Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
32016/16.0T8LSB.L1-7
Relator: LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
PARTES COMUNS
OBRAS NOVAS
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/08/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: I. O sótão ou vão de telhado, na ausência de qualquer especificação no título constitutivo da propriedade horizontal, constitui uma parte presuntivamente comum do prédio.
II. Essa presunção de comunhão pode ser ilidida mediante a prova da afetação material ab initio - reportada ao momento da constituição da propriedade horizontal ou, a fortiori, com a construção do prédio - do sótão a algum condómino.
III. As obras novas a que se reporta o art. 1422º, nº2, al. a), do Código Civil,  respeitam às efetuadas na fração autónoma do condómino, enquanto as inovações a que se reporta o art. 1425º, nº1,  respeitam às introduzidas nas partes comuns.
IV. Conforme jurisprudência do STJ, obra inovadora é aquela que constitui uma modificação ou transformação da parte comum, nela cabendo as alterações introduzidas na substância ou forma da coisa, bem como as modificações à sua afetação ou destino.
V. Tendo a condómina instalado um guincho elétrico num quarto andar de prédio sem elevador, o que ocorreu em 2001 e sem autorização dos demais condóminos, vindo os condóminos a deliberar, em 2016, que a mesma remova tal guincho, tal pretensão dos condóminos deve ser neutralizada com fundamento em abuso de direito na modalidade da supressio.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
RELATÓRIO
A., solteira, maior, residente na Rua …, Lisboa, intentou ação declarativa sob a forma de processo comum, contra:
- Condomínio B.,
- C.,
- D., Limitada,
- E., e,
- F.
Pede que seja declarada a nulidade ou anuladas as deliberações tomadas na assembleia do condomínio B., em Lisboa em 17.11.2016 transcritas no artigo 5º da petição inicial; sejam os Réus condenados a reconhecer que o espaço do sótão do prédio é de utilização exclusiva da Autora; sejam os Réus condenados a abster-se de vedar o acesso ao sótão pelo interior da fração da Autora e a abrir um novo acesso ao sótão, bem como a retirar o guincho colocado pela Autora na parte da frente da sua fração.
Para tanto, alega, em suma, que, no dia 17.11.2016, teve lugar uma assembleia no condomínio acima referido, tendo sido tomadas deliberações relativamente a matérias que não constavam na convocatória dessa assembleia, sendo certo que não pôde comparecer, não dando o seu acordo às mesmas. Por outro lado, invoca que o sótão que fica por cima da sua fração está afeto à sua utilização exclusiva e que as obras realizadas se limitaram a efetuar um resguardo da parte interior e da parte elétrica, sem prejudicar o arranjo estético ou arquitetónico do prédio, sendo que as obras aprovadas pela assembleia prejudicam a utilização do sótão pela Autora. Por último, invoca que o guincho por si colocado se trata de um mero elemento de mobilidade, justificado pela sua fração se situar num quarto andar sem elevador, o qual não envolveu qualquer obra.
Regularmente citados, os Réus constestaram, pugnando pela improcedência da ação, alegando que já na assembleia de condóminos realizada em 12 de agosto de 2016, à qual a Autora compareceu, foi abordada a questão das obras realizadas nas partes comuns do prédio, tendo ficado ciente das obras em causa, sendo a ordem de trabalhos constante da convocatória explícita.
Mais impugnam que o sótão tenha sido afeto ao uso exclusivo da fração da Autora, o que não só nunca foi autorizado como não resulta do título constitutivo de propriedade horizontal, pelo que as deliberações tomadas devem ser consideradas válidas.
Invocam, ainda, que as obras realizadas pela Autora, seja no sótão seja em relação à colocação do guincho, nunca foram autorizadas pelo condomínio, não se encontram licenciadas, além de colocarem em causa a segurança do prédio.
Concluem, pugnando pela improcedência da ação, e peticionam, em sede de pedido reconvencional, que a Autora seja condenada a repor o sótão no estado anterior às obras por si realizadas, e a retirar o guincho por si colocado.
A Autora, respondeu, mantendo a versão já constante da petição inicial e pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.
Após julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto e com estes fundamentos, o Tribunal:
a) Julga totalmente improcedente a ação instaurada pela Autora contra os Réus, absolvendo-os do pedido;
b) Julga o pedido reconvencional deduzido pelos Réus contra a Autora totalmente procedente e, em consequência, condena-a a repor o sótão no estado anterior às obras por si realizadas e a retirar o guincho por si colocado
*
Não se conformando com a decisão, dela apelou o requerente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
«
a)  A afirmação de facto provado contida no ponto 21 dos factos assentes, segundo o qual as malas de viagem, ao serem transportadas pelo guincho balançam e vão batendo na caixa das escadas, provocando estragos, além de existir o risco de poderem cair e magoar alguém que esteja a passar mostra-se contrariado pelas respostas dadas pelos Senhores Peritos em sede de relatório pericial (respostas aos quesitos 13,14 e 15), pelo depoimento (na parte supra transcrita) da testemunha LG e pelas declarações de parte (na parte transcrita) da ora recorrente, sendo que dos elementos probatórios flui como única consideração probatório possível que Se as malas de viagem fossem transportadas e, então, fossem mal presas no guincho, as mesmas poderiam baloiçar, com o risco de, nessa altura, poderem cair e magoar alguém que esteja a passar, algo que nunca aconteceu;
b)A menção constante do aviso convocatório da assembleia de condomínio segundo o qual se anuncia obras realizadas no espaço comum sem previa autorização dos restantes condóminos, não contem elementos informativos viabilizadores da ponderação previa a que o art. 1432º, nº 2, do Cod. Civil faz apelo ao determinar a inserção da ordem de trabalhos no mesmo aviso, o qual tem de ser claro (evidenciar o que se pretende), preciso (concretizar o ponto de discussão), bastante (ser suficiente em si, sem remissão, directa ou por indução, para outros elementos, designadamente actas anteriores) e congruente (não ser contraditório nos vários pontos);
c) O sótão integra a previsão do art. 1421º, nº 2, al. e) como parte do prédio que se presume comum, sendo que a afectação material exclusiva á fracção da ora recorrente, que sempre ocorreu desde a construção do edifícios, sendo a única com acesso aquele espaço, sempre o conservando e preservando, com conhecimento de todos os condóminos, determina uma utilização exclusiva do espaço pela ora recorrente, afastando mesmo a presunção de comum, gerando, complementarmente, a exclusividade para a recorrente de ali realizar as obras aptas á melhoria do espaço e do prédio na sua totalidade – art. 1424º, nº 3 do Cod. Civil;
