Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CALHEIROS DA GAMA | ||
Descritores: | HOMICIDIO QUALIFICADO TENTADO CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONSUMADO ELEMENTOS SUBJECTIVOS DOS TIPOS LEGAIS DESCONHECIMENTO CONCRETO DA LEI E SEUS EFEITOS PUNIBILIDADE EM PORTUGAL E NO REINO DE MARROCOS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/11/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | I– A vítima era a companheira do arguido (vivendo em condição análoga à dos cônjuges) e é mãe dos seus quatros filhos, pelo que é inequívoca a demonstração da qualificativa prevista na alínea b) do n.° 2, do art. 131.°, do Código Penal; Tal como se mostra claramente preenchida a alínea h) do mesmo preceito penal, dado que, utilizar um haltere de ginástica, cuja estrutura é compacta, maciça e em metal (ferro), contra a cabeça de um ser humano, ainda para mais deitado, é subsumível ao conceito típico de utilização de meio particularmente perigoso para a vida humana; E para além da demonstração das qualificativas referidas (previstas nas alíneas b) e h) do n.° 2 do aludido art. 132.°), a conduta do arguido, globalmente avaliada, revela a citada especial censurabilidade, pois que, o arguido agiu durante o período ainda de adormecimento da ofendida, aproveitando-se do facto da mesma estar deitada, e ainda não desperta, logo ainda mais vulnerável e mais desprotegida, atingindo-a na cabeça, por três vezes, certificando-se que o filho mais velho não estava casa (já tinha ido para a escola), certificando-se que o filho mais novo ainda estava a dormir, e fechando a porta do quarto deste, e após ter desferido tais pancadas com um haltere, contra a cabeça da ofendida, limpou tal objecto, trocou de roupa e disse à ofendida para chamar o INEM, mas para dizer que tinha sofrido uma queda em casa. Sem descurar que, quem, aproveitando-se do especialmente vulnerável posicionamento físico — a ofendida estava deitada na cama do seu quarto — e do estado de alerta enfraquecido, dado que estava adormecida, desfere três pancadas na cabeça de outrem, com um haltere, que pesa um quilo, não tem outra intenção que não seja o de atentar contra a vida da visada, desde logo pelo local específico do corpo atingido (a cabeça), o número de pancadas infligidas e o objecto utilizado; II– Alega o recorrente padecer a decisão recorrida do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, por falta do elemento intelectual do dolo, que consiste na representação pelo agente de todos os elementos que integram o facto ilícito – o tipo objetivo de ilícito – e na consciência de que esse facto é ilícito penal. Acrescentando: “Ora, constando no libelo acusatório que «o arguido agiu livre, voluntaria e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei», o mesmo sucedendo na sentença recorrida, não é sinónimo de «conhecimento de que a sua conduta era proibida e punível pela lei penal».” Mais alegando que: “A descrição constante na sentença, por ser demasiado aberta, consente que o Arguido sabia que a sua conduta era punida por lei civil (?), contra-ordenacional (?) ou administrativa (?).”Ora tal argumento não é só insólito como descabido. É evidente que um arguido, sem formação jurídica, como sucede com o ora recorrente e com a maioria dos cidadãos, não sabe quais as concretas normas legais em que se encontram consagrados e cominados os crimes de violência doméstica e de homicídio; III– No entanto, todos os indivíduos (salvo se forem inimputáveis, o que não é o caso) e em qualquer parte do mundo, têm perfeita consciência que atentar contra a vida de alguém da forma supra descrita, com o propósito de a retirar, é um crime e não um mero ilícito administrativo ou contraordenacional, bem como têm perfeita consciência que é punido (pelo menos) com pena de prisão e não com mera multa ou coima. E experiência de vida não faltava seguramente ao arguido que à data da prática dos factos contava 52 anos de idade; IV– Tal punição – com prisão para quem comete o crime de homicídio – ocorre não só em Portugal, onde o arguido vive desde os 23 anos de idade, ou seja, há três décadas, mas igualmente em Marrocos, país da sua nacionalidade, onde nasceu, cresceu e viveu até aos 18 (dezoito) anos de idade (como provado, aí iniciou actividade laboral em idade precoce, junto do pai, auxiliando-o no comércio de tecidos, e em Marrocos continuam a residir os seus irmãos, teve dezoito), bem como sucede em França, nos Países Baixos, na Dinamarca e na Bélgica, Estados da União Europeia onde posteriormente também viveu e trabalhou antes de chegar ao nosso território, pelo que, naturalmente, não pode desconhecer que a Lei – seja ela qual for – pune severamente e com prisão quem matar outra pessoa ou quem tentar fazê-lo; V– Atente-se que o Código Penal marroquino Pode ser consultado, na sua versão em língua francesa, em: https://www.ilo.org/dyn/natlex/docs/SERIAL/69975/69182/F1186528577/MAR-69975.pdf (doravante CPM) prevê a pena de morte para quem cometa homicídio qualificado, tortura, assalto à mão armada, fogo posto, traição, deserção e para certos tipos de atentado à vida e à integridade do rei ou de membros da sua família (vd. artigo 163 e seguintes do CPM).O homicídio é naquele país magrebino qualificado quando cometido na pessoa do pai, mãe ou de qualquer outro ascendente; quando perpetrado por meio de envenenamento; quando tenha por objectivo preparar, facilitar ou executar outro crime ou delito, seja ainda para favorecer a fuga ou assegurar a impunidade de autores ou cúmplices desse crime ou ofensa; quando seja precedido, acompanhado ou seguido de outro crime; quando cometido com premeditação ou esperando, por mais ou menos tempo, num ou em vários lugares, por um indivíduo para o matar. Sendo que o homicídio simples é punido com prisão perpétua (vd. artigo 392 e seguintes do CPM); VI– Já no que respeita ao crime de violência doméstica vivendo o arguido em Portugal há três décadas, em união de facto com cidadã portuguesa durante 25 anos, tendo o casal quatro filhos em comum, e tendo amplo e longo contacto quer com os tribunais portugueses (tem quinze condenações registadas no seu certificado de registo criminal, com início em 1997) quer com o sistema prisional português (sofreu penas de prisão efectiva), bem como falando português e aprendido a ler e a escrever algumas palavras na nossa língua, e estando socialmente inserido, não pode, perante tantas campanhas e reportagens dos mídia, desconhecer o que é a violência doméstica, que é crime, aliás, crime público, devendo qualquer pessoa denunciar os infractores, e de que “dá cadeia”, nem tão pouco vir o recorrente afirmar que “não tinha consciência da eventual gravidade do acto praticado”; VII– Ao que sempre acresce que, como estabelece o art. 6.º do Código Civil, também aplicável no direito penal, “A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas.” (dispondo no mesmo sentido o art. 2 do CPM: “Ninguém pode invocar para se desculpar a ignorância da lei penal”) ou, por outras palavras, como tem, nomeadamente, referido o STJ, o desconhecimento da lei não aproveita a ninguém. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 9a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa: I–Relatório 1.–No âmbito do processo comum n.º 1000/20.0POLSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo Central Criminal de Lisboa - Juiz 4, foi submetido a julgamento, com intervenção de Tribunal Coletivo, o arguido AA, filho de BB e de CC, natural de Marrocos, nascido em xx de xxx de 1968, solteiro, com a profissão de soldador/trabalhador na área da construção civil, com residência, quando em liberdade, sita na Rua xxx em Lisboa, actualmente em situação de privação de liberdade, a título preventivo, à ordem dos presentes autos, no Estabelecimento Prisional de Caxias, vindo a ser, por acórdão, proferido em 7 de julho de 2021, decidido (transcrição): a)-Absolver o arguido AA da prática, em autoria material e na forma consumada, de 2 (dois) crimes de violência doméstica, na pessoa dos filhos GG e HH, previstos e punidos pelo Art.° 152.°, n.° 1, alínea d) e n.° 2, do Código Penal; b)-Condenar, em concurso real e efectivo, o arguido AA em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de violência doméstica, na pessoa da ofendida EE, previsto e punido pelo Art.° 152.°, n.° 1, alínea b) e n.° 2, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão; c)-Condenar, em concurso real e efectivo, o arguido AA em autoria material e na forma tentada, pela prática de um crime de homicídio qualificado, na pessoa da ofendida EE, previsto e punido pelo Arts.° 22.°, 23.°, 73.°, 131.° e 132.°, n.° 1 e n.° 2, alíneas b) e h), todos do Código Penal, na pena de 8 (oito) anos de prisão; d)-Condenar, em concurso real e efectivo pela prática dos dois crimes retro descritos, o arguido AA na pena única de 10 (dez) anos de prisão; e)-Condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de uso e porte de armas, pelo período de 5 (cinco) anos e na pena acessória de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, nos termos do disposto no Art.° 152.°, n.° 4, do Código Penal. f)-Condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de contactos, a qualquer título, por qualquer meio e de qualquer modo, com a ofendida EE, com afastamento da residência e do local de trabalho desta, com recurso, para efeitos de fiscalização do cumprimento, a meios técnicos de controlo à distância, pelo período de 5 (cinco) anos, nos termos do Art.° 152.°, n.° 4 e n.° 5, do Código Penal; g)-Condenar o arguido no pagamento das custas do processo e nos demais encargos, englobando os honorários devidos pela defesa oficiosa, nos termos legalmente determinados, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC (cfr. Arts.° 513.° e 5 I 4.°, ambos do Código de Processo Penal e Art.° 8.°, do Regulamento das Custas Processuais); h)-Condenar o arguido AA no pagamento de uma indemnização, a título de arbitramento, por conta dos danos não patrimoniais sofridos, no montante de € 20.000,00 (vinte mil euros) à pessoa da ofendida EE, nos termos do Art.° 82.°-A, do Código de Processo Penal; i)-Absolver o arguido AA dos pedidos de arbitramento quanto aos seus filhos GG e HH, julgando-se os mesmos improcedentes; j)-Julgar o pedido de indemnização cível deduzido pelo demandante cível "Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, E.P.E." totalmente procedente, por provado, e consequentemente condenar o arguido e demandado AA ao pagamento ao demandante da quantia global de € 3.617,12 (três mil seiscentos e dezassete euros e doze cêntimos), a que acrescem juros de mora legais à taxa legal, os vencidos contados desde a data de notificação do demandado para contestar, e os vincendos até integral e efectivo pagamento; k)-Condenar o arguido e demandado nas custas cíveis (cfr. Art.° 527.°, do Código de Processo Civil); 1) Determinar ao abrigo do disposto no n.° 2 do Art.° 8.° da Lei n.° 5/2008, de 12 de Fevereiro, a recolha de amostra de vestígios biológicos destinados a análise de ADN ao arguido AA, com os propósitos referidos no n.° 3 do Art.° 18.°, do mesmo diploma legal; m)-Declarar perdidos a favor do Estado os objectos apreendidos nos autos, a saber as peças de roupa, descritas a fls. 9 e 10, e os halteres, identificados a fls. 11, por terem sido utilizados pelo arguido na prática dos crimes pelos quais vai condenado, e após trânsito em julgado, determina-se a sua integral destruição, em face da ausência de valor comercial, bem como de destinação legal específica, nos termos do disposto no Art.° 109°, n.° 1 e n.° 4, do Código Penal.” 2.–O arguido, inconformado com a mencionada decisão, interpôs recurso extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: "A.-O Arguido não se conforma com a Sentença proferida nestes autos, por constituir uma decisão absolutamente violadora das mais elementares regras de valoração da prova em Direito Penal, constituindo uma decisão que afronta o Direito – que é um instrumento a favor da Justiça - tendo, face ao depoimento da testemunha e ofendida e das restantes testemunhas, alterando o seu sentido. Conforme se pode constatar com o testemunho de cada em sede de audiência. B.-O tribunal não fez mais do que dar cobro ao estereótipo enraizado em Portugal, que nos diz que, por regra, o agressor nas relações conjugais é o homem, não podemos, naturalmente, deixar de repudiar todo e qualquer comportamento com esse escopo, como seja o homem que chega a casa e, sem razão aparente, grita, agride física e verbalmente a mulher, ou que ao longo de uma vida pratica frequentemente actos violentos da mesma natureza, C.-Todavia, neste processo o que sucedeu não foi bem assim, o Arguido foi vítima de actos de agressão perpetrados pela ofendida ao longo da relação conjugal, nomeadamente não o deixando entrar no lar conjugal e permitindo que o mesmo dormisse no chão, nas escadas. D.-Veja-se que a testemunha JJ declarou em julgamento que por vezes a Ofendida não deixava o Arguido entrar em casa e este ficava a dormir no chão à porta de casa, no patamar das escadas do prédios, afirmando ainda que a ofendida frequentemente não deixava o arguido entrar em casa. E.-Acresce que, provou-se em julgamento – mas o tribunal preferiu ignorar - que a ofendida mentiu, mudou a versão dos factos ao longo do processo; dizendo uma coisa à Digníssima Procuradora-Adjunta, outra à Polícia e outra em audiência, aliás, até os próprios filhos não quiseram tomar parte de tal farsa e não testemunharam. F.-O Arguido com hombridade e humildade, dentro da sua forma “atabalhoada” de falar, declarou que não se recordou ao certo o que poderá ter feito, mas confirmou, ou melhor, confessou que no fatídico dia 23/11/2020, agrediu a ofendida, mas sem a intenção de a matar, aliás, nem disso tinha consciência de que poderia ser uma tentativa de homicídio. G.-O tribunal errou na apreciação da prova, em falha grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si. [ÂMBITO MATERIAL DO RECURSO] H.-O Recorrente impugna a decisão da matéria de facto provada, especificamente os pontos 1, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 18, 19, 22, 24, 25, 26, 33, 34 e 43 dos factos provados o enquadramento jurídico-penal feita na sentença recorrida, bem como o pedido de indemnização civil, de harmonia com o preceituado nos artigos 410.º, n.º 2, alíneas a) e c), 412.º, n.ºs 1 a 4, 428.º e 431.º, alínea b), todos do CPP, por violação das normas ínsitas no artigo 32.º, n.º 2 da CRP, 14.º, 32.º, 143.º e 152.º, todos do CP e 127.º e 338.º, n.º 1, ambos do CPP. [REVISTA ALARGADA] [INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA] I.-Na lição dos Juízes Conselheiros Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada é uma «lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, isto é, quando se chega à conclusão de que os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher» (Recursos Penais, 8.ª Edição, 2011, Rei dos Livros, pág. 74). J.-Ou, como vem considerando o Supremo Tribunal de Justiça, só existe tal insuficiência quando se faz a «formulação incorrecta de um juízo» em que «a conclusão extravasa as premissas» ou quando há «omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que sendo relevantes para a decisão, tenham sido alegado pela defesa e pela defesa ou resultando da discussão» (sublinhado e realces nossos - vd. Acórdão do STJ de 99.01.13, proc. n.º 1126/98 – disponível em www.dgsi.pt). K.-A decisão de facto é claramente insuficiente para a decisão de direito, no que ao tipo subjetivo do tipo diz respeito, deu-se como provado que: «O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei» L.-Este facto constitui uma descrição incompleta do tipo subjetivo do crime imputado ao Recorrente, por falta de narração de factos indiciadores da consciência da ilicitude penal, que é uma exigência da atuação dolosa do agente na realização do tipo. M.-Com efeito, determina o artigo 13º do CP que «só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência». Donde, na falta de previsão legal a atuação negligente, o tipo de crime violência doméstica só é punível a título de dolo (vd. Artigo 152 do CP). N.-É consabido que o dolo está legalmente definido, nas suas diversas modalidades, no art. 14.º do CP, comportando um elemento intelectual e um elemento volitivo. O.-O elemento intelectual do dolo consiste na representação pelo agente de todos os elementos que integram o facto ilícito – o tipo objetivo de ilícito – e na consciência de que esse facto é ilícito penal. P.-O elemento volitivo consiste na vontade do agente na realização do facto ilícito, sendo em função da diversidade de atitude que se configuram as diversas espécies de dolo: directo – a intenção de realizar o facto; necessário – a previsão do facto como consequência necessária da conduta; e eventual – a conformação da realização do facto como consequência possível da conduta. Q.-A acusação pela prática de um crime doloso tem de descrever: o conhecimento (ou representação/consciência em sentido psicológico) de todos os elementos descritivos e normativos do tipo objeto do ilícito; e a intenção de realizar o facto (tratando-se de dolo direto), ou a previsão do resultado danoso como consequência necessária da sua conduta (tratando-se de dolo necessário), ou ainda a previsão desse resultado como consequência possível da mesma conduta, conformando-se o agente com a realização do evento (se se tratar de dolo eventual). R.-Daí que só pode afirmar que o agente atuou dolosamente quando esteja assente que o mesmo agiu com conhecimento do carácter ilícito e criminalmente punível da sua conduta. S.-Sendo inadmissível dar-se por praticado um crime doloso sem a imputação e prova da consciência da ilicitude, isto é, de o agente estar ciente de ter violado a lei penal. T.-Como concluiu o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2015: «a acusação, enquanto delimitadora do objecto do processo, tem de conter os aspectos que configuram os elementos subjectivos do crime, nomeadamente os que caracterizam o dolo, quer o dolo do tipo, quer o dolo do tipo de culpa no sentido referido, englobando a consciência ética ou a consciência dos valores e a atitude do agente de indiferença pelos valores tutelados pela lei criminal, ou seja: a determinação livre do agente pela prática do facto, podendo ele agir de modo diverso; o conhecimento ou representação de todas as circunstâncias do facto, tanto as de carácter descritivo, como as de cariz normativo e a vontade ou intenção de realizar a conduta típica, apesar de conhecer todas aquelas circunstâncias, ou, na falta de intenção, a representação do evento como consequência necessária (dolo necessário) ou a representação desse evento como possível, conformando-se o agente com a sua produção (dolo eventual), actuando, assim, conscientemente contra o direito» (vd. ponto 10.2.4 da fundamentação do Acordão). U.-Da fundamentação daquele acórdão uniformizador resulta que os factos integrantes da consciência da ilicitude têm necessariamente de ser alegados na acusação e provados em julgamento, o que manifestamente não sucedeu. V.-Ora, constando no libelo acusatório que «o arguido agiu livre, voluntaria e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei», o mesmo sucedendo na sentença recorrida, não é sinónimo de «conhecimento de que a sua conduta era proibida e punível pela lei penal». W.-A descrição constante na sentença, por ser demasiado aberta, consente que o Arguido sabia que a sua conduta era punida por lei civil (?), contra-ordenacional (?) ou administrativa (?). X.-É omissa, portanto, na alegação dos factos respeitantes ao conhecimento pelo Arguido de que a sua conduta era punida pela lei penal. Y.-E não podemos perder de vista que «a estrutura acusatória do processo penal obriga a que o objecto do processo seja fixado com o rigor e a precisão adequados, seja na acusação, seja no requerimento de abertura da instrução equivalente a acusação» (sublinhado e realces nossos - in Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, proferido a 06.06.2012, no âmbito do processo n.º 414/09.0PAMAI-B.P1 – consultado em www.dgsi.pt). Z.-Ou como salientou o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães no douto acórdão proferido em 19.06.2017, «a alegação de que a arguida sabia que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal não é inócua e desnecessária, não passando de um protocolo ou fórmula pré-determinada acolhida pela prática judiciária, sem qualquer valor funcional. AA.-Contrariamente, a alegação da consciência da ilicitude, seja com a utilização daquela fórmula ou através da descrição mais objetiva desse facto da vida interior, corresponde à necessidade de descrever um dos elementos do tipo subjetivo, traduzido no dolo da culpa» (in processo 430/15.3GEGMR.G1 – consultado em www.dgsi.pt). AB.-Apontando os Ilustres Juízes Desembargadores no citado Aresto que «em relação aos elementos integrantes da consciência da ilicitude (elemento emocional), enquanto tipo de culpa que supra ficou caracterizado, habitualmente traduzida pela expressão de que “o arguido atuou sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal”, ou por qualquer outra que comporte o respetivo conteúdo, a acusação omite toda e qualquer referência, o que, como vimos, não pode suceder. AC.-Como é sabido, o dolo é um conceito jurídico que tem de ser preenchido por factos. AD.-Embora, a nível probatório, o dolo, enquanto facto interno, se possa deduzir dos factos externos, objectivos, tal não dispensa que tenha de constar da acusação, sob pena de nunca estar preenchido o tipo de crime pelo qual se pretende levar o arguido a julgamento. AE.-Com efeito, há que destrinçar entre a alegação de factos pertinentes (neste caso relativos ao elemento subjectivo) e a respectiva prova, ou seja, distinguir, por um lado, o que é facto concreto a provar (sendo imprescindível a sua alegação) e, por outro, quais são as provas desse facto concreto (o que interessa para a fundamentação da decisão da matéria de facto). AF.-O facto de o dolo poder ser provado (e, portanto, inferir-se) com recurso a presunções naturais ou com recurso às regras da vida não significa que fica prescindida a alegação dos factos respectivos. AG.-Uma coisa é a presunção do dolo, absolutamente inadmissível, e outra coisa completamente diferente e aceitável, é a necessidade de o juiz comprovar a existência do dolo através de presunções naturais (não jurídicas) ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral ou às chamadas máximas da vida e regras da experiência» . AH.-Nesta senda, é necessário que o agente conheça, como bem refere o distinto mestre Prof. Figueiredo Dias, «tudo quanto é necessário a uma correcta orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à acção intentada, para o seu carácter de ilícito”, porquanto só quando os elementos do facto estão presentes na consciência psicológica do agente se poderá vir a afirmar que ele se decidiu pela prática do ilícito» (Figueiredo Dias, Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, pág. 351). AI.-Daí que, como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/09/2017 (Proc. nº 146/16.3 PCCBR.C1), «a acusação tem de descrever os elementos em que se analisa o dolo, ou seja: o conhecimento (ou representação ou, ainda, consciência em sentido psicológico) de todas as circunstâncias do facto, de todos os elementos descritivos e normativos do tipo objectivo do ilícito; a intenção de realizar o facto, se se tratar de dolo directo, ou a previsão do resultado danoso ou da criação de perigo (nos crimes desta natureza) como consequência necessária da sua conduta (tratando-se de dolo necessário), ou ainda a previsão desse resultado ou da criação desse perigo como consequência possível da mesma conduta, conformando-se o agente com a realização do evento (se se tratar de dolo eventual)» ( disponível em www.dgsi.pt). AJ.-E se, na verdade, a sua comprovação se pode inferir dos demais factos provados, com recurso a presunções naturais (não jurídicas) ligadas ao princípio da normalidade ou às regras da experiência comum, tal não implica que seja admissível prescindir da narração e prova dos factos que consubstanciam o dolo. AK.-A este propósito, consta também da fundamentação do já referenciado Acórdão Uniformizador n.º 1/2015 que «de forma alguma será admissível que os elementos do dolo, quando não descritos na acusação, possam ser deduzidos por extrapolação dos factos objetivos, com “recurso à lógica, à racionalidade e à normalidade dos comportamentos, de onde se extraem conclusões suportadas pelas regras da experiência comum» (negrito nosso). AL.-Num caso em tudo semelhante ao dos presentes autos, no que à violência doméstica concerne, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa decidiu que, onde constava na acusação «basta a afirmação de que o arguido agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei», «(…) considerando que dos fundamentos de facto da decisão recorrida (factos provados) não consta a narração concretizada da factualidade integradora dos elementos do tipo subjectivo do crime imputado (que na acusação pública descritos também se não encontram, vero é) preenchidos não estão os elementos típicos desse crime (…)» (in Acórdão proferido no processo n.º 1453/15.8S5LSB.L1-5, proferido a 09/18/2018 – consultado em www.dgsi.pt). AM.-O mesmo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, em Acórdão proferido a 09.11.2018 (Proc. n.º 537/15.7PBPDL.L1-5), conclui que «a falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do CPP, sendo necessária a narração, na acusação, dos factos conformadores da consciência da ilicitude, enquanto elemento do dolo da culpa e, consequentemente, da sua comprovação (ou não) em julgamento», acrescentando-se que «não consta a narração concretizada da factualidade consubstanciadora do tipo de culpa doloso do crime imputado (como, aliás, da acusação pública também não consta) preenchidos se não mostram os elementos típicos desse crime nem, aliás, de qualquer outro, pelo que o recorrente tem de ser absolvido, merecendo provimento o recurso» (disponível em www.dgsi.pt). AN.-Não tendo sido alegado e provado todos os elementos subjetivos dos crimes de violência doméstica, não poderá a acusação pública proceder, e muito menos a douta sentença, impondo-se a inexorável absolvição do Arguido no que a estes dois crimes concerne. [Erro notório na apreciação da Prova] AO.-O Recorrente entende que a sentença recorrida per si padece do vício de erro notório na apreciação da prova. AP.-De acordo com o disposto no artigo 410.º, n.º 2 do CPP, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do Tribunal da Relação, o recurso pode ter como fundamentos desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: (a)-a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; e (b)-erro notório na apreciação da prova. AQ.-Na senda do Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra proferido em 14/01/2015 (Proc. n.º 72/11.2GDSRT.C1), «os vícios do artigo 410.º, n.º 2 são vícios de lógica ao nível da matéria de facto que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei» (disponível em www.dgsi.pt). AR.-Aqui apenas importa o erro notório na apreciação da prova, que se verifica quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. AS.-Neste exacto sentido vão os Juízes Conselheiros Manuel Simas Santos e Manuel Leal Henriques, erro notório na apreciação da prova é a «falha grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado e não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável», acrescentam que «há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta no texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o sendo comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis» (Ob. Cit., pág. 80). AT.-Foi precisamente o que se passou nestes autos, o tribunal violou clara e ostensivamente na análise da prova. Não se trata aqui de sindicar a livre apreciação da prova, prevista no artigo 127.º do CPP, antes da análise, em particular, da prova testemunhal cujas declarações plasmadas na douta sentença demonstram versões contraditórias, inconciliáveis entre si, denunciadores de uma análise pouco rigorosa e arbitrária. AU.-O Tribunal a quo fundou a sua convicção na conjugação de toda a prova produzida, com preponderância (diga-se, exclusivamente) nas declarações prestadas pelo arguido, bem como pela testemunha e ofendida EE. AV.-Também fundou a sua convicção no testemunho das restantes testemunhas, que, no nosso entender, foram contraditórias. AW.-As declarações do arguido, não português e com alguma dificuldade em serem entendidas, prestadas em sede de audiência, o arguido confirmou o sucedido no dia 23 de Novembro de 2020, demonstrando, à sua maneira, arrependimento pelo sucedido quando se encontrava sobre o efeito de álcool e drogas. AX.-Qualquer um via na suas palavras que este não tinha consciência da eventual gravidade o acto praticado. AY.-Como foi atrás referido, falta a consciência do acto que estava a cometer e a gravidade do mesmo, pois, como à frente se irá explicar, a própria ofendida afirmou que foi o arguido que ligou para o 112 e que lhe deu o telefone e que foi a própria ofendida que o mandou mudar de roupa, pois esta tinha consciência do que se iria passar quando chegassem os bombeiros e policia, consciência essa que não tinha o arguido. AZ.