Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
67/21.8SXLSB.L1-3
Relator: ALFREDO COSTA
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
NAMORO
APRECIAÇÃO DA PROVA
IN DUBIO PRO REO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/10/2024
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: – O Tribunal de recurso não pode pôr em causa a valoração da prova efectuada em 1ª Instância, nem estabelecer qualquer censura por dar prevalência a um elemento de prova em detrimento de outro, salvo se apurar um erro de julgamento no quadro da prova produzida e esta impuser uma factologia diferente.

– A contradição ou divergência de depoimentos/declarações não significa necessariamente um non liquet em matéria de facto;

– O namoro é uma fase do relacionamento amoroso para conhecer o outro, e não um fim em si, de comunhão de vida, que é própria do casamento ou da união de facto. É uma fase transitória que, com frequência acaba no rompimento amoroso, por as expectativas de um ou ambos os namorados não serem aquelas que esperavam.

– O namoro será, hoje, um relacionamento entre duas pessoas que se atraem física e psicologicamente e que, mesmo duradouro, é desprovido de vínculo de natureza familiar, embora possa se encaminhar para tanto.

– No namoro existem relações sentimentais, afetivas, íntimas e tendencialmente estáveis ou duradouras, que ultrapassam a mera amizade ou relações fortuitas; mas já não será de exigir o projeto futuro de vida em comum, posto que as relações de namoro não preenchem nem têm, em princípio, a pretensão de preencher todas as características associadas à conjugalidade, como seja este futuro de vida em comum (que pode vir a ocorrer, mas que ainda não é conjeturado no início ou meio da relação).

– Existindo uma relação de namoro com estas características, será ainda fundamental para o preenchimento do ilícito que seja exercido pelo agente um comportamento violento sobre a vítima, assente em relações de dominação e de força, que deixe a vítima numa situação de fragilidade e dependência, de tal forma que a sua capacidade de resistência fica diminuída.”.


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa



I–RELATÓRIO


1.1.–Por sentença proferida em 13.07.2023, no processo comum singular nº 67/21.8SXLSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - JL Criminal - Juiz 5, em que é arguido AA, no segmento que ora nos importa, foi decidido: (transcrição)
(…)
A)-Condeno o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, numa pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, não se aplicando qualquer sanção acessória a que alude o artigo 152.º, números 4 e 5, do Código Penal.
B)- Condeno o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, numa pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
C)-Em cúmulo jurídico pelas penas referidas em A) e B), condeno o arguido AA numa pena única de 2 (dois) anos de prisão, suspendendo-se a pena de 2 (dois) anos de prisão pelo período de 3 (três) anos, subordinando-a a regime de prova, não se aplicando qualquer sanção acessória a que alude o artigo 152.º, números 4 e 5, do Código Penal.
D)-Arbitra-se o pagamento pelo arguido AA a BB de indemnização pelo montante de €600 (seiscentos euros) ao abrigo do disposto no artigo 21.º, n.º 2, da Lei n.º 112/2009, de ....
E)-Condeno o arguido AA no pagamento das custas processuais criminais, fixando a taxa de justiça em três unidades de conta.
(…)
*

