Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | DIOGO COELHO DE SOUSA LEITÃO | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO GRAVAÇÃO DA PROVA TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES AGRAVADO ESTABELECIMENTO PRISIONAL | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/24/2025 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | (da inteira responsabilidade do relator) I. Na impugnação ampla da matéria de facto não basta a indicação dos factos que se reputam mal julgados nem a simples indicação das provas, por remissão genérica para as mesmas, que impõem diverso juízo. II. É ainda mister, no caso de depoimentos de testemunhas gravados, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas. III. Um recluso que é o destinatário de produto estupefaciente – cocaína e canábis – em quantidade equivalente de 60 e 1.000 doses individuais, respectivamente, introduzido no Estabelecimento Prisional por visita a quem previamente solicitou tal transporte, provado que está que destinava tal produto à cedência a terceiros, comete o crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelo artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro. IV. Estando em causa 20 (vinte) embalagens de canábis (resina), com o peso líquido de 209,235 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 25,7%, sendo o equivalente a 1075 doses de consumo; 1 (uma) embalagem de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 2,967 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 61,6%, sendo o equivalente a 9 doses de consumo; 1 (uma) embalagem de cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com o peso líquido de 2,039 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 81,1%, sendo o equivalente a 55 doses de consumo, a pena de 8 anos de prisão mostra-se proporcional e adequada, tanto mais que o condenado não era à data consumidor de tais substâncias. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO No Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 13, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, no âmbito do processo comum colectivo n.º 1125/22.7PVLSB, o arguido AA, devidamente identificado nos autos, foi submetido a julgamento pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C anexa a tal diploma legal, tendo a final sido proferido acórdão que o condenou na pena de 8 (oito) anos de prisão. Inconformado com a decisão condenatória, veio o Arguido interpor recurso, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição): 1. Em síntese, a prova produzida em audiência de julgamento não permitia que se extraíssem todas as conclusões que delas retirou o douto Tribunal a quo, devendo, por isso, o Acórdão proferido ser revogado e substituído por outro, que absolva o arguido da prática do crime de tráfico agravado que lhe foi imputado. 2. A motivação do Acórdão recorrido fundamenta-se, em síntese, nas declarações da arguida BB em sede de 1.º interrogatório judicial de arguido detido, não tendo sido estas sequer reproduzidas em audiência de julgamento. 3. Ainda que valoradas pelo Tribunal, entretanto, tais declarações não permitiam extrair-se todas as conclusões que delas foram retiradas pelo Tribunal a quo. 4. Diz o Art.º 21.º, n.º 1, do DL 15/93, que “quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos”. 5. O arguido não praticou qualquer dos actos que constam da descrição do tipo penal em causa. 6. Não há qualquer prova de que quaisquer produtos estupefacientes tenham sido sequer recebidos, detidos ou transportados pelo arguido AA – foram apreendidos produtos estupefacientes não ao arguido, mas a uma pessoa que tencionava visitá-lo, tendo esta afirmado, em sede de 1.º interrogatório judicial de arguido detido, que tais produtos destinavam-se a serem entregues ao arguido, e que seriam “para o seu vício”. 7. As declarações da arguida BB em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, no entanto, não são suficientes para que se considerem provada toda a factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo. 8. Isto porque não há qualquer outro elemento probatório que (i) corrobore a versão de que o arguido AA sequer contactou a arguida para pedir-lhe que transportasse os estupefacientes em causa e (ii), principalmente, que comprove a participação do arguido AA na suposta elaboração, conjunta com terceiros não identificados, de um plano com o intuito de introduzir e posteriormente distribuir, em troca de contrapartida monetária, estupefacientes dentro do Estabelecimento Prisional. 9. Tais conclusões correspondem, data maxima venia, a meras ilações extraídas pelo Tribunal a quo. 10. A prova produzida é, assim, insuficiente para que se considerem provados os factos constantes dos pontos 1.º, 2.º, 4.º e 5.º da acusação, dados indevidamente como provados pelo douto Tribunal a quo, que entendeu ainda que as declarações do arguido AA não mereciam qualquer credibilidade. 11. Por essa razão, requer-se a reapreciação das gravações correspondentes às declarações do arguido AA, bem como ao depoimento da testemunha CC, guarda prisional, que a seguir melhor se identifica: - Declarações do arguido AA, com início pelas pelas 10 horas e 14 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 25 minutos, conforme consignado em ata da audiência de julgamento; - Depoimento da testemunha CC, com início pelas 10 horas e 26 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 33 minutos, conforme consignado em ata da audiência de julgamento; 12. Devem, assim, ser dados como não provados os pontos 1.º, 2.º, 4.º e 5.º da acusação. 13. No mesmo sentido, devem ser dados como não provados os correspondentes pontos 1.º, 2.º, 5.º e 6.º do Acórdão recorrido. 14. Concluímos, enfim, que a parca prova produzida em sede de audiência de julgamento relativamente aos factos imputados ao arguido não permite que se dê como provada toda a factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo, e que a análise da factualidade efetivamente provada à luz do princípio da presunção da inocência, consagrado pelo Art.º 32.º, n.º 2, da Constituição, e do princípio do in dubio pro reo, conduz a decisão distinta daquela que foi proferida pelo douto Tribunal a quo. 15. Por todo o exposto, deve o Acórdão recorrido ser revogado, devendo ser considerados não provados os factos constantes dos pontos 1.º, 2.º, 5.º e 6.º do referido Acórdão e devendo, consequentemente, ser o arguido absolvido do crime de tráfico agravado que lhe foi imputado. 16. Por fim, caso não entendam V. Exas. absolver o arguido, o que apenas por dever de patrocínio se concebe, e não havendo qualquer prova de que o arguido tenha elaborado um plano para a cedência de produtos estupefacientes a terceiros em troca de contrapartida monetária, o grau de ilicitude dos factos em causa deverá sempre ser reconsiderado e, consequentemente, deverá ser reconsiderada também a medida da pena imposta ao arguido. 17. Por essa razão, mesmo que se entenda que, de facto, o arguido cometeu o crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo Art.º 21.º, n.º 1, e agravado pelo Art.º 24.º, al. h), do DL 15/93, e que se entenda preenchidos, nesse caso, os pressupostos formais da reincidência, deverá sempre a medida da pena aplicada ser reduzida, devendo ser fixada em não mais do que o mínimo da moldura penal aplicável, que será de 6 anos e 7 meses. Termos em que, e nos demais que sejam doutamente supridos por V. Exas, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogado o Acórdão recorrido e, em consequência, ser o arguido absolvido da prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado em que foi condenado; Subsidiariamente, caso entendam V. Exas. que o arguido cometeu o crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo Art.º 21.º, n.º 1, e agravado pelo Art.º 24.