-Quanto os presumíveis eventos anteriores, de 2018 e 2019, ambos, arguido e ofendida, não deram qualquer relevância ao sucedido, de discussões normais entre os casais. BA.-Não houve qualquer prova testemunhal sobre estes presumíveis eventos para além das declarações da ofendida e do arguido que são em sentido diferente referido no Acórdão e que mais à frente se exporá. BB.-Não tendo demonstrado a ofendida qualquer relevância às eventuais expressões que o arguido possa ter proferido, não as considerando injuriosas, pois nem sequer nunca referiu ao tribunal qualquer que fossem as tais palavras injuriosas. BC.-Aliás, o tribunal a quo quis demonstrar na sua decisão que existia um ambiente de terror, de destruição da personalidade da ofendida, tendo-se visto em toda a audiência de julgamento que, entre os dois continuava a haver uma necessidade de estarem juntos, quando a ofendida chorava ou se manifestava ele pedia-lhe para se acalmar. Não havia, em actos, entre ofendida e arguido o que está demostrado por escrito no douto Acórdão. BD.-Como aliás decorre das palavras da Ofendida e do testemunho da testemunha KK, ambos aguardaram a chegada do INEM juntos à porta de casa. Se houvesse consciência do acto praticado, o arguido tinha “desaparecido” e não ficaria junto da ofendida como ficou. BE.-Quanto às restantes testemunhas, A testemunha KK, afirmou que viu os dois, Ofendida e Arguido no dia 23 de Novembro de 2020, à porta de casa, no patamar da escada, do prédio onde moram, após a hora que consta como sendo a hora em que foi contactado o 112. Esta testemunha refere que ambos estavam à porta a conversar, que lhe deram os bons dias. BF.-Testemunho que não é coincidente com o plasmado no acórdão, de um ambiente tenso entre arguido e ofendida. BG.-Se a testemunha nem viu sangue (quando é referido que a ofendida sangrava abundantemente), achou que estava tudo bem e que ambos, que se encontravam a conversar, lhe responderam, não se entende. BH.-Não viu a testemunha se a ofendida tinha alguma lesão, mas se sangrasse abundantemente, certamente esse pormenor não lhe ficaria indiferente. BI.-Deveria ter, pois consta nos fotogramas, mas o aparato não seria, pelo menos no momento, o que nos quiseram fazer crer as testemunhas agentes da PSP. BJ.-O que a testemunha refere é que o arguido e a ofendida ali viviam, juntos e que sempre os via juntos e que naquele dia às 8:30/ 8:40, estavam os dois à porta de casa a conversar tranquilamente. BK.-A outra testemunha, também vizinho do casal, ofendida e arguido, JJ apresento uma versão ligeiramente diferente. BL.-Apenas temos que referir que a testemunha KK mora na porta ao lado do arguido e da Ofendida e a testemunha JJ, não. BM.-A Testemunha JJ prestou um testemunho baseado em suposições e nada mais, como se pode constatar pelas suas declarações. BN.-Resulta, assim, dos depoimentos que as testemunhas, não ouviram, não viram e não se aperceberam de nada. BO.-Uma delas até viu o arguido e a ofendida à porta de casa, sem que nada lhe tivesse chamado à atenção. BP.-Assim, ambos ofendida e arguido falaram relativamente ao que aconteceu em 23 de Novembro de 2020 e nada mais. BQ.-Quanto às outras duas eventuais ocorrências nada foi provado. BR.-Este erro notório na apreciação da prova está umbilicalmente ligado à violação do princípio in dubio pro reo, que constitui decorrência do princípio da presunção da inocência, consagrado no artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, e dá resposta às situações de dúvida quanto à verificação de determinado facto, impondo que o non liquet em matéria de prova seja valorado a favor do arguido. BS.-Resulta da sentença recorrida, em particular o que nela se escreveu quanto à motivação de facto e, neste particular, do que foi declarado pelo arguido, a assistente e as testemunhas há factos incompatíveis entre si – e existindo uma dúvida razoável, objectiva e motivável quanto aos factos provados sob os números 1, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 18, 19, 21, 22, 24, 25, 26, 33, 34 e 43. BT.-O nº 1 do facto 1 dos factos provados terá que ter a seguinte redação: «O arguido AA e EE iniciaram uma relação de namoro, tendo vivido um com o outro, como se casados fossem, partilhando cama, mesa e habitação desde há 25 anos (vinte e cinco), habitando na xxx, em Lisboa”; BU.-Não só corroborado por todas as testemunhas, mas mais importante pela ofendida, conforme as suas declarações. BV.-Quanto ao facto provado 4, deverá ser alterado para: “Nessas alturas o arguido deixava de trabalhar e a ofendida não permitia que ele dormisse em casa, obrigando-o a dormir à porta de casa, no patamar” BW.-Quanto ao facto provado 5 deve ser dado como não provado, pois a própria ofendida negou que alguma vez o arguido lhe tivesse chamado quaisquer nomes. BX.-Quanto aos factos 6, 7 e 8 não ficou provado que tal tivesse ocorrido, tal como se verifica das declarações da ofendida abaixo transcritas, pelo que os mesmos deveriam constar dos factos não provados. BY.-A ofendida e o arguido foram coincidentes na explicação, dizendo ambos que a porta não tinha sido forçada. BZ.-Seria estranho que alguém voltasse do trabalho para casa de martelo na mão. Faz sentido, conforme a explicação de ambos, ofendida e arguido que referem que o arguido estava a arranjar a porta depois da porta se ter aberto com um simples empurrão porque a fechadura estava já estragada. CA.-foi dito por ambos que foi utilizado um martelo para arranjar a porta cuja fechadura estava com problemas. CB.-O facto provado 8 deverá ter a seguinte redacção: “No dia 11 de Agosto de 2018, cerca das 21 horas, quando a ofendida EE chegou a casa, encontrou o arguido a arranjar a fechadura da porta de casa, porque estava danificada.” CC.-O facto 9 deve ser dado como não provado. CD.-O facto 10 deve ser rescrito para: “ Uma das vizinhas chamou a PSP e nesse dia, EE foi dormir a casa da vizinha porque não queria falar com ele.” CE.-No que respeita ao facto provado 13, não ficou provado que o arguido lhe tenha chamado quaisquer nomes e não disse a ofendida que tivesse sido o arguido a provocar quaisquer marcas no seu pescoço, pelo que deve ser dado como não provado. CF.-No que respeita aos factos provados 18 e 19, decorre das declarações da Ofendida e da testemunha KK que ambos, ofendida e arguido habitavam na casa camarária que foi atribuída a EE, pelo que, o facto 18 deverá passar a ter a seguinte redação: “Em data indeterminada de janeiro de 2020, foi atribuída a EE, uma habitação camarária sita na xxx, Lisboa para onde o agregado familiar composto por EE, AA, seu companheiro e os seus filhos HH e GG se mudou.” CG.-Quanto ao facto provado 19 deverá deixar de constar dos factos provados. CH.-As testemunhas KK e JJ, o primeiro vizinho da porta ao lado e o segundo duas portas à frente, ambos acordados à hora que consta terem ocorrido as lesões infligidas à ofendida a 23/11/2020 e sendo que a testemunha KK até declarou ter visto os dois à porta da sua casa, no patamar a conversar, à hora que este saiu de casa (8:30/8:45), não está de acordo com os factos dados como provados. CI.-Quanto ao facto 22, a ofendida não confirmou que tivessem sido três pancadas, pelo que o facto provado 22 deveria passar a ser escrito como: Após, fechou a porta do quarto, aproximou-se de EE que se encontrava deitada na cama a dormir e com o haltere de ginásio, com peso de um quilo, desferiu-lhe uma pancada na cabeça e rosto; CJ.-Os factos provados 23 e 24, não podem ser considerado como provados pois a ofendida em momento algum declarou ter gritado, nem as restantes testemunhas afirmaram que esta tivesse gritado, nem que tivesse acordado e colocado a mão à frente da cara. Nem nunca referiu qualquer almofada na sua cara. Assim, estes dois factos não deve ser dados como provados. CK.-Quanto ao facto 25, também não pode ser dado como provado, porque não usou de força física, nem usou um momento de distração do arguido, nem se conseguiu libertar, foi à casa de banho, viu que tinha sangue e foi o arguido que ligou e a ofendida falou para o 112. Assim, o facto provado 25 deve ser dado como não provado. CL.-Quanto ao facto 26, O arguido efectuou algumas das acções mencionadas no facto provado 26 a pedido da ofendida. Quanto ao facto de estar mencionado que a ofendida EE estava a sangrar abundantemente da cabeça, vejamos o que é referido no relatório médico e que consta no facto provado 29 e sempre referindo que as feridas eram ligeiramente sangrantes e não abundantemente. CM.-Assim, deve o facto provado 26 ser rescrito, devendo constar: “O arguido, em seguida, porque a ofendida assim o mandou, trocou de roupa e lavou as mãos e a ofendida EE, estando a sangrar, o arguido pelo telefone da arguida ligou para o 112 e a ofendida chamou a ambulância, dizendo por iniciativa própria que tinha caído e que estava sozinha na habitação.” CN.-E deve ainda ser aditado um novo facto provado: “Desconhecendo que a ofendida tinha dito estar sozinha na habitação com o filho, o arguido aguardou junto da ofendida e à porta de casa pelo INEM” CO.-No que aos factos provados 33 e 34 concerne, o arguido não tinha o propósito nem intenção de tirar a vida à ofendida, os actos posteriores demonstram que não tinha essa intenção. CP.-Nem tinha a consciência psicológica necessária para o fazer. CQ.-Determina o artigo 13º do CP que «só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência». Donde, na falta de previsão legal a atuação negligente, o tipo de crime violência doméstica só é punível a título de dolo (vd. Artigo 152 do CP). CR.-É consabido que o dolo está legalmente definido, nas suas diversas modalidades, no art. 14.º do CP, comportando um elemento intelectual e um elemento volitivo. CS.-O elemento intelectual do dolo consiste na representação pelo agente de todos os elementos que integram o facto ilícito – o tipo objetivo de ilícito – e na consciência de que esse facto é ilícito penal. CT.-O elemento volitivo consiste na vontade do agente na realização do facto ilícito, sendo em função da diversidade de atitude que se configuram as diversas espécies de dolo: directo – a intenção de realizar o facto; necessário – a previsão do facto como consequência necessária da conduta; e eventual – a conformação da realização do facto como consequência possível da conduta. CU.-Assim, a acusação pela prática de um crime doloso tem de descrever: o conhecimento (ou representação/consciência em sentido psicológico) de todos os elementos descritivos e normativos do tipo objeto do ilícito; e a intenção de realizar o facto (tratando-se de dolo direto), ou a previsão do resultado danoso como consequência necessária da sua conduta (tratando-se de dolo necessário), ou ainda a previsão desse resultado como consequência possível da mesma conduta, conformando-se o agente com a realização do evento (se se tratar de dolo eventual). CV.-Daí que só pode afirmar que o agente atuou dolosamente quando esteja assente que o mesmo agiu com conhecimento do carácter ilícito e criminalmente punível da sua conduta. Sendo inadmissível dar-se por praticado um crime doloso sem a imputação e prova da consciência da ilicitude, isto é, de o agente estar ciente de ter violado a lei penal. CW.-Como concluiu o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2015: «a acusação, enquanto delimitadora do objecto do processo, tem de conter os aspectos que configuram os elementos subjectivos do crime, nomeadamente os que caracterizam o dolo, quer o dolo do tipo, quer o dolo do tipo de culpa no sentido referido, englobando a consciência ética ou a consciência dos valores e a atitude do agente de indiferença pelos valores tutelados pela lei criminal, ou seja: a determinação livre do agente pela prática do facto, podendo ele agir de modo diverso; o conhecimento ou representação de todas as circunstâncias do facto, tanto as de carácter descritivo, como as de cariz normativo e a vontade ou intenção de realizar a conduta típica, apesar de conhecer todas aquelas circunstâncias, ou, na falta de intenção, a representação do evento como consequência necessária (dolo necessário) ou a representação desse evento como possível, conformando-se o agente com a sua produção (dolo eventual), actuando, assim, conscientemente contra o direito» (vd. ponto 10.2.4 da fundamentação). CX.-Da fundamentação daquele acórdão uniformizador resulta que os factos integrantes da consciência da ilicitude têm necessariamente de ser alegados na acusação e provados em julgamento, o que manifestamente não sucedeu. CZ.-Ora, constando no libelo acusatório que «o arguido agiu livre, voluntaria e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei», o mesmo sucedendo na sentença recorrida, não é sinónimo de «conhecimento de que a sua conduta era proibida e punível pela lei penal». DA.-Aliás, a descrição constante na sentença, por ser demasiado aberta, consente que o Arguido sabia que a sua conduta era punida por lei civil (?), contra-ordenacional (?) ou administrativa (?). DB.-É omissa, portanto, na alegação dos factos respeitantes ao conhecimento pelo Arguido de que a sua conduta era punida pela lei penal. DC.-E não podemos perder de vista que «a estrutura acusatória do processo penal obriga a que o objecto do processo seja fixado com o rigor e a precisão adequados, seja na acusação, seja no requerimento de abertura da instrução equivalente a acusação» (in Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, proferido a 06.06.2012, no âmbito do processo n.º 414/09.0PAMAI-B.P1 – consultado em www.dgsi.pt). DD.-Pelo que estes factos não podem ser mantidos como factos provados. [ERRO DE JULGAMENTO] [IMPUGNAÇÃO AMPLA DA MATÉRIA DE FACTO] DE-É sabido que a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, do CPP, no que se convencionou chamar de “revista alargada”; ou, através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º, n.ºs 3, 4 e 6 do CPP e sindicável pelo Tribunal ad quem ao abrigo do art.º 431.º, alínea b), do mesmo diploma. DF.-No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios nas diversas alíneas do n.º 2 do referido artigo 410.º, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento. DG.-No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo Recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do citado art.º 412º. DH.-A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados. Já a especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida. Neste conspecto convém ainda referir que recai sobre o Recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o Recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.ºs 4 e 6 do art.º 412.º). Neste sentido se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão em 12 de Junho de 2008, processo n.º 07P4375 DI.-É precisamente neste capítulo que o Recorrente se propõe impugnar a matéria de facto, através do mecanismo da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º, n.ºs 3, 4 e 6 do mesmo diploma, mediante o cumprimento das regras supra referidas. Aqui chegados, entende o Recorrente que deve ser aditado à matéria de facto, o segmento supra indicado: “Desconhecendo que a ofendida tinha dito estar sozinha na habitação com o filho, o arguido aguardou junto da ofendida e à porta de casa pelo INEM” [ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL] Violência Doméstica DJ.-A matéria de facto a atender para a decisão é a que vem provada na douta Sentença recorrida, mas também aquela que resulta impugnação/modificação no sentido acabado de supra se expor, DK.-E tratando-se de questão de direito, o Tribunal a quo violou as normas ínsitas nos artigos normas contidas nos artigos 32.º, n.º 2 da CRP, 14.º, 32.º, 143.º e 152.º, todos do CP e 127.º, 338.º, n.º 1 e 410.º, todos do CPP, cujo melhor interpretação se alegará (cf. art. 412.º, n.º 2 do CPP). DL.-Refere o Prof. Taipa de Carvalho, a propósito da redacção do referido preceito anterior à entrada em vigor da Lei nº 59/2007, de 04/09, e que mantém pertinência e actualidade - que, em última instância, o bem jurídico protegido por este crime é a saúde, bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, o qual pode ser prejudicado por toda uma multiplicidade de comportamentos que afectem a dignidade pessoal do cônjuge ou pessoa que viva em condições análogas, tal como pessoa particularmente indefesa, em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que coabite com o agente (in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, p. 332 -) DM.-O tipo de crime em apreço não pressupõe (agora) uma reiteração de condutas, bastando-se com a verificação de condutas que integram o tipo objectivo e são susceptíveis de, singularmente consideradas, integrarem em si mesmas, outros crimes, tais como, os de ofensa à integridade física simples, ameaça, injúria ou difamação, ainda que não sejam necessariamente atomisticamente consideradas mas, antes, valoradas globalmente, estabelecendo-se uma relação de concurso aparente, por existir uma relação de especialidade face ao comportamento reiterado do tipo de ilícito em análise. DN.-A criminalização destas condutas, com a consequente responsabilização penal dos seus agentes, resultou da progressiva consciencialização ético-social da gravidade individual e social destes comportamentos ocorridos no seio da família que, nas palavras daquele Autor, «(…) não mais podiam constituir feudos sagrados, onde o direito penal se tinha de abster de intervir» (Ob. Cit., pág. 330) DO.-Com efeito, a função desta norma é prevenir as frequentes e, por vezes, tão subtis e perniciosas formas de violência na família, cuja dinâmica, habitualmente, se caracteriza por ciclos de violência conjugal que, ao longo do tempo, vão sendo caracterizados por um aumento de frequência, intensidade e perigosidade. No que se refere ao elemento objectivo deste tipo de crime, exige-se, desde logo, que o agente se encontre numa determinada relação com o sujeito passivo, designadamente, se encontre ou tenha encontrado numa relação de coabitação conjugal ou análoga, ou seja, que agente e vítima sejam cônjuges ou se encontrem a viver em condições análogas às dos cônjuges, ou que tal tenha sucedido no passado e aí se incluindo situações de namoro, bem como pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, que coabite com o agente. DP.-Trata-se, por conseguinte, de um crime próprio ou específico, na medida em que só pode ser praticado por e contra certas e determinadas categorias de pessoas. Por outro lado, sujeito passivo ou vítima só pode ser a pessoa que se encontre, para com o agente, numa relação de “subordinação existencial” – pessoa que esteja ao cuidado, à guarda, sob a responsabilidade da direcção ou educação do agente – de “subordinação laboral” – como subordinado por relação de trabalho – ou numa “relação conjugal ou análoga” - cônjuge ou com quem o agente conviver em condições análogas às dos cônjuges ou de namoro. DQ.-E relativamente aos que se encontram numa relação de subordinação existencial, exige-se, ainda, que seja menor, ou particularmente indefesa, em razão da idade, doença, deficiência física ou psíquica ou gravidez. DR.-A criminalização da violência doméstica reflecte, em boa medida, o relevo do especial dever de respeito entre os cônjuges, dever conjugal que, ao lado dos deveres de fidelidade, coabitação, cooperação e assistência, devem pautar a comunhão conjugal. Já o elemento subjectivo deste tipo de ilícito, restringe-se ao conhecimento dos elementos objectivos típicos e a vontade de agir de forma a preenchê-los, isto é, o dolo, tal como estatuído nos artigos 13º e 14º do CP. DS.-No caso dos autos, resulta da matéria de facto provada, e daquela que resulta da sua impugnação que o Arguido não praticou qualquer facto subsumível a este tipo penal, antes pelo contrário, foi confirmado pela ofendida e até pelas restantes testemunhas que ele próprio também era uma vitima, não podendo dormir em casa e vendo-se obrigado a dormir à porta de casa como um cão, no patamar da escada. DT.-Ademais, como se demonstrou, ainda que se tivesse por preenchido o elemento objectivo do tipo – o que não está – não foram alegados nem provados factos relativos ao tipo subjetivo do tipo. DU.-E ainda porque, com forme se verificou pelos testemunhos, os factos que levaram à condenação do arguido do crime de violência doméstica na pena de 4 anos e seis meses, não foram confirmados nem pela ofendida nem pelas restantes testemunhas. Homicídio qualificado na forma tentada DV.-Atendendo a que se trata, no entender do tribunal a quo de um homicídio na forma tentada, há que ter em conta os artºs 22º e 23º do CP e ainda a aplicação da atenuação nos termos do artº 73º também do CP. DW.-Ora, como foi supra referido, e que foi verificado até pelas declarações da própria ofendida, o arguido não tinha consciência psicológica de estar a cometer um crime de homicídio, qualificado e na forma tentada. DX.-A actuação do arguido não foi acompanhada de consciência da ilicitude penal, que é uma exigência da atuação dolosa do agente. DY.-Não está em causa que o arguido não praticou aquele acto no dia 23 de Novembro de 2020, mas está em causa uma tão elevada condenação. DZ.-De livre e espontânea vontade, o arguido não prosseguiu com o acto que estava a praticar (consciente ou inconscientemente), chamando o INEM e tendo esperado junto com a ofendida, não prosseguindo mais nenhum acto. EA.-Como bem resulta da leitura do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça – Ac. STJ de 26-3-1998, tirado no Proc. n.º 1511/97- : (…) Assim, a desistência é relevante, quando o arguido, ainda que não se saibam os verdadeiros motivos subjetivos, retrocede no seu plano criminoso, podendo livremente optar por prosseguir na sua execução em vez de retroceder. EB.-Nos termos do artigo 24.º, nº 1 do Código Penal: A tentativa deixa de ser punível quando o agente voluntariamente desistir de prosseguir na execução do crime (…). EC.-Ora, decorre dos factos dados como provados que assim se verificou, pois que se deu como provado que o arguido, munido do dito haltere, não prosseguiu com as ofensas à ofendida, marcando o número de telefone da emergência médica e aguardando com a ofendida à porta de casa, sem se ausentar do local. ED.-E ainda que possamos considerar que existe dolo direto (o que o Recorrente não considera) sempre temos que perante este circunstancialismo existe uma desistência voluntária da tentativa! EE.-Resulta do Relatório Social junto aos autos: que o arguido sofrerá de um problema ao nível aditivo (estupefacientes e álcool), sendo esta a variável que tem perturbado significativamente a sua vida. EF.-Não se afigura justo punir o arguido com 10 anos de prisão; punição muito grave, próxima daquela que em muitos casos é aplicada em homicídios efetivamente concretizados! EG.-As exigências de prevenção geral e especial de ressocialização, bem com a necessidade de proteção dos bens jurídicos violados, não implicam no caso sub judice, que ao mesmo deva ser aplicada uma pena de prisão efetiva; EH.-Realiza de forma mais adequada e suficiente as finalidades da punição a condenação do arguido como inimputável sujeito a medida de internamento em instituição adequada ao seu tratamento. Termos em que deverá julgar-se procedente o presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, e proferido Acórdão que absolva o Arguido. Assim se fazendo, JUSTIÇA!" (fim de transcrição). 3.–Foi proferido despacho judicial admitindo o recurso, como se alcança na referência Citius n.º 407925148. 4.–Respondeu o Ministério Público em primeira instância extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: "1.-Quanto aos factos dados como provados e a sua subsunção aos dispositivos legais aplicados, nenhum reparo nos merece a sentença ora em crise. 2.-Não há qualquer insuficiência para a matéria de facto provada; 3.-Ao contrário do alegado pelo recorrente, da matéria assente constam os factos que integram os elementos subjectivos típicos do crime pelo qual o mesmo foi condenado, bem como, os dados necessários à aferição do grau de culpa. 4.-Em relação ao vício de erro notório na apreciação da prova, basta uma leitura atenta dos factos dados como provados no Acórdão ora recorrido para se concluir não existe qualquer erro judiciário e muito menos um erro tão crasso que salte aos olhos, sem necessidade de qualquer exercício mental; 5.-Os factos provados, a fundamentação de facto e de direito e a decisão constituem um percurso lógico, racional e objectivo, valorados à luz das regras da experiência da vida existindo a persuasão racional do juízo e que permite o acompanhamento no seu processo formativo segundo o princípio da publicidade da actividade probatória. 6.-A circunstância de o arguido se encontrar sob o efeito de bebidas alcoólicas não diminui a culpa. 7.-Com efeito, se é verdade que a ingestão de álcool pode influir na prática do crime, tal circunstância não tem qualquer efeito desagravante da culpa, pois as qualidades pessoais reveladas pelo arguido neste caso, confirmadas pelas frequentes situações de conflito com a ofendida, derivadas também do consumo excessivo de álcool e/ou drogas, são manifestamente desvaliosas para o direito. O patamar da culpa situa-se, pois, num nível muito elevado. 8.-Há que atender à globalidade do comportamento do arguido e da situação de terror constante da vivência que envolvia a ofendida, em que as qualidades pessoais do agente, que fundamentam o facto, se revelam, particularmente desvaliosas e censuráveis, v.g., de brutalidade e crueldade que acompanham muitos factos, mostrando-se, as exigências de prevenção geral positiva, muito prementes no que toca a este tipo de crime e as de prevenção especial não são de menor exigência. 9.-A descrição fáctica dos acontecimentos permite concluir que o arguido possui uma personalidade deformada para o direito, insensibilidade para bens jurídicos pessoais e, daí, serem muito elevadas as exigências de prevenção especial, o que implica que se afirme de forma peremptória a necessidade de cumprimento efectivo da pena de prisão. 10.-Por outro lado, não tem razão o recorrente em aduzir que houve desistência, da sua parte, em continuar com as agressões, pelo que a tentativa não deveria ser punida, nos termos do disposto no art. 24º, do CP. 11.-Com efeito, foi dado como assente que a ofendida se aproveitou de uma distração do arguido para fugir e para pedir ajuda ao INEM. 12.-Aliás, ao desferir a primeira pancada com o haltere na cabeça da ofendida, o arguido consumou logo o crime de Homicídio qualificado na forma tentada, pois que tal conduta era adequada a causar a morte da mesma. As seguintes pancadas/agressões apenas agravam a ilicitude da sua conduta. 13.-As regras da experiência comum ditam que desferir uma pancada na cabeça de alguém que está indefesa, com um haltere de 1 quilograma é meio adequado de provocar a morte da vítima, sobretudo tendo em consideração a área afectada. 14.-Motivos pelos quais, não se verifica qualquer desistência, não sendo de aplicar o disposto no art. 24º, do CP. 15.-Considerando as exigências de prevenção geral e especial ao caso em concreto, conjugado com a protecção de bens jurídicos, a reintegração do agente na sociedade e o princípio da culpa, o Ministério Público considera adequada a pena em que a recorrente foi condenada. Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se o douto Acórdão recorrido nos seus precisos termos. Conforme a acostumada, JUSTIÇA!" (fim de transcrição). 5.–Subidos os autos, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação teve neles “Vista”, consignando, no que ora releva: “Emite-se, assim, parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.”, depois de afirmar: “O Ministério Público respondeu à motivação e pronunciou-se pela improcedência do recurso. Nada mais se nos oferece acrescentar aos fundamentos invocados pelo Ministério Público.” (cfr. referência Citius n.º 17450877). 6.–Foi cumprido o preceituado no art. 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (doravante CPP). 7.–Efetuado o exame preliminar foi considerado não haver razões para a rejeição do recurso. 8.–Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir. II–Fundamentação 1.-Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respetivamente, nos BMJ 451.° - pág. 279 e 453.° - pág. 338, e na Col (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo 1, pág. 247, e cfr. ainda, arts. 403.° e 412.°, n.° 1, do CPP). As questões suscitadas pelo recorrente, que deverão ser apreciadas por este Tribunal Superior, sem prejuízo do conhecimento de alguma ficar prejudicado pela solução dada àquela que a antecede, são, em síntese, as seguintes: - Impugna o recorrente, por erro de julgamento e através do mecanismo da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º, n.ºs 3, 4 e 6 do CPP, a decisão da matéria de facto provada sob os pontos 1, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 18, 19, 22, 24, 25, 26, 33, 34 e 43 dos factos provados, pugnando que devem os assentes sob os n.