Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
18891/23.5T8LSB.L1-6
Relator: JOÃO MANUEL P. CORDEIRO BRASÃO
Descritores: ARRESTO
CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO
FALTA DE REGISTO
RECONHECIMENTO NOTARIAL
RECONHECIMENTO DE ASSINATURAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: - O contrato de trabalho do praticante desportivo é um contrato formal, na medida em que só válido se for celebrado por escrito e assinado por ambas as partes, nos termos do n.º 2 do artigo 6º da Lei n.º 54/2017;
- Deverá entender-se que a falta de registo do contrato de trabalho desportivo na respetiva federação não acarreta a sua invalidade, uma vez que este registo não é requisito de validade ou eficácia do mesmo, o qual é apenas condição para que o praticante desportivo possa participar em provas oficiais promovidas pelas respetivas federações;
- Também no que se refere ao reconhecimento notarial das assinaturas dos contraentes inexiste preceito legal ou convencional que condicione a validade ou eficácia de tais contratos ao respetivo reconhecimento;
- No domínio do arresto especial previsto no art.º 396º nº 2 do CC, em caso de transmissão dos bens a arrestar a terceiro, não está o requerente dispensado de demandar o terceiro adquirente, bem como, de alegar e demonstrar que a transmissão visou ocultar ou dissimular os bens com vista à não satisfação do crédito invocado pelo requerente do arresto.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório

E, L.DA instaurou a presente providência cautelar de arresto contra S, SGPS, S.A..

Peticionou a requerente que se decrete o arresto:

- das 7.000 (sete mil) acções, nominativas, tituladas, de categoria B, com o valor nominal de €5,00 (cinco euros) cada uma, numeradas de 2998 a 9997, integralmente realizadas, representativas de 70,00% (setenta por cento) do capital social e dos direitos de voto da sociedade anónima desportiva de direito português denominada S – Futebol, SAD, propriedade da Requerida, levando-se a cabo a apreensão das mesmas e, se possível, o averbamento do ónus resultante do arresto (arts. 774.º n.º 1 e 391.º n.º 2 ambos do CPC), sendo os mesmos depositados em instituição de crédito (arts. 774.º n.º 3 e 391.º n.º 2 ambos do CPC).

Alegou, para tanto, que a Requerida não liquidou a totalidade do preço devido pela compra de acções e transmissão de créditos de suprimentos a que se refere o contrato celebrado entre as partes em 11.09.2020, apesar de para tal ter sido interpelada e da Requerente ter cumprido com a sua parte de tal acordo.

Decorreu sessão de produção de prova, no decurso da qual a Requerente prescindiu da prova testemunhal e por declarações de parte, dada a suficiência da prova documental já oferecida aos autos.

Foi proferida decisão com o seguinte teor:

Pelo exposto, julgo procedente a presente providência cautelar e, em consequência, nos termos e para os efeitos dos artigos 391º, n.º 2, 393º, n.º 1 e 396º, n.º3 do C.P.C., decreto o arresto das 7.000 (sete mil) acções, nominativas, tituladas, de categoria B, com o valor nominal de €5,00 (cinco euros) cada uma, numeradas de 2998 a 9997, integralmente realizadas, representativas de 70,00% (setenta por cento) do capital social e dos direitos de voto da sociedade anónima desportiva de direito português denominada S – Futebol, SAD, propriedade da Requerida.

Concretizado o arresto e cumprido o contraditório, veio a Requerida apresentar oposição na qual alegou, em síntese:

-que as acções arrestadas já não estão na sua esfera jurídica, pertencendo a terceiros, pelo que não tem aplicação o regime especial constante do artigo 396º, n.º 3 do C.P.C., o qual não pode ser sujeito a uma interpretação extensiva, como aquela que terá sido feita na decisão que decretou o arresto;
-que não existe qualquer crédito favorável à Requerente, considerando o incumprimento do contrato em que esta incorreu, ao não providenciar pela regular revogação dos contratos de trabalho existentes relativamente a cinco jogadores chineses (não sendo, assim, devida a parcela de €100.000 prevista no contrato);
-que reteve um outro valor remanescente, dado ter sido notificada pela sua revisora oficial de contas da existência de uma contingência, relacionada com tais jogadores, que, a concretizar-se, importaria para si em determinado prejuízo, o que, assim, contribui para a inexistência de qualquer crédito na esfera da Requerente.
Termina pedindo o levantamento do arresto; em alternativa, na medida da procedência parcial do arresto, a redução da medida da apreensão de bens anteriormente decretada.

Em 07/09/2023, foi proferida sentença na qual se decidiu:

Pelo exposto, julgo a oposição procedente e, em consequência, nos termos e para os efeitos do artigo 406º, n.º 2 do C.P.C., determino o levantamento do arresto decretado nos autos. Pelo exposto, julgo a oposição procedente e, em consequência, nos termos e para os efeitos do artigo 406º, n.º 2 do C.P.C., determino o levantamento do arresto decretado nos autos.

*

Inconformada, E, L.DA interpôs  recurso de apelação para esta Relação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

