Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9704/18.0T8LRS-A.L2-7
Relator: ALEXANDRA DE CASTRO ROCHA
Descritores: EXECUÇÃO
EXTINÇÃO DA SOCIEDADE DEVEDORA
PARTILHA DE BENS DA SOCIEDADE
ÓNUS DA PROVA
EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Atento o disposto nos arts. 163.º n.º1 do Código das Sociedades Comerciais e 342.º n.º1 do Código Civil, é ao exequente que, enquanto facto constitutivo do seu direito, incumbe o ónus da prova do recebimento de bens da sociedade extinta, na partilha, pelos sócios demandados.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO:
X…, L.da, intentou, em 26/9/2018, a acção executiva que corre como processo principal, para pagamento de quantia certa, com processo sumário, contra B… e C…, pretendendo a cobrança coerciva de € 40.135,59. Apresentou, como título executivo, requerimento de injunção, com fórmula executória aposta em 20/10/2010, no qual consta, como requerida, a sociedade D…, L.da.
Alega que aquela sociedade foi dissolvida e liquidada em 15/3/2016, sendo certo que, na última informação empresarial simplificada, a mesma era detentora de diverso património, superior a € 50.000,00. Conclui que os executados, tendo recebido valores na partilha da sociedade, são responsáveis pelo pagamento da quantia exequenda, até ao montante que receberam.
No presente apenso A, vieram os executados deduzir oposição à execução, mediante embargos, alegando, em síntese, que:
1 - Não existe título executivo, porque o requerimento de injunção não se encontra assinado pelos executados e vem desacompanhado da citação destes, sendo certo que nunca foram citados para deduzir oposição no âmbito do procedimento de injunção;
2 - O requerimento de injunção é inepto, por falta de causa de pedir;
3 - Os executados são parte ilegítima, porque não figuram no título executivo como devedores e no requerimento executivo não vêm alegados os fundamentos da sua responsabilidade, não sendo demonstrado que tenham recebido algum montante da sociedade aquando da partilha, sendo certo que, aquando da dissolução e liquidação, a sociedade não tinha qualquer património, pelo que os executados nada receberam da mesma;
4 - Os juros peticionados que se tenham vencido há  mais de 5 anos encontram-se prescritos.
Concluem pela sua absolvição do pedido ou, caso assim não se entenda, da instância.
Notificada, a exequente contestou, pugnando pela improcedência dos embargos, afirmando, além do mais, que, sendo os embargantes os únicos sócios da sociedade extinta, são parte legítima nos termos do art. 163.º do Código das Sociedades Comerciais, tendo os mesmos arrecadado a integralidade do imobilizado da empresa e quantia monetária não inferior a € 61.340,23.
Realizou-se audiência prévia, no decurso da qual foi proferido despacho saneador que relegou para final o conhecimento da excepção de ilegitimidade, indicou o objecto do litígio [«Ilegitimidade passiva; Falta de citação; Ineptidão do requerimento de injunção – nulidade do título; Prescrição dos juros»] e enunciou os temas da prova [«Se executados receberam algum montante da sociedade aquando a respetiva dissolução e liquidação»].
Tendo a embargada requerido a notificação dos embargantes para juntarem diversa documentação atinente à sociedade, o tribunal ordenou tal notificação, tendo os executados respondido que não possuem os documentos pretendidos (exceptuado o comprovativo de cessação da actividade para efeitos de IVA). Veio, então, a embargada requerer que, considerando que os embargantes tornaram impossível a produção de prova pela exequente, seja invertido o ónus da prova, nos termos do art. 344.º n.º2 do Código Civil.
Relativamente a tal requerimento, proferiu o tribunal despacho, datado de 2/12/2019, declarando que, antes de se decidir a questão suscitada pela embargada, importava averiguar «se o contabilista da extinta sociedade tem na sua posse algum dos documentos» pretendidos. Em conformidade, ordenou a notificação do «TOC (…) para (…) informar nos autos se tem na sua posse os documentos relativos à sociedade D…, L.da (…) a seguir indicados e, na afirmativa, para os juntar aos autos (…): Declarações de IES referentes aos anos de 2012 a 2016;  Mapa de Imobilizado, certificado pelo técnico oficial de contas, referente ao período compreendido entre 2012 até 2016; Inventário referente ao período de 2012 até 2016».
Procedeu-se a audiência final, após o que foi proferida sentença que, tendo julgado improcedentes as excepções de falta de título executivo e de ineptidão do requerimento de injunção, e tendo considerado prescritos os juros vencidos desde a aposição da fórmula executória até Setembro de 2013, concluiu que «por não se ter provado a existência de partilha do património da sociedade devedora dissolvida nem que qualquer dos embargantes tenha recebido qualquer património», ocorre «uma causa de extinção da execução por inutilidade superveniente da lide». Findou com o seguinte dispositivo: «determino a extinção da execução, por inutilidade superveniente da lide».
Não se conformando com aquela decisão, dela apelou a embargada, tendo a 8.ª Secção deste Tribunal da Relação de Lisboa proferido acórdão com a seguinte decisão:
«Assim, anula-se o processado após a notificação do TOC L…, incluindo a audiência de discussão e julgamento e a sentença recorrida, para que seja proferido despacho que tome posição sobre a requerida inversão do ónus da prova, tal como a M.ª juiz determinara no seu despacho de 27/11/2019 (fls. 111 dos autos). Seguindo-se posteriormente os normais termos do processo. Custas pelo vencido a final».
Tendo o processo baixado à 1.ª instância, foi ordenada a notificação do TOC nos termos determinados no despacho de 2/12/2019.
O notificado respondeu em 27/4/2022, por correio electrónico, declarando que «Venho por este meio informar o tribunal que não tenho em minha posse nenhuns dos documentos solicitados referentes ao período de 2012 a 2016. Mais informo que também não tenho em meu poder quaisquer documentos relativos aos ano anteriores a esse período». Em 4/5/2022, juntou requerimento, em suporte de papel, declarando que «Na sequência da v/ solicitação venho (…) informar que não tenho em meu poder qualquer documentos da sociedade D…, L.da (…), nomeadamente os solicitados na v/ notificação relativa ao período de 2012 a 2016».
O tribunal proferiu, então, em 30/5/2022, o seguinte despacho:
«Requerimento de 21/10/2019
Requer a exequente a inversão do ónus da prova, nos termos do preceituado no artigo 344.º n.º 2 do Código Civil, requerendo, por conseguinte, que recaia sobre os embargantes a prova de que não receberam montantes na partilha, pelo facto dos embargantes não terem apresentado qualquer justificação para a ausência da documentação requerida na contestação (declarações de IES referentes aos anos de 2012 a 2016; mapa de Imobilizado, certificado pelo técnico oficial de contas, referente ao período compreendido entre 2012 até 2016; inventário referente ao período de 2012 até 2016, tudo referente à sociedade “D…, Lda.”), ao contrário do que expressamente determinava o despacho proferido em audiência prévia, tornando impossível a produção da prova pela embargada, em virtude da sua desobediência.
Cumpre decidir.
A regra de repartição do ónus da prova resulta do artigo 342º Código Civil, que estipula que:
1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.
Há inversão do ónus da prova, nos termos do disposto no artigo 344º Código Civil:
- Quando haja presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, ou convenção válida nesse sentido, e, de um modo geral, sempre que a lei o determine (n.º 1).
- Quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações (n.º 2).
A nossa lei civil admite em sede de direito probatório material a inversão do ónus de prova em cinco situações:
1. Presunção legal;
2. Dispensa ou liberação do ónus de prova;
3. Inversão por meio de convenções probatórias;
4. Inversão por determinação legal;
5. Inversão no caso de a prova se ter tornado impossível para o onerado, sendo essa impossibilidade causada por uma atitude culposa da parte contrária
Analisados os autos temos que, a requerimento da embargada/exequente (requerimento probatório apresentado na contestação), determinou-se, em audiência prévia, a notificação dos embargantes para virem aos autos juntar os seguintes documentos, relativos à sociedade D…, Lda., NIPC ….:
- Declarações de IES referentes aos anos de 2012 a 2016;
- Mapa de Imobilizado, certificado pelo técnico oficial de contas, referente ao período compreendido entre 2012 até 2016;
- Inventário referente ao período de 2012 até 2016.