º, al. h), do Decreto-Lei 15/93, pelo qual veio acusado, e que se entenda preenchidos, nesse caso, os pressupostos formais da reincidência, requer-se seja a pena fixada ao arguido reduzida a não mais do que o mínimo da moldura penal aplicável, sendo esta, in casu, de 6 anos e 7 meses. * O recurso foi admitido por despacho proferido a 21 de Janeiro de 2025, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito suspensivo. Pelo Ministério Público foi apresentada resposta, na qual conclui pela total improcedência do recurso, dizendo que o «acórdão recorrido, não se vislumbra a existência qualquer vício ou violação do princípio in dubio pro reo, nem da violação das normas que regem a determinação da medida concreta da pena, nomeadamente os artigos 40.º, 50.º, 70.º, 71.º, 72.º, 73.º, todos do Código Penal, os quais foram, devida e criteriosamente aplicados, não merecendo o acórdão qualquer censura, pois bem ajuizou a prova produzida em audiência, fazendo a correcta qualificação dos factos e aplicando correctamente a pena». * Remetidos os autos a este Tribunal da Relação de Lisboa, pela Procuradora-Geral Adjunta foi lavrado parecer, no qual, em súmula, declara aderir à resposta ao recurso apresentada em primeira instância, pedindo a improcedência do mesmo. Cumprido o preceituado no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, nada mais foi alegado. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência a que alude o artigo 419.º do Código de Processo Penal, cumpre decidir. * II – FUNDAMENTAÇÃO São os seguintes os factos dados como provados pelo tribunal de primeira instância (transcrição): 1. Em data que não se logrou apurar AA e terceiros não identificados, de comum acordo e em concertação de esforços, elaboraram um plano, que consistia em adquirir canábis e cocaína, introduzi-las no Estabelecimento Prisional de ..., onde o arguido se encontrava recluso, e aí distribuí-las pelos outros reclusos, para desta forma auferirem quantias monetárias que se traduziriam em lucro e que seriam repartidas entre eles. 2. Em data anterior a ...-...-2022, AA pediu a BB, que lhe trouxesse e entregasse produto estupefaciente, que afirmou ser para seu consumo, quando o visitasse no estabelecimento prisional. 3. No dia ... de ... de 2022, pouco antes das 10h10, a arguida dirigiu-se ao Estabelecimento Prisional de ..., sito na ..., trazendo, dissimuladas no interior das cuecas que trazia vestidas: 20 (vinte) embalagens de canábis (resina), com o peso líquido de 209,235 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 25,7%, sendo o equivalente a 1075 doses de consumo; 1 (uma) embalagem de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 2,967 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 61,6%, sendo o equivalente a 9 doses de consumo; 1 (uma) embalagem de cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com o peso líquido de 2,039 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 81,1%, sendo o equivalente a 55 doses de consumo, que pretendia entregar ao arguido, para seu consumo. 4. Nessa altura, tendo sido submetida a revista, foram encontradas na posse da arguida e apreendidas as referidas embalagens de canábis e de cocaína. 5. AA pretendia receber o produto estupefaciente para posterior cedência a outros reclusos, no interior do Estabelecimento Prisional, em troca de quantias monetárias. 6. Os arguidos, que actuaram em colaboração mútua, conheciam a natureza estupefaciente daqueles produtos, bem sabendo que a sua detenção, introdução em estabelecimentos prisionais e a entrega a terceiros era proibida e criminalmente punida. 7. AA sabia as características e quantidade de cada um dos produtos estupefacientes e quis receber e deter tais substâncias, com o propósito de as ceder a terceiros no interior do Estabelecimento Prisional. 8. A arguida BB não tem condenações anteriores registadas. 9. A arguida reside com dois filhos, de 3 e 8 anos. Trabalha como auxiliar de educação e Caixa de supermercado, recebendo pelas duas actividades cerca de 600 euros mensais. Vive numa casa cedida temporariamente por um conhecido, não pagando renda. Os progenitores dos seus filhos pagam, respectivamente, € 50,00 mensais e valores pontuais, de acordo com as necessidades, sem periodicidade acordada. 10. AA foi condenado no proc. nº 45/00 por decisão transitada a 17-01-2000, pela prática a 31-10-2000 do crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, n.º 2, al. h) e i) do Código Penal, na pena de 8 anos de prisão. 11. AA foi condenado no proc. nº 396/99.5GBVFX por decisão transitada a 02-12-2002, pela prática a 28-05-1999 do crime de furto, p. e p. pelo art.º 204º do Código Penal, na pena de 200 dias de multa à razão diária de € 3,00 12. AA foi condenado no proc. nº 401/99.5SLSB por decisão transitada a 13-03-2003, pela prática a 26-08-1999 do crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210º do Código Penal, na pena de 18 meses de prisão. 13. AA foi condenado no proc. nº 5380/99.1JDLSB por decisão transitada a 26-11-2003, pela prática a 04-11-1999 do crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º e 204º, nº 1, al f) do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão. 14. AA foi condenado no proc. nº 65/09.0S9LSB por decisão transitada a 12-01-2010, pela prática a 13-03-2009 de dois crimes de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 203, n.º 1, 204º, n.º 2, al. e), 22º e 23º do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão. 15. AA foi condenado no proc. nº 785/14.7PLLSB por decisão transitada a 11-02-2016, pela prática em Dezembro de 2014 do crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152º, nº 1 al. d) e nº 2 do Código Penal, na pena de 2 anos e 10 meses de prisão. 16. O arguido foi condenado na pena de quinze meses de prisão, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, do DL n.º 2/98, de 3/01, por sentença proferida no âmbito do processo n.º427/17.9PHSNT, transitada em julgado em 02.10.2017, relativo a factos ocorridos em 09.05.2017 17. AA foi condenado no proc. nº 466/20.2S5LSB por acórdão cumulatório transitado a 17-11-2021, pela prática em 2020, dos crimes de furto qualificado, condução sem habilitação legal, furto qualificado na forma tentada, roubo, violência depois da subtracção e roubo, na pena única de 9 anos de prisão. 18. Em relatório social de 23 de Fevereiro de 2024, escreveu-se de AA que À data dos factos constantes na acusação, AA encontrava-se em cumprimento de pena de prisão no EP de ..., onde não mantinha qualquer tipo de actividade estruturada de carácter formativo/laboral, segundo o próprio devido ao facto de, em ano anterior, ter registado resultado positivo ao consumo de canábis em teste de despistagem para o efeito. Assim, no seu quotidiano, o arguido refere que se dedicava essencialmente à prática desportiva e ao convívio com a restante população reclusa. 19. No período em questão, o arguido não mantinha quaisquer contactos com a família, cujos elementos sentiam desgaste e saturação devido não só aos comportamentos disruptivos que no passado o arguido manteve quando sob efeito do consumo abusivo de bebidas alcoólicas e de estupefacientes, como também pelo comportamento violento que assumiu em contexto familiar. 20. Assim, AA refere que, no exterior, apenas mantinha contactos com BB, co-arguida no presente processo judicial, que, segundo o próprio, era sua amiga, tendo-a conhecido em período anterior à reclusão por intermédio de terceiros. AA refere que BB visitava-o no EP e apoiava-o ao nível do envio de vestuário e alimentação. 21. O arguido considera que a sua situação económica era desfavorável, referindo que não dispunha de dinheiro nem quaisquer bens. Também no período a que reportam os factos constantes na acusação, AA refere que não se encontrava a fazer tratamento à problemática aditiva, segundo o mesmo por já não necessitar, e que mantinha a abstinência do consumo de estupefacientes, tendo desde logo como motivação o facto de pretender retomar ocupação laboral em contexto prisional. 