ºs 9, 19, 23, 24 e 25 serem dados como não provados, os demais terem nova redacção, nos termos que o recorrente propõe nas suas conclusões de BT a CM, devendo ainda ser aditado um novo facto provado dizendo: “Desconhecendo que a ofendida tinha dito estar sozinha na habitação com o filho, o arguido aguardou junto da ofendida e à porta de casa pelo INEM”; - Padece a decisão recorrida dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, de erro notório na apreciação da prova, e de contradição (“há factos incompatíveis entre si”), a que aludem as alíneas a) a c) do n.º 2, do artigo 410.º, do CPP, violando quer o princípio a livre apreciação da prova, prevista no artigo 127.º do CPP, quer o princípio in dubio pro reo, que constitui decorrência do princípio da presunção da inocência, consagrado no artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa; - Discorda do enquadramento jurídico-penal feita na decisão recorrida, quer quanto ao crime de violência doméstica (por entender que o Arguido não praticou qualquer facto subsumível a este tipo penal) quer quanto ao crime de homicídio qualificado na forma tentada (por entender que o Arguido, de livre e espontânea vontade, não prosseguiu com o acto que estava a praticar, chamando o INEM e tendo esperado junto com a ofendida, não prosseguindo mais nenhum acto; desistência que é relevante), devendo ser absolvido de ambos os crimes; - Sem conceder, considera que realiza de forma mais adequada e suficiente as finalidades da punição a condenação do arguido como inimputável sujeito a medida de internamento em instituição adequada ao seu tratamento; - Ainda sem conceder, considera excessiva a medida da pena de 10 anos de prisão, peticionando que ao mesmo não seja aplicada uma pena de prisão efetiva; - impugna o pedido de indemnização civil. 2.–Passemos, pois, ao conhecimento das questões alegadas. Para tanto, vejamos, antes de mais, o conteúdo da decisão recorrida, no que concerne a matéria de facto assente pelo Tribunal a quo [factos declarados provados, não provados e respectiva motivação] (transcrição): "Fundamentação de Facto: A)-Na sequência do julgamento resultaram, com pertinência e relevância para a boa decisão da causa, os seguintes: Factos Provados: 1.-O arguido AA e EE iniciaram uma relação de namoro, tendo vivido um com o outro, como se casados fossem, partilhando cama, mesa e habitação durante 25 (vinte e cinco) anos, tendo a última residência comum na Rua Xxx, em Lisboa; 2.-O casal tem quatro filhos em comum, DD, FF, GG e HH, nascidos, respectivamente, a xx.xx.1996, xx.xx.1998, xx.xx.2003 e xx.xx.2013; 3.-A relação entre o arguido e EE foi sempre pautada por discussões, motivadas pelo excesso de consumo de bebidas alcoólicas e de drogas do arguido, com separações por curtos períodos e reconciliações; 4.-Nessas alturas o arguido deixava de trabalhar e ausentava-se de casa por períodos superiores a dez dias, dormindo na rua; 5.-O arguido tinha ciúmes de EE e durante as discussões chamava-a "puta" e dizia-lhe "és uma vaca, andas com outros homens"; 6.-Em data indeterminada, mas compreendida na primeira semana de Agosto de 2018, no interior da casa onde residiam, sita na Rua Xxx, em Lisboa, o arguido, por motivos de ciúmes, discutiu com EE e agrediu-a com diversos socos no corpo e chamou-a "Puta" e disse-lhe "és uma vaca, andas com outros homens"; 7.-EE sofreu dores, mas não teve necessidade de receber tratamento hospitalar; 8.-No dia 11 do mês de Agosto de 2018, cerca das 21 horas, o arguido ao chegar a casa encontrou a porta fechada e como EE estivesse ausente, forçou a porta para entrar, utilizando para o efeito um martelo; 9.- Quando EE chegou, o arguido e esta discutiram, tendo EE lhe dito que não o queria em casa alcoolizado e o arguido, em resposta, chamou-a "puta"; 10.-Uma das vizinhas chamou a PSP e, nesse dia e nos três dias seguintes, EE foi dormir a casa da vizinha para evitar que o arguido voltasse para a rua; 11.-Após outro período de separação, no dia 18 do mês de Junho de 2019, cerca das 07 horas, o arguido dirigiu-se à residência da família, acima referida, para falar com AA e pediu-lhe para retomarem a vida em comum; 12.-O arguido encontrava-se alcoolizado e EE disse-lhe que assim não queria mais; 13.-O arguido não gostou da resposta e de imediato começou a dizer para EE: "és uma puta, és uma vaca, andas com todos os teus patrões", ao mesmo tempo que lhe apertava o pescoço com força, tendo o arguido abandonado a residência, algum tempo depois; 14.-EE sofreu dores e ficou com marcas, mas não recebeu tratamento hospitalar; 15.-EE veio a reconciliar-se com o arguido na semana seguinte, retomando a relação amorosa e acompanhando-o ao tratamento à dependência de bebidas alcoólicas; 16.-Porém, o arguido abandonou o tratamento e retomou o consumo excessivo de bebidas alcoólicas, deixando de trabalhar e ausentando-se de casa por períodos superiores a dez dias, dormindo na rua; 17.-Sempre que regressava a casa e era impedido de entrar por se encontrar alcoolizado, discutia com EE e dizia-lhe "és uma puta, és uma vaca, andas com todos os teus patrões"; 18.-Em data indeterminada de Janeiro de 2020, foi atribuída a EE uma habitação camarária, sita na xxxx, em Lisboa, para onde o agregado familiar, composto por EE e os seus filhos HH e GG, se mudou; 19.-O arguido a partir dessa altura pedia a EE que o deixasse pernoitar naquela residência, a fim de conviver com os filhos, o que aquela sempre permitiu, ocorrendo todos os meses, durante vários dias; 20.-No dia 22 de Novembro de 2020, no interior da casa sita na xxx, em Lisboa, depois do jantar, quando viam televisão, o arguido questionou EE sobre o teor de uma mensagem que a mesma tinha recebido no telemóvel, a qual não lhe dando resposta, se dirigiu para o quarto para ir dormir; 21.-Cerca das 08 horas e 45 minutos, do dia 23 de Novembro de 2020, o arguido certificando-se previamente que o seu filho mais novo, HH, na data de seis anos de idade, se encontrava a dormir e com a porta do quarto fechada, dirigiu-se ao quarto onde a ofendida se encontrava a dormir e retirou de um armário um haltere de ginásio, de ferro, com peso de 1 (um) quilo; 22.-Após, fechou a porta do quarto, aproximou-se de EE que se encontrava deitada na cama a dormir e com o haltere de ginásio, com peso de um quilo, desferiu-lhe três pancadas na cabeça e rosto; 23.-Acordando, e em pânico, para se defender, EE ainda colocou os braços à frente do rosto e uma das pancadas desferidas pelo arguido com o haltere atingiu-a na mão esquerda, partindo-lhe o dedo indicador; 24.-EE começou a gritar por socorro, tendo o arguido se munido de uma almofada, e de súbito, com a mesma, cobriu o rosto de EE pressionando para que esta ao pudesse respirar e não se pudesse mover; 25.-EE, porém, usando da sua força fisica e aproveitando um momento de distração do arguido, conseguiu libertar-se e procurar ajuda, chamando o INEM; 26.-O arguido, em seguida, limpou o sangue existente no haltere, limpou os vestígios de sangue no chão junto à cama, trocou de roupa e lavou as mãos, e estando EE a sangrar abundantemente da cabeça, disse-lhe que não deveria contactar a polícia e dizer ao 112 que tinha caído no interior da residência, por forma a eximir-se à responsabilidade criminal; 27.-EE deu entrada no Hospital xxxxxx, pelas 10 horas e 05 minutos, sob o episódio clínico n.° 35939964; 28.-O menor HH, na data com seis anos de idade, acompanhou EE, sua mãe, na ambulância para o hospital, tendo visualizado os ferimentos e o sangramento dos mesmos; 29.-Em consequência directa e necessária da conduta do arguido, EE sofreu traumatismo craniano com feridas do couro cabeludo e escoriações dos lábios; traumatismo da mão esquerda, uma ferida incisa com cerca de um centímetro, na transição frontoparietal direita e ferida incisa occipital direita com cerca de dois centímetros; pequenas escoriações nos lábios; hematoma epicraniano frontal direito e parietal homolateral com laceração dos planos cutâneos; ferida inciso-contusa de grandes dimensões, em estrela, na região parieto-occipital direita, com cerca de seis traços de ferida com três centímetros cada, profunda, com exposição de couro cabeludo, ligeiramente sangrante; franco hematoma epicraniano subjacente; ferida inciso-contusa frontoparietal direita em V, com cerca de três centímetros de maior eixo, superficial, ligeiramente sangrante; na mão esquerda: edema significativo de D2 e D3 até à base dos dedos, com hematoma associado e feridas inciso-contusas em ambos os dedos; 30.-Como consequência directa e necessária da referida agressão EE ficou com as seguintes sequelas: no crânio: cicatriz hipercrómica, localizada na região parieto-occipital à direita, com formato irregular, direcção oblíqua para lateral, medindo seis centímetros por cicatriz não recente, hipocrómica, localizada na região fronto parietal, linear com vestígios de pontos de sutura, direção póstero anterior com três centímetros de diâmetro; no membro superior esquerdo: cicatriz hipocrómica, localizada no bordo cubital de D3 e linear desde IFP até IFD, medindo 2,5 centímetros; cicatriz hipocrómica, localizada no bordo cubital de D2 em IFP, linear desde IFD até IFP, medindo dois centímetros e desvio radial D2 em F2, engrossamento fusiforme em F2; 31.-Tais lesões determinaram quinze dias para a consolidação médico-legal sem afectação da capacidade de trabalho profissional; 32.-O arguido sabia que o crânio aloja órgãos vitais para a vida; 33.-O arguido agiu com o propósito e a intenção determinada de tirar a vida à ofendida EE, sua companheira e mãe dos seus filhos, com quem viveu maritalmente, utilizando para o efeito um haltere, com o peso de um quilo; 34.-Só o não conseguiu por razões alheias à sua vontade, sabendo que seria esse o resultado previsível, tendo em conta o modo e a zona do corpo onde desferiu as pancadas, meio que sabia ser idóneo para a prossecução de tal fim; 35.-Com as condutas descritas, o arguido quis e conseguiu ofender EE na sua honra e dignidade, na sua integridade fisica e na sua liberdade pessoal, por forma a que esta se sentisse lesada na sua dignidade enquanto ser humano, na qualidade de sua companheira e mãe dos seus filhos, o que igualmente conseguiu; 36.-Sabia o arguido que as expressões dirigidas à sua companheira a ofendiam na sua honra e consideração, o que logrou conseguir; 37.-Ao levar a cabo a prática dos actos no interior da residência comum, sabia que privava EE de reacção, causando-lhe um profundo sentimento de insegurança; 38.-O arguido sabia também que ao apertar o pescoço e ao desferir pancadas a EE que a molestava fisica e psicologicamente, o que quis e conseguiu; 39.-O arguido agiu sempre com o propósito de humilhar e subjugar a ofendida aos seus desejos e caprichos, sem qualquer respeito pela vontade desta; 40.-Ao actuar da forma descrita em 22., o arguido fê-lo motivado por ciúmes da sua companheira, atacando EE de forma rápida, inesperada, quando a mesma se encontrava a dormir, com um objeto de natureza contundente, com o propósito de a atingir na cabeça para lhe tirar a vida, bem sabendo que, face às próprias características do objeto contundente que utilizou, bem como à zona corporal atingida, a sua conduta era idónea a produzir o resultado que almejava, isto é, a morte daquela; 41.-O arguido aproveitou o facto de EE se encontrar deitada e a dormir, para lhe desferir um golpe e desse modo evitar qualquer tipo de defesa e melhor perpetrar o ataque; 42.-O arguido só não logrou alcançar os seus intentos por motivos alheios à sua vontade; 43.-O arguido formulou esse propósito durante a noite, tendo de manhã se dirigido ao quarto da Ofendida EE, onde se muniu do haltere para lhe desferir golpes na cabeça e assim lhe tirar a vida; 44.-O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, refletindo sobre os meios empregues e respetivo modo de actuação, bem sabendo que o seu comportamento era proibido e punido por lei; 45.-Mais agiu o arguido, de forma livre, deliberada e conscientemente bem sabendo que ao longo do tempo da sua relação com EE manteve discussões com a mesma, batendo-lhe e provocando-lhe lesões físicas e dores, na presença dos filhos menores, ao invés de salvaguardar o bem-estar familiar com a mesma, a sua dignidade pessoal, o que quis, representou e conseguiu alcançar; 46.-Agiu assim e sempre livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei; Igualmente se provou: 47.-Na sequência das condutas acima descritas, imputáveis ao arguido, a ofendida EE sentiu dores, sofrimento, ansiedade, vexame, angústia e medo quer pela sua vida, quer pela vida e integridade física; 48.-O demandante é uma pessoa colectiva de direito público, integrada no Serviço Nacional de Saúde; 49.-Na sequência acima descrito, a ofendida EE sofreu lesões, nos termos aludidos, e por conta das mesmas foi assistida, no "Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte", em Lisboa, tendo sido sujeita a tratamentos médicos, no valor global de € 3.617,12 (três mil seiscentos e dezassete euros e doze cêntimos), não tendo sido tal quantia até hoje paga; Mais se provou que: 50.-O arguido reconheceu, de forma parcial e com reservas, os factos acima descritos, denotando um discurso autocomplacente e desculpabilizante, verbalizando arrependimento, sem revelar sentido critico, nem interiorização do desvalor das suas condutas; 51.-Do certificado de registo criminal do arguido constam as seguintes condenações: - pela prática de um crime de furto, previsto e punido pelo Art.° 203.°, n.° 1, do Código Penal, por factos praticados a 03.04.2000, foi o arguido condenado por sentença proferida a 14.04.2000, transitada em julgado a 08.05.2000, no âmbito do processo n.° 61/00.2P9LSB, da 2.ª Secção do 1.° Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, na pena de 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos, declarada extinta, nos termos do Art.° 57.°, do Código Penal, por despacho de 05.12.2002; - pela prática de um crime de roubo, na forma tentada, previsto e punido pelos Arts.° 210.°, n.° 1, 22.°, 23.° e 73.°, todos do Código Penal, por factos praticados a 24.05.2000, foi o arguido condenado por Acórdão proferido a 22.05.2001, transitado em julgado a 06.06.2001, no âmbito do processo n.° 1549/00.0PFLSB (27/01), da 1ª Secção da 1.° Criminal de Lisboa, na pena quarenta e cinco dias de multa, declarada extinta, pelo cumprimento, por despacho de 01.08.2001; - pela prática de um crime de furto, previsto e punido pelo Art.° 203.°, n.° 1, do Código Penal, por factos praticados a 14.02.1997, foi o arguido condenado por sentença proferida a 26.02.2002, transitada em julgado a 13.03.2002, no âmbito do processo n.° 111/97.8SILSB, da 2.ª Secção do 3.° Juízo Criminal de Lisboa, na pena de 120 (cento e vinte) de multa, declarada extinta, pelo pagamento, por despacho de 27.03.2006; - pela prática de um crime de furto, previsto e punido pelo Art.° 203.°, n.° 1, do Código Penal, por factos praticados a 29.01.2000, foi o arguido condenado por sentença proferida a 06.12.2002, transitada em julgado a 12.01,2004, no âmbito do processo n.° 131/00.7P8LSB, da 2.ª Secção do 6.° Juízo Criminal de Lisboa, na pena de 120 (cento e vinte) de multa, declarada extinta, pela prestação de trabalho a favor da comunidade, por despacho de 02.02.2005; - pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos Arts.° 146.° e 132°, n.° 2, ambos do Código Penal, por factos praticados a 22.03.2002, foi o arguido condenado por sentença proferida a 23.11.2004, transitada em julgado a 09.12.2004, no âmbito do processo n.° 357/02.9PHLSB, da 2ª Secção do 6.° Juízo Criminal de Lisboa, na pena de 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos. Por despacho de 28.02.2008, foi revogada a suspensão e determinado o cumprimento da pena de prisão, declarada extinta, pelo integral cumprimento, por despacho de 18.11.2008; - pela prática de um crime de furto, previsto e punido pelo Art.° 203°, do Código Penal, por factos praticados a 25.10.2002, foi o arguido condenado por sentença proferida a 15.06.2005, transitada em julgado a 30.06.2005, no âmbito do processo n.° 698/02.5SGLSB, da 2ª Secção do 2.° Juízo Criminal de Lisboa, na pena de 6 (seis) meses de prisão, substituída por 180 (cento e oitenta) dias de multa, declarada extinta, pelo cumprimento, por despacho de 17.06.2010; - pela prática de um crime de furto, previsto e punido pelo Art.° 203.°, do Código Penal, por factos praticados a 08.06.2005, foi o arguido condenado por sentença proferida a 28.03.2006, transitada em julgado a 28.04.2006, no âmbito do processo n.° 394/05.1PDLSB, da 3ª Secção do 1.° Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, na pena de 1 (um) ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 (quatro) anos, declarada extinta, nos termos do Art.° 57.°, do Código Penal, por despacho de 20.07.2009; - pela prática de um crime de furto, previsto e punido pelo Art.° 203.°, n.° 1, do Código Penal, por factos praticados a 19.01.2005, foi o arguido condenado por sentença proferida a 16.05.2006, transitada em julgado a 01.06.2006, no âmbito do processo n.° 74/05.8PEAMD, da 1ª Secção do 6.° Juízo Criminal de Lisboa, na pena de prisão por dias livres, fixada em 18 (dezoito) períodos de prisão, declarada extinta, pelo cumprimento, por despacho de 26.03.2007; - pela prática de um crime de furto, previsto e punido pelo Art.° 203.°, n.° 1, do Código Penal, por factos praticados a 29.07.2004, foi o arguido condenado por sentença proferida a 06.03.2007, transitada em julgado a 21.03.2007, no âmbito do processo n.° 202/04.0PALSB, da 3.ª Secção do 2.° Juízo Criminal de Lisboa, na pena de 10 (dez) meses de prisão, substituída por 300 (trezentas) horas de trabalho a favor da comunidade, declarada extinta, pelo cumprimento, por despacho de 17.09.2012; - pela prática de um crime de furto, previsto e punido pelo Art.° 203.°, do Código Penal, por factos praticados a 03.09.2005, foi o arguido condenado por sentença proferida a 13.05.2008, transitada em julgado a 02.06.2008, no âmbito do processo n.° 424/05.7SGLSB, da 2.ª Secção do 2.° Juízo Criminal de Lisboa, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão efectiva. Esta pena perdeu a sua autonomia por ter sido englobada na pena única, no cúmulo operado no âmbito do processo n.° 941/06.1PBLSB; - pela prática de um crime de roubo, previsto e punido pelo Art.° 210.°, do Código Penal, por factos praticados a 21.11.2006, foi o arguido condenado por Acórdão proferido a 17.11.2008, transitado em julgado a 18.12.2008, no âmbito do processo n.° 941/06.IPBLSB, da 3.ª Vara Criminal de Lisboa, na pena única de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão, englobando a pena aplicada no processo n.° 424/05.7SGLSB supra identificado; - pela prática de um crime de falsidade de testemunho, previsto e punido pelo Art.° 359.°, n.° 1 e n.° 3, do Código Penal, por factos praticados a 27.04.2006, foi o arguido condenado por sentença proferida a 09.06.2009, transitada em julgado a 15.03.2010, no âmbito do processo n.° 7469/06.8TDLSB, da 2." Secção do 5.° Juízo Criminal de Lisboa, na pena de 7 (sete) meses de prisão efectiva, declarada extinta, pelo cumprimento, por despacho de 05.11.2012; - pela prática de uni crime de furto, previsto e punido pelo Art.° 203.°, n.° I, do Código Penal, por factos praticados a 10.05.2012, foi o arguido condenado por sentença proferida a 24.10.2013, transitada em julgado a 25.11.2013, no âmbito do processo n.° 63/12.6SLLSB, da 3.ª Secção do 3.° Juízo Criminal de Lisboa, na pena de I (um) ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, declarada extinta, nos termos do Art.° 57.°, do Código Penal, por despacho de 14.01.2015; - pela, em concurso, prática de um crime de furto, previsto e punido pelo Art.° 203.°, do Código Penal e de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos Arts.° 143.° e 145.°, n.° 1, ambos do Código Penal, por factos praticados a 10.08.2014, foi o arguido condenado por sentença proferida a 19.12.2014, transitada em julgado a 07.09.2015, no âmbito do processo n.° 817/14.9PCLSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa, J5, na pena de 9 (nove) meses de prisão efectiva, declarada extinta, pelo cumprimento, por despacho de 20.03.2017; - pela prática de um crime de falsidade de depoimento, previsto e punido pelo Art.° 360.°, n.° 1 e n.° 3, do Código Penal, por factos praticados a 12.02.2015, foi o arguido condenado por sentença proferida a 30.01.2020, transitada em julgado a 30.09.2020, no âmbito do processo n.° 1393/15.0TDLSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Lisboa, J10, na pena de 450 (quatrocentos e cinquenta) dias de multa; 52.-Do relatório social do arguido, além do mais, consta a seguinte factualidade, cujo teor se dá integralmente por reproduzido: - "o arguido, de 53 (cinquenta e três) anos de idade, nasceu em Marrocos. O pai defendia a poligamia, pelo que, coabitava com quatro mulheres (no mesmo prédio), tendo tido dezanove filhos dos diferentes relacionamentos, O arguido residiu em Marrocos, até aos seus dezoito anos de idade, no entanto, face às dificuldades económicas que a família de origem apresentava (dada a dimensão do agregado), iniciou actividade laboral em idade precoce, junto do pai, auxiliando-o no comércio de tecidos. Neste contexto, não ingressou no sistema de ensino o país de origem, vindo a aprender a ler e a escrever algumas palavras em Portugal. No inicio dos anos 90, o arguido saiu do pais de origem para residir na Europa, tendo estado a trabalhar em França, nos Países Baixos, na Dinamarca e na Bélgica, tendo desempenhado actividade profissional em várias áreas nesses países; - com cerca de 23 (vinte e três) anos de idade, o arguido veio para Portugal, visando obter uma melhor qualidade de vida, tendo iniciado actividade profissional na área da construção civil, vindo a desempenhar a função de soldador e mais tarde de pedreiro/servente. Conheceu a ofendida em 1995, vindo a ter quatro filhos com a mesma, tendo o casal apresentado uma mobilidade geográfica significativa, residindo em várias casas na zona de Lisboa. Os filhos têm 25 (vinte e cinco), 23 (vinte e três), 18 (dezoito) e 7 (sete) anos de idade, no entanto, apenas os dois filhos mais novos se encontram em casa. O filho mais velho tem problema associado à saúde mental, encontrando-se institucionalizado nas LL, em Coimbra; - em Portugal, o arguido iniciou consumos de cocaína e álcool, vindo a desorganizar-se em várias esferas da sua vida. Embora tenha estado alguns períodos sem consumos, tem recaído nos mesmos, não tendo realizado tratamento algum nesse âmbito; - antes de ficar sujeito à medida de coação de prisão preventiva, o arguido mantinha ligação à ofendida e aos filhos menores (7 e 18 anos de idade), no entanto, o dia a dia era marcado pelos seus consumos de estupefacientes, trabalhando de forma irregular. Dado o agravamento da situação do arguido, a ofendida condicionava a sua entrada em casa (quando percebia que o mesmo estava alcoolizado ou sob ou efeito de estupefacientes), pelo que, nessas alturas, o arguido pernoitava na rua, apresentando uma degradação cada vez maior, negligenciando várias dimensões, nomeadamente a higiene pessoal. Ainda assim, falaram na possibilidade de contrair matrimónio. Embora tenha realizado deslocação aos alcoólicos anónimos e ao centro hospitalar psiquiátrico de Lisboa, o arguido nunca realizou tratamento à problemática aditiva; - os pais do arguido já faleceram, não tendo apoio da família de origem em Portugal, encontrando-se os seus irmãos a residir em Marrocos; -a ofendida reside em casa camarária, de tipologia t3, sendo beneficiária de rendimento social de inserção. Embora apresente hábitos laborais, começou a beneficiar de tal prestação pecuniária após ter ficado em situação de desemprego, na sequência da pandemia associada à Covid 19. Denota fragilidades emocionais e dependência face ao arguido. Embora não tenha sido clara no que concerne ao reatamento (ou não) da relação amorosa (verbalizando que o mesmo tem que realizar tratamento à problemática aditiva), a ofendida denota trocar alguns papéis, percepcionando o arguido como alguém que tem que ser ajudado, pondo em causa as suas acções, considerando que deveria ter efectuado movimentos diferentes para ajudar o arguido. Presentemente, encontra-se a beneficiar de acompanhamento psicológico semanal na Junta de Freguesia xxxx, sendo acompanhada pela UDIP xxxx, no âmbito do rendimento social de inserção. Revela ansiedade com a audiência de julgamento, pretendendo ver o arguido, percepcionando de forma negativa a proibição de contactos existente. As repercussões da sua situação jurídico-penal incidiram na esfera pessoal, no afastamento à companheira e .filhos, tendo um dos filhos manifestado revolta face aos comportamentos do pai. O impacto positivo da sua situação jurídica prende-se ao facto do arguido ter cessado, para já, os consumos de estupefacientes, verbalizando interesse em realizar tratamento à sua problemática aditiva, justificando o desajustamento do seu comportamento (no exterior) a tal dependência. Em situação de reclusão, apresenta comportamento institucional adequado, não tendo sido alvo de sanção disciplinar alguma. Está a beneficiar de acompanhamento psicológico,. - o arguido é um cidadão Marroquino que reside em Portugal há vários anos, tendo quatro filhos com uma cidadã portuguesa, sendo esta última a ofendida nos autos. Apresenta um percurso marcado por variedade e reincidência criminal (e prisional), existindo problemática ao nível aditivo (estupefacientes e álcool), sendo esta a variável que tem perturbado de forma significativa a sua vida; - apresenta percurso marcado por hábitos laborais, no entanto, estes foram desempenhados de forma irregular nos últimos anos, na sequência do agravamento da sua adição. Embora verbalize sentido critico face ao seu percurso, tem vindo a apresentar uma trajectória marcada por avanços e retrocessos, não tendo conseguido manter-se abstinente de drogas e álcool, reincidindo nos contactos judiciais, sendo estes indicadores negativos acerca da capacidade de mudança do arguido." B)–Factos não Provados: Não se provaram, com relevância e interesse para a boa decisão da causa, os seguintes factos: A)-Que aquando do aludido em 11., no interior da residência encontravam-se, além de EE, os dois filhos comuns, HH e GG; B)-Que aquando do descrito em 13., o arguido só parou quando um dos filhos se intrometeu entre os dois; C)-Que ao levar a cabo parte desses actos na presença dos seus filhos menores, o arguido sabia que lhes causava um desgosto profundo, perturbando-lhes o equilíbrio emocional e o correcto e saudável desenvolvimento da personalidade, que ainda se encontrava em formação. Inexistem quaisquer outros factos não provados, ou por provar, com relevância ou interesse para a boa decisão da causa, sendo o demais de natureza conclusiva, normativa ou jurídica. *** C)– Motivação da decisão de facto: O Tribunal fundou a sua convicção quanto à matéria de facto provada e não provada pelo princípio da livre apreciação da prova, entendido como o esforço para alcançar a verdade material, analisando dialecticamente os meios de prova que teve ao seu alcance e procurando harmonizá-los e confrontá-los criticamente, entre si, de acordo com os princípios da experiência comum, de lógica e razoabilidade, pois, nos termos do Art.° 127.°, do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador, inexistindo, portanto, quaisquer critérios pré-definidores do valor a atribuir aos diferentes elementos probatórios, salvo quando a lei dispuser diferentemente (juízos técnicos), assim, alicerçou-se a convicção do Tribunal na inteligibilidade e análise crítica e ponderada do conjunto da prova produzida em sede de audiência de julgamento, socorrendo-se das regras da experiência comum, da lógica e da razoabilidade, baseando-se: - nas declarações do arguido, quer as prestadas em audiência de julgamento, quer as prestadas em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, integralmente reproduzidas durante a audiência de julgamento, nos termos previstos no Art.° 357.°, n.