Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | LEOPOLDO SOARES | ||
Descritores: | PERÍODO EXPERIMENTAL DURAÇÃO LEI IMPERATIVA ESCRITURÁRIO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/08/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I–As normas relativas à duração do período experimental são relativamente imperativas. II–As fontes inferiores não podem aumentar a duração daquele período, apenas podem reduzi-lo. III–A interpretação dos conceitos referidos nas alíneas b) e c) do artigo 112º do CT/2009 é de apreensão casuística. IV–Não se deve reputar de especial complexidade técnica ou elevado grau de responsabilidade o exercício sem mais de funções de escriturário de gestão financeira, para efeitos do apuramento do devido período experimental. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa AA, intentou[1] acção com processo comum, contra EDA – Electricidade dos Açores, SA, com sede na Rua ..... ..... ....., nº..., P___ D___. Pede o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado a vincular as partes, bem como a declaração de nulidade da cláusula que prevê o período experimental e a declaração de ilicitude do seu despedimento. Também solicita a condenação da Ré a reintegrá-lo, com a mesma categoria e sem perda de antiguidade, bem como a pagar-lhe as retribuições intercalares, vencidas desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença e ainda uma indemnização a título de danos não patrimoniais. Alega, em suma, que, em 2 de Março de 2022, foi admitido pela Ré para, no interesse e sob as ordens, direcção e fiscalização desta exercer funções de “escriturário”’. Em 8 de Setembro seguinte, a Ré comunicou-lhe a cessação deste contrato. Alegou fazê-lo dentro do período experimental. Todavia, tal período já tinha decorrido. A cessação do contrato consubstancia um despedimento ilícito. Em 31 de Março de 2023, realizou-se audiência de partes.[2] A Ré contestou.[3] Alegou, em síntese, que o Autor foi admitido para o exercício de funções de escriturário de gestão financeira, tendo o contrato um período experimental de 180 dias. O contrato esteve suspenso por oito dias, durante o mês de Maio de 2022. O contrato veio a cessar por iniciativa sua, mas dentro do período experimental que lhe era aplicável. Assim, cessou de forma lícita. Finaliza sustentando a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido. Em 11 de Abril de 2023[4], dispensou-se a realização de audiência prévia. Saneou-se o processo. Fixou-se o valor da causa em € 6.000,00. Realizou-se julgamento, em duas sessões, que foi gravado. [5] Em 23 de Junho de 2023, foi proferida sentença que logrou o seguinte dispositivo: « Pelo referido, atentas as orientações atrás explanadas, e ponderados todos os princípios e normas jurídicas que aos factos apurados se aplicam, julga o Tribunal a acção parcialmente procedente, nos seguintes termos: a) declara a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, celebrado entre o Autor, e a Ré, EDA – Electricidade dos Açores, SA; b) declara que o período experimental aplicável a este contrato de trabalho é de 90 dias; c) declara ilícito o despedimento do Autor, realizado pela Ré; d) condena a Ré a proceder à reintegração do Autor, com a mesma categoria, antiguidade e direitos; e) condena a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 3969,00, a título de compensação por despedimento (vencida desde o trigésimo dia anterior à propositura da acção até hoje), com acréscimo das retribuições vencidas desde a presente data até ao trânsito em julgado da sentença, incluindo as prestações devidas a título de retribuição do período de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, mas sem prejuízo do disposto no art. 390º, nº 2, alíneas a) e c), do Código do Trabalho; f) condena a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 800,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, com acréscimo dos juros de mora devidos sobre esta prestação, calculados à taxa legal, vencidos desde a data da citação até definitivo e integral pagamento. * Custas a cargo do Autor e da Ré, na proporção de 1/6 a cargo do primeiro e de 5/6 a cargo da segunda. * Registe e notifique. » - fim de transcrição.. As notificações da sentença foram expedidas em 23 de Junho de 2023, data em que o MºPº também foi notificado.[6] Em 11 de Julho de 2023 , a Ré recorreu.[7] Concluiu que: « a)- O presente recurso versa sobre matéria de facto e de direito, sendo interposto da douta sentença que julgou a ação parcialmente procedente, declarando: (I) Que o período experimental aplicável ao contrato de trabalho celebrado entre a recorrente e o A é de 90 dias; (II) A ilicitude do despedimento do Autor, realizado pela Recorrente; (III) A condenação da Recorrente a proceder à reintegração do Autor, com a mesma categoria, antiguidade e direitos; (IV) A condenação da Recorrente a pagar ao Autor a quantia de € 3969,00, a título de compensação por despedimento (vencida desde o trigésimo dia anterior à propositura da ação até hoje), com acréscimo das retribuições vencidas desde a presente data até ao trânsito em julgado da sentença, incluindo as prestações devidas a título de retribuição do período de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, mas sem prejuízo do disposto no art. 390º, nº 2, alíneas a) e c), do Código do Trabalho; (V) A condenação da Recorrente a pagar ao Autor a quantia de € 800,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, com acréscimo dos juros de mora devidos sobre esta prestação, calculados à taxa legal, vencidos desde a data da citação até definitivo e integral pagamento; b)-A douta sentença recorrida apenas considerou provado no seu ponto 1 que a Recorrente “EDA – Electricidade dos Açores, SA tem como “objecto principal (…) a produção, a aquisição, o transporte, a distribuição e a venda de energia eléctrica”. Ora, salvo o devido respeito, no ponto 1 deve constar ainda que a apelante é a concessionária exclusiva do transporte e distribuição de energia elétrica para as nove ilhas do Arquipélago dos Açores, conforme alegado em 9 da contestação e resulta do contrato de concessão outorgado em respeito pela Resolução n.º 181/00, de 12 de outubro, publicada no Jornal Oficial, I Série, n.º 41/2000, fazendo parte integrante do setor público empresarial (sendo, portanto, uma empresa pública) por força do disposto no Decreto Legislativo Regional n.º 7/2008/A, de 24.03 [em virtude do facto da maior parte do seu capital social ser detido por uma pessoa coletiva pública (a Região Autónoma dos Açores)], conforme resulta da certidão permanente da apelante (cujo código de acesso é descrito na contestação); c)-Por essa razão, toda a atividade financeira e contabilística da Recorrente é sujeita à jurisdição/fiscalização do Tribunal de Contas [al. b) n.º 2 do artigo 2º, da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas], sendo ainda uma atividade regulada pela ERSE – Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, razão pela qual o ponto 1 dos factos dados como provados deve ser alterado, passando a constar, para além do respetivo objeto social, todo o restante descrito acima referido por resultarem (concretamente) do ordenamento jurídico em vigor; d)-No facto dado como provado no ponto 3, da sentença recorrida, o Tribunal a quo descreve o teor de parte do contrato de trabalho celebrado entre a Recorrente e o A. Porém, tal como referido nesse mesmo ponto e, ainda, conforme alegado em 5 da contestação, a categoria profissional para a qual o A foi contratado é a de Escriturário de Gestão Financeira que consta do Anexo II, do Acordo de Empresa celebrado entre a R e os sindicatos representativos dos seus trabalhadores (SINDEL - Sindicato Nacional da Indústria e da Energia, SIESI - Sindicato das Indústrias Elétricas do Sul e Ilhas, SINERGIA - Sindicato da Energia, SINDESCOM - Sindicato dos Profissionais de Escritório, Comércio, Indústria, Turismo, Serviços e Correlativos da Região Autónoma dos Açores, SE - Sindicato dos Economistas, SERS - Sindicato dos Engenheiros e SNEET - Sindicato Nacional dos Engenheiros, Engenheiros Técnicos e Arquitetos) - Convenção Coletiva de Trabalho n.º 2/2021, de 19 de janeiro de 2021, Jornal oficial, II Série, n.º 12; e) A alínea d) n.º 1 do artigo 2º, do Anexo I, do acordo de Empresa em vigor, estabelece que as funções exercidas pelo A são executadas por “profissionais qualificados”, por corresponderem ao nível SP, RL f)-Razão pela qual deve passar a constar no ponto 3 dos factos dados como provados, ou em ponto distinto, que as funções exercidas pelo Autor são de natureza qualificada atendendo ao teor do Acordo de Empresa em vigor e publicado no Jornal Oficial da Região Autónoma dos Açores (Convenção Coletiva de Trabalho n.º 2/2021, de 19 de janeiro de 2021, Jornal oficial, II Série, n.º 12); g)-O que apenas está em causa nestes autos é determinar se o período experimental do contrato de trabalho sem termo celebrado entre a Recorrente e o Autor é de 180 ou de 90 dias. Salvo o devido respeito, andou mal a sentença recorrida quando entende que não é possível concluir dos factos provados a complexidade das funções desenvolvidas pelo Autor, fazendo ainda alusão ao montante do vencimento auferido por este; h)-A complexidade das funções exercidas pelo Autor resulta da especificidade da contabilização de cerca de duas mil faturas mensais, em sistemas próprios e complexos, a sua classificação, gestão, confirmação e aplicação da taxa de IVA adequada e diferenciada a cada uma dessas faturas numa empresa pública que fatura milhões, concessionária do transporte e distribuição de energia, regulada pela Entidade Reguladora do Setor Energético, sob jurisdição do Tribunal de Contas e sujeita a mecanismos de auditoria específicos, tal como resulta dos esclarecimentos das testemunhas arroladas, e, bem assim, daquilo que os sindicatos representativos de todos os trabalhadores da apelante acordaram em sede de Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho [alínea d) n.