1.2.–O arguido interpôs recurso tendo, para esse efeito, formulado as seguintes conclusões: (transcrição)
(…)
A)-Vem o presente recurso interposto da sentença que condenou o ora Recorrente a uma pena unitária de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos.
B)-O Recorrente vinha acusado da prática de um crime de roubo e de um crime de violência doméstica, porquanto, manteve com a testemunha BB uma relação afectiva entre ... e ....
C)-Da factualidade efectivamente apurada, resultou que no dia 15.02.2021, o Recorrente convidou a testemunha a acompanhá-lo num passeio no ..., a testemunha informou-o que não poderia porque iria estar com o seu avô, tendo o Recorrente então informado que iria realizar esse passeio com o seu colega de casa e amigo.
D)-Pelas 18:15H, já no ..., o Recorrente viu a testemunha BB acompanhada por um homem e aparentavam evidente intimidade, conforme explicado pelo próprio entre os minutos 26:39 e 28:37 das declarações do arguido (ficheiro áudio Diligencia_67-21.8SXLSB_2023-06-06_10-47-32).
E)-Transtornado, o Recorrente imediatamente terminou o relacionamento com a Ofendida.
F)-Conforme explicado pelo Recorrente em sede de audiência de julgamento e confirmado pela Ofendida, enquanto esta estava sentada no chão, o Recorrente pegou na mala daquela, que estava pousada no chão, retirou do interior o telemóvel que comprara à Recorrente, largou a mala à vista de BB e foi embora, acompanhado pelo colega de casa.
G)-Confrontado com aquela situação, o Recorrente, em choque, quis apenas afastar-se da Ofendida e isolar-se casa, profundamente magoado.
H)-Nesse mesmo dia, enquanto o Recorrente estava em casa, foi detido por agentes da autoridade que aí se deslocaram, que lhe pediram a entrega do telemóvel que fora retirado do interior da mala da testemunha, bem como o telemóvel pessoal do Recorrente.
I)-Só no dia seguinte, após leitura da acusação, veio o Recorrente tomar conhecimento de que era acusado pela prática do crime de violência doméstica e roubo, na sequência do episódio decorrido no dia anterior, no ....
J)-No caso sub judice não estão verificados os elementos objectivos do tipo de crime de roubo, nem do crime violência doméstica.
K)-O tribunal a quo condenou o Recorrente infundadamente, se como se vem verificando sistematicamente nas acusações por violência doméstica, em que a problemática do femicídio e a elementar e meritória protecção das mulheres em contexto de violência doméstica, veio resultar o extremo oposto em que a mera acusação equivale a uma condenação automática – “à cautela” -, ficando o Ministério Público dispensado da prova que sustenta a acusação formulada.
L)-O tribunal a quo considerou erradamente como Provados os Factos constantes dos Pontos C), D), E), G), H), K), M), N) e P).
M)-No que se refere ao Ponto C) terá o mesmo de ser forçosamente considerado como Não Provado por ausência de prova concludente a este respeito, por não ter resultado dos meios de prova supra aduzidos que esta factualidade corresponda à verdade.
N)-O Ministério Público na sua acusação não especifica datas, locais, circunstâncias concretas da prática de quaisquer actos idênticos pelo Recorrente. A própria Ofendida limitou-se a “confirmar” esse facto constante da acusação, sem ter trazido quaisquer pormenores ou detalhes que permitissem aferir a veracidade da ocorrência de qualquer episódio de agressão conforme descrito na acusação.
O)-Cabia ao próprio tribunal a quo rejeitar os termos constantes da acusação no que se refere ao Ponto C), por não cumprirem quaisquer critérios legais que admitam sequer a sua prova, por inexistência de densificação.
P)-Do depoimento da Ofendida foi evidente a hesitação desta na descrição de factos, os poucos pormenores em que o seu depoimento teve alguma fluidez foram a excepção e não a regra no depoimento daquela. É notório que o discurso careceu de espontaneidade em vários momentos, alicerçando-se a Ofendida na acusação que lhe era lida, bastando-se a confirmar após a leitura dos mesmos.
Q)-Por exemplo, a Ofendida não conseguia localizar no tempo a relação com o Recorrente, nem por referência à pandemia, conforme excerto entre os minutos 0:58 e 03:30 do depoimento da Ofendida (ficheiro áudio Diligencia_67-21.8SXLSB_2023-06-06_11-31-08), em que o tribunal a quo “oferece a resposta” à Ofendida, conduzindo-a a afirmar que os factos decorreram em Fevereiro de 2021.
R)-Aliás, analisando a Fundamentação da matéria de facto da sentença recorrida, é possível verificar que o tribunal a quo sustenta a sua “opinião” quanto ao depoimento da Ofendida, que o tribunal a quo caracterizou como “peremptória”, “usando de firmeza”, “depoimento espontâneo e firme”, “isenção”, numa evidente tentativa de branquear a falta de coerência no discurso da Ofendida, e que foi evidenciado em sede de alegações finais pela Defesa.
S)-Atenta a falta de densificação e concretização dos factos descrito no Ponto C) e a ausência de prova corroborante, é forçoso concluir que os mesmos são totalmente desprovidos de relevância penal, bem como não foram corroborados por qualquer outro meio de prova – de resto, a testemunha CC, companheiro de casa do Arguido e com quem o casal convivia, afirmou nunca ter assistido a qualquer discussão ou agressão entre o casal – tendo sido essa a única prova produzida relativamente à dinâmica do ex-casal, pelo que se impõe obrigatoriamente concluir que este facto resultou Não Provado.
T)-No que se refere ao Ponto D) deverá o mesmo ser igualmente considerado como Não Provado, porquanto, o telemóvel do Arguido foi entregue à ordem do processo e submetido a perícia pelas autoridades competentes.
U)-Ora, o envio de mensagens de cariz ameaçador, conforme descrito na acusação e considerado como Provado pela sentença recorrida, teria NECESSARIAMENTE de ser confirmado pelas perícias realizadas ao telemóvel do Arguido. O que não se verificou.
V)-A acusação especifica que o Arguido enviou à Ofendida mensagens escritas ameaçando-a que exporia fotografias de cariz sexual desta, caso esta não reatasse a relação consigo. É inadmissível que o tribunal a quo, em boa consciência e brio profissional, considere provado este facto, quando as perícias ao telemóvel do Arguido não confirmam o envio de quaisquer mensagens escritas com aquele teor, sendo este o único meio adequado a sustentar a acusação do Ministério Público.
W)-Nomeadamente quando confrontada essa informação com as declarações prestadas pela Ofendida constante do Aditamento n.º 11, de ........2023, ao que tem em anexo a 2.ª Reavaliação (Ficha RVD-2L) realizada pela Polícia de Segurança Pública à Ofendida, em que a Ofendida diz que nunca sofreu ameaças por parte do Recorrente.
X)-Na Fundamentação da matéria de facto, a sentença recorrida sustenta que “Usando de firmeza, BB referiu que em Janeiro de 2021 tomou iniciativa de terminar o relacionamento, tendo o arguido contactado a mesma quer por mensagens quer por telefonemas (utilizando diversos números para o efeito), perguntando à mesma “onde estás” e apelidando-a de “puta”.
Y)-Ora, este elemento não foi confirmado pelas provas periciais realizadas ao telemóvel do Recorrente, não foi confirmado pela prova testemunhal, nem sequer essas mensagens alegadamente recebidas pela Ofendida constam em qualquer elemento de prova nos autos.
Z)-Mesmo existindo mensagens remetidas “utilizando diversos números para o efeito” não foi provada a autoria material do seu envio pelo Recorrente!
AA)-A decisão de considerar este facto como provado aparenta exonerar o Ministério Público do ónus probatório que sobre aquele recai, quando formula uma acusação.
BB)-No ordenamento jurídico-penal português ainda prevalece – em teoria – o princípio in dubio pro reo, que se traduz numa presunção de inocência, impondo ao juiz que o non liquet da prova seja resolvido a favor do Arguido, conforme consagrado no art.º 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
CC)-No entanto, o que assistimos na situação sub judice, é um confronto de versões dos acontecimentos, sem sustentação em quaisquer outros elementos probatórios documentais ou periciais, apesar de as diligências complementares terem sido efectivamente realizadas, em que na ausência de prova, decidiu-se contra o aqui Recorrente, condenando-o.
DD)-No fundo, ocorreu uma efectiva inversão do ónus da prova e perpetrou-se uma violação dos direitos constitucionalmente consagrados do Recorrente, de presunção de inocência até prova em contrária, num aparente linchamento, que foi consequência directa e necessária da mera acusação formulada e juízos prejudiciais por parte do julgador, não resultantes da prova produzida.
EE)-Na ausência de corroboração dos factos pela demais prova testemunhal, documental e pericial, não se impunha um estado de incerteza, objectiva, razoável e intransponível, sobre a verificação, ou não, de determinado facto ou complexo factual para o julgador? É imperativo concluir que sim.
FF)-A dúvida razoável, na situação em apreço, é objectiva: não existe confirmação dos factos deduzidos na acusação pela restante prova obtida.
GG)- Não há lugar a juízo de mérito pelo tribunal a quo perante semelhante a ausência de prova, que competia ao Ministério Público produzir.
HH)-Assim, deverá ser o Ponto D) considerado como Não Provado.
II)-No que concerne ao Ponto E), resultava da acusação que: “é melhor não me apareceres à frente senão não sabes o que vai acontecer a ti e à tua família e ao teu novo namorado, és uma puta, tu não prestas para nada, ninguém te quer nem com 100 anos devido ao teu feitio, só estás comigo para teres dinheiro e comida.”
JJ)-Tendo o tribunal a quo considerado erradamente como provado que o Recorrente enviara mensagens escritas à Ofendida dizendo “és uma puta”.
KK)-O que causa alguma estranheza.
LL)-Reitera-se que o telemóvel pessoal do Recorrente foi entregue às autoridades e submetido a perícias, tendo as autoridades logrado obter acesso à informação constante no aparelho de telecomunicações, nomeadamente mensagens escritas enviadas pelo Recorrente.
MM)-O envio de mensagens pelo Recorrente à Ofendida não foi confirmado pela prova pericial, testemunhal ou documental.
NN)-Questionando-se assim, como é que o tribunal a quo considerou esse facto como provado?
OO)-Não basta a mera confirmação da acusação lida em audiência de julgamento para produzir prova, nomeadamente quando o Recorrente negou totalmente esses factos.