° 1, alínea b), do Código de Processo Penal, das quais concatenadas e valoradas criticamente, com base nas regras da lógica, da experiência comum e da razoabilidade - resultou, por um lado, a demonstração de parte dos factos acima descritos e dados como provados, e por outro lado, concomitantemente com esse reconhecimento parcial dos factos imputados, o discurso de desvalorização dos seus actos, de alheamento das consequências advenientes para a ofendida e mesmo para os seus filhos, centrando-se o arguido, no seu meramente verbalizado arrependimento, na sua própria pessoa, nas consequências que a presente reclusão comporta para si e como tal o afecta a si, para as suas vontades e suas pretensões, continuando o arguido, com as suas declarações, a revelar um profundo desprezo pelo bem-estar, pelos sentimentos e pela segurança da ofendida, e por inerência dos filhos que com esta ainda residem (com dezoito e sete anos de idade, presentemente), denotando sérias dificuldades em interiorizar o impacto nocivo e altamente prejudicial que os seus gestos, as suas palavras e as suas decisões comportaram para a vida, para a integridade física e para a dignidade humana, familiar e pessoal da ofendida, a qual se encontra, ainda hoje, totalmente devastada, em termos de autoestima e dignidade própria, pois que, não obstante os actos cometidos pelo arguido, a ofendida desculpabiliza-o, justificando os seus comportamentos, não com decisões que o arguido opta por tomar, mas por causa de factores exógenos, como as "drogas", as dificuldades da infância do arguido ou mesmo por condutas da própria ofendida. Na verdade, resultou, e desde logo, das declarações do arguido que o mesmo se muniu do haltere, naquelas circunstâncias de tempo e de lugar, e que atingiu a ofendida, por três vezes, na cabeça, reconhecendo ainda que a mesma estava deitada, no seu quarto de dormir, atingindo-a também numa mão — gesto inequivocamente consentâneo com uma tentativa de defesa da ofendida, que procurou cobrir a cabeça com a mão, causando-lhe fractura dos dedos, em face do impacto do peso do haltere — admitindo ainda que lhe colocou uma almofada sobre a cara, para que não gritasse, e os vizinhos não ouvissem — bem sabendo o arguido que o colocar de uma almofada sobre as vias respiratórias de outrem, sobre a cara, tapando o nariz e a boca, ainda mais estando a ofendida cheia de sangue, que escorria pela face — como ostensivamente se constata da mera observação visual dos fotogramas –, o que, por si só, e além do mais, gera dificuldade em respirar, aumenta a perigosidade para a manutenção da vida da ofendida, o que lhe foi indiferente, apenas preocupado consigo mesmo para que "os vizinhos não ouvissem os gritos" — e mais admitiu que limpou o sangue, trocou de roupa e disse à ofendida para chamar o INEM, mas para dizer que tinha tido uma queda em casa. Ou seja, esta dinâmica factual resultou, e desde logo, da análise crítica das declarações do arguido, sendo certo que, o mesmo afirmou que não queria matar a ofendida, mas apenas assustá-la, o que, na sua óptica, era o que pretendia alcançar com o desferir de três pancadas, na zona da cabeça, com um haltere de ginástica, que pesa um quilo, contra quem está deitada, vulnerável e totalmente exposta, e a dormir na cama do seu quarto. Com efeito, essa justificação apresentada pelo arguido — apenas queria assustar a ofendida — é totalmente contrariada pelos gestos executados pelo arguido, pela zona do corpo onde decidiu atingir a ofendida, pelo número de pancadas desferidas, a força fisica utilizada — atendendo à extensão, profundidade e dimensão das lesões observadas na pessoa da ofendida — a escolha do objecto e a opção pelo momento em que a ofendida estava deitada e adormecida, aliás, só por se encontrar a dormir é que a ofendida não teve qualquer reacção às primeiras pancadas, não dando conta sequer da aproximação do arguido, do que se teria apercebido (esquivando-se, levantando-se e tentar proteger a cabeça, o que só conseguiu após duas pancadas), caso não estivesse a dormir. E veja-se a presença de espírito e de lucidez manifestadas pelo arguido, e resultante das suas próprias declarações, certificou-se que o filho mais velho já não estava em casa, já tinha ido para escola, certificou-se que o filho mais novo estava a dormir, e fechou a porta do quarto onde este estava a dormir ("para não ouvir"), mune-se do haltere e, depois, procura ocultar a sua conduta, com o trocar de roupa, o limpar do sangue e o dar "uma informação falsa" para a chamada dos bombeiros (INEM). Na verdade, a alegação do arguido, no sentido que foram as "drogas" as responsáveis pelos seus comportamentos, não tem qualquer cabimento, nem sustentação nas regras da razoabilidade e da experiência comum, nem sequer têm qualquer respaldo nos factos dados como provados, como os seus próprios gestos desmentem qualquer toldar de discernimento, na verdade, toda a conduta do arguido reflecte uma actuação ponderada e condizente com a lógica das suas vontades, nada tendo interferido com a sua capacidade e plena consciência de autodeterminação e de resolução consentânea com os resultados que pretendeu atingir. E, aliás, estranha-se que aquando da prestação das declarações em sede de primeiro interrogatório judicial, não exista qualquer alusão por parte do arguido aos consumos de substâncias estupefacientes, bem como o arguido revela um discurso articulado, lúcido e coerente com a sua linha de defesa, como também o fez, e igualmente, em audiência de julgamento. Com efeito, foi notória a personalidade impulsiva, hostil e agressiva manifestada pelo arguido, mesmo após sucessivas advertências quanto ao tom beligerante do seu discurso, durante a audiência de julgamento, assim como o foi, em flagrante contraste, a fragilidade quer fisica, quer emocional reveladas pela ofendida, cuja estatura e compleição física são ostensivamente mais débeis do que as do arguido, como também foi patente a dependência emocional que a ofendida tem para com o arguido e o ascendente psicológico que este exerce sobre esta, numa relação tóxica de exercício de poder e subjugação quer pela humilhação, quer pela força fisica por parte do arguido sobre a pessoa da ofendida, que o mesmo, ainda hoje, desconsidera, pois, apesar do arguido verbalizar que se arrepende do que fez, não assume plenamente todos os factos que, sem qualquer margem para dúvida, praticou, nem sente qualquer necessidade de, no mínimo, pedir desculpa, nem consegue demonstrar o mínimo de empatia para com o sofrimento que infligiu à ofendida. Por outro lado, é o próprio arguido que reconhece o motivo que esteve na base da sua actuação no dia 23.11.2020, teve ciúmes, numa atitude de plena desconsideração da personalidade da ofendida, indo, sem a autorização desta, ler (controlar) as mensagens do telemóvel daquela, o qual, aliás, estava na sua posse, aquando da chegada das autoridades policiais, como o confirmou a testemunha MM. Quanto aos eventos anteriores, de 2018 e 2019, o arguido admite ter proferido algumas das expressões injuriosas em causa, mas que, na sua perspectiva, não têm qualquer relevância, são discussões entre um casal, considerando como perfeitamente aceitável afirmar, sistematicamente, que a ofendida não valia nada, não servia para nada e declarando, com muita insistência, que era ele quem fazia tudo e tudo pagava, sendo certo que, este género de narrativa é obviamente enquadrável num quadro factual - longo no tempo e enraizado naquela dinâmica relacional deste casal — de terror, de intimidação, de humilhação e destruição paulatina da personalidade da ofendida, da sua autoestima e do seu amor próprio, como, aliás, patentemente o revelou o seu depoimento, procurando a ofendida, a todo o custo, desculpabilizar e justificar os comportamentos do arguido, centrando as suas preocupação no bem-estar do arguido e nas necessidades deste e não nas suas próprias e dos seus próprios filhos, numa visão distorcida da sua condição humana e pessoal criada, alimentada e fomentada pelo vivenciar dos maus-tratos físicos e psíquicos infligidos ao longo de anos pelo arguido. Igualmente se teve em consideração o depoimento prestado pela testemunha e ofendida EE, cuja análise crítica subjacente ao seu relato exige que se articule, e que seja conjugado, o mesmo com o exame e ponderação da demais prova produzida, examinada e reproduzida em audiência de julgamento, pois, foi notória a postura de protecção por si assumida para com o arguido, ora afirmando — sem qualquer convicção, nem assertividade – que não se recordava, ora negando, inclusivamente, aquilo que o arguido já tinha admitido ter dito ou feito, aquando das sua declarações prestadas em audiência de julgamento. Aliás, a demonstração dos factos acima dados como provados adveio também da postura relutante da ofendida, das dificuldades notórias que manifestou em descrever as palavras, os gestos e os actos cometidos pelo arguido, sendo os seus longos silêncios e as permanentes ausências de memória inequivocamente compatíveis com um trauma profundo e sistemático a que a ofendida foi exposta durante a relação de índole conjugal que viveu com o arguido. Com efeito, o seu depoimento foi pautado por um registo tenso, esquivo e mais preocupado em eximir o arguido de qualquer eventual responsabilidade, sem olvidar que, apesar de ter sido, nos termos legalmente estatuídos, advertida da faculdade em legitimamente se recusar a prestar depoimento, a mesma declarou querer fazê-lo, mas quando confrontada com os factos cometidos pelo arguido, numa postura quase pueril — mas condizente com o vivenciar de eventos traumáticos — afirmava já não querer responder, recusando-se a olhar para os fotogramas que espelhavam as lesões marcadas no seu corpo, chorando para não ter que responder, optando por silêncios, por apregoar falta de memória ou até em manifesta contradição com os demais meios de prova, mormente de natureza documental, fotográfica e pericial. Ou seja, a ofendida procurou negar a realidade manifesta e cristalizada na clareza dos fotogramas que reflectem a verdade dos factos que esta tanto procurou disfarçar, como os fotogramas que ostensivamente mostram a vermelhidão e as marcas que as mãos do arguido deixaram no pescoço da ofendida, e a força física que tal exigiu, ou mesmo a afirmação preconizada, reiteradamente, pela ofendida, no sentido que "não queria acreditar que o arguido lhe tinha feito aquilo", no que aos factos do dia 23.11.2020 tange, sendo confrangedor quando confrontada quer com as sequelas e as lesões que apresentava, quer com a circunstância de apenas ela, o arguido e o filho de ambos, na data com seis anos de idade, se encontrarem na casa, naqueles dia e hora, a mesma equacionar um outro hipotético autor, que não o arguido, só o declarando a medo, titubeante e timidamente, como se já não houvesse outra hipótese que pudesse apresentar (sem descurar que o próprio arguido já o tinha admitido). Teve-se ainda em consideração a leitura das suas declarações proferidas perante a autoridade judiciária competente, na fase de inquérito, legitimada pelo disposto no Art.° 356.°, n.° 3, do Código de Processo Penal, em face das patentes declarações por parte da ofendida, quer de ausência de memória, quer de contradições constatadas, e que a ofendida procurou desconsiderar e escamotear, ignorando a profusa prova documental fotográfica e pericial que corrobora a inequívoca demonstração dos factos acima dados como provados. Dos depoimentos prestados pelas testemunhas NN e MM, elementos da Polícia de Segurança Pública resultou inequivocamente demonstrado não só os ferimentos que a ofendida já ostentava e os cuidados de saúde que já lhe estavam a ser prestados, confirmando que tinha sido primeiramente comunicada uma situação de queda em casa, rapidamente se constatando tal implausibilidade, em face da dimensão, localização e extensão dos ferimentos, e mais confirmaram que apenas o arguido, para além da criança, se encontrava no interior da residência, o que descreveram com isenção, rigor e coerência. Dos depoimentos prestados pelas testemunhas KK e JJ, vizinhos da ofendida, residindo no mesmo prédio, no mesmo andar, apenas se extrai que a ofendida foi assistida naquelas circunstâncias de tempo e de lugar, resultando ainda do depoimento prestado pela testemunha JJ que o arguido, por diversas vezes, dormia no patamar e que a ofendida tinha removido a campainha de sua residência, o que são manifestamente comportamentos exteriores concludentes por parte da ofendida de afastamento da pessoa do arguido, tendo estas testemunhas revelado isenção e clareza nos seus depoimentos, para além do discurso simples e escorreito, apenas se atendo à descrição dos factos dos quais efectivamente detinham conhecimento directo e presencial. No que concerne à situação pessoal, familiar e enquadramento social e vivencial do arguido teve-se em consideração por um lado, as suas declarações, quanto a estes aspectos, porquanto objectivamente razoáveis e verosímeis, e por outro lado, o conteúdo vertido no relatório social, constante de fls. 521 a 523 dos autos. No que se reporta às condenações sofridas, socorreu-se o Tribunal do teor do certificado de registo criminal do arguido, documento autêntico, constante de fls. 527 a 549. Desta feita, da conjugação crítica dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas, e acima elencadas, e das declarações do arguido, bem como da reprodução das suas declarações e da leitura das declarações da ofendida, nos termos já explanados, resulta cabal e inequivocamente demonstrada a factualidade acima elencada, e dada como provada, e mais se teve em conta a análise crítica e conjugada da prova documental e pericial constante dos autos, e cujo teor se examinou. Ponderou-se assim, e igualmente, o teor de: - dos autos principais: - fls. 9 a 12, autos de apreensão, quer das peças de roupa, quer dos dois halteres (cfr. fls. 18, auto de exame e avaliação), inferindo-se de forma notória as características, dimensão, consistência compacta do material e da concepção do haltere em causa, constatando-se igualmente que o mesmo se encontra limpo, o que só ocorreu no interesse do arguido, por contraste gritante com os abundantes vestígios de sangue quer nas peças de vestuário, quer em panos de cozinha; - fls. 20 a 23, reportagem fotográfica, efectuada pelos elementos da Polícia de Segurança Pública, no próprio dia dos factos, acima descritos, quanto ao dia 23.11.2020, resultando, de forma notória e patente, as lesões, a sua dimensão, localização e gravidade, que a testemunha EE ostentava na zona da cabeça e nos dedos da mão; - fls. 26 a 33, resulta, pormenorizadamente, a descrição das lesões observadas pelos elementos da equipa de enfermagem e médica no Hospital xxxxxx, na pessoa da testemunha EE, sendo admitida em episódio de atendimento hospitalar de urgência, no dia 23.11.2020 (pelas 10 horas e 03 minutos), constando-se, com rigor e minúcia, os tratamentos, exames e cuidados de saúde prestados e as zonas do corpo daquela que foram objecto desses cuidados, conjugado com o teor de fls. 152 a 161 verso, relatório de internamento e de urgência, com a análise do conteúdo vertido no relatório médico, constante de fls. 174 a 175, concluindo-se quer pela existência de "traumatismo craniano, com feridas do couro cabeludo e escoriações dos lábios e traumatismo da mão esquerda" e de fls. 195 a 196, resultando que a ofendida careceu de permanecer durante dois dias em unidade de cuidados de intensivos (cfr. lista exaustiva de episódio de internamento); - fls. 35 a 39, relatório de inspecção judiciária, inferindo-se a recolha dos vestígios biológicos, no dia em causa, devidamente documentada e selada; - fls. 40 a 50, reportagem fotográfica ao local e aos objectos, sendo patente a existência de vestígios hemáticos nas peças de roupa, aí devidamente documentadas (cfr. fotogramas a fls. 43 e 44, os panos utilizados para limpar, o que revela pensamento lógico, ponderado e lúcido, denotando a conduta do arguido manifestamente uma maior preocupação, e empenho, com a limpeza dos vestígios hemáticos, do que com a saúde, ou com os cuidados de que esta carecia, da testemunha EE); - fls. 54 a 55, 56 a 57, 58 a 59, 60 a 61 e 62 a 63, constam, respectivamente, as certidões dos assentos de nascimento da testemunha EE e dos quatro filhos em comum desta com o arguido, resultando quer a filiação, quer as datas de nascimento; - fls. 118 a 124, informação social elaborada pelo Hospital xxxxxx, em face do acompanhamento do menor HH, aquando do período de internamento da testemunha EE, sua mãe, tendo sido o menor submetido a avaliação clínica; - fls. 249 a 252, relatório social de avaliação elaborado pela Santa Casa da Misericórdia, inferindo-se a constatação da existência na pessoa da ofendida de um estado de vulnerabilidade e de fragilidade quer física, quer emocionalmente, concatenado com a análise do teor de fls. 407 a 409, relatório de informação social, como, aliás, objectivamente se constatou do seu depoimento; - fls. 307 a 309 verso, relatório pericial médico-legal de avaliação do dano corporal em direito penal, cujo ínsito rigor técnico-cientifico não suscita qualquer reserva, nem ambiguidade, quanto à clareza resultante das conclusões aí devidamente elencadas, inferindo-se quer a natureza, extensão, localização e dimensões das lesões e sequelas apresentadas pela ofendida, quer a aferição do nexo de causalidade — nos termos acima dados como provados — e o período de consolidação; - fls. 341 a 342, resulta a descrição detalhada efectuada pelos Bombeiros, tendo sido quem prestou, e no local, os primeiros cuidados de saúde à ofendida, aí devidamente descritos e identificados, quer os cuidados prestados, quer as lesões, e a sua localização, que aquela tinha; - fls. 414 a 421, resulta o custo suportado pelo demandante cível com os cuidados médicos e de saúde prestados à ofendida, na sequência dos factos acima descritos, devidamente discriminados e individualizados; - do processo apenso n.° 1252/18.5PKLSB: - fls. 29 a 30, auto de apreensão e auto de avaliação, inferindo-se a natureza e características do objecto apreendido na posse do arguido referente aos factos do dia 11.08.2018, a saber o martelo; - do apenso n.° 891/19.IPKLSB: - fls. 32, reportagem fotográfica levada a cabo pela Polícia de Segurança Pública, no próprio momento em causa, relativa aos factos acima descritos do dia 18.06.2019, inferindo-se o impacto lesivo físico existente na zona do pescoço da testemunha EE decorrente da força exercida pela arguido no pescoço daquela. Os factos não provados advêm da ausência da sua inequívoca demonstração, pois, por um lado, a testemunha GG (legitimamente) recusou-se a prestar depoimento, e por outro lado, não foi tal factualidade nem declarada, nem reproduzida em sede de audiência de julgamento." (fim de transcrição). Por seu turno, quanto ao enquadramento jurídico-penal dos factos e à escolha e medida das penas parcelares e única, bem como às sanções acessórias e aos pedidos de indemnização, expendeu-se no acórdão recorrido: "Fundamentação de Direito: Enquadramento jurídico-penal: Provados que estão os factos acima descritos, compete proceder à sua sindicância legal, em termos de imputação penal. Dos crimes de violência doméstica: O arguido encontra-se acusado da prática, em concurso real e efectivo, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo Art.° 152.°, n.° 1, alínea b) e n.° 2, do Código Penal, na pessoa da ofendida EE, e de 2 (dois) crimes de violência doméstica, previstos e punidos pelo Art.° 152.°, n.° 1, alínea d) e n.° 2, do Código Penal, referentes aos seus dois filhos, GG e HH. Quanto ao crime de violência doméstica, prevê o Art.° 152.°, do Código Penal que, comete tal crime: "1- Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais: a)- Ao cônjuge ou ex-cônjuge; b)- A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação c)- A progenitor de descendente comum em 1º grau; ou d)-A pessoa particularmente indefesa, em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal (...)". Estatui o n.° 2 do citado preceito penal que: "no caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor no domicilio comum ou no domicilio da vitima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos." O bem jurídico tutelado pelo preceito supra citado, como refere Taipa de Carvalho "não está na protecção da comunidade familiar, mas sim na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana"; assim, "deve dizer-se que o bem jurídico protegido por este tipo de crime é a saúde — bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, e bem jurídico este que pode ser afectado por toda uma multiplicidade de comportamentos que (..) afectem a dignidade pessoal do cônjuge." cfr. Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pág. 332. Como escreve Teresa Beleza "(...) os vários verbos utilizados implicam uma ideia de reiteração, de continuidade, ligada, justamente, à relação existente entre as pessoas", cfr." Maus-tratos conjugais: o art. 153°, n.°3, do C.P.", AAFDL, 1989, pág. 21. Catarina Sá Gomes propugna "o que se deve exigir é uma conduta ou acção plúrima e repetida, não sendo um acto isolado, esporádico, suficiente. Ou, dito de outro modo, não estamos perante um crime continuado, mas sim perante um crime de execução duradoura", cfr. "O crime de maus tratos físicos e psíquicos infligidos ao cônjuge ou ao convivente em condições análogas às dos cônjuges", AAFDL, pág. 73. No entanto parte da jurisprudência já sustentava que o crime de maus-tratos se podia bastar com uma única conduta agressiva, desde que a sua gravidade intrínseca seja tal que permitisse essa qualificação, por revelar em si mesma uma crueldade, uma insensibilidade ou até uma vingança desnecessária por parte do agente, atingindo de forma insuportável a dignidade do ofendido, veja-se, por exemplo, os Acórdãos de 17.10.96 e de 14.11.97 do Supremo Tribunal de Justiça (C.J.-STJ, tomo II, pág. 170, e tomo V, pág. 253, respectivamente), Acórdão da Relação de Lisboa de 29/04/87 (C.J., tomo II, pág. 183), Acórdão da Relação do Porto de 29/09/2004 (C.J., tomo IV, pág. 210), ou Acórdão da Relação de Évora de 25/01/2005 (C.J., tomo 1, pág. 260). Embora não fosse elemento do tipo de crime de maus-tratos a generalidade da doutrina defendia que não bastava um acto isolado para integrar o crime de maus-tratos, não se exigindo, contudo, a habitualidade, assim se justificando a autonomização deste tipo de crime, nesse sentido refere Taipa de Carvalho "o tipo de crime em análise pressupõe, segundo a ratio da autonomização deste crime, uma reiteração das respectivas condutas" in obra citada, pág.334, e no mesmo sentido Leal-Henriques e Simas Santos, "não basta uma acção isolada (...) mas também não se exige habitualidade na conduta. Afigura-se-nos que o crime de realiza com a reiteração do comportamento, em determinado período de tempo", in C.P. anotado, 3.a edição, 2.° vol., pág. 301. Esta controvérsia foi agora superada pela redacção dada ao Art.° 152.°, do Código Penal pela Lei n.° 59/2007, de 04.09, o qual prevê que comete o crime de violência doméstica quem praticar os actos descrito de modo reiterado ou não. Deste modo passou expressamente a fazer parte do tipo legal de crime de violência doméstica as condutas isoladas que integrem a acção típica dos maus-tratos físicos ou psíquicos. Por outro lado, conforme resulta da leitura das diversas alíneas do Art.° 152.°, n.° 1, supracitadas, sendo um crime específico poderá ser realizado na pessoa do cônjuge, ou equiparada, ou a pessoa particularmente indefesa, em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite. O tipo objectivo pressupõe, assim, uma especial relação, conjugal ou de natureza familiar e/ou coabitação, entre agente e vítima, configurando-se por isso como um crime específico. As condutas típicas punidas, no que ao caso interessa, podem consistir em "maus-tratos físicos (isto é, ofensas corporais simples), maus-tratos psíquicos (humilhação, provocações, molestações, ameaças...), tratamento cruel, isto é, desumano (...), cfr. Américo Taipa de Carvalho, in obra citada, pág. 333. Perante os factos provados temos de concluir que o comportamento do arguido preenche os elementos do tipo objectivo do crime, quanto à pessoa da ofendida EE (alínea b), do citado preceito), dado que se provou que o arguido proferiu as expressões quer de índole injuriosa, quer vexatória à pessoa da ofendida - com quem manteve um relacionamento amoroso e de coabitação análoga à conjugal -, bem como se provou que desferiu diversos socos e apertou-lhe o pescoço, ocorrendo os factos, também, no domicílio comum (e também da ofendida), o que consubstanciam maus-tratos físicos e psíquicos. Quanto ao elemento subjectivo trata-se de um tipo de crime doloso, o qual pode revestir modalidade diversa consoante a conduta em causa, já que quanto aos maus-tratos físicos este terá de abranger o resultado típico, mas quanto a outras condutas que integram maus-tratos psíquicos bastará o dolo de perigo de afectação da saúde e o bem-estar das ofendidas. Como se provou, o arguido agiu sempre de forma livre e conscientemente, sabendo que não podia actuar daquela forma e que causava dores, sofrimento, dor, humilhação e medo à ofendida e as lesãos acima descritas no corpo e na saúde daquela. Agiu do modo descrito alheio aos seus deveres, sabendo que estava obrigado a respeitar a ofendida, com quem o arguido, na data, residia, em relação análoga à dos cônjuges, para além de ser mãe dos seus quatro filhos, actuando assim com dolo directo. Mais se provou que os mencionados maus-tratos fisicos e psíquicos foram infligidos no interior do domicílio comum e, consequentemente no domicílio da ofendida (vítima), logo resulta indubitavelmente, e também, provada a qualificativa do crime em causa. O arguido sabia que tais condutas eram (e são) proibidas por lei, ao que foi indiferente, conformando a sua vontade com a verificação de tais resultados. Actuou, pois, e sempre, com dolo directo (Art.° 14.° n.° 1 do Código Penal). Não se verificam quaisquer causa de exclusão de ilicitude e/ou da culpa, nem falta qualquer condição de punibilidade Destarte, dúvidas não restam que se mostram preenchidos todos os elementos típicos dos ilícitos em apreço, razão pela qual, o arguido vai condenado pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelos Art.° 152.°, n.° 1, alínea b) e n.° 2, do Código Penal. No que tange aos dois crimes de violência doméstica referentes às pessoas dos seus dois filhos, GG e HH, em face dos factos dados como provados não resulta que esses gestos e actos tenham visado directamente a personalidade e as pessoas dos menores, o que não se confunde com a exposição dos mesmos aos resultados e às consequências que puderam, posteriormente, observar dos actos de violência exercidos pelo arguido sobre a pessoa da mãe. Pelo que, se impõe a absolvição do arguido da prática de dois crimes de violência doméstica, previstos e punidos pelo Art.° 152.°, n.° 1, alínea d) e n.° 2, do Código Penal. Do crime de homicídio: O arguido vem ainda acusado da prática, em concurso real e efectivo, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos Arts.° 22.°, 23.°, 73.°, 131.°, 132.°, n.° 1 e n.° 2, alíneas b), h) e j), todos do Código Penal. Comete este crime quem, agindo com intenção de matar outra pessoa, pratica actos de execução de tal desiderato (assim considerados por preencherem um elemento constitutivo do tipo de crime; ou por serem idóneos a produzir o resultado típico; ou porque, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, eram de natureza a fazer esperar que se lhes seguissem actos das espécies anteriormente indicadas), revelando especial censurabilidade ou perversidade, designadamente, de acordo com a imputação acusatória, "b) praticar o facto contra cônjuge, ex-cônjuge, pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação, ou contra progenitor de descendente comum em I.° grau; h) praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas ou utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum; e, j) agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas". Como é sabido, partindo do tipo legal matricial dos crimes contra a vida plasmado no Art.° 131.°, do Código Penal, prevêem-se, nas normas incriminatórias que lhe seguem, as formas agravada e privilegiada da verificação deste crime, consoante se verifiquem circunstâncias que o qualificam, em função da especial censurabilidade ou perversidade da conduta do agente, ou que o privilegiam, por via da menor censura que reclama a actuação do arguido. A qualificação do crime ocorre quando a conduta de quem atenta contra a vida de outra pessoa denote uma especial censurabilidade ou perversidade (cfr. Art.° 132.°, n.° 1, do Código Penal, que prevê o tipo de culpa agravado), conceitos indeterminados, susceptíveis de serem evidenciados pelas circunstâncias (exemplos-padrão) enunciadas, a título exemplificativo, nas diversas alíneas do Art.° 132.°, n.° 2, do Código Penal, o que não impede que se venham a constatar outras circunstâncias susceptíveis de revelar a referida especial censurabilidade ou perversidade. Como vem sendo afirmado pela doutrina e pela jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, a verificação das circunstâncias previstas nas diversas alíneas do Art.° 132.°, n.