º 1 do artigo 2º, do Anexo I e Anexo II, da Convenção Coletiva de Trabalho n.º 2/2021, de 19 de janeiro de 2021, Jornal oficial, II Série, n.º 12] i) Andou mal a sentença recorrida quando entende que o prazo de duração do período de experimental aplicável ao contrato de trabalho celebrado entre a Recorrente e o Autor é de 90 dias, que é referente à generalidade dos trabalhadores indiferenciados. O Autor não era um trabalhador indiferenciado e às suas funções deve corresponder um prazo de duração do período experimental de 180 dias, por serem qualificadas, tecnicamente complexas e pressupõem um elevado grau de responsabilidade, tendo sido por isso que esse período constou do contrato assinado pelas partes e a sua “qualificação” resulta ainda daquilo que o Acordo de Empresa em vigor estabelece para a categoria profissional exercida pelo Autor; j)-Razão pela qual a douta sentença recorrida merece ser alterada por outra que declare a ação improcedente e, em consequência, declare que o período experimental aplicável ao contrato de trabalho celebrado entre a Recorrente e o Autor é de 180 dias, bem como a licitude do despedimento deste e absolva aquela dos pedidos contra si formulados. (….) » - fim de transcrição.. O Autor contra alegou.[8] Concluiu que: «1.–A alteração à redação proposta pelos recorrentes ao facto provado 1 é perfeitamente inútil, porque tais alterações resultam directamente da lei. Não se trata de alterar o juízo quanto à matéria de facto, mas de fazer constar da matéria de facto 2.–Iniciado o contrato, este rege-se pelas normas do Código do Trabalho (cf. artigo 2º.°, n.° 1, do Decreto Legislativo Regional n.° 7/2008/A, de 24 de Março), o que significa que o regime relativo ao período experimental é o dele constante, sem quaisquer limitações a não ser as que decorram do acordo das partes ou de IRCT aplicável nos limites por aquele permitidos. 3.–Ou seja, não é possível convocar outras normas reguladoras da denúncia do contrato durante o período experimental, designadamente de direito administrativo. 4.– Pelo exposto, deverá manter-se a redacção do ponto 1 tal como consta da sentença recorrida. 5.–Quanto ao ponto 3, que a recorrente pretende também ver alterado, não se compreende em rigor que alteração pretende a recorrente porque ser um profissional qualificado não leva a que as funções que desempenhem sejam especialmente complexas, conquanto não permite afirmar que esta actividade fosse especialmente complexa (acima do normal), exigisse uma qualificação acima da média, pressupusesse um nível de responsabilidade elevado, e muito menos que assim se passasse com uma significativa diferença face aos outros trabalhadores da Ré que, concretamente, trabalhassem neste sector contabilístico e financeiro da empresa. 6.–Pelo exposto, deverá manter-se a redacção do ponto 3 tal como consta da sentença recorrida. 7.–Considerando a concreta actividade desenvolvida pelo A. ao serviço da R., o período experimental do contrato de trabalho celebrado entre o A. e a R. não podia exceder 90 dias, ao abrigo do disposto no artigo 112.º, n.° 1, al. a), do Cód. Trabalho. 8.–As normas relativas à duração do período experimental têm natureza imperativa mínima, uma vez que a lei permite o seu afastamento apenas num sentido mais favorável ao trabalhador: assim, o período experimental pode ser reduzido por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou por acordo escrito das partes, ou mesmo excluído por acordo escrito das partes (artigos 112º, n.° 5, e 111º, n.° 3, do Cód. Trabalho), mas os limites não podem ser alargados. 9.–Apesar de o contrato de trabalho aqui em causa, celebrado entre o Autor e a Ré, prever um período experimental de 180 dias, mas por força do regime legal (imperativo) consagrado no art. 112o, n° 1, alíneas a) e b), do Código do Trabalho, o período experimental deste contrato tinha uma duração de 90 dias, não estando cumpridos, nestes termos legais ora enunciados, os requisitos para se lhe aplicar um período experimental mais alargado. 10.–E, sendo de 90 dias este período experimental, então forçosamente também tem de se concluir, e sem sequer haver necessidade de verificar a existência, ou não, do tal alegado período de suspensão contratual, que, tendo esta relação de trabalho se iniciado em 2 de Março de 2022, a Ré, ao promover a cessação do contrato mediante declaração de 18 de Agosto do mesmo ano (com efeitos a partir de 7 de Setembro seguinte), fê-lo já fora do período experimental. 11.–O tribunal a quo fez uma correcta e criteriosa aplicação dos artigos art. 112º , n° 1, alíneas a) e b), n.° 5, e n.° 3, do Cód. Trabalho. 12.–Deve o recurso interposto pela R., no qual não é invocada uma única base legal que tenha sido violada, ser julgado improcedente e a sentença confirmada.`» - fim de transcrição. Assim, sustenta a improcedência do recurso e a confirmação integral da sentença. Em 1 de Setembro de 2023 , foi lavrado o seguinte despacho:[9] «O recurso é admissível, está em tempo e a recorrente tem legitimidade (cfr. arts. 79º-A, nº 1, 80º, nº 1, 81º, nº 1, e 82º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho). Nestes termos, admito o presente recurso, o qual é de apelação, com subida imediata, nos próprios autos (cfr. arts. 79º-A, nº 1, e 83º-A, nº 1, do Código de Processo do Trabalho). * Requerendo a recorrente a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, concede-se-lhe um prazo de dez dias para a prestação de caução, no valor indicado neste requerimento (cfr. art. 83º, nº 2 e 4, do Código de Processo do Trabalho). Notifique. » - fim de transcrição.. Em 14 de Setembro de 2023, foi lavrado o seguinte despacho:[10] « Sem prejuízo da junção do respectivo original deste documento, com a apresentação pela Ré desta garantia bancária o recurso interposto tem efeito suspensivo, devendo os autos ser remetidos ao Tribunal da Relação de Lisboa. » - fim de transcrição.. A Exmª Procuradora Geral Adjunta formulou o seguinte parecer: « Funda o recorrente a sua discordância relativamente à sentença nas seguintes ordens de razões – pretendendo haver erro de fixação de matéria de facto , para a partir desse erro demonstrar que as funções exercidas pelo trabalhador são especialmente complexas a fim de integrarem a previsão do artigo 112 n.º 1 al. b ) do Código do Trabalho. Aderimos inteiramente à argumentação da resposta do autor, ainda se dizendo: A sentença no ponto 3 dos factos provados descreve o conteúdo do acordo realizado entre autor e ré. Nesse acordo lê-se no ponto 2: 2. Para os efeitos da alínea c) do nº 3 do art.106º, do Código do Trabalho, consigna-se que a caracterização sumária do conteúdo da referida categoria, de acordo com a definição do acordo de empresa aplicável, adiante identificada, é a seguinte: (É o profissional que executa tarefas no âmbito da contabilidade, gestão financeira e de tesouraria, opera nos sistemas informáticos, dá cumprimento às normas legais, fiscais e regulamentos da empresa, interpreta, efectua e confere os registos contabilísticos dos documentos relativos às aquisições de bens e serviços e das operações financeiras e de tesouraria; emite facturas ou documentos equivalentes e procede ao respectivo registo contabilístico e conferência, recolhe e confere informação relativa aos compromissos da empresa e promove as acções inerentes ao seu pagamento; prepara elementos para liquidação de impostos; executa o processo administrativo de seguros; participa na elaboração de cálculos financeiros; participa na preparação de planos e orçamentos; recolhe analisa e integra ficheiros de dados com ordens de pagamento, elementos para conciliação e apuramento de saldos em contas bancárias e de terceiros e outras operações; colabora na previsão periódica de reforços de fundos, efectua o cálculo mensal das amortizações, prepara ao mapas legais e fiscais do imobilizado, elabora os livros selados, confere e valida a informação resultante da integração de outros sistemas de informação; colabora no tratamento de dados estatísticos para informação de gestão; dá colaboração funcional a profissionais mais qualificados.). Assim, resulta do próprio acordo celebrado entre autor e ré a definição das funções que ao autor estavam atribuídas, definição esta que o acordo vai buscar à definição constante do acordo de empresa aplicável. Ademais na fixação da matéria de facto nos pontos 4 e 5 descrevem-se as funções que o autor executava efectivamente; como resulta da sentença recorrida estes factos encontram-se motivados nos seguinte s meios de prova: Quanto à factualidade descrita em 4), o Tribunal articulou as versões (no essencial, sólidas e mesmo convergentes entre si) apresentadas em audiência pelo Autor e por várias testemunhas que, ao serviço da Ré (ou do grupo empresarial onde a mesma se insere), também exercem actividade na área financeira e contabilística: AF, JB, IG, CF, CR e JV (sendo CR, para além do mais, a chefe do Autor neste serviço de contabilidade). E tudo isto tomando ainda em consideração a ‘ficha de avaliação’ junta ao processo já no decurso da audiência final, da qual se retira, não só a avaliação em si do Autor (matéria que, no caso dos autos, até nem se mostra relevante), mas também, e naquilo que aqui importa, as tais funções concretamente desempenhadas por este trabalhador. No recurso apresentado o recorrente não coloca em crise estes meios de prova, nem demonstra qualquer contradição entre o conteúdo dos mesmos e a fixação factual efectuada. Alega a recorrente que o autor exercia funções de complexidade técnica. Ora, como bem referido na sentença , a complexidade exigida pelo artigo 112 n.