d) As obras realizadas pela recorrente no sótão envolvem uma significativa melhoria de segurança, térmica e higiénica do prédio, não envolvendo, muito pelo contrario, qualquer limitação ou prejuízo para os demais condóminos, o que, desde logo, inviabiliza que ocorra a sua destruição ou remoção (nem fazendo sentido colocar em situação muito pior uma parte do prédio);
e) Nem constituem um elemento inovador, desde logo porque não introduziram qualquer elemento estrutural novo, não criaram uma área ou espaço diferente nem implicaram uma utilização diversa, não sendo, como tal, passiveis de ser inseridas na previsão do art. 1425º do Cod. Civil;
f) Da mesma maneira que a linha arquitectónica ou o arranjo estético do prédio, bem como a seu segurança, não são afectadas por tais obras, antes constituem uma mais valia para o mesmo, não sendo, pois, convocável o disposto no art. 1422º, nºs 1, 2, a) a d) do Cod., Civil;
g) O mesmo se diga, aliás, do guincho existente no prédio, prédio de quatro andares sem elevador, que não prejudica qualquer condómino, não afecta a estrutura do prédio, nem a sua linha arquitectónica ou arranjo estético, sendo um elemento puramente utilitário;
h) Com a agravante, no caso do guincho, de o mesmo existir no prédio, á vista desarmada e com conhecimento de todos, há, pelo menos, 18 anos, sem que tal tenha, alguma vez, da forma mais resquícia que seja, provocado qualquer reacção negativa ou discussão para retirada;
i) Foi preciso que a recorrente afectasse a sua fracção a fins de alojamento local para que, 18 anos decorrido, o guincho se transformasse num elemento de disfunção, em claro “venire contra factum proprium”, em notório abuso de direito, nos moldes condenados pelo art. 334º do Cod. Civil;
j) A sentença recorrida, salvo melhor opinião, viola os comandos legais assinalados nas presentes conclusões de recurso.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando- se a sentença recorrida, com as legais consequências, por ser de JUSTIÇA!»
Os apelados contra-alegaram, concluindo pela improcedência do recurso.
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]
Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
i. Admissibilidade da impugnação da decisão de facto;
ii. Regularidade da convocatória da assembleia geral de condóminos;
iii. Se está afastada a presunção do sótão como parte comum;
iv. Subsistência e regularidade das obras realizadas pela autora.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1. Na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, está registada a aquisição, em 02.05.2001, a favor da Autora, da fração "E" correspondente ao 4º andar do prédio constituído em prédio constituído em propriedade horizontal sito na Rua …, descrito naquela Conservatória sob o n.º 2…, freguesia Encarnação, sendo dele a Autora condómina.
2. Do título constitutivo de propriedade horizontal do prédio identificado em 1 pode ler-se que o prédio é todo destinado a habitação, com as seguintes frações autónomas: fração A – rés-do-chão, B – primeiro andar, C – segundo andar, D – terceiro andar e E – quarto andar, que as frações B a E são compostas por seis divisões assoalhadas, cozinha e duas casas de banho, e que o cubículo localizado ao nível do rés-do-chão é utilizado pela habitação do segundo andar.
3. Os Réus são, respetivamente, proprietários das seguintes frações:
a) a Ré F. da fração letra "D" - terceiro andar;
b) o Réu E. da fração letra "C" - segundo andar;
c) o Réu D., Lda., da fração letra "B" - primeiro andar;
d) o Réu C. da fração letra "A" - rés-do-chão.
4. A Autora foi notificada, via e-mail, da convocatória da assembleia geral de condóminos do referido prédio, que se realizou a 17.11.2016, com a seguinte ordem de trabalhos:
1) Evolução da obra da fachada;
2) Obras realizadas no espaço comum sem prévia autorização dos restantes condóminos;
3) Avaliação estrutural do prédio;
4) Regras para a eleição da administração do condomínio;
5) Outros assuntos de interesse geral.
5. A Autora não pôde estar presente nessa reunião de condóminos, apesar de ter confirmado a sua presença.
6. Em 01 de dezembro de 2016, por e-mail, foi enviada a Autora cópia da ata da referida assembleia de condóminos, a qual sob o item "obras realizadas no espaço comum sem prévia autorização dos condóminos", tem o seguinte teor:
“Constatou-se na última reunião extraordinária que A. (4º andar) procedeu a obras interiores não só no seu apartamento como na área comum do sótão, sem a aprovação ou sequer o conhecimento dos demais condóminos, conforme fotografias no Anexo 2 a esta acta. EC esclareceu que o sotão não pertence ao 4º andar e integra as áreas comuns do edificio. C. exibiu uma imagem do projecto do edifício onde o sótão não é área habitável, encontrando-se como se encontrava antes das referidas obras abusivas. O trabalho executado pela A. inclui alterações da instalação eléctrica, como se pode ver nas fotografias, sobre o qual não só os condóminos não foram informados, como o mesmo levantou dúvidas aos presentes na reunião sobre a segurança da intervenção.
Foi deliberado por unanimidade a não cedência desta área comum ao 4º andar, propriedade de A., tendo sido deliberado que deverão ser removidos todos os objectos que foram ai armazenados sem autorização dos demais inquilinos. Foi deliberado por unanimidade que irá ser promovida uma vistoria ao sótão para avaliar os riscos que a alteração da instalação eléctrica, no âmbito da obra anteriormente referida poderão eventualmente ter sido introduzidos, nomeadamente o risco de incendio, estando a A. obrigada a facultar o acesso aos técnicos a nomear para o efeito.
[...]
Mais foi igualmente aprovado por unanimidade que irá ser estudada a melhor forma de implementar uma entrada autónoma a partir do patim de acesso ao 4º andar por forma a assegurar o acesso directo á cobertura e ao sótão, antecedendo futuros e prováveis trabalhos de manutenção e beneficiação. Adicionalmente foi acordado que será selado o acesso directo do quarto andar ao sótão.
[...]
Foi subscrita por todos os condóminos uma carta á administradora, Anexo 4 a esta acta, para que seja removido o seu guincho electrico da caixa de escadas até ao dia 30 de Novembro de 2016, incluindo remates e reparações decorrentes desta remoção nas paredes portantes, por questões de segurança dada a recente utilização inadequada de transporte de cargas consideráveis para a obra anteriormente referida, evitando-se quaisquer futuros danos na caixa de escadas do prédio.”.