22. O arguido foi colocado em prisão preventiva em ...-...-2020, tendo dado entrada no ..., no âmbito do processo nº466/20.2S5LSB, no qual acabou por ser condenado na pena de 9 anos de prisão, pela prática de crimes de furto, furto qualificado, roubo, violência depois da subtracção e condução de veículo sem habilitação legal. No ..., o arguido foi inicialmente encaminhado para psiquiatria e realizou tratamento para a problemática aditiva, como toma de metadona. Neste EP, o arguido regista uma sanção disciplinar, por factos praticados a ...-...-2021 (“deter, possuir, introduzir, proibir, fabricar, distribuir ou transaccionar estupefacientes/substância tóxica art 104 Lei 115/2009”) possuir, introduzir, punido com repreensão escrita. 23. AA deu entrada no EP de ... a ...-...-2023 e, até ao presente, regista uma sanção disciplinar, por factos praticados a ...-...-2023 (“deter, possuir, introduzir, proibir, fabricar, distribuir ou transaccionar estupefacientes/substância tóxica art 104 Lei 115/2009”), punido com permanência obrigatória no alojamento pelo período de 2 dias. No EP de ... foi colocado no sector da faxinagem a ...-...-2023 e, desde ...-...-2023, encontra-se a frequentar curso de “operador agrícola” de Educação e Formação de Adultos (EFA) - B2. 24. No ano anterior, AA reatou o contacto com uma irmã, DD, de 40 anos de idade, trabalhadora no sector das limpezas, que reside próximo da progenitora, na zona de ..., o único elemento do exterior com quem o arguido mantém contactos. AA considera que a sua situação económica permanece igualmente desfavorável. 25. Nos seus tempos livres, refere ter por hábito dedicar-se à prática desportiva (futebol). Submetido à realização de testes de despistagem aos consumos de estupefacientes, o último dos quais a ...-...-2023, os resultados indicaram negativo, apesar de o arguido verbalizar que, por vezes, mantém consumos de haxixe. 26. O arguido não se encontra em acompanhamento ao nível da saúde mental, contudo já foi referenciado para realizar consultas de psicologia no EP. Até ao presente, AA ainda não beneficiou de medidas de flexibilização da pena. Em liberdade, a irmã equaciona a possibilidade de acolher o arguido, apoio que estará condicionado à adopção de comportamento ajustado por parte de AA e ao afastamento do estilo de vida que aquele mantinha no passado. 27. Importa referir que o processo de desenvolvimento do arguido decorreu junto da família nuclear, composta pelos progenitores e por dois irmãos mais novos do arguido. O progenitor de AA não tinha hábitos de trabalho, mantinha consumos acentuados de bebidas alcoólicas, tendo vindo a falecer de cirrose hepática, contava o arguido com 6 anos de idade, e adoptava comportamentos de agressividade para com a família. 28. A nível escolar, o arguido manifestou precocemente dificuldades ao nível da aprendizagem e falta de motivação pelos conteúdos escolares, que se foram reflectindo em absentismo escolar. Neste sentido, foi encaminhado para o ensino especial, aos 10 anos deidade, inicialmente em internato e posteriormente em semi-internato, no Colégio de Reeducação Pedagógica em .... 29. Durante a adolescência, verificaram-se limitações de supervisão por parte da progenitora, o arguido aproximou-se de grupo de pares da sua zona de residencial que mantinham comportamentos desviantes, passou a dedicar-se à mendicidade e à prática de delitos, passando longos períodos ausente de casa. Por esse motivo, AA voltou a regime de internato e a escalada de comportamentos desajustados resultou em contactos com o sistema de administração da Justiça Tutelar Educativa, tendo-lhe sido aplicada a medida de internamento em Centro Educativo, contava o arguido com 15 anos de idade, contexto onde permaneceu até aos 18 anos de idade. 30. O arguido refere ter iniciado precocemente os consumos de bebidas alcoólicas, aos 12 anos de idade, prática que mantinha na presença de outros jovens, e de estupefacientes, haxixe e heroína, com cerca de 14 anos de idade, problemática que poderá ter contribuído para alguma perturbação mental, já que, segundo a família, passou a evidenciar comportamentos desajustados desde então. 31. AA apresenta um percurso profissional muito pouco expressivo, irregular e precário, tendo realizado tarefas durante curtos períodos de tempo na ..., em .... 32. Ao longo da sua trajectória foi mantendo consumos excessivos de bebidas alcoólicas e de estupefacientes. O arguido realizou tratamentos para o efeito em meio livre, mas demonstrou faca adesão e registou recaídas. O arguido também se fazia acompanhar de outros indivíduos que, segundo a progenitora, mantinham este tipo de práticas, o que dificultava o seu processo de mudança. 33. Em período anterior à presente reclusão, AA encontrava-se a residir junto da progenitora e do padrasto, estava desempregado, não mantinha procura activa de emprego, alegadamente por não dispor de documentação actualizada ao nível das suas habilitações, segundo refere, e passou a acompanhar a tia que vendia peixe localmente, de porta em porta, para a vizinhança. 34. Por sua vez, também se dedicava à actividade de “arrumador de carros” e passava o remanescente do seu tempo de forma ociosa e geralmente na companhia de outros amigos. AA mantinha consumos de estupefacientes e fazia tratamento a este nível, integrado em programa de metadona. 35. AA encontra-se em reclusão pela 4ª vez e, tal como anteriormente referido, iniciou precocemente a prática delinquencial, tendo sido internado em Centro Educativo. O arguido foi preso pela primeira vez aos 18 anos de idade, tendo sido condenado, em cúmulo jurídico, na pena de 9 naos de prisão, pela prática de crimes de furto qualificado, homicídio qualificado na forma tentada e roubo. 36. O arguido também regista condenações por crimes de furto e violência doméstica e regista revogação de liberdade condicional. Ao longo do seu percurso, AA revelou dificuldade em manter um comportamento pró-social em meio livre, tendo cumprido sucessivamente penas de prisão, com intervalos de permanência em liberdade pouco prolongados. 37. AA encontra-se à ordem do Processo n.º 466/20.2SLSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Central Criminal – J17, condenado na pena de 9 anos de prisão, tal como anteriormente referido. Relativamente ao seu percurso criminal, apesar de reconhecer o desvalor da sua conduta, AA atribui a responsabilidade da mesma a factores externos, nomeadamente à necessidade de assegurar os consumos etílicos e de estupefacientes, uma vez que, segundo o próprio, orientava o seu quotidiano em função deste tipo de consumos. 38. O processo de desenvolvimento do arguido decorreu junto da família nuclear e AA foi exposto a comportamentos violentos perpetrados pelo progenitor sobre a família, mantendo o progenitor consumos excessivos de bebidas alcoólicas e ausência de hábitos de trabalho. AA detém baixa escolaridade e revelou dificuldades de aprendizagem naquele contexto. Também durante o seu processo de desenvolvimento verificaram-se limitações ao nível da supervisão parental e o arguido começou a adoptar precocemente comportamentos desviantes, tendo sido inclusive internado em Centro Educativo. 39. O seu percurso profissional foi muito pouco expressivo e AA apresenta historial de toxicodependência e de consumos etílicos em excesso, que não conseguiu efectivamente superar, problemática que poderá ter contribuído para alguma perturbação mental e que teve relação com a prática criminal. O arguido encontra-se em reclusão pela 4ª vez, cumpriu sucessivas penas de prisão, com intervalos de permanência em liberdade pouco prolongados, e regista revogação de liberdade condicional. 40. Relativamente ao seu percurso criminal, AA atribui a responsabilidade da sua conduta a factores externos, nomeadamente à problemática aditiva. Em contexto prisional o arguido regista sanções disciplinares e, actualmente, mantém ocupação formativa. 