º 1 al. B) do Código de trabalho– integra aquelas situações em que as funções exigidas pelo trabalhador o são com uma exigência acima da média. O que, como bem analisado na sentença recorrida , não se verifica neste caso. Aliás a ausência de complexidade das funções em causa é bem expressiva no montante da retribuição auferida de 882,00€ ( retribuição pouco acima do salário mínimo nacional). Pelo que se emite parecer no sentido de que a sentença impugnada apreciou corretamente a matéria de facto provada e interpretou e aplicou acertadamente as respetivas normas jurídicas, decidindo em conformidade. Desta forma, nenhuma censura deverá merecer a referida decisão, a qual, por isso, deve ser confirmada, declarando-se em consequência, improcedente o recurso interposto.» - fim de transcrição.. A EDA - Electricidade dos Açores, S.A, respondeu nos seguintes termos: «1.-Em suma, no seu douto parecer, o Ministério Público entende que as funções laborais exercidas pelo recorrido não têm uma natureza complexa ao abrigo do disposto no artigo 112 n.º 1 al. b) i, porque tais funções teriam de comportar uma complexidade acima da média e o montante da retribuição auferida seria prova da ausência dessa complexidade; 2.-Salvo o devido respeito, que é muito, não se pode concordar com tais considerações. De facto, o conteúdo regulamentar das relações de trabalho é heterogéneo, ali se articulando elementos pretendidos pelos contratantes, usualmente constantes do contrato individual de trabalho, com elementos de origem normativa que o passaram a integrar por receção ou absorção; 3.-Sendo a convenção coletiva uma fonte laboral específica de direito do trabalho, isto é, um modo particular de revelação de regras laborais na ordem jurídica, constituindo um instrumento por excelência do exercício da autonomia coletiva, que revela regras jurídicas aplicáveis às situações laborais e coletivas que existem ou que venham a constituir-se no âmbito da sua esfera de incidência própria, as cláusulas que a compõem revestem as características de generalidade e abstração típicas da norma jurídica (cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte I, 2.ª Edição, Almedina, págs. 241-242); 4.-A categoria profissional para a qual o recorrido foi contratado é a de Escriturário de Gestão Financeira que consta do Anexo II, do Acordo de Empresa celebrado entre a recorrente e os sindicatos representativos dos seus trabalhadores (SINDEL – Sindicato Nacional da Indústria e da Energia, SIESI - Sindicato das Indústrias Elétricas do Sul e Ilhas, SINERGIA - Sindicato da Energia, SINDESCOM - Sindicato dos Profissionais de Escritório, Comércio, Indústria, Turismo, Serviços e Correlativos da Região Autónoma dos Açores, SE - Sindicato dos Economistas, SERS - Sindicato dos Engenheiros e SNEET - Sindicato Nacional dos Engenheiros, Engenheiros Técnicos e Arquitetos) – Convenção Coletiva de Trabalho n.º 2/2021, de 19 de janeiro de 2021, Jornal oficial, II Série, n.º 12; 5.-Nos termos do Acordo de Empresa celebrado entre a Recorrente e os sindicatos representativos dos seus trabalhadores, a categoria profissional do recorrido corresponde ao nível 5; 6.-Ora, a alínea d) n.º 1 do artigo 2º, do Anexo I, do acordo de Empresa em vigor, estabelece que as funções exercidas pelo recorrido são exercidas por “profissionais qualificados”. Tal facto devia ter sido considerado provado pela douta sentença recorrida no ponto 3 ou em ponto distinto, o que não sucedeu, não obstante terem sido alegados e constarem de publicação oficial; 7.-Ou seja, a complexidade das funções laborais exercidas pelo recorrido está devidamente qualificada pelo instrumento de regulamentação coletiva em vigor na recorrente (acordo de empresa) e, naturalmente, fundamentou a natureza da complexidade do período experimental em causa; 8.-O acordo de empresa em vigor é fonte de direito e, a nível jurisprudencial, está consolidado o entendimento que a interpretação das cláusulas de conteúdo regulativo das convenções coletivas de trabalho deve obedecer às regras próprias da interpretação da lei, devendo partir-se do enunciado linguístico da norma, ou seja, da letra da lei, por ser o ponto de partida da atividade interpretativa uma vez que através dela se procura reconstituir o pensamento das partes outorgantes desse IRCT; 9.-A complexidade das funções laborais do recorrido decorre das respetivas tarefas desempenhadas e do acordo de empresa em vigor, facto que, salvo o devido respeito, o Ministério Público e a douta sentença recorrida ignoraram em absoluto. Pelo exposto, a douta sentença recorrida merece ser alterada por outra que declare a acção improcedente e, em consequência, declare que o período experimental aplicável ao contrato de trabalho celebrado entre a recorrente e o recorrido é de 180 dias, bem como a licitude do despedimento deste e absolva aquela dos pedidos contra si formulados.» - fim de transcrição. Foram colhidos os vistos. Nada obsta ao conhecimento. **** Eis a matéria dada como provada [ que se mostra impugnada] : 1. EDA – Electricidade dos Açores, SA tem como “objecto principal (…) a produção, a aquisição, o transporte, a distribuição e a venda de energia eléctrica”. 2. Em 2 de Março de 2022, AA e EDA – Electricidade dos Açores, SA , ajustaram, por escrito, um acordo ao abrigo do qual o Autor exercia funções no interesse e sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré. 3. Nas condições descritas no número anterior, consta deste acordo: “Cláusula Primeira (Categoria e conteúdo) 1.-O TRABALHADOR é admitido ao serviço do EMPREGADOR para, sob a autoridade, direcção e fiscalização deste exercer a actividade correspondente à categoria profissional de Escriturário de gestão Financeira ou outras funções para as quais possua qualificação profissional adequada e que não impliquem desvalorização profissional, desde que sejam afins ou funcionalmente ligadas às daquela categoria, sem prejuízo do direito à retribuição mais elevada que corresponda a estas funções, enquanto que o seu exercício, ainda que acessório, se mantiver, tudo nos termos dos arts. 118º a 120º do Código do Trabalho. 2.-Para os efeitos da alínea c) do nº 3 do art.106º, do Código do Trabalho, consigna-se que a caracterização sumária do conteúdo da referida categoria, de acordo com a definição do acordo de empresa aplicável, adiante identificada, é a seguinte: (É o profissional que executa tarefas no âmbito da contabilidade, gestão financeira e de tesouraria, opera nos sistemas informáticos, dá cumprimento às normas legais, fiscais e regulamentos da empresa, interpreta, efectua e confere os registos contabilísticos dos documentos relativos às aquisições de bens e serviços e das operações financeiras e de tesouraria; emite facturas ou documentos equivalentes e procede ao respectivo registo contabilístico e conferência, recolhe e confere informação relativa aos compromissos da empresa e promove as acções inerentes ao seu pagamento; prepara elementos para liquidação de impostos; executa o processo administrativo de seguros; participa na elaboração de cálculos financeiros; participa na preparação de planos e orçamentos; recolhe analisa e integra ficheiros de dados com ordens de pagamento, elementos para conciliação e apuramento de saldos em contas bancárias e de terceiros e outras operações; colabora na previsão periódica de reforços de fundos, efectua o cálculo mensal das amortizações, prepara ao mapas legais e fiscais do imobilizado, elabora os livros selados, confere e valida a informação resultante da integração de outros sistemas de informação; colabora no tratamento de dados estatísticos para informação de gestão; dá colaboração funcional a profissionais mais qualificados.). Cláusula Segunda (Retribuição) 1.-A retribuição base mensal do TRABALHADOR é fixada na quantia bruta de 882,00€ (oitocentos e oitenta e dois euros) para a duração semanal acordada nos termos do número um da cláusula quarta, ficando sujeita a todos os descontos legalmente previstos, acrescido de 10,1€ (dez euros e dez cêntimos) diários, a título de subsídio de alimentação. (…) Cláusula Quinta (Início e duração) 1.-O presente contrato produz os seus efeitos a partir de 02 de Março de 2022. 2.-O período experimental, fundamentado na sua correspondência ao período de execução deste contrato, é de 180 dias. 3.-Durante o período experimental, qualquer das partes pode denunciar o presente contrato sem aviso prévio nem necessidade de invocação de justa causa, não havendo direito a indemnização. 4.-Tendo o período experimental durado mais de 60 dias, para denunciar o contrato nos termos previstos no número anterior, o EMPREGADO dará um aviso prévio de 7 dias”. 4.-No âmbito deste acordo, nos termos descritos nos dois números anteriores, o Autor exercia as seguintes funções: a)- recebimento e digitalização de facturas apresentadas por fornecedores da Ré; b)- na sequência do descrito na alínea anterior, registo e classificação dessas facturas no sistema informático da Ré, conferindo os elementos das mesmas (data, nome, valor, ‘pedido de compra’, ‘área de serviço’) e procedendo à indicação, nesse sistema, da taxa de IVA aplicável em cada uma delas. 5.-Nos mesmos termos, o Autor, no exercício das suas funções, não realizava pagamentos. 6.-E não recebia ‘abono para falhas’ 7.-Em 16 de Maio de 2022, ocorreu um incidente informático junto dos serviços da Ré, de natureza e em circunstâncias não concretamente determinadas, perturbando os seus sistemas informáticos nas áreas administrativa e financeira. 8.-Na sequência do descrito no número anterior, o Autor e outros funcionários do serviço de contabilidade da Ré, por determinação desta última, ficaram dispensados de comparecer ao serviço, por um período não concretamente determinado, não obstante a presença diária de, pelo menos, um deles. 9.-Assim ocorrendo sem perda de retribuição. 10.-Em 18 de Agosto de 2022, a Ré deu conhecimento ao Autor do teor da seguinte comunicação escrita: “Com referência ao contrato de trabalho entre a EDA e Vexa. celebrado a 02 de Março de 2022, vimos por este meio comunicar, ao abrigo do nº 1 do Art. 114º da Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro, que o mesmo caducará no próximo dia 07 de Setembro de 2022, deixando, portanto, de vigorar a partir de tal data”. 