Através de requerimento de 07/10/2019, remetido pelo Exmo. Mandatário dos embargantes, é informado que a sociedade “D…, Lda.”, cessou a sua atividade em sede de IVA em 28/10/2010, não tendo a partir da referida data qualquer atividade comercial, e que o embargante não tem atualmente qualquer documentação, com exceção do documento que comprava a cessação da atividade em sede de IVA, que juntou, encontrando-se a mesma, a existir, na posse do contabilista Sr. L….
A embargada entende que, pelo facto de a embargante não ter respondido e do embargante ter respondido sem justificar a não junção dos documentos, tal equivale a “desobediência”, por ter “tornando impossível a produção da prova pela embargada”.
Vejamos.
Em relação à circunstância da embargante mulher não ter respondido – parece-nos uma falsa questão. Quem foi notificado foi o Exmo. Mandatário dos embargantes; o requerimento de 07/10/2019 foi enviado pelo Exmo. Mandatário dos embargantes – entende-se que o requerimento, embora identifique apenas o embargante B…, é referente a ambos.
No requerimento apresentado pelos embargantes é referido que que o embargante não tem atualmente qualquer documentação, com exceção do documento que comprava a cessação da atividade em sede de IVA, comunicada à AT em 2010. É também referido no mesmo requerimento que a documentação, a existir, estará na posse do TOC (sendo que foi esta afirmação que motivou a prolação do despacho de 02/12/2019).
O requerimento em causa (de 07/10/2019) não justifica, em nosso entender, a inversão do ónus da prova, não se mostrando corroborada a alegação da embargada de que o requerimento torna impossível a produção de prova pelo facto de não se mostrar justificada a não junção.
Termos em que, por não se mostrar justificado, indefere-se a requerida inversão do ónus da prova.
Notifique».
Procedeu-se a audiência final, após o que foi proferida sentença que, tendo julgado improcedentes as excepções de falta de título executivo e de ineptidão do requerimento de injunção, e tendo considerado prescritos os juros vencidos desde a aposição da fórmula executória até Setembro de 2013, concluiu que «por não se ter provado a existência de partilha do património da sociedade devedora dissolvida nem que qualquer dos embargantes tenha recebido qualquer património», ocorre «uma causa de extinção da execução por inutilidade superveniente da lide». Findou com o seguinte dispositivo: «determino a extinção da execução, por inutilidade superveniente da lide».
 Não se conformando com esta decisão, dela apelou a embargada, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões:
« I- O presente recurso destina-se a impugnar a decisão proferida pelo Tribunal da Primeira Instância, na data de 31-01-2022, que julgou procedentes os embargos de executado e determinou a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, não se conformando a Embargada/Apelante com a decisão proferida.
II- O presente processo teve a sua origem numa ação executiva proposta contra os aqui Apelados, a qual correu os seus termos sob o n.º 9704/18.0T8LRS, junto do T.J.C. de Lisboa Norte- Juízo de Execução de Loures- Juiz 1, com base em requerimento injuntivo contra a sociedade Breviário, Lda., da qual eram sócios os ali Executados, e ao qual foi aposta fórmula executória, tendo os Executados posteriormente apresentado embargos de executado.
III- Na sequência do recebimento de tais embargos, a aqui Apelante, apresentou a sua contestação na data de 13-02-2019, rebatendo cada uma das exceções invocadas pelos Embargantes e peticionando a notificação dos Embargantes para juntarem aos autos os documentos e informações relativos à sociedade Breviário, Lda, sendo que, em sede de despacho saneador proferido na data de 26-09-2019, a Mma. Juíza a quo determinou que se notificassem os Embargantes para juntarem aos autos os documentos ou justificarem a sua não apresentação, bem como para identificarem o TOC da sociedade.
IV- Em resposta, apresentou o ali Embargante B…, requerimento, alegando não possuir qualquer documentação relativa à sociedade, mais indicando o TOC da sociedade, sendo que, em face da impossibilidade de obtenção de prova, a Embargada requereu a inversão do ónus da prova.
V- Outrossim, proferiu a Mma. Juíza a quo, na data de 27-11-2019, despacho no qual ordenou a notificação do TOC para informar se tinha na sua posse os documentos relativos à sociedade D…, sendo que, devidamente notificado para proceder à junção aos autos das informações e documentação necessária, o TOC L… nada disse, e em sede de audiência de julgamento, nada informou sobre o paradeiro de tal documentação.
VI- Nessa sequência, considerou a Mma. Juíza não se mostrar provada a partilha de quaisquer bens da sociedade dissolvida e liquidada, determinando a procedência dos embargos, o que motivou a apresentação de alegações e conclusões de recurso pela Embargada, no dia 29-06-2020 (Ref.ª Eletrónica Citius 9759178), onde, para além de impugnar a matéria de facto, alegava a omissão de pronúncia e subsequente nulidade, bem como, a errada aplicação do artigo 163.º do CSC, e artigos 342.º e 344.º do Código Civil.
VII- Na sequência do recurso supramencionado, o Tribunal da Relação de Lisboa, no dia 13-01-2022, proferiu Acórdão onde considerou que a sentença recorrida ignorou por completo a questão da inversão do ónus da prova, devendo, por isso, ser anulado o processado após a notificação do TOC L…, incluindo a audiência de discussão e julgamento e a sentença recorrida, para que seja proferido despacho que tome posição sobre a requerida inversão do ónus da prova, mais considerando, ainda que de forma indireta, que no entendimento do douto Tribunal o ónus da prova de não recebimento de valores na partilha incumbiria aos sócios.
VIII- Nesta senda, proferiu a Mma. Juíza a quo, na data de 21-03-2022, notificando o TOC nos termos determinados no despacho proferido em 02-12-2019, alegando este não possuir qualquer documentação relativa à sociedade.
IX- Após, em despacho proferido na data de 26-09-2019, a Mma. Juíza a quo indeferiu a inversão do ónus da prova requerida pela Apelante/Embargada.
X- Tendo sido agendado o dia 29-11-2022 para a repetição da audiência de discussão e julgamento, da qual resultou a sentença da qual ora se recorre e com a qual não nos conformamos.
Pois que,
XI- No que respeita à matéria de facto, na sentença a quo, considerou a Mma. Juíza como não provado, por insuficiência de prova, que os executados receberam valores na partilha da sociedade.
XII- De referir que, enquanto partes interessadas, os depoimentos prestados pelos Apelantes e pelo TOC, são, inevitavelmente, tendenciosos, revelando-se inconclusivos e baseando-se na utilização da expressão “não sei”, não permitindo formar uma convicção segura e credível da veracidade dos factos.
XIII- Não nos parece verosímil, que os Apelados, não saibam identificar os valores existentes na IES, que, de acordo com as suas declarações, não tenham na sua posse documentos essenciais ao funcionamento e, consequente, dissolução da sociedade, bem como, convenientemente, não saibam precisar o destino do ativo existente na sociedade e que aprovaram (cfr. Ata de audiência de discussão e julgamento de 29-11-2022, com início pelas 14:23:48 e fim pelas 14:41:13, mormente o período compreendido entre, no que respeita ao primeiro trecho/áudio a instâncias da Mma. Juiz, 02:17 e 11:40, e no que concerne ao 2.º trecho/áudio, a instâncias da mandatária da Apelante, 00:01 e 02:45, o que equivalerá ao período entre 11:55 e 14:45 do trecho geral) e (cfr. Ata de audiência de julgamento de 29-11-2022, com início pelas 14:41:15 e fim pelas 15:10:59, mormente o período compreendido entre 06:33 e 12:30).,
XIV- sendo que do depoimento do TOC resulta que, tal como confirmado na Informação Empresarial Simplificada da sociedade D…, Lda., existiam ativos nas contas da sociedade, designadamente valores a receber, na ordem dos milhares de euros, e que tais valores foram apurados por referência a documentos aprovados e entregues pelos sócios Embargantes (cfr. Ata de audiência de discussão e julgamento de 29-11-2022, com início pelas 15:11:01 e fim pelas 15:26:33, mormente o período compreendido entre 00:01 e 09:29).
