se das Regiões Autónomas, ou quando, aí não residindo, a comparência não represente sacrifício considerável, atenta a natureza e o valor da causa e a distância da deslocação
É certo que a tentativa de conciliação teria lugar no Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste, enquanto a Exequente está sedeada na área do Tribunal da Comarca de Lisboa, tal como o escritório dos mandatários a quem outorgou procuração com poderes especiais.
Determinou-se, todavia, a comparência das partes ao abrigo do artigo 7.º, n.º 2, do CPC, demonstrando-se um interesse acrescido em ouvir as partes.
Desta determinação resulta implícito que o Tribunal a quo entendeu que a deslocação do representante da Exequente, nomeadamente de um dos seus mandatários, não constituía sacrifício considerável.
E, efetivamente, não constituía, sobretudo se considerarmos que o percurso entre as duas comarcas é relativamente curto e dotado de bons acessos, para além de estarmos perante uma entidade bancária com delegações na maioria das cidades do país (neste sentido, vide o acórdão do TRE de 31.1.2013, p. 3103/11.2TBEVR-A.E1, in www.dgsi.pt).
Nem vemos que o valor da execução obstaculize esta consideração, pois só aparentemente será reduzido, atente as dificuldades evidenciadas pela Executada no processo.
Urge pois concluir que, perante a determinação do Tribunal a quo, incumbia às partes comparecerem pessoalmente ou fazerem-se representar por mandatário munido de poderes especiais, só estando desobrigadas dessa comparência se a mesma não fosse possível.
Como bem se refere no citado acórdão do TRE de 31.1.2013, não há dúvida de que a simples intenção ou vontade de não se conciliar não constitui justificação suficiente para a não comparência.
Em suma, sendo a designação da diligência da iniciativa do Tribunal a quo baseada em critérios de oportunidade, a comunicação da parte de que não iria comparecer por não querer conciliar-se não era, por si, motivo suficiente para alterar a decisão de convocação da diligência, bem como não constituía justificação bastante para a falta.
Este entendimento sai fortalecido pela evolução ao longo dos tempos do paradigma do processo civil, acentuando-se crescentemente a sua vertente social, em detrimento de uma conceção liberal que remonta ao CPC de 1876.
Não tendo a Exequente comparecido nem se tendo feito representar por mandatário munidos de poderes especiais para o efeito, deveria, como foi, ser condenada em multa de 0,5 UC a 5 UC, nos termos do artigo 27.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais.
Segundo o disposto no n.º 4 deste preceito, o montante da multa deve ser fixado pelo juiz tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste.
A fixação do montante de 2 UC mostra-se adequada e proporcionada, tendo em consideração, para além do mais, que a Exequente é uma entidade bancária.
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Em face do exposto, a apelação deve improceder.
Uma vez que a Apelante ficou vencida, deve ser condenada no pagamento das custas do recurso - artigos 527.º, n.º 1, 529.º e 607.º, n.º 6, do CPC.
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IV - Decisão
Nestes termos, decide-se julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Mais se decide condenar a Apelante nas custas do recurso.

Lisboa, 5 de março de 2020
Gabriela Cunha Rodrigues
Arlindo Crua
António Moreira