11.-Nas mesmas circunstâncias, e por o Autor se recusar a receber esta comunicação escrita, os serviços da Ré apuseram na mesma a seguinte menção: “Perante os presentes, foi lida a carta ao AA, de modo a que tomasse conhecimento do conteúdo da mesma. 18 de Agosto de 2022 16h.17m”. 12.-Em 8 de Setembro de 2022, apresentando-se o Autor ao serviço, a Ré deu-lhe conhecimento de uma comunicação escrita com o seguinte teor: “Na sequência da nossa comunicação datada de 18 de Agosto, onde se procede á denúncia do contrato de trabalho celebrado, onde se informa que o mesmo cessa a 7 de Setembro de 2022, vem a EDA – Electricidade dos Açores, SA, esclarecer Vexa. Que a empresa denunciou de forma tempestiva o referido contrato. De, e não obstante o termo do período experimental apenas ocorrer em 11 de Setembro de 2022, uma vez que a dispensa do exercício da actividade laboral não é considerada na contagem do período experimental, a verdade é que a EDA denunciou o supra referido contrato com efeitos a 7 de Setembro de 2022, ou seja sempre antes do supra referido termo. Pelo exposto, reitera-se que a relação laboral existente findou no passado dia 7 de Setembro de 2022, pelo que é injustificada a vossa permanência nas instalações da empresa, ficando Vexa. informado que deverá abandonar de imediato as referidas instalações”. 13.-E impediu o Autor de exercer funções, ordenando que o mesmo saísse das suas instalações. 14.-O Autor, em momento posterior, deixou de poder aceder ao correio electrónico cujo endereço havia sido facultado pela Ré. 15.-Como consequência do descrito nos cinco números anteriores, o Autor sentiu-se nervoso, e ansioso. 16.-E ficou preocupado com a obtenção de rendimentos para assegurar a sua subsistência. * A titulo de matéria não provada consignou-se: « Não se provou que: a)nas circunstâncias descritas em 12) e 13), a Ré tenha solicitado a comparência de agentes policiais; b)como consequência do descrito em 10), 11), 12), 13) e 14), o Autor tenha passado a sofrer de depressão, com irritabilidade, insónias e ataques de pânico; c) na sequência do descrito em 7), 8) e 9), o Autor tenha deixado de se apresentar ao serviço durante todo o período correspondente aos dias 19, 20, 24, 25, 27 e 30 de Maio de 2022 e aos dias 1 e 2 de Junho do mesmo ano; d)quaisquer outros factos com relevância na decisão da presente causa. * A motivação logrou o seguinte teor: « No apuramento destes factos, o Tribunal teve em consideração a análise da documentação apresentada nos autos – com particular destaque para a certidão do registo comercial da Ré (cujo código de acesso foi disponibilizado com a contestação), o escrito denominado “Contrato de Trabalho Sem Termo”, a fls. 7 a 10 e verso, as duas comunicações escritas com menção a “Cessação de Contrato de Trabalho”, a fls. 11 e 28, o ‘print’ Outlook de fls. 12, as notícias jornalísticas de fls. 28 verso a 30 e verso, o escrito denominado “mapa de dispensas…”, a fls. 32, as ‘folhas de ponto’ de fls. 32 verso e 33 e a ‘ficha de avaliação’ junta aos autos no decurso da audiência de julgamento – e a apreciação crítica dos depoimentos e declarações de parte prestados pelo Autor e dos depoimentos das testemunhas BB, CC, EE, FF e HH, arroladas pelo Autor, e DD, JJ e LL, indicadas pela Ré. Os factos 1), 2), 3), 5), 6), 7), 10), 11), 12), 13) e 14) foram reconhecidos por ambas as partes, atentas as posições firmadas pelas mesmas nos seus articulados e nas declarações de parte prestadas no decurso da audiência de julgamento, e tendo ainda em atenção, complementarmente, a documentação junta, acima destacada, de acordo com aquilo que é possível extrair do seu teor. Quanto à factualidade descrita em 4), o Tribunal articulou as versões (no essencial, sólidas e mesmo convergentes entre si) apresentadas em audiência pelo Autor e por várias testemunhas que, ao serviço da Ré (ou do grupo empresarial onde a mesma se insere), também exercem actividade na área financeira e contabilística: AF, JB, IG, CF, CR e JV (sendo CR, para além do mais, a chefe do Autor neste serviço de contabilidade). E tudo isto tomando ainda em consideração a ‘ficha de avaliação’ junta ao processo já no decurso da audiência final, da qual se retira, não só a avaliação em si do Autor (matéria que, no caso dos autos, até nem se mostra relevante), mas também, e naquilo que aqui importa, as tais funções concretamente desempenhadas por este trabalhador. No que diz respeito aos factos 8) e 9), também aqui as declarações do Autor e a prova testemunhal não apresentam divergências de maior, realçando-se, neste ponto da matéria, o depoimento de DD, directora de recursos humanos desta empresa, com relato destes factos nos termos acima descritos. Sobre os factos 15) e 16), as declarações do Autor foram corroboradas por BB e CC, respectivamente sua mãe e sua irmã, ambas convivendo de perto com o mesmo no seu dia-a-dia, sendo, de resto, factos absolutamente plausíveis à luz das regras extraídas da experiência comum (e daquilo que será a reacção normal de alguém a quem a sua empregadora, tenha ou não legitimidade para tal, comunique a decisão unilateral de cessação do contrato de trabalho). * Em relação aos factos não provados, e começando pelos enunciados em a) e b), nenhuma prova, fosse de que natureza fosse, foi feita, pelo menos com suficiente consistência, sobre o primeiro, ao passo que, quanto ao segundo, os testemunhos acima destacados de BB e CC, sem qualquer outro elemento, designadamente de natureza médica, não chegaram para se ir mais longe e dar como provada mais esta matéria, já para além do descrito em 15) e 16). Por fim, quanto ao facto c), o Autor, nas suas declarações de parte, referiu que esteve ao serviço em alguns destes dias aqui discriminados, sendo igualmente certo que, segundo a testemunha DD, estes trabalhadores estavam dispensados… não obstante se manter sempre um deles ao serviço. Resultando ainda deste último depoimento algumas dúvidas sobre a integral idoneidade das informações que resultam do tal “mapa de dispensas” e das ‘folhas de ponto’, concluiu o Tribunal pelo não apuramento deste facto» - fim de transcrição. * É sabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva alegação (artigos 635º e 639º ambos do Novo CPC [11] ex vi do artigo 87º do CPT)[12]. Mostra-se interposto um recurso pela Ré que nele suscita duas questões. *** A primeira versa sobre a impugnação da matéria de facto. A Ré sustenta que da redacção do ponto nº 1 da matéria provada [ que é a seguinte: 1. EDA – Electricidade dos Açores, SA tem como “objecto principal (…) a produção, a aquisição, o transporte, a distribuição e a venda de energia eléctrica”.] também deve constar que é a concessionária exclusiva do transporte e distribuição de energia elétrica para as nove ilhas do Arquipélago dos Açores, conforme alegado no artigo 9º da contestação[13] e resulta do contrato de concessão outorgado em respeito pela Resolução n.º 181/00, de 12 de outubro, publicada no Jornal Oficial, I Série, n.º 41/2000, fazendo parte integrante do sector público empresarial (sendo, portanto, uma empresa pública) por força do disposto no Decreto Legislativo Regional n.º 7/2008/A, de 24.03 [em virtude do facto da maior parte do seu capital social ser detido por uma pessoa colectiva pública (a Região Autónoma dos Açores)], conforme resulta da certidão permanente da apelante (cujo código de acesso é descrito na contestação). Dai que, tal como alega, toda a sua actividade financeira e contabilística seja sujeita à jurisdição/fiscalização do Tribunal de Contas [al. b) n.º 2 do artigo 2º, da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas], sendo ainda uma actividade regulada pela ERSE – Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos. Assim, sustenta que a redacção do ponto 1 dos factos dados como provados deve ser alterada, passando a constar, para além do respectivo objecto social, todo o restante descrito acima referido por resultar do ordenamento jurídico em vigor. Por outro lado no tocante ao facto como provado no ponto 3, sustenta que [no qual se consignou: 3. Nas condições descritas no número anterior, consta deste acordo: “Cláusula Primeira (Categoria e conteúdo) 1. O TRABALHADOR é admitido ao serviço do EMPREGADOR para, sob a autoridade, direcção e fiscalização deste exercer a actividade correspondente à categoria profissional de Escriturário de gestão Financeira ou outras funções para as quais possua qualificação profissional adequada e que não impliquem desvalorização profissional, desde que sejam afins ou funcionalmente ligadas às daquela categoria, sem prejuízo do direito à retribuição mais elevada que corresponda a estas funções, enquanto que o seu exercício, ainda que acessório, se mantiver, tudo nos termos dos arts. 118º a 120º do Código do Trabalho. 2. Para os efeitos da alínea c) do nº 3 do art.106º, do Código do Trabalho, consigna-se que a caracterização sumária do conteúdo da referida categoria, de acordo com a definição do acordo de empresa aplicável, adiante identificada, é a seguinte: (É o profissional que executa tarefas no âmbito da contabilidade, gestão financeira e de tesouraria, opera nos sistemas informáticos, dá cumprimento às normas legais, fiscais e regulamentos da empresa, interpreta, efectua e confere os registos contabilísticos dos documentos relativos às aquisições de bens e serviços e das operações financeiras e de tesouraria; emite facturas ou documentos equivalentes e procede ao respectivo registo contabilístico e conferência, recolhe e confere informação relativa aos compromissos da empresa e promove as acções inerentes ao seu pagamento; prepara elementos para liquidação de impostos; executa o processo administrativo de seguros; participa na elaboração de cálculos financeiros; participa na preparação de planos e orçamentos; recolhe analisa e integra ficheiros de dados com ordens de pagamento, elementos para conciliação e apuramento de saldos em contas bancárias e de terceiros e outras operações;colabora na previsão periódica de reforços de fundos, efectua o cálculo mensal das amortizações, prepara ao mapas legais e fiscais do imobilizado, elabora os livros selados, confere e valida a informação resultante da integração de outros sistemas de informação;colabora no tratamento de dados estatísticos para informação de gestão; dá colaboração funcional a profissionais mais qualificados.. Cláusula Segunda (Retribuição) 1.