I. Vem o presente recurso interposto da Sentença que julgou procedente a oposição e, em consequência, ordenou o levantamento do arresto sobre 7.000 (sete mil) acções, nominativas, tituladas, de categoria B, com o valor nominal de €5,00 (cinco euros) cada uma, numeradas de 2998 a 9997, integralmente realizadas, representativas de 70,00% (setenta por cento) do capital social e dos direitos de voto da SAD;
II. O Tribunal a quo entendeu que existem elementos suficientes no processo para considerar legítima a recusa por parte da Requerida de pagar o restante preço estipulado no montante de €150.000,00 ao abrigo da excepção de não cumprimento e de direito de retenção;
III. Tal decisão resulta de erros na fixação da matéria dada como provada; de erro na análise do contrato; de erro relativo às normas relativas aos contratos desportivos; e de erradas interpretações das normas jurídicas relativas ao direito de retenção, à excepção de não cumprimento do contrato e ainda às normas relativas ao cumprimento e não cumprimento das obrigações; MOTIVAÇÕES DE RECURSO
IV. A Requerente visa obter o arresto das Acções que vendeu à Requerida, em 11 de Setembro de 2020, pelo preço total de €276.382,50 (duzentos e setenta e seis mil, trezentos e oitenta e dois euros e cinquenta cêntimos) em virtude de a Requerida apenas lhe ter pago até à data o montante de €126.382,50 (cento e vinte e seis mil, trezentos e oitenta e dois euros e cinquenta cêntimos);
V. O pagamento do preço ficou dividido em três componentes a serem pagos em momentos distintos;
VI. No acto da celebração o montante de €126.382,50, único montante que foi efectivamente pago até ao momento.;
VII. O montante de €100.000,00 (cem mil euros) seria pago no dia seguinte à comprovação, por parte da Requerente, de ter feito cessar 5 contratos de trabalho desportivos que existiam com atletas de nacionalidade chinesa;
VIII. Montante este que cujo pagamento ficou sujeito àquela condição para garantir à Requerida o pagamento de quaisquer custos que pudessem surgir relacionados com a existência de tais contratos;
IX. A última componente do preço, no montante de €50.000,00 deveria em 01 de Julho de 34
X. O facto de a Requerida não ter pago a quantia de €150.000,00 é aceite por ambas as partes;
XI. Existem elementos no processo relativos ao facto de que que a Requerida terá celebrado, por valor não concretizado, um contrato de transmissão das Acções para a sociedade O, Lda. em 24 de Abril de 2023, sendo evidentes as ligações entre as duas sociedades;
XII. E que, menos de menos de 4 meses depois, esta O, Lda. ter celebrado um contrato de venda das Acções com a sociedade N, Lda., pelo montante total de €250.000,00;
XIII. O Tribunal a quo entendeu que a Requerida invocou e demonstrou em sede de oposição que existem motivos suficientemente ponderosos relativos à falta de pagamento que justificam não se poder manter o arresto decretado; Reclamação da fundamentação de facto Facto 3. dado como indiciariamente provado do Despacho Final
XIV. Sob este facto o Tribunal a quo entendeu encontra-se indiciariamente provado que: “Para concretização da rescisão dos contratos de trabalho dos jogadores, a Federação Portuguesa de Futebol exige o reconhecimento presencial da assinatura de cada jogador em questão.”.
XV. Para o efeito baseou-se no depoimento de JL, Responsável pelos Registos e Transferências de Jogadores na Federação Portuguesa de Futebol, tendo entendido que o mesmo “…depôs, com valia, sobre o regime legal e regulamentar da rescisão contratual de jogadores, nomeadamente, a exigência imposta pela FPF quanto ao reconhecimento da respectiva assinatura. Esclareceu que, apesar de não derivar directamente da lei, está consagrada em sede de regulamento, …” e acerca das “…situações excepcionais que podem ocorrer, em que a FPF…” aceita sem que tal “obrigação regulamentar” esteja cumprida;
XVI. Acontece, porém, que a suposta obrigação de reconhecimento de assinatura não resulta da lei, nem para a celebração nem para a cessação do contrato de trabalho desportivo – cfr. Lei n.º 54/2017, de 14 de Julho, nomeadamente os artigos relativos à forma, art.º 6.º e 23.º supra transcritos;
XVII. Tendo tal facto sido admitido pela testemunha no seu depoimento supra transcrito;
XVIII. Referiu tal testemunha, e o Tribunal a quo acompanha, que tal obrigação está consagrada em sede de regulamento;
XIX. No entanto tal regulamento e a norma de onde consta tal obrigação não foram identificadas pela testemunha nem pelo Tribunal a quo;
XX. E não é identificado porque não existe;
XXI. De facto, o “Regulamento do Relativo ao Estatuto, Categoria, Inscrição e Transferência de Jogadores” emitido pela FPF, não refere tal obrigação relativamente ao caso dos autos, apenas a prevendo para os contratos de formação;
XXII. Tal facto por si só impõe que o facto dado como indiciariamente como provado sob o ponto 3. seja colocado como não provado;
XXIII. Sempre se diga que a colocação de tal facto na matéria provada revela que, infelizmente, o Tribunal a quo não logrou entender uma questão essencial para a boa decisão da causa, o facto de a FPF não ter qualquer tipo de poder decisório sobre contratos de trabalho desportivos dos jogadores de futebol, mas apenas das questões relacionadas com os registos de direito desportivos decorrentes daqueles, o chamado vínculo desportivo;
XXIV. A FPF, perante um contrato de trabalho desportivo que entenda não respeitar os requisitos legais e/ou regulamentares, tem o direito de não registar um jogador num clube a ela afecto e, com isso, impedir o jogador de jogar em competições oficiais por aquele clube. Mas tal facto não impede que o contrato de trabalho em questão seja válido entre as partes e que existam obrigações decorrentes do mesmo conforme decorre até do n.º 1 do art.º 7.º da Lei 54/2017, de 14 de Julho supra transcrito;
XXV. Ou seja, o registo do contrato (ou da rescisão dele) na Federação não é condição de eficácia do mesmo, a não ser para efeitos de direitos desportivos, o chamado vínculo desportivo, tal como resulta do art.º 27.º da Lei 54/2017, de 14 de Julho, supra transcrito;
XXVI. Cabendo aos Tribunais e às partes as decisões relativas à existência de vínculo laboral;
XXVII. Facto este que ficou claro no depoimento de JL, supra identificado e transcrito;
XXVIII. Concluindo-se assim que não existe obrigação legal e/ou regulamentar no sentido de os acordos de revogação dos contratos aqui em apreço estarem sujeitos a reconhecimento de assinatura dos trabalhadores e que a Federação não tem o poder de decisão relativamente à existência de vínculo laboral;
XXIX. Face ao exposto deve a matéria constante do ponto 3. dos factos dados como indiciariamente provados passar a ser dada como não provada.
XXX. Como consequência directa desta alteração, deve a matéria que inicialmente foi dada como provada na decisão intercalar sob o ponto 10. e que passou, em virtude da matéria supra discutida, a constar da matéria dada como não provada, passar novamente a constar da matéria provada;
XXXI. Ou seja, deve a decisão ser alterada no sentido de se entender que ficou indiciariamente dado como provado que: “- a Requerente procedeu à revogação de tais contratos (relativamente aos 5 jogadores chineses) em 25.02.2021.”; Dos erros que motivaram a decisão ora em crise
XXXII. Conforme supra referido o contrato de venda celebrado entre Requerente e Requerida separava a parcela do preço ainda em falta em dois componentes, €100.000,00 (cem mil euros) dependentes da verificação de circunstâncias relativas a cinco jogadores de nacionalidade chinesa e €50.000,00 (cinquenta mil euros) a vencerem-se em 01/07/2021;
Dos €100.000,00 (cem mil euros)
XXXIII. Perante a Certidão do Registo Predial e o Auto de Delimitação, juntos comos docs. n.ºs 1 e 3 do Requerimento Inicial, teria que ser dado como indiciariamente provado que a Requerente é proprietária do imóvel (neste se incluindo a parcela onde a obra decorre) e que tal imóvel se encontra fora do domínio público marítimo;
XXXIV. Conforme referimos o Tribunal a quo entendeu resultar da factualidade indiciada que: “…a Requerente não deu cumprimento, eficaz e tempestivo, à sua obrigação de desvinculação dos cinco jogadores chineses ainda associados ao clube e que, por essa razão, falhou na demonstração de que respeitou o clausulado do contrato, nomeadamente, as suas cláusulas 4. e 11. (cf. ponto 6.c. dos factos indiciariamente provados constantes da decisão intercalar e ponto 10. desse mesmo elenco, que ora se considerou como não provado)” e, consequentemente, que, “Este circunstancialismo, por si só, legitimou a Requerida a recusar o pagamento da tranche de €100.000 prevista como parte do pagamento do preço devido pelo negócio, em sede do instituto da excepção de não cumprimento (artigos 428º e 801º do Código Civil) – o que, deste modo, determina a conclusão de que à Requerida não assistia o invocado crédito nesse mesmo valor.”;
XXXV. O Adiamento ao contrato junto como Doc. 3 (2.ª parte) do Requerimento Inicial estipulava no Considerando (C) que: “(C) O pagamento do preço de parte do preço, no montante de €100.000,00 (cem mil euros) ficou dependente da rescisão ou cessação dos contratos de trabalho desportivos dos jogadores S, M, Y, H e J até à data indicada no Considerando anterior [27/02/2021];” Estipulando na cláusula 11 que:
“11.5 A Vendedora fica responsável pela rescisão ou cessação dos contratos de trabalho desportivos celebrados com os referidos jogadores de nacionalidade chinesa, bem como a sua comunicação à Federação Portuguesa de Futebol até ao dia 27 de Fevereiro de 2021.”;
XXXVI. A Requerente celebrou acordos de revogação dos contratos de trabalho desportivos com cada um dos 5 jogadores de nacionalidade chinesa em 25 de Fevereiro de 2021, com efeitos a 30 de Junho de 2020;
XXXVII. Facto que se encontra dado como indiciariamente provado no ponto 8. da matéria provada no Despacho Intercalar e que não foi modificado na Sentença Final;
XXXVIII. O facto de tais acordos não terem sido elaborados com reconhecimento de assinatura em nada afecta a sua validade, sendo os mesmos eficazes relativamente à desvinculação dos jogadores ao clube em data anterior à prevista no clausulado;
XXXIX. O Tribunal a quo para além da questão da eficácia também coloca enfâse na questão da tempestividade;
XL. Estará o Tribunal a quo a referir-se à tempestividade da cessação dos contratos em relação à data acordada no contrato e, nesse caso, sem necessidade de maiores considerandos, a mesma foi evidentemente tempestiva e tal questão não se coloca ou, por outro lado, estará o Tribunal a quo a referir-se à questão de no aditamento ao contrato de venda e ao contrário do que constava do contrato original, ter sido a acrescentada a obrigação de, para além de fazer cessar os contratos, tal cessação ser comunicada à FPF;
XLI. Conforme resulta da prova junta, tal comunicação apenas ocorreu em 05 de Março de 2021, cerca de 10 dias após a celebração dos acordos de revogação com os jogadores chineses e, por isso, após a data estipulada no contrato de 27 de Fevereiro de 2021;
XLII. Para além disso o Tribunal a quo entende que a suposta falta de tempestividade é justificativa do não pagamento por aplicação da excepção de não cumprimento;
XLIII. Terá o Tribunal a quo entendido que face à data da comunicação ser posterior poderia ser aplicada tal excepção ou apenas entendido que os acordos eram inválidos e, por isso, os contratos se teriam mantido activos até ao seu termo e daqui decorria tanto a ineficácia como a não tempestividade?;
XLIV. Em face do que é referido no Despacho Final na parte acerca do testemunho de Carlos parece-nos que o Tribunal a quo terá entendido que os 5 jogadores chineses ficaram vinculados ao clube à data de término acordada em cada um dos contratos (dois deles a 30/06/2021 e três a 30/06/2022) não tendo os seus vínculos terminado em 30/06/2020 ao abrigo dos acordos de revogação;
XLV. Tal entendimento não faz sentido em face da prova carreada para os autos;
XLVI. Resulta de prova junta aos autos e discutida no âmbito do depoimento de JL que dois dos jogadores foram inscritos na Federação Chinesa de Futebol em 26 de Fevereiro de 2021 (um dia após a celebração do acordo de revogação) ao serviço do clube “FC”;
XLVII. Não podendo os mesmos ter simultaneamente contratos de trabalho desportivos com um clube português e um clube chinês conforme decorre quer de lei quer do depoimento de JL;
XLVIII. Não restando dúvidas que relativamente a estes dois jogadores os contratos estavam terminados em data anterior e que a FPF aceitou tal facto;
XLIX. Tal conclusão é incontornável em face do artigo 12.º do já citado Regulamento do Relativo ao Estatuto, Categoria, Inscrição e Transferência de Jogadores e do art.º 9.º do Regulamento Relativo ao Estatuto e Transferência de Jogadores da FIFA, ambos juntos autos e supra transcritos;
L. Por outro lado, o contrato de trabalho não é apenas um documento, o mesmo não se infere de uma simples folha de papel, criando obrigações para cada uma das partes que nos levam a inferir da existência ou não de um contrato;
LI. Os jogadores teriam que se apresentar aos treinos, aos exames médicos, aos jogos, teriam no fundo que prestar o seu trabalho bem assim como a todas as outras diligências com ele relacionado;
LII. Já o clube teria que pagar salários, seguros, impostos, contribuições, preencher livros de ponto, fazer constar tais jogadores nos mapas salariais e de férias, entre diversos outros documentos que um empregador tem que preencher, emitir, declarar e manter relativos aos seus empregados;
LIII. Nenhuma prova foi apresentada no sentido de os jogadores alguma vez se terem apresentado ao clube após 30 de Junho de 2020, data da cessação dos seus contratos;
LIV. Aliás tais jogadores nunca jogaram ou foram vistos por alguém do clube após 30/06/2020 conforme afirmado por testemunha da Requerida;
LV. Sendo que o próprio Tribunal a quo refere entender que tais jogadores se mantiveram vinculados ao clube “…ainda de um ponto de vista formal (pois que os jogadores nunca sequer se apresentaram no clube), …”;
LVI. Em face do supra exposto é evidente que tal vinculação não existia e muito menos existem provas relativas à existência da mesma juntas aos autos;
LVII. Caso a mesma a Requerida teria vindo aos autos juntar mapas de pessoal, pagamentos de impostos, contribuições, mapas de férias, listas de presenças, qualquer documento comprovativo da existência de vínculo laborar entre a S SAD e tais jogadores;
LVIII. Nada foi junto ou apresentado;
LIX. O que levou o Tribunal a quo a ter o entendimento expresso na Sentença foi apenas o facto de, erroneamente, ter ficado com a percepção de que a FPF dispõe de poderes para declarar a existência ou não existência de um contrato de trabalho desportivo e não apenas de poderes de proceder ao registo dos direitos desportivos decorrente de um;
LX. Em face do supra referido fica claro que os contratos de trabalho desportivos com os jogadores de nacionalidade chinesa cessaram em 30/06/2020, por efeitos dos acordos de revogação datados de 25/02/2021;
LXI. O entendimento do Tribunal a quo que o levou a decidir em sentido contrário, resultou de erro na interpretação e aplicação errada da Lei n.º 54/2017 e da aplicação de um regulamento inexistente e nem sequer identificado quer durante o julgamento quer na Sentença;
LXII. Ainda assim sempre se diga que, poderia o Tribunal a quo ter entendido que a falta de tempestividade dizia respeito não à cessação, mas sim à comunicação da mesma à FPF nos termos supra explicados, a qual ocorreu cerca de 10 dias após a data estipulada;
LXIII. Tal questão leva-nos ao erro da aplicação da excepção de não cumprimento que o Tribunal a quo entendeu verificar-se e justificar a falta de pagamento da componente de €100.000,00 do preço;
LXIV. Antes de entrar nessa discussão torna-se necessário deixar claro que as comunicações foram enviadas para a Associação de Futebol de Lisboa, porquanto é para esta associação e não directamente para a FPF que tais comunicações têm que ser remetidas, já que tais associações regionais agem como intermediários entre clubes e FPF;
LXV. Facto este confirmado pela testemunha JL;
LXVI. O que leva a que a obrigação da comunicação das cessações dos contratos à FPF constante do contrato fosse inexequível pelo que, das duas uma, ou a mesma se tem por não escrita ou, por aplicação da parte final da cláusula 19. do contrato a comunicação à AFL é a única solução que se aproxima o mais possível dos objectivos das partes;
LXVII.  Se a decisão recair sobre a primeira hipótese o problema está resolvido e, por isso, não se coloca qualquer problema com a comunicação das cessações para lá da data estipulada no contrato;
LXVIII. Caso assim não se entenda, e se venha a entender que a solução escolhida pela Requerente era a que melhor se enquadrava com o espírito do contrato, o problema da tempestividade mantém-se e teremos que aferir se procede a excepção de não cumprimento para impedir o pagamento da componente do preço no montante de €100.000,00;
LXIX. O contrato estipulava um prazo para o cumprimento de determinada obrigação;
LXX. Passado tal prazo sem a obrigação ser cumprida o contraente incumpridor entra em mora – cfr. art.º 805.º n.º 2 alínea a) do Código Civil;
LXXI. A simples mora não dá ao credor o direito de desistir simplesmente da prestação;
LXXII. Para tal o credor tem duas hipóteses, ou demonstrar que perdeu objectivamente o interesse na prestação ou levar a cabo uma interpelação admonitória – cfr. art.º 808.º do Código Civil;
LXXIII. No presente caso nenhuma comunicação foi remetida pela Requerida interpelando a Requerente a cumprir a obrigação de comunicação das cessações do contrato à FPF, nem tão pouco esta alguma alegou que tivesse perdido o interesse;
LXXIV. Pelo que o cumprimento dessa obrigação por parte da Requerente, mesmo que tardio, coloca fim à mora e, quanto muito, constitui a Requerente na obrigação de pagar os prejuízos advenientes da mora por si causada;
LXXV. Sendo certo que nenhuns prejuízos foram incorridos pela Requerida derivados da mora na comunicação das cessações, nem esta alguma vez comunicou a existência de quaisquer prejuízos;
LXXVI. Para além do mais, em face da posição tomada pelo Tribunal a quo relativamente a esta questão da comunicação das cessações e a aceitação ou não das mesmas por parte da AFL ou FPF, sempre se diga que o contrato estipulava apenas e só a obrigação de fazer cessar os contratos e comunicar tal cessação à FPF;
LXXVII. Não estipulava a obrigação de a FPF aceitar tais cessações, sendo que tal aceitação apenas tem efeitos a nível do vínculo desportivo e não do vínculo laboral como já se viu e que
quaisquer custos relacionados com os jogadores seriam sempre imputáveis à Requerente conforme resulta do contrato, pelo que a Requerida não seria, nem foi, afectada por tal facto;
LXXVIII. O entendimento do Tribunal a quo no sentido de entender que a recusa da Requerida em pagar o componente do preço no montante de €100.000,00 resulta de uma errada interpretação e aplicação das normas relativas à excepção do não cumprimento do contrato;
LXXIX. Perante o supra exposto devia o Tribunal a quo ter aplicado as normas relativas ao cumprimento e não cumprimento das obrigações (arts. 762.º e ss do Código Civil), com particularidade acuidade, as normas relativas à mora (805.º e ss do Código Civil) e, com base nas mesmas, ter entendido que a Requerente cumpriu a sua obrigação relativa à revogação dos contratos de trabalho e, como tal, a partir da data em que fez, ganhou o direito de receber a contra-prestação acordada;
LXXX. Em face do exposto impõe-se a alteração da decisão do Tribunal a quo, no sentido de passar a constar que os motivos invocados pela Requerida para justificar o não pagamento da componente do preço no montante de €100.000,00 (cem mil euros) não são suficientes para justificar a não procedência e manutenção do arresto decretado na decisão intercalar;
Dos €50.000,00 (cem mil euros)
LXXXI. Acerca desta questão e conforme supra referido o Tribunal a quo entendeu que: “quanto ao remanescente de €50.000, também em dívida e parte integrante desse preço, a Requerida alegou e demonstrou, pelo menos indiciariamente, que exerceu um direito de “retenção” por efeito de uma actuação ilícita e culposa da Requerida, relacionada com a execução do contrato, potencialmente geradora de obrigação de indemnizar a primeira.”
LXXXII. O Tribunal a quo justificou tal entendimento com base numa carta dos Revisores Oficiais de Contas da SAD na qual estes alegam que existiriam incumprimentos fiscais relativos aos 5 jogadores de nacionalidade chinesa;
LXXXIII. Mais referia tal carta que a contingência fiscal se cifrava no montante de €140.000,00 e, caso os valores máximos das coimas viessem a ser aplicados a contingência total se poderia cifrar no montante de €950.000,00;
LXXXIV. Existem também documentos juntos aos autos nas quais a Requerida dá conta à Requerente de tal comunicação solicitando explicações e informando que irá dirigir-se à Autoridade Tributária para questionar acerca dos valores em dívida. Tais comunicações são todas datadas do ano de 2021;
LXXXV. As supostas irregularidades, de acordo com Requerida, verificaram-se no ano de 2019 e 2020;
LXXXVI. Volvidos mais de 2 (dois) anos após as supostas irregularidades e da recomendação de um ROC no sentido de regularizar algo, a Requerida não dispõe de qualquer documento relativo a uma notificação da Segurança Social e/ou da Autoridade Tributária reclamando qualquer pagamento; não tem igualmente qualquer documento comprovativo do que terá feito junto de tais entidades para perceber se de facto existia algum problema e qual a forma de o resolver;
LXXXVII. A ser verdade a versão dos factos que o Tribunal a quo defende se terem verificado no sentido de os contratos de trabalho dos 5 jogadores de nacionalidade chinesa apenas terem terminado nas datas de cessação de cada um deles (dois deles a 30/06/2021 e três a 30/06/2022), então tais supostas irregularidades teriam continuado a aumentar a cada mês, durante todo o período em que a Requerida teve controlo da SAD;
LXXXVIII. Mas mais nenhuma comunicação dos ROC’s foi junta relativamente aos anos seguintes e ao aumento suposta da contingência;
LXXXIX. Ademais existe um documento nos autos que afasta totalmente a credibilidade das informações constantes de tal carta;
XC. A Requerida terá celebrado, por valor não concretizado, um contrato de transmissão das Acções para a sociedade O, Lda. em 24 de Abril de 2023;
XCI. A ligação entre a Requerida e a sociedade O, Lda. é evidente, sendo o gerente da mesma e accionista detentor do controlo da sociedade o Sr. DS simultaneamente presidente do conselho de administração da Requerida, conforme resulta de prova junta aos autos;
XCII. Ademais o procurador da sociedade O, Lda que a representou no negócio com a sociedade N, Lda. é o Dr. PSC, o mesmo que é simultaneamente membro do conselho de administração da Requerida e que, de acordo com as informações constantes do documentos notificados pelo Agente de Execução, teria as acções em seu poder previamente à entrega destas à N, Lda.;
XCIII. De tais informações resultou igualmente que, menos de menos de 4 meses depois de tal negócio, esta O, Lda. celebrou um contrato de venda das Acções com a sociedade N, Lda., pelo montante total de €250.000,00;
XCIV. Um dos documentos juntos pelo Agente de Execução corresponde a este último contrato de venda das Acções;
XCV. Analisado tal contrato verifica-se que na Cláusula 7.1 a vendedora (basicamente a Requerida sobre outras vestes), declarou à compradora que: “c) Na presente data do Closing não existem dívidas à Segurança Social e Autoridade Tributária, conforme Anexos VI e VII,…; e) Na presente Data de Closing não existem, com referência à data de 30 de junho de 2023… …, dívidas perante terceiros, nomeadamente… …atletas; k) Na Data do Closing, o passivo corrente é tendencialmente nulo e sem quaisquer dívidas ou responsabilidades contratuais,…; n) …ficando expressamente acordado que o Revisor Oficial de Contas da SAD se manterá em funções até ao encerramento das contas da época 2022/2023 para efeitos da sua certificação , sem reservas,…”;
XCVI. Se de facto existissem tais “contingências”, as quais teriam sido significativamente aumentadas caso a versão do Tribunal a quo de que os contratos de trabalho apenas cessaram em 2021 e 2022, como justificar estas declarações por parte da empresa ligada à Requerida aquando da venda das Acções?;
XCVII. Veja-se que a vendedora declara que não existem dívidas à Autoridade Tributária e à Segurança Social;
XCVIII. Se não existem então como pode a Requerida ter defendido que os incumprimentos fiscais deram lugar a dívidas no valor de €140.000,00 (apenas até 2021 e por isso não totais), as quais com coimas poderiam chegar ao montante de €950.000,00?!;
XCIX. A vendedora declara que não existem dívidas a atletas.
C. Mas, se assim é, então onde estão os comprovativos do pagamento dos salários relativos aos contratos de trabalho que Requerida e Tribunal a quo entendem apenas terem terminado nas datas de cessação previstas nos mesmos (dois deles a 30/06/2021 e três a 30/06/2022)?!;
CI. A vendedora declara que o passivo da SAD é tendencialmente nulo;
CII. Se assim é como pode a Requerida defender que em 2021 existia uma contingência de €950.000,00 nas contas da sociedade, a qual tem necessariamente que ter aumentado em 2022?!;
CIII. A vendedora declara que o ROC irá certificar as contas até 30/06/2023 sem reservas;
CIV. Mas, analisada a comunicação do mesmo ROC com base na qual o Tribunal a quo entendeu existir uma contingência de €950.000,00, verifica-se que o ROC declarou que tal contingência “…dará origem a uma reserva por desacordo”;
CV. Parece que, “por artes mágicas”, a reserva referente a tais supostas contingências terá desaparecido no ano que o Grupo da Requerida vendeu as acções;
CVI. Parece-nos mais do que evidente que a prova carreada para os autos não sustenta a existência de tais supostas contingências;
CVII. E, assim sendo, caiem por terra os motivos que levaram o Tribunal a quo a decidir que a oposição apresentada procedia e que o arresto deveria ser levantado; Ainda que assim não fosse o que, por mero dever de patrocínio, à cautela, sem admitir, se concede, sempre se diga que,
CVIII. Mesmo que existissem quaisquer valores a pagar ao Estado relativos aos 5 jogadores de nacionalidade chinesa, o contrato celebrado entre Requerente e Requerida é claro ao estabelecer que a responsabilidade pelo pagamento dos mesmos recai sobre a Requerente;
CIX. No entanto, volvidos mais de 3 (anos) sobre a celebração do contrato, nunca a Requerente foi notificada para pagar seja o que for. A bem da verdade, nem tão pouco a Requerida pois, caso o tivesse sido, teria certamente juntado tal prova nestes autos;
CX. No entanto o Tribunal a quo entendeu que a Requerida tem um direito de retenção da quantia de €50.000,00 pela existência das contingências supra referidas;
CXI. O direito de retenção é uma figura legal que tem os seus contornos bem definidos, não podendo ser o mesmo aplicado a outras situações por analogia;
CXII. Pelo que, mesmo que as contingências supra referidas se verificassem, no que não se concede, tal facto não leva ao preenchimento dos requisitos de aplicação do direito de retenção – cfr. Art.ºs 754.º e 755.º do Código Civil;
CXIII. Motivo pelo qual esteve mal o Tribunal a quo ao enquadrar a recusa de pagamento dos €50.000,00 por parte da Requerida ao abrigo da figura do Direito de Retenção.
CXIV. Devendo por isso ser a decisão alterada no sentido de se passar a entender que a justificação invocada pela Requerida não lhe atribui o direito de recusar o pagamento dos €50.000,00 ao abrigo desta figura;
CXV. Ainda assim sempre se diga que, analisada a Sentença, se verifica que o Tribunal a quo também entende que a recusa de pagamento do montante de €50.000,00 por parte da Requerida se encontra igualmente legitimada ao abrigo da excepção de não cumprimento do contrato;
CXVI. Salvo o devido respeito, que é muito, tal entendimento não procede pelos motivos que se passam a explicar;
CXVII. A Requerente ficou contratualmente obrigada a pagar quaisquer quantias relacionadas com os contratos dos 5 jogadores de nacionalidade chinesa;
CXVIII. Assim sendo, e para que se pudesse dar como demonstrada a existência de tal dever (incumprido por parte da Requerente) de pagar seja o que for relacionado com tais contratos, tem que existir prova no sentido de se encontrar alguma quantia em dívida;
CXIX. Tal prova não existe no presente processo conforme já se explicou;
CXX. O contrato é de Setembro de 2020 e hoje, volvidos mais de 3 anos da celebração do mesmo, não existem quaisquer notificações emitidas pelo Estado para pagar seja o que for, nem nunca a Requerida enviou prova da existência de qualquer dívida para além da carta dos ROC’s com um teor completamente absurdo;
CXXI. Aliás, dúvidas existissem acerca do afastamento da realidade de tal carta basta chamar a atenção para os seguintes pontos: a) na coluna relativa ao “Fim de Contrato”, as datas de cada um dos contratos vão variando entre 30 de Junho de 2021 e 30 de Junho de 2022 correspondendo estas às datas previstas nos contratos, ficando por isso claro que as datas das revogações não foram tidas em conta; b) a coluna relativa à “Cessação na Segurança Social” apenas consta a cessação de um trabalhador ,levando a questionar-se os motivos pelos quais a Requerida, controladora da SAD, não comunicou a cessação dos restantes com base nos acordos de revogação c) o Tribunal a quo refere que os 5 jogadores de nacionalidade chinesa “…não estavam registados para efeitos de descontos de contribuições para a Segurança Social em sede de IRS…” no entanto a comunicação do ROC em análise refere que todos os jogadores estiveram inscritos e apenas foi cessada a inscrição do trabalhador Y a 18/12/2019;
CXXII. Ora, caso isto fosse verdade, como pode o Tribunal a quo entender simultaneamente que o contrato deste trabalhador apenas cessou em 30/06/2022;
CXXIII. Para além disto e conforme supra exposto, as declarações da empresa do Grupo da Requerida no contrato de venda das Acções contradizem directamente a existência de quaisquer incumprimentos referidos na carta do ROC;
CXXIV. Em conclusão o teor da carta do ROC não tem qualquer apego à realidade e perante as restantes provas carreadas para os autos, a mesma não justifica de forma alguma a prova, mesmo que meramente indiciária, da existência de incumprimento do contrato por parte da Requerente que levasse esta a incorrer no dever de indemnizar a Requerida;
CXXV.  Para disso ninguém acredita que, perante a necessidade de criar uma contingência no montante de €950.000,00, a Requerida não tivesse iniciado em três anos um processo para cobrar responsabilidades à Requerente;
CXXVI. Não sendo igualmente credível que, perante a necessidade de criar uma contingência no montante de €950.000,00, não exista uma simples prova nos autos da existência da mesma. De facto, bastaria à Requerida ter junto as contas da SAD desse ano e dos anos posteriores. Estranhamente, apenas juntou uma comunicação do ROC por si contratado, não existindo uma simples prova adicional da existência dos supostos incumprimentos fiscais da Requerente para além disso;
CXXVII. Em face de tudo o supra aduzido fica evidente que a existência de tal comunicação não é suficiente em face de todos os restantes elementos do processo para justificar o levantamento do arresto por aplicação da excepção de não cumprimento do contrato relativamente à recusa da Requerida em pagar o montante total acordado;
CXXVIII. Resultando o entendimento do Tribunal a quo no sentido de poder aplicar tal excepção ao presente caso um erro de interpretação e aplicação das normas jurídicas relativas à excepção de não cumprimento do contrato e ainda às normas relativas ao cumprimento e não cumprimento das obrigações;
CXXIX. De facto, o que se verifica no presente caso é que a Requerida adquiriu as Acções tendo pago apenas a quantia de €126.382,50, tendo ficado a dever €150.000,00 do preço acordado, terá transmitido por preço desconhecido tais Acções a uma empresa do seu círculo, empresa essa que vendeu tais Acções a terceiros pelo montante de €250.000,00;
CXXX. Aliás basta olhar para tais valores para se compreender que o preço do negócio entre Requerente e Requerida teve sempre por base o valor das Acções, tendo a separação do preço em componentes servido apenas para que a Requerida não liquidasse a quantia total e, mais tarde, viesse invocar motivos absurdos para se furtar a tal pagamento;
CXXXI. Em face de tudo o supra aduzido, deverá a decisão final ser alterada no sentido de declarar a improcedência da oposição e, em consequência, a manutenção do arresto decretado.

