Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1606/22.2T8LSB.L1-4
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: ACORDO DE EMPRESA
EMPRESA DE TRANSPORTES
SUBSÍDIO DE NATAL
TRABALHO SUPLEMENTAR
DESCANSO COMPENSATÓRIO
INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO
CASO JULGADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1 - Em presença dos AE/1984 (BTE nº 35 de 22/09/1984) e AE/2009 (BTE nº 17 de 8/05/2009), o subsídio de Natal não sofre os constrangimentos impostos pelos CT de 2003 e 2009, sobrepondo-se-lhes.
2 - Nesta medida, as médias por trabalho noturno, trabalho suplementar e subsídio de atividades complementares devem ser incluídas no subsídio de Natal.
3 - O regime decorrente do IRC de 2009, relativo a descanso compensatório, deve ceder em presença do CT de 2009, dado o disposto no Art.º 229º/6.
4 - Ainda que não alegados os concretos dias em que ocorreu prestação de trabalho suplementar, tendo-se provado que o mesmo foi prestado em vários meses ao longo dos anos, deve relegar-se para incidente de liquidação em execução de sentença o apuramento de tal matéria de modo a concretizar os valores devidos pela não concessão dos descansos compensatórios.
5 - A exceção de caso julgado pode ocorrer por uma de duas vias: pela verificação da tríplice identidade (sujeitos, pedido e causa de pedir) entre duas ações ou por a factualidade a discutir numa segunda ação já ter sido objeto de discussão numa antecedente, circunstância em que se fala de autoridade do caso julgado.
6 - Não ocorre exceção de caso julgado nesta vertente se, tendo sido interposta ação com vista ao ressarcimento dos descansos compensatórios não concedidos, a decisão proferida na primeira ação se deteve sobre a aplicação de direito não totalmente coincidente com o direito que vem a ser aplicado na segunda, embora haja coincidência na invocação de um dos IRC e na interpretação que ambas fazem de uma mesma cláusula.
(sumário da autoria da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:

AA, Autor nos autos à margem referenciados, tendo sido notificado da sentença e com a mesma não se conformando, vem da mesma interpor Recurso de Apelação.
Pede a revogação da sentença com condenação da R. no pedido.
Formulou as seguintes conclusões:
A - Na sentença recorrida, o Tribunal a quo deu como provado o facto n.º 16, sem qualquer fundamento de facto e de direito, concretamente sem que a Ré tenha provado ter liquidado, nas retribuições de férias e subsídios de férias e Natal a partir do ano de 1999, as médias de trabalho noturno peticionadas pelo Autor, não tendo a Ré para o efeito sequer indicado datas e respetivos montantes que alega ter liquidado ao Autor.
B – Não tendo sido provado quais foram os pagamentos efetuados pela Ré ao Autor por conta desta rubrica, não poderia ter o Tribunal a quo ter dado como provado que “16 - A Ré pagou ao autor AA as médias referentes aos valores recebidos a título de trabalho noturno nas férias, subsídio de férias e de Natal nos anos de 1999 a 2019.”
C - Razão pela qual, em cumprimento do disposto no artigo 662.º do CPC, terá o n.º 16 de ser retirado da matéria de facto dada como provada.
D - Decidiu-se na douta sentença proferida que a remuneração de trabalho noturno, trabalho suplementar e subsídio de atividades complementares auferidos com carácter de regularidade pelo Autor teriam de ser enquadrados no conceito de retribuição, e consequentemente integrar a sua remuneração de férias e subsídios de férias e Natal.
E – Sem prejuízo deste entendimento, o Tribunal a quo não condenou a Ré na inclusão na retribuição do subsídio de Natal da média dos valores recebidos pelo Autor a título de trabalho suplementar, subsídio de atividades complementares a partir do ano de 2003, assim como foi absolvida a Ré do pagamento nas retribuições de férias e subsídios de férias e Natal da média dos valores recebidos a título de subsídio noturno a partir do ano de 1999.
F - Quanto à não condenação da Ré a pagar ao Autor nas retribuições de férias e subsídios de férias e Natal a média do trabalho noturno auferido a partir do ano de 1999, tal decisão foi fundamentada pelo facto de, erradamente, ter sido dado como provado pelo Tribunal a quo, por força do disposto no n.º 4 da cláusula 28.ª do Acordo de Empresa, que a Ré a partir do ano de 1999 passou a integrar o trabalho noturno no pagamento das retribuições de férias e subsídios de férias e de Natal. Com efeito,
G – Não produziu a Ré qualquer prova quanto aos valores alegadamente liquidados ao Autor nas remunerações de férias e subsídios de férias e Natal a título de trabalho noturno, nem tal factualidade se pode retirar da prova testemunhal produzida ou sequer dos documentos apresentados pela testemunha BB que diziam respeito a anos não reclamados pelo Autor.
H - Assim, terá necessariamente de ser a Ré condenada a integrar a média do trabalho noturno, auferido com carácter de regularidade e periodicidade, nas retribuições de férias e subsídios de férias e Natal do Autor a partir do ano de 1999, alterando-se a douta sentença nesta matéria.
I - Para a não condenação da Ré a integrar no subsídio de Natal a média de trabalho noturno, de trabalho suplementar e de subsídio de atividades complementares a partir do ano de 2003, foi entendimento do Tribunal a quo de que por força do disposto nos artigos 262.º e 263.º, n.º 1 do CT/2009, o Autor não teria direito à inclusão destas prestações complementares no subsídio de Natal, sendo esta remuneração, por força destas normas legais, apenas constituída por um mês de retribuição base e diuturnidades.
J – Efetivamente, a regra do favor laboratoris foi alterada com o CT/2003 e CT/2009, tendo passado a prever-se que as normas do Código do Trabalho podem ser afastadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, salvo quando delas resultar o contrário, passando a lei a permitir a intervenção dos IRCT, quer em sentido mais favorável aos trabalhadores, quer em sentido menos favorável, apenas se exigindo que as normas do Código do Trabalho não sejam imperativas.
K - No CT/2003 e no CT/2009 o conceito de retribuição manteve-se inalterado, incluído tudo aquilo que a entidade patronal está obrigada a pagar, regular e periodicamente, como contrapartida do trabalho prestado. Tal como se manteve a presunção ius tantum de que toda a prestação que é paga ao trabalhador tem carácter de retribuição – artigo 249.º, n.º 3 do CT/2003 e artigo 258.º, n.º 3 do CT/2009.
L - Assim, no Código do Trabalho, quanto ao subsídio de Natal, passou a vigorar o princípio de que a base de cálculo das prestações complementares e acessórias é apenas a retribuição base e diuturnidades, exceto quando as disposições legais, convencionais ou contratuais dispuserem em contrário – artigos 262.º e 263.º do CT/2009.
M – A remuneração do subsídio de Natal encontra previsão no Acordo de Empresa da Ré, sendo previsto nas cláusulas 36.ª, n.º 1 e 41.ª, n.º 1 do Acordo de Empresa que o subsídio de Natal corresponde a 100% da retribuição mensal, sendo esta compreendida pela remuneração base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie.
N - Seguindo o acima exposto, quanto à possibilidade de afastamento por Acordo de Empresa das regras do Código do Trabalho em matérias que não são imperativas, como é o caso do subsídio de Natal, tendo sido decidido pelo Tribunal a quo que as remunerações de trabalho noturno, trabalho suplementar e subsídio de atividades complementares eram contrapartida do trabalho prestado pelo Autor, sendo auferidas de forma regular e periódica, integrando-se, portanto, no conceito de retribuição, deveria a respetiva média de trabalho noturno, de trabalho suplementar e de subsídio de atividades complementares ter sido incluída na retribuição do subsídio de Natal após o ano de 2003, devendo em consequência ser alterada a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo, condenando-se a Ré a incluir na retribuição de subsídio de Natal do Autor as médias de trabalho noturno, trabalho suplementar e subsídio de atividades auferidas com carácter de regularidade e periocidade pelo Autor após o ano de 2003 e até 2019, conforme peticionado.
O – Ainda que tenha sido dado como provado que o Autor trabalhou o número de horas suplementares indicadas nos quadros constantes do artigo 47.º da petição inicial, não tendo gozado qualquer descanso compensatório relativamente às horas suplementares trabalhadas, nem a Ré pagou qualquer quantia a título de substituição de descanso compensatório, decidiu o Tribunal a quo absolver a Ré do pedido de condenação de descansos compensatórios, fundamentando a decisão proferida por concluir que não estão em causa normas imperativas do Código do Trabalho que podem ser afastadas por IRCT, as quais são afastadas pelo estatuído na cláusula 27.ª, n.º 9 do Acordo de Empresa que afasta o direito de atribuição de descansos compensatórios por trabalho suplementar prestado em dia útil, de descanso semanal complementar ou feriado, dado que apenas prescreve tal direito por trabalho prestado em dia de descanso obrigatório.
P - Ainda que não tenha sido declarada, quanto a esta matéria, mais concluiu o Tribunal a quo pela existência de uma situação de caso julgado, cuja autoridade teria de ser tomada em conta e que configuraria uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, a qual conduziria à absolvição da Ré da instância no pedido de condenação da Ré ao pagamento de descansos compensatório.
Q – Ora, em nenhuma outra ação, o Autor tentou obter pagamento das quantias que aqui peticiona, não tendo sido interveniente processual nas ações mencionadas pela Ré, tendo de se concluir que se apresenta como terceiro, estranho aos referidos processos. Mais, não resulta alegado ou provado que alguma vez o Autor tenha sido associado do Sindicato Nacional dos Motoristas, Autor em algumas das ações indicadas pela Ré, sendo sim associado no Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal, que o representa nos presentes autos, conforme alegado no artigo 2.º da petição inicial.
R - Assim, em atenção ao princípio do contraditório (artigo 3.º do Código de Processo Civil), não sendo admissível que uma pessoa possa ser juridicamente afetada por uma decisão sem ser ouvida previamente no processo em que a mesma é proferida, contrariamente ao decidido na douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, não se poderia ter como verificada a exceção de autoridade de caso julgado nos presentes autos.
S - Sem prejuízo desta factualidade, e salvo melhor entendimento, carecem de fundamento, de facto e de direito, os argumentos do Tribunal a quo para absolver a Ré do pagamento dos descansos compensatórios, não atribuídos pelo trabalho suplementar prestado pelo Autor em dias úteis, em dias de descanso semanal complementar e em dias de feriado.
T - Ainda que, tal como decidido pelo Tribunal a quo, as normas previstas em Instrumento de Regulamentação Coletiva possam afastar o disposto nos artigos 202.º e 203.º do CT/2003 e nos artigos 229.º e 230.º do CT/2009, por força do disposto no artigo 4.º do CT/2003 e no artigo 3.º do CT/2009, sempre seria necessário, atendendo às regras atinentes à interpretação da lei, especialmente o artigo 9.º, do Código Civil, proceder-se à interpretação do disposto na cláusula 27.ª, n.º 9 do Acordo de Empresa, concretamente se com a sua previsão as partes pretenderam afastar as referidas normas do CT/2003 e CT/2009.
U - Na cláusula 27.ª, n.º 9 do Acordo de Empresa é previsto que “os trabalhadores que tenham prestado trabalho no dia de descanso semanal obrigatório têm direito a 1 dia de descanso completo num dos três dias seguintes”. Desta previsão não é possível retirar-se que as partes outorgantes do Acordo de Empresa apenas quiseram que o trabalho prestado em dia de descanso semanal obrigatório conferisse direito a descanso compensatório, dado que nenhuma referência é feita à consequência do trabalho suplementar prestado em dia útil, em dia de descanso semanal complementar ou feriado, nomeadamente se este trabalho concede ou afasta tal direito.
V – É assim, apenas pela leitura da tal norma, impossível de concluir que as partes pretenderam afastar as normas previstas nos artigos 202.º e 203.º do CT/2003 e artigos 229.º e 230.º do CT/2009.
W - Aliás nem as partes outorgantes do Acordo de Empresa poderiam fazer essa opção, pois aquando da celebração do Acordo de Empresa e respetiva publicação no BTE n.º 29, de 08/08/1999, não aplicável ao Autor, ainda não tinha entrado em vigor o CT/2003, ou seja, ainda não estava previsto o direito a descanso compensatório por trabalho suplementar prestado em dia útil, dia de descanso semanal complementar ou em dia de feriado.
X - Assim, terá necessariamente de ser concluído que a norma prevista na cláusula 27.ª, n.º 9 do Acordo de Empresa, não afasta as normas do CT/2003 e CT/2009, no que diz respeito ao direito à concessão de descanso compensatório por trabalho suplementar prestado em dias úteis, em dias de descanso complementar e em dia de feriado, devendo a Ré ser condenada no pagamento dos descansos compensatório peticionados pelo Autor nos presentes autos.
Y - Na eventualidade de não vingar este entendimento, o que por mero dever de patrocínio se admite, sempre teria a Ré de ser condenada a pagar ao Autor os descansos compensatórios devidos por trabalho suplementar prestado em dias úteis, dias de descanso semanal complementar e feriado, nos termos do disposto nos artigos 202.º e 203.º do CT/2003 e artigos 229.º e 230.º do CT/2009, até Maio de 2009, pois embora a disposição prevista na cláusula 27.ª do Acordo de Empresa tenha sido publicada pela primeira vez no BTE n.º 29, de 08/08/1999, este Acordo de Empresa apenas foi subscrito pelo Sindicato Nacional dos Motoristas, e não pelo Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal, onde o Autor se encontrava filiado, razão pela qual, por aplicação do princípio da filiação, tal previsão não lhe poderia ser aplicada.
Z – Sendo aplicáveis ao Autor os Acordos de Empresa publicados no BTE n.º 9, de 08/03/1977, no BTE n.º 01, de 08/01/1979, no BTE n.º 16, de 29/04/1982, no BTE n.º 35, de 22/09/1984, no BTE n.º 17, de 08/05/2009, no BTE n.º 2, de 15/01/2020, no BTE n.º 16, de 29/04/2020, no BTE n.º 15, de 22/04/2021 e no BTE n.º 19, de 22/05/2022, a norma prevista na cláusula 27.ª, n.º 9 do Acordo de Empresa apenas teve a sua aplicação para o Autor com a publicação do BTE n.º 17, de 08/05/2009, o qual entrou em vigor no dia 13/05/2009.
AA - Assim, inexistindo até á publicação deste Acordo de Empresa qualquer previsão em Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho que regulamentasse e vinculasse o Autor e Ré, em sentido mais ou menos favorável, quanto ao direito ao descanso compensatório, seja em dia útil, de descanso complementar ou obrigatório ou feriado, teria de ser aplicado ao Autor, até 13/05/2009, o disposto nos artigos 202.º e 203.º do CT/2003 e nos artigos 229.º e 230.º do CT/2009, condenando-se a Ré ao pagamento dos descansos compensatórios devidos até essa data, face à matéria de facto dada como provada nos n.ºs 11 e 17.
AB - Apenas com a entrada em vigor do Acordo de Empresa publicado no BTE n.º 17, de 08/05/2009, vingando o entendimento proferido pelo Tribunal a quo ficaria a Ré desonerada do pagamento/atribuição de descanso compensatório por trabalho suplementar prestado em dia útil, dia de descanso complementar obrigatório e dia de feriado.
AC - Face ao exposto, deve a sentença recorrida ser revogada, nas partes indicadas, por violação do disposto nos artigos 202.º, 203.º, 249.º, 251.º, 252.º e 254.º CT/2003, dos artigos 229.º, 230.º, 258.º a 263.º do CT/2009 e nas disposições do vários IRCT aplicáveis à relação laboral celebrada entre o Autor e a Ré, e consequentemente deverá a douta sentença proferida ser alterada, e condenada a Ré, nos seguintes termos:
a) Ser retirado o n.º 16 da matéria de facto dada como provada, concretamente por não ter ficado provado que a Ré pagou ao Autor as médias referentes aos valores recebidos a título de trabalho noturno nas férias, subsídio de férias e de Natal;
b) Ser a Ré condenada a integrar/pagar ao Autor a média do trabalho noturno, auferido com carácter de regularidade e periodicidade, nas retribuições de férias e subsídios de férias e de Natal a partir do ano de 1999;
c) Ser a Ré condenada a incluir/pagar ao Autor na retribuição de subsídio de Natal as médias de trabalho noturno, trabalho suplementar e subsídio de atividades auferidas, com carácter de regularidade e periocidade, após o ano de 2003 e até 2019;
d) Ser a Ré condenada no pagamento ao Autor dos descansos compensatórios peticionados na petição inicial;
e) Ser mantido o demais decidido pelo Tribunal a quo na douta sentença proferida.
ZZ, E.M., S.A., R. nos autos acima identificados, notificada da interposição de Recurso de Apelação, e respetivas alegações, vem apresentar as suas contra-alegações nas quais defende a manutenção da sentença.
O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer concordando com as contra-alegações e concluindo pela improcedência do recurso.
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Os autos resumem-se como segue:
CC e AA1 intentaram a presente ação declarativa de condenação contra ZZ, E.M., S.A., deduzindo os seguintes pedidos:
1. Ser a Ré condenada a pagar ao Autor CC nas retribuições de férias, subsídios de férias e Natal a quantia de 10.527,78€ (dez mil quinhentos e vinte e sete euros e setenta e oito cêntimos) referente à média anual dos valores auferidos a título de trabalho suplementar (9.010,57€) e subsídio de tarefas complementares da condução (1.517,21€) auferidos com carácter de regularidade nos anos de 2011 a 2020;
2. Ser a Ré condenada a pagar ao Autor CC a quantia de 1.064,41€ (mil e sessenta e quatro euros e quarenta e um cêntimos) a título de descansos compensatórios;
3. Ser a Ré condenada a pagar ao Autor AA nas retribuições de férias, subsídios de férias e Natal a quantia de 33.796,09€ (trinta e três mil setecentos e noventa e seis euros e nove cêntimos) referente à média anual dos valores auferidos a título de trabalho suplementar (27.429,81€), trabalho noturno (3.552,13€) e subsídio de tarefas complementares da condução (2.814,15€) auferidos com carácter de regularidade nos anos de 1986 a 2019;
4. Ser a Ré condenada a pagar ao Autor AA a quantia de 12.382,80€ (doze mil trezentos e oitenta e dois euros e oitenta cêntimos) a título de descansos compensatórios;
5. Ser a Ré condenada a pagar aos Autores juros de mora legais vencidos e vincendos até integral pagamento de todas as quantias reclamadas;
6. Ser a Ré condenada a pagar custas e demais despesas legais.”
Alegam, no essencial, que trabalham sob as ordens, direção e fiscalização da ré, exercendo funções de motorista de serviço público, e que esta não integrou na retribuição de férias, subsidio de férias e subsídio de Natal as prestações pecuniárias pagas com caracter de regularidade por trabalho suplementar, subsídio de tarefas complementares de condução e trabalho noturno, nos anos de 2011 a 2020 para o primeiro e nos anos de 1986 a 2019 para o segundo, sendo devida a média das referidas prestações na retribuição e subsídios dos referidos anos, com juros de mora desde a data dos mesmos.
Alegam ainda que no período de 1 e Dezembro de 2003 a 31 de Julho de 2012 efetuaram horas suplementares a que corresponde o direito a horas de descanso compensatório que não lhes foi concedido nos 90 dias seguintes, pelo que o mesmo deve ser remunerado.
A ré contestou (fls. 304 a 312), deduzindo matéria de exceção e impugnando a natureza retributiva das prestações pecuniárias complementares pagas, concluindo pela improcedência da pretensão dos autores, os quais, na sequência de despacho, se pronunciaram sobre a matéria de exceção (fls. 350/352).
Realizou-se a audiência de julgamento, vindo a ser proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, e, em consequência, condenou a ré ZZ, E.M., S.A.. a pagar:
1 - Ao 1º autor, CC:
a) As diferenças salariais vencidas na retribuição de férias e no subsídio de férias vencidos nos anos de 2011 a 2019, resultantes da inclusão nos mesmos dos valores médios recebidos por este a título de trabalho suplementar e de subsídio de tarefas complementares, por referência aos valores médios dos últimos doze meses antes da data do vencimento da retribuição de férias e do subsídio de férias e aos anos em que o mesmo recebeu as referidas prestações durante pelo menos onze meses;
b) Os juros de mora, à taxa legal, computados desde o vencimento de cada parcela até integral pagamento.
2 - Ao 2º autor, AA:
a) As diferenças salariais vencidas na retribuição de férias e no subsídio de férias vencidos nos anos de 1986 a 2019, resultantes da inclusão nos mesmos dos valores médios recebidos por este a título de trabalho suplementar e de subsídio de tarefas complementares, por referência aos valores médios dos últimos doze meses antes da data do vencimento da retribuição de férias e do subsídio de férias e aos anos em que o mesmo recebeu as referidas prestações durante pelo menos onze meses;
b) As diferenças salariais vencidas no subsídio de férias vencidos nos anos de 1986 a 2003, resultantes da inclusão nos mesmos dos valores médios recebidos por este a título de trabalho suplementar e de subsídio de tarefas complementares, por referência aos valores médios dos últimos doze meses antes da data do vencimento da retribuição de férias e do subsídio de férias e aos anos em que o mesmo recebeu as referidas prestações durante pelo menos onze meses;
c) As diferenças salariais vencidas na retribuição de férias, no subsídio de férias e no subsídio de Natal vencidos nos anos de 1986 a 1998, resultantes da inclusão nos mesmos dos valores médios recebidos por este a título de trabalho noturno, por referência aos valores médios dos últimos doze meses antes da data do vencimento da retribuição de férias e do subsídio de férias e aos anos em que o mesmo recebeu as referidas prestações durante pelo menos onze meses.
d) Juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento de cada parcela até integral pagamento;
Absolveu a ré dos restantes pedidos formulados pelos autores.
***
As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª – Deve dar-se como não provado o facto 16º?
2ª – Deveriam as médias de trabalho noturno, trabalho suplementar e subsídio de atividades complementares ter sido incluídas na retribuição do subsídio de Natal após 2003?