XV- Não se nos afigura verosímil, nem tal se poderá afigurar à luz das regras da experiência comum, que não existisse património a partilhar, tanto mais que existiam valores a receber, bem como passivo que foi ocultado aquando da dissolução e liquidação da sociedade em apreço.
XVI- Assim, e salvo respeito por superior entendimento, não se poderia ter dado como não provado que os Apelados receberam valores na partilha, sendo que deveria ter-se dado como provado o necessário recebimento do ativo existente e, por conseguinte, a partilha entre os sócios, e ainda os seguintes factos concretizadores relevantes para a formação da convicção do julgador: a) Os Embargantes aprovaram as contas que serviram de base à elaboração das IES de 2010 e 2011; b) O valor inserido na rubrica “Outros ativos correntes” correspondente a 38.606.53 €, era um ativo existente da sociedade à data da IES de 2011; c) Esse valor foi apurado e confirmado com base nos documentos que foram entregues pelos Embargantes ao TOC da sociedade d…, Lda.”.
Para além disso, e no que concerne à matéria de direito e às normas jurídicas violadas,
XVII- Atendendo à matéria de facto impugnada supra, e atendendo às regras da experiência comum pela qual se deverão pautar as decisões do Tribunal nos termos do artigo 607.º n.º 4 do CPC, haveria que, salvo respeito por mais douto entendimento, ter-se judiciado a improcedência dos embargos de executado, pelo que, não o tendo feito, violou a Mma. Juiz a quo o disposto nas normas jurídicas constantes dos artigos 163.º do CSC e do artigo 607.º n.º 4 do CPC, pois que, atendendo à prova documental, testemunhal e por confissão das partes produzida, convergindo ainda com as regras da experiência comum, deveria ter proferido decisão diametralmente oposta à que foi proferida a quo, determinando a prova do recebimento de valores na partilha e consequente improcedência dos embargos.
Ainda que assim não se entendesse, e se pugnasse pela ausência da prova do recebimento de valores na partilha,
XVIII- Na douta sentença recorrida a Mma. Juíza considerou que é sobre a aqui Apelante/Embargada que recai o ónus de provar que os Apelados/Embargantes receberam património na partilha, com o qual não concordamos.
XIX- Portanto, os sócios só respondem pelo passivo da sociedade liquidada e extinta se houver partilha dos bens desta e na medida dessa mesma partilha.
XX- De facto, devidamente compulsada a prova produzida, a Embargada produziu toda a prova que lhe era possível, tendo usado de todos os expedientes legais para o efeito, designadamente a notificação dos Embargantes para procederem à junção dos elementos contabilísticos e a notificação do Técnico Oficial de Contas (vide meios de prova da contestação aduzida, com a Ref.ª Eletrónica Citius 7982838), sendo que os Embargantes se socorreram de subterfúgios e desconhecimento sobre questões das quais deveriam ter conhecimento pessoal, a fim de se verem eximidos das suas obrigações, sendo que, ao alegarem o contínuo desconhecimento e a ausência de documentação contabilística na sua posse, sobre questões que são do seu conhecimento pessoal, alheando-se das funções de gerência e contabilidade, os Embargantes dificultaram e impossibilitaram a produção de prova por parte da Embargada.
XXI- Assim, devidamente notificados para procederem à junção aos autos da documentação contabilística cujo dever de guarda lhes cabia, os Apelados eximiram-se de tal responsabilidade, tornando impossível a prova à ali Embargada e aqui Apelante e violando o disposto no artigo 157.º do CSC,
XXII- Pelo que, salvo devido respeito por mais douto entendimento, deveria ter sido determinada a inversão do ónus da prova, nos termos do artigo 344.º n.º 2 do CC, em razão dos sócios terem culposamente tornado impossível a prova ao credor, e ser considerado que era aos sócios Embargantes que cabia a prova do não recebimento de tais valores na partilha, sob pena de se perpetuar e permitir um ónus excessivo e desmedido sobre a Embargada, afigurando-se a constituição de verdadeira “prova diabólica”.
Ainda que assim não se entendesse, o que apenas por mera hipótese se concebe,
XXIII- O facto de não ter existido, aparentemente, qualquer ativo que pudesse ser partilhado pelos sócios, é um facto impeditivo do direito dos credores sociais, cujo ónus recai sobre os sócios, nos termos do n.º 2 do artigo 342.º do CC, cabendo aos sócios invocar e provar que não receberam em partilha bens para satisfazer a dívida exequenda, não se vislumbrando qualquer sentido em exigir ao credor, elemento alheio à sociedade, a prova de uma situação económico-financeira cujo conhecimento ele não terá, o que, por sua vez, dificulta ou impede a satisfação do seu crédito.
XXIV- Aos credores, apenas deverá ser exigida a prova da relação creditícia, o que a Apelante logrou fazer através dos documentos juntos em sede de contestação, não devendo, por isso, ser onerada com um ónus probatório dificilmente concretizável.- veja-se, a este propósito, o entendimento sufragado pelo douto Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 611/09.9TJLSB.L1-1, ao qual aderimos na íntegra e que decidiu que “1- Em acção proposta por credor social contra a generalidade dos sócios de sociedade extinta, nos termos do nº 1 do artigo 163º do Cód. Soc. Com., cabe àqueles sócios demonstrar que nada receberam na partilha do património social ou que receberam valores inferiores ao do crédito peticionado. (…) “A posição que ora defendemos (perfilhada no Ac. RL de 9.3.10, in http://www.dgsi.pt Proc. nº4777/06.1TVLSB.L1-1) é, em segundo lugar, a única que assegura ao credor insatisfeito uma situação idêntica à que se verificaria caso a sociedade não estivesse extinta. Com efeito, nessa situação, caber-lhe-ia, apenas provar os factos constitutivos do seu direito para obter a condenação da sociedade; e poderia, depois, lançar mão da acção executiva, contando com o “auxílio” do agente da execução na identificação e localização de bens penhoráveis, nomeadamente existentes nas instalações da sociedade. Ora, tendo a sociedade sido dissolvida por deliberação dos sócios, como é o caso, e igualmente por estes liquidado o respectivo património (circunstâncias a que o credor social é alheio), não compreendemos por que razão deve ser o credor insatisfeito a suportar os custos acrescidos dessa situação no que respeita aos ónus que processualmente lhe incumbem (sendo, aliás, certo que já sofre as consequências derivadas da cessação do giro comercial da empresa).
Acresce que a posição de que discordamos exige ao credor social uma prova que necessariamente pressupõe um conhecimento sobre a situação económico-financeira da sociedade que ele, naturalmente, não terá, em muito dificultando ou, mesmo, inviabilizando a satisfação de um crédito que ele, efectivamente, tem. Ao invés, estão os sócios na posição ideal para alegar e provar aquilo que, receberam ou não receberam na partilha.”.
XXV- A decisão proferida configura uma decisão materialmente injusta, porquanto impossibilitou o ressarcimento do crédito da ali Exequente/Embargada, apesar de ter resultado provada a sua existência, permitindo a irresponsabilidade dos sócios apesar da sua inércia ao longo do processo.
XXVI- Assim, e atendendo a todo este circunstancialismo, foi erradamente aplicada a norma ínsita no artigo 163.º n.º 1 do CSC, devendo ter sido interpretada extensivamente e aplicada, em conjugação com os artigos 342.º n.º 2 e 344.º n.º 2 do Código Civil que resultaram igualmente transgredidos, no sentido em que a prova de que não receberam qualquer montante na partilha incumbe aos próprios sócios, ora pela inversão do ónus da prova em virtude da impossibilidade probatória, ora, caso assim não se entenda, por se considerar que tal ónus incidirá sobre os sócios ab initio, não podendo valer-se da declaração de inexistência de ativo e passivo, e atendendo a que os credores não podem ter efetivo conhecimento da situação económica e financeira real da sociedade, devendo os sócios ser responsabilizados quando não consigam provar a inexistência de recebimento de valores na partilha, e ainda mais quando dificultam, tal como no caso sub judice, a prova pelos credores.