° 2, do Código Penal é indiciaria (e não automática), só relevando para a qualificação do crime de homicídio voluntário quando através delas se demonstre, na observação da imagem global dos factos, unia actuação especialmente censurável ou perversa. Importa precisar o que é a especial censurabilidade ou perversidade. "a ideia de censurabilidade constitui o conceito nuclear sobre o qual se funda a concepção normativa da culpa. Culpa é censurabilidade do facto ao agente, isto é, censura-se ao agente o ter podido determinar-se de acordo com a norma e não o ter feito. No artigo 132. °, trata-se de uma censurabilidade especial: as circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores. Com a referência à especial perversidade, tem-se em vista uma atitude profundamente rejeitável, no sentido de ter sido determinada e constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade. Significa isto pois, um recurso a uma concepção emocional da culpa e que pode reconduzir-se «à atitude má, eticamente falando, de crasso e primitivo egoísmo do autor, de que fala Binder. Assim poder-se-ia caracterizar uma atitude rejeitável como sendo aquela em que prevalecem as tendências egoístas do autor, especialmente perversa, especialmente rejeitável, será então a atitude na qual as tendências egoístas ganharam um predomínio quase total e determinaram quase exclusivamente a conduta do agente. Importa salientar que a qualificação de especial se refez tanto à censurabilidade como à perversidade. A razão da qualificação do homicídio reside exactamente nessa especial censurabilidade ou perversidade revelada pelas circunstâncias em que a morte foi causada. Com efeito, qualquer homicídio simples, enquanto lesão do bem jurídico fundamental que é a vida humana, revela já a censurabilidade ou perversidade do agente que o comete", cfr. Teresa Serra in "Homicídio Qualificado", Livraria Almedina, págs. 63 a 65. Como se refere no Acórdão do S.T.J., de 7-12-2011, CJ (STJ), 2011, Ti!!, pág.227: "Motivo torpe é aquele que se considera comummente repugnante ou baixo, sendo motivo fútil aquele que não se pode razoavelmente explicar ou justificar, sem qualquer tipo de valor ou em que este se mostre insignificante ou irrelevante", o que neste caso não se verifica. Na situação vertente, perante a factualidade apurada, não existem dúvidas de que a conduta do arguido (como meio de atentar contra a vida da ofendida) foi executada com meio idóneo (foram desferidas três pancadas na cabeça/crânio da vítima com um peso, um haltere de ginásio, com um quilo) para alcançar tal objectivo, que, por sua vez, atingiu o corpo da ofendida em zonas do seu corpo particularmente sensíveis, visto que, alojam órgãos vitais à manutenção da sobrevivência humana e à preservação da vida, como é a cabeça, o crânio e o centro nevrálgico supremo, como é o cérebro. Por outro lado, a ofendida era a companheira do arguido (vivendo em condição análoga à dos cônjuges, partilhando mesa, cama e habitação, como se marido e mulher fossem) e é mãe dos seus quatros filhos (progenitora de descendente comum em primeiro grau), pelo que, é inequívoca a demonstração da qualificativa prevista na alínea b) do n.° 2, do Art.° 131°, do Código Penal. Tal como se mostra claramente preenchida a alínea h) do mesmo preceito penal, dado que, utilizar um haltere de ginástica, com o peso de um quilo, cuja estrutura é compacta, maciça e em metal (ferro), contra a cabeça de um ser humano, ainda para mais deitado, é subsumível ao conceito típico de utilização de meio particularmente perigoso para a vida humana, atendendo à natureza, à consistência, ao material e ao peso que o objecto em causa (um haltere) inequivocamente comporta e exibe, e até o próprio inerente formato e concepção potencia essa perigosidade (é fisicamente construído para ser agarrado com uma mão e para ser erguido, logo mostra-se dotado de uma maior aptidão ergonómica que facilita a sua manipulação e arremesso). Entende-se, todavia, que não se mostra a conduta cometida pelo arguido subsumida à previsão contida na alínea j) do n.° 2 do Art.° 132.°, do Código Penal, dado que, se afigura que a conduta do arguido não revela frieza de ânimo, nem reflexão quanto aos meios empregados, pelo que, soçobra a demonstração desta qualificativa. E para além da demonstração das qualificativas referidas (previstas nas alíneas b) e h) do n.° 2 do aludido Art.° 132.°), a conduta do arguido, globalmente avaliada, revela a citada especial censurabilidade, pois que, o arguido agiu durante o período ainda de adormecimento da ofendida, aproveitando-se do facto da mesma estar deitada, e ainda não desperta, logo ainda mais vulnerável e mais desprotegida, atingindo-a na cabeça, por três vezes, certificando-se que o filho mais velho não estava casa (já tinha ido para a escola), certificando-se que o filho mais novo ainda estava a dormir, e fechando a porta do quarto deste, e após ter desferido tais pancadas com um haltere, pesando um quilo, contra a cabeça da ofendida, limpou tal objecto, trocou de roupa e disse à ofendida para chamar o INEM, mas para dizer que tinha sofrido uma queda em casa. Sem descurar que, quem, aproveitando-se do especialmente vulnerável posicionamento físico — a ofendida estava deitada na cama do seu quarto — e do estado de alerta enfraquecido, dado que estava adormecida, desfere três pancadas na cabeça de outrem, com um haltere, que pesa um quilo, não tem outra intenção que não seja o de atentar contra a vida da visada, desde logo pelo local específico do corpo atingido (a cabeça), o número de pancadas infligidas e o objecto utilizado. Pelo que, vai o arguido condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, já que o arguido não conseguiu consumar o seu desiderato último: tirar a vida da ofendida. Quanto ao elemento subjectivo trata-se de um tipo de crime doloso, o qual pode revestir modalidade diversa consoante a conduta em causa. Como se provou, o arguido agiu sempre de forma livre e conscientemente, sabendo que não podia actuar daquela forma, bem sabendo que ao desferir tais pancadas nos moldes acima descritos contra as zonas do corpo acima discriminadas, os mesmos eram objectivamente idóneos para atentar contra a vida da ofendida, só não sucedendo por motivos alheios à vontade do arguido. O arguido sabia que tal conduta era (e é) proibida por lei, ao que foi indiferente, conformando a sua vontade com a verificação de tal resultado, o que não se consumou por motivos exógenos à vontade do arguido, sendo a tentativa punível (cfr. Arts.° 22.° e 23.°, ambos do Código Penal). Actuou, pois, com dolo directo (Art.° 14°, n.° I do Código Penal). Não se verifica qualquer causa de exclusão de ilicitude e/ou da culpa, nem falta qualquer condição de punibilidade. Destarte, dúvidas não restam que se mostram preenchidos todos os elementos típicos do ilícito em apreço, razão pela qual, o arguido vai condenado pela prática, como autor material e na forma tentada, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos Arts.° 131.º, 132.°, n.° 1 e n.° 2, alíneas b) e h), 22.°, 23.° e 73.°, todos do Código Penal. Escolha e determinação da medida da pena: Assente que está que o arguido praticou, em autoria material, em concurso real c efectivo, os dois crimes retro referidos, há que proceder à escolha e determinação da medida das penas que, em concreto, lhe devem ser aplicadas. O crime de violência doméstica é punido com uma pena de 1 (um) a 5 (cinco) anos de prisão. Sendo os factos praticados no interior do domicílio comum e/ou no domicílio da ofendida, como foi o caso, o crime de violência doméstica é punido com uma pena de 2 (dois) a 5 (cinco) anos de prisão (cfr. Art.° 152°, n.° 2, do Código Penal). O crime de homicídio qualificado é punido com pena de prisão de 12 (doze) a 25 (vinte e cinco) anos, sendo a pena especialmente atenuada, por força da tentativa, sendo o mínimo legal reduzido a um quinto, ou seja, a 2 (dois) anos, 4 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias, e o limite máximo é reduzido de um terço, isto é, 16 (dezasseis) anos e 8 (oito) meses (cfr. Arts.° 73.° e I32.°, n.° 1, ambos do Código Penal). Para haver responsabilização jurídico-penal do arguido não basta a mera realização por este de um tipo-de-ilícito (facto humano anti-jurídico e correspondente ao tipo legal), torna-se necessário que aquela realização lhe possa ser censurada como culpa, o mesmo é dizer, que aquele comportamento preencha também um tipo-de-culpa (como se referem Leal-Henriques e Simas Santos, in Código Penal Anotado, vol. I, 2002, p. 205). De acordo com o Art.° 40.°, n.° 2 do Código Penal e A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa», sendo a culpa um dos elementos fundamentais em sede de aplicação de penas. A punição visa a protecção dos bens jurídicos e a intimidação para a prática de futuros delitos (prevenção geral positiva e negativa) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial), cfr. n.° 1 do Art.° 40.° do Código Penal. Tais finalidades, de acordo com o que preceitua o Art.° 40.°, n.° 1, do citado Código, são a protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial), não podendo, em caso algum, a pena exceder a medida da culpa do agente, sob pena de se postergar o fundamento último de toda e qualquer punição criminal que é a dignidade humana (cfr. Art.° 40.°, n.° 2, do Código Penal). Estatui o Art.° 71.º, n.° 1 do Código Penal que «A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». Importa, por isso, ponderar as exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir. No caso vertente, são particularmente elevadas as exigências de prevenção geral, uma vez que, este tipo de crimes, pela sua insita violência, assume relevantes proporções, com graves consequências, no seio da comunidade, as quais provocam grande alarme social e sentimento generalizado de insegurança e medo para além de situações análogas à dos autos sucederem com grande frequência, especialmente nesta comarca, o que provoca justificado temor na comunidade, abala a confiança que esta deve ter na eficácia do sistema penal, e impõe, consequentemente, uma necessidade acrescida de dissuadir a prática destes factos pela generalidade das pessoas e de incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes. A ilicitude assume intensidade elevada, atentas as consequências dela resultantes no que respeita à lesão de bens de natureza pessoal. O dolo, atenta a reflexão necessária ao empreendimento da acção, assume intensidade significativa, por revestir a sua modalidade mais intensa, de dolo directo. Nestes termos, a operação a efectuar na determinação da pena consiste na construção de uma moldura penal de prevenção geral de integração (em obediência à ideia de que o fim da punição reside na defesa dos bens jurídicos e das legitimas expectativas da comunidade, com vista ao restabelecimento da paz jurídica) e cujo limite mínimo é dado pela defesa do ordenamento jurídico, o ponto abaixo do qual não é socialmente admissivel a fixação da pena, sem colocar em causa a sua função de tutelar bens jurídicos. Por outro lado, a culpa fornecerá o limite máximo inultrapassável das exigências de prevenção — a culpa como fundamento da pena e não como finalidade. Dir-se-á, assim, que a culpa é a mito da pena. Dentro dos limites abstractamente definidos na lei, a medida concreta da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se igualmente a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do agente ou contra ele (cfr. Arts.° 71.°, n.°5 1 e 2, e 40.°, n.° 1, do Código Penal). É com base neles que ao juiz cabe "uma dupla (ou tripla) tarefa, dentro do quadro condicionante que lhe é oferecido pelo legislador. Determinar, por uni lado, a moldura penal abstracta cabida aos factos dados como provados no processo. Em seguida, encontrar, dentro desta moldura penal, o quantum concreto da pena em que o arguido deve ser condenado. Ao lado destas operações — ou em seguida a elas -, escolher a espécie ou o tipo de pena a aplicar concretamente, sempre que o legislador tenha posto mais do que uma à disposição do juiz", assim o ensina o Prof. Jorge Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Noticias, 1993, pág. 193. Sem condescender que, os factos em causa se revelam particularmente graves e são profundamente censuráveis, porquanto denotam um significativo desprezo pela dignidade da pessoa e uma ausência absoluta de respeito pela humanidade, conforme supra explanado, sendo certo que, não se pode ignorar que o crime em referência, pela extrema frequência com que vem sendo praticado e pelos traços de insuportável violência de que geralmente se reveste, constitui uma das infracções criminógenas que causam maior alarme social, contribuindo, claramente, para aumentar o sentimento geral de insegurança em que vive a sociedade portuguesa dos nossos dias, como sucedeu nos autos. No respeitante à culpa do arguido, deve atender-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, sob pena de haver uma dupla valoração da culpa, depuserem a favor ou contra o arguido, considerando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a intensidade do dolo, os fins ou motivos que o determinaram e as suas condições pessoais. Com efeito, têm de ser ponderadas, de forma equilibrada, todas as circunstâncias para a individualização da pena aplicada ao arguido. Assim, nas circunstâncias que antecederam, contemporâneas ou posteriores ao cometimento do delito e que influenciam a determinação da pena, de modo a concretizar-se o tipo e a gravidade da mesma, têm de ser ponderadas as circunstâncias, desfavoráveis e as favoráveis: As primeiras: -o grau elevado de ilicitude dos factos, atendendo ao circunstancialismo em que os mesmos ocorreram; - a existência de dolo directo (na sua forma mais intensa); - a extensão das lesões, as sequelas e a intensidade das mesmas, bem como a amplitude extensa do período de tempo em que as mesmas ocorreram; - a ausência de comportamentos exteriores consentâneos com a interiorização do desvalor das condutas e falta de juízo crítico, com um discurso autocentrado, egotista e autocomplacente; - a atitude desvalorizante e de minimização das consequências e culpabilização da ofendida; - a sua problemática alcoólica e aditiva de substâncias estupefacientes, e as características pessoais por si assumidas, de ser um indivíduo nervoso e com fácil passagem ao acto sem controlo relacional quando confrontado com situações frustrantes, o que potencia uma recidiva; - a assunção de uma postura autodesculpabilizadora, de auto justificações e de alheamento às consequências sentidas pela ofendida; - as quinze condenações registadas no seu certificado de registo criminal, o que acentua de forma acutilante as necessidades de prevenção especial, e o que denota uma postura de indiferença às condenações anteriormente sofridas e, consequentemente, agrava incisivamente as necessidades de prevenção especial que urge adequada e eficazmente salvaguardar, pois o arguido possui um percurso criminal longo, persistente e eclético, tendo sofrido penas de prisão efectiva, e não obstante, essas quinze condenações anteriores - com início em 1997 (os primeiros factos criminosos cometidos), e vão sendo sucessivamente aplicadas em 2000, 2001, 2002, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2010, 2013 e 2015 -, o arguido insiste em praticar crimes, de maior e mais intensa gravidade, denotando indiferença para com essas condenações anteriores sofridas e de desrespeito consistente para com os valores penais protegidos; - a circunstância de anteriormente ter cumprido penas de prisão efectiva, com condenações pela pratica de crimes de roubo e de ofensa à integridade fisica qualificada, ou seja, crimes que exigem na demonstração da sua tipicidade o emprego de violência contra as pessoas, o que revela uma personalidade volátil, impulsiva, fisicamente reactiva e avessa às regras, à Lei e ao Direito; A favor do arguido depõem as seguintes circunstâncias: - a condição humilde e a verbalização de arrependimento, embora tal declaração seja, por um lado, desacompanhada de qualquer reflexão de interiorização do desvalor das suas condutas, e por outro lado, acompanhada de um discurso autocentrado e desculpabilizador (ora por "culpa das drogas", ora "por culpa das condutas da ofendida"). Ora, a factualidade sob colação revela-se particularmente censurável, visto que a conduta do arguido denotou total, absoluto e reiterado desrespeito pelas normas penais vigentes, bem como o crime (violência doméstica) em causa se reveste de incisiva gravidade e é profundamente atentatório dos bens jurídicos fundamentais de índole eminentemente pessoal, devassando esses bens pessoais, revelando desprezo pela natureza humana e pela vida humana. Sem descurar que, a circunstância de o arguido ter tido uma infância pautada por um ambiente familiar violento não justifica que o arguido repercuta na sua família esse mesmo quadro, tanto mais que o arguido prosseguiu na sua conduta, apesar de estar já bem ciente que tal contrariava o sentimento de bem estar e de segurança da ofendida, o que o arguido insiste em desvalorizar. E apesar de o arguido reconhecer, e apenas em parte, os factos, a verdade é que o faz com bastantes reservas, minimizando as suas decisões, desvalorizando as suas condutas, imputando aos comportamentos da ofendida a responsabilização pela sua actuação, pela sua raiva e pelas consequências que dai advinham para aquela, ou para o consumo de bebidas alcoólicas ou de substâncias estupefacientes, sem descurar que, desvaloriza as sequelas vivenciadas pela ofendida, menospreza os seus sentimentos, dores e sofrimento, não denotando genuína interiorização pelo desvalor das suas condutas, ou seja, a arrependimento verbalizado pelo arguido centra-se nas suas necessidades de querer estar com os filhos e não estar recluso e não num processo de reconhecimento da personalidade da ofendida, da sua integridade física, da sua personalidade e da sua vida. Assim, conclui-se serem por demais prementes, mesmo gritantes, as necessidades de prevenção especial que urge acautelar de forma eficaz e adequada, mas justa. Com efeito, o arguido denota um persistente e reiterado desrespeito pelos valores jurídicos penalmente tutelados, não se abstendo praticar sucessivamente crimes, o que denota, claramente, uma ausência de interiorização do desvalor da conduta e desprezo pelo respeito da vontade e do bem-estar da ofendida, e pelos valores penais protegidos. Coloca-se com bastante premência a necessidade óbvia de dissuadir aquele de cometer futuros crimes, sendo patente o seu sistemático desrespeito pelas normais vigentes. Em face das circunstâncias expostas, entende-se ser adequado, justo e consentâneo quer com as finalidades insitas à punição, quer com a medida da culpa e da consciência da ilicitude, aplicar ao arguido a pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo Art.° 152.°, n.° 1, alínea b) e n.° 2, do Código Penal, e a pena de 8 (oito) anos de prisão, pela prática, em autoria material e na forma tentada, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos Arts.° 22.°, 23.°, 73.°, 131.° e 132.°, n.° 1 e n.° 2, alíneas b) e h), todos do Código Penal, na pessoa da ofendida EE, de que se encontrava, em concurso real e efectivo, acusado. Do cúmulo jurídico: Considerando que o arguido vai condenado pela prática de dois crimes, em concurso real e efectivo, em penas da mesma natureza, penas de prisão, importa efectuar o cúmulo e condenar o arguido numa pena única. Na medida concreta da pena única resultante da aplicação das regras do concurso de crimes deverá o Tribunal ter em conta os factos e a personalidade do arguido, bem como os fins de prevenção quer geral, quer especial (cfr. Art.° 77.°, do Código Penal). Ora, a factualidade sob colação revela-se de extrema gravidade e intensa censurabilidade, denotando a conduta do arguido um absoluto alheamento pela integridade fisica e bem-estar de terceiros, a ofendida (sua companheira e mãe dos seus filhos, dois deles na data ainda menores de idade e residentes na mesma habitação), revelando um total desrespeito pelos valores jurídicos e axiológicos vigentes, bem como os crimes em causa são profundamente atentatórios dos valores penais vigentes, porquanto revela o arguido com estas suas condutas um desprezo profundo pela dignidade da condição humana, tanto mais que o arguido não assume uma postura de que fosse denotativa de um processo de interiorização do desvalor das condutas, nem revela qualquer manifestação de genuíno arrependimento, nem de reconhecimento do desvalor dos gestos por si perpetrados, antes revelando uma personalidade impulsiva, física e verbalmente agressiva, como, aliás, se constata pela sua postura e comportamento em sede de audiência de julgamento. E esse alheamento atinente ao bem-estar de terceiros denota uma personalidade insensível, centrada nas necessidades e nos interesses pessoais. Por outro lado, dos factos dados como provados resulta que o arguido denota um fraco recurso a um pensamento consequencial, ausência de consciência crítica, uma menor interiorização das normas e valores em vigência e sérias dificuldades em se colocar na perspectiva do outro, o que agrava as necessidades de prevenção especial que urge acautelar, especialmente atendendo ao longo período de tempo em que o arguido praticou estes factos, o que revela uma personalidade desconforme à Lei e ao Direito e de dificuldade de controlo de impulsos, não obstante se ponderar em seu beneficio a condição humilde. Sem olvidar, as quinze condenações registadas no seu certificado de registo criminal, pela prática, igualmente, de crimes que exigem o emprego de violência contra as pessoas (crimes de roubo e de ofensa à integridade física qualificada), tendo cumprido penas de prisão efectiva, e não obstante tais confrontações com o sistema penal e de justiça, o arguido persiste em cometer crimes, revelando não só indiferença para com as penas e condenações anteriormente aplicadas, mas também uma personalidade avessa às normas e aos valores penais vigentes. Assim, operando o cúmulo jurídico entre o mínimo de 8 (oito) anos, a pena mais elevada concretamente aplicado, e o máximo de 12 (doze) anos e 6 (seis) meses, a soma das duas penas concretamente aplicadas (cfr. Art.° 77.°, do Código Penal), julga-se adequada, justa e consentânea com os fins das penas e do instituto do cúmulo jurídico, condenar o arguido na pena única de 10 (dez) anos de prisão cuja medida não admite qualquer outra forma de cumprimento que não seja a de prisão efectiva, em contexto prisional, nem, aliás, os fins inerentes à punição se mostrariam compatíveis, nem justos, nem adequados com qualquer outra forma de cumprimento da pena de prisão. Criminalmente condenado, suportará o arguido o pagamento das custas do processo e nos demais encargos, englobando os honorários devidos pela defesa oficiosa, nos termos legalmente estabelecidos, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC (cfr. Arts.° 513.° e 514.°, ambos do Código de Processo Penal e Art.° 8.°, do Regulamento das Custas Processuais). Das penas acessórias: Nos termos do Art.° 152.°, n.° 4, do Código Penal, prevê-se a possibilidade de aplicação de pena acessória específica para os casos de violência doméstica, designadamente: "Nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica." Estatui o n.° 5 de tal preceito que: "A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância." No caso em apreço cumpre ponderar a aplicação destas penas acessórias. A sanção acessória em apreço tem um nítido cariz de prevenção geral, embora dirigida à vítima e não à generalidade a sociedade. Assim, entende-se ser de relevar as apreensões, a ansiedade, angústia e receios da ofendida, especialmente a vulnerabilidade desta, em face do longo hiato temporal das condutas perpetradas pelo arguido, o ascendente quer físico, quer psicológico que o arguido exerceu sobre a ofendida — que ainda presentemente se mantém patente - e, atendendo à personalidade do arguido que se caracteriza por pessoa dominada por impulsos e egoisticamente motivada, podendo, afigurando-se ser assim justo, adequado e consentâneo os fins das penas aplicar ao arguido as penas acessórias de proibição de uso e porte de armas, pelo período de 5 (cinco) anos — o qual se afigura consentâneo com as finalidades inerentes à punição e com a salvaguarda adequada das necessidades de protecção da ofendida -, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, a fim de o arguido interiorizar eficazmente a censurabilidade e a gravidade das suas condutas, com vista à sua adequada ressocialização, ao abrigo do disposto no Art.° 152.°, n.° 4, do Código Penal. Igualmente se afigura ser condizente com tais desideratos — fins das penas e protecção da ofendida condenar o arguido na pena acessória de proibição de contactos, por qualquer meio, título e/ou modo, com a ofendida, impondo-se o afastamento da residência e do local de trabalho da ofendida, com recurso a meios técnicos de controlo à distância, o que se justifica no caso concreto, atendendo ao facto de o arguido ainda na presente data exercer uma forte pressão na pessoa da ofendida, bem como esta denota ser, ainda presentemente, pessoa emocionalmente fragilizada e vulnerável, decorrente da extensão quer das lesões sofridas quer do período de tempo em que as mesmas tiveram lugar, pelo que, só através do uso de meios técnicos de controlo à distância, se mostra exequível a eficácia subjacente a esta pena acessória, cujo decretar se impõe, atendendo às especiais necessidades de protecção de que a ofendida padece, atendendo à sua vulnerabilidade emocional, ao medo e o receio que a pessoa do arguido, ainda hoje, lhe suscita e o ostensivo ascendente psicológico que ainda exerce sobre a pessoa da ofendida. Face ao exposto, afigura-se ser justo e consentâneo com as finalidades inerentes à punição, atendendo aos fins de prevenção especial, bem como à protecção com eficácia da ofendida, condenar o arguido na pena acessória de proibição de contacto com a ofendida, a qualquer título e por qualquer meio ou modo, com afastamento da residência e do local de trabalho da ofendida, pelo período de 5 (cinco) anos, com recurso a meios técnicos de controlo à distância, nos termos do Art.° 152.°, n.° 4 e n.° 5, do Código Penal. Dos pedidos de arbitramento: Nos termos do Art.° 21.°, n.° 2, da Lei n.° 112/2009, de 16 de Setembro aos casos de violência doméstica aplica-se o estatuído no Art.° 82°-A, do Código de Processo Penal, excepto mediante oposição da vítima, o que in casu não ocorreu. O referido Art.° 82.°-A, dispõe que: "Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72° e 77°, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham." Não existe, por parte da ofendida, oposição expressa à aplicação deste dispositivo legal, nem deduziu a mesma contra o arguido pedido de indemnização cível. Pelo que, e no caso, haverá que atender ao contexto das ofensas perpetradas, o hiato temporal longo em que as mesmas ocorreram, bem como às consequências quer físicas, quer emocionais que os factos tiveram para a ofendida, o que se afigura de particular relevância e censurabilidade, dada o manifesto ascendente fisico e psicológico que o arguido detinha sobre a pessoa da ofendida, e que ainda na presente data manifestamente se mantém, aquando do cometimento dos factos, do que o arguido estava bem ciente. A que acresce o significativo, intenso e reiterado sofrimento — quer físico, quer psicológico e emocional - vivenciado pela ofendida, e advindo essas condutas por parte de quem tinha o especial dever de protecção, cuidado e educação, o seu companheiro e pai dos seus quatro filhos, o aqui arguido. Sendo assim, de calcular o dano moral ou não patrimonial merecedor da tutela do direito (cfr. Art.° 496.°, n.° 1, do Código Civil), a indemnização é fixada de acordo com a equidade tendo em conta as circunstâncias do Art.° 494.°, do Código Civil (cfr. n.° 3, do Art.° 496.°). Nestes termos e atendendo aos elementos apurados, em face dos factos dados provados, atendendo por um lado, às ofensas concretamente perpetradas pelo arguido (quer físicas, quer verbais, quer psicológicas), ao longo período temporal e às lesões sofridas decorrentes da conduta do arguido, e a sua extensão, quer no domínio no sofrimento físico, quer de natureza psicológica e emocional, julga-se adequado e justo condenar o arguido a pagar uma indemnização, a título de arbitramento, pelos danos não patrimoniais sofridos, no montante de € 20.000,00 (vinte mil euros) à pessoa da ofendida, EE, nos termos do Art.° 82.°-A, do Código de Processo Penal. Improcedendo os pedidos de arbitramento quanto aos filhos, o jovem GG e o menor HH, visto que, não resultou provado o directo emprego de violência nas pessoas dos menores, não resultando demonstrados os elementos típicos subjacente ao crime de violência doméstica quanto aos filhos. Do pedido de indemnização cível deduzido pelo demandante cível "Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, E.P.E." contra o arguido e demandado AA: A indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil (cfr. Art.° 129.°, do Código Penal), aplicando-se, pois, as normas constantes do Código Civil, nomeadamente os Arts.° 483.° e seguintes e 596.° e seguintes. Tal entidade, pessoa colectiva de direito público, integrada no Serviço Nacional de Saúde, pediu a condenação do arguido e demandado no pagamento do montante global de € 3.617,12 (três mil seiscentos e dezassete euros e doze cêntimos), correspondente ao preço dos serviços de saúde prestados, por conta da assistência médica e hospitalar, prestados à ofendida EE, em virtude das lesões resultantes das acções imputáveis ao arguido e demandado. Ora, dispõe o Art.° 495.°, n.° 2, do Código Civil que, em caso de lesão corporal," têm direito a indemnização aqueles que socorram o lesado, bem como os estabelecimentos hospitalares, médicos ou outras pessoas ou entidades que tenham contribuído para o tratamento ou assistência da vítima". Assim, aquela unidade hospitalar, incluída entre as mencionadas entidades, tem direito a indemnização, certo que contribuiu para o tratamento da ofendida, em consequência de acto de terceiro (Arts.° 8.°, n.° 3, do Decreto-Lei n.° 132/88, de 20 de Abril e 1.° e 6.