7. Os 2º a 5º Réus intervieram, na sua qualidade de condóminos do prédio supra identificado, aprovando as deliberações referidas no ponto anterior.
8. Na assembleia de condóminos datada de 12 de agosto de 2016, na qual a Autora esteve presente, sob o ponto C da ordem de trabalhos “utilização de zonas comuns do prédio em função do alojamento local no 4º andar”, consta “Foi questionado a existência de um guincho, propriedade da administradora montado em viga ... tendo sido acordado o seguinte: ... remeteu-se uma votação acerca deste assunto para uma próxima assembleia, tendo sido, até ao momento, sugeridas 3 soluções para serem submetidas a votação: 1. A administradora propõe que o guincho continue a ser utilizado desde que operado pelos seus familiares [...]. 2. F. propõe a eliminação liminar do guincho [...]. 3. C. propõe que, enquanto vigorar o alojamento local, que o guincho seja desligado]. [...] A administradora confrontada por sérias dúvidas acerca do teor das obras na sua fração (...) esclareceu que as obras que, no início do seu mandato promoveu, passaram pela ocupação de uma zona comum, o sótão [...], estando atualmente a ser utilizado como um espaço privativo de arrumos. [...] Remete-se a discussão deste assunto para reunião a agendar para um futuro próximo [...]”.
9. A reunião a agendar a que se alude na ata de 12 de agosto de 2016 foi a assembleia datada de 17 de novembro de 2016.
10. O acesso ao sótão existente no prédio apenas pode ser efetuado através do interior da fração da Autora, o que ocorre desde momento anterior à aquisição da fração pela Autora.
11. O sótão em causa sempre serviu como ponto de acesso do prédio para o telhado, claraboia, ou caleira, para efeitos de manutenção, conservação e vistoria.
12. Os condóminos nunca autorizaram o uso exclusivo do sótão pelo quarto andar.
13. A Autora realizou obras no sótão que consistiram na colocação de resguardo na parte interior (roofmate), de madeira ao longo da telha e de chão de madeira, por motivos térmicos e de salubridade, utilizando-o como arrecadação.
14. Além de colocar calhas sobre os fios elétricos, nova canalização em tubos flexíveis com caixas de derivação e iluminação nova.
15. A instalação elétrica da fração da Autora já estava implementada no sótão aquando da realização das obras descritas em 13.
16. Sempre que é necessário proceder a obras de manutenção ou conservação, na zona do telhado, o acesso ao mesmo depende da autorização da Autora, sendo que a Autora não tem capacidade para disponibilizar o acesso imediato ao mesmo.
17. A Autora não pediu autorização para realização das obras no sótão, nem as comunicou aos demais condóminos.
18. A Autora colocou um guincho em frente ao acesso à sua casa, em 2001, sem autorização dos condóminos, com informação que seria utilizado para transportar as suas compras de mercearia, uma vez que o prédio não possui elevador.
19. O guincho foi fixado com uma viga estrutural em aço encastrada nas paredes de alvenaria da caixa da escada.
20. A Autora passou a utilizar a sua fração para alojamento local, a partir de 2016, sendo o guincho utilizado para transporte das malas de viagem dos seus clientes.
21. Em caso de transporte de malas de viagem no guincho, e não sendo as mesmas devidamente afixadas ao guincho, existe o risco de queda das mesmas, podendo magoar alguém que esteja a passar.[3]
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Admissibilidade da impugnação da decisão de facto
Pretende a apelante que o facto 21 passe a ter a seguintes redação: «Se as malas de viagem fossem transportadas e, então, fossem mal presas no guincho, as mesmas poderiam baloiçar, com o risco de, nessa altura, poderem cair e magoar alguém que esteja a passar, algo que nunca aconteceu
Nas contra-alegações, os apelados sustentam que a impugnação da decisão da matéria de facto deve ser rejeitada porquanto a apelante não especifica os concretos meios probatórios que impõem decisão diversa, nem indica as passagens da gravação em que funda o recurso.
Nos termos do Artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil,
«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
No que toca à especificação dos meios probatórios, incumbe ainda ao recorrente «Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (Artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).
Se a falta de indicação exata das passagens da gravação não dificulta, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório nem o exame pelo Tribunal da Relação, a rejeição do recurso com tal fundamento constituirá solução excessivamente formal e sem justificação razoável – cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22.9.2015, Pinto de Almeida, 29/12, de 29.10.2015, Lopes do Rego, 233/09.
A apelante reduziu a escrito os segmentos do depoimento de LG e das declarações de parte, embora não tenha indicada os minutos a que se encontram. Todavia, o depoimento da testemunha durou 12 minutos e as declarações de parte duraram 18 minutos. Assim sendo, tal omissão não dificulta, de forma relevante, o exame por parte deste Tribunal. A apelante indicou os meios probatórios que, no seu entender, justificam a alteração (cf. fls. 17 das alegações).
Destarte, consideram-se suficientemente cumpridos os ónus do art. 640º do Código de Processo Civil.
O tribunal a quo justificou a resposta ao facto 21 nestes termos:
«A factualidade dada como provada em 21, além de decorrer das regras de experiência comum, foi abordada em sentido afirmativo pelos senhores peritos na resposta aos quesitos 13 e 14 do relatório pericial a fls. 139
No referido relatório pericial, consta o seguinte:
«A utilização do guincho para transporte de malas de viagem põe em risco a segurança das pessoas que se encontrem nos patins da escada e na própria escada do prédio?
Resposta: Não sendo tomados os devidos cuidados no transporte de malas de viagem ou quaisquer outros objetos, nomeadamente em termos de fixação/amarração, existe sempre o risco de os mesmos se soltarem e atingirem alguém que esteja a utilizar a escada
A utilização do guincho para transporte de malas de viagem pode danificar as partes comuns do prédio?
Resposta: embora no edifício em causa não se observem danos na escada que possam estar relacionados com a utilização do guincho, é sempre admissível que uma utilização menos cuidada provoque danos na escada do imóvel.»
Nos seus esclarecimentos verbais, no final da audiência, os srs. Peritos nada disseram sobre o guincho. Por sua vez, a testemunha LG (filha da autora) e a autora nas suas declarações de parte, pronunciaram-se sobre o guincho nos termos que estão extratados, com fidelidade, nas alegações.