XXVII- Alfim, deverá a decisão recorrida ser substituída por uma outra que determine a total improcedência dos embargos aduzidos e considere como provado que os Embargantes/Apelados receberam valores na partilha, condenando-os até às forças do seu património ou,
XXVIII- se assim não se entender, o que apenas por mera hipótese se coloca, substituí-la por uma outra que determine a inversão do ónus da prova,
XXIX- ou ainda, caso divirja o entendimento, por uma outra que determine que o ónus da prova da falta de recebimento de valores na partilha recai sobre os sócios, prova o que os mesmos não lograram fazer, com as necessárias consequências legais.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que V.ª Ex.ª mui doutamente cuidarão de suprir, deve a presente Apelação ser julgada totalmente procedente, revogando-se a sentença a quo e, consequentemente:
- Ser substituída por uma outra que determine a total improcedência dos embargos aduzidos, considerando-se, como facto provado, atendendo à reapreciação da prova gravada, o recebimento de valores na partilha;
Ou ainda, caso assim não se entenda,
- Ser substituída por outra que determine a total improcedência dos embargos deduzidos, atendendo à inversão do ónus da prova requerida e à impossibilidade de produção da prova em virtude de culpa dos sócios Embargantes;
Ou ainda, caso divirja o entendimento,
- Ser substituída por outra que determine a total improcedência dos embargos deduzidos, atendendo à necessidade de aplicação e interpretação extensiva dos artigos 163.º do CSC e 342.º e 344.º do CC, devendo considerar-se que o ónus da prova do não recebimento de valores na partilha recai sobre os sócios, e, por consequência, considerando-se como não provado que os Embargantes/Apelados não receberam valores na partilha, condenando-os até às forças do respetivo património;
Assim se fazendo inteira e sã justiça».
Os embargantes contra-alegaram, defendendo, por um lado, que o recurso é extemporâneo, porque a embargada não pode aproveitar da extensão de prazo de 10 dias para efeitos de reapreciação da prova gravada, já que não foi dado cumprimento ao disposto nos arts. 639.º e 640.º do Código de Processo Civil. Caso assim não se entenda, defendem que deverá ser rejeitado o recurso, na parte que incide sobre a decisão de facto. Invocam, ainda, que transitou em julgado o despacho que apreciou a inversão do ónus da prova, razão pela qual a apelação deve improceder, nessa parte. Finalmente, pugnam pela improcedência das restantes conclusões de recurso.
Distribuído o processo à 6.ª Secção deste Tribunal da Relação, foi, em 31/10/2024, proferida decisão sumária, nos termos do art. 656.º do Código de Processo Civil, julgando improcedente o recurso e mantendo a decisão recorrida.
Veio a recorrente, em 18/11/2024, reclamar daquela decisão para a conferência.
Os recorridos não responderam à reclamação.
Considerando que a Ex.ma relatora que proferiu a decisão sumária foi, entretanto, desligada do serviço, por jubilação, foram os autos sujeitos a 2.ª distribuição.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

QUESTÕES A DECIDIR
Conforme resulta dos arts. 635.º n.º4 e 639.º n.º1 do Código de Processo Civil, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões, as quais desempenham um papel análogo ao da causa de pedir e do pedido na petição inicial. Ou seja, este Tribunal apenas poderá conhecer da pretensão e das questões formuladas pela recorrente nas conclusões, sem prejuízo da livre qualificação jurídica dos factos ou da apreciação das questões de conhecimento oficioso (garantido que seja o contraditório e desde que o processo contenha os elementos a tanto necessários – arts. 3.º n.º3 e 5.º n.º3 do Código de Processo Civil). Note-se que «as questões que integram o objecto do recurso e que devem ser objecto de apreciação por parte do tribunal ad quem não se confundem com meras considerações, argumentos, motivos ou juízos de valor. Ao tribunal ad quem cumpre apreciar as questões suscitadas, sob pena de omissão de pronúncia, mas não tem o dever de responder, ponto por ponto a cada argumento que seja apresentado para sua sustentação. Argumentos não são questões e é a estes que essencialmente se deve dirigir a actividade judicativa». Por outro lado, não pode o tribunal de recurso conhecer de questões novas que sejam suscitadas apenas nas alegações / conclusões do recurso – estas apenas podem incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, salvo os já referidos casos de questões de conhecimento oficioso, uma vez que os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação [cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 2022 – 7.ª ed., págs. 134 a 142; Ac. STJ de 7/7/2016, proc. 156/12, disponível em http://www.dgsi.pt].
Nessa conformidade, são as seguintes as questões que cumpre apreciar:
- a impugnação da decisão de facto;
- se a execução deve, ou não, ser extinta.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A decisão sob recurso considerou provados os seguintes factos:
«A. A acção executiva de que os presentes autos constituem apenso tem por base requerimento de injunção n.º 286841/10.7YIPRT entregue no BNI em 05/09/2010, ao qual foi conferida força executiva em 20/10/2010, quanto ao montante de € 20.100,03, e na qual era requerida a sociedade “D…, Lda.”.
B. Como causa de pedir no referido requerimento de injunção consta a indicação de “contrato de fornecimento de bens ou serviços” e, nomeadamente:
«FACTURA Nº.990 no valor de 1.235,04 € + juros entre 29-07-2009 e 30-08-2010, na quantia de 107,20 € ((155 dias a 8%) + (232 dias a 8%));
FACTURA Nº.1046 no valor de 1.022,83 € + juros entre 05-08-2009 e 30-08-2010, na quantia de 87,21 € ((148 dias a 8%) + (232 dias a 8%));
FACTURA Nº.1222 no valor de 475,78 € + juros entre 30-08-2009 e 30-08-2010, na quantia de 37,96 € ((123 dias a 8%) + (232 dias a 8%));
FACTURA Nº.1414 no valor de 1.444,90 € + juros entre 07-10-2009 e 30-08-2010, na quantia de 103,24 € ((116 dias a 8%) + (232 dias a 8%));
FACTURA Nº.1544 no valor de 1.185,26 € + juros entre 30-10-2009 e 30-08-2010, na quantia de 78,72 € ((62 dias a 8%) + (232 dias a 8%));
FACTURA Nº.1610 no valor de 841,06 € + juros entre 11-11-2009 e 30-08-2010, na quantia de 53,65 € ((51 dias a 8%) + (232 dias a 8%));
FACTURA Nº.1669 no valor de 964,99 € + juros entre 18-11-2009 e 30-08-2010, na quantia de 58,95 € ((44 dias a 8%) + (232 dias a 8%));
FACTURA Nº.1710 no valor de 812,45 € + juros entre 25-11-2009 e 30-08-2010, na quantia de 49,33 € ((37 dias a 8%) + (232 dias a 8%));
FACTURA Nº.1776 no valor de 1.018,75 € + juros entre 29-11-2009 e 30-08-2010, na quantia de 60,96 € ((33 dias a 8%) + (232 dias a 8%));
FACTURA Nº.1808 no valor de 1.457,86 € + juros entre 09-12-2009 e 30-08-2010, na quantia de 84,04 € ((22 dias a 8%) +226 dias a 8%);
FACTURA Nº.1966 no valor de 1.067,95 € + juros entre 30-12-2009 e 30-08-2010, na quantia de 56,64 € ((1 dia a 8%) +219 dias a 8%);
FACTURA Nº.2039 no valor de 1.159,63 € + juros entre 13-01-2010 e 30-08-2010, na quantia de 58,20 € (219 dias a 8%);
FACTURA Nº.2081 no valor de 474,24 € + juros entre 20-01-2010 e 30-08-2010, na quantia de 23,08 € (212 dias a 8%);
FACTURA Nº.2167 no valor de 1.102,85 € + juros entre 30-01-2010 e 30-08-2010, na quantia de 51,24 € (202 dias a 8%);
FACTURA Nº.23 no valor de 504,29 € + juros entre 09-02-2010 e 30-08-2010, na quantia de 22,33 € (193 dias a 8%).