Em resposta, S, SGPS, S.A., apresentou contra alegações, nas quais deduziu as seguintes conclusões:
1. A ora Recorrida concorda com a decisão proferida pelo Tribunal ad quo, apenas discorda quanto ao vertido na sentença a respeito da aplicabilidade do número 3, artigo 396º, do Código de Processo Civil ao caso sub judice, uma vez que z presente ação apenas deu entrada em juízo quando as ações, cujo arresto foi peticionado, já se encontravam na esfera jurídica de um terceiro que as havia adquirido e que não foi demandado no procedimento cautelar;
2. A Recorrida entende que do teor do número 3, artigo 396º, do Código de Processo Civil não consta a menção expressa que o mesmo é aplicável mesmo quando o bem transmitido já se encontra na esfera de terceiro;
3. Como tal, e uma vez que resulta da epigrafe desse artigo, que o mesmo se trata de uma norma especial, não deve ser admitida a sua interpretação extensiva, que permita aplicar o mesmo em situações que não decorram expressamente da letra daquele preceito legal;
4. Ora, qualquer interpretação que vá para além do teor daquele artigo consiste, salvo melhor opinião, numa interpretação extensiva que a Recorrida entende não caber em relação ao número 3, artigo 396º, do Código de Processo Civil;
5. Pelo que, para que o procedimento cautelar pudesse vir a ser decretado sempre teria de ser demonstrado o justo receio de perda da garantia patrimonial do credor, devendo o mesmo ser intentado, não só contra a Recorrida, mas também contra o terceiro adquirente das ações cujo arresto se pretende e ainda demonstrado que aquela transmissão ocorreu de forma simulada;
6. Se assim não fosse, poderia resultar para o terceiro de boa-fé uma situação manifestamente injusta, ao ver arrestado um bem que lhe pertence sem que tenha sequer sido demando judicialmente.
7. Pelo que o presente procedimento cautelar tal como intentado pela Recorrente teria sempre de improceder, também por inaplicabilidade do número 3, artigo 396º, do Código de Processo Civil;
8. Tudo o mais vertido na douta sentença recorrida, não merece qualquer censura, tendo o douto Tribunal fundado a sua convicção à luz da matéria de facto alegada pelas partes e da prova produzida nos autos;
9. A Recorrente pretende, sem qualquer fundamente que o justifique, alterar a valoração do facto n.º 3 dado como indiciariamente provado na sentença recorrida, para o efeito esta limita-se a carrear para os presentes autos uma pequena parte do testemunho da testemunha JL totalmente descontextualizada;
10. Resulta do facto dado por provado, ora impugnado pela Recorrente, que “Para concretização da rescisão ou cessação dos contratos de trabalhos de jogadores, a Federação Portuguesa de Futebol exige o reconhecimento presencial da assinatura de cada jogador em questão”; 
11. Nesse sentido foi produzida sobejamente prova pela Recorrida, foi junto um email enviado pela Associação de Futebol de Lisboa (Doc.º 2 da oposição), com competência atribuída pela Federação Portuguesa de Futebol, para esse efeito, a responder ao envio para aquele organismo por parte da Recorrida das supostas revogações, do qual decorre expressamente que aquelas revogações carecem de reconhecimento da assinatura feita na presença do jogador;
12. Mais, foi junta uma minuta de revogação do contrato de trabalho desportivo (Doc.º 3 da oposição), disponibilizada pela própria Federação Portuguesa de Futebol online, da qual decorre expressamente a nota que é necessário o reconhecimento presencial da assinatura do jogador;
13. Foram juntos os contratos de trabalho desportivo que as revogações em questão pretendiam fazer cessar, tendo os mesmos sido celebrados com assinatura presencial dos jogadores, conforme Docs. 4, 5, 6 e 7 juntos com a oposição;
14. Está inclusive carreado para os presentes autos uma informação da própria Federação Portuguesa Futebol dirigida aos presentes autos da qual resulta expressamente que as cessações dos contratos dos jogadores em questão não tiveram lugar pelas supostas revogações juntas aos autos pela Recorrente;
15. Se assim fosse as datas da cessação daqueles contratos coincidiria com a data em que as supostas revogações foram enviadas à Federação Portuguesa de Futebol o que, comprovadamente, não sucedeu;
16. Acresce que prova documental junta aos autos foi também corroborada pelos testemunhos prestados pelas testemunhas na Audiência de Discussão e Julgamento;
17. A testemunha Carlos testemunhou que é do seu conhecimento direto que a Recorrente foi notificada de que as revogações dos contratos de trabalho desportivo em questão não tinham sido aceites por falta do reconhecimento das assinaturas dos jogadores e foi perentório em afirmar que todos os contratos de trabalhos desportivos e suas revogações têm sempre que ter a assinatura do jogador reconhecida presencialmente, sob pena de não serem validadas pela Federação Portuguesa de Futebol, como acima transcrito;
 18. Exatamente no mesmo sentido, as declarações da Testemunha JL, que é o responsável pelos registos e transferência da Federação Portuguesa de Futebol, que não teve qualquer dúvida em afirmar que aquele organismo sempre entendeu, tal como consta dos regulamentos, que é necessário que as assinaturas dos jogadores, nos contratos de trabalho desportivo e nas revogações dos mesmos, sejam reconhecidas presencialmente, como acima transcrito;
19. Pelo que manifestamente não se alcança como pode a Recorrente alegar que o facto n.º 3 dado como provado pelo Tribunal ad quo deve ser agora dado como não provado;
20. Também as alegações de direito da Recorrente são desprovidas de qualquer fundamento que as legitime, não referindo as normas violadas, nem o sentido com que as normas que constituem fundamento jurídico da decisão recorrida deviam ter sido aplicadas;
21. Na verdade, os termos contratualizados pelas partes, no âmbito do contrato de compra e venda de ação, são absolutamente claros: a Recorrida apenas se obrigaria a liquidar a componente de 100.000,00€ (cem mil euros) caso a Recorrente promovesse a revogação dos contratos de trabalho desportivos e a respetiva comunicação à Federação Portuguesa de Futebol até ao dia 27 de fevereiro de 2021;
22. Sucede que, por um lado, as revogações, tal como enviadas à Federação Portuguesa de Futebol, não foram consideradas eficazes por falta de forma, uma vez que as assinaturas dos jogadores não estavam reconhecidas presencialmente;
23. O entendimento da Federação Portuguesa de Futebol resulta, entre outras disposições, dos termos do Contrato Coletivo de Trabalho entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol, aplicável nos termos da Portaria de Extensão n.º 57/2010 de 12 de agosto de 2010, bem como de regulamentação próprios e pareceres internos;
24. Por outro lado, a Recorrente apenas procedeu à comunicação da revogação dos contratos à Federação Portuguesa de Futebol no dia 5 e março de 2021, quando, nos termos contratualizados, tal teria de ter ocorrido no máximo até ao dia 27 de fevereiro de 2021; 
25. Assim não tendo sucedido, as partes previram desde logo que existia uma redução do preço contratualizado, no montante de 100.000,00€ (cem mil euros); 26. Também não assiste qualquer razão à Recorrente, no que tange ao não pagamento por parte da Recorrida da componente de 50.000,00€ (cinquenta mil euros), que se vencia no dia que se vencia em 31 de junho de 2021;
27. A Recorrida foi notificada pelo Revisor Oficial de Contas a S, SAD de que aquela sociedade não tinha vindo a cumprir na integra com as suas obrigações fiscais decorrentes dos contratos com os 5 (cinco) jogadores chineses, na medida em que não tinha procedido à entrega da totalidade das Declarações Mensais de Remunerações e ao pagamento da totalidade dos impostos relativos aos referidos contratos;
28. No que respeita às contribuições à Segurança Social e às retenções de imposto sobre o rendimento do trabalho foi identificada uma contingência fiscal que poderia ascender a 950.000,00€ (novecentos e cinquenta mil euros);
29. Sucede, porém, que a Recorrente havia garantido contratualmente à Recorrida que até à data da venda das ações a esta a S, SAD, havia cumprido pontualmente todas as suas obrigações junto da Autoridade Tributária e da Segurança Social;
30. Mais, a Recorrente obrigou-se expressamente a assumir quaisquer contingências, dívidas fiscais ou quaisquer outras responsabilidades em que a S, SAD viesse a incorrer e que resultassem de atos ou omissões anteriores à data de assinatura do contrato de venda das ações e ainda quaisquer custos, sejam eles de que natureza forem, referentes aos jogadores chineses em questão;
31. Assim ficou previsto que a Recorrente deveria indemnizar a Recorrida por qualquer dano indemnizável, ainda que constatado posteriormente à data do Contrato, nomeadamente de natureza tributária ou de segurança social;
32. De forma a fazer face às referidas contingências, a Recorrida interpelou a Recorrente, através de, solicitando a esta, que no prazo máximo de 5 (cinco) dias procede-se ao pagamento à Requerida do valor de 28.950.000,00€ (novecentos e cinquenta mil euros), caso contrário, a Recorrida reteria do preço de transação de 50.000,00€ (cinquenta mil euros), que se vencia em 31 de junho de 2021.
33. A Recorrente não liquidou o montante em questão, nem procurou encontrar qualquer solução conjunta com a Recorrida, que visasse ultrapassar a contingência identificada pelo Revisor Oficial de Contas.
34. Com efeito, à Recorrida não lhe restou outra solução que não fosse a reter o pagamento da componente de 50.000,00€ (cinquenta mil euros) do preço de transação, uma vez que, a Recorrente se obrigou a assumir quaisquer contingências, dívidas fiscais ou quaisquer outras responsabilidades em que a S, SAD viesse a incorrer e que resulte de atos ou omissões anteriores à data de assinatura do Contrato.
35. Face a tudo o supra exposto, resulta evidente que a Recorrente não logrou demonstrar, nem sequer indiciariamente, que detém um crédito sobre a Recorrida, o que consubstancia uma condição sine qua non para que a oposição da Requerida pudesse ser julgada improcedente,
36. Para que o arresto fosse mantido cabia à Recorrente a demonstração da probabilidade séria da existência do direito que invocou, tal não tendo sucedido, entende a Recorrida que a decisão do douto Tribunal ad quo não podia ter sido outra que a julgar totalmente procedente por provada a oposição
*
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
*
Do efeito a atribuir ao recurso:

No seu requerimento de interposição de recurso, a Requerente pugna pela fixação ao mesmo de efeito suspensivo, o que requer ao abrigo do disposto no artigo 647º, n.º 3, d) e e) do C.P.C..
A Requerida veio insurgir-se contra esta pretensão, tendo peticionado, também, que se determine imediatamente o levantamento do arresto junto do agente de execução.
Cumpre decidir:
Dispõe o artigo 647, n.º 3, d) que tem efeito suspensivo o recurso do despacho «que indefira liminarmente ou não ordene a providência cautelar», a este propósito, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (C.P.C. Anotado, pág. 782) defendem -no que concordamos- que, nesta norma, «fica excluída a decisão que, nos termos do art.º 372º, n.º 3, determine o levantamento ou a redução de providência que anteriormente tenha sido decretada sem contraditório prévio (…)», com isso se preconizando a «efectiva possibilidade de ser produzirem de imediato os efeitos correspondentes ao levantamento, revogação, redução ou substituição da providência anteriormente decretada.»
Pugnou ainda a Requerente pela atribuição do pretendido efeito suspensivo por efeito do artigo 644º, n.º 2, f) do C.P.C., considerando que a decisão de levantamento da providência implicará (apesar de na mesma tal determinação não constar expressamente) o cancelamento de um registo (das acções que haviam sido objecto do arresto).
Discordamos.
As decisões abrangidas no artigo 644º, n.º 2, f) do C.P.C. são aquelas que consistem no cancelamento de um registo e não aquelas, como a dos autos, em que como consequência do arresto de determinados bens – neste caso acções - o cancelamento de um registo constitui um procedimento instrumental com vista à execução do arresto decretado.
Em face do exposto, o recurso em causa cai no regime geral que lhe atribui efeito devolutivo e, assim sendo, caberia à recorrente requerer a prestação de caução como forma de conseguir aquele efeito excepcional, nos termos do disposto no nº 4 do art.º 647º do CPC, o que não foi feito por aquela.
 Pelo exposto, bem andou o Tribunal a quo ao fixar ao recurso efeito meramente devolutivo.