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 218/99, de 15 de Junho). Resultou assente que o arguido molestou fisicamente o corpo da referida ofendida, nos termos dados como provados e acima escalpelizados e que de tal factualidade resultaram, para esta, lesões pelas quais foi assistida naquela instituição hospitalar, recebendo cuidados médicos, de enfermagem e tratamentos esses no valor global retro aludido, os quais não foram até hoje pagos, sendo certo que a acima identificada ofendida confirmou na íntegra os serviços médicos que lhe foram ministrados por aquela unidade de saúde, os quais não pagou, como, aliás, abundantemente resultam demonstrados da mera análise da documentação clínica e inerentes facturas, acima já elencadas. Deve, pois, o demandante cível (Centro Hospitalar) ser pago do montante correspondente ao preço dos serviços de saúde prestados e respectivos juros, à taxa legal, vencidos desde a notificação do arguido para contestar e vincendos até integral e efectivo pagamento (cfr. Art.° 566°, n.° 2, do Código Civil). A presente indemnização vencerá juros moratórios, à taxa legal, contados a partir da data de notificação do demandado para contestar, os entretanto vencidos e os vincendos até integral e efectivo pagamento. Considerando o supra exposto quanto à responsabilidade pelas lesões sofridas pela ofendida/assistente que determinaram a sua assistência pelo demandante entidade prestadora de cuidados médicos, integrada no sistema nacional de saúde, e as normas jurídicas referidas, deve o arguido suportar as despesas a que com a sua conduta deu causa, cabendo julgar totalmente procedente o pedido de indemnização deduzido, de harmonia ainda, com as disposições conjugadas dos Arts.° 483.°, 495.°, n.° 2, 562°, 563.° e 566.°, n.° 1 e n.° 2, do Código Civil e Arts.° 1.° e 6.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 218/99, de 15 de Junho. Condenando-se assim, o arguido ao pagamento da quantia de € 3.617,12 (três mil seiscentos e dezassete euros e doze cêntimos), julgando-se o pedido totalmente procedente, por provado, a que acrescem juros de mora legais vencidos, desde a data de notificação para contestar, e os vincendos até integral e efectivo pagamento." (fim de transcrição). 3.–Vejamos se assiste razão ao recorrente. 3.1.-Como vimos, impugna o recorrente, por erro de julgamento e através do mecanismo da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º, n.ºs 3, 4 e 6 do CPP, a decisão da matéria de facto provada sob os pontos 1, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 18, 19, 22, 24, 25, 26, 33, 34 e 43 dos factos provados, pugnando que devem os assentes sob os n.ºs 9, 19, 23, 24 e 25 serem dados como não provados, os demais terem nova redacção, nos termos que o recorrente propõe nas suas conclusões de BT a CM, devendo ainda ser aditado um novo facto provado dizendo: “Desconhecendo que a ofendida tinha dito estar sozinha na habitação com o filho, o arguido aguardou junto da ofendida e à porta de casa pelo INEM” Bem como, impugna o recorrente a matéria de facto alegando padecer a decisão recorrida dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, de erro notório na apreciação da prova, e de contradição (“há factos incompatíveis entre si”), a que aludem as alíneas a) a c) do n.º 2, do artigo 410.º, do CPP, violando quer o princípio a livre apreciação da prova, prevista no artigo 127.º do CPP, quer o princípio in dubio pro reo, que constitui decorrência do princípio da presunção da inocência, consagrado no artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. Apreciemos. Em sede de recurso para o Tribunal da Relação, a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: quer por arguição dos vícios a que faz referência o art. 410.º, n.º 2, do CPP (a chamada revista alargada), quer pela impugnação ampla da matéria de facto, a que alude o art. 412.º, n.ºs 3, 4 e 6 do mesmo diploma. No primeiro caso, os mencionados vícios decisórios têm de resultar do texto da decisão recorrida, encarado por si só ou conjugado com as regras gerais da experiência comum – sem possibilidade de apelo a outros elementos estranhos ao texto, mesmo que constem do processo – visto tratar-se de vícios inerentes à decisão, à sua estrutura interna, e não de erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida. No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise da prova registada e produzida em audiência de julgamento, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP. De acordo com este normativo, sempre que pretenda impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto o recorrente deve especificar: -os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; -as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; -as provas que devem ser renovadas; A especificação dos “concretos pontos de facto” traduz-se na indicação individualizada dos factos que constam da decisão recorrida e que se consideram incorretamente julgados. Por seu turno, a especificação das “concretas provas” corresponde à indicação do conteúdo específico de meio de prova ou de obtenção da prova, com a explicitação da razão pela qual essas provas impõem decisão diversa da recorrida. Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretende, dos vícios previstos no n.º 2 do art. 410.º do CPP e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cf. art. 430.º do CP). E o n.º 4 do art. 412.º estabelece que «quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação», acrescentando o seu n.º 6 que «no caso previsto no n.º 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.» Como se lê no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (doravante STJ), de 12 de junho de 2008, proferido no processo n.º 4375/07 - 3.ª[2], esta possibilidade de sindicância da matéria de facto sofre quatro tipos de limitações: «- desde logo, uma limitação decorrente da necessidade de observância, por parte do recorrente, de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta delimitação precisa e concretizada dos pontos da matéria de facto controvertidos, que o recorrente considera incorrectamente julgados, com especificação das provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso; - já ao nível do poder cognitivo do tribunal de recurso, temos a limitação decorrente da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações e/ou, ainda, das transcrições; - por outro lado, há limites à pretendida reponderação de facto, já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento, pois o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância; a actividade da Relação cingir-se-á a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação; - a juzante impor-se-á um último limite, que tem a ver com o facto de a reapreciação só poder determinar alteração à matéria de facto se se concluir que os elementos de prova impõemuma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão.» Como tem este Coletivo reafirmado em diversas ocasiões[3], o tribunal de recurso não pode realizar, por sua conta e risco, uma reponderação da matéria de facto, sem uma prévia definição pelo recorrente de quais os factos que quer ver reapreciados. É certo que, no nosso sistema judicial, são muito importantes os princípios da investigação oficiosa e da descoberta da verdade material. Mas não o são menos os do exercício do contraditório e da igualdade de armas, para que o processo se desenrole de acordo com o due process of law, tão caro aos sistemas judiciais não totalitários: a ideia de que os processos judiciais devem ser justos»[4]. No caso do recurso ora em apreço, importa assinalar, em primeiro lugar, que o recorrente AA vem impugnar a matéria de facto por aquelas duas citadas vias, isto é, quer por revista alargada, por arguição de vícios a que alude o art. 410.º, n.º 2, do CPP, quer pela impugnação ampla da matéria de facto, a que alude o art. 412.º, n.ºs 3, 4 e 6 do mesmo diploma. E, em segundo lugar, que, no caso concreto, este Tribunal pode conhecer de facto, atento o preceituado no art. 428.° do CPP, uma vez que houve documentação da prova produzida, oralmente, na audiência em 1a instância, sendo que, em conformidade com o disposto na al. b), do art. 431.°, do CPP, a matéria de facto foi impugnada cumprindo o recorrente AA as regras contidas no art. 412.° n.°s 3 e 4 do CPP. De qualquer modo, ainda que não viesse arguida pelo recorrente AA a existência de qualquer um dos vícios mencionados nas alíneas a) a c) do n.º 2 do art. 410.º, do CPP, a sua verificação sempre é de conhecimento oficioso pelo tribunal de recurso, como é jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça[5]. Segundo n.º 2, do artigo 410.º, do CPP, "mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a)- A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b)- A contradição insanável da fundamentação; c)- Erro notório na apreciação da prova". Características comuns a todos aqueles vícios, além de serem, como se disse, de conhecimento oficioso, são os de fundamentarem o reenvio do processo para outro julgamento quando insanáveis no tribunal de recurso (artigos 426.º e 436.º CPP) e resultarem, como não é demais sublinhá-lo do texto da decisão recorrida, sem influência de elementos exteriores àquela, a não ser as regras da experiência comum. São vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correta e conforme à lei. Vícios da decisão, não do julgamento, como frisa Maria João Antunes (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Janeiro-Março de 1994, página 121). Enquanto subsistirem, a causa não pode ser decidida. A insuficiência prevista na alínea a) determina a formação incorreta de um juízo porque a conclusão ultrapassa as premissas. A matéria de facto é insuficiente para fundamentar a solução de direito correta, legal e justa. Insuficiência em termos quantitativos, porque o tribunal não esgotou os seus poderes de indagação em matéria de facto. Na tarefa da descoberta da verdade material, o tribunal podia e devia ter ido mais além. Não o fazendo, a decisão formou-se incorretamente por deficiência da premissa menor. Este vício não abrange, portanto, toda e qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Se o tribunal ficou impossibilitado de prosseguir na descoberta da verdade material, então apreciou toda a matéria de facto e, por conseguinte, aquela insuficiência, a existir em tal hipótese, traduz um erro na qualificação jurídica dos factos provados, que constitui, não um erro de facto, mas sim um erro de direito, um erro de julgamento, que dá lugar à revogação da decisão recorrida, não ao reenvio do processo para novo julgamento. A insuficiência a que se refere a alínea a), do n.º 2, do artigo 410.º, do CPP, é a que decorre da omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão. Só existe o aludido vício quando os factos provados são insuficientes para justificar uma decisão de direito, ou quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que essa matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso submetido à apreciação. Ou seja, há insuficiência para a decisão sobre a matéria de facto provada quando os factos dados como provados não permitem a conclusão de que o arguido praticou ou não um crime, ou não contém, nomeadamente, os elementos necessários ou à graduação da pena ou à elucidação de causa exclusiva da ilicitude ou da culpa ou da imputabilidade do arguido. Situação que, como é de fácil verificação, não aconteceu no presente caso. No entanto, alega o recorrente AA padecer a decisão recorrida do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, por falta do elemento intelectual do dolo, que consiste na representação pelo agente de todos os elementos que integram o facto ilícito – o tipo objetivo de ilícito – (elemento volitivo nas suas diversas espécies de dolo: directo – a intenção de realizar o facto; necessário – a previsão do facto como consequência necessária da conduta; e eventual – a conformação da realização do facto como consequência possível da conduta) e na consciência de que esse facto é ilícito penal]. Acrescentando: “Ora, constando no libelo acusatório que «o arguido agiu livre, voluntaria e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei», o mesmo sucedendo na sentença recorrida, não é sinónimo de «conhecimento de que a sua conduta era proibida e punível pela lei penal».” E na sua conclusão de recurso, sob a letra W., o recorrente mais alega que: “A descrição constante na sentença, por ser demasiado aberta, consente que o Arguido sabia que a sua conduta era punida por lei civil (?), contra-ordenacional (?) ou administrativa (?).” O argumento não é só insólito como descabido, sendo que nunca o vimos ser esgrimido. É evidente que um arguido, sem formação jurídica, como sucede com o ora recorrente e com a maioria dos cidadãos, não sabe quais as concretas normas legais em que se encontram consagrados e cominados os crimes de violência doméstica e de homicídio. No entanto, seja no 1.º ou no 3.º mundo, todos os indivíduos têm perfeita consciência que atentar contra a vida de alguém, com o propósito de a retirar, é um crime e não um mero ilícito administrativo ou contraordenacional, bem como têm perfeita consciência que é punido (pelo menos) com pena de prisão e não com mera multa ou coima. E experiência de vida não faltava seguramente ao arguido AA que, à data da prática dos factos a ele (homicídio) relativos (23 de novembro de 2020), contava 52 (cinquenta e dois) anos de idade (nasceu em xx de xxxx de 1968). Tal punição – com prisão para quem comete o crime de homicídio –ocorre não só em Portugal, onde o arguido vive desde os 23 (vinte e três) anos de idade, ou seja, há três décadas, mas igualmente em Marrocos, país de nacionalidade do arguido AA, onde nasceu, cresceu e viveu até aos 18 (dezoito) anos de idade (como provado, aí iniciou actividade laboral em idade precoce, junto do pai, auxiliando-o no comércio de tecidos, e em Marrocos continuam a residir os seus irmãos, teve dezoito), bem como sucede em França, nos Países Baixos, na Dinamarca e na Bélgica, Estados da União Europeia onde posteriormente também viveu e trabalhou antes de chegar ao nosso território, pelo que, naturalmente, não pode desconhecer que a Lei – seja ela qual for – pune severamente e com prisão quem matar outra pessoa ou quem tentar fazê-lo. Atente-se que o Código Penal marroquino[6] (doravante CPM) prevê a pena de morte para quem cometa homicídio qualificado, tortura, assalto à mão armada, fogo posto, traição, deserção e para certos tipos de atentado à vida e à integridade do rei ou de membros da sua família (vd. artigo 163 e seguintes do CPM). O homicídio é naquele país magrebino qualificado quando cometido na pessoa do pai, mãe ou de qualquer outro ascendente; quando perpetrado por meio de envenenamento; quando tenha por objectivo preparar, facilitar ou executar outro crime ou delito, seja ainda para favorecer a fuga ou assegurar a impunidade de autores ou cúmplices desse crime ou ofensa; quando seja precedido, acompanhado ou seguido de outro crime; quando cometido com premeditação ou esperando, por mais ou menos tempo, num ou em vários lugares, por um indivíduo para o matar. Sendo que o homicídio simples é punido com prisão perpétua (vd. artigo 392 e seguintes do CPM). Já no que respeita ao crime de violência doméstica vivendo o arguido em Portugal há três décadas, em união de facto com cidadã portuguesa durante 25 (vinte e cinco) anos, tendo o casal quatro filhos em comum, e tendo amplo e longo contacto quer com os tribunais portugueses (tem quinze condenações registadas no seu certificado de registo criminal, com início em 1997) quer com o sistema prisional português (sofreu penas de prisão efectiva), bem como falando português e aprendido a ler e a escrever algumas palavras na nossa língua, e estando socialmente inserido, não pode, perante tantas campanhas e reportagens dos mídia, desconhecer o que é a violência doméstica, que é crime, aliás, crime público, devendo qualquer pessoa denunciar os infractores, e de que “dá cadeia”, nem tão pouco vir o recorrente afirmar que “não tinha consciência da eventual gravidade do acto praticado” nem desculpar-se dizendo que “se encontrava sobre o efeito de álcool e drogas” (vd. suas conclusões AW e AX). Ora, como doutamente analisa a este respeito a decisão recorrida, na sua fundamentação da matéria de facto: “a alegação do arguido, no sentido que foram as "drogas" as responsáveis pelos seus comportamentos, não tem qualquer cabimento, nem sustentação nas regras da razoabilidade e da experiência comum, nem sequer têm qualquer respaldo nos factos dados como provados, como os seus próprios gestos desmentem qualquer toldar de discernimento, na verdade, toda a conduta do arguido reflecte uma actuação ponderada e condizente com a lógica das suas vontades, nada tendo interferido com a sua capacidade e plena consciência de autodeterminação e de resolução consentânea com os resultados que pretendeu atingir. E, aliás, estranha-se que aquando da prestação das declarações em sede de primeiro interrogatório judicial, não exista qualquer alusão por parte do arguido aos consumos de substâncias estupefacientes, bem como o arguido revela um discurso articulado, lúcido e coerente com a sua linha de defesa, como também o fez, e igualmente, em audiência de julgamento. Com efeito, foi notória a personalidade impulsiva, hostil e agressiva manifestada pelo arguido, mesmo após sucessivas advertências quanto ao tom beligerante do seu discurso, durante a audiência de julgamento, assim como o foi, em flagrante contraste, a fragilidade quer fisica, quer emocional reveladas pela ofendida, cuja estatura e compleição física são ostensivamente mais débeis do que as do arguido, como também foi patente a dependência emocional que a ofendida tem para com o arguido e o ascendente psicológico que este exerce sobre esta, numa relação tóxica de exercício de poder e subjugação quer pela humilhação, quer pela força fisica por parte do arguido sobre a pessoa da ofendida, que o mesmo, ainda hoje, desconsidera, pois, apesar do arguido verbalizar que se arrepende do que fez, não assume plenamente todos os factos que, sem qualquer margem para dúvida, praticou, nem sente qualquer necessidade de, no mínimo, pedir desculpa, nem consegue demonstrar o mínimo de empatia para com o sofrimento que infligiu à ofendida. Por outro lado, é o próprio arguido que reconhece o motivo que esteve na base da sua actuação no dia 23.11.2020, teve ciúmes, numa atitude de plena desconsideração da personalidade da ofendida, indo, sem a autorização desta, ler (controlar) as mensagens do telemóvel daquela, o qual, aliás, estava na sua posse, aquando da chegada das autoridades policiais, como o confirmou a testemunha MM.” (fim de transcrição). Ao que sempre acresce que, como estabelece o art. 6.º do Código Civil, também aplicável no direito penal, “A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas.” (dispondo no mesmo sentido o art. 2 do CPM: “Ninguém pode invocar para se desculpar a ignorância da lei penal”) ou, por outras palavras, como tem, nomeadamente, referido o STJ, o desconhecimento da lei não aproveita a ninguém. Todavia, o que ora importa reter é que perante o dado como provado na decisão recorrida sob os pontos n.ºs 33 a 46 se reporta aos elementos subjectivos dos tipos de crimes ora em apreço (violência doméstica, consumado, e homicídio qualificado, na forma tentada), pelo que, independentemente de não concordar com o ai assente, matéria a que se voltará mais adiante, não existe o invocado pelo recorrente vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Com efeito, os factos dados como provados são suficientes para a conclusão de direito a que chegou o tribunal a quo, o recorrente é que com ela não concorda, pretendendo, no fundo, que o tribunal a quo tivesse feito uma valoração diferente da prova produzida em julgamento, esquecendo-se, contudo, que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade que julga – art. 127.º do CPP – e não de acordo com a apreciação que dela faz o recorrente. Livre apreciação essa que não significa livre arbítrio ou valoração puramente subjetiva, realizando-se de acordo com critérios lógicos e motivável. Matéria a que voltaremos mais adiante. Quando o recorrente impugnando a matéria de facto, defende haver manifesta insuficiência de prova quanto aos factos provados sob os n.ºs 30 a 33, relativos à violação, e, por força do princípio in dubio pro reo, corolário do princípio da presunção da inocência (princípios a que também voltaremos mais adiante), pugna que devem ser julgados como não provados, não é ao vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que se refere a alínea a), do n.º 2, do artigo 410.º, do CPP, que se está seguramente a referir nem a este se pode estar a reportar. Por seu turno, quanto ao vício de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (al. b) do n.º 2 do art. 410.º do CPP), que o recorrente não invoca expressamente, fazendo-o, todavia, implicitamente quando, na sua conclusão BS, afirma “Resulta da sentença recorrida, em particular o que nela se escreveu quanto à motivação de facto e, neste particular, do que foi declarado pelo arguido, a assistente e as testemunhas há factos incompatíveis entre si – e existindo uma dúvida razoável, objectiva e motivável quanto aos factos provados sob os números 1, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 18, 19, 21, 22, 24, 25, 26, 33, 34 e 43.”, dir-se-á que «para se verificar contradição insanável da fundamentação, têm de constar do texto da decisão recorrida, sobre a mesma questão, posições antagónicas e inconciliáveis, como por exemplo dar o mesmo facto como provado e como não provado, em situações que não possam ser ultrapassadas pelo tribunal de recurso»[7]. «A contradição da fundamentação ou entre esta e a decisão só importa a verificação do vício quando não seja sanável pelo tribunal ad quem. Isto é, quando seja insanável. Na verdade, tratando-se, por exemplo, de um erro no assentamento da matéria de facto, ou mesmo da respetiva fundamentação de facto, um erro percetível pela simples leitura do texto da decisão, não poderá falar-se em vício de contradição, o qual só existirá se eliminado o erro pelo expediente previsto no artigo 380º do CPP, correção a que o próprio tribunal de recurso pode e deve proceder (nº 2 do mesmo artigo), a contradição persistir, então, sim, sendo insanável. A contradição tanto pode emergir entre factos contraditoriamente provados entre si, como entre estes e os não provados (p. ex. «provado que matou», «não provado que matou»), como finalmente entre a fundamentação (em sentido amplo, abrangendo a fundamentação de facto e também a de direito) e a decisão. É exemplo deste último tipo de contradição, a circunstância de a sentença se espraiar em considerações tendentes à irresponsabilidade penal do arguido e a decisão final concluir, sem mais explicações, por uma condenação penal.»[8] Em suma, o vício a que alude a al. b) do n.º 2 do art. 410.º do CPP verifica-se «quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre factos provados, entre factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do tribunal»[9]. A contradição insanável prevista na alínea b) é um vício na construção das premissas, determinando a formação defeituosa da conclusão. Se as premissas se contradizem, a conclusão logicamente correta é impossível, não passa de mera falácia. O conteúdo da fundamentação da sentença vem definido no n.º 2 do artigo 374.º CPP: narração dos factos provados e não provados, exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. Assim, este vício pode ocorrer entre vários sectores, no mesmo plano - contradição entre factos provados, contradição entre factos provados e não provados, contradição entre factos provados e motivos de facto, contradição entre a indicação das provas e os factos provados, contradição entre a indicação das provas e os factos não provados. Não conseguindo o tribunal de recurso, pela análise do texto da decisão recorrida, eventualmente com o auxílio das regras da experiência comum, descobrir qual a proposição falsa e eliminá-la, o processo terá de ser reenviado para novo julgamento. Finalmente, relembramos que o erro notório na apreciação da prova, como os demais vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP, deve resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência, e tem de ser de tal modo evidente que uma pessoa de mediana compreensão o possa descortinar[10]. E existe quando se dão por provados factos que, face às regras de experiência comum e à lógica corrente, não se teriam podido verificar ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsos. Trata-se de um vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão; erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de particular exercício mental; as provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica provada ou excluindo dela algum facto essencial. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis[11]. «Tem que ser um erro patente, evidente, perceptível por um qualquer cidadão médio e não configura um erro claro e patente o entendimento que possa traduzir-se numa leitura possível, aceitável, razoável, da prova produzida», lê-se no Acórdão do STJ, de 24 de janeiro de 2008, Proc. n.º 4085/06[12]. Para avaliar se a decisão padece de qualquer dos vícios enunciados nas diversas alíneas do n.º 2 do art. 410.º do CPP, há que apreciar, por um lado, a matéria de facto e, por outro, a respetiva fundamentação (os fundamentos da convicção), designadamente a natureza das provas produzidas e os processos intelectuais que conduziram o Tribunal a determinadas conclusões. No que respeita a este último aspecto, relevam, para além dos meios de prova diretos, como sejam os documentos, depoimentos, exames periciais, etc., os procedimentos lógicos de prova indireta: as presunções. «A compreensão e a possibilidade de acompanhamento do percurso lógico e intelectual seguido na fundamentação de uma decisão sobre a matéria de facto, quando respeite a factos que só podem ter sido deduzidos ou adquiridos segundo as regras próprias das presunções naturais, constitui um elemento relevante para o exercício da competência de verificação da (in)existência dos vícios do artigo 410º, nº 2, do CPP, especialmente do erro notório na apreciação da prova, referido na alínea c).»[13] A fundamentação (a partir da reforma do CPP de 1998, entrada em vigor em 1 de Janeiro de 1999) não se compadece com uma simples enumeração dos meios de prova utilizados, sendo necessária uma verdadeira reconstituição e análise crítica. Esse exame crítico da prova, lê-se no Acórdão do STJ de 25 de junho de 2008, Proc. n.º 2046/07[14], «é o filtro da razão e da lógica utilizado após a produção da prova; é a explicitação do valor atribuído aos documentos ou à fiabilidade dos depoimentos, das razões de ciência, do porquê de uma determinada opção em detrimento de outra, que à partida pareceria igualmente possível, do uso das presunções, das regras de experiência ou das inferências dedutivas.» Impõem-se ainda algumas considerações no que respeita ao princípio da livre apreciação da prova. Conforme se refere no acórdão desta Relação de 24 de maio de 2011, proferido no âmbito do Proc. 309/09.8PEOER.L1-5, disponível in www.dgsi.pt, com o qual se concorda, “Deverá ainda ter-se presente que em matéria de apreciação da prova intervém sempre uma componente subjectiva, nomeadamente quanto à credibilidade da prova pessoal, e que os próprios depoimentos em audiência são frequentemente condicionados pelo modo como são recebidos. Tal componente «implica a imediação da produção da prova e a decisão pelos próprios juízes que constituíram o tribunal na audiência e essa componente não é, pelo menos em grande parte, sindicável pelo recurso, onde falta a imediação.” Diz-se, ainda, um pouco mais à frente “Ao realizar o julgamento, o juiz de 1.ª instância tem, em virtude da oralidade e da imediação, «uma percepção própria do material probatório que nós indiscutivelmente não temos. O juiz do julgamento tem contacto vivo e imediato com o arguido, com o ofendido, com as testemunhas, assiste e não raro intervém nos seus interrogatórios pelos diversos sujeitos processuais, recolhe um sem número de impressões … que não ficam registadas na acta, apenas na sua mente …Essa fase ao vivo, do directo, é irrepetível». Na fase de recurso, praticamente dominada pela escrita em vez da oralidade (apesar de os depoimentos estarem gravados e, por isso, poderem ser ouvidos), é quase impossível avaliar, com correcção, da credibilidade de cada depoimento, dizer se um é mais credível do que o outro prestado em sentido diverso é tarefa difícil. Perante dois conjuntos de depoimentos, cada um deles testemunhando em sentido contrário ao outro, por qual deles optar? Acompanhando, mais uma vez, o acórdão atrás citado, «essa é, em princípio, uma decisão do juiz do julgamento. Uma decisão pessoal possibilitada pela sua actividade cognitiva, mas também por elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais». Como a propósito refere Damião da Cunha, os princípios do processo penal, a imediação e a oralidade, implicam que deve ser dada prevalência às decisões da primeira instância. Em recurso, pouco mais haverá a fazer do que controlar e sindicar a razoabilidade da sua opção, o bom uso ou abuso do princípio da livre convicção, com base na motivação da sua escolha. «Aquilo que o tribunal de recurso pode essencialmente censurar é a violação de todo um conjunto de princípios que estão subtraídos à livre apreciação da prova (que limitam o “arbítrio” na sua apreciação), exactamente: as regras de experiência comum, o princípio in dubio pro reo, o princípio de presunção de inocência e, em especial, aquele que está directamente ligado à afirmação de uma culpabilidade pelo facto, isenta de qualquer referência a características pessoais do arguido».” (fim de transcrição). «A liberdade de apreciação da prova é uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a verdade material – de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral, susceptível de motivação e controlo. (…) A livre ou íntima convicção do juiz não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável. (…) Se a verdade que se procura é uma verdade prático-jurídica e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal, mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto, capaz de impor-se aos outros»[15]. «Como ensina Figueiredo Dias (in Lições de Direito Processual Penal, 135 e ss.) na formação da convicção haverá que ter em conta o seguinte: - a recolha de elementos – dados objectivos – sobre a existência ou inexistência dos factos e situações que relevam para a sentença, dá-se com a produção da prova em audiência; - sobre esses dados recai a apreciação do Tribunal – que é livre, art. 127.