41. AA praticamente não estabelece contacto com a família, à excepção de uma irmã, nem mantém contactos com terceiros no exterior. 42. Face ao exposto, em caso de condenação nos presentes autos, não tendo tido as anteriores condenações efeito ao nível da interiorização do sentido da pena e consequente assunção de uma conduta pró-social por parte do arguido, entendemos que AA apresenta como principais necessidades de intervenção a interiorização do desvalor da sua conduta criminal, com adoçam de uma atitude e comportamento pró social; o reforço dos vínculos familiares e não se fazer acompanhar de indivíduos que mantenham práticas criminais e/ou consumo de estupefacientes. Por sua vez, também entendemos que será relevante o arguido realizar esforços no sentido de manter a abstinência, devendo sujeitar-se a tratamento em entidade especializada para o efeito, na eventualidade de registar recaídas, e também realizar acompanhamento ao nível da saúde mental. Não se provou: 1. Em data que não se logrou apurar, anterior a ... de ... de 2022, BB, de comum acordo e em concertação de esforços com AA, elaborou um plano, que consistia em adquirir canábis e cocaína, introduzi-las no Estabelecimento Prisional de ..., onde o arguido se encontrava recluso, e aí distribuí-las pelos outros reclusos, para desta forma auferirem quantias monetárias, que se traduziriam em lucro e que seriam repartidas por ambos. 2. BB é companheira de AA. Motivação da decisão sobre a matéria de facto pelo Tribunal de Primeira Instância (transcrição): A arguida não prestou declarações em audiência de discussão e julgamento, mas admitiu a totalidade dos factos em sede de 1º interrogatório judicial de arguido detido. BB admite que os fatos relatados são verdadeiros, relatando que visitava um recluso que considerava amigo, sem relação mais próxima. Conheceu AA anos antes, através de terceiros; sabia que tinha sido preso, mas desconhece o momento exacto da detenção. Após cerca três anos sem contacto, o recluso ligou inesperadamente de uma cabine telefónica na prisão, pedindo para que ela o visitasse (o arguido prestou declarações em audiência e confirmou o contacto, ressalvando que o fez através de “um telemóvel que havia por lá”). BB aceitou visitar o amigo e começou a ir ao estabelecimento prisional, geralmente às quartas-feiras, quando tinha disponibilidade. De acordo com o próprio AA, que prestou declarações em audiência, a arguida prestava-lhe apoio emocional, levava-lhe roupas e comida. Duas semanas antes do primeiro interrogatório, o recluso voltou a contactar telefonicamente BB solicitando-lhe que lhe entregasse algo, alertando que seria arriscado. Especificou que seriam drogas, para “o seu vício”. BB explica que o produto seria entregue por terceiros, que entraram em contacto no domingo anterior à visita. Segundo ela, foi combinada a entrega do objecto numa terça-feira à noite, quando um homem, que se apresentou como amigo do recluso para realizar a entrega. BB relata ter recebido o objecto em casa, durante a preparação do jantar. BB explica que um intermediário, que se apresentou como amigo do recluso, lhe entregou um pacote fechado e acondicionado numa mochila. Refere que sabia que se tratava de produto estupefaciente, presumivelmente para consumo do recluso, mas não abriu a embalagem, nem quis saber em concreto do que se tratava, ou da respectiva quantidade. Questionada sobre o porquê de não ter recusado o transporte, ela afirma que se sentiu pressionada com o pedido e desconfortável em manter o produto em casa, pelo que acabou por levá-lo à prisão. Arrependeu-se imediatamente após ter aceite, mas não sabia como sair da situação. Alega que os intermediários sabiam onde ela morava e tinham o seu número de telefone, o que a levou a concluir que era mais seguro cumprir o pedido. Não recebeu dinheiro, nem qualquer compensação financeira. E reforça que foi a primeira e única vez que praticou tal acto. AA prestou declarações e confirma, como se fez referência supra, que BB o visitava a seu pedido, na sequência de contacto telefónico de sua iniciativa, prestando-lhe apoio pessoal e material. Confirma igualmente, que lhe telefonava amiúde, por telemóvel, dando-lhe conta das suas necessidades. A arguida não visitava mais ninguém no estabelecimento prisional e estava inscrita apenas como sua visita. No mais, nega ter-lhe pedido para trazer o que fosse e desconhecer o que BB trazia consigo, no dia e hora da sua visita, para quem o traria e para que fim. Refere que só teve conhecimento que a visita não ia ter lugar, sem mais explicações e que subsequentemente, foi interrogado. A Guarda Prisional EE declarou que conhecia BB como visita regular de AA e que nunca se apercebeu que visitasse outra pessoa. A revista a que submeteu BB foi de rotina, mas o volume que trazia era perceptível por palpação. O agente da PSP FF foi chamado ao EP, onde para procedeu à detenção da arguida, efectuou o teste rápido e apreendeu o estupefaciente detectado. O Tribunal considerou que as declarações da arguida em 1º interrogatório, logo após os factos, pela solicitude, ansiedade e emotividade com que foram prestadas, merecem credibilidade. O arguido nega os factos que o incriminam, mas assume que contactava telefonicamente BB e que esta só o visitava a ele, circunstância corroborada, no limite do seu conhecimento pessoal, pela Guarda Prisional EE. O encadeamento dos factos traçado pela arguida é coerente com as regras de experiência comum: acedeu impulsivamente a levar produto estupefaciente a alguém que sabia toxicodependente, arrependeu-se, hesitou, teve medo e resolveu fazê-lo. Nunca quis saber o que era, nem tinha noção precisa de quantidade. Só uma embalagem, entregue por um desconhecido. Não ficou provado, portanto, que a arguida anuiu a um plano que visava a venda de drogas a terceiro no interior do estabelecimento prisional. O arguido faltou à verdade, na medida em que era o único destinatário da visita, o único contacto de BB no interior do estabelecimento. Tudo aponta que o pacote era para lhe ser entregue durante a visita. A presença de um terceiro em casa de BB, que lhe fez entrega de estupefaciente doseado e acondicionado, revela a existência de organização e acordo prévios. Consta no relatório social que o arguido tem testado negativo, ao menos em data próxima da ... de 2024, ao consumo de estupefacientes. Este factor, bem como a quantidade de canábis e grau de pureza da cocaína (superior a 60%, logo susceptível ainda de corte), indica que tais produtos se destinavam a ser cedidos a terceiros, o que se teve por provado. A cedência de estupefacientes no interior de um estabelecimento prisional tem valor monetário relativamente elevado, necessariamente mais alto do que o adquirido em meio livre. O Tribunal ponderou também o teor do auto de apreensão a fls. 7, cartão e registo de visita a fls. 11, 12; teste rápido a fls. 16; e exame do LPC de fls. 114. O Tribunal analisou o CRC e certidões de decisões judiciais juntos aos autos e o relatório social de AA. BB prestou declarações sobre a sua condição pessoal e económica, quer em sede de 1º interrogatório judicial, quer em audiência. III – FUNDAMENTOS DO RECURSO Questões a decidir no recurso: Constitui jurisprudência assente que o objecto do recurso, que circunscreve os poderes de cognição do tribunal de recurso, delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º, 412.º e 417.º, todos do Código de Processo Penal), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal ad quem quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal1, os quais devem resultar directamente do texto desta, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito), ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).2 Assim, são colocadas à apreciação deste tribunal as seguintes questões: 1. Impugnação (ampla) da matéria de facto (conclusões 1.ª a 15.ª); 2. Agravação do tipo de crime (conclusão 16.