II. Objecto e delimitação do recurso

Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece, sob pena de indeferimento do recurso.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:
- impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
-determinar se, na providência cautelar de arresto e tendo sido deduzida oposição pelo arrestado, estão reunidas as condições jurídico-processuais para revogar a decisão que decretou o arresto de bens.

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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
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III. Os factos

Recebeu-se, da primeira instância, o seguinte elenco de factos provados e não provados:

Factos provados (da decisão de 07/09/2023 - que decretou o arresto- e da decisão de 15/01/2024-que julgou procedente a oposição à providência cautelar):

1. A Requerente é uma sociedade comercial que tem por objecto a consultoria e investimento, bem como a organização de eventos – cf. doc. 1 junto com o requerimento inicial.
2. A Requerida é uma sociedade comercial que tem por objecto a gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indirecta do exercício de actividades económicas – cf. doc. 2 junto com o requerimento inicial.
3. Em 11 de Setembro de 2018, a Requerente, na qualidade de vendedora, e a Requerida, na qualidade de compradoras, celebraram um Contrato de compra e venda de acções e de transmissão de créditos por suprimentos e um aditamento ao mesmo (doravante apenas Contrato) – cf. doc. 3 junto com o requerimento inicial.
4. Através do Contrato, a Requerente declarou vender, tendo a Requerida declarado adquirir, 7.000 acções, nominativas, tituladas, de categoria B, com o valor nominal de €5,00 cada uma, numeradas de 2998 a 9997, integralmente realizadas, representativas de 70,00% do capital social e dos direitos de voto da sociedade anónima desportiva de direito português denominada S, SAD (…) – cfr. Considerando A) e cláusulas 1. e 3. do Contrato.
5. No mesmo Contrato, a Requerente também declarou transmitir à Requerida um conjunto de créditos de suprimentos, detidos sobre a S SAD, no valor de €458.141,41 – cfr. Considerando B) e cláusulas 1. e 3. do Contrato.
6. Nos termos do Contrato, a compra das acções e transmissão do crédito de suprimentos foi transaccionada pelo preço total de €271.382,50, nos seguintes termos:
a. €126.382,50 em 11/09/2020, data da celebração do Contrato;
b. €50.000,00 a serem pagos no primeiro dia útil do mês seguinte à data do final da época desportiva 2020/2021, correspondente ao dia 30 de Junho de 2021;
c. €100.000,00 a serem pagos no primeiro dia útil do mês seguinte à verificação da rescisão ou cessação do contrato de trabalho desportivo do último dos cinco jogadores de nacionalidade chinesa (S, M, Y, H e J) desde que tais rescisões ou cessações ocorressem até ao dia 27 de Fevereiro de 2021 – cfr. cláusulas 4. e 11. do Contrato.
7. A Requerente cumpriu as suas obrigações decorrentes do Contrato, tendo vendido as acções e transmitido os créditos por suprimentos nos exactos termos ali preceituados.
8. Em 25.02.2021 e em cumprimento da cláusula 11. do Contrato, a Requerente, na qualidade de representante da S SAD, celebrou acordos de revogação dos contratos de trabalho desportivo com os cinco jogadores de nacionalidade chinesa, com efeitos a 30.06.2020.
9. A Requerida, até à data, pagou apenas €126.382,50 relativamente ao valor total do Contrato, não tendo pago o montante de €50.000,00 que se venceu em 01.07.2021 (primeiro dia útil do mês seguinte à data do final da época desportiva 2020/2021) nem o montante de €100.000,00, que se venceu em 01.06.2023 – primeiro dia útil do mês seguinte à verificação da rescisão ou cessação do contrato de trabalho desportivo do último dos cinco jogadores de nacionalidade chinesa (S, M, Y, H e J).
10. À data do envio de tais mensagens de correio electrónico, faziam parte do conselho de administração da S, SAD os Senhores DS, presidente, e PC, conforme se pode ver pelo printscreen do sítio da internet publicacoes.mj.pt – doc. 6 com o requerimento inicial – os quais eram (e são), simultaneamente, membros do conselho de administração da Requerida.
11. A Requerente remeteu à Requerida uma carta registada com aviso de recepção datada de 04.05.2023, com o seguinte teor, além do mais que se dá por reproduzido, conforme doc. 7 junto com o requerimento inicial:
«Assunto: Revogação dos contratos de trabalho desportivo/Pagamento da quantia de €150.000,00 (…) Em cumprimento da Cláusula Décima Primeira do contrato (…), procedemos à revogação dos contratos de trabalho desportivo dos jogadores S, M, Y, H e J, com data, todos, do dia 25 de Fevereiro, com efeitos retroactivos a 30 de Junho de 2020. Deste modo, e não tendo o clube reportado quaisquer custos com os referidos jogadores, fica cumprido o disposto no artigo 11º, estando V. Ex.ªs obrigados ao pagamento o remanescente do preço de €100.000,00 (…). Acresce que V.Ex.ªs não procederam à transferência da quantia de €50.000,00 nos termos previstos na alínea (iii) do n.º 4.2 da Cláusula Quarta na data estabelecida na referida alínea, o que determina a mora no cumprimento do referido contrato. Em consequência ficam, pela presente, notificados para procederem à transferência da referida quantia de €50.000,00 (…), no prazo de 8 dias, sob pena de considerarmos o contrato definitivamente incumprido (…).»
12. A carta a que corresponde o doc. 7 foi remetida para a morada da Requerida convencionada no Contrato mas veio devolvida por não recebida nem posteriormente reclamada.
13. Dessa mesma carta foi dado conhecimento por email para o endereço … @gmail.com.
14. As acções objecto do contrato celebrado entre as partes em 11.09.2018 foram transmitidas à sociedade N, Lda.” em 10.08.2023.
15. Para efeitos das cláusulas 4. e 11. do Contrato, a S, SAD, outorgou um a procuração a favor da Requerente conferindo-lhe os poderes necessários para a realização das rescisões ou cessações dos contratos de trabalho dos cinco jogadores de nacionalidade chinesa aí mencionados (doc. 1 com oposição).
16. Para concretização da rescisão ou cessação dos contratos de trabalho dos jogadores, a Federação Portuguesa de Futebol exige o reconhecimento presencial da assinatura de cada jogador em questão.
17. A Requerente promoveu tal cessação sem aquele reconhecimento presencial de assinaturas.
18. Em 25.06.2021, a S, SAD, foi notificada, pelo Revisor Oficial de Contas responsável pela fiscalização da sua contabilidade, a informar que, relativamente aos jogadores Y, S, H, J e M, foi detectada a existência de irregularidades perante a Segurança social e perante a Autoridade Tributária (cf. doc. 8 com oposição).
19. De acordo com a notificação recebida pelo Revisor Oficial de Contas, a S, SAD não tinha vindo a cumprir na íntegra com as suas obrigações fiscais decorrentes dos contratos que mantém com os 5 (cinco) Jogadores supra identificados, na medida em que não procedeu à entrega da totalidade das Declarações Mensais de Remunerações e ao pagamento da totalidade dos impostos relativos aos referidos contratos, nomeadamente no que respeita às contribuições à Segurança Social e às retenções de imposto sobre o rendimento do trabalho.
20. De acordo com essas mesmas informações, a contingência fiscal identificada poderia ascender ao valor de €950.000,00, pondo em causa a viabilidade financeira da SAD.
21. Por carta registada com aviso de ressecção datada de 28.06.2021, a Requerida interpelou a Requerente para que, no prazo máximo de 5 dias, procedesse ao pagamento à Requerida do valor de 950.000,00€ e, 3 ainda, que: «(…) caso o pagamento do referido valor não seja efetuado no prazo de 5 (…) dias, desde já notificamos V. Exas., de que iremos proceder à retenção do valor de 50.000,00€ (…) correspondente à componente do preço que deveria ser paga até 31/06/2021. Ficam ainda V. Exas., notificados para no prazo máximo de 5 (…) dias, nos informar se:
 a) Pretendem regularizar de forma direta, imediata e voluntariamente, esta situação perante a Segurança Social e a Autoridade Tributária de forma a mitigar o valor da contingência fiscal, nomeadamente no que respeita ao valor das coimas a pagar, que podem atingir valores máximos muito significativos;
b) Pretendem, a expensas da E, que seja solicitado à Autoridade Tributária e à Segurança Social um parecer vinculativo relativamente à situação contributiva do Jogadores, de forma a averiguar quais os valores que se encontram em falta relativamente a cada um dos 5 (…) Jogadores, ou se em alternativa e efetuarem diretamente a sua regularização
c) Pretendem aguardar a prescrição dos prazos de pagamento das dívidas à Segurança Social e/ou à Autoridade Tributária, assumindo diretamente os riscos da divida, custas, juros e respectivas coimas não pararem de aumentar.» - doc. 9 com oposição.
22. A Requerente respondeu por carta de 23.07.2021, conforme doc. 10 junto com a oposição, que ora se dá por reproduzido, sem, contudo, declarar pretender efectuar qualquer pagamento ou efectuar qualquer outra diligência.

Dos factos elencados na decisão intercalar, veio a resultar como não provado, nomeadamente: - que a Requerente procedeu à revogação de tais contratos [relativamente aos 5 jogadores chineses] em 25.02.2021.