Ora, quer do depoimento quer das declarações de parte e do relatório pericial, nada consta, de forma expressa, sobre a (in)existência efetiva de quedas de objetos, aquando da utilização do guincho. Também nenhum dos meios de prova em causa se reportou a que as malas batam na caixa de escadas, sendo que os peritos afirmaram que “não se observam danos na escada que possam estar relacionadas com a utilização do guincho”. Assim sendo, o que sobra de atendível – e resulta das regras da experiência comum – é que o transporte de malas mal fixadas pode dar azo a que as mesmas caiam e possam magoar alguém.
Assim sendo, altera-se a redação do facto 21 para: «Em caso de transporte de malas de viagem no guincho, e não sendo as mesmas devidamente afixadas ao guincho, existe o risco de queda das mesmas, podendo magoar alguém que esteja a passar
Regularidade da convocatória da assembleia geral de condóminos
Sustenta a apelante que a convocatória para a assembleia é genérica, não identificando as obras a que se refere, nem concretiza qual a ponderação que se pretende fazer sobre as obras, não sendo o ponto do aviso convocatório, cumulativamente, claro, preciso e congruente.
Na sentença impugnada, a questão foi analisada nestes termos:
«Dispõe o artigo 1432º, nº 2, do CC: “2. A convocatória deve indicar o dia, hora, local e ordem de trabalhos da reunião e informar sobre os assuntos cujas deliberações só podem ser aprovadas por unanimidade dos votos.
Mais dispõe o artigo 1433º, nº 1, do CC que: “1. As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.”.
Como é referido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04-05-2010 (processo n.º 680/07.6TBLMG.P1, disponível em www.dgsi.pt): “No caso específico de assuntos a deliberar na assembleia de condóminos, mas que não careçam de deliberação por unanimidade, a indicação do assunto a tratar na respectiva ordem de trabalhos impõe-se para que os condóminos possam livre e esclarecidamente decidirem em 1.º lugar se têm ou não interesse em participar na dita assembleia e, em segundo lugar, para, querendo participar nela, se poderem previamente esclarecer, documentar ou apenas reflectir sobre a questão por forma a formarem opinião sobre a mesma e, finalmente, no caso do condómino ter decidido participar na assembleia, ficar alerta para a posterior comunicação do teor da deliberação e poder, por exemplo desencadear os mecanismos para a sua anulação, caso a mesma se lhe afigure inválida. Em suma, é contra a possibilidade de uma “deliberação surpresa”, e consequentemente tomada irreflectidamente e ou em prejuízo dos condóminos ausentes, que a lei impõe que os assuntos a deliberar em assembleia de condóminos constem da respectiva ordem de trabalhos expressa na convocatória.
No caso concreto dos autos, a ordem de trabalhos contida na convocatória para a assembleia de condóminos, quanto ao ponto 3, em discussão nestes autos, continha o seguinte texto: “obras realizadas no espaço comum sem prévia autorização dos restantes condóminos”, sendo certo que, na ata da assembleia geral de condóminos realizada em 12 de agosto de 2016, em que a Autora esteve presente e que precedeu a realizada em 17 de novembro de 2016, foi abordada a matéria da existência do guincho propriedade da Autora, bem como da sua ocupação do sótão para espaço privativo de arrumos, tendo sido relegada a votação quanto a estas matérias para a assembleia subsequente.
Assim sendo, entendemos que as deliberações tomadas na assembleia são matérias que se enquadram na ordem de trabalhos constante da convocatória para a assembleia geral de 17.11.2016, com as quais a Autora podia contar tanto mais quando já tinham sido abordadas com profundidade na assembleia anterior, tendo sido relegada a tomada de posição do condomínio para a assembleia subsequente, razão pela qual, estando atenta ao teor das deliberações aí tomadas, as veio impugnar nesta ação, análise que se cuidará de fazer de seguida.»
Cremos que a análise efetuada pela tribunal a quo não merece reparo.
Conforme está provado nos autos, a autora realizou obras no sótão (factos 13, 14), sem pedir autorização aos demais condóminos (17), tendo ainda instalado um guincho em frente à sua casa, em 2001, sem autorização do condóminos (18). Acresce que, em 12.8.2016, foi realizada assembleia,  em que a autora esteve presente, na qual  foi questionada a existência do guincho, tendo sido ainda abordada a questão da existência de  obras no sótão, rementendo-se  a discussão deste assunto para reunião a agendar num futuro próximo.
Atento este contexto fáctico e recebendo uma convocatória de uma assembleia para o dia 17.11.2016, em que um dos assuntos da ordem de trabalhos é «Obras realizadas no espaço comum sem prévia autorização dos restantes condóminos», a autora figurou, sem qualquer esforço, que seriam objeto de discussão as obras que a mesma tinha realizado no sótão e mesmo com a instalação do guincho. Na verdade, tendo feito as obras que fez, as quais deram azo a discussão e objeção na assembleia de agosto, só cabia à autora prefigurar que tais obras seriam tema central na assembleia subsequente, como foram. Não estando provada a realização de outras obras além das realizadas pela autora, quase roça a litigância de má fé vir arguir dúvidas sobre o âmbito de tal assunto da ordem de trabalhos.
Se está afastada a presunção do sótão como parte comum
O tribunal a quo entendeu que o sotão é um espaço integrado nas coisas presuntivamente comuns,razão pela qual as obras realizadas pela autora caerciam de aprovação da maiores de dois terços dos condómninos (art. 1425º, nº2, do CC).
Insurge-se a autora, argumentando que está afastada tal presunção, sendo que as obras realizadas não envolvem qualquer limitação ou prejuízo para os demais condóminos, nem constituem um elmento inovador,nem afetado a liha qrquitectónica ou o arranjo estético do prédio ou segurança do mesmo.
O sótão com as caraterísticas do dos autos é uma parte presuntivamente comum nos termos do Artigo 1421º, nº2, do Código Civil. Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.7.2013, Alves Velho, 63/10,
«(…) o vão de telhado não é naturalisticamente identificável com os conceitos de telhado ou terraço de cobertura, pois que não representa a estrutura de cobertura em si mesma e com a específica função de tapagem superior do edifício, mas um espaço ou área a que é possível dar determinadas utilizações, usualmente de armazenamento, mas sem que se exclua o próprio alojamento habitacional.