FACTURA Nº.55 no valor de 485,76 € + juros entre 17-02-2010 e 30-08-2010, na quantia de 20,65 € (185 dias a 8%);
FACTURA Nº.153 no valor de 482,69 € + juros entre 02-03-2010 e 30-08-2010, na quantia de 19,15 € (172 dias a 8%).
FACTURA Nº.410 no valor de 1.123,82 € + juros entre 07-04-2010 e 30-08-2010, na quantia de 35,72 € (139 dias a 8%);
FACTURA Nº.452 no valor de 1.122,82 € + juros entre 14-04-2010 e 30-08-2010, na quantia de 33,96 € (132 dias a 8%)»
C. O BNI procedeu à notificação da sociedade requerida, por via postal registada com AR, para a morada indicada no requerimento de injunção, sita no …, Loures (notificação datada de 21/09/2010).
D. A citação-notificação via postal registada com AR foi recepcionada, tendo o respetivo AR sido assinado por pessoa que se comprometeu a entregar a carta ao seu destinatário (AR assinado por C… em 22/09/2010).
E. A sociedade “D…, Lda.” encontra-se dissolvida e com a matrícula cancelada (acto registado na Conservatória do Registo Comercial em 2016/03/15).
F. Os aqui embargantes são ex-sócios da sociedade “D…, Lda.”.
G. Consta da última informação empresarial simplificada, referente ao ano de 2011, que a sociedade era detentora de ativo corrente: conta cliente em 20.208,93€; estado e outros entes públicos 2.461,28€; outros ativos correntes 38.606,53.
H. Consta da mesma informação, referida em G, que o passivo de fornecedores era de € 81.476,85».
O tribunal recorrido considerou não provados os seguintes factos:
«1. Os executados receberam valores na partilha da sociedade».

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Da pretendida alteração da matéria de facto
Nos termos do art. 640.º do Código de Processo Civil:
«1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º».
Como refere António Santos Abrantes Geraldes[1], naquilo que para aqui releva, são os seguintes os ónus do recorrente que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto:
a) Indicar na motivação e, em síntese, nas conclusões, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Especificar, na motivação, os meios de prova que, no seu entender, determinam uma decisão diversa;
c) Indicar, com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d) Deixar expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos.
Em consonância, o recurso [apenas] deverá ser rejeitado se houver[2]:
1. Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto [arts. 635.º n.º4 e 641.º n.º2 b) do Código de Processo Civil];
2. Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados [art. 640.º n.º1 a)];
3. Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados;
4. Falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
5. Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.
No caso dos autos, a recorrente indicou, na motivação e nas conclusões, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e o resultado que pretende com a impugnação - cfr. ponto 46 da motivação e conclusão XVI. Por outro lado, especificou, na motivação, os meios de prova que, no seu entender, determinam uma decisão diversa, fazendo a sua apreciação crítica, indicando as passagens da gravação relevantes e transcrevendo os excertos que considerou oportunos - cfr. pontos 29 a 46 da motivação.
Respeitou, pois, a recorrente os ónus impostos pelo citado art. 640.º do Código de Processo Civil, pelo que há que apreciar a sua pretensão.
Nos termos do art. 662.º n.º1, também do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Como refere António Santos Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 7.ª ed., págs. 333 e ss.), «sem embargo da correcção, mesmo a título oficioso, de determinadas patologias que afectam a decisão da matéria de facto (v.g. contradição) e também sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos previstos no art. 640.º, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência». A modificação deverá, ainda, ocorrer sempre que «o tribunal recorrido tenha desrespeitado a força plena de certo meio de prova» ou «quando for apresentado pelo recorrente documento superveniente que imponha decisão diversa».
Conforme resulta dos arts. 341.º do Código Civil e 607.º n.º5 do Código de Processo Civil, tendo as provas por função «a demonstração da realidade dos factos», «o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», embora a livre apreciação não abranja «os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes».
Assim, desde que para a prova não exista norma legal que exija formalidade especial ou prova documental, e desde que não se trate de matéria provada plenamente, seja por documento, confissão ou acordo das partes, as provas produzidas estão sujeitas ao princípio da livre apreciação pelo tribunal.
Claro que livre apreciação não equivale a arbitrariedade, e é por isso que o n.º4, do mesmo art. 607.º, exige que o juiz analise criticamente a prova e indique todos os elementos que foram decisivos, assim objectivando [e tornando sindicável] a sua convicção.
Nesse sentido, para que um facto se considere provado, tem-se vindo a exigir que a prova produzida preencha o chamado standard da prova (nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa ser aceite como verdadeira) que vigora em processo civil, que é o da probabilidade prevalecente[3]. Ou seja, consideradas as regras do ónus da prova (art. 342.º do Código Civil), é necessário que, a partir das provas produzidas, a versão constante destes pontos da sentença mereça uma confirmação lógica maior do que a versão contrária. Se assim não for, tais factos têm de considerar-se não provados (cfr. art. 414.º do Código de Processo Civil).
Acresce que, como se refere no Ac. RP de 21/6/2021 (proc. 2479/18, disponível em http://www.dgsi.pt), «mantendo-se em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação, quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância».
Particularmente no caso da prova testemunhal e por declarações de parte (e desde que não estejamos perante factos de prova vinculada), é de salientar que, havendo vários depoimentos / declarações contraditórios entre si, as regras da sua apreciação não são matemáticas, ou seja, um facto não é considerado provado ou não provado consoante exista um maior ou menor número de pessoas a afirmá-lo ou a contrariá-lo. Ainda que apenas uma pessoa afirme um facto, enquanto todas as outras o negam, e ainda que várias pessoas afirmem um facto, enquanto apenas uma o nega, esse facto pode ser considerado provado / não provado, conforme a apreciação que seja feita dos depoimentos / declarações, com base na sua credibilidade, coerência, isenção, razão de ciência, distanciamento, conjugação com outros meios de prova (v.g., documental) e conjugação com as regras da experiência. Aliás, ainda que todas as pessoas ouvidas afirmem determinado facto, o mesmo pode ser considerado não provado - basta que os depoimentos / declarações não sejam credíveis (porque, por exemplo, as pessoas têm interesse na decisão da causa e não se mostraram objectivas na sua narração, o seu conhecimento não é directo, os depoimentos / declarações foram contraditórios ou foram de tal forma coincidentes que se afiguram «ensaiados», não é possível que aquelas pessoas, nas circunstâncias concretas, tivessem conhecimento daqueles factos…). E não se pode olvidar que o tribunal de primeira instância se encontra em posição privilegiada para levar a cabo tal tarefa de apreciação, ponderação e discernimento, uma vez que contacta directa e presencialmente (ou, mesmo que à distância, com imagem) com as pessoas ouvidas e, portanto, pode aperceber-se dos aspectos relevantes da linguagem não verbal – expressões faciais, postura, gestos, hesitações. Significa isto que, salvo casos de flagrante erro de avaliação por parte do tribunal de primeira instância (v.g., uma testemunha em que o tribunal se baseou claramente está a efabular, o seu depoimento é contrariado por prova documental ou pericial fiável, os factos que narrou não podiam – de acordo com as regras da experiência ou outras – ter acontecido daquela forma, aquilo que disse não foi o que o tribunal entendeu…), não há que alterar a matéria de facto fixada na sentença. Dito de outra forma, em caso que não seja de prova legal, deve confiar-se na avaliação efectuada em primeira instância, a não ser que a prova produzida implique, necessariamente, decisão diversa.
Note-se, também, que «quando a apreciação da impugnação deduzida contra a decisão de facto da 1.ª instância seja, de todo, irrelevante para a solução jurídica do pleito, ainda que a tal impugnação satisfaça os requisitos formais prescritos no art. 640.º n.º1 do Código de Processo Civil, não se justifica que a Relação tome conhecimento dela, à luz do disposto no art. 608.º n.º2 do Código de Processo Civil» (cfr. Ac. STJ de 23/1/2020, proc. 4172/16, disponível em https://jurisprudencia.csm.org.pt)[4]. Caso contrário, estaríamos a praticar um acto inútil, proibido à luz do art. 130.º, do mesmo diploma.