*
IV. O mérito do recurso

Da impugnação da decisão sobre matéria de facto

Dispõe o art.º 662º n.º 1 do Código de Processo Civil que A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Nos termos do art.º 640º n.º 1 do mesmo Código, quando seja impugnada a matéria de facto deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, os concretos factos que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
O n.º 2 do mesmo preceito concretiza que, quanto aos meios probatórios invocados incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o recurso. Para o efeito poderá transcrever os excertos relevantes. Em contrapartida, cabe ao recorrido o ónus de apontar os meios de prova que infirmem essas conclusões do recorrente, indicar as passagens da gravação em que se funda a sua defesa, e caso assim o entenda, transcrever os excertos que considere importantes, tudo isto sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal.
A lei impõe assim ao apelante específicos ónus de impugnação da decisão de facto, sendo o primeiro o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, o qual implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, tendo como ponto de partida a totalidade da prova produzida em primeira instância.
Acresce que muito embora se imponha o recorrente o ónus de indicar os concretos pontos da matéria de facto que entende deverem ser alterados, e o sentido de tal alteração, o Tribunal não está vinculado a optar entre alterar a decisão no sentido pugnado pelo recorrente ou manter a mesma tal como se encontra, antes goza de inteira liberdade para apreciar a prova, respeitando obviamente os mesmos princípios e limites a que a 1ª instância se acha vinculada.
Não obstante, haverá que ter presente que enquanto que a primeira instância toma contacto directo com a prova, nomeadamente os depoimentos e declarações de parte, e os depoimentos das testemunhas, com a inerente possibilidade de avaliar elementos de comunicação não verbais como a postura corporal, as expressões faciais, os gestos, os olhares, as reações perante as demais pessoas presentes na sala de audiências, etc., a Relação apenas tem acesso ao registo áudio dos depoimentos, ficando, pois privada de todos esses elementos não verbais da comunicação que tantas vezes se revelam importantes para a apreciação dos referidos meios de prova.
Por outro lado, como bem aponta o Ac. desta Relação, de 21/06/2018 (Ondina Alves), proc. 18613/16.7T8LSB.L1-2, “nunca é de mais relembrar que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual, o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a Lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial.
De harmonia com este princípio, que se contrapõe ao princípio da prova legal, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, apenas cedendo este princípio perante situações de prova legal, nomeadamente nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, documentos particulares e por presunções legais.
Nos termos do disposto, especificamente, no artigo 396.º do C.C. e do princípio geral enunciado no artigo 607º, nº 5 do CPC, o depoimento testemunhal é um meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador, o qual deverá avaliá-lo em conformidade com as impressões recolhidas da sua audição ou leitura e com a convicção que delas resultou no seu espírito, de acordo com as regras de experiência – v. sobre o conteúdo e limites deste princípio, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, A livre apreciação da prova em processo Civil, Scientia Iuridica, tomo XXXIII (1984), 115 e seg.
A valoração da prova, nomeadamente a testemunhal, deve ser efectuada segundo um critério de probabilidade lógica, através da confirmação lógica da factualidade em apreciação a partir da análise e ponderação da prova disponibilizada – cfr. a este propósito ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA E SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 435-436.                          
É certo que, com a prova de um facto, não se pode obter a absoluta certeza da verificação desse facto, atenta a precariedade dos meios de conhecimento da realidade. Mas, para convencer o julgador, em face das circunstâncias concretas, e das regras de experiência, basta um elevado grau da sua veracidade ou, ao menos, que essa realidade seja mais provável que a ausência dela.
Ademais, há que considerar que a reapreciação da matéria de facto visa apreciar pontos concretos da matéria de facto, por regra, com base em determinados depoimentos que são indicados pelo recorrente.
Porém, a convicção probatória, sendo um processo intuitivo que assenta na totalidade da prova, implica a valoração de todo o acervo probatório a que o tribunal recorrido teve acesso – v. neste sentido, Ac. STJ de 24.01.2012 (Pº 1156/2002.L1.S1)”.
Tem sido entendido que, ao abrigo do disposto no citado art.º 662º, a Relação tem os mesmos poderes de apreciação da prova do que a 1ª instância, por forma a garantir um segundo grau de jurisdição em matéria de facto. Donde, deve a Relação apreciar a prova e sindicar a formação da convicção do juiz, analisando o processo lógico da decisão e recorrendo às regras de experiência comum e demais princípios da livre apreciação da prova, reexaminando as provas indicadas pelo recorrente, pelo recorrido e na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
Neste sentido, vide António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pág. 287:
O actual art.º 662º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava. Como se disse, através dos nºs 1 e 2, als. A) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia.
No que respeita à observância dos requisitos constantes do citado artigo 640º, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que «(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.» (Ac. STJ de 01/10/2015 (Ana Luísa Geraldes); Ac. STJ de 14/01/2016 (Mário Belo Morgado); Ac. STJ, de 19/2/2015 (Tomé Gomes); Ac. STJ de 22/09/2015 (Pinto de Almeida); Ac. STJ, de 29/09/2015 (Lopes do Rego) e Acórdão de 31/5/2016 (Garcia Calejo), todos disponíveis na citada base de dados.
No que tange especificamente à impugnação da decisão de convicção negativa – factos não provados -, veja-se o Ac. do STJ de 15/2/2018 (Tomé Gomes), com a seguinte síntese: VI. No caso em que vem impugnado apenas um juízo probatório negativo, convocando-se diversos depoimentos prestados nessa sede com argumentação crítica sobre a valoração feita pela 1.ª instância e questionamento da credibilidade dada às testemunhas da A. em detrimento das da R., complementada ainda pela transcrição desses depoimentos com indicação do dia da sessão de julgamento em que foram prestados, do ficheiro de que consta a respetiva gravação e das horas e tempo de duração, tal como ficou consignado em ata, tem-se por observado o nível de exatidão suficiente do teor dessas gravações suscetíveis de relevar para a apreciação do caso, à luz do preceituado no artigo 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC.
Para além disso, qualquer alteração à decisão relativa à matéria de facto adoptada na 1ª instância, tem em comum um pressuposto: a relevância da alteração para o mérito da demanda.
Nesse sentido, vejam-se os Acórdãos da Relação de Guimarães, de 15/12/2016 (Maria João Matos) e desta Relação de 26/09/2019 (Carlos Castelo Branco), ambos disponíveis em www.dgsi.pt:
Não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.).
No caso que ora cumpre apreciar, entendemos que a recorrente cumpriu adequadamente os requisitos previstos no art.º 640º do CPC.

No caso que ora cumpre apreciar, a recorrente pretende que:

- seja dado como não provado o facto 16: “Para concretização da rescisão dos contratos de trabalho dos jogadores, a Federação Portuguesa de Futebol exige o reconhecimento presencial da assinatura de cada jogador em questão.”

- e dado como provado o seguinte facto: “- a Requerente procedeu à revogação de tais contratos (relativamente aos 5 jogadores chineses) em 25.02.2021.”

Aqui chegados, importa, pois, que o presente Tribunal, tendo em consideração o que já ficou dito em cima, se pronuncie sobre a argumentação da recorrente, no sentido de apurar se, conforme este defende, os meios de prova produzidos permitem alterar a decisão no sentido propugnado.
Como se disse, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
É certo que o princípio da livre apreciação da prova nunca atribui ao juiz o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra as provas, ou seja, a livre apreciação da prova não pode confundir-se com uma qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios, sendo antes uma conscienciosa ponderação desses elementos e das circunstâncias que os envolvem.
Analisada a motivação do recurso em apreciação, resulta claro da mesma que da parte da recorrente existe discordância profunda quanto ao modo como foi valorada a prova testemunhal, nomeadamente da testemunha JL, responsável pelos Registos e Transferências de Jogadores na Federação Portuguesa de Futebol (adiante designada por FPF).
Sobre a valoração e apreciação da prova testemunhal, escreve-se no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 09-02-2021: Com este alcance - aqui, também, se impondo, ainda, referir -, por ser consabido que a prova testemunhal, ela própria, apesar de falível e precária, é aquela que, na prática, assume a maior importância, por ser a única a que pode recorrer-se na demonstração da realidade de muitos factos, como ensinava o Senhor Professor Antunes Varela (Manual de Processo Civil, 2.ª edição, p. 614). Acrescentando que «se a vida moderna, por uma questão de segurança, tende a documentar um número cada vez maior de actos jurídicos, continua a ser enorme o contingente dos factos imprevistos e dos próprios factos previsíveis, com relevância para o julgamento dos litígios, em que o único meio de prova utilizável é o recurso ao depoimento das pessoas (terceiros) que tiveram acidentalmente percepção desses factos ou de ocorrências a ele ligados por qualquer nexo de instrumentalidade» (ibidem). O citado Professor rematava apelando ao particular cuidado «o prudente senso crítico» - que o Tribunal, não podendo prescindir de tal meio de prova, deve ter no interrogatório e na ponderação do depoimento testemunhal, relembrando o vetusto brocardo do Digesto «testium fides diligenter examinanda» (Ac. STJ de 17.11.20111:Proc. 2190/07.2TBFAT.G1.S1.dgsi.Net) (Ac. proferido no proc. 275/19.1T8TCS-A.C1, versão integral em www.dgsi.pt).
Sobre o depoimento da testemunha JL, e no que concerne à sua credibilidade, isenção e, dadas as funções que exerce na FPF, conhecimento sobre procedimentos administrativos e regulamentares daquela entidade quanto ao registo de jogadores de futebol, secundamos o juízo efectuado na sentença sob recurso relativamente à valia de tal  depoimento  quanto à questão específica da exigência pela FPF de reconhecimento presencial da assinatura do jogador no documento de rescisão do vínculo contratual. Igualmente, subscrevemos que  a testemunha Também esclareceu, com valia e razão de ciência, as situações excepcionais que podem ocorrer, em que a FPF procura usar de bom-senso para superar algum tipo de bloqueio e quando não restam dúvidas quanto à situação em que o jogador se encontra (nomeadamente quando já está a actuar fora do País) (sic).
Já não acompanhamos a sentença em análise na valorização de tal depoimento, por a testemunha ter referido que o reconhecimento presencial da assinatura do praticante desportivo nas situações de rescisão decorre de exigências regulamentares da FPF, porquanto, como bem salienta o recorrente o “Regulamento do Relativo ao Estatuto, Categoria, Inscrição e Transferência de Jogadores” emitido pela FPF, não refere tal obrigação relativamente ao caso dos autos, apenas a prevendo para os contratos de formação (cfr. arts. 15º nº 9 de tal regulamento).
Contudo, a aludida desconformidade entre depoimento e normativo regulamentar, não desqualifica o depoimento da testemunha quanto a atestar que é prática institucional dos serviços da FPF, para o registo dos mais diversos actos (contratos, transferências internacionais, cedências temporárias e revogações)  a exigência do reconhecimento presencial das assinaturas e que tal se baseia na jurisprudência do Conselho de Justiça da FPF, por tal entendemos reformular o facto 16, nos seguintes termos:

“Para registo da rescisão dos contratos de trabalho dos jogadores, a Federação Portuguesa de Futebol exige o reconhecimento presencial da assinatura de cada jogador em questão.”

Consideramos redundante aditar o facto pretendido pela recorrente- a concretização dos acordos de revogação- dado que o mesmo já consta do facto 8, julgando-se sim oportuno aditar a data em que foi dado conhecimento dos acordos de revogação à administração da S, SAD, em conformidade doc. 5 junto com o requerimento inicial.  

No decorrer do procedimento cautelar, foram juntos documentos que permitem concluir que as acções ids. nos autos já foram alvo de duas transmissões, atento o preceituado no art.º 662º nº 1 importa aditar à factualidade assente os seguintes factos:
- A Requerida (S, SGPS, SA) celebrou, por valor não concretizado, um contrato de transmissão das Acções para a sociedade O, Lda.  em 24 de Abril de 2023.

- Posteriormente, em 10/08/2023, a O, Lda.  celebrou um contrato de venda das Acções com a sociedade N, Lda. (NIPC …), pelo montante total de €250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros).

- O procurador da sociedade O, Lda que a representou no negócio com a sociedade N, Lda. foi PF, o mesmo que é simultaneamente membro do conselho de administração da Requerida e que tinha as acções em seu poder previamente à entrega destas à N, Lda.

Os factos supra referidos resultam quer de admissões das partes, quer dos autos e documentos juntos aos autos pelo Agente de Execução (junções de documentos com a ref.as citius 37004882 e 37135703, de 15/09/2023 e de 28/09/2023), quer ainda do Requerimento com a ref.ª citius 37295935 datado de 17/10/2023.

Em face do exposto, julga-se parcialmente procedente a impugnação da decisão relativa à matéria de facto e, consequentemente, decide-se:
 
reformular o facto 16, nos seguintes termos:

16- Para registo da rescisão dos contratos de trabalho dos jogadores, a Federação Portuguesa de Futebol exige o reconhecimento presencial da assinatura de cada jogador em questão.”


aditam-se à factualidade provada os seguintes factos:

23- A Requerente deu conhecimento à administração da S, SAD do facto 8, por mensagens de correio electrónico de 05.03.2021.

24- A Requerida (S, SGPS, SA) celebrou, por valor não concretizado, um contrato de transmissão das Acções para a sociedade O, Lda.  em 24 de Abril de 2023.

25- Posteriormente, em 10/08/2023, a O, Lda.  celebrou um contrato de venda das Acções com a sociedade N, Lda. (NIPC …), pelo montante total de €250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros).

26- O procurador da sociedade O, Lda que a representou no negócio com a sociedade N, Lda. foi FF, o mesmo que é simultaneamente membro do conselho de administração da Requerida e que tinha as acções em seu poder previamente à entrega destas à N, Lda.

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O Direito

1. Estabilizado o quadro factual do litígio, cumpre agora analisar juridicamente a pretensão da recorrente, à luz do mesmo.
Estamos no âmbito de providência cautelar nominada de arresto, consagrado no artigo 396º, n.º 3 do C.P.C.
Como já se salientou na decisão intercalar, estando em dívida a totalidade ou parte do preço de um bem vendido, o credor pode obter o arresto desse bem, nos termos deste normativo, sem necessidade de alegar e provar o justo receio de perda da garantia patrimonial.