ª); 3. Dosimetria da pena aplicada (conclusão 17.ª). * 1. Como ponto prévio à análise do invocado erro de julgamento (a apreciar sob a disciplina do artigo 412.º, n.º 3) cumpre aferir se foram cumpridos os requisitos impugnatórios previstos nesse artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal, por a peticionada reapreciação da matéria de facto de eles depender. No recurso interposto, o Recorrente alega que o Tribunal recorrido errou na valoração/interpretação que fez da prova produzida, quando deu como provado os factos 1.º, 2.º, 5.º e 6.º (conclusão 13.ª). Mais começa logo por dizer que «a prova produzida em audiência de julgamento não permitia que se extraíssem todas as conclusões que delas retirou o douto Tribunal a quo» (conclusão 1.ª), para mais à frente requerer «a reapreciação das gravações correspondentes às declarações do arguido AA, bem como ao depoimentos da testemunha CC, guarda prisional» (conclusão 11.ª). Assim, face ao concreto conteúdo do recurso interposto, não podemos deixar de considerar que o Recorrente pretende impugnar a matéria de facto dada como provada de forma a que redunde numa diferente decisão do direito que conduza à sua absolvição. Na verdade, defende uma autêntica impugnação – e subsequente modificação – da matéria de facto dada como provada, alegando que da prova produzida resultam alguns factos que foram erradamente considerados provados. Ora, na impugnação ampla da matéria de facto, podem as relações analisar a prova produzida – evidentemente com as balizas que o recorrente deve obrigatoriamente indicar, nos termos do estatuído no artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal. Na verdade, o n.º 3, deste citado artigo esclarece: Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas. Por outro lado, no n.º 4 da referida norma preceitua que: Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do art.º 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação. Isto é, resulta das normas examinadas que o recurso em que se pretenda impugnar a decisão proferida relativamente à matéria de facto deve identificar individualizadamente os factos constantes da decisão objecto de recurso que se consideram indevidamente julgados, bem como mencionar o(s) concreto(s) meio(s) de prova ou de obtenção da prova cujo(s) conteúdo(s) imporia(m) decisão diversa. Acresce que, nos termos do n.º 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, estando a prova gravada, o recorrente deve indicar concretamente as passagens (das gravações) em que fundamenta a impugnação (não sendo suficiente a remissão para a totalidade de um ou vários depoimentos), uma vez que são os concretos segmentos indicados que serão ouvidos ou visualizados pelo tribunal de recurso para aferir do alegado erro de apreciação – sem embargo, evidentemente, do exame de outras fontes da prova que sejam consideradas relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa (n.ºs 4 e 6 do artigo 412.º do Código de Processo Penal). Quanto a este concreto aspecto deve ter-se em linha de conta a orientação constante do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça para Fixação de Jurisprudência n.º 3/20123, em que se exarou que «Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações». Por outro lado, relativamente à reapreciação da matéria de facto, deve ter-se ainda em mente que não se trata da realização de um novo julgamento, não podendo a convicção do juiz de primeira instância ser arbitrariamente modificada, unicamente porque o recorrente discorda da mesma. Com efeito, a aludida reapreciação apenas poderá levar a uma alteração da matéria de facto provada quando se chegue à conclusão que os elementos de prova implicam necessariamente uma decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido; contudo, tal nova apreciação da prova produzida já não poderá efectuar-se quando o que é pretendido é, unicamente, a substituição da convicção do juiz da primeira instância por uma outra, com base na audição/visualização das gravações. Na realidade, com a aludida possibilidade de recurso em matéria de facto, o que se visa é unicamente um remédio jurídico para evitar erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como foi apreciada e ponderada a prova, tendo em consideração os concretos pontos de facto indicados pelo recorrente. Assim, o tribunal de recurso deve, desde logo, avaliar se os pontos de facto em crise têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova que o recorrente considera imporem decisão diversa. No sentido do texto existe inúmera jurisprudência de que é exemplo o Acórdão deste Tribunal, de 21/03/20234, onde pode ler-se: Na verdade, o recurso em matéria de facto não tem por finalidade a realização de um segundo julgamento, mas tão só a apreciação da decisão proferida na 1ª instância, apreciação essa limitada ao exame (controlo) dos elementos probatórios valorados pelo tribunal recorrido e feita à luz das regras da lógica e da experiência, mas sempre sem colidir com os fundamentos da decisão que só a imediação e a oralidade permitem atingir - imediação e oralidade que não estão presentes no julgamento do recurso, porque aos juízes do tribunal superior apenas são facultados registos (em suporte magnético). Por isso ao tribunal superior cumpre verificar a existência da prova e controlar a legalidade da respetiva produção, nomeadamente, no que respeita à observância dos princípios da igualdade, oralidade, imediação, contraditório e publicidade, verificando, outrossim, a adequação lógica da decisão relativamente às provas existentes. E só em caso de inexistência de provas, para se decidir num determinado sentido, ou de violação das normas de direito probatório (nelas se incluindo as regras da experiência e/ou da lógica) cometida na respetiva valoração feita na decisão da primeira instância, esta pode ser modificada, nos termos do artigo 431º do Código de Processo Penal. No caso sub judice, para sustentar aquele entendimento (errado julgamento da matéria de facto pelo Tribunal a quo), o Recorrente remete para «as declarações do arguido AA, bem como ao depoimentos da testemunha CC, guarda prisional, que a seguir melhor se identifica» (conclusão 11.ª), referindo a seguir, por referência aos minutos do registo da audiência, em que segmento se encontram tais depoimentos gravados. Nada mais alega, nomeadamente não transcreve os concretos trechos daquelas provas, indicando na gravação as respectivas passagens, que, no seu entender, imporiam uma diversa decisão da matéria de facto impugnada. Ora, como é patente, o esforço do Recorrente não cumpre minimamente os requisitos exigidos no artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Penal, acima transcritos. De facto, limita-se a alegar os motivos por que na sua opinião deveria ter sido proferida outra decisão, de sentido inverso, afirmando, para o efeito, que a prova testemunhal produzida não permitia dar a dita materialidade como provada. O Recorrente não dota assim o recurso apresentado das formalidades rigorosamente presentes nos preceitos legais supra mencionados. Desde logo não especifica os trechos dos depoimentos das testemunhas que, na sua óptica, impõem decisão diversa, em obediência ao formalismo prescrito pelo n.