PP)-É incompreensível que o tribunal a quo considerasse provado que o Recorrente enviou mensagens escritas – plural! – dizendo “és uma puta”, mas exclui da prova as demais ofensas e ameaças que constavam da acusação, quando nem a própria Ofendida logrou especificar qualquer episódio concreto de supostas ofensas.
QQ)-O telemóvel que o Recorrente comprara (conforme comprovativo e pagamento junto aos autos, como Documento n.º 1 com o requerimento do dia ........2023, com a Ref.ª 45765406) e que estava a ser utilizado pela Ofendida, que fora subtraído da mala da Ofendida na data dos factos, estava a ser pago pelo Recorrente em 10 (dez) prestações mensais, como consta da factura supra referida.
RR)-Consequentemente, e conforme explicado pelo Recorrente em audiência de discussão e julgamento, uma vez que ainda estava a efectuar o pagamento das prestações relativas à aquisição do aparelho, após o fim da relação, pretendeu reaver o telemóvel e vendê-lo, reduzindo assim o seu prejuízo financeiro.
SS)-Razão pela qual efectuou o designado hard reset, restituindo o aparelho às suas configurações de fabrico e eliminando todo o conteúdo no aparelho, de forma a poder vender o telemóvel e recuperar parte do dinheiro despendido.
TT)-Consequentemente, as perícias ao telemóvel referido não lograram extrair daí qualquer elemento de prova,
UU)-Nomeadamente, não se provou que a Ofendida haja recebido quaisquer mensagens escritas ou chamadas telefónicas, quer do Recorrente, quer de terceiros.
VV)-Na sua Fundamentação da matéria de facto, o tribunal a quo refere simplesmente que “BB confirmou o teor de E), sendo que o demais conteúdo que mencionou, embora tenha aludido a “ofensas e ameças”, não o referiu em conformidade com o constante da acusação”.
WW)-Salvo melhor opinião, os conceitos de “prova” ou “ónus e prova” foram ignorados pelo tribunal a quo, dando infundadamente prevalência à tese do Ministério Público, num evidente tratamento discriminatório e lesivo dos direitos constitucionalmente consagrados do Recorrente.
XX)-Independentemente da (falsa) espontaneidade que o tribunal a quo atribuiu à Ofendida, é facto tangível que foram obtidos e juntos aos autos outros meios de prova e nenhum deles foi considerado ou mencionado para efeitos de prolação de sentença, o que significa, mutatis mutandis, que não foram relevados esses meios de prova porque não corroboravam a tese sustentada pelo Ministério Público e o tribunal a quo fez tabua rasa de todos os elementos de prova que confirmavam a versão do Recorrente. E assim, alicerçando-se unicamente nas palavras da Ofendida, tribunal a quo condenou o Recorrente pela prática de um crime de extrema gravidade, a uma pena de prisão suspensa na sua execução, dispensando o Ministério Público do ónus da prova que sobre aquela magistratura recaía.
YY)-A Ofendida nem tão pouco conseguiu dizer se à data dos factos já existia ou não crise pandémica.
ZZ)-O tribunal a quo escolheu dar relevância somente à versão dos factos apresentada pela Ofendida, mesmo quando não era corroborada por qualquer outro meio de prova.
AAA)-Rejeitando todas as declarações prestadas pelo Recorrente.
BBB)-A convicção alcançada pelo tribunal a quo não é consequência directa e necessária da prova produzida, pelo que o Ponto E) deverá necessariamente ser considerado como Não Provado.
CCC)-No que concerne ao Ponto G), sublinha-se que aquando da descrição dos factos ocorridos no dia ........2021, a Ofendida explicou que quando o Recorrente a viu acompanhada por outro homem, no ..., pegou-lhe no braço para que esta o acompanhasse.
DDD)-A Ofendida nunca referiu o uso de força, não se queixou de dor, não mencionou agressividade ou recurso a violência por parte do Recorrente.
EEE)-Só mediante insistência do tribunal a quo e após leitura dos factos constantes da acusação é que a Ofendida alterou a sua versão, passando a referir que quando o Recorrente lhe pegara no braço, de imediato tentou retirar-lhe o relógio, conforme excerto entre 22:50 e 24:00 das declarações da Ofendida (ficheiro áudio Diligencia_67-21.8SXLSB_2023-06-06_11-31-08).
FFF)-Ora, sucede que a interacção entre o Recorrente e a Ofendida foi captada por imagens de videovigilância existentes no local.
GGG)-O facto constante no Ponto G) não foi confirmado com recurso a essas imagens.
HHH)-A Ofendida só se recordou da suposta tentativa de subtracção do relógio após insistência do tribunal.
III)-O Recorrente negou ter tentado tirar o relógio do pulso da Ofendida, apesar de ter confirmado que pegou na mala da Ofendida e do seu interior retirou o telemóvel que lhe comprara.
JJJ)-Apesar da divergência nas versões apresentadas pela Ofendida e pelo Recorrente, seria natural o recurso às imagens de videovigilância para prova dos factos. O que não se verificou, conforme análise do Fundamento da matéria de facto, em que o tribunal a quo confirma que baseou a sua convicção quanto aos Factos F) a L) e M) a R) no auto de notícia, auto de denúncia, auto de apreensão, auto de exame e avaliação, termo de entrega do telemóvel, relatório forense “com as declarações produzidas pelo arguido e pelas testemunhas BB e DD” (este último era um dos agentes da PSP que se deslocou à residência do Recorrente e a quem o Recorrente entregou o telemóvel).
KKK)-Novamente, o tribunal a quo insistiu com a Ofendida até esta adaptar a versão dos eventos inicialmente apresentada na audiência de julgamento para melhor “encaixar” nos factos constantes da acusação.
LLL)-Consequentemente, por existirem meios de prova que permitiriam confirmar as versões apresentadas e que foram totalmente ignorados pelo tribunal a quo, deverá ser o Ponto G) dos Factos Provados considerado como Não Provado.
MMM)-Entrando no Ponto H), cumpre esclarecer que nas suas declarações, o Recorrente - que não é cidadão nacional, não é jurista e não conhece os elementos objectivos dos vários tipos de crime em Portugal – admitiu que quando viu a Ofendida sentada no chão, acompanhada por outro indivíduo do sexo masculino e tendo esta recusado acompanhá-lo, o Recorrente pegou na mala que estava pousada no chão, sem estar em contacto com o corpo da Ofendida, retirou do interior o telemóvel que comprara para utilização da Ofendida, largou a mala e abandonou o local.
NNN)-Este facto foi CONFIRMADO PELA OFENDIDA. Nas suas declarações, a Ofendida confirmou que estava sentada na relva e a mala estava pousada no chão do lado esquerdo e que viu o Recorrente “agarrar na mala” (não mencionou “puxar”, nem que a mala estava em contacto com o seu corpo), dar dois passos para trás, afastar-se uns metros, retirar do seu interior o telemóvel, largar a mala no chão, indo embora de seguida, conforme excerto do depoimento da Ofendida entre 24:30 e 25:40 (ficheiro áudio Diligencia_67-21.8SXLSB_2023-06-06_11-31-08).
OOO)-Em momento algum a Ofendida referiu que o Recorrente “puxou a mala com força e logrou retirá-la das mãos da depoente”.
PPP)-Novamente, o tribunal a quo poderia ter feito uso das imagens de videovigilância para apurar factualmente a dinâmica do episódio, mas não o fez.
QQQ)-O tribunal limitou-se a aceitar como verdade cabal todos os factos constantes da acusação.
RRR)-Entre 27:00 e 27:07, a Ofendida refere que o Recorrente lhe oferecera o telemóvel retirado do interior da sua mala como “prenda de Natal”, porém a cópia da factura de aquisição do equipamento móvel junto como aos autos como Documento n.º 1 com o requerimento do dia ........2023 (Ref.ª 45765406), demonstra que o mesmo foi adquirido a ........2020, dois meses antes da época natalícia.
SSS)-Portanto, as incongruências na versão dos factos fornecida pela Ofendida são demasiado evidentes para que todas as suas declarações possam ser consideradas “prova mais que bastante”.
TTT)-Apesar da latitude ao dispor do julgador na apreciação dos factos, a convicção para condenação pela prática de um crime tão gravoso jamais pode resultar de um simples confronto de versões, nomeadamente quando existem meios de prova que permitiriam concluir pela inocência do Recorrente e que foram ignorados pelo tribunal a quo, resultando assim num julgamento sumário, cuja decisão fora tomada ainda antes da produção de prova, razão pela qual existe uma desconformidade abismal entre a versão da Ofendida e a demais prova junta aos autos, tendo mesmo assim conduzido ao juízo de culpa do Recorrente.
UUU)-Assim, é entendimento do Recorrente que também o facto constante do Ponto H) deverá ser considerado como Não Provado.
VVV)-No que concerne aos Pontos K), M) e P), novamente não são confirmados por qualquer outro meio de prova – sublinhando-se que a testemunha EE estava presente no momento da prática dos factos, mas o tribunal nunca logrou notificá-lo para comparecer em audiência de discussão e julgamento -, existem imagens e videovigilância do local onde decorreram os factos que o tribunal a quo escolheu ignorar.
WWW)-Assim, na ausência de elementos de prova que permitam sustentar a decisão da sentença recorrida de considerar os Factos K), M) e P) como provados deverão ser os mesmos considerados como Não Provados.
XXX)-Os mesmos factos foram presenciados pela testemunha FF, companheiro de casa do Recorrente, que por ter regressado ao seu país natal requereu que o seu depoimento decorresse através de videoconferência.
YYY)-Na primeira data da audiência de discussão e julgamento não foi possível estabelecer a ligação porque a diligência teve início com 1H30 de atraso e a testemunha não foi informada.
ZZZ)-Na segunda data da audiência de discussão e julgamento, após estabelecida a ligação, o tribunal informou que o depoimento da testemunha FF por “Webex” estava a causar eco e tal situação seria um obstáculo para a gravação, o Recorrente requereu a audição da testemunha através da aplicação “Whatsapp”, o tribunal a quo indeferiu, recusou-se a designar nova data para audição da testemunha através de videoconferência e apresentou um ultimato: ou a Defesa prescindia da testemunha ou a testemunha teria de deslocar-se a ... para prestar o seu depoimento.
AAAA)-O problema no sistema de videoconferência do próprio tribunal prejudicou intensamente a defesa do Recorrente e foi agravado pelo tribunal a quo, que não pretendeu ouvir a testemunha FF – que presenciara os factos -, nem tão pouco descobrir a verdade material.
BBBB)-Os direito de defesa do Recorrente constitucionalmente consagrados foram violados pelo tribunal a quo.
CCCC)-A condenação do Recorrente assemelhou-se mais a uma vendetta privada contra o Recorrente, decorrente da acusação pela prática de crime de violência doméstica e não pela veracidade das alegações.