2. Numa primeira decisão, o Tribunal a quo considerando estarem verificados os necessários requisitos legais ordenou o arresto, nessa sequência os requeridos (ora recorrentes) deduziram oposição ao decretamento da providência cautelar.
Estipula o art.º 372º, nº1, al. b) do C. P. Civil, que “ Quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, é-lhe lícito (...) deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução (....)”.
Através do incidente de oposição, a lei concedeu ao requerido a possibilidade de, mediante a alegação e prova de novos factos, conseguir a remoção ou a modificação da decisão cautelar.
Como ensina, António Santos Geraldes In, “Temas da Reforma do Processo Civil”, 5. Procedimento Cautelar Comum ,vol. III, 2ª ed., pág. 256. , “Não se trata de facultar ao mesmo tribunal a reapreciação da decisão, a partir dos mesmos elementos, mas de conferir a possibilidade de revisão da convicção anteriormente formada, através de novos meios de prova ou de novos factos com que o tribunal não pode contar”.
Vem o presente recurso interposto da Sentença que julgou procedente a oposição e, em consequência, ordenou o levantamento do arresto sobre 7.000 (sete mil) acções, nominativas, tituladas, de categoria B, com o valor nominal de €5,00 (cinco euros) cada uma, numeradas de 2998 a 9997, integralmente realizadas, representativas de 70,00% (setenta por cento) do capital social e dos direitos de voto da S SAD.
Encontra-se sumariamente demonstrado que, através de contrato, a Requerente declarou vender, tendo a Requerida declarado adquirir, 7.000 acções, nominativas, tituladas, de categoria B, com o valor nominal de €5,00 cada uma, numeradas de 2998 a 9997, integralmente realizadas, representativas de 70,00% do capital social e dos direitos de voto da sociedade anónima desportiva de direito português denominada S, SAD.
No mesmo Contrato, a Requerente também declarou transmitir à Requerida um conjunto de créditos de suprimentos, detidos sobre a S SAD, no valor de €458.141,41.
O pagamento do preço ficou dividido em três componentes a serem pagos em momentos distintos: 
-No acto da celebração o montante de €126.382,50, único montante que foi efectivamente pago até ao momento; 
-O montante de €100.000,00 (cem mil euros) seria pago no dia seguinte à comprovação, por parte da Requerente, de ter feito cessar 5 contratos de trabalho desportivos que existiam com atletas de nacionalidade chinesa;  montante este que cujo pagamento ficou sujeito àquela condição para garantir à Requerida o pagamento de quaisquer custos que pudessem surgir relacionados com a existência de tais contratos;
 -A última componente do preço, no montante de €50.000,00 deveria ser paga em 01 de Julho de 2021.
O facto de a Requerida não ter pago a quantia de €150.000,00 é aceite por ambas as partes.
Discute-se nesta providência cautelar, saber se à requerida assiste o direito de recusar o pagamento da tranche de €100.000, prevista como parte do pagamento do preço devido pelo negócio, em sede do instituto da excepção de não cumprimento (artigos 428º e 801º do Código Civil) – o que, deste modo, determina a conclusão de que à requerente/recorrente não assiste o invocado crédito nesse mesmo valor.
E, ainda se, quanto ao remanescente de €50.000, também em dívida e parte integrante desse preço, a Requerida alegou e demonstrou, pelo menos indiciariamente, que exerceu um direito de “retenção” por efeito de uma actuação ilícita e culposa da Requerida, relacionada com a execução do contrato, potencialmente geradora de obrigação de indemnizar a primeira.
A sentença sob escrutínio entendeu que à requerida assiste o direito de recusar o pagamento da tranche de €100.000 prevista como parte do pagamento do preço devido pelo negócio, em sede do instituto da excepção de não cumprimento (artigos 428º e 801º do Código Civil).
Mais, entendeu ainda que, quanto ao remanescente de €50.000, também em dívida e parte integrante desse preço, a Requerida alegou e demonstrou, pelo menos indiciariamente, que exerceu um direito de “retenção” por efeito de uma actuação ilícita e culposa da Requerida, relacionada com a execução do contrato, potencialmente geradora de obrigação de indemnizar a primeira, dessa forma se comprometendo o direito de crédito que a requerente invocou para instaurar a presente providência cautelar.
Analisemos, pois as diversas questões que se suscitam.

3. Não vamos aqui dissecar o instituto da excepção de não cumprimento (arts. 428º e 801º do Código Civil), invocado na sentença recorrida para fundamentar o juízo de que à requerida era legítimo não pagar à requerente parte da quantia de €150.000,00, mas não nos dispensaremos de sobre o mesmo afirmar o básico, de que os seus pressupostos são: (1) a existência de um contrato bilateral, (2) a não existência da obrigação de cumprimento prévio por parte do contraente que invoca a excepção, (3) não cumprimento ou não oferecimento do cumprimento simultâneo da contraprestação e a (4) não contrariedade à boa fé.
De acordo com o contrato celebrado entre as partes a requerida comprometeu-se ao pagamento €100.000,00 a serem pagos no primeiro dia útil do mês seguinte à verificação da rescisão ou cessação do contrato de trabalho desportivo do último dos cinco jogadores de nacionalidade chinesa (S, M, Y, H e J) desde que tais rescisões ou cessações ocorressem até ao dia 27 de Fevereiro de 2021.
Entendeu o Tribunal a quo que a Requerente não deu cumprimento, eficaz e tempestivo, à sua obrigação de desvinculação dos cinco jogadores chineses ainda associados ao clube e que, por essa razão, falhou na demonstração de que respeitou o clausulado do contrato, nomeadamente, as suas cláusulas 4. e 11, dessa forma se legitimando a recusa de cumprimento da requerida.
Elaboremos sobre o regime do contrato de trabalho desportivo.
O regime jurídico aplicável ao contrato de trabalho do praticante desportivo actualmente consta da Lei n.º 54/2017, de 14 de Julho.
Enunciemos o regime de tal lei que importa à questão em causa nomeadamente os artigos relativos à forma, art.º 6.º e 23.º:
“Artigo 6.º
Forma e conteúdo
1 - Sem prejuízo do disposto em outras normas legais, na regulamentação desportiva ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, o contrato de trabalho desportivo é lavrado em triplicado, ficando cada uma das partes com um exemplar e a terceira para efeitos de registo.
2 - O contrato de trabalho desportivo só é válido se for celebrado por escrito e assinado por ambas as partes.
3 - Do contrato de trabalho desportivo deve constar:
a) A identificação das partes, incluindo a nacionalidade e a data de nascimento do praticante;
b) A identificação do empresário desportivo que tenha intervenção no contrato, com indicação da parte que representa, ou a menção expressa de que o contrato foi celebrado sem intervenção de empresário desportivo;
c) A atividade desportiva que o praticante se obriga a prestar;
d) O montante e a data de vencimento da retribuição, bem como o fracionamento previsto no n.º 4 do artigo 15.º, caso o mesmo seja decidido pelas partes;
e) A data de início de produção de efeitos do contrato;
f) O termo de vigência do contrato;
g) A menção expressa de existência de período experimental, quando tal for estipulado pelas partes, nos termos do artigo 10.º;
h) A data de celebração.
4 - Na falta da referência exigida pela alínea e) do número anterior, considera-se que o contrato tem início na data da sua celebração.
5 - Quando a retribuição for constituída por uma parte certa e outra variável, do contrato deverá constar indicação da parte certa e, se não for possível determinar a parte variável, o estabelecimento das formas que esta pode revestir, bem como dos critérios em função dos quais é calculada e paga.”
“Artigo 23.º
Formas de cessação
1 - O contrato de trabalho desportivo pode cessar por:
a) Caducidade;
b) Revogação por acordo das partes;
c) Despedimento com justa causa promovido pela entidade empregadora desportiva;
d) Resolução com justa causa por iniciativa do praticante desportivo;
e) Denúncia por qualquer das partes durante o período experimental;
f) Despedimento coletivo;
g) Denúncia por iniciativa do praticante desportivo, quando contratualmente convencionada, nos termos do artigo 25.º
2 - A caducidade por verificação do termo opera automaticamente e não confere direito a compensação.
3 - Constitui justa causa, para efeitos das alíneas c) e d) do n.º 1, o incumprimento contratual grave e culposo que torne praticamente impossível a subsistência da relação laboral desportiva.
4 - Por convenção coletiva pode ser estabelecido o direito de o praticante resolver o contrato em caso de não participação nas competições oficiais ao longo da época desportiva.”
Em face da factualidade dada como assente no ponto 8, é para nós inequívoco que a requerente celebrou com os praticantes chineses mencionados acordos de revogação dos contratos de trabalho desportivo que mantinham, a questão que se impõe é a de saber se, para que tais acordos de revogação pudessem operar validamente em favor da pretensão da requerente, seria necessário o reconhecimento presencial das assinaturas dos outorgantes.
Sobre tal matéria convém acentuar, tal como se faz nas alegações de recurso, que a FPF não ter qualquer tipo de poder decisório sobre contratos de trabalho desportivos dos jogadores de futebol, mas apenas das questões relacionadas com os registos de direito desportivos decorrentes daqueles, o chamado vínculo desportivo.
A FPF, perante um contrato de trabalho desportivo que entenda não respeitar os requisitos legais e/ou regulamentares, tem o direito de não registar um jogador num clube a ela afecto e, com isso, impedir o jogador de jogar em competições oficiais por aquele clube. Mas, tal facto não impede que o contrato de trabalho em questão seja válido entre as partes e que existam obrigações decorrentes do mesmo conforme decorre até do n.º 1 do art.º 7.º da Lei 54/2017, de 14 de Julho supra transcrito.
 O contrato de trabalho do praticante desportivo é um contrato formal, na medida em que só válido se for celebrado por escrito e assinado por ambas as partes, nos termos do n.º 2 do artigo 6º da Lei n.º 54/2017.
A participação do praticante desportivo em competições promovidas por uma federação dotada de utilidade pública desportiva depende de prévio registo do contrato de trabalho desportivo na respetiva federação (cfr. art.º 7º nº 1 daquele diploma).
Não obstante os citados normativos, deverá entender-se- como entendemos- que a falta de registo do contrato de trabalho desportivo na respetiva federação não acarreta a sua invalidade, uma vez que este registo não é requisito de validade ou eficácia do mesmo, o qual é apenas condição para que o praticante desportivo possa participar em provas oficiais promovidas pelas respetivas federações.
Também no que se refere ao reconhecimento notarial das assinaturas dos contraentes inexiste preceito legal ou convencional que condicione a validade ou eficácia de tais contratos ao respetivo reconhecimento.
Com o mesmo entendimento, refere-se no Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 23-01-2012:

A Lei de Bases do Sistema Desportivo – Lei n.º 1/90, de 13 janeiro, alterada pela Lei n.º 19/96, de 25 de junho)[2], onerou o legislador com o encargo da criação de um regime jurídico contratual para os praticantes desportivos que atendesse à sua especificidade em relação ao regime geral do contrato de trabalho (artigo 14º, n 4).
Em 1995 foi aprovado – na sequência da Lei n.º 85/95, de 31 de agosto (lei de autorização legislativa) – um regime jurídico exclusivo para os praticantes desportivos – Decreto-lei n.º 305/95, de 18 de novembro –, que foi revogado pela Lei n.º 28/98, de 26 de junho.
O artigo 2.º, alínea a), da Lei n.º 28/98 define contrato de trabalho desportivo como «aquele pelo qual o praticante desportivo se obriga, mediante retribuição, a prestar atividade desportiva a uma pessoa singular ou coletiva que promova ou participe em atividades desportivas, sob a autoridade e a direção desta».
A relação laboral do praticante desportivo é uma relação de natureza especial, sendo-lhe subsidiariamente aplicáveis as regras aplicáveis ao contrato de trabalho (cf. o artigo 3.º da Lei n.º 28/98) e apenas na medida em que não sejam incompatíveis com a especificidade do contrato de trabalho desportivo (artigo 11.º do Código de Trabalho).
(…)
O contrato de trabalho do praticante desportivo é um contrato formal, na medida em que só válido se for celebrado por escrito e assinado por ambas as partes, nos termos do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 28/98, de 26 de junho. Tratando-se, assim de uma formalidade ad substantiam, a sua falta ou inobservância acarreta a nulidade do negócio, nos termos do artigo 220º do Código Civil. No entanto, estamos perante uma nulidade atípica, na medida em que os seus efeitos operam ex nunc, ou seja, não tem efeitos retroativos, conforme decorre do disposto no n.º 1 do artigo 115.º do Código do Trabalho, ex vi do artigo 3º da Lei n.º 28/98, de 26 de junho.
De acordo com o artigo 6º, nº 1 da Lei n.º 28/98, de 26 de junho «A participação do praticante desportivo em competições promovidas por uma federação dotada de utilidade pública desportiva depende de prévio registo do contrato de trabalho desportivo na respetiva federação».
Diremos, no entanto, que a falta de registo do contrato de trabalho desportivo na respetiva federação não acarreta a sua invalidade, uma vez que este registo não é requisito de validade ou eficácia do mesmo, o qual é apenas condição para que o praticante desportivo possa participar em provas oficiais promovidas pelas respetivas federações.
Também no que se refere ao reconhecimento notarial das assinaturas dos contraentes inexiste preceito legal ou convencional que condicione a validade ou eficácia de tais contratos ao respetivo reconhecimento (Ac. proferido no proc. 643/09.7TTVCT.P1, versão integral em www.dgsi.pt- sublinhado nosso).