- A retribuição base mensal do TRABALHADOR é fixada na quantia bruta de 882,00€ (oitocentos e oitenta e dois euros) para a duração semanal acordada nos termos do número um da cláusula quarta, ficando sujeita a todos os descontos legalmente previstos, acrescido de 10,1€ (dez euros e dez cêntimos) diários, a título de subsídio de alimentação. (…) Cláusula Quinta (Início e duração) 1. O presente contrato produz os seus efeitos a partir de 02 de Março de 2022. 2. O período experimental, fundamentado na sua correspondência ao período de execução deste contrato, é de 180 dias. 3. Durante o período experimental, qualquer das partes pode denunciar o presente contrato sem aviso prévio nem necessidade de invocação de justa causa, não havendo direito a indemnização. 4. Tendo o período experimental durado mais de 60 dias, para denunciar o contrato nos termos previstos no número anterior, o EMPREGADO dará um aviso prévio de 7 dias”] conforme alegado no artigo 5 º da contestação[14], a categoria profissional para a qual o A foi contratado é a de Escriturário de Gestão Financeira que consta do Anexo II, do Acordo de Empresa celebrado entre a R e os sindicatos representativos dos seus trabalhadores (SINDEL - Sindicato Nacional da Indústria e da Energia, SIESI - Sindicato das Indústrias Elétricas do Sul e Ilhas, SINERGIA - Sindicato da Energia, SINDESCOM - Sindicato dos Profissionais de Escritório, Comércio, Indústria, Turismo, Serviços e Correlativos da Região Autónoma dos Açores, SE - Sindicato dos Economistas, SERS - Sindicato dos Engenheiros e SNEET - Sindicato Nacional dos Engenheiros, Engenheiros Técnicos e Arquitetos) - Convenção Coletiva de Trabalho n.º 2/2021, de 19 de janeiro de 2021, Jornal oficial, II Série, n.º 12. e) A alínea d) n.º 1 do artigo 2º, do Anexo I, do acordo de Empresa em vigor, estabelece que as funções exercidas pelo A são executadas por “profissionais qualificados”, por corresponderem ao nível SP, RL . Assim, sustenta que deve passar a constar do ponto nº 3 dos factos dados como provados, ou em ponto distinto, que as funções exercidas pelo Autor são de natureza qualificada atendendo ao teor do Acordo de Empresa em vigor e publicado no Jornal Oficial da Região Autónoma dos Açores (Convenção Coletiva de Trabalho n.º 2/2021, de 19 de janeiro de 2021, Jornal oficial, II Série, n.º 12). **** Temos, pois, que em relação ao ponto de facto nº 3 a Ré pretende que se dê como assente um facto com cariz conclusivo[i] e contendo uma valoração jurídica . É sabido que a selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos.[15] Tal juízo, aliás, é perfeitamente autónomo de no Anexo II do invocado AE [16]em relação ao Escriturário de gestão financeira (Nível 5) constar : - É o profissional que executa tarefas no âmbito da contabilidade, gestão financeira e de tesouraria, opera nos sistemas informáticos, dá cumprimento às normas legais, fiscais e regulamentos da empresa, interpreta, efetua e confere os registos contabilísticos dos documentos relativos às aquisições de bens e serviços e das operações financeiras e de tesouraria; emite faturas ou documentos equivalentes e procede ao respetivo registo contabilístico e conferência, recolhe e confere informação relativa aos compromissos da empresa e promove as ações inerentes ao seu pagamento; prepara elementos para liquidação de impostos; executa o processo administrativo de seguros; participa na elaboração de cálculos financeiros; participa na preparação de planos e orçamentos; recolhe analisa e integra ficheiros de dados com ordens de pagamento, elementos para conciliação e apuramento de saldos em contas bancárias e de terceiros e outras operações; colabora na previsão periódica de reforços de fundos; efetua o cálculo mensal das amortizações, prepara os mapas legais e fiscais do imobilizado, elabora os livros selados, confere e valida a informação resultante da integração de outros sistemas de informação; colabora no tratamento de dados estatísticos para informação de gestão; dá colaboração funcional a profissionais mais qualificados. E dir-se-á o mesmo em relação à invocada alínea d) n.º 1 do artigo 2º, do Anexo I, do referido Acordo de Empresa da qual consta: Artigo 2.º Princípios gerais 1- Em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo anterior, os trabalhadores da Empresa abrangidos pelo presente AE estão integrados em seis níveis de qualificação: a) Nível 1: Quadros Superiores; b) Nível 2: Quadros médios; c) Níveis 3 e 4: Profissionais altamente qualificados; d) Nível 5: Profissionais qualificados; e) Nível 6: Profissionais semiqualificados (especializados). 2- Os Níveis 1 a 6 integram, cada um, diversos graus de evolução. 3- A cada grau de um nível corresponde uma base de remuneração (BR ou Letra). 4- Em cada nível de qualificação, que engloba todos os graus nele previstos, a uma designação profissional corresponde um perfil de enquadramento. 5-O perfil de enquadramento é a descrição genérica das atribuições mais relevantes da função - que a situam no conjunto das atividades da Empresa - e compreende o exercício de atividades específicas dos respetivos postos de trabalho. 6-A diferença das atividades específicas cometidas a postos de trabalho da mesma função, refletindo diferenças na organização do trabalho, nas necessidades de serviço ou na tecnologia utilizada, nunca justificam a alteração da sua posição relativa. 7- Os perfis de enquadramento constam do Anexo II. 8- As funções correspondentes aos perfis de enquadramento estão integradas em níveis de qualificação nos termos do Anexo III. 9- A evolução profissional processa-se de acordo com o disposto no artigo 4.º - Anote-se ainda, a latere, que segundo a clª 1ª do AE em apreço: Área e âmbito O presente acordo de empresa, designado por AE, obriga, por um lado, a EDA - Electricidade dos Açores, S.A., adiante designada por empresa e, por outro lado, os trabalhadores ao seu serviço, representados pelos Sindicatos outorgantes. Anote-se ainda que não se provou que o Autor seja sindicalizado em qualquer dos Sindicatos outorgantes. Vai , assim, indeferida tal impugnação. *** Em relação ao aditamento ao facto nº 1 [que tem a seguinte redacção: 1. EDA – Electricidade dos Açores, SA tem como “objecto principal (…) a produção, a aquisição, o transporte, a distribuição e a venda de energia eléctrica”] diremos que a maior parte da impugnação levada a cabo decorre da lei, nomeadamente que a Ré é a concessionária exclusiva do transporte e distribuição de energia elétrica para as nove ilhas do Arquipélago dos Açores (conforme alegado no artigo 9º da contestação e resulta do contrato de concessão outorgado em respeito pela Resolução n.º 181/00, de 12 de outubro, publicada no Jornal Oficial, I Série, n.º 41/2000, fazendo parte integrante do sector público empresarial (sendo, portanto, uma empresa pública) por força do disposto no Decreto Legislativo Regional n.º 7/2008/A, de 24.03 [em virtude do facto da maior parte do seu capital social ser detido por uma pessoa coletiva pública (a Região Autónoma dos Açores)], conforme resulta da certidão permanente da apelante , cujo código de acesso é descrito na contestação). Dai que alegue que toda a sua actividade financeira e contabilística da Recorrente seja sujeita à jurisdição/fiscalização do Tribunal de Contas [al. b) n.º 2 do artigo 2º, da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas], sendo ainda uma actividade regulada pela ERSE – Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos. Também nesse ponto parte da impugnação assume cariz conclusivo a extrair (ou não) da matéria provada, sendo que a restante tal como a própria recorrente refere decorre de diplomas legais. Assim, para poder ser considerada não necessita ser explicitada em sede factual. Seja como for, sempre se confere ao ponto nº 1 da matéria assente a seguinte redacção: 1. EDA – Electricidade dos Açores, SA , tem como “objecto principal (…) a produção, a aquisição, o transporte, a distribuição e a venda de energia eléctrica”, sendo a concessionária exclusiva do transporte e distribuição de energia elétrica para as nove ilhas do Arquipélago dos Açores . **** A segunda vertente do recurso consiste em saber se o período experimental do contrato de trabalho sem termo celebrado entre a Recorrente e o Autor era de 180 ou de 90 dias, com as inerentes . consequências em sede do pedido. A tal título a verberada sentença discreteou: «AA e EDA – Electricidade dos Açores, SA celebraram um contrato de trabalho, por tempo indeterminado, com início de vigência em 2 de Março de 2022. Segundo também se apura, a Ré, em 18 de Agosto seguinte, promoveu a cessação deste contrato, apresentando ao Autor uma comunicação escrita nesse sentido, a qual, naquela altura, chegou ao conhecimento do seu destinatário. Segundo essa comunicação, o contrato cessaria no dia 7 de Setembro seguinte – o que veio efectivamente a suceder –, invocando a Ré estar a proferir esta decisão de ruptura da relação laboral dentro do período experimental. Alega o Autor, com esta acção, que, não obstante estar fixado no contrato um período experimental de 180 dias, o mesmo, ao abrigo da lei, não deveria ultrapassar os 90 dias, sendo esta decisão de cessação contratual, como tal, extemporânea, configurando um despedimento ilícito. E contrapõe a Ré que o período experimental fixado no contrato, de 180 dias, face à categoria profissional deste trabalhador e às funções inerentes à mesma, está correcto, sendo tempestiva (e lícita) a cessação deste contrato (tendo ainda em conta um período em que o mesmo esteve suspenso). Cumprindo apreciar e decidir, dispõe o art. 111º, nº 1 e 2, do Código do Trabalho: “1–O período experimental corresponde ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho, durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção. 2– No decurso do período experimental, as partes devem agir de modo a que possam apreciar o interesse na manutenção do contrato de trabalho”. O período experimental corresponde, pois, a esta fase inicial de execução do contrato, destinando-se a permitir às partes uma avaliação recíproca do interesse na manutenção do mesmo, permitindo-lhes, dentro do mencionado período, a possibilidade de o fazer cessar sem os condicionalismos legais previstos para a resolução do contrato de trabalho seja por parte do trabalhador, seja por parte da entidade empregadora. Durante esse período, o empregador poderá avaliar das qualidades e aptidões do trabalhador para a função que exerce, ao passo que, por sua vez, o trabalhador poderá avaliar do seu interesse na continuação da sua integração na estrutura organizativa do empregador. Neste sentido, a declaração de cessação / denúncia do contrato no período experimental, nos termos do art. 114º, nº 1, do Código do Trabalho, é imotivada, prescinde da invocação de justa causa, não tem de observar qualquer procedimento ou formalismo e, por via de regra, salvo o disposto no art. 114º, nº 2, 3 e 4, não tem sequer de respeitar qualquer prazo de aviso prévio. Consiste – ou pode consistir – numa simples declaração de cessação do contrato, séria, afirmativa, inequívoca, mas válida e eficaz independentemente dos motivos invocados (ou da falta deles), do formalismo adoptado (ou da falta dele) ou mesmo da qualificação técnica dada para tal efeito extintivo. É que, citando João Leal Amado (cfr. “Contrato de Trabalho à luz do novo Código do Trabalho”, 3ª ed., p. 183), o “período de experiência consiste, na verdade, numa figura cautelar, numa medida de «precaução ou de prudência», como escreve Jorge Leite, possibilitando uma certificação mútua: o empregador certifica-se de que o trabalhador possui as aptidões laborais requeridas para o cabal desempenho das funções ajustadas; o trabalhador certifica-se de que as condições (humanas, logísticas, ambientais, etc.) de realização da sua actividade profissional são as esperadas. Compreende-se por isso que, em princípio, durante o período experimental qualquer das partes possa denunciar o contrato sem aviso prévio e sem necessidade de invocação de justa causa, não havendo lugar a qualquer indemnização…”. Determina o art. 112º, nº 1, do mesmo Código, que: “No contrato de trabalho por tempo indeterminado, o período experimental tem a seguinte duração: a) 90 dias para a generalidade dos trabalhadores; b) 180 dias para os trabalhadores que: i)- exerçam cargos de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham uma especial qualificação; ii)- desempenhem funções de confiança; iii)- estejam à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração; c) 240 dias para trabalhador que exerça cargo de direcção ou quadro superior”. E consagra o art. 112º, nº 7, do mesmo Código, na sua actual redacção, com as alterações introduzidas pela Lei nº 13/2023, de 3 de Abril (art. 112º, nº 5, à data dos factos): “A duração do período experimental pode ser reduzida por instrumento de regulamentação colectiva ou por acordo escrito entre as partes”. Atento este regime legal, o que se verifica, desde logo, é que o mesmo tem natureza imperativa quanto à duração máxima deste período experimental, podendo esta duração ser reduzida por instrumento de regulamentação colectiva e até por acordo (escrito) das partes, mas não podendo ser aumentada ou prorrogada (no mesmo sentido, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9 de Setembro de 2019, disponível em www.dgsi.pt). . O que significa que, independentemente do que prevê o contrato de trabalho, o período experimental não pode ir mais além na sua duração do que estabelece, imperativamente, a lei. Pelo que, no caso dos autos, é desde logo seguindo esta orientação que o Tribunal faz a sua apreciação. Ora, a lei, como vimos, estabelece que o período experimental, tratando-se de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, é de 90 dias (no máximo) para a generalidade dos trabalhadores – cfr. art. 112º, nº 1, alínea a), do Código do Trabalho. Mas havendo excepções a esta regra, uma delas é a de 180 dias de período experimental (no máximo) para os trabalhadores que exerçam cargos de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham uma especial qualificação – cfr. art. 112º, nº 1 alínea b), subalínea i). Há outras excepções mas, neste caso, face ao que é apurado e até mesmo ao que é alegado por cada uma das partes, apenas importa determo-nos nesta agora destacada. Prosseguindo, entende-se que, para que seja aplicável este prazo de 180 dias de período experimental por força do exercício de um cargo de “complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade” ou que pressuponha “uma especial qualificação”, esse grau de complexidade, de responsabilidade ou de qualificação (ou mesmo de confiança) deve ser acima da média, acima do normal, pois, como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16 de Outubro de 2006 (disponível em www.dgsi.pt), em tais casos o tempo de conhecimento das partes e de adaptação à função e / ou posto de trabalho é necessariamente superior, justificando-se a sua duplicação em comparação com a generalidade dos trabalhadores. Citando o mesmo aresto, “a distância destes casos, relativamente aos trabalhadores em geral, tem de ser significativa”, devendo ser considerados como elementos de distinção, para além das funções em si que o trabalhador exerce, e entre outros, a baixa ou elevada retribuição paga e a formação técnica ou científica do trabalhador, designadamente, neste último ponto, se a mesma corresponde, ou não, a um determinado grau académico superior. E tudo isto sendo certo que, como pacificamente é reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência, o que conta sempre são as funções efectivamente desempenhadas pelo trabalhador, independentemente da denominação da categoria profissional que lhe é atribuída em contrato de trabalho escrito ou em qualquer outro documento relativo a esta relação laboral. Partindo daqui, e de volta ao caso em apreciação, o contrato de trabalho aqui em causa, celebrado por escrito, apenas faz referência à categoria profissional de “escriturário de gestão financeira”, limitando-se, depois, a descrever o conteúdo funcional desta categoria à luz do “acordo de empresa aplicável”. E, indo mais além, a este respeito ficou provado, tão-só, que o Autor, à luz deste contrato, mediante uma retribuição mensal de € 882,00 ilíquidos, executava, em concreto, as seguintes funções: recebia e digitalizava as facturas apresentadas por fornecedores da Ré; e, na sequência disso, registava e classificava essas facturas no sistema informático da empresa, conferindo os elementos das mesmas (data, nome, valor, ‘pedido de compra’, ‘área de serviço’) e procedendo à indicação, nesse sistema, da taxa de IVA aplicável em cada uma delas. Basicamente, e pelo que se apurou, era isto que o Autor fazia ao serviço da Ré (correspondendo, no fundo, apenas àquela primeira linha de tarefas previstas na tal definição de ‘escriturário de gestão financeira’ à luz do acordo de empresa, entre muitas outras que aí estão descritas), o que, por si só, não permite afirmar que esta actividade fosse especialmente complexa (acima do normal), exigisse uma qualificação acima da média, pressupusesse um nível de responsabilidade elevado, e muito menos que assim se passasse com uma significativa diferença face aos outros trabalhadores da Ré que, concretamente, trabalhassem neste sector contabilístico e financeiro da empresa. De resto, não se apurou qualquer tipo de formação técnica exigível para o desempenho destas funções, verificando-se, sim, que as mesmas eram executadas mediante um salário que, de todo, se pode considerar elevado. E porque era à Ré que cabia fazer prova de tais factos, o que o Tribunal pode afirmar é que a actividade desempenhada pelo Autor no âmbito deste contrato de trabalho não constituía propriamente um cargo de “complexidade técnica”, ou de “elevado grau de responsabilidade” ou que exigisse ainda “uma especial qualificação”, os factos provados não permitem chegar a essa conclusão, não estando preenchidos, como tal, os pressupostos de aplicação de um período experimental de 180 dias, à luz do citado art. 112º, nº 1, alínea b), subalínea i), do Código do Trabalho. Pelo que, neste sentido, valia para este contrato, celebrado por tempo indeterminado, o período geral de duração do período experimental, 90 dias, nos termos do art. 112º, nº 1, alínea a), do mesmo Código. Assim, e pelas razões ora explanadas, conclui-se: não obstante o contrato de trabalho aqui em causa, celebrado entre o Autor e a Ré, prever um período experimental de 180 dias, mas por força do regime legal (imperativo) consagrado no art. 112º, nº 1, alíneas a) e b), do Código do Trabalho, o período experimental deste contrato tinha uma duração de 90 dias, não estando cumpridos, nestes termos legais ora enunciados, os requisitos para se lhe aplicar um período experimental mais alargado. E, sendo de 90 dias este período experimental, então forçosamente também tem de se concluir, e sem sequer haver necessidade de verificar a existência, ou não, do tal alegado período de suspensão contratual, que, tendo esta relação de trabalho se iniciado em 2 de Março de 2022, a Ré, ao promover a cessação do contrato mediante declaração de 18 de Agosto do mesmo ano (com efeitos a partir de 7 de Setembro seguinte), fê-lo já fora do período experimental. Por sua vez, tendo este contrato de trabalho cessado mediante simples declaração unilateral da Ré, na qualidade de empregadora, já fora do período experimental e sem ser precedida de qualquer procedimento legal conducente a essa cessação contratual, igualmente se conclui, e por fim, que este contrato cessou por despedimento, efectivado em 7 de Setembro de 2022, promovido pela Ré de forma ilícita, atento o disposto no art. 381º, alínea c), do Código do Trabalho.» - fim de transcrição. Concorda-se com tal raciocínio, nomeadamente na parte que considera que a duração do período experimental pode ser reduzida por instrumento de regulamentação colectiva e até por acordo (escrito) das partes, mas não pode ser aumentada ou prorrogada. A não ser assim estava encontrada uma forma de proporcionar a algumas entidades patronais (menos escrupulosas ou bem intencionadas) uma forma não de lhes permitir avaliar as qualidades e aptidões do trabalhador para o exercício da função para que foi contratado , também mencionada como uma válvula de escape de um sistema que tutela a estabilidade no emprego e restringe os despedimentos.