DDDD)-A questão da espontaneidade (ou falta dela) por parte da Ofendida reconduz-se aos pormenores que permitem ou não concluir que os factos praticados pelo Recorrente preenchem os elementos dos tipos de crime de que vem acusado: roubo e violência doméstica.
EEEE)-É entendimento do Recorrente que, apesar de a sua conduta ser merecedora de censura, é inocente da prática do crime de violência doméstica, e quanto ao episódio relativo ao telemóvel subtraído do interior da mala a sua conduta poderia eventualmente configurar a prática de um crime de furto, mas nunca de roubo.
FFFF)-Acredita o Recorrente, que os factos descritos na acusação foram “embelezados” e extrapolados relativamente aos verdadeiros eventos do dia ........2023, de forma a lograr uma condenação pela prática de crimes mais gravosos do que aqueles a que a sua conduta efectivamente se subsumiria.
GGGG)-Daí que assuma extrema relevância a sindicância da decisão do tribunal a quo sobre os factos erradamente considerados como Provados.
HHHH)-Perante a divergência entre versões, perante a hesitação, falta de fluidez e espontaneidade no depoimento da Ofendida e perante a falta de corroboração da versão da Ofendida pelos demais meios de prova existentes (perícias, imagens de videovigilância e testemunhas), o tribunal a quo sentiu necessidade de atribuir peso excessivo ao depoimento da Ofendida para lograr obter uma condenação.
IIII)-Ficando assim justificado o recurso aos adjectivos erradamente atribuídos ao depoimento da Ofendida.
JJJJ)-Começando pelo crime de violência doméstica, tipificado no art.º 152.º do Código Penal, este tem como elementos constitutivos do tipo:
KKKK)-O elemento objectivo – A inflicção de maus-tratos físicos ou psíquicos ao cônjuge ou ao ex-cônjuge (ou análogos); O elementos subjectivo – O dolo, o conhecimento e vontade de praticar o facto, com consciência da sua censurabilidade.
LLLL)-À falta de definição legal do conceito de “maus-tratos” factos praticados, para aferir se os actos em causa, isolados ou reiterados, integrarão este tipo legal de crime, é necessário apurar se, apreciados à luz do circunstancialismo concreto da vida familiar e repercussão sobre a mesma, se pode extrair daí um quadro de degradação da dignidade de um dos elementos (a vítima), incompatível com a dignidade e liberdade pessoais inerentes ao ser humano.
MMMM)-Conforme resulta do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc.º 3/17.6GCIDN.C1: “A qualificação de uma determinada acção como mau trato não depende da sua aptidão para preencher um outro tipo de ilícito, da mesma forma que a aptidão de uma determinada acção para preencher o conceito de mau trato não significa, sem mais, a verificação do «crime de violência doméstica, tudo dependendo da respectiva situação ambiente e da imagem global do facto» (GG, A tutela penal especial reforçada da violência doméstica, Julgar, nº 12 Especial, ..., pág. 19).”
NNNN)-Para caracterizar uma particular fragilidade da vítima, não basta sequer a coabitação com o agente, nem mesmo que o ofendido se encontre numa das circunstâncias tidas em vista pela norma (idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica do agente). É também indispensável que, perante os factos dados como provados, se possa concluir que a vítima era uma pessoa particularmente indefesa, por se encontrar numa situação de particular vulnerabilidade e de especial incapacidade de reação relativamente às investidas do agente.
OOOO)-Ora resulta do Factos Provados (Ponto A) dos Factos Provados) que o Recorrente e a testemunha não coabitavam, a testemunha tinha emprego como lojista e rendimentos próprios e nunca houve qualquer tipo de agressão física do Recorrente à Ofendida.
PPPP)-A testemunha HH, companheiro de casa do Recorrente, e com quem conviviam enquanto casal, afirmou nunca ter assistido a qualquer discussão entre o casal, nem mesmo qualquer situação em que fosse demonstrada agressividade por parte de nenhum deles, nem evidenciou que a relação entre o ex-casal fosse especialmente contenciosa.
QQQQ)-Não houve qualquer testemunha, documento ou elemento de prova que corroborasse a posição da suposta vítima, apesar de existirem testemunhas, perícias aos aparelhos electrónicos e imagens de videovigilância.
RRRR)-Esta acusação nasce de um contexto em que o Recorrente, transtornado pelo facto de a sua namorada se fazer acompanhar por outro indivíduo do género masculino quando lhe dissera que iria estar com o avô, teve uma reacção emotiva, conforme explicado pelo próprio entre os minutos 26:39 e 28:37 das declarações do arguido (ficheiro áudio Diligencia_67-21.8SXLSB_2023-06-06_10-47-32).
SSSS)-Ainda que a conduta do Recorrente fosse passível de configurar a prática do crime de furto (relativamente ao telemóvel que oferecera à Ofendida), que foi grandemente exagerado pelo Ministério Público de forma a “forçar” uma acusação por violência doméstica, cuja prova cabal foi totalmente dispensada pelo tribunal a quo, numa clara lesão dos direitos de defesa constitucionalmente consagrados do Recorrente.
TTTT)-Para que ocorra condenação pela prática do crime de violência doméstica é exigida a prova de especial ofensa da dignidade humana, daí que o decisivo para a verificação do tipo seja a configuração global de desrespeito pela dignidade da pessoa da vítima que resulta do comportamento do agente, normalmente assente numa posição de domínio e controlo.
UUUU)-Não foi demonstrada uma posição de domínio e controlo do Recorrente sobre a Ofendida, porque nunca existiu: não existia coabitação, não existia dependência económica, não existia particular fragilidade, não existiram agressões físicas, psicológicas ou sexuais.
VVVV)-Existiu um único episódio, em que, como retaliação, o Recorrente pretendeu recuperar um objecto que cedera à sua então namorada e, atento o fim da relação, decidiu recuperar o objecto e vendê-lo, reduzindo as suas perdas.
WWWW)-Porventura, tal comportamento não reflecte uma atitude de cavalheirismo e etiqueta, mas não configura a prática de um crime punível pelo ordenamento penal português.
XXXX)-Em suma, não resultam provados os factos que permitiriam concluir pela verificação dos elementos do tipo de crime de violência doméstica.
YYYY)-Neste ponto, a apreciação é objectiva, não pode resultar de mera apreciação discricionária do julgador.
ZZZZ)-No que se refere à prática do crime de roubo, e que o tribunal a quo julgou provado - sem recurso aos demais meios de prova disponíveis e ignorando a descrição dos factos por parte da Ofendida, que confirmou que a sua mala estava pousada no chão quando o Recorrente a subtraiu -, existiriam porventura elementos suficientes para julgar e até condenar o Recorrente pela prática do crime de furto, mas não resulta provado o recurso ao uso de força para subtracção da mala da Ofendida, pelo que o Recorrente teria obrigatoriamente de ser absolvido da prática desse crime por não estarem verificados os elementos objectivos do tipo de crime.
AAAAA)-Reitera-se que no âmbito dos presentes autos foram obtido outros meios de prova, nomeadamente: as perícias ao telemóvel do Recorrente, imagens de videovigilância que captaram o sucedido entre o Recorrente e a Ofendida, no dia ........2023, no ..., porém o tribunal a quo “descartou” todos esses meios de prova porque não corroboravam a tese do Ministério Público, limitando-se a condicionar o depoimento da Ofendida em audiência até este coincidir com os factos descritos na acusação, considerando assim feita toda a prova de que carecia para condenar o Recorrente pela prática dos crimes de violência doméstica e roubo.
BBBBB)-O que fez infundadamente.
CCCCC)-Por outro lado, mesmo que assim não se considerasse, a pena aplicada ao aqui Recorrente (de dois anos de prisão, suspensa por um período de três anos), é manifestamente desproporcional às circunstâncias específicas e completamente desajustada à finalidade da pena.
DDDDD)-Ao Recorrente foi aplicada a medida de proibição de contactos. O Recorrente nunca violou a medida aplicável e não mais teve contacto com a Ofendida, como de resto decorre do Aditamento n.º 11, de ........2023, ao qual foi anexo a 2.ª Reavaliação (Ficha RVD-2L) realizado pela Polícia de Segurança Pública à Ofendida e junto aos autos.
EEEEE)-Dessa reavaliação também resulta que o Recorrente nunca exerceu violência sexual sobre a vítima, que este nunca ameaçou a Ofendida, nunca a perseguiu, não é emocionalmente instável e acima de tudo que o Recorrente NÃO VIOLOU A ORDEM DE PROIBIÇÃO DE CONTACTOS.
FFFFF)-Esta informação foi prestada pela própria Ofendida perante as autoridades.
GGGGG)-O Recorrente não tem quaisquer antecedentes criminais.
HHHHH)-O Recorrente nunca foi acusado, nem é suspeito em quaisquer outros processos-crime, nomeadamente de roubo ou violência doméstica.
IIIII)-Apesar de no Ponto U) dos Factos Provados o tribunal a quo referir que o Recorrente não tem companheira e que reside sozinho, é também verdade que o Recorrente tem uma relação afectiva estável há mais de 1 (um) ano e teve outros relacionamentos desde a separação da Ofendida, sem que daí tivessem resultado quaisquer indícios/acusações relativamente à conduta do Recorrente.
JJJJJ)-O telemóvel que fora subtraído à Ofendida foi recuperado no próprio dia pelos agentes da autoridade e entregue àquela.
KKKKK)-Conjugados todos estes elementos, é possível concluir que as necessidades de prevenção especial são extremamente reduzidas e as de prevenção geral são absolutamente marginais.
LLLLL)-Consequentemente, e por mera cautela de patrocínio, ainda que se mantenha o juízo de culpabilidade do Recorrente quanto aos crimes de que foi acusado, a pena aplicada pelo tribunal a quo é manifestamente excessiva perante dúvida razoável que permanece no caso concreto, a aplicação de pena de multa seria bastante para reposição da confiança no ordenamento jurídico-penal e serviria de punição adequada face às finalidades de prevenção especial, considerando que cessaram totalmente os contactos entre o Recorrente e a Ofendida, desde que o tribunal o ordenou.
MMMMM)-Nunca prescindindo, porém, da posição de que não foi carreada para os autos qualquer prova que permita concluir pela prática de crimes enquadráveis com os crimes de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152.º do Código Penal, e de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º do Código Penal.
(…)
*