3ª – Não se poderia ter como verificada a exceção de autoridade do caso julgado?
4ª – Carecem de fundamento os argumentos do Tribunal para absolver a R. do pagamento dos descansos compensatórios?
***
FUNDAMENTAÇÃO:
A primeira questão cuja apreciação se impõe prende-se com um invocado erro de julgamento da matéria de facto, no caso, quanto ao ponto 16 cujo teor é o seguinte:
- A Ré pagou ao autor AA as médias referentes aos valores recebidos a título de trabalho noturno nas férias, subsídio de férias e de Natal nos anos de 1999 a 2019.
Alega o Apelante que tal matéria foi dada como provada sem dependência de qualquer prova.
Contrapõe a Apelada que o Recrte. omite o cumprimento dos ónus impostos pelo Art.º 640º do CPC.
Também o Ministério Público no seu parecer afirma que o recurso apresentado é completamente omisso relativamente às exigências decorrentes deste dispositivo legal, devendo, por isso, ser rejeitado.
O Apelante não respondeu.
Cumpre decidir!
O Art.º 640º do CPC impõe àquele que impugne a decisão sobre matéria de facto o cumprimento de um conjunto de ónus que, se incumpridos, levam à imediata rejeição do recurso nessa parte.
Assim, compete ao recorrente, indicar os concretos pontos de facto que tem por incorretamente julgados, os concretos meios probatórios a reapreciar e a decisão a proferir sobre tais pontos. Para além disso, quando os meios probatórios tiverem sido gravados, há-de o recorrente indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.
Compulsada a alegação (e as próprias conclusões) temos como certo que o Apelante cumpriu os ónus que lhe são impostos pelo Art.º 640º/1-a) e c).
Quanto ao da alínea b) do nº 1 e a) do nº 2 do Art.º 640º - indicação dos concretos meios probatórios complementada pela indicação exata das passagens da gravação- não podemos dá-lo como cumprido, visto que nenhuma referência é efetuada ao ficheiro de gravação e nem sequer se apresenta alguma transcrição.
Contudo, do que alega admite o Apelante que a testemunha depôs no sentido do que ali se afirma.
Nessa medida, é irrelevante o incumprimento assinalado, pelo que passaremos à reapreciação.
Como dito acima, o Apelante menciona que a testemunha cujo depoimento foi valorado pelo Tribunal depôs no sentido do afirmado naquele ponto de facto, sustentando o seu entendimento no teor dos documentos de fls. 359 a 365. Sustenta, porém, que dos documentos não se pode concluir pelo pagamento, refutando ainda que o alegado pela R. em sede de contestação tenha a virtualidade de provar os pagamentos ao A..
Na sentença recorrida consignou-se que a decisão quanto a este ponto de facto teve na sua base o referido depoimento, o acordo das partes resultante do alegado em sede de petição inicial e contestação e o teor dos documentos de fls. 359 a 365.
Vejamos, então!
No Art.º 23º da PI alegou-se que nunca os valores auferidos a título de trabalho suplementar, trabalho noturno e subsídio de tarefas complementares foram incluídos na retribuição das férias e subsídios de férias e de Natal.
No Art.º 16º da contestação alegou a R. que, contrariamente ao alegado pelos AA., pagou as médias referentes a valores recebidos a título de trabalho noturno nas férias, subsídio de férias e de Natal. Explica depois que desde o AE de 1999 as partes outorgantes aceitam que apenas as médias de trabalho noturno seja paga nestas componentes retributivas (Art.º 18º a 23º).
Em causa nesta apelação o pagamento das médias por trabalho noturno.
Do teor dos articulados, como é bom de ver, não se pode extrair qualquer acordo relativamente a esta matéria.
Reportemos, então, os documentos invocados.
Neste conjunto de documentos constam três recibos de vencimento – um de Novembro de 2009, um de Dezembro de 2014 e um de Fevereiro de 2017, bem como umas listagens não encimadas por qualquer título ou referência nominal e, por isso mesmo, incompreensíveis.
Dos recibos extrai-se que foi pago ao Apelante, em Novembro de 2009 a quantia de 1.352,28€ a título de subsídio de Natal ativo, em Dezembro de 2014 a quantia de 113,20€ como duodécimos de subsídio de Natal ativo e em Fevereiro de 2017 um duodécimo de 59,00€ a mesmo título e subsídio de férias ativo a quantia de 1.415,90€.
Ora, ainda que a testemunha tenha deposto no sentido afirmado, certo é que se sustentou nestes documentos. Porém, não se vê como dos mesmos se pode concluir que a Ré pagou ao autor AA as médias referentes aos valores recebidos a título de trabalho noturno nas férias, subsídio de férias e de Natal nos anos de 1999 a 2019. Trata-se de três documentos com uma abrangência muito limitada e não esclarecedores.
Não tendo a Apelada trazido à apelação qualquer contributo para a discussão, não resta senão reconhecer razão ao impugnante, dando como não provada esta matéria.
***
OS FACTOS:
Consideram-se provados os seguintes factos:
1 - A Ré exerce a atividade de Transportes Terrestes, urbanos e suburbanos, de passageiros.
2 - Os Autores são filiados no STRUP - Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal, por sua vez, filiado na FECTRANS, aplicando-se sucessivamente às relações laborais entre os Autores e Ré as disposições dos Acordos de Empresa, publicados no BTE n.º 9, de 08/03/1977, no BTE n.º 01, de 08/01/1979, no BTE n.º 16, de 29/04/1982, no BTE n.º 35, de 22/09/1984, no BTE n.º 17, de 08/05/2009 e no BTE n.º 2, de 15/01/2020, com alterações publicadas no BTE n.º 16, de 29/04/2020 e BTE n.º 15, de 22/04/2021
3 - O Autor CC foi admitido ao serviço da Ré em 22/10/2010, para, sob a sua autoridade, fiscalização e direção, exercer as funções da categoria profissional de motorista de serviço público.
4 - A sua retribuição ao serviço da Ré é composta pela remuneração base mensal, anuidades e bianuidades, subsídio de refeição diário, subsídio de atividades complementares da condução, subsídio de horários irregulares e abono para falhas.
5 - O Autor AA foi admitido ao serviço da Ré em 15/01/1982, para, sob a sua autoridade, fiscalização e direção, exercer as funções da categoria profissional de motorista de serviço público.
6 - A sua retribuição ao serviço da Ré é composta pela remuneração base mensal, anuidades e bianuidades, subsídio de refeição diário, subsídio de atividades complementares da condução, subsídio de horários irregulares e abono para falhas.
7 - Os Autores têm um horário de trabalho quarenta horas semanais e de oito horas diárias em média, distribuídas por 5 dias, com dois dias de descanso semanal, cumprindo o seu horário de trabalho em cumprimento de escalas diárias de serviço organizadas pela Ré, as quais são por esta afixadas nos locais de trabalho, exercendo, consequentemente, os Autores um horário de trabalho que sempre lhes foi imposto pela Ré.
8 - Nos anos de 2011 a 2020, o Autor CC recebeu da Ré a título de trabalho suplementar e de subsídio de atividades complementares os valores indicados nos quadros constantes do artigo 33.º da petição inicial, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
9 - Nos anos de 1986 a 2019, o Autor AA recebeu da Ré a título de trabalho suplementar, de subsídio de atividades complementares e de trabalho noturno os valores indicados nos quadros constantes do artigo 34.º da petição inicial, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
10 - Nos anos de 2011 e 2012, o Autor CC trabalhou o número de horas suplementares indicadas nos quadros constantes do artigo 44.º da petição inicial, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
11 - Nos anos de 2003 a 2012, o Autor AA trabalhou o número de horas suplementares indicadas nos quadros constantes do artigo 47.º da petição inicial, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
12 - A Ré não integrou nem pagou ao Autor CC na retribuição dos meses de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal nos anos de 2011 a 2020 a média dos quantitativos pagos a título de trabalho suplementar e de subsídio de atividades complementares.
13 - No ano de 2021, a Ré pagou ao Autor CC a média dos quantitativos pagos a título de trabalho suplementar e de subsídio de atividades complementares na retribuição dos meses de férias e subsídio de férias do ano de 2020.
14 - A Ré não integrou nem pagou ao Autor AA na retribuição dos meses de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal nos anos de 1986 a 2019 a média dos quantitativos pagos a título de trabalho suplementar e de subsídio de atividades complementares.
15 - A Ré não integrou nem pagou ao Autor AA na retribuição dos meses de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal nos anos de 1986 a 1998 a média dos quantitativos pagos a título de trabalho noturno.
16 – Não provado
17 - Os autores não gozaram descanso compensatório relativamente às horas suplementares trabalhadas acimas indicadas sob os números 10 e 11, nem a ré lhes pagou qualquer quantia a título de substituição de descanso compensatório.
18 - O Sindicato Nacional dos Motoristas (SNM) intentou ação declarativa de condenação, em representação de interesses coletivos dos seus trabalhadores, contra a “ZZ, E.M., S.A.”, pedindo, além do mais, a condenação da ré a conceder ou pagar descanso compensatório remunerado sempre que os trabalhadores associados no sindicato prestem trabalho suplementar em dia útil/feriado, a partir de 01/12/2003. Nesse processo, que correu termos sob o nº 2387/12.3TTLSB no extinto 2º Juízo, 1ª Secção, do Tribunal de Trabalho de Lisboa, em 14/01/2013 foi proferida sentença que julgou improcedente o referido pedido, dando-se aqui por reproduzido o teor da referida sentença como consta de fls. 313/320 dos autos, doc. nº 1 junto com a contestação.
19 - A referida sentença proferida no processo nº 2387/12.3TTLSB do extinto 2º Juízo, 1ª Secção, do Tribunal de Trabalho de Lisboa, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05/11/2013, cujo teor se dá aqui por reproduzido como consta de fls. 321/324 dos autos, doc. nº 2 junto com a contestação.
***
O DIREITO:
Comecemos pela decorrência lógica do decidido em sede de matéria de facto.
Decidiu-se na sentença que são devidas, nas remunerações de férias, subsídio de férias e de Natal, as médias das importâncias auferidas a título de trabalho suplementar, trabalho noturno e subsídio de atividades complementares de condução relativas aos anos em que tais importâncias tenham sido auferidas pelo menos onze meses.
Contudo, em presença do que se decidira no ponto 16º, decidiu-se que as médias atinentes ao trabalho noturno, tendo sido incluídas nas férias, subsídios de férias e de Natal nos anos de 1999 a 2019, apenas serão devidas em relação aos anos de 1986 a 1998.
Esta decisão cai, necessariamente, porquanto esta matéria foi agora tida como não provada.
Assim, também as médias referentes a trabalho noturno são devidas naqueles complementos retributivos nos termos em que a sentença os declarou como devendo comportá-las, ou seja, nas férias e nos subsídios de férias sem restrições, e no subsídio de Natal até Dezembro de 2003 (ponto c. do decisório).
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E, assim, prosseguimos para a segunda questãoDeveriam as médias de trabalho noturno, trabalho suplementar e subsídio de atividades complementares ter sido incluídas na retribuição do subsídio de Natal após 2003?
Discorda o Apelante da premissa constante da sentença de acordo com a qual a partir do ano 2003 (refira-se CT/2003) o subsídio de Natal, por força das normas legais, é igual apenas a um mês de retribuição base e diuturnidades.
Sustenta-se na circunstância de o AE (sem que o identifique) declarar que o subsídio de Natal corresponde a 100% da retribuição mensal, sendo esta compreendida pela remuneração base e todas as prestações regulares e periódicas.
Contrapõe a Apelada com o disposto nos Art.º 250º/1 e 254ª1 do CT/2003 e 262º e 263º/1 e 264º do CT/2009.
Ponderou-se na sentença que “Quanto ao subsídio de Natal, de acordo com a definição do art.º 250.º, n.º 1 e 254.º, n.º 1 do Código do Trabalho, o subsídio de Natal é igual apenas ao mês de retribuição base e diuturnidades, pelo que apenas nesta parte, em Dezembro de 2003, o autor não tem direito à inclusão das prestações complementares no subsídio de Natal.
Quanto ao regime aplicável a partir da entrada em vigor (17.02.2009) da nova redação do Código de Trabalho, Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, manteve-se inalterado o mesmo regime vindo da versão do CT de 2003, conforme decorre dos artigos 262.º, 263.º n.º 1 e 264.º deste diploma revisto.
Previamente deixou-se decidido2 que “Além do Código de Trabalho, é ainda aplicável o Acordo de Empresa formalizado pela ZZ, E.M., S.A. e o STRUP - Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal, por sua vez, filiado na FECTRANS, aplicando-se sucessivamente às relações laborais entre os Autores e Ré as disposições dos Acordos de Empresa, publicados no BTE n.º 9, de 08/03/1977, no BTE n.º 01, de 08/01/1979, no BTE n.º 16, de 29/04/1982, no BTE n.º 35, de 22/09/1984, no BTE n.º 17, de 08/05/2009 e no BTE n.º 2, de 15/01/2020, com alterações publicadas no BTE n.º 16, de 29/04/2020 e BTE n.º 15, de 22/04/2021, aplicação que não é controvertida e está aceite pelas partes nos autos e que foi considerado como matéria provada sob o nº 2 dos factos provados.
No período temporal agora em reapreciação -2003 a 2019- interessam-nos as estipulações constantes dos “BTE n.º 35, de 22/09/1984, no BTE n.º 17, de 08/05/2009 e no BTE n.º 2, de 15/01/2020, com alterações publicadas no BTE n.º 16, de 29/04/2020 e BTE n.º 15, de 22/04/2021”. Mais concretamente o disposto nas Clª 41ª/1 e 36ª/1.
Consultado o BTE de 1984 constatamos que ali se publica um AE ZZ/Sindicato dos Contabilistas e outros. Porém, o clausulado finaliza com a Clª 28ª e não vemos que o Sindicato onde o A. está filiado tenha subscrito o AE.
Já no BTE de 2009 se contém um AE ZZ/FECTRANS onde o STRUP está representado.
Este AE reconhece, na Clª 78ª o seu carater mais favorável, e extrai-se dele que substitui o AE 19993, pelo que, admitindo que pudesse ter havido lapso na enunciação reportada no ponto 2, verificámos a identidade dos respetivos subscritores.
Ocorre, porém, que este AE/1999 não é subscrito pelo STRUP ou FECTRANS.
Contudo, é certo que o AE 19994 contém uma CLº 36ª/1 com o seguinte teor:
Cláusula 36.a
Retribuição do trabalho
1 — A retribuição compreende a remuneração base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie.
E uma Clª 41ª/1 com o seguinte conteúdo:
Cláusula 41.a
Subsídio de Natal
1 — Todos os trabalhadores abrangidos por este acordo, têm direito a receber pelo Natal um subsídio correspondente a 100% da retribuição mensal.
Conteúdos reproduzidos no AE 2009, esse relativamente ao qual não temos dúvidas acerca da sua subscrição pelo Sindicato onde o A. se mostra filiado. Assim, clausulou-se aqui sob o nº 36/1:
Cláusula 36.ª
Retribuição do trabalho
1 — A retribuição compreende a remuneração base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie.
E sob o nº 41/1:
Cláusula 41.ª
Subsídio de Natal
1 — Todos os trabalhadores abrangidos por este acordo têm direito a receber pelo Natal um subsídio correspondente a 100 % da retribuição mensal.
Efetuado este périplo, confrontámo-nos com a dúvida sobre se a referência efetuada no ponto 2 ao AE de 1984 é válida.
Ora, a verdade é que consta ali uma Clª 14ª cujo teor é o seguinte:
Subsídio de Natal
1 — Todos os trabalhadores abrangidos por este acordo têm direito a receber pelo Natal um subsídio correspondente a 100 % da retribuição mensal.
Para além desta, a Clª 12ª onde, a propósito da retribuição, consta:
1 – Remuneração – A quantia correspondente à respetiva categoria.
2 – Retribuição normal – Compreende a remuneração de categoria, acrescida, quando devida, do subsídio de chefia ou do subsídio de tecnicidade.
3 – Retribuição mensal – Comporta a retribuição normal e todos os abonos e subsídios inerentes à função em que em dado momento é exercida e na medida do seu efetivo exercício.
4 – Retribuição – Inclui a retribuição mensal e as prestações resultantes do trabalho noturno e do trabalho prestado em dias feriados.
Considerando que a matéria que integra o ponto 2 é resultado do acordo das partes, não obstante as dúvidas que se nos colocaram, não podemos deixar de ter este clausulado como aplicável.
E, assim, em matéria de subsídio de Natal, temos, por um lado o AE de 1984 e, por outro, o AE de 2009.
Ora, em matéria de subsídio de Natal o clausulado nestes AE é muito mais abrangente do que o que se estipulou nos CT 2003 e 2009, diplomas onde o subsídio de Natal tem a amplitude decorrente do disposto nos supra mencionados Art.º 250º/1 e 254/1 do CT/2003 e 263º e 262º do CT/2009.
Vejamos, então, a relação entre as diversas fontes de direito.
No CT de 2003, dispunha o Art.º 4º/1 que as respetivas normas podem ser afastadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, salvo quando delas resultar o contrário.
Por sua vez, em presença quer do Art.º 254º, quer do Art.º 250º/1, nada obsta a que um instrumento de regulamentação coletiva disponha em sentido oposto.
E aquele IRC, que as partes deram como aplicável, dispõe em sentido contrário e mais favorável – o subsídio de Natal corresponde a 100% da retribuição mensal e esta comporta a retribuição normal e todos os abonos e subsídios inerentes à função que em dado momento ´exercida e na medida do seu efetivo exercício. Compreende, pois, os valores por trabalho suplementar, noturno e subsídio por atividades complementares.
O AE 2009 entrou em vigor em 13/05/2009 altura em que vigorava o CT 2009 aprovado pela Lei 7/2009 de 12/02.
Na vigência deste código não existe qualquer óbice a que os IRC disponham em sentido mais favorável e distinto do código em matéria de subsídio de Natal (Art.º 3º/1).
Ora, em presença do disposto no Art.º 262º/1 do CT de 2009 quando disposição legal, convencional ou contratual não disponha em contrário, a base de cálculo de prestação complementar ou acessória é constituída pela retribuição base e diuturnidades.
Também este IRC dispõe em contrário, considerando que o subsídio de Natal corresponde a 100% da retribuição mensal, retribuição que, como vimos compreende a remuneração base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, ou seja, no caso do Apelante, e tal como declarado na sentença, compreende, para além do salário, também as prestações de que nos ocupamos.
Assim, tendo-se concluído que os complementos salariais em presença são integrantes da retribuição, não resta senão reconhecer a razão do Apelante A. na questão em análise.
Isto mesmo já o declarámos no âmbito dos Proc.º 17963/20.2T8LSB e 6012/21.3T8LSB onde, em ações envolvendo a Apelada e o SITRA, estiveram em discussão cláusulas idênticas.
Donde, desde Dezembro de 2003, não obstante o regime codicístico, os AE se sobrepõem nesta matéria, pelo que as médias de trabalho noturno, trabalho suplementar e subsídio de atividades complementares devem ser incluídas na retribuição do subsídio de Natal.
*
Avançamos para a terceira questão – Não se poderia ter como verificada a exceção de autoridade do caso julgado?
Relativamente a esta matéria a apelação assenta na impugnação de uma não decisão.
Na verdade, tendo iniciado a apreciação da exceção de autoridade do caso julgado, consignou-se na sentença que “conclui-se pela existência de uma situação de caso julgado, cuja autoridade há que ter em conta, o que configura uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, a qual conduziria à absolvição da ré da instância (arts. 576º, nº 2, 577º, al. i) e 578º, todos do CPC), mas que não se irá aqui declarar5, por se entender que a questão deve ser apreciada de modo definitivo, tendo-se em conta que o referido pedido dos autores não merece acolhimento.
Anunciada, pois, uma mera intenção decisória.
Porém, sem consequências.
Incidindo os recursos sobre decisões judicias (Art.º 627º/1 do CPC), inexistindo decisão, não se conhece do pedido de reapreciação6.
*
Resta a quarta questão – Carecem de fundamento os argumentos do Tribunal para absolver a R. do pagamento dos descansos compensatórios?
Consignou-se na sentença:
Os autores pedem que a ré seja condenada no pagamento dos descansos compensatórios, vencidos e não gozados, correspondentes ao trabalho suplementar prestado entre 01 de Dezembro de 2003 e 31 de Julho de 2012.
Considerando o período em causa, é aplicável o Código de Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27/08, o Código de Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12/02 e os AE’s referidos em C) dos factos provados.