[17], mas um modo expedito de o contratar a termo fora das condições previstas na lei podendo desenvencilhar-se dele quando melhor lhe aprouvesse sem incorrer nos encargos inerentes a um despedimento ilícito. Não pode ser . Tal situação era susceptível de originar casos de fraude à lei. Aliás, João Leal Amado [18] refere que as normas relativas à duração do período experimental apresentam « um carácter de imperatividade mínima (são normas relativamente imperativas) , visto que as fontes inferiores não podem aumentar a duração daquele período , apenas podendo reduzi-la(…). O que de resto revela que o legislador tem perfeita consciência de que a despeito da sua natureza formalmente bilateral , o período experimental aproveita sobretudo ao empregador , analisando-se num período temporal de acentuada precariedade laboral » - fim de transcrição. Assim, no caso concreto a questão é saber se o Autor [que não alegou nem provou que estivesse procura do primeiro emprego ou fosse desempregado de longa duração] foi contratado para: - exercer cargo de complexidade técnica; - exercer funções de elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham uma especial qualificação. Ou ainda para desempenhar funções de confiança. Anote-se que o acordo celebrado com a Ré na sua clª 5ª não justifica o motivo pelo qual o período experimental é fixado em 180 dias, sendo patente que incumbia à Ré o ónus de provar a verificação de motivo legalmente contemplado que o justificasse. Ora, não se vislumbra que as funções que o Autor foi contratado para desempenhar fossem de confiança. Mesmo com todo o descritivo funcional referido na clª 1ª o Autor era escriturário de gestão financeira, devendo segundo as mesmas dar colaboração a profissionais mais qualificados. Tal menção, aliás, a nosso ver, descarta, desde logo, a possibilidade de se estar perante funções de elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham uma especial qualificação. A não ser assim quais seriam os trabalhadores mais qualificados aos quais devia prestar colaboração [os Administradores, o Director Financeiro…] ? Resta, pois, a complexidade técnica do cargo que é o que a Ré/recorrente invoca, sendo evidente a dificuldade interpretativa que um conceito relativamente indeterminado como este é susceptível de gerar.[19] Anote-se que tal como referem Pedro Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro, Joana Vasconcelos, Pedro Madeira de Brito, Guilherme Dray e Luís Gonçalves da Silva, no Código do Trabalho, Anotado, [20] a interpretação dos conceitos referidos nas alíneas b) e c) do artigo 112º do CT/2009 é de apreensão essencialmente casuística. E prosseguem « ainda assim retenha-se a ideia de que a expressão «complexidade técnica » parece caracterizar funções que exigem conhecimentos com grau superior de especialização , sem restrição necessária à utilização de mecanismos ou equipamentos complexos (cf. Júlio Gomes “Do uso e abuso do período experimental , RDES, 2000, nºs 1-2 , pp 566 e 67) » - fim de transcrição, sendo o sublinhado nosso. Mas será que quer as funções descritas na clª 1ª do contrato quer o salário referido na sua clª 2ª [ € 882,00 brutos acrescidos de € 10,10 diários de subsídio de alimentação ] se coadunam com isso ? Ou seja , será que exigem conhecimentos com grau superior de especialização ? Com respeito por opinião diversa, afigura-se-nos negativamente. A nosso ver, a quase totalidade das tarefas mencionadas no descritivo funcional do Autor [- executa tarefas no âmbito da contabilidade, gestão financeira e de tesouraria; - opera nos sistemas informáticos; - dá cumprimento às normas legais, fiscais e regulamentos da empresa; - interpreta, efectua e confere os registos contabilísticos dos documentos relativos às aquisições de bens e serviços e das operações financeiras e de tesouraria; - emite facturas ou documentos equivalentes e procede ao respectivo registo contabilístico e conferência; - recolhe e confere informação relativa aos compromissos da empresa e promove as acções inerentes ao seu pagamento; - prepara elementos para liquidação de impostos; - executa o processo administrativo de seguros; - participa na elaboração de cálculos financeiros; - participa na preparação de planos e orçamentos; - recolhe analisa e integra ficheiros de dados com ordens de pagamento, elementos para conciliação e apuramento de saldos em contas bancárias e de terceiros e outras operações; - colabora na previsão periódica de reforços de fundos, efectua o cálculo mensal das amortizações, prepara ao mapas legais e fiscais do imobilizado, elabora os livros selados, confere e valida a informação resultante da integração de outros sistemas de informação; - colabora no tratamento de dados estatísticos para informação de gestão; - dá colaboração funcional a profissionais mais qualificados; ] reportam-se à execução de actos materiais que não se afiguram revestir-se de complexidade técnica assinalável nem exigirem conhecimentos com grau superior de especialização . Igualmente não se vislumbra que impliquem a inerente responsabilização , que sempre deverá caber aos profissionais mais qualificados aos quais o Autor deve colaboração funcional. Aliás, mesmo o exercício de algumas funções em que tem de dar cumprimento às normas legais, fiscais e regulamentos da empresa e efectuar algum tipo de interpretação de dados afiguram-se-nos inseridas e implicitamente necessárias e adequadas à execução das restantes. Ora, tal como se considerou em aresto da Relação do Porto,de 16-10-2006, 0643994, Nº Convenciona, JTRP00039601, Relator Ferreira da Costa ,Nº do Documento RP200610160643994, acessível em www.dgsi.pt (e aqui se reitera) : «(…) tem sido entendido que o grau de complexidade, de responsabilidade, de qualificação ou de confiança, deve ser acima da média, acima do normal, para que seja aplicável o prazo de 180 dias de período experimental, pois em tais casos o tempo de conhecimento das partes e de adaptação à função e/ou ao posto de trabalho é necessariamente superior, justificando-se destarte a sua duplicação em comparação com a generalidade dos trabalhadores. No entanto, a distância destes casos, relativamente aos trabalhadores em geral, tem de ser significativa, sendo considerados cargos de complexidade técnica, por exemplo, o de um contabilista numa empresa, o de uma educadora de infância num jardim infantil, o de um cozinheiro em restaurante de haute cuisine, sendo tomados também como elementos de distinção a baixa ou elevada retribuição paga ou a formação técnica ou científica do trabalhador corresponder ou não à licenciatura ou outro grau académico superior(2[21]).» - fim de transcrição. Nesse sentido afigura-se-nos que também aponta implicitamente Pedro Furtado Martins [vide Cessação do Contrato de Trabalho , 3ª edição, revista e actualizada, Código do Trabalho de 2012, Principia, pág. 581, nomeadamente nas referências jurisprudenciais que faz na nota 20] . Não é esse o nosso caso. Na realidade , das funções acometidas ao Autor bem como do seu nível salarial (um pouco acima do salário mínimo nacional , ou seja a retribuição mínima mensal garantida (RMMG), que a partir de 1 de Janeiro de 2022 foi fixado em € 705,00 - Decreto-Lei n.º 109-A/2021, de 07 de dezembro), não decorre que o mesmo se situasse num nível superior ao da generalidade dos trabalhadores abrangidos pela alínea a) do artigo 112º do CT/2099, sendo que nem sequer se alegou ou provou que tivesse algum tipo de habilitações específicas para o exercício das suas funções ou sequer que tivesse algum colega sob a sua orientação ou supervisão. Em suma, mesmo interpretando-se de forma ampla a complexidade de funções mencionada na lei [22] cumpre considerar que não exercendo o Autor funções de um grau acima da média, o período experimental adequado ao seu contrato de trabalho era de 90 dias tal como decorre da supra mencionada norma. Daí que se concorde com a sentença recorrida que se nos afigura de confirmar, sendo essa a única problemática suscitada em sede de recurso. **** Em face do exposto, acorda-se em conferir a seguinte redacção ao ponto de facto nº 1: 1. EDA – Electricidade dos Açores, SA, tem como “objecto principal (…) a produção, a aquisição, o transporte, a distribuição e a venda de energia eléctrica”, sendo a concessionária exclusiva do transporte e distribuição de energia elétrica para as nove ilhas do Arquipélago dos Açores . Mais acorda-se em julgar improcedente o recurso. Custas pela recorrente. Notifique. Lisboa,25-10-2023 Leopoldo Soares Francisca Mendes Alves Duarte [1]Em 8 de Março de 2023 – fls. 1 . [2]Fls. 21 e 21 v. . [3]Vide fls. 22 a 27. [4]Vide fls. 36/36v. [5]Realizadas em : - 26 de Maio de 2023 – fls. 43 a 46. - 15 de Junho de 2023 – fls. 50/51. [6]Fls . 