1.3.–Admitido o recurso, o M. P. apresentou a respectiva resposta onde ali rebateu os argumentos aduzidos pelo arguido e concluiu pela improcedência do recurso e a manutenção da sentença nos seus precisos termos.
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1.4.–Remetido o processo a este Tribunal da Relação, na vista a que se refere o art. 416º do CPP, a Sr.ª. Procuradora Geral Adjunta rebate os argumentos elencados no recurso, com excepção da temática ligada ao crime de roubo p. p. pelo art. 310º do CP, pois nesta parte entende dever ser dado provimento parcial ao recurso.

Assim, para o provimento parcial do recurso, a Srª Procuradora geral adjunta sustenta-se em três parâmetros:
A descrição espontânea e uso de força no que tange á descrição dos actos que integram o crime de roubo, particularmente a alegação de uso de força pelo arguido/recorrente. A ofendida descreveu o incidente em momentos diferentes, variando na menção ao uso de força. No seu entender, a questão técnica reside na determinação se houve "ânimo de usar a força" no ato inicial de pegar a mala, ou se a força foi uma resposta à resistência da ofendida.
A qualificação jurídica do crime no quadro em que a discussão segue para a qualificação do acto como furto ou roubo, centrando-se na interpretação do momento da subtracção da mala e subsequente uso de força. A distinção é relevante para a classificação do crime no âmbito do Código Penal Português (art. 211º), influenciando directamente a tipificação penal e a medida da sanção aplicável.
Caso se aceite a argumentação do arguido/recorrente, entende que seria necessária uma alteração não substancial dos factos, com implicações procedimentais específicas, incluindo a possível reabertura de audiência nos termos do art. 358º do Código de Processo Penal.
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1.5.–Cumprido o disposto no art.º 417.°, n.º 2, do C.P.P., o arguido/recorrente vem juntar resposta ao parecer, requerendo a realização da audiência prevista no artigo 411º, número 5 do Código Processo Penal para visualização de prova não produzida em audiência de julgamento da 1ª Instância.
Em tudo o mais, fundamenta-se em matéria já sustentada no recurso interposto.
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1.6.–Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
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II–Questão prévia