º 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal. De facto, o recurso não identifica minimamente os meios de prova de onde extrai que a matéria de facto dada como provada deveria ser outra, limitando-se, genericamente, a considerar que a prova produzida foi incorrectamente apreciada, não cumprindo aquele desiderato acima referido. Este modo de actuar, como é evidente, não cumpre o ónus de impugnação a que a lei obriga os recorrentes. Aliás, como decorre do que supra já se disse, na decisão proferida é efectuada uma criteriosa análise das provas produzidas em julgamento, mostrando-se que os depoimentos das testemunhas ouvidas, bem como os documentos constantes dos autos, foram alvo de ponderado exame crítico, tendo sido devidamente percebidos e avaliados de acordo com o princípio da livre apreciação da prova. Por outro lado, estão também adequadamente justificados os motivos que levaram a concluir que as declarações da co-arguida prestadas em sede de primeiro interrogatório judicial são credíveis e fulcrais no convencimento do Colectivo, sendo, pelo contrário, inverosímeis e nada merecedoras de crédito as declarações do arguido. Ora, sendo assim, e contrariamente ao defendido pelo Recorrente – que se limita a divergir quanto ao modo como na decisão em recurso se teria apreciado a prova produzida, considerando que o deveria ter feito num outro sentido diferente daquele que elegeu –, temos de concluir que o recurso em matéria de facto deve ser rejeitado, por absoluto incumprimento dos requisitos que deve revestir qualquer esforço dessa espécie. * Nas suas motivação e conclusões faz o Recorrente ainda referência ao princípio do in dubio pro reo (conclusão 14.ª). Concretamente diz: (…) a parca prova produzida em sede de audiência de julgamento relativamente aos factos imputados ao arguido não permite que se dê como provada toda a factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo, e que a análise da factualidade efetivamente provada à luz do princípio da presunção da inocência, consagrado pelo Art.º 32.º, n.º 2, da Constituição, e do princípio do in dubio pro reo, conduz a decisão distinta daquela que foi proferida pelo douto Tribunal a quo. Vejamos. O princípio in dubio pro reo é comummente aceite como sendo uma regra de direito probatório5, tratando-se de uma emanação da proibição do non liquet (artigos 8.º, n.º 1 do Código Civil e 3.º, n.º 3 do Estatuto dos Magistrados Judiciais). A dúvida na apreciação e valoração de determinados meios de prova com vista à demonstração da realidade de factos com relevância para a incriminação resolve-se a favor do arguido. Logo, a intervenção deste princípio ocorre, por regra, no momento da prolação da sentença, podendo e devendo ter expressão na motivação da matéria de facto. Assim, se dois testemunhos de igual credibilidade e confortados pelos demais meios probatórios em igual medida, afirmam dois factos incompatíveis entre si, a dúvida resolve-se a favor do arguido, não se relevando para a prova do facto típico (ou com relevância jurídico-penal) o depoimento desfavorável. Neste exemplo se o juiz desconsiderar o depoimento favorável ao arguido, tal poderá constituir um erro notório na apreciação da prova por violação do princípio in dubio pro reo. Ponto é que a violação desta regra possa ser apreendida pela leitura da motivação da matéria de facto. Ora, analisado o Acórdão proferido, em especial a motivação da matéria de facto, dela não resulta o erro notório na apreciação da prova – vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal, a que se reconduz esta alegação (o qual, além do mais, é de conhecimento oficioso) – em termos de violação do princípio do in dubio pro reo, a que alude o Recorrente. A concreta motivação lavrada releva os meios probatórios que contribuíram para a formação da convicção do Colectivo de Juízes sobre a factualidade que deu como provada. Em nenhuma parte desse segmento decisório ocorre o confronto de meios probatórios concorrentes, mas de sinal contrário, para demonstração de qualquer um dos factos provados. Na verdade, não se podem considerar depoimentos concorrentes aqueles que afirmam ter conhecimento de determinado facto, e os que afirmam desconhecer tal facto. Não decorre, portanto, da decisão que o Tribunal a quo devesse ter recorrido ao princípio vinculativo do in dubio pro reo, ou que o tenha feito e o tenha usado de forma errada e, muito menos, de forma notoriamente errada. 2. Como argumento recursório seguinte temos a eventual não agravação do ilícito previsto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com base no artigo 24.º do mesmo diploma, que, sob a epígrafe «Agravação», reza: As penas previstas nos artigos 21.º e 22.º são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se: a) As substâncias ou preparações foram entregues ou se destinavam a menores ou diminuídos psíquicos; b) As substâncias ou preparações foram distribuídas por grande número de pessoas; c) O agente obteve ou procurava obter avultada compensação remuneratória; d) O agente for funcionário incumbido da prevenção ou repressão dessas infracções; e) O agente for médico, farmacêutico ou qualquer outro técnico de saúde, funcionário dos serviços prisionais ou dos serviços de reinserção social, trabalhador dos correios, telégrafos, telefones ou telecomunicações, docente, educador ou trabalhador de estabelecimento de educação ou de trabalhador de serviços ou instituições de acção social e o facto for praticado no exercício da sua profissão; f) O agente participar em outras actividades criminosas organizadas de âmbito internacional; g) O agente participar em outras actividades ilegais facilitadas pela prática da infracção; h) A infracção tiver sido cometida em instalações de serviços de tratamento de consumidores de droga, de reinserção social, de serviços ou instituições de acção social, em estabelecimento prisional, unidade militar, estabelecimento de educação, ou em outros locais onde os alunos ou estudantes se dediquem à prática de actividades educativas, desportivas ou sociais, ou nas suas imediações; i) O agente utilizar a colaboração, por qualquer forma, de menores ou de diminuídos psíquicos; j) O agente actuar como membro de bando destinado à prática reiterada dos crimes previstos nos artigos 21.º e 22.º, com a colaboração de, pelo menos, outro membro do bando; l) As substâncias ou preparações foram corrompidas, alteradas ou adulteradas, por manipulação ou mistura, aumentando o perigo para a vida ou para a integridade física de outrem. (destaque nosso) Face à factualidade provada dúvidas não subsistem que o Arguido cometeu o crime de tráfico de estupefacientes previsto no tipo base (artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro). Aliás, o Recorrente apenas põe em causa a sua condenação pelo tráfico assente na errada fixação da matéria de facto, argumento que, como supra decidimos já, não vingou. Com efeito, provou-se que o arguido «pretendia receber o produto estupefaciente para posterior cedência a outros reclusos, no interior do Estabelecimento Prisional, em troca de quantias monetárias». Por outro lado, esta actividade ilícita foi praticada dentro de um Estabelecimento Prisional, pelo que está preenchida a circunstância agravante da al. h) do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro. E esta agravante é de verificação meramente objectiva, não dependendo a priori de mais nenhum requisito, maxime de índole subjectiva. Não obstante, a jurisprudência dominante tem vindo a entender que a detenção de droga no interior de um estabelecimento prisional, por um recluso em cumprimento de pena, não é circunstância bastante de per se que agrave automaticamente a punição, “qualificando” o crime. É preciso ainda que resulte do facto verificado que essa detenção de estupefaciente se traduz numa conduta dolosa do agente com vista à potencial produção do resultado desvalioso que levou o legislador a autonomizar o especial agravamento. Assim, somente em concreto, na avaliação global do facto, se pode determinar a identificação do ilícito típico (como, por exemplo, se a detenção de droga era destinada a ser comercializada ou disseminada pela população prisional)6. Não pode, contudo, aproveitar ao arguido a jurisprudência que esgrime nas suas alegações de recurso. Sem tomarmos posição sobre o acerto do ali decidido, o aresto em causa versa sobre situação em que o agente detém quantidades diminutas de estupefaciente, sendo para mais consumidor dessas substâncias, circunstâncias que aqui não se verificam (atente-se na elevada quantidade de canábis e cocaína que pretendia introduzir no Estabelecimento Prisional; o arguido não registava consumos de estupefacientes no período anterior aos factos) Ora, pelo contrário, provou-se precisamente que o arguido destinava o produto apreendido à cedência a outros reclusos, no interior do Estabelecimento Prisional, «em troca de quantias monetárias». Não esqueçamos, como decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, que «o agravamento do tráfico cometido no EP, visa especificamente conferir protecção reforçada a um grupo determinado de pessoas, foi estabelecida precisamente para proteger a saúde e a reinserção social da população prisional, especialmente fragilizada na sua capacidade de autodeterminação relativamente ao consumo de estupefacientes, portanto alvo fácil da oferta, aquisição, guarda e consumo de estupefacientes e num ambiente fechado, onde, pela apertada vigilância exercida, os valores ou as vantagens dos traficantes facilmente se exponenciam»7. Pelo exposto, incorreu o Arguido na prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado, nos moldes em que foi condenado. 