Os artigos 203º do CT12003 e 229º e 230º, n.º 2, do CT/2009, este último na redação introduzida pela Lei n.º 23/2012 de 25/06, regulavam e regulam o trabalho prestado em dia de descanso compensatório e a sua remuneração.
De acordo com o artigo 203º do CT/2003…
O artigo 229º do CT/2009 dispunha que …
A Lei n.º 23/2012 de 25/06, veio a revogar os n.ºs 1 e 2 deste preceito legal mantendo a redação dos n.ºs 3, 4 e 5.

Por seu turno, as normas convencionais constantes dos AE’s referidos no nº 2 dos factos provados preveem o descanso compensatório mas apenas nos casos em que tenha havido trabalho em dia de descanso semanal obrigatório.
Resulta assim que em sede de regulamentação coletiva foram as partes mais restritivas.
Por isso, impõe-se saber se esta norma prevalece sobre as normas contidas no Código de Trabalho.
Porque os factos que fundamentam o pedido dos autores ocorreram no período compreendido entre 2003 e 2012, há que ter em conta o disposto quanto a tal matéria nos Códigos de Trabalho de 2003 e 2009.
Do regime do Código de Trabalho de 2003, designadamente do artigo 4º, resultava que as normas deste podiam ser afastadas por instrumentos de regulamentação coletiva se destes resultasse um tratamento mais favorável para os trabalhadores.
Atualmente, o artigo 3º do CT/2009, sob a epígrafe Relações entre fontes de regulação dispõe:
“1 - As normas legais reguladoras de contrato de trabalho podem ser afastadas por instrumento de regulamentação coletiva, salvo quando delas resultar o contrário.