º do Código de Processo Penal – mas não arbitrária, porque motivada e controlável, condicionada pelo princípio da persecução da verdade material; - a liberdade da convicção, aproxima-se da intimidade, no sentido de que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos acontecimentos não é absoluto, mas tem como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, e portanto, como a lei faz reflectir, segundo as regras da experiência humana; - assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque assume papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis – como a intuição. Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis). Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência a percepção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade) a da dúvida inultrapassável (conduzindo ao princípio in dubio pro reo). A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objetiváveis atinentes com a valoração da prova. A Constituição da República Portuguesa impõe a publicidade da audiência (art. 206.º) e, consequentemente, o Código Processo Penal pune com a nulidade a falta de publicidade (art. 321.º); publicidade essa que se estende a todo o processo – a partir da decisão instrutória ou quando a instrução já não possa ser requerida (art. 86.º), querendo-se que o público assista (art. 86.º, alínea a)); que a comunicação social intervenha com a narração ou reprodução dos actos (art. 86.º, alínea b)); que se consulte os autos, se obtenha cópias, extratos e certidões (art. 86.º, alínea c)). Há um controlo comunitário, quer da comunidade jurídica quer da social, para que se dissipem dúvidas quanto à independência e imparcialidade. A oralidade da audiência, que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o Tribunal (art. 96.º do CPP), permite ao julgador aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam por gestos, comoções e emoções, da voz, por exemplo. A imediação vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão. É pela imediação, também chamado de princípio subjectivo, que se vincula o juiz à percepção à utilização à valoração e credibilidade da prova. A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão.»[16] Por outro lado, é um dado assente que a gravação dos depoimentos prestados oralmente em audiência permite o controlo e a fiscalização, pelo tribunal superior, da conformidade da decisão com as afirmações produzidas em audiência, mas não substitui a plenitude da comunicação que se estabelece na audiência pública com a discussão dos outros meios de prova, a oralidade e a imediação, no confronto dialéctico dos depoentes por parte dos vários sujeitos processuais, no exercício permanente do contraditório[17]. Daí que os julgadores do tribunal de recurso, a quem está vedada a oralidade e a imediação, perante duas versões dos factos, só podem afastar-se do juízo efectuado pelo julgador da 1.ª instância naquilo que não tiver origem naqueles dois princípios, ou seja, quando a convicção não se tiver operado em consonância com as regras da lógica e da experiência comum, reconduzindo-se assim o problema, na maior parte dos casos, ao da fundamentação de que trata o art. 347.º, n.º 2 do CPP[18]. Exigindo-se a convicção do julgador sobre a prática dos factos da acusação para além da dúvida razoável e radicando o princípio in dubio pro reo na mesma dúvida razoável, este situa-se no âmago da livre apreciação da prova, constituindo como que o “fio da navalha” onde se move a missão de julgar. Convicção “para lá da dúvida razoável” e “dúvida razoável” legitimadora do princípio in dubio pro reo limitam-se e completam-se reciprocamente, obedecendo aos mesmos critérios de legalidade da produção e da valoração da prova de apreciação vinculada e da livre apreciação dos restantes em conformidade com o critério do art. 127.º do CPP, sujeitos ambos à mesma exigência de legalidade da prova e da sua apreciação motivada e crítica, da objetividade, racionalidade e razoabilidade dessa apreciação. No mesmo sentido podem ver-se diversos autores, designadamente Rodrigues Bastos[19], que refere que ao juiz «…não é permitido julgar só pela impressão que as provas oferecidas pelos litigantes produziram no seu espírito, mas antes se lhe exige que julgue conforme a convicção que aquela prova determinou e cujo carácter racional se expressará na correspondente motivação», Cavaleiro de Ferreira[20], que escreve que «o julgador é livre ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no direito probatório», e ainda Germano Marques da Silva[21]: «O juízo sobre a valoração da prova faz-se em diversos níveis. Num primeiro dependente da imediação, nele intervindo elementos não racionalmente explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova). Num segundo intervindo as declarações e induções que realiza o julgador a partir de factos probatórios, que hão-de basear-se nas regras da lógica, princípios de experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão “regras da experiência”». “(…) o trabalho que cabe à Relação fazer, na sindicância do apuramento dos factos realizado em 1.ª instância, se traduz fundamentalmente em analisar o processo de formação da convicção do julgador, e concluir, ou não, pela perfeita razoabilidade de se ter dado por provado o que se deu por provado.” (in Acórdão do STJ de 23 de abril de 2009, proferido no âmbito do processo n.º 114/09 e consultável em www.dgsi.pt). Sendo inequívoco que a prova tem como função a demonstração da realidade dos factos (art. 341.º, n.º 1, do Código Civil) ela não pressupõe, como vem afirmando a melhor jurisprudência que aqui se segue de perto, uma certeza absoluta, lógico-matemática, bastando que permita alcançar «um grau de certeza que as pessoas mais exigentes reclamariam para dar como verificado um certo facto» ou que permita afastar toda a dúvida razoável, não qualquer dúvida mas a dúvida fundada em razões adequadas. E não é decisivo para se poder concluir pela realidade dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se for o caso, que haja provas diretas do seu cometimento pelo arguido, designadamente que alguém tenha vindo relatar em audiência que o viu a praticá-los ou que o próprio arguido os assuma expressamente. Condição necessária, mas também suficiente, é que os factos demonstrados pelas provas produzidas, na sua globalidade, inculquem a certeza relativa, dentro do que é lógico e normal, de que os factos se passaram da forma narrada na acusação ou na pronúncia. Da leitura da decisão recorrida, não encontramos nela qualquer um dos vícios do art. 410.º, n.º 2 do CPP, incluindo o de erro notório na apreciação da prova, nem que tenha sido violando quer o princípio a livre apreciação da prova, prevista no artigo 127.º do CPP, quer o princípio in dubio pro reo, que constitui decorrência do princípio da presunção da inocência, consagrado no artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, contrariamente ao que defende o recorrente, que neste conspecto afirma que o Tribunal a quo fundou a sua convicção quase exclusivamente nas declarações prestadas pelo arguido, bem como pela testemunha e ofendida EE e no contraditório depoimento das restantes testemunhas, sendo que KK e JJ não ouviram, não viram e não se aperceberam de nada, assim impugnando aos factos provados sob os números 1, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 18, 19, 21, 22, 24, 25, 26, 33, 34 e 43, entendendo que devem os assentes sob os n.ºs 9, 19, 23, 24 e 25 serem dados como não provados, os demais terem nova redacção, nos termos que o recorrente propõe nas suas conclusões de BT a CM, devendo ainda ser aditado um novo facto provado dizendo: “Desconhecendo que a ofendida tinha dito estar sozinha na habitação com o filho, o arguido aguardou junto da ofendida e à porta de casa pelo INEM”. Matéria que já não tem quer ver com o pretenso erro notório na apreciação da prova mas com o invocado erro de julgamento. É a sua posição, respeitável, mas que não tem consonância com a prova produzida nos autos e que, contrariamente ao que defende o recorrente, não se limitou às declarações prestadas pelo arguido, pela ofendida EE e pelas testemunhas KK e JJ, mas em prova pericial médico-legal e documental (mormente, autos de apreensão e avalição, três reportagens fotográficas, relatório de inspecção judiciária, certidões, informação social elaborada pelo Hospital xxxxxx, relatório social de avaliação elaborado pena Santa Casa da Misericórdia), toda sujeita ao devido exame crítico, bem como em prova indirecta, e nos depoimentos das restantes testemunhas que a corroboraram e com a credibilidade que a primeira instância lhes atribuiu, a qual não nos merece qualquer censura, apesar de ser patente durante o depoimento da vítima a sua, aliás natural, perturbação emocional que os factos em causa lhe provocaram, sendo evidente a fragilidade emocional em que a ofendida se encontra, por força dos inaceitáveis comportamentos a que o arguido a sujeitou ao longo de anos de vivência análoga à conjugal, tendo a decisão recorrida mencionado que a mesma “se encontra, ainda hoje, totalmente devastada, em termos de autoestima e dignidade própria, pois que, não obstante os actos cometidos pelo arguido, a ofendida desculpabiliza-o, justificando os seus comportamentos, não com decisões que o arguido opta por tomar, mas por causa de factores exógenos, como as "drogas", as dificuldades da infância do arguido ou mesmo por condutas da própria ofendida” e noutro passo “o seu depoimento foi pautado por um registo tenso, esquivo e mais preocupado em eximir o arguido de qualquer eventual responsabilidade, sem olvidar que, apesar de ter sido, nos termos legalmente estatuídos, advertida da faculdade em legitimamente se recusar a prestar depoimento, a mesma declarou querer fazê-lo, mas quando confrontada com os factos cometidos pelo arguido, numa postura quase pueril — mas condizente com o vivenciar de eventos traumáticos — afirmava já não querer responder, recusando-se a olhar para os fotogramas que espelhavam as lesões marcadas no seu corpo, chorando para não ter que responder, optando por silêncios, por apregoar falta de memória ou até em manifesta contradição com os demais meios de prova, mormente de natureza documental, fotográfica e pericial. Ou seja, a ofendida procurou negar a realidade manifesta e cristalizada na clareza dos fotogramas que reflectem a verdade dos factos que esta tanto procurou disfarçar, como os fotogramas que ostensivamente mostram a vermelhidão e as marcas que as mãos do arguido deixaram no pescoço da ofendida, e a força física que tal exigiu, ou mesmo a afirmação preconizada, reiteradamente, pela ofendida, no sentido que "não queria acreditar que o arguido lhe tinha feito aquilo", no que aos factos do dia 23.11.2020 tange, sendo confrangedor quando confrontada quer com as sequelas e as lesões que apresentava, quer com a circunstância de apenas ela, o arguido e o filho de ambos, na data com seis anos de idade, se encontrarem na casa, naqueles dia e hora, a mesma equacionar um outro hipotético autor, que não o arguido, só o declarando a medo, titubeante e timidamente, como se já não houvesse outra hipótese que pudesse apresentar (sem descurar que o próprio arguido já o tinha admitido). Teve-se ainda em consideração a leitura das suas declarações proferidas perante a autoridade judiciária competente, na fase de inquérito, legitimada pelo disposto no Art.° 356.°, n.° 3, do Código de Processo Penal, em face das patentes declarações por parte da ofendida, quer de ausência de memória, quer de contradições constatadas, e que a ofendida procurou desconsiderar e escamotear, ignorando a profusa prova documental fotográfica e pericial que corrobora a inequívoca demonstração dos factos acima dados como provados.” (fim de transcrição). Quanto aos elementos subjectivos dos tipos em causa (crimes de violência doméstica, consumado, e de homicídio qualificado, na forma tentada), para além do que já acima dissemos a este propósito, importa ainda reter que no que respeita à convicção quanto à atitude interior do arguido AA, o tribunal a quo teve de socorrer-se das máximas da experiência comum, como não podia deixar de ser, uma vez que a atitude interior do arguido não foi revelada ou não foi credivelmente revelada, já que o arguido, no uso do direito que lhe assiste, não está obrigado a prestar declarações, aos factos que lhe eram imputados, de forma consentânea com a verdade. Lembre-se que, como dá conta a decisão recorrida, o arguido “afirmou que não queria matar a ofendida, mas apenas assustá-la, o que, na sua óptica, era o que pretendia alcançar com o desferir de três pancadas, na zona da cabeça, com um haltere de ginástica, que pesa um quilo, contra quem está deitada, vulnerável e totalmente exposta, e a dormir na cama do seu quarto. Com efeito, essa justificação apresentada pelo arguido — apenas queria assustar a ofendida — é totalmente contrariada pelos gestos executados pelo arguido, pela zona do corpo onde decidiu atingir a ofendida, pelo número de pancadas desferidas, a força fisica utilizada — atendendo à extensão, profundidade e dimensão das lesões observadas na pessoa da ofendida — a escolha do objecto e a opção pelo momento em que a ofendida estava deitada e adormecida, aliás, só por se encontrar a dormir é que a ofendida não teve qualquer reacção às primeiras pancadas, não dando conta sequer da aproximação do arguido, do que se teria apercebido (esquivando-se, levantando-se e tentar proteger a cabeça, o que só conseguiu após duas pancadas), caso não estivesse a dormir. E veja-se a presença de espírito e de lucidez manifestadas pelo arguido, e resultante das suas próprias declarações, certificou-se que o filho mais velho já não estava em casa, já tinha ido para escola, certificou-se que o filho mais novo estava a dormir, e fechou a porta do quarto onde este estava a dormir ("para não ouvir"), mune-se do haltere e, depois, procura ocultar a sua conduta, com o trocar de roupa, o limpar do sangue e o dar "uma informação falsa" para a chamada dos bombeiros (INEM).” Por isso, nestas situações, os factos psicológicos que traduzem o elemento subjetivo da infração são, em regra, objeto de prova indireta, isto é, só são suscetíveis de serem provados com base em inferências a partir dos factos materiais e objetivos, analisados à luz das regras da experiência comum. E essa avaliação só pode ser feita pelo julgador, dado que a mesma resulta da conjugação de vários elementos a ponderar. E foi o que o tribunal a quo fez. Como bem se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25 de março de 2010 (proferido no âmbito do Proc. 1052/05.2GALSD.P1, disponível in www.dgsi.pt), a propósito da verificação do elemento subjetivo da infração, “A este respeito importa, antes de mais, referir que nem sempre a prova em que o tribunal se baseia é prova directa. Não pode, contudo, deixar de ser valorada à luz da experiência comum e de forma concertada com todos os elementos de prova, designadamente no que concerne a aspectos que digam respeito ao foro íntimo das pessoas, tal como sucede com as intenções e também com a consciência da ilicitude. E, tratando-se de processos interiores, se não forem admitidos pelos próprios, só uma avaliação alicerçada em presunções judiciais, não proibidas por lei, com base nos demais factos apurados e nas circunstâncias e contexto global em que se verificam e em dados da personalidade do agente, avaliação essa permitida se feita com respeito pelas regras da experiência comum, permite retirar tais conclusões. Outrossim, não está vedado ao julgador estabelecer presunções desde que assentes em factos, sendo a este propósito que faz todo o sentido apelar às regras da experiência comum pois são elas o necessário elemento aglutinador da avaliação feita a partir dos meios de prova para fazer assentar em factos provados e adquiridos outros não imediatamente apreensíveis mas que se impõem ao juízo de um cidadão de medianas capacidades e conhecimentos de vida.” E, ainda, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28 de fevereiro de 2012 (proferido no âmbito do Proc. 468/06.1GFSTB.E1, disponível in www.dgsi.pt) “Os factos integrantes do tipo subjectivo – que se desdobra, muito sinteticamente, nas componentes cognoscitiva ou intelectual e volitiva ou intencional do dolo, correspondentes ao conhecer ou saber e ao querer o desvalor do facto – raramente se provam directamente. Na ausência de confissão/admissão destes factos – e dificilmente se concebendo outra prova que incida directamente sobre eles – resta ao julgador a apreciação de prova indirecta, aquela que lhe permite, sempre com o auxílio das regras da experiência, uma ilação quanto ao facto probando. E são muito frequentes os casos em que a prova é indirecta, precisamente no que respeita ao elemento subjectivo do crime. Daí a grande importância dessa prova no processo penal. Terá aqui o julgador de retirar dos factos externos as necessárias ilações, de forma a poder ou não concluir que o agente se comportou internamente da forma como o revelou externamente. A convicção obter-se-á através de conclusões baseadas em raciocínios e não directamente verificadas, ou seja, num juízo de relacionação normal entre o indício e o facto probando.” Assim, o dolo (intencionalidade) que presidiu à conduta delituosa do arguido AA (facto do foro psicológico), retirou-o o tribunal a quo, e bem, da objectividade da sua evidenciada conduta, que, à evidência, o permite presumir, em conformidade com as regras da experiência comum (cfr., ainda neste sentido e a título meramente exemplificativo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 3 de dezembro de 2008, disponível em www.dgsi.pt). Os factos provados na decisão recorrida resultaram da análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento tendo em conta os parâmetros referidos. Assim na formação da sua convicção, o Tribunal a quo atendeu aos meios de prova disponíveis, atentando nos dados objetivos fornecidos pela documentação dos autos e fazendo uma análise dos depoimentos prestados. Toda a prova produzida foi apreciada segundo as regras da experiência comum e lógica do homem médio, suposta pelo ordenamento jurídico, fazendo o tribunal, no uso da sua liberdade de apreciação, uma análise crítica das provas. Na fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto, o Tribunal a quo explicita as razões que o levam a dar como provados os factos relacionados com o elemento subjetivo das infrações imputadas ao arguido. Razões essas, que de forma alguma contradizem as regras da lógica e da experiência, antes assentam na perceção que o julgador teve de toda a prova recolhida em audiência de julgamento. Quanto à alegada violação do princípio in dúbio pro reo impõe-se ainda, para além do que a este respeito já consignámos anteriormente e que aqui de novo convocamos, dizer o seguinte: O in dubio pro reo "além de ser uma garantia subjectiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa” (in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, por Gomes Canotilho e Vital Moreira, 4.ª edição revista, pág. 519). O in dubio pro reo "parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador" (cfr. Cristina Líbano Monteiro, «In Dubio Pro Reo», Coimbra, 1997). Impõe este princípio que qualquer non liquet na questão da prova seja valorado a favor do arguido, apresentando-se aquele, na fase de decisão, como corolário daquela presunção – Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 533/98, DR, II Série, de 25 de fevereiro de 1999. Como se expendeu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de outubro de 2008, relatado pelo Exmº Cons. Arménio Sottomayor (publicado in JusNet 5547/2008): “A violação deste princípio, segundo uma vez mais se afirmou-se no ac de 22-03-2007 - proc 4/2007-5, em que o aqui relator foi adjunto, "dizendo respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicado pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo por isso resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, ou seja, quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção" Ora, da análise da decisão não resulta que, quer na 1ª instância, quer na Relação, tenha perpassado pelo tribunal dúvida alguma quanto aos factos praticados pelo recorrente, assentando os factos provados nas provas produzidas e nas ilações que delas tiraram as instâncias, o que é legalmente consentido. Também, por conseguinte, o princípio in dubio pro reo não se mostra violado.” Também no Acórdão do STJ de 11 de julho de 2007 (consultável in www.dgsi.pt) se pode ler: "o princípio in dubio pro reo representa a outra face do princípio da livre apreciação da prova; configura um limite normativo a este princípio ante uma dúvida positiva e racional que impeça um juízo de certeza condenatória – o qual não exclui a possibilidade de as coisas se passarem num dado sentido, mas não afasta a consistente hipótese do contrário –, ou seja, se a prova é insuficiente ou contraditória vale o princípio in dubio pro reo." O princípio “in dubio pro reo” não é mais que uma regra de decisão: produzida a prova e efetuada a sua valoração, quando o resultado do processo probatório seja uma dúvida, uma dúvida razoável e insuperável sobre a realidade dos factos, ou seja, subsistindo no espírito do julgador uma dúvida positiva e invencível sobre a verificação, ou não, de determinado facto, o juiz deve decidir a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável. Portanto, o princípio só é desrespeitado quando o tribunal colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação dos factos decidir por uma apreciação desfavorável à posição do arguido. O “in dubio pro reo” só vale para dúvidas insanáveis sobre a verificação ou não de factos (objetivos ou subjetivos) relevantes, quer para a determinação da responsabilidade do arguido, quer para a graduação da sua culpa. Não se trata porém de “dúvidas” que o recorrente entende que o tribunal recorrido não teve e devia ter tido, pois o “in dubio…” não se aplica quando o tribunal não tem dúvidas. Ou seja, o princípio “in dúbio pro reo” não serve para controlar as dúvidas do recorrente sobre a matéria de facto, mas antes o procedimento do tribunal quando teve dúvidas sobre a matéria de facto (cfr. Ac. do TRL de 14 de Dezembro de 2010 proferido no proc. n.º 518/08.7PLLSB.L1, publicado in www.dgsi.pt). Finalmente, dir-se-á que a Relação só pode averiguar a aplicação do in dubio pro reo se da decisão resultar que o tribunal recorrido ficou na dúvida quanto a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de setembro de 2009, proferido no processo n.º 169/07.3GCBNV.S1 e consultável in Jusnet). Na decisão recorrida não se impôs lançar mão do princípio jurídico-processual penal do in dubio pro reo, decorrente da presunção de inocência (até ao trânsito em julgado da sentença condenatória) constitucionalmente consagrada no artigo 32.° n.º 2 da C.R.P., pois, no caso concreto, não subsistiu no espírito do tribunal a quo, e o mesmo se pode afirmar para este tribunal ad quem, uma dúvida relevante e invencível sobre a prática de factos perpetrados pelo recorrente AA, e que são os descritos na matéria de facto dada por provada Com efeito, como resulta da decisão recorrida o tribunal de primeira instância não teve quaisquer dúvidas quanto à decisão sobre a matéria de facto no que ao recorrente respeita e expôs na sua fundamentação, de forma cristalina e perfeitamente percetível para quem a leia, as razões da sua firme convicção. Percebe-se que o ora recorrente entenda que, face à prova produzida, o tribunal a quo devia ter ficado, pelo menos, com dúvidas e dado como não provados determinados factos, atento o aludido princípio in dubio pro reo, que considera ter sido violado. No entanto, as dúvidas e a opinião do recorrente, por muito respeitáveis que sejam, e realmente são, para o que aqui importa, são irrelevantes. Impõe-se pois, finalmente e mais uma vez, sublinhar, que, como resulta bem claro do texto da decisão recorrida, o tribunal a quo não teve quaisquer dúvidas de que os factos aconteceram exatamente como os deu por assentes relativamente ao arguido AA. Nada há a censurar no processo lógico e racional que subjaz à formação dessa convicção. O recorrente parece confundir aquilo que não deve ser confundido: a questão da convicção (e o grau exigível para ser tomada uma determinada decisão) e a suficiência da fundamentação dessa convicção. Neste caso, foi sólida a convicção do tribunal, não o assaltou a dúvida quanto à atuação do recorrente AA. Este tribunal de recurso só o poderia criticar a matéria de facto assente caso se tivesse demonstrado, como não sucede in casu, que em face das regras da experiência comum tal seria inadmissível na verificação concreta da produzida prova, v.g. em juízo sobre a sua verosimilhança e/ou plausibilidade. No presente caso, fazendo-se apelo à realidade das coisas – à mundividência dos homens e regras de experiência comum que resultam do viver em sociedade – não se perspectiva válida razão que permita censurar o juízo positivo que o tribunal recorrido formulou sobre a prova, pelo que importa concluir, sem esquecer que o princípio da livre apreciação da prova também se aplica ao tribunal de 2.ª instância, que, por via do invocado, o tribunal a quo não apreciou arbitrariamente a prova, nem tinha que decidir de forma diversa. Em face do referido, a decisão revidenda teria clara impossibilidade de fundamentar especificamente outra decisão que não a ora in iudice, suficientemente alicerçada e exposta de forma clara e transparente, permitindo, intraprocessualmente, como o recurso evidencia, ao sujeito processual (e ao tribunal superior, pela via do recurso) o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, e, extraprocessualmente, assegurando, pelo conteúdo, um respeito efectivo pelo princípio da legalidade da decisão e da própria independência e imparcialidade do juiz. Assim, inexistindo razões para divergir, em sede de decisão de facto, do juízo formulado pelo tribunal a quo, não há que, nestes termos, alterar a factualidade provada supra transcrita. Destarte, improcede nesta parte a pretensão do recorrente, bem como tem-se, assim, por fixada a matéria de facto. 3.2.-Discorda o recorrente do enquadramento jurídico-penal feita na decisão recorrida, quer quanto ao crime de violência doméstica (por entender que o Arguido não praticou qualquer facto subsumível a este tipo penal) quer quanto ao crime de homicídio qualificado na forma tentada (por entender que o Arguido, de livre e espontânea vontade, não prosseguiu com o acto que estava a praticar, chamando o INEM e tendo esperado junto com a ofendida, não prosseguindo mais nenhum acto; desistência que é relevante), devendo ser absolvido de ambos os crimes. Quanto ao crime de violência doméstica o seu não preenchimento decorreria da alteração da matéria de facto nos termos preconizados pelo recorrente, a qual não se verificou, pelo que, com o devido respeito e salva melhor opinião, a questão fica prejudicada, sendo a sua apurada conduta inequivocamente subsumível a esse tipo penal, remetendo-se aqui por o que a este respeito se consignou no acórdão recorrido, com que inteiramente concorda este tribunal ad quem e acima se transcreveu, aqui se dando de novo por reproduzido. Já quanto ao crime de homicídio qualificado na forma tentada mais alega o recorrente, em síntese e no que ora releva, que: “Nos termos do artigo 24.º, nº 1 do Código Penal: A tentativa deixa de ser punível quando o agente voluntariamente desistir de prosseguir na execução do crime (…). E, como bem resulta da leitura do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça – Ac. STJ de 26-3-1998, tirado no Proc. n.