Embora a decisão de tal aresto tenha sido tomada no âmbito da vigência da lei n.º 28/98, de 26 de junho, pensamos que a sua doutrina é também aplicável no âmbito da lei 54/2017, de 14 de Julho - que lhe sucedeu e que rege os contratos de trabalho desportivo ids. nos autos-, no domínio da validade de tais contratos, ainda que as assinaturas deles constantes não estejam reconhecidas presencialmente e que as referidas federações entendam não ser de admitir o registo de tais contratos.
Tratando-se a revogação de uma forma legalmente prevista de pôr termo a um contrato de trabalho desportivo por acordo entre outorgantes, não alcançamos razões para, à semelhança do que sucede com a sua celebração, não considerarmos válido o acordo de revogação, ainda que as suas assinaturas não estejam presencialmente reconhecidas.
Retomando o caso dos autos: contrariamente ao sustentado na decisão recorrida, o facto de as assinaturas constantes dos acordos de revogação ids. no processo não estarem reconhecidos presencialmente, não obsta à sua eficácia, impondo-se concluir que a requerente/recorrente deu atempado cumprimento à sua obrigação de desvinculação dos praticantes chineses, pelo que lhe assistia o direito de reclamar da recorrida o valor da tranche de 100.000,00€.

4.Mais entendeu a sentença sob recurso que, quanto ao remanescente de €50.000, também em dívida e parte integrante desse preço, a Requerida alegou e demonstrou, pelo menos indiciariamente, que exerceu um direito de “retenção” por efeito de uma actuação ilícita e culposa da Requerida, relacionada com a execução do contrato, potencialmente geradora de obrigação de indemnizar a primeira, dessa forma se comprometendo o direito de crédito que a requerente invocou para instaurar a presente providência cautelar.
Para tanto, escreve-se na decisão recorrida:

Por outro lado, quanto ao remanescente de €50.000, também em dívida e parte integrante desse preço, a Requerida alegou e demonstrou, pelo menos indiciariamente, que exerceu um direito de “retenção” por efeito de uma actuação ilícita e culposa da Requerida, relacionada com a execução do contrato, potencialmente geradora de obrigação de indemnizar a primeira. Com efeito, a contingência fiscal detectada pelo revisor oficial de contas do clube deve considerar-se como susceptível de violar o Contrato, nomeadamente, a sua cláusula 8. (al.g)), que previa o cumprimento, pela Requerida enquanto vendedora, de todas as obrigações fiscais e de segurança social do Clube, sendo certo, ainda, que, também nos termos do Contrato (cláusula 11.), a mesma se assumiu responsável por quaisquer custos que se viessem a mostrar devidos pelos concretos 5 jogadores chineses (os mesmos que, veio a apurar-se, não estavam registados para efeitos de descontos de contribuições para a Segurança Social em de IRS) – e estando expressamente previsto, aliás, um direito a indemnização, a favor da compradora, caso se viesse a apurar este tipo de responsabilidade numa fase posterior, conforme consta da cláusula 12. do Contrato. Tendo a Requerida interpelado a Requerente para estes efeitos e não tendo esta assumido a sua responsabilidade (cf. pontos 8. e 9. do segundo elenco de factos indiciariamente provados), é de concluir, como pretendido por aquela, que lhe assiste o direito de reter determinado valor, do quantitativo devido pela transacção, também a título de exceptio inadimpleti 8 contractus. Mas, sendo certo que não cabe nesta sede a apreciação e fixação, rigorosa e definitiva, da responsabilidade de cada uma das partes no cumprimento do contrato, o que não é menos certo é que este circunstancialismo, na sua globalidade, é seguro e suficiente para determinar a conclusão de que a Requerida logrou convocar fundamentos fáctico-jurídicos suficientes para contrariar a existência do crédito invocado pela Requerente como fundamento para a providência que requereu e que foi preliminarmente decretada. Acima de tudo, atenta a factualidade indiciária disponível nos autos, foi possível detectar elementos suficientemente consistentes no sentido em que a versão trazida pela Requerente está longe de permanecer sustentada em factos concludentes – pelo contrário, está em manifesta contradição com a versão dos Requerida, pelo que só em sede de acção principal, e à luz das regras de repartição do ónus da prova, haverá as necessárias condições para se decidir com segurança as questões fáctico-jurídicas controvertidas. Importa, enfim, salientar que a providência de arresto de bens constitui expediente gravoso, atentatório do direito de propriedade, que só deve ser decretada se e na medida em que existir uma convicção séria (ainda que baseada em indícios) de que o seu titular, ou não pretende honrar os seus compromissos contratuais, ou se propõe dissipar o património que constituiria garantia de cumprimento, como forma de se escusar à assunção de tais responsabilidades. Produzida toda a prova indiciária, a conclusão a que se chega, nesta fase, é que, no mínimo, não existe fundamento seguro para o direito invocado pela Requerente. A oposição é, pois, procedente, impondo-se levantamento do arresto anteriormente decretado.

Do direito de retenção/exceptio inadimpleti contractus.
O direito de retenção, previsto nos arts. 754º e 755º, ambos do Código Civil, traduz-se no direito conferido ao credor, que tem a posse de uma coisa e está obrigado a entregá-la a outrem, de a reter enquanto não lhe for satisfeito aquilo que, em ligação com ela, lhe é devido.
São, assim, pressupostos deste direito: i) a posse e obrigação de entrega duma coisa; ii) a existência, a favor do devedor, dum crédito exigível sobre o credor; iii) e a existência de uma conexão causal entre o crédito do detentor e a coisa, ou seja, este crédito acha-se ligado à coisa, visando o pagamento de despesas que o detentor com ela efetuou ou a indemnização de prejuízos que em razão dela sofreu - «debitum cum re junctum».
Trata-se de um direito real de garantia que decorre diretamente da lei, surgindo sem necessidade de prévia declaração judicial nesse sentido, e com eficácia erga omnes, permitindo ao retentor realizar o seu crédito através do produto da venda do objeto, com prioridade sobre os credores restantes, designadamente sobre outros credores que gozem de hipoteca mesmo que esta tenha sido registada anteriormente.
No caso que ora cumpre apreciar, não é de todo aplicável tal regime para sustentar a posição da requerida, uma vez que a esta, caso entendesse que a requerente está numa situação de incumprimento no âmbito do contrato celebrado, não lhe assiste o direito de reter as acções objecto do mesmo, pela simples razão lógica de que a obrigação de entrega das mesmas incumbia à requerente e esta já cumpriu tal obrigação/entrega.
Nesta providência cautelar, não está em causa a posse das acções, mas tão somente apurar se ao requerente/credor assiste o direito de arrestar activos do requerido/devedor com vista a salvaguardar, em caso de vencimento da acção principal, a satisfação do seu crédito, ainda que com recurso coercivo ao património do requerido/devedor, em caso de não cumprimento voluntário da dívida.
Ainda sobre esta questão do remanescente de 50.000,00€.
Como supra dissemos a excepção de não cumprimento de contrato (cf. art.º 428º do C.Civil) é a faculdade que, nos contratos bilaterais, cada uma das partes tem de recusar a sua prestação enquanto a outra não realizar ou não oferecer a realização simultânea da sua contraprestação.
 Ora, contrariamente ao sustentado na decisão recorrida, não constitui contratualmente obrigação da requerente cumprir todas as obrigações fiscais e de segurança social do Clube.
O que resulta do contrato é que perante garantias e declarações contratuais da vendedora (ora requerente), entre elas de obrigações fiscais e perante a segurança social (cfr. ponto 8, al. g)), aquela está obrigada a indemnizar a compradora (requerida), caso se apure qualquer incumprimento da mesma posterior à data da celebração do contrato (cfr. ponto 12.2 al. a)), relativo a incorreções ou incumprimentos daquelas garantias e declarações que causassem prejuízos à compradora (ora requerida).
Logo, se eventualmente a requerente violou as ditas declarações e garantias contratuais, a requerida tem direito a reclamar da requerente o pagamento de uma indemnização e não - coisa bem diferente - recusar o cumprimento da prestação de pagamento do preço das acções adquiridas que resulta do contrato, pois, tal recusa, só seria legitima caso a vendedora incumprisse alguma das obrigações resultantes do contrato (maxime entrega de acções), o que não está demonstrado ter acontecido, pelo que relativamente à importância de 50.000,00€, não assiste à requerida o direito de invocar a excepção de não cumprimento de contrato.
Por todo o exposto, o crédito invocado pela requerente pode ser tutelado, dado que a requerida não demonstrou ter motivos legítimos para a não satisfação do mesmo.

5. Está sumariamente demonstrado que o lote de acções a arrestar foi sucessivamente transmitido a terceiros pela requerida, situação que é processualmente bastante relevante.
O que sucede quanto os bens a arrestar são de terceiro, ou estão na posse de terceiro?
Ora, o arresto pode incidir sobre (1) bens do devedor e em poder deste, (2) bens do devedor na posse de terceiros, (3) bens alegadamente pertencentes ao devedor, mas que este, para os subtrair à acção do credor, transfere para a titularidade de terceiro, ou inscreve-os em nome deste (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de
30-11-2010, proferido no proc. 308-B/2002.C1, versão integral em
www.dsgi.pt-embora o acórdão tenha sido proferido no âmbito de art.º 407º nº 2 do CPC pré-vigente, entendemos que a doutrina é aplicável no âmbito do regime do art.º 392º nº 2 do CPC actualmente em vigor)
Não obsta à aplicação do regime especial de arresto previsto no art.º 396º nº 3 do CPC o facto de os bens a arrestar encontrarem-se na posse de terceiro ou terem sido transferidos para terceiro e inscritos em nome deste, no entanto, tal não dispensa o requerente da providência cautelar de demandar o terceiro possuidor/adquirente e de alegar que a transferência dos bens visou ocultar ou dissimular os bens com vista à não satisfação do crédito invocado pelo requerente do arresto e em conformidade com o regime previsto no art.º 392º nº 2 do CPC.
Atento o princípio da proporcionalidade que enforma o regime das providências cautelares- aferido no confronto do dano a provocar ao requerido, pela decretação da providência cautelar, com o dano que o requerente pretende evitar -, mal se compreenderia que para o regime geral do arresto a lei processual civil estabelecesse um regime para arrestar bens na posse de terceiro mais exigente – no caso o previsto no nº 2 do art.º 392º do CC- e para o regime especial do art.º 396º do CC que nos ocupa, que de si já dispensa para o credor ónus de alegar e demonstrar o requisito do justo receio, beneficiasse também este da vantagem de não demandar (também) o terceiro adquirente -como expressamente prevê o nº 2 do art.º 392º- e de não alegar factos que tornem plausível que a transferência dos bens  visou ocultar ou dissimular os bens com vista à não satisfação do crédito invocado pelo requerente.
Mais, secundando a doutrina do Ac. desta Relação e Secção de
07-02-2019,
O arresto incide, por norma, sobre bens do devedor e em poder deste, existindo ainda hipóteses do arresto poder ter por alvo bens de terceiro ou bens do devedor que se encontrem na posse de terceiro, mas sempre a factualidade que permite o arresto de tais bens tem de ser alegada em sede de requerimento inicial (Ac. proferido no proc. 1186/17.0T8LSB-A.L1-6, versão integral em www.dsgi.pt-sublinhado nosso).
Ora, no caso vertente, o requerente (1) não demandou os terceiros adquirentes, (2) não alegou no requerimento inicial factualidade susceptível de levar ao arresto de bens transmitidos ou na posse de terceiros e, ainda que assim não se entendesse, (3) os factos apurados no âmbito da pendência desta acção e constantes dos pontos 24 a 26, são por si, manifestamente insuficientes para concluir por um quadro de ocultação ou dissipação das acções de forma conluiada entre requerida e terceiros adquirentes.
Não estão, pois, verificadas as condições para reverter a sentença da 1ª instância que decidiu pela procedência à oposição da providência cautelar de arresto.

Pelas razões expostas, improcederá a presente apelação.
*
V. Decisão

Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam em:
a) julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, nos termos supra decididos;
b) julgar totalmente improcedente a apelação apresentada, mantendo-se na íntegra a sentença proferida na primeira instância.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.

TRL, 09-05-2024
João Brasão
António Santos
Nuno Gonçalves