Em consonância, a jurisprudência e doutrina dominantes, vêm entendendo que os sótãos ou vãos de telhado, não integram a estrutura do edifício nem são, pela função que desempenham, partes do mesmo relativamente às quais seja de exigir a afetação ao gozo de todos os condóminos, para caberem na previsão da al. b) do nº 1 do art. 1421º, como coisa obrigatoriamente comum (cf. acs. RC, de 9-12-86 (CJ XI-5-83), STJ, de 28-9-1999 (proc. 98B703), de 08-02-2000 (BMJ 494-338) e de 16-12-2004 (proc. 04B3814); RUI V. MILLER, “A Propriedade Horizontal No Código Civil”, 3ª ed., 163 e F. RODRIGUES PARDAL e M. B. DIAS DA FONSECA, “Da propriedade horizontal”, 5ª ed., 213).
Com efeito, como, em sede argumentativa, tem sido convocado, a inclusão desse espaço do edifício entre as partes obrigatoriamente comuns tornaria impossível, em contradição com a realidade conhecida, a individualização e afetação exclusiva do sótão, ou de parte dele, com a inerente consequência de vedar qualquer especificação com esse sentido ou conteúdo, ou de adotar qualquer cláusula tendente a excluir a comunhão, no título constitutivo da propriedade horizontal, sob pena de violação do seu próprio regime imperativo.
Acresce que, exigindo-se a inclusão da afetação no título constitutivo, resultaria inútil a admissão das presunções de comunhão, especificadas ou residualmente previstas, contempladas no n.º 2 do artigo, pois que haveriam de se considerar obrigatoriamente comuns todas as partes sem destino fixado no título.
Em suma, a natureza e utilidade dos sótãos ou vãos de telhado não impõem, em sede interpretativa, a sua obrigatória qualificação como “instrumentos de uso comum do prédio”.
Conclui-se, no seguimento do expendido, que, embora presuntivamente deva ser, como efetivamente é, considerado parte comum do edifício, o sótão ou vão de escada não é de considerar parte imperativamente comum.»
No mesmo sentido, cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.12.2004, Bettencourt de Faria, 04B3814.
Essa presunção de comunhão pode ser ilidida mediante a prova da afetação material ab initio do sótão a algum condómino. Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.5.2012, Hélder Roque, 218/2001,
«(…) não se encontrando especificadas como privativas, no título constitutivo da propriedade horizontal, todas as coisas que não estejam afetas ao uso exclusivo de um deles, devem ainda as mesmas ser consideradas, presumivelmente, como partes comuns e, portanto, compropriedade de todos os condóminos, com possibilidade de afastamento dessa presunção, nos termos do estipulado pelo artigo 1421º, nº 2, e), do CC.
Quer isto dizer que deixam de ser comuns aquelas coisas que estejam afetadas ao uso exclusivo de um dos condóminos, bastando, para o efeito, a fim de afastar a presunção de comunhão, uma afetação material, uma destinação objetiva[8], mas já existente à data da criação do condomínio, embora não se exija que ela conste do respetivo título constitutivo da propriedade horizontal.
Esta destinação objetiva verificar-se-ia, por exemplo, na hipótese de uma parte do edifício que deixaria de ser comum para passar ao uso exclusivo do condómino, em virtude de só poder ter acesso ou comunicação, através de uma fração autónoma desse condómino, isto é, à qual só fosse possível aceder, mediante a fração adjacente, devendo entender-se, então, que esse espaço pertence à mesma fração, ainda que a respetiva afetação não conste do título constitutivo da propriedade horizontal, não sendo uma parte comum.
[8] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 2ª edição, revista e atualizada, 1987, 423; STJ, de 8-2-2000, BMJ n º494, 338»
Na expressão do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.5.2009, Salazar Casanova, 1793/05,
«(…) se do título constitutivo da propriedade horizontal não constar a afetação de parte de um prédio a alguma fração autónoma, a presunção derivada da alínea e) do n.º 2 do artigo 1421.º pode ser ilidida, nomeadamente se se demonstrar que ab initio essa parte esteve afeta em exclusivo a determinada fração, não se exigindo que a afetação material conste do respetivo título executivo.
Encontramos esta tese sufragada, entre outros, pelos Acs. do STJ de 28.09.99, www.dgsi.pt, de 08.02.2000, CJ/STJ, T I: 67, RL de 18.02.97, www.dgsi.pt, de 29.06.99, www.dgsi.pt, de 07.05.2002, www.dgsi.pt, e RC, de 26.02.2002, www.dgsi.pt.
Dizer que a elisão da presunção relativa, contida na citada norma, está dependente da demonstração de que ab initio a parte do prédio esteve afeta ao uso exclusivo de determinado condómino, tem algo de ambíguo. Ambiguidade que fica afastada se se concretizar que é entendimento maioritário na jurisprudência o de que o termo inicial coincide com o momento da constituição da propriedade horizontal ou, a fortiori, com a construção do prédio (cf. Acs. STJ de 28.09.99, 08.02.2000 citados).
(…)
Ora, à luz da aludida interpretação do artigo 1421.º/2, alínea e), continua a assegurar-se um critério distintivo válido e operante fundado no momento da constituição do condomínio por se considerar relevante a afetação objetiva ao uso exclusivo de um dos condóminos existente à data da constituição do condomínio, excluindo-se, portanto, do seu âmbito os casos em que a afetação se verifica ulteriormente, não deixando, assim, de subsistir um critério objetivo, impondo-se apenas averiguar se ocorria ou não uma afetação material objetiva anterior cujo ónus incumbe a quem pretende que seja reconhecido o seu exclusivo domínio sobre a coisa (artigo 342.º/1 do Código Civil).
17. Esta é a orientação que também promana dos Acs. do S.T.J. de 17-6-1993 (Araújo Ribeiro) C.J.,2, pág. 158, de 14-10-1997 (Torres Paulo) C.J.,3, pág. 80 , de 28-9-1999 (Machado Soares) B.M.J. 489-358, de 8-2-2000 (Garcia Marques) C.J.,1, 67. E, quanto a outros, a orientação contrária ou se funda numa realidade de facto diversa, tal o caso do Ac. do S.T.J. de 9-5-1991 (Tato Marinho), B.M.J. 407-545 em que a afetação ocorreu depois de constituída propriedade horizontal, ou o caso do Ac. do S.T.J. de 31-10-1990 (Figueiredo de Sousa) B.M.J. 400-646 em que o proprietário construiu no edifício que depois constituiu em propriedade horizontal dependências em águas furtadas que não integraram o título como frações autónomas nem tão pouco ficaram afetas ao uso exclusivo dos condóminos.»
No mesmo sentido da ilisão da presunção pela afetação exclusiva ab initio, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17.6.1993, Araújo Ribeiro, 81725, de 8.2.2000, Garcia Marques, 1115/99, ambos acessíveis em www.colectaneadejurisprudencia.com.