º 1511/97- : (…) Assim, a desistência é relevante, quando o arguido, ainda que não se saibam os verdadeiros motivos subjetivos, retrocede no seu plano criminoso, podendo livremente optar por prosseguir na sua execução em vez de retroceder. Ora, decorre dos factos dados como provados que assim se verificou, pois que se deu como provado que o arguido, munido do dito haltere, não prosseguiu com as ofensas à ofendida, marcando o número de telefone da emergência médica e aguardando com a ofendida à porta de casa, sem se ausentar do local. E ainda que possamos considerar que existe dolo direto (o que o Recorrente não considera) sempre temos que perante este circunstancialismo existe uma desistência voluntária da tentativa!” Vejamos. Como doutamente expendeu o Ministério Público na sua resposta ao recurso, “não tem razão o recorrente em aduzir que houve desistência, da sua parte, em continuar com as agressões, pelo que a tentativa não deveria ser punida, nos termos do disposto no art. 24º, do CP. Com efeito, foi dado como assente que a ofendida se aproveitou de uma distração do arguido para fugir e para pedir ajuda ao INEM. Aliás, ao desferir a primeira pancada com o haltere na cabeça da ofendida, o arguido consumou logo o crime de Homicídio qualificado na forma tentada, pois que tal conduta era adequada a causar a morte da mesma. As seguintes pancadas/agressões apenas agravam a ilicitude da sua conduta. As regras da experiência comum ditam que desferir uma pancada na cabeça de alguém que está indefesa, com um haltere de 1 quilograma é meio adequado de provocar a morte da vítima, sobretudo tendo em consideração a área afectada. Motivos pelos quais, não se verifica qualquer desistência, não sendo de aplicar o disposto no art. 24º, do CP.” (fim de transcrição). Na verdade, impõe-se aqui recordar que, como ficou provado sob pontos 21 a 26, cerca das 08 horas e 45 minutos, do dia 23 de Novembro de 2020, o arguido certificando-se previamente que o seu filho mais novo, HH, na data de seis anos de idade, se encontrava a dormir e com a porta do quarto fechada, dirigiu-se ao quarto onde a ofendida se encontrava a dormir e retirou de um armário um haltere de ginásio, de ferro, com peso de 1 (um) quilo; Após, fechou a porta do quarto, aproximou-se de EE que se encontrava deitada na cama a dormir e com o haltere de ginásio, com peso de um quilo, desferiu-lhe três pancadas na cabeça e rosto; Acordando, e em pânico, para se defender, EE ainda colocou os braços à frente do rosto e uma das pancadas desferidas pelo arguido com o haltere atingiu-a na mão esquerda, partindo-lhe o dedo indicador; EE começou a gritar por socorro, tendo o arguido se munido de uma almofada, e de súbito, com a mesma, cobriu o rosto de EE pressionando para que esta ao pudesse respirar e não se pudesse mover; EE, porém, usando da sua força fisica e aproveitando um momento de distração do arguido, conseguiu libertar-se e procurar ajuda, chamando o INEM; O arguido, em seguida, limpou o sangue existente no haltere, limpou os vestígios de sangue no chão junto à cama, trocou de roupa e lavou as mãos, e estando EE a sangrar abundantemente da cabeça, disse-lhe que não deveria contactar a polícia e dizer ao 112 que tinha caído no interior da residência, por forma a eximir-se à responsabilidade criminal” Ou seja, o arguido não desistiu, de livre e espontânea vontade, de prosseguir com o acto que estava a praticar, foi, isso sim, impedido de continuar o seu plano criminoso para matar a vítima por acção desta, em três consecutivos momentos: Primeiro, por a lhe terem sido desferidas três pancadas na cabeça e rosto com o haltere de ginásio, EE acordou e defendeu-se colocando os braços à frente do rosto, sendo ainda atingida na mão esquerda com uma pancada do haltere que lhe partiu o dedo indicador; Depois, por que EE começou a gritar por socorro, tendo o arguido, que não desistia do seu propósito de a matar, se munido de uma almofada, e de súbito, com a mesma, cobriu o rosto de EE pressionando para que esta ao pudesse respirar e não se pudesse mover; Finalmente, EE, usando da sua força fisica e aproveitando um momento de distração do arguido, conseguiu libertar-se e procurar ajuda, chamando o INEM. O arguido, em seguida, limpou o sangue existente no haltere, limpou os vestígios de sangue no chão junto à cama, trocou de roupa e lavou as mãos, e estando EE a sangrar abundantemente da cabeça, disse-lhe que não deveria contactar a polícia e dizer ao 112 que tinha caído no interior da residência, por forma a eximir-se à responsabilidade criminal, não sendo, assim verdade que, contrariamente ao que afirma o recorrente, tenha sido sequer o arguido a chamar o INEM. E, como igualmente ficou provado sob pontos 33, 34 e 42, “O arguido agiu com o propósito e a intenção determinada de tirar a vida à ofendida EE, sua companheira e mãe dos seus filhos, com quem viveu maritalmente, utilizando para o efeito um haltere, com o peso de um quilo; Só o não conseguiu por razões alheias à sua vontade, sabendo que seria esse o resultado previsível, tendo em conta o modo e a zona do corpo onde desferiu as pancadas, meio que sabia ser idóneo para a prossecução de tal fim; O arguido só não logrou alcançar os seus intentos por motivos alheios à sua vontade”. Destarte, igualmente improcede o recurso neste segmento. 3.3.-Pugna o recorrente que, realiza de forma mais adequada e suficiente as finalidades da punição a condenação do arguido como inimputável sujeito a medida de internamento em instituição adequada ao seu tratamento. A este respeito dir-se-á apenas que sujeição do arguido a medida de internamento pressupunha que tivesse sido o mesmo considerado inimputável, questão que nunca se colocou nem coloca, quer face à prova produzida quer à sua postura ao longo do processo. Aliás, como é uniforme jurisprudência, “visando os recursos modificar as decisões impugnadas e não criar decisões sobre matéria nova, não é lícito na motivação ou nas alegações invocar questões que não tenham sido objecto das decisões recorridas, isto é, questões novas” - cf. Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, in “Recursos Penais”, 8.ª edição, Rei dos Livros, pg. 87. 3.4.-Considera o recorrente se excessiva a medida da pena de 10 anos de prisão, porquanto resulta do Relatório Social junto aos autos: que o arguido sofrerá de um problema ao nível aditivo (estupefacientes e álcool), sendo esta a variável que tem perturbado significativamente a sua vida, peticionando que não seja aplicada uma pena de prisão efetiva, atendendo às exigências de prevenção geral e especial de ressocialização, bem como que as necessidades de proteção dos bens jurídicos violados. Nos termos em que estão formuladas as conclusões de recurso o recorrente AA não questiona as penas parcelares que lhe foram aplicadas [4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica e 8 (oito) anos de prisão pela prática, em autoria material e na forma tentada, de um crime de homicídio qualificado] mas tão-só a pena de 10 (dez) anos de prisão, ou seja a pena única, resultante do cúmulo jurídico daquelas penas parcelares. Assim sendo, atentemos se tal cúmulo foi correctamente operado. Como se sabe, quando o agente pratica uma pluralidade de crimes, formando um concurso efetivo de infrações, quer seja concurso real, quer seja concurso ideal, homogéneo ou heterogéneo, sem que tenha sido julgado e condenado, com decisão transitada, é-lhe aplicada uma pena única. Cavaleiro de Ferreira [Lições de Direito Penal, Parte Geral II – Penas e medidas de Segurança, Almedina, Reimpressão da edição de janeiro 1989, 2010, p. 155] afirma que “à pluralidade de crimes (concurso real e ideal de crimes) corresponde uma pluralidade de penas aplicáveis. Mas o cúmulo material das penas, ainda que seja o princípio de que parte o sistema do código, é corrigido pela proclamação de um outro princípio, o princípio de que uma só pena - única e total – será imposta ao delinquente”. Os princípios gerais de determinação da pena única constam do artigo 77.º do CP, que estabelece as regras da punição do concurso. No n.º 1 prevê-se que, “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles” é condenado numa única pena, em cuja medida “são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”, e no n.º 2, prescreve-se que “[a] pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão (…), e como limite mínimo, a mais elevada daquelas penas concretamente aplicadas aos vários crimes”. Sobre a pena única e para os casos em que aos crimes correspondem penas parcelares da mesma espécie, Maria João Antunes [As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora, 2013, pp. 56-57, que a seguir se acompanha] explica que “o direito português adota um sistema de pena conjunta, obtida mediante um princípio de cúmulo jurídico”, observados os seguintes passos: “o tribunal começa por determinar a pena (de prisão ou de multa) que concretamente caberia a cada um dos crimes em concurso, seguindo o procedimento normal da determinação até à operação de escolha da pena, uma vez que é relativamente à pena conjunta que faz sentido pôr a questão da substituição”. Depois, “o tribunal constrói a moldura penal do concurso: o limite máximo é dado pela soma das penas aplicadas aos vários crimes, com os limites previstos no n.º 2 do artigo 77.º do CP (25 anos para a pena de prisão e 900 dias para a pena de multa); o limite mínimo corresponde à mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”, em seguida, “o tribunal determinada a medida da pena conjunta do concurso, seguindo os critérios gerais da culpa e da prevenção (artigo 71.º do CP) e o critério especial segundo o qual na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (artigo 77.º, n.º 1, 2.ª parte, do CP (…)”, sendo que, “este critério especial garante a observância do princípio da dupla valoração”, nos termos do qual, em princípio, os fatores de determinação da medida das penas singulares não podem voltar a ser considerados na medida da pena conjunta. Neste domínio, o Supremo Tribunal tem entendido, em abundante jurisprudência, que, com “a fixação da pena conjunta, se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respetivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente. Como doutamente diz Figueiredo Dias, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado”, e, assim, “importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos (...), tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele (...).” (in Acórdão de 12 de setembro de 2012, proferido no processo n.º 605/09.4PBMTA.L1.S1.) Na determinação da pena conjunta, importa atender aos princípios da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso, devendo ter-se em conta não só os critérios gerais da medida da pena ínsitos no artigo 71.º do CP, como também o, já aludido, critério especial constante do artigo 77.º, n.º 1, do CP. A este propósito, o Supremo Tribunal ponderou que “no sistema de pena conjunta, a fundamentação deve passar pela avaliação da conexão e do tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifica e pela avaliação da personalidade unitária do agente. Particularizando este segundo juízo ‒ e para além dos aspectos habitualmente sublinhados, como a detecção de uma eventual tendência criminosa do agente ou de uma mera pluriocasionalidade que não radica em qualidades desvaliosas da personalidade ‒ o tribunal deve atender a considerações de exigibilidade relativa e à análise da concreta necessidade de pena resultante da inter-relação dos vários ilícitos típicos” (in Acórdão de 18 de março de 2010, proferido no processo n.º 160/06.7GBBCL.G2.S1), sendo fundamental, “na formação da pena conjunta (…) a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação desse bocado de vida criminosa com a personalidade do agente”(inAcórdão de 28 de abril de 2010, proferido no processo n.º 4/06.0GACCH.E1.S1). Em suma: não tendo o legislador nacional optado pelo sistema de acumulação material é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respetivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado (cfr. Acórdão do STJ, de 18 de novembro de 2009, proferido no processo n.º 702/08.3GDGDM.P1.S1). Dito de outro modo, cumpre realizar um juízo que não se limite a um mero cúmulo material, pois o legislador penal não adotou o sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo), nem o sistema da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e dos singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado). Importante na determinação concreta da pena única É neste quadro teórico que se moverá a solução a dar ao caso em apreciação. Assim, e à luz dos critérios supra expostos, há que considerar, como e bem entendeu o tribunal a quo: -o grau elevado de ilicitude dos factos, atendendo ao circunstancialismo em que os mesmos ocorreram; -a existência de dolo directo (na sua forma mais intensa); -a extensão das lesões, as sequelas e a intensidade das mesmas, bem como a amplitude extensa do período de tempo em que as mesmas ocorreram; -a ausência de comportamentos exteriores consentâneos com a interiorização do desvalor das condutas e falta de juízo crítico, com um discurso autocentrado, egotista e autocomplacente; -a atitude desvalorizante e de minimização das consequências e culpabilização da ofendida; -a sua problemática alcoólica e aditiva de substâncias estupefacientes, e as características pessoais por si assumidas, de ser um indivíduo nervoso e com fácil passagem ao acto sem controlo relacional quando confrontado com situações frustrantes, o que potencia uma recidiva; -a assunção de uma postura autodesculpabilizadora, de auto justificações e de alheamento às consequências sentidas pela ofendida; -as quinze condenações registadas no seu certificado de registo criminal, o que acentua de forma acutilante as necessidades de prevenção especial, e o que denota uma postura de indiferença às condenações anteriormente sofridas e, consequentemente, agrava incisivamente as necessidades de prevenção especial que urge adequada e eficazmente salvaguardar, pois o arguido possui um percurso criminal longo, persistente e eclético, tendo sofrido penas de prisão efectiva, e não obstante, essas quinze condenações anteriores - com início em 1997 (os primeiros factos criminosos cometidos), e vão sendo sucessivamente aplicadas em 2000, 2001, 2002, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2010, 2013 e 2015 -, o arguido insiste em praticar crimes, de maior e mais intensa gravidade, denotando indiferença para com essas condenações anteriores sofridas e de desrespeito consistente para com os valores penais protegidos; -a circunstância de anteriormente ter cumprido penas de prisão efectiva, com condenações pela pratica de crimes de roubo e de ofensa à integridade fisica qualificada, ou seja, crimes que exigem na demonstração da sua tipicidade o emprego de violência contra as pessoas, o que revela uma personalidade volátil, impulsiva, fisicamente reactiva e avessa às regras, à Lei e ao Direito; -A favor do arguido depõem apenas as seguintes circunstâncias: a condição humilde e a verbalização de arrependimento, embora tal declaração seja, por um lado, desacompanhada de qualquer reflexão de interiorização do desvalor das suas condutas, e por outro lado, acompanhada de um discurso autocentrado e desculpabilizador (ora por "culpa das drogas", ora "por culpa das condutas da ofendida"). -As necessidades de prevenção geral são elevadíssimas relativamente ao crime de violência doméstica, pois as cifras respeitantes a este crime são elevadas e muitas vezes escapam à punição em virtude da forte dependência e da coacção a que as vítimas são sujeitas, reclamando, por isso mesmo, uma forte resposta de reposição da eficácia da norma jurídica e dos bens jurídicos afectados. No ano de 2018 das participações criminais registadas a nível nacional, uma grandeza equivalente 22.423 participações - 61 participações por dia - respeitava tão-só à violência doméstica contra cônjuge ou companheiro, continuando a colocar este crime como o terceiro crime mais participado (Relatório Anual de Segurança Interna - 2018, M.A.I.). Acresce que a violência doméstica, não raras vezes, acaba por redundar em crimes de ofensas à integridade física graves, senão mesmo em homicídios, como sucedeu in casu na sua forma tentada, que urge igualmente prevenir. Crimes como o dos autos – homicídio (embora tentado) e violência doméstica, consumado, contra a ex-companheira sem qualquer tipo de escrúpulos e de contenção – geram na consciência social a necessidade de respostas eficazes por parte do órgão que administra a justiça, como já acima se referiu. Assim sendo, as exigências quer de prevenção especial, quer de prevenção geral, são bastante elevadas. Prosseguindo e quanto às penas aplicadas ao arguido, a fixação da moldura do concurso, de acordo com as regras doutrinarias e jurisprudências, no caso sub iudice encontra-se possibilitada pela igual natureza das sanções a considerar no concurso – duas penas parcelares de prisão, devendo assim, ter como limite mínimo a pena Apesar dos crimes perpetrados pelo arguido/recorrente em concurso real e efetivo não preencherem o mesmo tipo legal, foram cometidos em imediata conexão motivacional e com sobreposição temporal, resultando do mesmo tipo de atuação, se bem que o de violência doméstica se perpetuou durante vários anos. A pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar o efeito “expansivo” sobre a parcelar mais grave, das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas (in Acórdão STJ, de 10 de setembro de 2009, proferido no processo n.º 6/05.8SOLSB-A.S1, disponível em www.dgsi.pt. Afigura-se-nos que o efeito expansivo sobre a parcelar mais grave é idêntico ao efeito repulsivo do limite do simples cúmulo material, pelo que bem andou o tribunal a quo ao decidir aplicar ao arguido/recorrente AA, em cúmulo jurídico, pela prática, em concurso efetivo, daqueles crimes a pena de 10 (dez) anos de prisão, concordando-se in totum com o que a este respeito se disse no acórdão recorrido, que, recordemo-lo foi, no que ora releva, o seguinte: “a factualidade sob colação revela-se de extrema gravidade e intensa censurabilidade, denotando a conduta do arguido um absoluto alheamento pela integridade fisica e bem-estar de terceiros, a ofendida (sua companheira e mãe dos seus filhos, dois deles na data ainda menores de idade e residentes na mesma habitação), revelando um total desrespeito pelos valores jurídicos e axiológicos vigentes, bem como os crimes em causa são profundamente atentatórios dos valores penais vigentes, porquanto revela o arguido com estas suas condutas um desprezo profundo pela dignidade da condição humana, tanto mais que o arguido não assume uma postura de que fosse denotativa de um processo de interiorização do desvalor das condutas, nem revela qualquer manifestação de genuíno arrependimento, nem de reconhecimento do desvalor dos gestos por si perpetrados, antes revelando uma personalidade impulsiva, física e verbalmente agressiva, como, aliás, se constata pela sua postura e comportamento em sede de audiência de julgamento. E esse alheamento atinente ao bem-estar de terceiros denota uma personalidade insensível, centrada nas necessidades e nos interesses pessoais. Por outro lado, dos factos dados como provados resulta que o arguido denota um fraco recurso a um pensamento consequencial, ausência de consciência crítica, uma menor interiorização das normas e valores em vigência e sérias dificuldades em se colocar na perspectiva do outro, o que agrava as necessidades de prevenção especial que urge acautelar, especialmente atendendo ao longo período de tempo em que o arguido praticou estes factos, o que revela uma personalidade desconforme à Lei e ao Direito e de dificuldade de controlo de impulsos, não obstante se ponderar em seu beneficio a condição humilde. Sem olvidar, as quinze condenações registadas no seu certificado de registo criminal, pela prática, igualmente, de crimes que exigem o emprego de violência contra as pessoas (crimes de roubo e de ofensa à integridade física qualificada), tendo cumprido penas de prisão efectiva, e não obstante tais confrontações com o sistema penal e de justiça, o arguido persiste em cometer crimes, revelando não só indiferença para com as penas e condenações anteriormente aplicadas, mas também uma personalidade avessa às normas e aos valores penais vigentes.” (fim de transcrição) Termos em que, também neste particular, o recurso não pode lograr provimento. Quanto a não ser aplicada ao arguido uma pena de prisão efetiva, tal possibilidade só seria de considerar se a pena concreta não fosse superior a 5 anos de prisão, o que não é o caso. Com efeito, dispõe o art. 50.° do Cód. Penal que "O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. ". Assim, o pressuposto material do instituto da suspensão da execução da pena de prisão, previsto no citado art. 50.º do Cód. Penal, é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, sendo que este prognóstico terá como ponto de partida, não a data da prática do crime, mas antes o momento da decisão. E o pressuposto formal de que a pena previamente determinada não seja superior a cinco anos. Pressuposto formal que in casu não se mostra verificado. Na defluência do exposto, igualmente improcede o recurso nestoutro segmento. 3.5.-Da pretensa impugnação do pedido de indemnização civil. Na sua conclusão de recurso H. o arguido consignou: “O Recorrente impugna a decisão da matéria de facto provada, especificamente os pontos 1, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 18, 19, 22, 24, 25, 26, 33, 34 e 43 dos factos provados o enquadramento jurídico-penal feita na sentença recorrida, bem como o pedido de indemnização civil, de harmonia com o preceituado nos artigos 410.º, n.º 2, alíneas a) e c), 412.º, n.ºs 1 a 4, 428.º e 431.º, alínea b), todos do CPP, por violação das normas ínsitas no artigo 32.º, n.º 2 da CRP, 14.º, 32.º, 143.º e 152.º, todos do CP e 127.º e 338.º, n.º 1, ambos do CPP.” (fim de transcrição, com negritos e sublinhados nossos). Sendo que, no âmbito das suas motivações a propósito da pretendida impugnação do pedido de indemnização civil o recorrente nada explicitou nesta matéria apenas aí e nos mesmo termos consignando: “II.– ÂMBITO MATERIAL DO RECURSO O Recorrente impugna a decisão da matéria de facto provada, especificamente os pontos 1, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 18, 19, 22, 24, 25, 26, 33, 34 e 43 dos factos provados o enquadramento jurídico-penal feita na sentença recorrida, bem como o pedido de indemnização civil, de harmonia com o preceituado nos artigos 410.º, n.º 2, alíneas a) e c), 412.º, n.os 1 a 4, 428.º e 431.º, alínea b), todos do CPP, por violação das normas ínsitas no artigo 32.º, n.º 2 da CRP, 14.º, 32.º, 143.º e 152.º, todos do CP e 127.º e 338.º, n.º 1, ambos do CPP.” (fim de transcrição, com negritos e sublinhados nossos). A este respeito começaremos por referir que não se impugnam em sede recursória pedidos de indemnização civil mas tão-só decisões de primeira instância absolutórias ou condenatórias (totais ou parciais) em indemnização civil. Admitimos tratar-se de lapso de escrita da defesa, tal como quando ao longo de todo o recurso o arguido/recorrente alude à decisão recorrida como “Sentença” quando se trata de um Acórdão. Por outro lado, o arguido/recorrente escreve “pedido de indemnização civil”, ou seja, no singular, sem explicitar a que indemnização civil está a reportar-se, sendo que, no caso dos autos, a decisão ora recorrida condenou-o em duas indemnizações, uma, no montante de € 20.000,00 (vinte mil euros), a favor da pessoa da ofendida EE, nos termos do artigo 82.°-A, do CPP, e outra, no montante de € 3.617,12 (três mil seiscentos e dezassete euros e doze cêntimos), a favor demandante cível "Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, E.P.E.", nos termos das disposições conjugadas dos artigos 483.°, 495.°, n.° 2, 562°, 563.° e 566.°, n.°s 1 e 2, do Código Civil, e artigos 1.° e 6.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 218/99, de 15 de Junho. Ainda, e finalmente, o recorrente não alude, nesta matéria, a quaisquer um destes preceitos legais acabados de mencionar, que suportaram legalmente as indemnizações em que foi condenado, mas a outras normas que nada têm que ver com as indemnizações em que foi condenado. Por tudo isto, este seu segmento do recurso é manifestamente inintelígivel, pelo que dele não seria de conhecer. Ainda que assim não se entendesse, seria sempre de manter a decisão recorrida no que tange a tais condenações, quer face à matéria de facto provada, quer perante a sua não absolvição dos crimes que lhe eram imputados e de onde aquelas indemnizações decorrem, quer ao que no acórdão recorrido se consignou a este respeito, com que inteiramente concorda este tribunal ad quem e acima se transcreveu, aqui se dando de novo por reproduzido. III–Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando-se integralmente a decisão recorrida. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC’s (art. 513.º do CPP e artigos 5.º e 8.º, n.º 9, e tabela III, do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 34/2008, de 26 de fevereiro). Notifique nos termos legais. (o presente acórdão foi processado em computador pelo relator, seu primeiro signatário, e integralmente revisto por si e pelo Exmº Juiz Desembargador Adjunto – art. 94.º, n.º 2, do CPP) Lisboa, 11 de novembro de 2021 (Calheiros da Gama) (Abrunhosa de Carvalho) [1]Pode ser consultado, na sua versão em língua francesa, em: https://www.ilo.org/dyn/natlex/docs/SERIAL/69975/69182/F1186528577/MAR-69975.pdf [2]In www.stj.pt [3]Vd., entre outros, os Acórdãos desta Secção e Relação prolatados em 12 de março de 2016 no processo n.º 247/13.0 PFLSB.L1, em 22 de março de 2017 no processo n.º 119/15.3SKLSB.L1, em 22 de março de 2018 no processo n.º 629/16.5GBMFR.L1, em 20 de setembro de 2018 no processo n.º 509/17.7PULSB.L1, em 11 de abril de 2019 no processo n.º 73/07.5TELSB.L1, em 2 de maio de 2019 no processo n.º 41/17.9PFAMD.L2, em 23 de dezembro de 2019 no processo n.º 83/15.9PJLRS.L1, em 10 de setembro de 2020 nos processos n.ºs 785/17.5T9VFX.L1 e 22/17.2GBLSB.L1, e em11 de março de 2021) nos processos n.ºs 166/20.3PCLRS.L1 e 973/16.1T9MTJ.L1 todos relatados pelo ora relator. [4]Cf. Ac. do STJ de 26-02-2009, Proc. n.º 3270/08 - 5.ª, ibidem. [5]Cf., designadamente, Acs. do STJ de 15-02-2007, Proc. n.º 3174/06 - 5.ª, de 14-03-2007, Proc. n.º 617/07 - 3.ª, de 23-05-2007, Proc. n.º 1405/07 - 3.ª, de 11-07-2007, Proc. n.º 1416/07 - 3.ª, e de 27-07-2007, Proc. n.º 2057/07 - 3.ª, in www.stj.pt (Jurisprudência/Sumários de Acórdãos). [6]Pode ser consultado, na sua versão em língua francesa, em: https://www.ilo.org/dyn/natlex/docs/SERIAL/69975/69182/F1186528577/MAR-69975.pdf [7]Cf. Ac. do STJ de 22-05-1996, Proc. n.º 306/96, in www.dgsi.p [8]Cf. o comentário do Senhor Conselheiro Pereira Madeira no Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, págs. 1358-1359. E, no mesmo sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, 2.ª edição, 2000, págs. 340-341. [9]Cf. Acs. do STJ de 06-10-1999 e de 13-10-1999, in Tolda Pinto, A Tramitação Processual Penal, 2.ª Ed., pág. 1058. [10]Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2.ª Ed., pág. 341, precisa que o requisito da notoriedade se afere «pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente.» No mesmo sentido se pronuncia o Senhor Conselheiro Pereira Madeira, em anotação ao Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, pág. 1359: «Estão incluídas, evidentemente, as hipóteses de erro evidente, escancarado, de que qualquer homem médio se dá conta. Porém, a ser assim, com um alcance tão restrito, o preceito acabaria por perder grande parte do seu interesse prático, acabando afinal por deixar encobertas, situações de erro clamoroso, ainda que porventura não acessíveis ao cidadão comum. Impor-se-á, assim, uma leitura algo mais abrangente que não acoberte situações de julgamento erróneo não inteiramente escancaradas à observação do homem comum, todavia, que numa visão consequente e rigorosa da decisão no seu todo, seja possível, ainda que só ao jurista, e, naturalmente ao tribunal de recurso, assegurar, sem margem para dúvidas, que a prova foi erroneamente aplicada. Certo que o erro tem que ser «notório». Mas basta para assegurar essa notoriedade eu ela ressalte do texto da decisão recorrida, ainda que, para tanto tenha que ser devidamente escrutinada – ainda que para além das percepções do homem comum – e sopesado à luz das regras da experiência. (…)» [11]Cf. Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 6.ª edição, págs. 67 e ss. [12]Ibidem. [13]Cf. Acs. do STJ de 17-03-2004, Proc. n.º 2612/03 - 3.ª, e de 23-02-2011, Proc. n.º 241/08.2GAMTR.P1.S2 -3.ª, ambos in www.dgsi.pt [14]Ibidem. [15]Cf. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, vol. I, pág. 202. [16]Cf. Ac. do TC n.º 198/2004, de 24-03-2004, in www.tribunalconstitucional.pt. [17]Cf. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, págs. 233-234. [18]Cf. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. II, págs. 126-127, que, por sua vez, cita o Prof. Figueiredo Dias. [19]In Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, pág. 221. [20]In Curso de Processo Penal, vol. I, Reimpressão da Universidade Católica. [21]In Curso de Processo Penal, vol. II, Verbo, págs. 126-127. |