91. [7]Vide fls. 63 a 71. [8]Vide fls. 74 a 79 v. [9]Vide fls. 82. [10]Vide fls. 85. [11]Diploma aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho. [12]Nas palavras do Conselheiro Jacinto Rodrigues Bastos: “As conclusões consistem na enunciação, em forma abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas com que se pretende obter o provimento do recurso… Se as conclusões se destinam a resumir, para o tribunal ad quem, o âmbito do recurso e os seus fundamentos pela elaboração de um quadro sintético das questões a decidir e das razões porque devem ser decididas em determinado sentido, é claro que tudo o que fique para aquém ou para além deste objectivo é deficiente ou impertinente” – Notas ao Código de Processo Civil, volume III, Lisboa, 1972, pág 299. Como tal transitam em julgado as questões não contidas nas supra citadas conclusões. Por outro lado, os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes e decididas pelos Tribunais inferiores, salvo se importar conhecê-las oficiosamente (vide vg: Castro Mendes, Recursos, edição AAFDL, 1980, pág 28, Alberto dos Reis, CPC, Anotado, Volume V, pág 310 e acórdão do STJ de 12.12.1995, CJSTJ, Tomo III, pág 156). [13]Vide fls. 25. [14]Fls. 24 v. [15]Vide, por exemplo, o acórdão do STJ, de 29-04-2015, proferido no processo nº 29306/12.6TTCVL.C1.S1, Nº Convencional, 4ª SECÇÃO, Relator Conselheiro Fernandes da Silva acessível em www.dgsi.pt [16]AE entre a EDA - Electricidade dos Açores, S,A., o SINDEL - Sindicato Nacional da Indústria e da Energia, o SIESI - Sindicato das Indústrias Elétricas do Sul e Ilhas, o SINERGIA - Sindicato da Energia, o SINDESCOM - Sindicato dos Profissionais de Escritório, Comércio, Indústria, Turismo, Serviços e Correlativos da Região Autónoma dos Açores, o SE - Sindicato dos Economistas, o SERS - Sindicato dos Engenheiros e o SNEET - Sindicato Nacional dos Engenheiros, Engenheiros Técnicos e Arquitetos - Revisão Global acessível em https://jo.azores.gov.pt/api/public/ato/fad6669d-75ae-4648-9f2c-d0a3ff734767/pdfOriginal. [17]João Leal Amado, Contrato de Trabalho, 2ª edição, Coimbra Editora, Wolters Kluwer , pág 194. [18]Contrato de Trabalho, 2ª edição, Coimbra Editora, Wolters Kluwer , pág 193. [19]Neste sentido vide Tatiana Guerra de Almeida, Do período experimental no contrato de trabalho, Almedina, Fevereiro 2007, pág. 124. [20]2016, 10ª edição, Almedina, pág . 106, na anotação III, ao artigo 112º de Luís Miguel Monteiro. [21](2) Cfr. Júlio Manuel Vieira Gomes, in Do uso e abuso do período experimental, REVISTA DE DIREITO E DE ESTUDOS SOCIAIS, 2000, N.ºs 1 e 2, págs. 37 a 74, bem como a jurisprudência aí citada. [22]O que segundo Tatiana Guerra de Almeida é feito pela nossa jurisprudência – vide Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Professor Manuel Alonso Olea, Almedina, pág. 600, nota 27. [i]Anote-se que uma proposição será conclusiva se exprimir uma valoração jurídico-subsuntiva essencial, devendo ser expurgada, por isso – vide acórdão do STJ , de 14-01-2015, proferido no processo nº 488/11.4TTVFR.P1.S1, Nº Convencional: 4ª Secção, Relator Conselheiro Fernandes da Silva acessível em www.dgsi.pt. Sobre o assunto o aresto do STJ , de 05-11-2013, proferido no processo nº 195/11.8TTCBR.C1.S1, Nº Convencional: 4ª Secção, Relator Conselheiro António Leones Dantas, acessível em www.dgsi.pt, expendeu o seguinte raciocínio:[As notas de rodapé devem ali ser consultadas] «Conforme se considerou no acórdão desta secção de 24 de Novembro de 2011, proferido na revista n.º 740/07.3TTALM.L1.S2[13], «o n.º 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil, dispõe que «[t]êm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes» e «atento a que só os factos podem ser objecto de prova, tem-se considerado que o n.º 4 do artigo 646.º citado estende o seu campo de aplicação às asserções de natureza conclusiva, «[n]ão porque tal preceito, expressamente, contemple a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em rectas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum» — acórdão desde Supremo Tribunal, de 23 de Setembro de 2009, Processo n.º 238/06.7TTBGR.S1, da 4.ª Secção, disponível in www.dgsi.pt.» concluindo-se naquele aresto nos seguintes termos: «Assim, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do acervo factual a considerar e, quando isso não suceda, deve tal pronúncia ter-se por não escrita, cabendo ao Tribunal da Relação, no sobredito julgamento de facto, cuidar, oficiosamente, da observância do estipulado no n.º 4 do artigo 646.º citado, matéria em que também não está sujeito às alegações das partes». Por thema decidendum deve entender-se o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objecto do recurso, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto (quesito) integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto do recurso ou da acção, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado, em nome dos princípios que inspiram a norma do referido n.º 4 do artigo 646.º do C.P.C. 3 - A distinção, por um lado, entre factos e juízos de valor sobre matéria de facto que terão necessariamente de ter factos concretos como fundamento, e matéria de direito, por outro, nem sempre é fácil. Conforme refere ANTUNES VARELA, «os factos (a matéria de facto), no campo do direito processual, abrangem principalmente, embora não exclusivamente, as ocorrências concretas da vida real»[14]. Estas realidades concretas da vida fazem parte do objecto da prova a produzir, não esgotando o universo da factualidade que é suporte da valoração jurídica inerente ao processo decisório. Na acepção de MANUEL DE ANDRADE, cabem no objecto da prova «tanto os factos (estados ou acontecimentos) que − directa ou indirectamente – sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis, como os chamados factos acessórios (…)», «tanto os factos do mundo exterior [factos externos (…)] como os da vida psíquica (factos internos)», «tanto os factos reais (segundo a respectiva afirmação da parte) como os chamados factos hipotéticos (…)», «tanto os factos nus e crus (se verdadeiramente os há) como os juízos de facto (…)»[15]. Muitas vezes o preenchimento das normas jurídicas envolve efectivamente a necessidade de formulação de juízos de valor que resultam da avaliação de elementos da matéria de facto que se não podem confundir com a valoração jurídica inerente às questões de direito.» - fim de transcrição. Dito isto, cumpre salientar que em aresto, de 14 de Julho de 2021, o STJ também considerou [ proferido no âmbito do processo nº 19035/17.8T8PRT.P1.S1, Nº Convencional: 4.ª Secção, Relator Conselheiro Júlio Gomes, acessível em www.dgsi.pt] : « I- Importa verificar se um facto, mesmo com uma componente conclusiva, não tem ainda um substrato relevante para o acervo dos factos que importam para uma decisão justa» - fim de transcrição. Em sentido idêntico aponta aresto daquele Tribunal , de 19 de Maio de 2021[ proferido no âmbito do processo nº 9109/16.8T8PRT.P2.S1, Nº Convencional: , Nº Convencional: 4.ª Secção, Relator Conselheiro Júlio Gomes , acessível em www.dgsi.pt] : « I. Não deve o Tribunal da Relação eliminar como conclusivos, factos que contenham um substrato factual relevante, ainda que acompanhado de valorações.» - fim de transcrição. Contudo, a nosso ver, no caso concreto isso não sucede. E nem se argumente que no caso se aplica o raciocínio, que aqui se acompanha, referido no supra citado aresto do STJ , de 19 de Maio de 2021, onde se anotou que: « (…) como se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/10/2020, proferido no processo n.º 2124/17.6T8VCT.G1.S1 (GRAÇA AMARAL) não só se deve afirmar que “factos conclusivos, que consubstanciam a consequência lógica retirada de outros factos, ainda assim constituem matéria de facto”, como, por outro lado, “importa ter presente que o rigorismo formal não deve ser comprometedor da apreensão e compreensão da realidade por forma a melhor adequar a ponderação de todas as circunstâncias na resolução do litígio” (sublinhado nosso) No Acórdão desta Secção proferido a 12/12/2017 no processo n.º 2211/15.5T8LRA.C2.S1 (PINTO HESPANHOL) afirmou-se a propósito de factos tidos por conclusivos pelo Tribunal da Relação, o seguinte: “No n.º 34 da matéria de facto tida como provada pela 1.ª instância constava que «a trabalhadora sabia que lesava os interesses do Banco e punha em causa a sua imagem, que competia preservar e promover» e no n.º 35 da mesma matéria de facto acolheu-se que «a trabalhadora usou não apenas a sua relação de amizade com a cliente mas também a sua posição de Gestora e trabalhadora do Banco para lhe pedir dinheiro emprestado e para movimentar contas da cliente para satisfazer os seus interesses, apropriando-se com fundos da cliente», itens que o Tribunal da Relação considerou como não escritos, por entender que se tratava de matéria conclusiva. Ora, as questionadas proposições, pese embora algum défice de densificação e concretização no plano factual, não se reconduzem ao uso de conceitos normativos de que dependa a solução, no plano jurídico, do caso sub judice, contendo antes um inquestionável substrato factual, minimamente consistente, que deve ser interpretado em conexão com os restantes segmentos que integram o acervo factual considerado provado, (…) Assim, carece de fundamento a eliminação dos ditos segmentos da matéria de facto, porque os mesmos consubstanciam o mínimo de densidade factual exigível, termos em que os referidos nºs 34 e 35 da matéria de facto devem subsistir no elenco da matéria de facto provada, tal como foi decidido pelo tribunal de 1.ª instância” (sublinhado nosso) Como se vê, este Tribunal tem, reiteradamente, decidido que importa evitar excessos de formalismo sobre o que sejam factos conclusivos, não se devendo eliminar da matéria de facto segmentos que embora tenham valorações sociais comportam, ainda, o referido substrato factual que pode, inclusive, revelar-se importante. » - fim de transcrição. Todavia, uma coisa é substrato factual e outra uma conclusão, sendo que no caso em apreço a densidade factual exigível não está presente no sugerido “facto ” . |