No que tange à ilisão da presunção, no Acórdão da Relação do Porto de 17.11.2015, Augusto Carvalho, 95/11, discorreu-se nestes termos:
«(…) deve entender-se que, não constando do título que o sótão se encontra afetado ao uso exclusivo da fração dos réus, daí resulta que aquele se presume parte comum, presunção que pode ser ilidida.
De facto, "se fosse intenção do legislador considerar comuns todas as partes cuja afetação ao uso exclusivo de um dos condóminos não constasse do título, então não faria sentido o nº 2 falar em presunção, bastaria o preceito dizer: São comuns, salvo menção em contrário no título constitutivo da propriedade horizontal". Acórdão de 8.2.2000, CJ/STJ, Ano VIII, Tomo I, pág. 71.
No título constitutivo da propriedade horizontal não se especificou o sótão como correspondendo a qualquer fração e, portanto, encontramo-nos perante uma situação concreta compreendida na presunção prevista na alínea e) do nº 2 do artigo 1421º, presunção que pode ser afastada pela prova daquilo a que Pires de Lima e A. Varela designam por afetação material.
Na citada alínea e) presumem-se ainda comuns "as coisas que não sejam afetadas ao uso exclusivo de um dos condóminos".
No dizer daqueles autores, "a afetação a que se alude aqui é uma afetação material - uma destinação objetiva - existente à data da constituição do condomínio. Se, por exemplo, determinado logradouro só tem acesso através de uma das frações autónomas do rés-do-chão, deve entender-se que pertence a esta fração (...). E o mesmo se diga, ainda a título de exemplo, do sótão ou das águas furtadas do edifício, quando, no todo ou por parcelas, estejam apenas em comunicação com a fração ou as frações autónomas do último piso (faltando esta afetação material, o sótão será comum) ". Ob. cit., pág. 423.No mesmo sentido, refere-se no acórdão do STJ, de 17.6.1993, que "deixa de ser considerada parte comum de prédio constituído em propriedade horizontal a que, desde início, foi adquirida juntamente com a fração autónoma para ser utilizada em exclusivo por determinado (s) condómino (s), ainda que tal exclusividade não fosse referida no título constitutivo". CJ/STJ, Ano I, Tomo II, pág. 158.
(…)
De acordo com esta matéria de facto, desde o início da construção do prédio, o sótão esteve afetado em exclusivo à fração autónoma dos réus, apenas com esta tendo comunicação, e, por conseguinte, deve considerar-se que foi ilidida a presunção estabelecida na alínea e) do nº 2 do artigo 1421º. A afetação material do sótão à fração dos réus, existindo à data da constituição do condomínio, afasta-o do âmbito das coisas comuns mencionadas no citado preceito.»
Revertendo ao caso em apreço, não está provado que, à data da constituição da propriedade horizontal (em 28.2.1994 – fls. 9 v.) ou mesmo antes durante a construção do prédio, a fração da autora beneficiasse já de acesso exclusivo ao sótão. Está apenas provado que «O acesso ao sótão existente no prédio apenas pode ser efetuado através do interior da fração da autora, o que ocorre desde momento anterior à aquisição da fração pela autora» (10), sendo que a aquisição da autora está registada em 2.5.2001.
Assim sendo, a matéria de facto provada é insuficiente para ilidir a presunção de que o sótão é parte comum.
Subsistência e regularidade das obras realizadas pela autora
A apelante argumenta que as obras que realizou no sótão não constituem inovações, melhoraram a segurança, térmica e higiénica do prédio, não envolvendo qualquer limitação ou prejuízo para os demais condóminos, sendo uma mais-valia, não afetando a linha arquitectónica, o arranjo estético ou a segurança do prédio. Nesta medida, deve ser revogada a sentença.
Nos termos do art. 1422º, nº2, al. a), do Código Civil, é vedado aos condóminos prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício. E, nos termos do nº3, as obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tal se obtiver a prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio. Por sua vez, o art. 1425º, nº1, do Código Civil, dispõe que «Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as obras que constituam inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essta maioria representar dois terços do valor total do prédio.» E no nº7 dispõe-se que «Nas partes comuns do edifício não são permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos tanto das coisas próprias como das coisas comuns.»
No que tange à articulação entre os citados artigos 1422º e 1425º, temos como pertinentes as considerações expendidas no Acórdão do STJ de 20.3.2012, Moreira Alves, 470/14, www.colectaneadejurisprudencia.com, que extratamos:
«(…) embora não se ignore que, nesta matéria, existem algumas divergências de interpretações, pensamos que a opinião largamente dominante, quer na doutrina, quer na jurisprudência, vai no sentido de que as "obras novas" a que alude o nº 2 do Art. 1422º, são aquelas que os condóminos efectuem nas fracções autónomas de que são os exclusivos proprietários, enquanto as "inovações" referidas no Art. 1425º, dizem respeito às introduzidas nas partes comuns, em que todos comungam em compropriedade.
Não procede, por isso, a interpretação que o acórdão recorrido pretende retirar do nº 1 do Art. 1422º, já que, nesse preceito, apenas se estabelece a regra geral.
De facto, a natureza jurídica da propriedade horizontal, atenta a sua especificidade, tem uma estrutura dualista, na medida em que conjuga o direito de plena propriedade, que incide sobre as fracções autónomas, pertencente exclusivamente aos respectivos condóminos, com a propriedade de todos os condóminos, que incide sobre as partes comuns do edifício.
O que o referido nº 1 do Art. 1422º faz, é afirmar essa realidade composta, aliás, resultante já do Art. 1420º nº 1, e daí que, naturalmente, determine, que os condóminos nas relações entre si, estão sujeitos às limitações gerais do direito de propriedade e do direito de compropriedade.
Porém, atendendo à interdependência entre as diversas unidades que integram o prédio, bem como às especiais relações de contiguidade e vizinhança que se estabelecem, necessariamente, entre os condóminos, logo no seu nº 2 impõe especiais limitações ao direito de propriedade exclusivo de cada condómino sobre a sua fracção autónoma.
Como refere Aragão Seia (Prop. Horizontal - 2ª ed. - 101 e seg.), em anotação à al. a) do nº 2 do Art. 1422º "... as restrições aqui impostas respeitam exclusivamente à fracção do condómino e seus componentes próprios, pois, as inovações nas partes comuns - art. 1425º - competem à assembleia de condóminos e a um administrador, que detêm a administração - nº 1 do art. 1430º -".