3. Insurge-se por fim o recorrente quanto à concreta pena de prisão fixada. Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: a. O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b. A intensidade do dolo ou da negligência; c. Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d. As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e. A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f. A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. O Tribunal a quo fundamentou a concreta pena aplicada nos seguintes moldes: Da reincidência: Nos termos do artigo 75.º, n.º 1, do Código Penal, é condenado como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, comete um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a seis meses, após ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a seis meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, for censurável que as condenações anteriores não tenham servido como suficiente advertência contra o crime. Adicionalmente, o artigo 75.º, n.º 2, estabelece que o crime anterior só releva para efeitos de reincidência se entre a prática deste e do crime subsequente não tiverem decorrido mais de cinco anos, excluindo-se deste prazo o tempo de cumprimento de medida processual, pena ou medida de segurança privativa da liberdade. No caso dos autos, ficou provado que o arguido AA foi condenado, no Processo n.º 466/20.2S5LSB, por decisão transitada em julgado em 17 de Novembro de 2021, pela prática, no ano de 2020, dos crimes de furto qualificado, condução sem habilitação legal, furto qualificado na forma tentada, roubo, violência depois da subtracção e roubo, na pena única de 9 (nove) anos de prisão. Os factos que agora se julgam foram praticados em ... de ... de 2022, ou seja, dentro do período de cinco anos previsto no artigo 75.º, n.º 2, do Código Penal, considerando-se, ainda, que o arguido se encontrava em cumprimento da pena anteriormente aplicada. Por conseguinte, é indiscutível que o arguido se enquadra no conceito de reincidência, dado que cometeu novo crime doloso durante a execução de pena privativa da liberdade. Como decorre da norma citada, o instituto da reincidência não resulta automaticamente da existência de anteriores condenações com os parâmetros formais indicados, antes acresce a ponderação de que tais condenações não constituíram suficiente advertência ao arguido, sendo-lhe imputável a sua ineficácia em sede de prevenção especial. Conforme expresso no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Fevereiro de 2014, Processo n.º 1335/12.5JAPRT.S1, Relator Conselheiro Pires da Graça, "a reincidência é uma qualificativa que depende da verificação de pressupostos de facto e da formulação de um juízo sobre o insucesso da condenação anterior, indiciando uma maior culpa relativa do facto, podendo ser sinal de maior perigosidade, mobilizadora e potenciadora da prevenção especial" (dgsi.pt). No presente caso, a prática de novo crime doloso durante o cumprimento da pena pela condenação anterior evidencia que a primeira condenação não cumpriu o seu objectivo de dissuadir o arguido de novas práticas delituosas, conforme exigido pelo artigo 75.º, n.º 1, do Código Penal. A reiteração de práticas ilícitas não pode deixar de ser imputável ao arguido, posto que este não foi sequer sensível ao facto de se encontrar em meio prisional e em cumprimento de uma pena longa. Pelo contrário, usou tal contexto desfavorável como uma oportunidade de delinquência. Sem mais considerações, o Tribunal considera demonstrado que o arguido não interiorizou o desvalor das suas condutas criminosas, revelando ausência de efectiva regeneração e de dissuasão face às condenações anteriores. Em conformidade, o Tribunal entende que o arguido AA deverá ser condenado como reincidente, valorizando-se essa circunstância como elemento agravante na determinação da medida concreta da pena, à luz das exigências de prevenção geral e especial, que no presente caso se afiguram elevadas. Deste modo, considerando o disposto no artigo 76.º, n.º 1, do Código Penal, o limite mínimo da pena aplicável ao presente crime será elevado de um terço, mantendo-se inalterado o limite máximo. Para AA, a moldura penal abstractamente aplicável quadra-se em 6 anos e 8 meses a 15 anos. Na determinação da pena aplicável, deve o juiz socorrer-se dos critérios que o legislador penal consagrou nos artigos 40º, 71º e 72º do Código Penal. Ponderaremos, deste modo: (…) AA: O grau de ilicitude dos factos é elevado, tendo em consideração, primeiro as quantidades de haxixe e cocaína transportadas e o grau de pureza desta última, superior a 60%. Relativamente à cocaína, pondera-se o seu elevado potencial de adição e consequente danosidade social e criminógena. Relativamente ao arguido, é-lhe imputável a propulsão do plano e maior grau de envolvimento: é ele que faz a aproximação a BB, que cultiva as visitas frequentes e lhe propõe o transporte, para o seu vício. É ainda, dos dois, o único beneficiário do acto ilícito. A intensidade do dolo, que é directo, é elevada, atento os actos preparatórios e organização envolvidos, que ainda que de modesta complexidade, persistiram no tempo. A culpa é elevada pelo contexto e prolongado contacto do arguido com o sistema prisional, que não logrou desmotiva-lo. No que concerne às exigências de prevenção geral, verificamos que são elevadas, atendendo à natureza do ilícito em causa ser idónea para pôr em causa a virtualidade de reinserção da pena, bem como a segurança e atoxicidade do meio prisional; As exigências de prevenção especial são elevadas, face à manifesta resistência do arguido à ressocialização e normativização; mesmo no estabelecimento prisional, o arguido somou infracções disciplinares, a inserção familiar é fraca e pouco expressiva na vertente de motivação. Ponderados todos os factos assentes, este Tribunal entende como justa, adequada e proporcional cominar ao arguido a pena de 8 anos de prisão. Convém ainda realçar, na esteira do pacífico entendimento da jurisprudência, que o tribunal de recurso deve intervir na alteração da pena concreta apenas quando se justifique uma alteração minimamente substancial, isto é, quando se torne evidente que foi aplicada, sem fundamento, com desvios aos critérios legalmente apontados8. A nosso ver a pena concreta é adequada à ilicitude dos factos – em especial à natureza do produto estupefaciente e sua quantidade – e proporcional ao juízo de censura que impende sobre o arguido, conforme bem explanado no Acórdão recorrido, não olvidando que aqui assumem especial relevo as exigências de prevenção geral, fruto do grande alarme social que provoca a disseminação de produto estupefaciente e toda a criminalidade associada a este negócio9. De igual sorte, são assaz elevadas as exigências de prevenção especial, tais como indicadas na Decisão e ficou supra transcrito. Acresce que a pena concreta não se afasta sobremaneira do mínimo legal (6 anos e 3 meses). Não nos merece, pois, qualquer reparo a concreta fixação da pena de prisão em 8 anos. Por tudo o exposto, o recurso improcede na totalidade. IV – DECISÃO Face ao exposto, acordam os Juízes desta 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando o Acórdão recorrido. Vai o Recorrente condenado nas custas do recurso, fixando-se em 4 UCs a taxa de justiça devida – artigos 513.