No caso dos autos, pretende a recorrente que seja alterada a decisão de facto pela seguinte forma:
A) Seja considerado provado o ponto 1 dos factos não provados [«Os executados receberam valores na partilha da sociedade»].
B) Sejam aditadas três alíneas aos factos provados:
«a) Os Embargantes aprovaram as contas que serviram de base à elaboração das IES de 2010 e 2011; b) O valor inserido na rubrica “Outros activos correntes” correspondente a 38.606.53 €, era um ativo existente da sociedade à data da IES de 2011; c) Esse valor foi apurado e confirmado com base nos documentos que foram entregues pelos Embargantes ao TOC da sociedade d…, Lda.».
Relativamente à matéria supra referida em A), a mesma consta dos factos não provados, com a seguinte fundamentação expendida pelo tribunal a quo: «insuficiência de prova». «Focou-se a prova produzida em audiência na análise do documento consubstanciado na “declaração de prestação de contas referente ao ano de 2011”, relevando o testemunho de L…, que foi contabilista da sociedade “D…” e responsável pela elaboração do documento objeto de análise. Explicou a testemunha que a IES de 2012 teve por base a anterior, referindo que já em 2011 a sociedade não apresentou “qualquer movimento”. Descreveu a sociedade como estando “falida”, sendo o resultado líquido negativo, de – 26 mil euros. Os embargantes confirmaram o encerramento da atividade em 2010, sendo a dívida exequenda a única que permaneceu por liquidar. Negaram que a empresa tivesse ficado com qualquer ativo, para além do material de escritório, afirmando o embargante B… que teve de assumir pessoalmente um empréstimo que a sociedade tinha feito para aquisição de um veículo. Não souberam os embargantes explicar a que se referia o item “outros ativos correntes” (vide página 59 do requerimento apresentado na mesma data da contestação), explicando a testemunha L… que se referirá a outros devedores que não fornecedores diretos, sem o conseguir concretizar por não se recordar. A AT prestou nos autos informação a dar conta da não existência no registo informático de pagamentos por conta entre os anos de 2012 e 2017 (ofício de 30/10/2019). O documento no qual a embargada sustenta a existência de ativo por parte da sociedade executada, posteriormente dissolvida, não pode ser lido e interpretado parcelarmente. O ativo de uma sociedade não se afere por si só, havendo sempre que aferir, também, o passivo, sendo do encontro de “contas” que se consegue aferir a situação económica da sociedade. Resulta expresso do documento que o capital próprio da Breviário, ou seja, o valor líquido do património de uma empresa, a diferença entre os ativos e passivos, era de (menos) – 20.136,62. Isto é, o passivo era superior ao ativo».
Já a recorrente pretende que tem de ser considerada provada a matéria em causa, porque do depoimento da testemunha L… «resulta que, tal como confirmado na Informação Empresarial Simplificada da sociedade D…, Lda., aportada aos autos como Doc. 28 da contestação, existiam ativos nas contas da sociedade, designadamente valores a receber, na ordem dos milhares de euros», sendo certo que «não se nos afigura verosímil, nem tal se poderá afigurar à luz das regras da experiência comum, que não existisse património a partilhar, tanto mais que existiam valores a receber, bem como passivo que foi ocultado aquando da dissolução e liquidação da sociedade em apreço». «Assim, e salvo respeito por superior entendimento, não se poderia ter dado como não provado que os Executados/Embargantes receberam valores na partilha, porquanto resulta quer da informação empresarial simplificada carreada aos autos, quer das declarações prestadas pelo TOC L…, a existência de ativo a partilhar, que não pode, pura e simplesmente, ter-se dissipado».
Por seu turno, na decisão sumária proferida nos autos entendeu a anterior Ex.ma relatora que «face à prova produzida foram considerados provados activos da empresa e dívidas a fornecedores nos pontos G e H da matéria provada ( G- Consta da última informação empresarial simplificada, referente ao ano de 2011, que a sociedade era detentora de ativo corrente: conta cliente em 20.208,93€; estado e outros entes públicos 2.461,28€; outros ativos correntes 38.606,53; H- Consta da mesma informação, referida em G, que o passivo de fornecedores era de € 81.476,85) mas tal não permite concluir que tenha havido património da sociedade partilhado entre os sócios, uma vez que o passivo referido nesses pontos da matéria provada é superior ao activo. Assim, não pode ser considerado provado o ponto da matéria considerada não provada».
Não vemos como divergir do entendimento constante da decisão da 1.ª instância e da decisão sumária de 31/10/2024.
Com efeito, tendo os embargantes sido ouvidos em depoimento de parte à  matéria do art. 84.º da contestação, nada foi confessado a esse propósito. Por outro lado, a testemunha L…, que disse ter sido contabilista da sociedade D…, L.da, desde o início da actividade desta até à entrega da IES de 2011,  limitou-se a dizer que, quanto ao activo constante do documento n.º28 da contestação, se lançou esse valor, é porque os sócios lhe entregaram documentos de suporte. Referiu, ainda, que a sociedade enfrentou dificuldades financeiras e que, em 2011, não teve qualquer movimento. Disse que, a partir dessa altura, ignora o que aconteceu, designadamente, se a sociedade, em momento ulterior, fez e/ou recebeu pagamentos.
Ora, daquele documento n.º28, intitulado «prestação de contas individual» da sociedade D… e datado de 27/6/2012, consta que a sociedade tinha um activo total de € 61.340,23, mas tinha um passivo total de € 81.476,85. Assim, sendo o passivo superior ao activo, a situação líquida era negativa (como disse a testemunha L…, a empresa «estava tecnicamente falida»), pelo que não se pode, de forma nenhuma, inferir que os sócios tenham recebido quaisquer valores na partilha aquando da liquidação e extinção da sociedade. Aliás, o facto de existirem activos em 2011 ou 2012 não permite sequer inferir que esses activos continuassem a existir em 2016 (data da dissolução da sociedade) e, muito menos, que tenham sido partilhados entre os sócios.
Deve, pois, a matéria em causa permanecer nos factos não provados.
Relativamente aos factos supra mencionados em B):
- os factos constantes das alíneas a) e c) [«Os Embargantes aprovaram as contas que serviram de base à elaboração das IES de 2010 e 2011»; «Esse valor - 38.606.53 € - foi apurado e confirmado com base nos documentos que foram entregues pelos Embargantes ao TOC da sociedade breviário, Lda.»] não foram alegados e não podem ser dados como provados exclusivamente a partir do depoimento da testemunha L…, já que carecem de documentação de suporte não indicada pela recorrente, pelo que não pode considerar-se que resultem da instrução da causa (cfr. art. 5.º n.º2 a) do Código de Processo Civil), não podendo ser aditados à matéria provada;
- o facto referido na alínea b) [«O valor inserido na rubrica “Outros activos correntes” correspondente a 38.606.53 €, era um ativo existente da sociedade à data da IES de 2011»] já consta do facto provado G, pelo que não há que fazer qualquer aditamento.
Improcede, assim, in totum, a impugnação da decisão de facto.
Do  mérito da decisão recorrida, na parte em que julgou extinta a execução, por inutilidade superveniente da lide
A presente oposição tem por fim obstar à prossecução da acção executiva intentada pela exequente, que ali apresentou um requerimento de injunção, com fórmula executória aposta em 20/10/2010. Trata-se, assim, de um título extrajudicial, ao qual é conferida exequibilidade por virtude dos arts. 703.º n.º1 d) do C.P.C. e 7.º, 14.º e 21.º do DL 268/98 de 1-9.
Segundo o disposto no art. 857.º do Código de Processo Civil, podem ser invocados, em sede de oposição, quaisquer fundamentos não precludidos nos termos do art. 14.º-A do DL 269/98 na sua redacção actual. Não tendo a requerida naquele procedimento sido notificada para os termos do procedimento de injunção com as formalidades desse art. 14.º-A – que, na altura, não se encontrava ainda vigente –, não há preclusão de qualquer meio de defesa.