Já quanto às inovações a realizar nas partes comuns, às quais, como se disse, se aplica o Art. 1425º refere o mesmo autor.
"Nas partes comuns estão-lhe vedadas (aos condóminos, isoladamente, entenda-se) quaisquer simples "inovações" ou alterações, a menos que outra coisa tivesse ficado consignada no título constitutivo. Se dúvidas houvesse seriam dissipadas pelo teor do artigo 1426º que coloca as despesas com as inovações a cargo dos condóminos em proporção do valor das suas fracções, além de que os novos nºs 3 e 4 do preceito (do Art. 1422º, evidentemente) ... passam a especificar quais as obras, na sua fracção, para que o condómino precisa de autorização da assembleia de condóminos".
Também o Prof. Henrique Mesquita é de opinião que as inovações previstas no nº 1 do Art. 1425º, apenas se referem às introduzidas nas partes comuns, regendo, quanto às efectuadas nas fracções autónomas, o disposto no Art. 1422º, nº 2 als. a) e d) (cofr. A Prop. Horizontal no C.C. Português. RDES - XXIII - 139, nota 3).
Ainda no mesmo sentido se pronuncia A. Varela (C.C. anotado - nota ao art. 1425º)
"O artigo 1425º não se refere às inovações introduzidas nas fracções autónomas, sujeitas à propriedade exclusiva de cada condómino...".»
Ou seja, as obras novas a que se reporta o art. 1422º, nº2, al. a), respeitam às efetuadas na fração autónoma do condómino, enquanto as inovações a que se reporta o art. 1425º respeitam às introduzidas nas partes comuns. Neste mesmo sentido, cf. Ana Prata (Coord.), Código Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2017, pp. 266-267, Acórdão da Relçaão de Guimraães de 16.3.2005, 371/05, Acórdãos do STJ de 1.6.2010, 95/2000, de 8.6.2010, 1377/06, Sumários,  e de 17.2.2011, 991/09.
No que tange à densificação do conceito de inovação, para efeitos do art. 1425º,nº1, do Código Civil, no Acórdão do STJ de 19.1.2012, 1359/07, Sumários, entendeu-se que obra inovadora é aquela que constitui uma modificação ou transformação da parte comum, nela cabendo as alteraçoes introduzidas na substância ou forma da coisa, como as modificações à sua afetação ou destino.  Em arestos anteriores, o mesmo STJ afirmou que no conceito de inovação cabem tanto as alterações introduzidas na substância ou na forma da coisa , como as as modificações estabelecidas na afetação ou destino da coisa ( acórdãos do STJ de 17.3.1994, BMJ nº 435, p. 816, de 24.2.1999, 30/99, Sumários, de 8.6.2010, 1377/06, Sumários). Na jurisprudência, foram considerados  exemplificativamente inovações as seguintes situações: instalação de uma esplanada, mesmo que amovível ( RP 11.7.2012, 2720/05); a edificação de arrecadações (RL 13.9.2007, 3625/2007); a colocação de um aparelho de ar condicionado ( RG 16.3.2005, 371/05); a alteração do percurso do tubo de água residual ( RL 26.6.2003, 3046/2003); a construção de um muro num terraço ( RC 8.4.2003, CJ 2003- II, p. 108);  a colocação de uma chaminé de exaustão (RP 10.1.2002, 00031152); a instalação de uma marquise num terraço (RL 24.6.1999, 00026726).
Revertendo ao caso em apreço, sendo o sótão onde foram efetuadas as obras pela autora parte comum, aplica-se o disposto no art. 1425º, nº1, do CC, pelo que as obras careceriam de aprovação de 2/3 dos condóminos, desde que constituíssem inovações.
As obras consistiram em: colocação de resguardo na parte interor (roofmate), de madeira ao longo da telha e de chão de madeira, por motivos térmicos e de salubridade; colocação de calhas sobre os fios elétricos, nova canalização em tubos flexíveis com caixa de derivação e iluminação nova, em substituição da instalação elétrica anterior. É manifesto que estas obras não bulem com a afetação ou destino do sótão, sendo que uma das funções normais deste é a de servir como arrecadação e de permitir o acesso ao telhado para manutenção, funções essas que se mantêm inalteradas. Por outro lado, as obras em causa não introduzem alterações na substância ou forma da coisa/sótão, correspondendo a melhorias com repercussão ao nível do  isolamento térmico,  da salubridade e da segurança elétrica. De referir, que fazem parte do elenco dos factos não provados os seguintes: a colocação de tábuas no sótão por cima das vigas de madeira constitui um risco de sobrecarga estrutural do prédio; o roofmate é altamente inflamável, pelo que coloca em risco a segurança do prédio; as obras realizdas nas instalações elétricas não foram certificadas, constituindo num risco iminente de incêndio para o prédio.
Note-se que, no que tange a obras realizadas em  sótão, já se decidiu que não são de considerar inovações a construção de divisórias interiores sendo, pelo contrário, consideradas inovações a abertura de janelas laterais e de clarabóias ( cf.  RC de 26.4.2006, 405/06). É caso para dizer que as obras realizadas pela autora no sótão, além de não serem inovadoras nos termos do art. 1425º, nº1, beneficiaram mesmo tal parte comum, sendo feitas apenas a expensas da autora. Assim sendo, tais obras não careciam da autorização de 2/3 dos condóminos, sendo ainda certo que não está demonstrado que tais obras sejam suscetíveis de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das coisas comuns (nº7 do art. 1425º).
A eventual sujeição das obras ao licenciamento administrativo em nada colide com as regras da propriedade horizontal, nomeadamente com a necessidade de autorização dos demais condóminos, quando necessária – cf. RP de 21.10.2014,551/09.
A eventual sujeição das obras realizadas a licença administrativa, por se tratar de prédio sito em Zona de Proteção de Imóveis, Plano de Urbanização do Núcleo Histórico do Bairro Alto e Bica, ( cf. arts. 4º, nº2, al. d), 6º, nº1, a. C) e 6º-A, nº2, al. c) do RGEU), constitui matéria do foro administrativo, que não cabe aqui cuidar (cf. arts. 98º e 102º-B, do RGEU).
A situação atinente ao guincho requer uma análise separada.
Os factos relevantes são os seguintes:
18. A Autora colocou um guincho em frente ao acesso à sua casa, em 2001, sem autorização dos condóminos, com informação que seria utilizado para transportar as suas compras de mercearia, uma vez que o prédio não possui elevador.