º e 514.º, ambos do Código de Processo Penal, e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro). Notifique. * Lisboa, 24 de Abril de 2025 Diogo Coelho de Sousa Leitão Ana Paula Guedes Ivo Nelson Caires B. Rosa (vota vencido) * Voto de vencido: Voto vencido pelas seguintes razões: Quanto à rejeição do recurso em matéria de facto. No recurso interposto o Recorrente alegou que o Tribunal recorrido errou na valoração/interpretação que fez da prova produzida, quando deu como provado os factos 1.º, 2.º, 5.º e 6.º. Quanto a este segmento do recurso impõe o art.º 412º, nº3 do CPP que quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto por via do recurso amplo o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da tomada na sentença e/ou as que deviam ser renovadas. Quanto a esta especificação, a mesma deve fazer-se por referência ao consignado na ata, indicando-se concretamente as passagens em que se funda a impugnação (art.º 412º, nº 4 do CPP). Na ausência de consignação na ata do início e termo das declarações, bastará “a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas pelo recorrente,” de acordo com a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça em 08.03.2012 (AFJ nº 3/2012). O incumprimento das formalidades impostas pelo art.º 412º, nºs 3 e 4, quer por via da omissão, quer por via da deficiência, inviabiliza o conhecimento do recurso da matéria de facto por esta via ampla. No caso, analisado o recurso constata-se que o recorrente indicou concretamente os pontos de facto que considera incorretamente julgados (pontos 1.º, 2.º, 4.º e 5.º conclusão 10) e indicou as concretas provas que impõem decisão diversa da tomada no acórdão (declarações do arguido AA, com início pelas 10 horas e 14 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 25 minutos, conforme consignado em ata da audiência de julgamento; depoimento da testemunha BB, com início pelas 10 horas e 26 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 33 minutos, conforme consignado em ata da audiência de julgamento, conclusão 11). Deste modo, o recorrente deu total cumprimento das formalidades previstas no artigo 412º nº 3 e 4 do CPP, dado que procedeu à especificação da concreta prova em que funda a sua impugnação, ou seja, indicou as concretas passagens por referência ao consignado na ata. O recorrente, dado que optou por indicar as concretas passagens por referência ao que consta da ata, não tinha que proceder à transcrição das concretas passagens. Com efeito, em meu entender, exigir mais do que aquilo que o recorrente concretizou é tornar praticamente impossível o recurso quanto à decisão proferida sobre matéria de facto. Por estas razões, o recurso deveria ter sido admitido e conhecida a impugnação sobre a matéria de facto nos termos requeridos. Discordo, também, quanto ao facto 1 da matéria de facto provada. O facto em causa tem a seguinte redação: “Em data que não se logrou apurar AA e terceiros não identificados, de comum acordo e em concertação de esforços, elaboraram um plano, que consistia em adquirir canábis e cocaína, introduzi-las no Estabelecimento Prisional de ..., onde o arguido se encontrava recluso, e aí distribuí-las pelos outros reclusos, para desta forma auferirem quantias monetárias que se traduziriam em lucro e que seriam repartidas entre eles" Quanto a este facto, traduz-se numa alegação vaga, genérica e conclusiva que impossibilita o arguido de contraditar, ou ao menos instalar a dúvida, dado que não se mostra identificado o período temporal, desde quando até quando, com quem, com que periodicidade, que quantidades. Quanto ao ato concreto que em seguida se mostra identificado, canábis e cocaína apreendida no dia ...-...-2022, não é suficiente para que possa concluir como no facto 1. Assim, a propósito do crime de tráfico de produtos estupefacientes, segundo o Ac. STJ de 15.12.2011, processo 17/09.0TELSB.L1.S1, publicado em www.dgsi.pt, “Como vem sendo afirmado pela jurisprudência dominante deste STJ, as imputações genéricas, designadamente no domínio do tráfico de estupefacientes, sem qualquer especificação das condutas em que se concretizou o imputado comércio e do tempo e lugar em que tal aconteceu, por não serem passíveis de um efetivo contraditório e, portanto, do direito de defesa constitucionalmente consagrado, não podem servir de suporte à qualificação da conduta do agente.” No mesmo sentido, vide v.g. Ac STJ de 21.02.2007, processo 06P4341, disponível em www.dgsi.pt. Deste modo, dado o conteúdo vago, genérico e conclusivo deveria o mesmo ser excluído dos factos provados. Para além disso, da leitura do acórdão (motivação de facto e exame crítico da prova) não se percebe como é que o tribunal deu como provado as conclusões do ponto 1, o que faz com que o acórdão recorrido, quanto a este segmento, padeça da nulidade prevista no artigo 379º nº 1 al. a) do CPP. *** Quanto à medida concreta da pena. A moldura penal abstratamente aplicável é 6 anos e 8 meses a 15 anos. O tribunal recorrido fixou a medida concreta da pena em 8 anos. Quanto aos factos provados consta que no dia ...-...-2022, o arguido introduziu no EP 20 (vinte) embalagens de canábis (resina), com o peso líquido de 209,235 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 25,7%, sendo o equivalente a 1075 doses de consumo; 1 (uma) embalagem de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 2,967 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 61,6%, sendo o equivalente a 9 doses de consumo; 1 (uma) embalagem de cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com o peso líquido de 2,039 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 81,1%, sendo o equivalente a 55 doses de consumo, que pretendia entregar ao arguido, para seu consumo. Ora, tratando-se de um único ato, tendo em conta a quantidade e qualidade do produto estupefaciente, na sua grande maioria “drogas-leves”, a moldura penal aplicável ao caso concreto, entendo que a pena concreta, não obstante os antecedentes criminais do arguido (já considerados para efeitos de reincidência), deveria fixar-se próximo do limite mínimo, ou seja em 6 anos e 10 meses de prisão, pena esta que se mostra adequada, proporcional e justa no caso concreto, motivo pelo deveria ocorrer a intervenção corretiva deste tribunal de recurso no sentido de fixar a pena concreta em 6 anos e 10 meses de prisão. Ivo Nelson Caires B. Rosa _______________________________________________________ 1. Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, Diário da República – I Série, de 28/12/1995. 2. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29/01/2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB. S1, da 5.ª Secção. 3. Publicado no Diário da República, série I, n.º 77, de 18 de Abril de 2012. 4. Proc. 324/21.3PCSNT.L1-5 (www.dgsi.pt). 5. Assim, CASTANHEIRA NEVES, Sumários de Processo Criminal, Coimbra, 1967-68, págs. 55 v. e 56. 6. V.g. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 21/01/2009, Proc. 4029/08; de 02/05/2007, Proc. 07P1013, de 16/01/2008, Proc. 07P4638; de 06/11/2008, Proc. 08P2501 (www.dgsi.pt). 7. Acórdão de 30/11/2022, Proc. 272/21.7T9BJA.S1 (www.dgsi.pt). 8. Vide, por todos, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18/03/2015 – Proc. 109/14.3GATBU.C1 (www.dgsi.pt). 9. Vide, por todos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21/09/2011 (www.dgsi.pt). |