Entre os fundamentos de oposição admissíveis, conforme resulta do art. 729.º c), do mesmo diploma, conta-se a falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sendo certo que os executados vieram invocar a sua ilegitimidade.
Ora, no requerimento executivo, alega a exequente ser credora dos ora embargantes/recorridos, em montante correspondente ao capital e juros mencionados do requerimento de injunção, emergindo o crédito de determinado contrato de fornecimento de bens ou mercadorias que celebrou com a sociedade Breviário, L.da.
Nos termos do art. 53.º n.º1 do Código de Processo Civil, a execução tem de ser promovida contra a pessoa que no título executivo figure como devedor (que, in casu, é a sociedade D…, L.da).
Porém, de acordo com o art. 54.º n.º1, do mesmo diploma, tendo havido sucessão na obrigação, a execução deve correr com o sucessor da pessoa que figure no título como devedor, devendo o exequente, no próprio requerimento executivo, deduzir os factos constitutivos da sucessão.
No caso dos autos, a exequente afirma que os executados sucederam na obrigação, porque, tendo a sociedade D…, L.da, sido liquidada e extinta, aqueles receberam valores na partilha. Portanto, invocou os factos constitutivos da sucessão, assim garantindo a legitimidade formal na execução, de acordo com aquele art. 54.º n.º1.
No entanto, os embargantes vieram alegar que nada receberam em partilha, razão pela qual não terá existido a transmissão da obrigação invocada pela embargada - o que constitui fundamento de oposição, nos termos do citado art. 857.º n.º1.
A este respeito rege o art. 163.º n.º1 do Código das Sociedades Comerciais, que reza o seguinte:
«1 - Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada».
Ora, como se refere no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 25/10/2018[5], «o art.º 163.º n.º 1 é claro: o direito do credor sobre o sócio depende do facto deste ter partilhado. Assim, a existência de partilha é um facto constitutivo desse direito[6], não um facto que, provado, seja modificativo, impeditivo ou extintivo do direito em questão. Logo, estamos perante um facto constitutivo do direito e que, portanto, deve ser alegado e provado pelo autor [in casu, exequente] – cf. art.º 342.º do C. Civil n.ºs 1 e 2 (…) No Ac. de 26.06.08 deste STJ (Conselheiro Santos Bernardino e subscrito por dois dos juízes que subscrevem a presente decisão), (…) consignou-se em sumário: “Em acção pendente contra a sociedade, uma vez operada, em consequência da sua extinção devidamente registada, a substituição pelos dois sócios, impende sobre a autora – para lograr a responsabilidade destes, nos termos descritos nos nºs 4 e 5 – o ónus de alegar e provar que a sociedade tinha bens e que esses bens foram partilhados entre os sócios, em detrimento da satisfação do seu crédito. (…) Considera-se não existirem razões para nos desviarmos desta orientação da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça. Com efeito, e diversamente do alegado pela Recorrente, entende-se que a existência de partilha de bens entre os sócios da sociedade extinta constitui um facto constitutivo nos termos e para os efeitos do regime do art. 163.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais. Se dúvidas subsistirem quanto à natureza desse facto, sempre, segundo o art. 342.º, n.º 3, do Código Civil, sempre será de qualificar como facto constitutivo. Quanto à argumentação da Recorrente no sentido de que “Os sócios é que estão na posição ideal de alegar e provar se receberam ou se não receberam bens na partilha, uma vez que, fazer impender sobre os credores o ónus da prova de que a sociedade extinta tinha bens e que esses bens foram partilhados entre os sócios, em detrimento da satisfação do seu crédito, implica uma prova que impõe o conhecimento da situação económica da sociedade que os credores dificilmente terão acesso”, esclareça-se que – salvo em casos especialmente previstos – o direito português regula a repartição do ónus da prova de forma fixa ou estática, independentemente da situação concreta das partes na acção, do carácter positivo ou negativo do facto a provar e da maior ou menor dificuldade da prova para a parte onerada. Na verdade, não se admite entre nós a ideia de uma distribuição dinâmica do ónus da prova a que a Recorrente faz apelo. Conclui-se, assim, que compete à credora, a aqui exequente/embargada, o ónus da prova de que os sócios receberam bens na partilha da sociedade executada para efeitos de prosseguimento da acção contra os sócios».
Concordamos inteiramente com este entendimento que, aliás, é também o adoptado na decisão sumária proferida, a qual trata detalhadamente a questão em termos que também subscrevemos e, assim, aqui reproduzimos:
«Os artigos 162.º, n.ºs 1 e 2, e 163.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais dispõem que as acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, sem necessidade de suspensão da respetiva instância nem de habilitação, sendo que encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada.
Deste modo as acções ou execuções em que seja parte uma sociedade comercial entretanto extinta na pendência da acção ou execução prosseguem os seus termos normais, sendo tal sociedade extinta então substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, sem que haja lugar à suspensão da instância e habilitação da generalidade dos sócios, os quais respondem se e na medida do que tenham recebido da sociedade extinta, quando esta seja de responsabilidade limitada.
Raúl Ventura, em Dissolução e Liquidação de Sociedades, edição de 1993, página 467, diz que a extinção da sociedade não produz a extinção nas acções em que a sociedade seja parte (…). “A sociedade considera-se substituída pela generalidade dos sócios. Tal regra corresponde aos casos normais, como de acções de cobrança de dívidas da sociedade, mas não se adapta a toda e qualquer espécie de acção que esteja pendente contra a sociedade. Pode, com efeito, suceder que, em partilha, o bem social a que a acção respeita, tenha cabido a determinado sócio e, portanto, a ação deve continuar só contra este, nos termos gerais”.
António Menezes Cordeiro e João Espírito Santo, em Código das Sociedades Comerciais Anotado, edição de 2020, página 665, que dizem que os dois números do artigo 162.º, o CSC afasta-se da solução processual civil-comum, substituindo na titularidade da posição processual ocupada pela extinta sociedade, e ex lege, o conjunto dos sócios (…); essa substituição processual dá-se sem que se suspenda a instância ou haja necessidade de promover incidente processual de habilitação (…). A regra da continuação das acções pendentes com sócios, como autores ou réus, tem a maior importância prática: impede delongas seja no tocante à liquidação, seja quanto às próprias acções em causa; a regra é expressamente ressalvada pelo 269.º/1, a) do CPC.
Também o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 01.10.2019, processo n.º 4022/06.0TCLRS.L2.S1, in www.dgsi.pt/jstj, refere que «com a extinção da sociedade comercial deixa de existir a pessoa colectiva, perdendo esta a sua personalidade jurídica e judiciária, sem que daí resulte que as relações jurídicas de que a sociedade era titular se extinguem - artigos 162º, 163º e 164º CSC», sendo que «as acções pendentes em que a sociedade seja parte, continuam (após a sua extinção), considerando-se a sociedade substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários (sem que haja suspensão da instância, por não ser necessária a habilitação): são eles que passam a ser parte na acção, representados pelos liquidatários. E estes passam a ser considerados como representantes legais da generalidade dos sócios; a instância mantém-se no demais, nomeadamente quanto ao pedido e causa de pedir (…)». Considerando o disposto no art. 163, nº1, do CSC “encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada”», o que significa que «(…) a responsabilidades dos antigos sócios está delimitada – nas sociedades de responsabilidade limitada, como a sociedade por quotas dos autos – até ao montante do que receberam na partilha».
Em função daquela delimitação, a substituição da sociedade extinta pela «generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários», com o prosseguimento da execução nesses termos, depende, contudo, que o Exequente alegue e prove que a sociedade executada extinta tinha bens ou direitos que foram partilhados pelos sócios.
Esta matéria assume natureza constitutiva do direito do Exequente ao prosseguimento da instância executiva, pelo que a ele compete alegar e provar a respetiva factualidade integradora, atento o disposto no artigo 342.º, n.º 1, do CCivil.