19. O guincho foi fixado com uma viga estrutural em aço encastrada nas paredes de alvenaria da caixa da escada.
20. A Autora passou a utilizar a sua fração para alojamento local, a partir de 2016, sendo o guincho utilizado para transporte das malas de viagem dos seus clientes.
21. Em caso de transporte de malas de viagem no guincho, e não sendo as mesmas devidamente afixadas ao guincho, existe o risco de queda das mesmas, podendo magoar alguém que esteja a passar.
Argumenta a apelante que os apelados incorrem em abuso de direito ao deliberarem, agora, que a autora deve remover o guincho elétrico, quando o mesmo já existe há 18 anos, à vista de toda a gente, sem que tenha provocado reação negativa, o que só sucede neste momento porque a autora utiliza a sua fração para alojamento local.
Cremos que lhe assiste razão.
Diz-se suppressio a situação do direito que, não tendo sido, em certas circunstâncias, exercido durante um determinado lapso de tempo, não possa mais sê-lo por, de outra forma, se contrariar o princípio da boa fé consagrada no Art. 762º do Código Civil - neste sentido, Menezes Cordeiro, Da boa fé no Direito Civil, II Vol., p. 797.
Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2012, pp. 239-240, afirma que a suppressio é um subtipo do venire contra factum proprium, traduzindo «o comportamento contraditório do titular do direito que o vem exercer depois de uma prolongada abstenção. A abstenção prolongada no exercício de um direito, pode, em certas circunstâncias, suscitar uma expetativa legítima e razoável de que o seu titular o não irá exercer ou que haja renunciado ao próprio direito, ao exercício de algum dos poderes que o integram, ou a certo modo do seu exercício. Esta expectativa é atendível quando a sua criação seja imputável ao titular do direito e resulte de uma situação de confiança que seja justificada e razoável.»
Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, V Vol., 2011, p. 237, afirma que o papel indireto da supressio é o de complementar a área tradicional da prescrição e da caducidade, aperfeiçoando-a e diferenciando-a. Analisando este instituto, afirma o mesmo autor:
«O quantum de tempo necessário para concretizar a suppressio varia. Podemos, todavia, marcar balizas: será inferior ao da prescrição, ou a suppressio perderá utilidade; além disso, equivalerá àquele período decorrido o qual, segundo o sentir comum prudentemente interpretado pelo juiz, já não será de esperar o exercício do direito atingido.
Os indícios objetivos que complementam o decurso do prazo relacionam-se com a posição do titular atingido: este não deve surgir como impedido patentemente de atuar mas, antes, como pessoa consciente que, podendo fazê-lo, não aja.
A suppressio é apresentada como um instituto totalmente objetivo; não requer qualquer culpa do titular atingido, mas penas o facto da sua inação.
Considera-se a suppressio prejudicada pelos fatores voluntários que, nos termos a lei, interrompam ou suspendam a rescrição ou a caducidade: tais factos vêm destruir, por definição, a ideia de que o direito não mais será exercido.
Finalmente: a suppressio é entendida como um remédio subsidiário: acode a situações extraordinárias, que não encontrem saída perante os remédios normais [p. 322].
(…)
Por fim, a suppressio, justamente por não dispor da precisão facultada pelo factum proprium, vai requerer circunstâncias colaterais que melhor alicercem a confiança do beneficiário. Em suma, teremos de compor um modelo de decisão, destinado a proteger a confiança de um beneficiário, com as proposições seguintes:
-Um não-exercício prolongado;
-Uma situação de confiança;
-Uma justificação para essa confiança;
- Um investimento de confiança;
-A imputação da confiança ao não-exercente.
O não exercício prolongado estará na base quer da situação de confiança, quer da justificação para ela. Ele deverá, para ser relevante, reunir elementos circundantes que permitam a uma pessoa normal, colocada na posição do beneficiário concreto, desenvolver a crença legítima de que a posição em causa não mais será exercida. O investimento de confiança traduzirá o facto de, mercê da confiança criada, o beneficiário não dever ser desamparado, sob pena de sofrer danos dificilmente reparáveis ou compensáveis. Finalmente: tudo isso será imputável ao não exercente, no sentido de ser social e eticamente explicável pela sua inação. Não se exige culpa: apenas uma imputação razoavelmente objetiva [pp. 323-324].»
A jurisprudência tem afirmado que, para sedimentar a confiança é necessário o decurso de um prazo de, por exemplo, de sete anos (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.1.2008, Ezaguy Martins, 10615/2007) ou de dez anos (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9.12.2014, Gouveia Barros, 414/12).
Ora, no caso em apreço, o guincho está instalado pela autora desde 2001, fazendo sentido a sua instalação num prédio sem elevador, tratando-se de um quarto andar. É certo que a instalação do mesmo demandava autorização dos demais condóminos, nos termos do art. 1425º, nº1, do CC, e que a mesma não foi obtida.
Porém, o longo período de inação dos condóminos gerou a confiança justificada da autora de que a utilização do guincho era pacífica, sendo divisável um investimento de confiança por parte da autora a partir do momento em que a autora passou a utilizar a fração como alojamento local, contexto em que a utilização do guincho ganhou maior centralidade.
A eventualidade da queda de uma mala de viagem (facto 21) não prejudica a utilização, pelos demais condóminos, das partes comuns (cf. art. 1425º, nº7, do CC). Trata-se de um risco de ocorrência muito invulgar, que em nada difere do risco social de, por exemplo, queda de um objeto de uma varanda sobre um comum transeunte. De todo o modo, é um risco que pode ser eliminado com a tomada das devidas precauções.
Termos em que se conclui que a pretensão dos réus em obrigar a autora a retirar o guincho está neutralizada pelo abuso de direito na modalidade da supressio.

DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, revoga-se o dispositivo da alínea b) da sentença, julgando-se a reconvenção totalmente improcedente.
Custas pela apelante e pelos apelados na vertente de custas de parte na proporção de 2/3 e 1/3, respetivamente (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil).

Lisboa, 8.10.2019
Luís Filipe Sousa
Carla Câmara
Higina Castelo
                                            

[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, da Relação de Lisboa de 22.1.2019, José Capacete, 15420/18.
[3] Redação alterada segundo decisão infra. Redação anterior: « 22.       As malas de viagem, ao serem transportadas pelo guincho balançam e vão batendo na caixa das escadas, provocando estragos, além de existir o risco de poderem cair e magoar alguém que esteja a passar.»