2.1.–Na resposta ao parecer o arguido/recorrente requerer a “realização de audiência, nos termos do art.º 411.º, n.º 5 do Código de Processo Penal, para visualização da prova não produzida em audiência de discussão e julgamento, mais concretamente das imagens de videovigilância constantes dos autos, captadas no ..., na local da prática dos factos, no dia ........2021”.
Como é sabido o legislador no DL 48/2007 de 29 Agosto consagrou a audiência no Tribunal de recurso como uma excepção e só a requerimento do recorrente, impondo para que a mesma se realize, os requisitos previstos no artº 411º nº 5 do C.P.P.
Assim, o artº 411º nº 5, do CPP, determina que: «No requerimento de interposição de recurso o recorrente pode requerer que se realize audiência, especificando os pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos».
Ou seja, é no requerimento de interposição do recurso que deve ser solicitada a realização da audiência, e não na resposta ao parecer, como é o caso, o que desde logo é fundamento para a sua não admissão.
Acresce dizer, ainda, que não fora tal entendimento, o requerido nunca poderia ser objecto de admissão porquanto não basta requerer a audiência, é, também, necessário que especifique os pontos de facto da motivação do recurso, que pretende ver debatidos, o que não ocorreu.
Pelo exposto indefere-se o requerido pelo recorrente quanto à realização da audiência e o presente recurso será julgado em conferência nos termos do artº 419º/3.
*

III–FUNDAMENTAÇÃO

3.1.–Do âmbito do recurso e das questões a decidir:
De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 do CPP e dos vícios previstos no art.º 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito1.
Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso e os limites dos poderes de apreciação e decisão do Tribunal Superior2.

Seguindo esta ordem lógica, no caso concreto, a ordem indicada pelo recorrente, as questões a apreciar são:
a.-Erro de julgamento da matéria de facto;
b.-Violação do princípio in dubio pro reo;
c.-Elementos do tipo da violência doméstica não tem suporte no quadro fáctico apurado;
d.-Da escolha e medida da pena.
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3.2.–Da sentença recorrida consta a seguinte matéria provada e não provada: (transcrição)
(…)

1.Factos Provados

Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento e com relevância para a decisão da causa, julgam-se provados os seguintes factos:
A)-BB e o arguido, residindo ela no concelho de Lisboa ele no de ..., mantiveram uma relação de namoro, sem coabitação, tendo a relação iniciado em Agosto de 2020 e terminado em data não concretamente apurada dos primeiros meses do ano de 2021.
B)-Durante a relação, por número não concretamente apurado de vezes, o arguido insistia em consultar o telemóvel de BB, dando origem a discussões.
C)-Durante as discussões o arguido desferia empurrões em BB e puxava-lhe os cabelos.
D)-Após o fim da relação, o arguido continuou a contactar BB com o propósito de reatarem a relação, dizendo-lhe que caso a mesma não aceitasse iria expor as fotos de cariz sexual de BB que o mesmo tinha na sua posse.
E)-O arguido enviou mensagens escritas a BB dizendo “és uma puta”.
F)-No dia ........2021, pelas 18h15m, no Passeio H..... M....., ..., concelho de Lisboa, BB encontrava-se acompanhada de um amigo, quando se aproximou o arguido dizendo “ela é minha namorada”.
G)-De imediato, o arguido agarrou o pulso esquerdo de BB tentando retirar-lhe o relógio de pulso.
H)-Não tendo conseguido retirar o relógio do pulso de BB, o arguido agarrou na carteira e puxou-a da mão de BB.
I)-Na posse da carteira o arguido abandonou o local.
J)-Após percorrer alguns metros o arguido parou, abriu a carteira, retirou do interior o telemóvel de BB, pousou a carteira no chão e abandonou o local apeado.
K)-Na mesma ocasião o arguido dirigindo-se a BB disse, por número não concretamente apurado de vezes, és uma puta.
L)-Pelas 19h30, na sua residência o arguido tinha na sua posse o seu telemóvel bem como o telemóvel que tinha subtraído a BB e do qual já tinha apagado todos os dados que BB nele inserira.
M)-Ao atingir o corpo de BB conforme descrito, o arguido sabia que a molestava fisicamente, e que lhe causava, como causou, dores e sofrimento, o que logrou.
N)-Ao actuar conforme o descrito, o arguido pretendeu ofender a honra e a consideração de BB, bem sabendo que a mesma havia sido sua namorada e que a devia respeitar enquanto pessoa e sua ex-namorada.
O)-O arguido agiu ainda com o propósito alcançado de fazer sua a carteira de mão e o telemóvel de BB, que se encontravam na posse da mesma, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que agia contra a vontade da mesma.
P)-Para concretizar os seus intentos o arguido quis e utilizou a força física, puxando a carteira que a ofendida segurava e desferindo uma pancada na mão para que BB a libertasse.
Q)-Bem sabia o arguido que devia a BB particular respeito e consideração, na qualidade de sua ex-namorada, e conhecia bem o perigo que a sua conduta representava para a saúde e equilíbrio físico e mental daquela, e que ao agir do modo descrito lhe condicionava gravemente a vida e bem-estar psico-social, ofendendo-lhe a respectiva dignidade humana, o que previu e quis.
R)-O arguido agiu livre, voluntaria e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
S)-O grau de risco atribuído à relação entre o arguido e BB é baixo.
T)-O arguido trabalha num call center auferindo, mensalmente, a quantia de cerca de €1.200.
U)-O arguido é solteiro e não tem companheira.
V)-O arguido tem dois filhos, com 13 ou 14 anos de idade e com 3 anos de idade, os quais residem com as respectivas progenitoras, não contribuindo o arguido com qualquer quantia a título de pensão de alimentos.
W)-O arguido reside sozinho em habitação arrendada, suportando, mensalmente, a quantia de €500.
X)-O arguido frequentou o sistema de ensino até ao 12.º ano de escolaridade.
Y)-O arguido não tem averbada qualquer condenação ao respectivo certificado do registo criminal.
*