A Recorrente assenta o seu recurso em posição de alguma doutrina e jurisprudência que entendem que compete aos sócios da sociedade extinta aqueles ónus de alegação e prova, de que não receberam bens na liquidação, partindo da consideração que está em causa factualidade impeditiva do prosseguimento da instância executiva e por isso matéria factual cuja alegação e prova cabe ao Executado, em conformidade com o preceituado no artigo 342.º, n.º 2, do CCivil .
O entendimento preconizado no presente acórdão quanto ao ónus da prova segue posição que se tem por constante no nosso Supremo Tribunal de Justiça ( Cfr. acórdãos de 23.04.2008, processo n.º 07S4745, este com voto de vencido, 26.06.2008, processo n.º 08B1184, 07.02.2013, processo n.º 9787/03.8TVLSB.L1.S1, 12.03.2013, processo n.º 7414/09.9TBVNG.P2.S1, 25.10.2018, processo n.º 3275/15.7T8MAI-A.P1.S2, 01.10.2019, processo n.º 4022/06.0TCLRS.L2.S1, e de 09.12.2021, processo n.º 4301/14.2T8LOU.P1.S1, (com uma declaração de voto,) in www.dgsi.pt/jstj.
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09.12.2021, processo n.º 4301/14.2T8LOU.P1.S1 diz que a regra da sucessão dos sócios à sociedade na acção executiva acontece porque os sócios assumem, em conjunto, as obrigações da sociedade porque e na medida em que eles partilharam entre si os haveres sociais / o activo restante que, por esse facto, foi subtraído ao desígnio da satisfação do direito do credor.
O referido acórdão refere também que «Se assim é, pode dizer-se que a realização de uma partilha dos bens sociais, em que os sócios efectivamente partilharam bens sociais, é uma condição – uma condição material e jurídica – da responsabilização perante os credores da sociedade» e que «Ora, sendo o credor exequente quem tem interesse na responsabilização dos sócios, é ele quem tem de alegar e provar esta condição (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do CC) – quem tem de alegar e provar que a sociedade tinha bens e que eles foram objecto de partilha», e ainda que qualquer “outra solução poria em causa a certeza e a segurança da execução e, consequentemente, a sua eficácia como mecanismo de tutela jurisdicional distinto da acção declarativa, vocacionado, não para uma declaração de direitos, mas para a directa realização dos mesmos direitos”.
Conforme resulta da matéria provada os Recorridos são ex-sócios da sociedade “D…, Lda” que se encontra dissolvida e com matrícula cancelada ( acto registado na Conservatória do Registo Comercial em 15.03.2016)
(…)
O ónus de alegação e prova de que os sócios em causa receberam em partilha bens ou valores que justificassem a sua execução até ao correspondente limite, in casu competia à Exequente/recorrente[7]».
Portanto, não tendo a exequente logrado provar os factos que alegou (que os executados receberam bens da sociedade na partilha), cujo ónus lhe incumbia, não pode considerar-se que tenha existido sucessão na obrigação e, portanto, que os executados respondam perante a exequente (credora da sociedade). Nessa medida, deve proceder a oposição, por os executados carecerem de legitimidade substantiva (e já não por ocorrer inutilidade superveniente da lide, porquanto a extinção da sociedade não ocorreu na pendência da execução, mas sim antes de a mesma ser intentada). Em consequência, deve extinguir-se a execução - cfr. art. 732.º n.º4 do Código de Processo Civil.
Claro que a recorrente vem referir que, dado que entende que os executados impossibilitaram a prova dos factos (designadamente, ao não juntarem os documentos que haviam sido pedidos), deverá considerar-se invertido o ónus da prova, nos termos do art. 344.º n.º2 do Código Civil [de acordo com o qual há «inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações»].
E é certo que, como refere Joana Alexandra Carvalho Maia[8], «ao verificar-se que a sociedade não tem ao dispor "os livros, documentos, e demais elementos da escrituração da sociedade", no caso de o ónus da prova estar do lado dos credores (posição dos factos constitutivos), defendemos a inversão do ónus da prova em virtude dos sócios terem tornado, culposamente, impossível a prova aos credores sociais (344.º n.º 2 do CSC) - pela violação da obrigação decorrente do artigo 157.º n.º 4 do CSC. Assim sendo, os sócios deverão fazer prova de que não partilharam activo da sociedade que pudesse ter respondido pelo passivo respetivo».
Porém, a embargada havia já requerido, em 1.ª instância, a inversão do ónus da prova, sendo que, por despacho de 30/5/2022, tal inversão foi indeferida.
Desse despacho não foi interposto recurso (que teria de ter sido apresentado nos termos do art. 644.º n.º3 do Código de Processo Civil), pelo que o mesmo transitou em julgado e, assim, a questão não pode ser novamente apreciada - cfr. art. 620.º n.º1, também do Código de Processo Civil. Deste modo, mantém-se o ónus da prova da exequente tal como o enunciámos.
Concluindo, embora com fundamento jurídico parcialmente diverso, nos termos assinalados supra, deve manter-se a decisão sumária proferida, que confirmou a sentença que julgou extinta a execução.

DECISÃO
Pelo exposto, com fundamento na ilegitimidade substantiva dos executados (ao invés de inutilidade superveniente da lide), acorda-se em manter a decisão sumária que julgou improcedente a apelação e confirmou a decisão proferida em 1.ª instância que, na procedência dos embargos, determinou a extinção da execução.
Custas pela recorrente – arts. 527.º do Código de Processo Civil e 6.º n.º2, com referência à Tabela I-B, do Regulamento das Custas Processuais.

LISBOA,19/12/2024
Alexandra de Castro Rocha
Luís Filipe Pires de Sousa
Ana Mónica Mendonça Pavão
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[1] Recursos em Processo Civil, Almedina, 7ª edição actualizada, págs. 197 -198; a este propósito pode ver-se ainda, com interesse, o Ac. STJ de 19/2/2015, proc. 299/05, disponível em http://www.dgsi.pt.
[2] Ob. cit., págs. 200-201.
[3] A este respeito pode ver-se, com grande desenvolvimento, o Ac. RL de 17/10/2017, proc. 585/13, disponível em http://www.dgsi.pt, onde se refere, além do mais, que a verdade apurada no processo não é absoluta, antes se baseando em «duas regras fundamentais:
(i)-Entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais;
(ii)-Deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa”.
“Este critério da probabilidade lógica prevalecente (…) não se reporta à probabilidade como frequência estatística mas sim como grau de confirmação lógica que um enunciado obtém a partir das provas disponíveis. (…) O que o standard preconiza é que, quando sobre um facto existam provas contraditórias, o julgador deve sopesar as probabilidades das diferentes versões para eleger o enunciado que pareça ser relativamente “mais provável”, tendo em conta os meios de prova disponíveis. Dito de outra forma, deve escolher-se a hipótese que receba apoio relativamente maior dos elementos de prova conjuntamente disponíveis. Todavia, pode acontecer que todas as versões dos factos tenham um nível baixo de apoio probatório e, nesse contexto, escolher a relativamente mais provável pode não ser suficiente para considerar essa versão como “verdadeira”. Pelo que para que um enunciado sobre os factos possa ser escolhido como a versão relativamente melhor é necessário que, além de ser mais provável que as demais versões, tal enunciado em si mesmo seja mais provável que a sua negação. Ou seja, é necessário que a versão positiva de um facto seja em si mesma mais provável que a versão negativa simétrica».
[4] A este respeito pode ver-se, ainda, o Ac. RC de 27/5/2014 (proc. 1024/12, disponível em http://www.dgsi.pt): «Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o (s) facto (s) concreto (s) objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente».
[5] Proc. n.º 3275/15, disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/663d870dcf69aae880258331005110d2?OpenDocument
[6] Sublinhado nosso.
[7] Ainda no mesmo sentido, podem ver-se os Ac. RC de 5/5/2015, proc. 119/14, RE de 25/2/2021, proc. 5125/15, RC de 27/6/2023, proc. 2529/20, RC de 22/3/2011, proc. 1447/08, RP de 5/2/2018, proc. 3275/15, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[8] A dissolução e liquidação societária: a (des)protecção dos credores sociais, FDUP, Setembro de 2017, pág. 47, estudo disponível em https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/109728/2/237467.pdf