Ora, do regime das citadas normas, resulta que no âmbito do Código de Trabalho de 2003, se o instrumento de regulamentação coletiva fosse mais favorável ao trabalhador sobrepunha-se à norma legal. Atualmente, sendo a norma imperativa, esta não pode ser afastada por aquele (Vide a este propósito o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 602/2013, de 24/10).
No caso, não estão em causa normas imperativas pelo que sempre será de aplicar o que resulta do estatuído no Acordo de Empresa, daqui resultando que os autores teriam o direito de serem pagos apenas pelo descanso compensatório relativamente aos dias em que prestaram trabalho suplementar em dia de descanso semanal obrigatório.
Concorda o Apelante que as normas do IRC possam afastar as normas legais citadas. Contudo, defende que da Clª 27ª/9 do AE não se pode extrair a vontade de afastar as normas dos CT 2003 e 2009. Ou seja, não é possível retirar que as partes outorgantes do AE apenas quiseram que o trabalho prestado em dia de descanso semanal obrigatório conferisse direito a descanso compensatório dado que nenhuma referência é feita à consequência do trabalho suplementar prestado nem dia útil, em dia de descanso complementar semanal ou feriado.
Afirma a Apelada que nada a obriga a pagar descanso compensatório referente a trabalho prestado em dia útil, feriado ou descanso complementar, o que já foi reconhecido em diversas sentenças e no Ac. desta RLx. de 5/11/2013 (Proc.º 2387/12.3TTLSB).
Decidindo!
Deparamo-nos aqui com uma das barreiras que detetámos supra a propósito do invocado AE de 1984, ou seja, o curto clausulado deste que, no caso, não comporta qualquer referência a trabalho suplementar e descansos compensatórios. Assim, estando em causa o trabalho suplementar prestado entre 01 de Dezembro de 2003 e 31 de Julho de 2012, não nos resta senão partir para a reapreciação apenas com fundamento ou na lei – os códigos de 2003 e 2009-, ou no AE 20097. O que altera o raciocínio subjacente à sentença que pressupõe a aplicação de um IRC (cujo clausulado não transcreve).
Vejamos, então!
Dispunha o Art.º 202º do CT de 2003:

Descanso compensatório

1 - A prestação de trabalho suplementar em dia útil, em dia de descanso semanal complementar e em dia feriado confere ao trabalhador o direito a um descanso compensatório remunerado, correspondente a 25% das horas de trabalho suplementar realizado.
2 - O descanso compensatório vence-se quando perfizer um número de horas igual ao período normal de trabalho diário e deve ser gozado nos 90 dias seguintes.

3 - Nos casos de prestação de trabalho em dia de descanso semanal obrigatório, o trabalhador tem direito a um dia de descanso compensatório remunerado, a gozar num dos três dias úteis seguintes.
4 - Na falta de acordo, o dia do descanso compensatório é fixado pelo empregador.
5 - O descanso compensatório do trabalho prestado para assegurar o funcionamento dos turnos de serviço das farmácias de venda ao público é objeto de regulamentação em legislação especial.
Em presença deste normativo, e não havendo como considerar aplicável algum IRC, não resta senão concluir pelo direito do A. ao descanso compensatório.
Tendo-se provado que de Dezembro de 2003 em diante, o autor prestou trabalho suplementar, não tendo gozado dias de descanso compensatório nem a ré lhe pagou qualquer quantia por não os ter gozado, afigura-se-nos ser devida a retribuição correspondente aos dias de descanso obrigatório não concedidos, importando, contudo, liquidar o montante devido como adiante melhor se explicará.
Em Maio de 2009 é publicado o AE que já considerámos vincular as partes.
Ora, dispõe a cláusula respetiva deste IRC 2009:
Cláusula 27.ª
Trabalho suplementar
1 — Considera -se suplementar o trabalho prestado fora do período normal diário, o qual será pago em frações mínimas de quarto de hora.
2 — Não é permitido à empresa o recurso sistemático ao trabalho suplementar.
3 — O número de horas suplementares que cada trabalhador pode prestar em cada ano não deverá exceder 200 horas, devendo, em princípio, procurar -se que mensalmente não sejam excedidas 16 horas.
4 — Quaisquer situações anómalas que conduzam à necessidade de ultrapassar o limite anual previsto no número anterior deverão ser apresentadas às organizações representativas dos trabalhadores para apreciação.
5 — Tratando -se de emergência grave, serão pagos ao trabalhador que for chamado a prestar serviço fora do seu horário normal, sem ser na sua continuação, o tempo e as despesas de deslocação.
6 — O trabalho suplementar será remunerado com o acréscimo de 50%.
7 — O trabalho prestado em dias de descanso semanal, obrigatório e complementar, e nos feriados, será pago com o acréscimo de 100%.
8 — Para os trabalhadores cujos dias de descanso não coincidam com o sábado e o domingo, os dois dias de descanso semanal a que tiverem direito serão equiparados o primeiro ao sábado e o segundo ao domingo.
9 — Os trabalhadores que tenham trabalhado no dia de descanso semanal obrigatório têm direito a um dia de descanso completo num dos três dias seguintes.
Dúvidas não restam, em presença deste clausulado, que o IRC apenas valorou, para efeitos de descanso compensatório, o trabalho prestado em dia de descanso semanal obrigatório. Não vemos como concluir que tal instrumento não tivesse a pretensão de ali condensar todo o regime aplicável à prestação de trabalho suplementar, porquanto o mesmo é exaustivo. Com o que se discorda da tese do Apelante segundo a qual não é possível retirar que as partes outorgantes do AE apenas quiseram que o trabalho prestado em dia de descanso semanal obrigatório conferisse direito a descanso compensatório.
Vejamos, agora, se o CT 2009 – em vigor à data de 13/058- se opõe à aplicação deste normativo.
Centremo-nos, então, no respetivo regime.

Artigo 229.º
Descanso compensatório de trabalho suplementar
1 - O trabalhador que presta trabalho suplementar em dia útil, em dia de descanso semanal complementar ou em feriado tem direito a descanso compensatório remunerado, correspondente a 25 % das horas de trabalho suplementar realizadas, sem prejuízo do disposto no n.º 3.
2 - O descanso compensatório a que se refere o número anterior vence-se quando perfaça um número de horas igual ao período normal de trabalho diário e deve ser gozado nos 90 dias seguintes.
3 - O trabalhador que presta trabalho suplementar impeditivo do gozo do descanso diário tem direito a descanso compensatório remunerado equivalente às horas de descanso em falta, a gozar num dos três dias úteis seguintes.
4 - O trabalhador que presta trabalho em dia de descanso semanal obrigatório tem direito a um dia de descanso compensatório remunerado, a gozar num dos três dias úteis seguintes.

5 - O descanso compensatório é marcado por acordo entre trabalhador e empregador ou, na sua falta, pelo empregador.
6 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 pode ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que estabeleça a compensação de trabalho suplementar mediante redução equivalente do tempo de trabalho, pagamento em dinheiro ou ambas as modalidades.

7 - Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto nos n.ºs 1, 3 ou 4.

Artigo 230.º
Regimes especiais de trabalho suplementar
1 - A prestação de trabalho suplementar, em dia de descanso semanal obrigatório, que não exceda duas horas por motivo de falta imprevista de trabalhador que devia ocupar o posto de trabalho no turno seguinte confere direito a descanso compensatório nos termos do n.º 3 do artigo anterior.
2 - O descanso compensatório de trabalho suplementar prestado em dia útil ou feriado, com exceção do referido no n.º 3 do artigo anterior, pode ser substituído por prestação de trabalho remunerada com acréscimo não inferior a 100 %, mediante acordo entre empregador e trabalhador.
3 - Em microempresa ou pequena empresa, por motivo atendível relacionado com a organização do trabalho, o descanso compensatório a que se refere o n.º 1 do artigo anterior, com ressalva do disposto no n.º 3 do mesmo artigo, pode ser substituído por prestação de trabalho remunerada com um acréscimo não inferior a 100 %.
4 - Os limites de duração e o descanso compensatório de trabalho suplementar prestado para assegurar os turnos de serviço de farmácias de venda ao público constam de legislação específica.