2.–Factos não provados

1)-Que o arguido e BB tenham namorado apenas durante um mês.
2)-Que no momento descrito em B) o arguido também quisesse consultar o computador de BB.
3)-Que no momento descrito em D) o arguido também tenha referido vídeos.
4)-Que no momento descrito em E) o arguido também tenha remetido mensagens dizendo “é melhor não me apareceres à frente senão não sabes o que vai acontecer a ti e à tua família e ao teu novo namorado”, “tu não prestas para nada”, “ninguém te quer nem com 100 anos devido ao teu feitio”, “só estás comigo para teres dinheiro e comida”.
5)-Que no momento descrito em F) o arguido também tenha dito “vou divulgar os vídeos dela”.
6)-Que no momento descrito em H) o arguido tenha desferido uma pancada na mão de BB para que esta soltasse a carteira.
Não resultaram provados outros factos, sendo certo que não foi considerada matéria conclusiva, de direito ou sem qualquer relevância para a boa decisão da causa.
(…)
*

3.3.–Quanto à motivação da decisão de facto: (transcrição)
(…)
O tribunal estribou a sua convicção, no que concerne aos factos pelos quais o arguido vinha acusado, na prova documental constante dos autos e nas declarações produzidas pelo arguido e pelas testemunhas BB (manteve uma relação amorosa com o arguido entre Agosto de 2020 e o início do ano de 2021), DD (agente da Polícia de Segurança Pública), HH (residiu na mesma casa que o arguido entre Maio de 2020 e 2022) em audiência de discussão e julgamento.
A demonstração do facto descrito em A) resultou do teor das declarações produzidas pelo arguido, que referiu que o casal namorou pelo período de quase sete meses (pelo que o facto descrito em 1) não resultou demonstrado) entre Agosto de 2020 (aquando do aniversário do arguido) e Fevereiro de 2021, residindo o arguido na ... e BB em .... BB confirmou o período do relacionamento amoroso (que denominou de “romance” (sic)) que manteve com o arguido e as residências de cada um, corroborando as declarações do arguido sobre ser sempre BB quem pernoitava pontualmente na habitação do arguido não acontecendo o inverso.
Relativamente à factualidade descrita em B) a R) o arguido negou-a, mencionando que BB nunca trazia o respectivo computador para a sua habitação, acrescentando que era BB quem procedia para consigo conforme referido em C) e por ser muito ciumenta, tendo chegado a estar trancada na casa-de-banho pelo período de duas horas a consultar o telemóvel do arguido (o que BB negou).
Negando a factualidade descrita em D), o arguido explicitou que nunca registou qualquer fotografia de BB nua.
Confrontado com as fotografias de fls. 137 e 138, admitiu que foi o próprio quem as registou com o seu próprio telemóvel, sendo BB a mulher que delas consta. Referiu, porém, que o registo das fotografias foi combinado entre o arguido e BB e durante uma situação íntima do casal.
O arguido negou alguma vez ter dito que iria utilizar estas fotografias de fls. 137 e 138 por ser do seu conhecimento que tal “acção seria punida por lei” (sic).
Sobre o episódio do dia .../.../2021, o arguido relatou ao tribunal que nesta data e hora estava a passear com o seu amigo ... no ..., junto ao rio, como fazia diariamente após sair do trabalho.
Explicitou que havia perguntado a BB se queria acompanhá-lo nesse passeio junto ao rio na referida data, o que a mesma recusou dizendo que iria encontrar-se com o seu avô, tendo-lhe o arguido transmitido que seria então acompanhado por ..., pelo que era do conhecimento de BB que o arguido naquela data e hora estaria naquele local.
Ficou pois surpreendido ao encontrar BB no local acompanhada de um homem, pelo que os abordou nos termos constantes de F), negando porém que tenha referido que iria divulgar vídeos da mesma.
Negando a demais factualidade, referiu que a mala de BB estava no pavimento, tendo o arguido agarrado na mesma e retirado do seu interior o telemóvel de BB, que levou consigo. Veio a entregar o telemóvel nessa mesma data à noite, aos agentes da Polícia de Segurança Pública, confirmando ter apagado os dados que BB inserira no equipamento. DD confirmou ter-se dirigido à residência do arguido na data e hora constantes de fls. 35 e 36 e 39 e 40, confirmando o facto descrito em L), tendo entregue o telemóvel a BB.
Questionado sobre o motivo para ter actuado nesses termos, o arguido explicitou que fora o próprio que comprara o telemóvel e o entregara a BB, que se comprometeu a pagar-lhe o valor do equipamento em prestações.
Referiu que até à data dos factos BB não lhe restituíra qualquer valor respeitante ao telemóvel, sendo que questionado sobre o motivo para lhe retirar o equipamento da mala naquelas circunstâncias, admitiu que “teve esta reacção emocional mas não tem qualquer interesse no telemóvel nem no relógio” (sic).
Acrescentou que estava apaixonado por BB e ficou magoado por esta lhe ter mentido dizendo que iria ter com o avô quando veio a encontrá-la com um rapaz a passear no ....
Confrontado com as explicações que deu, reconheceu que a sua conduta de retirar o telemóvel do interior da mala de BB nada teve a ver com a falta de pagamento da quantia reportada ao valor do equipamento.
Perguntado sobre o motivo para ter apagado os dados constantes do telemóvel de BB, respondeu que pretendia vender o telemóvel, repetindo que fora o próprio que o comprara para BB contra pagamento do valor do mesmo a prestações.
Questionado sobre o motivo para ter entregue o telemóvel aos agentes, atenta a explicação que apresentou, o arguido referiu que foi um erro seu, que “resetou o telemóvel para o vender mas depois não o vendeu e devolveu-o à polícia” (sic).
Por contraponto com a versão apresentada pelo arguido, BB relatou ao tribunal, usando de firmeza e isenção, que o arguido discutia consigo quando a mesma chegava a casa após as 20H, vinda do seu local de trabalho, pretendendo verificar o telemóvel da depoente (negando que tivesse actuado nos mesmos termos relativamente ao computador, pelo que o facto descrito em 2) não resultou demonstrado) para verificar se a mesma estava a esconder-lhe algo que explicasse só ter chegado a casa nesse horário.
Acrescentou, peremptória, que o arguido tentava retirar o telemóvel da sua mão, segurando a depoente o equipamento para não lho entregar, desferindo-lhe o arguido empurrões e puxões de cabelo nesse contexto, tendo chegado a lograr retirar o telemóvel das mãos de BB, consultando o respectivo conteúdo.
Resultou pois demonstrada a factualidade elencada em B) e C).
Usando de firmeza, BB referiu que em Janeiro de 2021 tomou a iniciativa de terminar o relacionamento, tendo o arguido contactado a mesma quer por mensagens quer por telefonemas (utilizando diversos números para o efeito), perguntando à mesma “onde estás” e apelidando-a de “puta”.
Confrontada com as fotografias de fls. 137 e 138, BB admitiu ser a mesma quem aparece nas mesmas, negando ter combinado com o arguido o registo de tais fotografias, que aliás não viu serem registadas só tendo tido conhecimento daquelas no âmbito do processo.
Acrescentou que o arguido tinha uma câmara oculta no interior do quarto, desconhecendo a depoente se a mesma estava a filmar quando o casal mantinha relacionamento sexual. Referiu que o arguido lhe transmitiu que tinha tal dispositivo de gravação no quarto para saber que ninguém entrava no quarto quando estava ausente da habitação, local onde moravam mais dois colegas do arguido.
Explicitou que o arguido lhe disse que se BB não voltasse a falar com o mesmo ou a estar com ele do ponto de vista amoroso, iria mostrar as fotos (referindo que o arguido nunca fez referência a vídeos, o que mencionou denotando isenção, pelo que o facto descrito em 3) não resultou provado) a outras pessoas, sem mencionar a quem as mostraria, mas que seriam da família e do local de trabalho de BB.
Face ao depoimento espontâneo e firme produzido por BB, resultou demonstrada a factualidade elencada em D).
Sobre o teor das mensagens referido na acusação, BB confirmou o teor de E), sendo que o demais conteúdo que mencionou, embora tenha aludido a “ofensas e ameaças”, não o referiu em conformidade com o constante da acusação pelo que o facto descrito em 4) não resultou demonstrado.
Para a prova da factualidade descrita em F) a L) e M) a R), o tribunal teve em consideração o teor do auto de notícia de fls. 8, do auto de denúncia de fls. 11, do auto de apreensão de fls. 35 e 39, do auto de exame e avaliação de fls. 37, 41 e 76, do termo de entrega do telemóvel de fls. 43 e do relatório forense de fls. 103 e seguintes com as declarações produzidas pelo arguido e pelas testemunhas BB e DD em audiência de discussão e julgamento.
Com efeito, o arguido apresentou a versão a que acima se aludiu e que contrasta com a narrada por BB que, de modo espontâneo e firme, relatou ao tribunal que aquando dos factos sub judice já terminara, em Janeiro de 2021, o relacionamento com o arguido.
Na data e hora mencionadas na acusação encontrava-se acompanhada pelo seu amigo II, estando ambos sentados na relva na zona do ....
A dado momento, é surpreendida pelo aparecimento do arguido (que estava acompanhado por um seu amigo que à data vivia na casa onde o arguido também residia) no local que, dirigindo-se-lhe, começa a apelidá-la de “puta”, “vaca”, cabra”, questionando-a sobre quem era o amigo que a acompanhava, dizendo que BB era sua namorada, o que a testemunha negou.
Foi então que o arguido referiu que podia mostrar fotografias de BB comprovativas de como eram namorados.
Com isenção, BB referiu que não obstante as suas palavras, o arguido não mostrou qualquer fotografia.
Não resultou, pois, demonstrado o facto constante de 5).
BB prosseguiu no seu relato, dizendo que o arguido, ao mesmo tempo em que dizia para BB ir com ele, agarra o pulso do braço esquerdo da depoente e, puxando-o para si diz “eu também quero o meu relógio” (sic), referindo BB que trazia colocado no pulso puxado pelo arguido um relógio que o próprio lhe oferecera.
Acrescentou ter resistido dizendo que não queria ir com o mesmo.
Como o arguido tivesse percebido que BB não o iria acompanhar nem tivesse logrado retirar-lhe o relógio do pulso, o mesmo agarrou na mala que BB tinha pousada na relva ao seu lado esquerdo, tendo a depoente agarrado prontamente na mesma.
Porém, o arguido puxou a mala com força e logrou retirá-la das mãos da depoente após o que, dando dois passos atrás, se ausentou do local acompanhado pelo amigo (não resultou pois demonstrado o facto descrito em 6)), levando a mala da depoente consigo.
A sessenta ou setenta metros de distância do local onde BB estava com JJ sentada na relva, explicitando, no que denotou verosimilhança, que aí permaneceu em choque, a depoente visualizou o arguido a abrir a mala de cujo interior retirou o telemóvel que aí se encontrava, deixando a mala no chão nesse mesmo local, após o que se ausentou levando o telemóvel.
Com firmeza, BB referiu que, levantando-se, dirigiu-se ao local onde o arguido abandonara a mala e recolheu-a, verificando que faltava o telemóvel.
Dirigiu-se, pois, à esquadra onde comunicou o sucedido, tendo a polícia recuperado o telemóvel (confirmando a depoente o teor de fls. 43), cujo conteúdo foi deletado.
Questionada, mencionou que foi o arguido quem lhe ofereceu o telemóvel por ocasião do Natal, não tendo existido qualquer combinação a respeito de BB lhe pagar o valor do telemóvel.
Confirmou que o relógio que trazia também lhe foi oferecido pelo arguido.
Usando de determinação, referiu que após o terminus da relação, e apenas nesse momento, o arguido chegou a referir-lhe que BB teria que lhe dar o dinheiro do telemóvel e do relógio. Porém, inexistia qualquer acordo sobre o pagamento daqueles objectos.
Com firmeza, BB referiu não ter conhecimento que o arguido tivesse por hábito passear no ... neste horário, acrescentando que não recorda de ter dito ao arguido que iria fazer outra coisa de diferente daquela que estava a fazer nem de ter tido qualquer contacto com o arguido nessa data.
Confrontada com a versão apresentada pelo arguido, BB negou que alguma vez tivesse querido consultar o telemóvel do arguido e sequer que tenha desferido empurrões ao mesmo.
Acrescentou que o arguido chegou a exibir-lhe fotografias que tirara a outras mulheres, pelo que a depoente receava o que o mesmo pudesse fazer com as fotografias que dizia ter suas, mencionando o impacto que as condutas do arguido tiveram em si.
O facto descrito em S) resultou demonstrado com base no teor do relatório de avaliação de risco de fls. 215 e seguintes e 238 e seguintes.
No que tange às condições sócio-económicas do arguido, o tribunal teve em conta as declarações produzidas pelo mesmo as quais se revelaram verosímeis atendendo à forma espontânea e clara com que foram prestadas.
No que concerne aos antecedentes criminais, foi considerado o teor do certificado do registo criminal junto aos autos.
(…)
*