5 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto no n.º 1.
Por seu turno, no concernente às relações entre o IRC e o CT por referência ao disposto no Art.º 3º do CT:

Relações entre fontes de regulação
1 - As normas legais reguladoras de contrato de trabalho podem ser afastadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, salvo quando delas resultar o contrário.
2 - As normas legais reguladoras de contrato de trabalho não podem ser afastadas por portaria de condições de trabalho.
3 - As normas legais reguladoras de contrato de trabalho só podem ser afastadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que, sem oposição daquelas normas, disponha em sentido mais favorável aos trabalhadores quando respeitem às seguintes matérias:

a) Direitos de personalidade, igualdade e não discriminação;
b) Proteção na parentalidade;
c) Trabalho de menores;
d) Trabalhador com capacidade de trabalho reduzida, com deficiência ou doença crónica;
e) Trabalhador-estudante;
f) Dever de informação do empregador;
g) Limites à duração dos períodos normais de trabalho diário e semanal;
h) Duração mínima dos períodos de repouso, incluindo a duração mínima do período anual de férias;

i) Duração máxima do trabalho dos trabalhadores noturnos;
j) Forma de cumprimento e garantias da retribuição;
l) Capítulo sobre prevenção e reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais e legislação que o regulamenta;

m) Transmissão de empresa ou estabelecimento;
n) Direitos dos representantes eleitos dos trabalhadores.
4 - As normas legais reguladoras de contrato de trabalho só podem ser afastadas por contrato individual que estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador, se delas não resultar o contrário.
5 - Sempre que uma norma legal reguladora de contrato de trabalho determine que a mesma pode ser afastada por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho entende-se que o não pode ser por contrato de trabalho.

Na vigência deste regime o CT revela-se mais favorável no concernente à matéria que nos ocupa.
E contém uma especificidade: é que por força do disposto no Art.º 229º/6 o disposto nos nº 1 e 2 - relativos a prestação de trabalho suplementar em dia útil, em dia de descanso semanal complementar ou em feriado e respetivos descanso compensatórios – apenas pode ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que estabeleça a compensação do trabalho suplementar mediante redução equivalente do tempo de trabalho, pagamento em dinheiro ou ambas as modalidades.
Esta norma é agora de imperatividade mínima, pelo que apenas se admite que o regime do descanso compensatório referente ao trabalho prestado nos dias úteis, em dia de descanso semanal complementar ou em feriado seja afastado por instrumento de regulamentação coletiva se aí for assegurado que o trabalhador ou tem direito a uma redução do período de trabalho ou tem direito a uma compensação monetária ou se prever um regime misto de compensação. E, assim, discordamos do último parágrafo supra transcrito da sentença.
Ora, o AE omite a compensação do trabalho suplementar prestado nalgum destes dias, apenas disciplinando o direito a descanso compensatório quando o trabalho tenha sido prestado em dia de descanso semanal obrigatório.
Temos, pois, que rege o CT/2009, devendo reconhecer-se o direito do A. à retribuição dos descansos compensatórios conforme aqui previsto.
A igual conclusão chegámos no âmbito do Ac. por nós relatado nesta RLx. no âmbito do Proc.º 17777/22.5T8LSB onde estava em causa esta mesma Clª 27º do AE.
Em 25/06/2012 é publicada a Lei 23/2012, que alterou o Artº 229º. Esta Lei entrou em vigor em 1/08/2012, pelo que, restringindo-se o pedido a 31/07/2012 não é aplicável ao caso.
Resta agora concretizar o direito!
A este propósito ponderou-se na sentença:
Porém, os autores sobre tal matéria apenas alegaram e provaram os seguintes factos:
7 - Os Autores têm um horário de trabalho quarenta horas semanais e de oito horas diárias em média, distribuídas por 5 dias, com dois dias de descanso semanal, cumprindo o seu horário de trabalho em cumprimento de escalas diárias de serviço organizadas pela Ré, as quais são por esta afixadas nos locais de trabalho, exercendo, consequentemente, os Autores um horário de trabalho que sempre lhes foi imposto pela Ré.
10 - Nos anos de 2011 e 2012, o Autor CC trabalhou o número de horas suplementares indicadas nos quadros constantes do artigo 44.º da petição inicial, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
11 - Nos anos de 2003 a 2012, o Autor AA trabalhou o número de horas suplementares indicadas nos quadros constantes do artigo 47.º da petição inicial, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
17 - Os autores não gozaram descanso compensatório relativamente às horas suplementares trabalhadas acima indicadas sob os números 10 e 11, nem a ré lhes pagou qualquer quantia a título de substituição de descanso compensatório.
Como decorre do que acima se disse, relativamente ao trabalho suplementar prestado em dias úteis e em dias de descanso complementar, os autores não têm direito ao pagamento do respetivo descanso compensatório.
Apenas teriam direito a tal pagamento relativamente ao trabalho suplementar prestado em dias de descanso semanal obrigatório.
Ora, os autores não alegam nem, consequentemente, provam que tenham prestado trabalho suplementar em dias de descanso semanal obrigatório. Assim, por falta de factos provados os autores não reúnem os pressupostos de que dependia o pagamento do direito aos descansos compensatórios que invocaram, pelo que se impõe que este pedido dos autores seja julgado improcedente9.
Afigura-se-nos que a absolvição decretada não pode subsistir.
Relevam, neste momento, os pontos 7, 11 e 17 do acervo fático:
7 - Os Autores têm um horário de trabalho quarenta horas semanais e de oito horas diárias em média, distribuídas por 5 dias, com dois dias de descanso semanal, cumprindo o seu horário de trabalho em cumprimento de escalas diárias de serviço organizadas pela Ré, as quais são por esta afixadas nos locais de trabalho, exercendo, consequentemente, os Autores um horário de trabalho que sempre lhes foi imposto pela Ré.
11 - Nos anos de 2003 a 2012, o Autor AA trabalhou o número de horas suplementares indicadas nos quadros constantes do artigo 47.º da petição inicial, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
17 - Os autores não gozaram descanso compensatório relativamente às horas suplementares trabalhadas acima indicadas sob os números 10 e 11, nem a ré lhes pagou qualquer quantia a título de substituição de descanso compensatório.
Tendo-se concluído pela aplicabilidade dos regimes decorrentes dos códigos do trabalho, temos que, no período que medeia entre Dezembro de 2003 e 16/02/2009 é aplicável a regulamentação consignada no CT de 2003 e no período subsequente a do CT de 2009 e, consequentemente, o A. tem direito a descanso compensatório pelo trabalho suplementar prestado, sendo-lhe devida a remuneração decorrente da aplicação do disposto nos respetivos Art.º 202º e 229º, a liquidar subsequentemente.
Poderá a insuficiente fundamentação fática levar à absolvição decretada?
Não sufragamos a sentença também na parte em que considera absolver a R. por falta de alegação de factos que constituem pressuposto do direito invocado pelo A..
Está provada a prestação de trabalho suplementar nos meses e anos enunciados no Art.º 47º da PI, faltando, é certo, a enunciação dos concretos dias, o que nos permitiria saber, em cada mês, se a prestação de trabalho ocorreu em dia útil, em dia de descanso ou em feriado. Provou-se também a não concessão de descansos compensatórios.
Nada impede, contudo, que, tendo-se provado a prestação de trabalho nos moldes em que se provou, se relegue para incidente de liquidação a aferição ou concretização requerida. E nesse sentido se decide.
No mesmo sentido o Ac. desta RLx. de 10/03/2022, Proc.º 18168/20.8T8LSB.L110.
Procede, assim, o pedido em apreciação, embora com fundamentos distintos daqueles que vêm invocados.
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Aqui chegados, e tendo sido invocada pela R., em sede de contestação, a exceção de autoridade do caso julgado, exceção que a sentença não declarou porque entendeu partir para a apreciação que levou à improcedência pelos motivos já analisados, cumpre voltar a tal matéria, dado o disposto no Artº665º/2 do CPC.
A questão foi trazida á apelação, pelo que se dispensam subsequentes audições.
Alega o Apelante que nunca tentou obter pagamento das quantias aqui reclamadas, não foi interveniente processual nas ações mencionadas pela R., nunca foi associado do Sindicato Nacional dos Motoristas e que a exceção em causa não dispensa a identidade subjetiva.
A Apelada não contradiz.
Que decidir?
Em causa os pontos de facto nº 18 e 19 onde consta:
18 - O Sindicato Nacional dos Motoristas (SNM) intentou ação declarativa de condenação, em representação de interesses coletivos dos seus trabalhadores, contra a “ZZ, E.M., S.A.”, pedindo, além do mais, a condenação da ré a conceder ou pagar descanso compensatório remunerado sempre que os trabalhadores associados no sindicato prestem trabalho suplementar em dia útil/feriado, a partir de 01/12/2003. Nesse processo, que correu termos sob o nº 2387/12.3TTLSB no extinto 2º Juízo, 1ª Secção, do Tribunal de Trabalho de Lisboa, em 14/01/2013 foi proferida sentença que julgou improcedente o referido pedido, dando-se aqui por reproduzido o teor da referida sentença como consta de fls. 313/320 dos autos, doc. nº 1 junto com a contestação.
19 - A referida sentença proferida no processo nº 2387/12.3TTLSB do extinto 2º Juízo, 1ª Secção, do Tribunal de Trabalho de Lisboa, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05/11/2013, cujo teor se dá aqui por reproduzido como consta de fls. 321/324 dos autos, doc. nº 2 junto com a contestação.
Manuel de Andrade ensinava que o caso julgado material “consiste em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) - quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (ação destinada a fazer valer outro efeito dessa relação) ”, defendendo que “todos têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão”. Chamava à colação o conhecimento oficioso do caso julgado e, bem assim, a disposição da lei processual civil acerca de casos julgados contraditórios da qual decorria – e decorre – a prevalência da primeira a passar em julgado. E lembrava o fundamento para tanto – o prestígio dos tribunais e razões de certeza ou segurança jurídica (Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Limitada, 1979, 305 e ss.).
A jurisprudência dos tribunais superiores vem decidindo que “ainda que se não verifique o concurso dos requisitos ou pressupostos para que exista a exceção de caso julgado (exceptio rei judicatae), pode estar em causa o prestígio dos tribunais ou a certeza ou segurança jurídica das decisões judiciais se uma decisão, mesmo que proferida noutro processo, com outras partes, vier dispor em sentido diverso sobre o mesmo objeto da decisão anterior transitada em julgado, abalando assim a autoridade desta” (Ac. STJ de 21/03/2013, Procº 3210/07.6TCLRS.L1.S1).
José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto escrevem, por seu turno, que “a exceção de caso julgado não se confunde com a autoridade do caso julgado; pela exceção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito”, efeito este que assenta numa relação de prejudicialidade (Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 2ª Ed., Coimbra Editora, 354).
Daí que se diga que a função positiva do caso julgado é exercida através da autoridade do caso julgado. A função negativa é exercida através da exceção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas.
Isto é, com o trânsito em julgado de uma sentença, produzem-se dois distintos efeitos – a autoridade do caso julgado, entendida como proibição de contradição da decisão transitada, e a exceção de caso julgado, entendida esta como duplicação de causas.
Ou, numa outra perspetiva, “o caso julgado há-de poder ser invocado quanto aos fundamentos da decisão, sempre que a situação inversa provoque contradição prática insanável entre os fundamentos de duas decisões capaz de inutilizar ou inviabilizar na prática a pretensão salvaguardada na primeira decisão” (J.P. Remédio Marques, A Acção Declarativa Á Luz do Código Revisto, 2ª Ed., Coimbra Editora, 665).
No processo supra mencionado decidiu-se, a propósito da não atribuição pela ZZ, de descanso compensatório remunerado sempre que os trabalhadores prestem trabalho suplementar em dia útil/feriado, a partir de 1/12/2003, e na aplicação dos AE/99 (BTE nº 29 e 8/08/99) e AE/2009 (BTE nº 15 de 22/04/09), que na Clª 27ª não se concede direito “a descanso compensatório em caso de trabalho suplementar em dia útil/feriado” e se “condensa todo o regime de trabalho suplementar em termos de acréscimos salariais, quer de atribuição de descanso e em todos os dias (úteis, dias de descanso semanal e feriado), chegando a prever inclusivamente descanso compensatório quando o trabalho ocorra em dia de descanso semanal obrigatório.” Julgou-se, assim, improcedente a pretensão do A., o Sindicato Nacional dos Motoristas.
Em acórdão proferido pela RC em 28/10/2010, considerou-se que o traçado da fronteira entre as duas figuras jurídico-processuais que nos ocupam, se estabelece no seguinte pressuposto: I - A exceção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova ação, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objeto e pedido. II - A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em ação anterior, que se insere, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no Art.º 498º do CPC.
O STJ, no seu Ac. de 21/03/2013, Procº 3210/07.6T8CLRS, citando o Ac. da Relação que o precedeu, declarou que tem “entendido que a autoridade de caso julgado, diversamente da exceção de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade a que alude o Art.º 498º do C.P.C., pressupondo, porém, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida - nesse sentido, entre outros, Acs. do STJ de 13.12.2007, processo nº 07A3739; de 06.03.2008, processo nº 08B402, e de 23.11.2011, processo nº 644/08.2TBVFR.P1.S”, também sendo “entendimento dominante que a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado – vd., por todos, Ac. do STJ de 12.07.2011, processo 129/07.4.TBPST.S1, www.dgsi.pt. Como diz Miguel Teixeira de Sousa (“Estudos sobre o Novo Processo Civil, p. 579), citado no referido Acórdão do STJ, “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.»”
Isto posto, constatamos que efetivamente há pontos de contacto entre a presente ação e aqueloutra – o AE/2009 e a previsão da Clª 27ª.
E relativamente a esta matéria, este acórdão diz exatamente o mesmo que ali se disse, ou seja, que aquela Clª 27ª condensa todo o regime aplicável à temática em apreciação.
Simplesmente, concluímos que a Clª não é aplicável pelas razões supra expostas, matéria ali não apreciada. E, por outro lado, também aqui não está em causa o AE/1999.
Razões pelas quais não será beliscada a autoridade do caso julgado, assim improcedendo a exceção invocada.
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As custas serão suportadas pela Apelada, que sai vencida (Art.º 527º do CPC).
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Em conformidade com o exposto acorda-se em modificar o acervo fático conforme sobredito e julgar a apelação parcialmente procedente e em consequência alterar a sentença condenando a R. a pagar ao Apelante A.:
a. As médias referentes a trabalho noturno nas remunerações de férias, subsídio de férias e de Natal, ou seja, nas férias e nos subsídios de férias sem restrições, e no subsídio de Natal até Dezembro de 2003;
b. As médias de trabalho noturno, trabalho suplementar e subsídio de atividades complementares na retribuição do subsídio de Natal após Dezembro de 2003 até 2019;
c. A quantia que se apurar em incidente de liquidação de sentença relativa a descansos compensatórios não concedidos no período que medeia entre Dezembro de 2003 e Julho de 2012.
d. Mantém-se a sentença quanto ao mais.
Custas por ambas as partes na proporção de 1/6 para o Apelante e 5/6 para a Apelada.
Notifique.

Lisboa, 5/06/2024
MANUELA FIALHO
CELINA NÓBREGA
PAULA PENHA
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1. Apenas este autor recorre
2. Em conformidade com o ponto 2 do acervo fático
3. CLº 78ª
Ficam revogadas as disposições do anterior acordo com a empresa, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 29, de 8 de Agosto de 1999, com as alterações introduzidas pela revisão publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 20, de 29 de Maio de 2001, e pela revisão publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 25, de 8 de Julho de 2008, por se considerar que o presente acordo é, no seu conjunto, mais favorável do que o diploma revogado, mantendo-se contudo no espírito da satisfação da justiça social devida aos trabalhadores o reconhecimento do direito a atingir, em futuras negociações, a completa equiparação de tratamento dos trabalhadores da ZZ com os do YY.
4. Em que a Apelada assenta a sua argumentação, tendo mesmo, na contestação alegado que este AE, embora celebrado com o SITRA foi aplicado a todos os trabalhadores, incluindo o A., por ter um carater global mais favorável (Art.º 17º). Porém, não é isto o que os factos revelam.
5. Sublinhado nosso
6. Sem prejuízo de, por exigências processuais, termos que voltar à questão
7. No âmbito do Proc.º 17777/22.5T8LSB, onde estava em causa a Clª 27º do AE publicado no BTE, I série, n.º 29, de 8 de Agosto de 1999 decidimos já que nada impede a distinta regulamentação desta matéria pelo IRC, aplicando-se este apenas ao trabalho em dia de descanso semanal obrigatório, cuja Clª 27ª/9 confere direito a um dia de descanso a gozar nos três dias seguintes.
8. Data da entrada em vigor do AE
9. Sublinhado nosso
10. Não publicado e subscrito pela ora Relatora na qualidade de 2ª Adjunta
11. Da autoria da Relatora