IV–DECIDINDO

4.1.– Do invocado erro de julgamento da matéria de facto
Entende o ora arguido/recorrente que o Tribunal a quo deu erradamente como provados os factos que fazem parte dos elencados na matéria de facto provada sob os itens C), D), E), G), H), K), M), N) e P).
Interpretada a sua peça recursória constata-se que ao invés de impugnar a matéria de facto nos termos preconizados pelo disposto no artigo 412º do Código Processo Penal, o arguido/recorrente envereda pela argumentação da existência de erro na avaliação das suas declarações e da ofendida BB, assim como dos depoimentos prestados pelas testemunhas CC e DD.
Como é sabido, a garantia do duplo grau de jurisdição não pode pôr em causa o princípio da livre apreciação da prova do julgador.
A Jurisprudência dos Tribunais Superiores continuam, repetidamente, a remeter tal matéria para o disposto no art. 127° do CPP ... a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
Neste quadro, não obstante o Tribunal da Relação tenha poderes de intromissão na matéria factual3 fixada na 1ª instância, nunca poderá pôr em causa a valoração efectuada nem estabelecer qualquer censura por dar prevalência a um elemento de prova em detrimento de outro4, salvo se apurar um erro de julgamento no quadro de a prova produzida impuser uma factologia diferente.
A contradição ou divergência de depoimentos/declarações não significa necessariamente um non liquet em matéria de facto. É, aliás, frequente a existência de tais divergências probatórias. Só a apreciação crítica das provas as pode resolver num ou noutro sentido.
Portanto, a convicção do julgador, no tribunal do julgamento, só poderá ser modificada se, depois de cabal e eficazmente cumprido o triplo ónus de impugnação previsto no citado art. 412º nºs 3, 4 e 6 do CPP, se constatar que decisão da primeira instância sobre os precisos factos impugnados quando comparada com a prova efectivamente produzida no processo, deveria necessariamente ter sido a oposta, seja porque aquela convicção se encontra alicerçada em provas ilegais ou proibidas, seja porque se mostram violadas as regras da experiência comum e da lógica, ou, ainda, porque foram ignorados os conhecimentos científicos, ou inobservadas as regras específicas e princípios vigentes em matéria probatória, designadamente, os princípios da livre apreciação da prova e in dúbio pro reo, assim como, as normas que regem sobre a validade da prova e sobre a eficácia probatória especial de certos meios de prova, como é o caso da confissão, da prova pericial ou da que emerge de certo tipo de documentos (autênticos e autenticados).5
Se desse crivo resultar que o Tribunal a quo não podia ter concluído, como concluiu na consideração daqueles factos como provados ou como não provados, haverá erro de julgamento e, consequentemente, modificação da matéria de facto, em conformidade com o desacerto detectado.
Porém, se a convicção ainda puder ser objectivável de acordo com essas mesmas regras e a versão que o recorrente apresentar for meramente alternativa e igualmente possível, então, deverá manter-se a opção do julgador, porquanto tem o respaldo dos princípios da oralidade e da imediação da prova, da qual já não beneficia o Tribunal de recurso. Neste caso, já não haverá, nem erro de julgamento, nem possibilidade de alteração factual.
Em suma, a questão da mera opinião ante as provas produzidas não faz parte da dupla jurisdição em matéria de facto, pois o Tribunal de recurso não beneficia dos mesmos princípios da imediação e oralidade, de que beneficiou o Tribunal da 1ª instância, nem pode pôr questões ao arguido e testemunhas sobre dúvidas que se lhe suscitem.
Neste quadro, diremos que a questão nos autos é a de se optar por uma ou outra das versões dos factos, com base no princípio da livre apreciação da prova – art.º 127º C.P.P.
In casu, após audição das declarações do arguido (ora recorrente) e da ofendida não temos dúvidas em sufragar a posição da sentença sob censura, com excepção do item “E” relativo às SMS´s que a ofendida afirmou ter recebido do ofendido.
Na verdade, no que tange ao telemóvel, argumenta o arguido/recorrente: “Bastou a simples palavra da Ofendida para produzir prova? Sem nenhum elemento que demonstre a recepção dessas mensagens pela Ofendida e muito menos o seu envio pelo Recorrente? Mesmo tendo o Recorrente negado a ter encetado essas comunicações?”.
No fundo, o arguido/recorrente questiona a existência de sms e do seu conteúdo, enquanto forma de materialização da ameaça/injúria, que não pode ser dado como provado apenas com base em prova testemunhal.
E, neste aspecto, o recorrente tem toda a razão!
No processo criminal, todos os meios de prova podem ser usados que não sejam proibidos por lei.
É o que se denomina de princípio da livre escolha da prova.
As proibições de prova estão tipificadas na lei constitucional e processual penal6.
In casu, a prova em questão não é seguramente uma questão de proibição de prova.
O que se entende é que a defesa do arguido está em questão, tendo em vista o direito à prova e ao contraditório, previstos no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.
De facto, qualquer sms deve ser considerado um documento, uma vez que é uma "declaração (...) registada num meio técnico", como determinam os artigos 164º, número 1 do Código de Processo Penal, e 255º, alínea a) do Código Penal.
O tribunal aprecia documentos particulares, desde que sejam juntos ao processo e tenham sido sujeitos ao princípio do contraditório (artigo 162º, número 2 do Código de Processo Penal).
E, essa junção é obrigatória quando o documento é, ele próprio, um elemento que tipifica o crime, ou seja, um meio de realização do crime.
Socorrendo-nos do exemplo jurisprudencial, seria o mesmo que dar como provado um crime de difamação por carta sem juntar a mensagem.
Neste quadro, e no âmbito do disposto no artigo 124 do Código de Processo Penal, a sms e o seu conteúdo só pode ser comprovado pelo próprio documento (sms) que representa a ameaça/injúria, neste caso subsumido na violência doméstica.
Ao dar como provado o item “E”, o Tribunal a quo está a limitar de forma excessiva, ou mesmo a negar, o direito à prova do requerente, nas suas diversas dimensões, bem como o seu direito à defesa e ao contraditório.
In casu, o arguido só podia negar os factos porque não foi confrontado com o documento que ameaçava/injuriava a ofendida. Dito de outro modo, estava limitado no seu direito de defesa e de contraditório.
De acordo com este quadro, a argumentação do arguido/recorrente é procedente.
Pelo exposto, consideramos procedente a impugnação da matéria de facto, nesta parte específica, de acordo com os artigos 412º, número 3 e 431º, alínea b), ambos do Código de Processo Penal, nos seguintes termos:
Retirar dos factos provados o item "E"7, o qual é dado como não provado acrescendo aos mesmos.
Tal alteração da matéria de facto, não enferma de relevância suficiente para influenciar a sentença sob censura, para além de considerar apenas o item “E” como não provado.
Quanto ao mais:
O que está em causa passa a ser tão-só a observância do princípio da livre apreciação da prova (art.º 127º C.P.P.).
E, o juízo probatório feito na 1ª instância, só pode ser afastado perante provas que, forçosamente imponham decisão diversa (art.º 412º/3, b), C.P.P.).
Ou seja, só em casos excepcionais e situações de arbitrariedade ou juízos puramente subjectivos e imotiváveis, é possível sindicar a valoração efectuada pelo tribunal recorrido.
In casu, o recorrente faz a sua leitura subjectiva da valoração da prova, segundo o interesse que no âmbito do processo lhe mais convém, não atentado, numa perspectiva isenta e imparcial, naquilo que foi a prova produzida em audiência.
Tanto assim é que olhando a fundamentação sobre a matéria de facto que acima se deixou transcrita constatamos que o tribunal a quo, analisou criticamente a prova na sua globalidade, e concluiu fundadamente, de acordo com as regras de experiência comum.
Em suma, resulta da leitura da sentença sob escrutínio, para além da questão acima julgada procedente, não ser visível que o tribunal a quo se tenha afastado do cumprimento das regras e princípios de prova, particularmente dos relativos à apreciação da prova, ou seja, que tenha decidido de facto infundadamente.
Apenas duas notas para a temática relativa à (i) gravação das imagens que o arguido/recorrente entende serem peças fulcrais que o tribunal a quo não deveria ter descurado, na vertente da apreciação da prova disponível para efeitos da descoberta da verdade material, e (ii) da questão suscitada pelo MP no seu parecer.
No que tange a (i), pergunta-se porque só agora o arguido/recorrente suscita a relevância das gravações para a descoberta da verdade material? É que, compulsados os autos, não resulta que tenha requerido a junção aos autos de tal elemento probatório! Nem tenha requerido tal apreciação ao abrigo do disposto no artigo 340º do Código Processo Penal!
Assim, a sua argumentação não pode proceder na medida em que não diligenciou pela realização da prova em audiência das invocadas imagens, não podendo agora socorrer-se desse facto para vir discutir essa matéria, no quadro dos vícios do artigo 412º do CPP.
Da leitura dos autos, do que é possível apreendermos, é que o próprio tribunal a quo terá entendido que as imagens/vídeo se apresentavam como não imprescindíveis para o conhecimento do contexto espacial e material que rodeou o cometimento dos factos.
E no que se reporta à segunda nota (ii):
Pese embora a discordância do MP quanto à configuração do crime de roubo no contexto fáctico apurado, o que é certo é que das declarações da ofendida é possível extrair o elemento violência nos termos em que o tribunal considerou. Basta atentarmos no seguinte trecho: “Cheguei a puxar a carteira, mas escorregou-me da mão e ele foi mais forte do que eu. O gesto dele foi puxar com mais força. Conseguiu agarrar a mala mais rápida do que eu e puxou-a com força.”.
Assim, quando o tribunal a quo refere “Porém, o arguido puxou a mala com força e logrou retirá-la das mãos da depoente após o que, dando dois passos atrás, se ausentou do local acompanhado pelo amigo (não resultou pois demonstrado o facto descrito em 6)), levando a mala da depoente consigo.”, enquadra-se no conceito de violência requisito para o preenchimento do crime previsto no artigo 210º do Código Penal.
Termos em que se considera que o recurso, nesta parte, apenas procede quanto ao facto provado no item “E”, que será eliminado dos factos provados e acrescentado aos factos não provados.
*

4.2.–Violação do princípio in dubio pro reo
No que tange a esta temática, o arguido/recorrente argumenta que “… o que assistimos na situação sub judice, é um confronto de versões dos acontecimentos, sem sustentação em quaisquer outros elementos probatórios documentais ou periciais, apesar de as diligências complementares terem sido efectivamente realizadas, em que na ausência de prova, decidiu-se contra o aqui Recorrente, condenando-o.”.
O ora arguido/recorrente parece olvidar que existindo declarações e depoimentos divergentes, ou mesmos contraditórios, o tribunal não está obrigado a dar credibilidade a um em específico em detrimento de outro, nem a considerar que resulta daí qualquer situação duvidosa que imponha o recurso ao princípio in dubio pro reo.
Perante a prova produzida, cabe ao Tribunal fazer uma análise crítica dela, unindo todos os elementos de prova, de acordo com as regras da experiência comum e da normalidade da vida. Pode-se atribuir credibilidade a um depoimento em detrimento de outro, bastando que, com respeito aos limites da racionalidade e da experiência comum, explique por que deu credibilidade a uma determinada prova e não o fez em relação a outra e considera, como provada ou não, determinada matéria.
Ora, foi precisamente o que o Tribunal a quo fez, explicando as razões por que não deu credibilidade às declarações da ofendida em detrimento das declarações do arguido.
Deste modo, tendo o Tribunal a quo acreditado na versão dos factos que resultava da conjugação da prova documental junta aos autos com o relatado pela ofendida e testemunhas ouvidas, e não tendo tido qualquer dúvida quanto à veracidade e razoabilidade da mesma, não estava o Tribunal obrigado a fazer uso do princípio in dubio pro reo.
O que resulta deste princípio é que quando o tribunal fica na dúvida quanto à ocorrência de determinado facto, deve daí retirar a consequência jurídica que mais beneficie o arguido. Mas para que a dúvida seja relevante para este efeito, há-de ser uma dúvida razoável, uma dúvida fundada em razões adequadas e não qualquer dúvida (Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, I, pág. 205).
“A presunção de inocência é identificada por muitos autores como princípio in dubio pro reo, no sentido de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido. A dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado todo o esforço para a superar. Em tal situação, o princípio político jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado já que a condenação significaria a consagração de um ónus de prova a seu cargo, baseado na prévia admissão da sua responsabilidade, ou seja, o princípio contrário ao da presunção de inocência." (Germano Marques da Silva, in "Curso de Processo Penal", I, 5ª ed., 2008, pág. 83 e 84).
Nas palavras do STJ, Ac. de 12.03.2009,inwww.dgsi.pt,procº 07P1769:
«III-O princípio do in dubio pro reo constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa; como tal, é um princípio que tem a ver com a questão de facto, não tendo aplicação no caso de alguma dúvida assaltar o espírito do juiz acerca da matéria de direito.
IV-Este princípio tem implicações exclusivamente quanto à apreciação da matéria de facto, quer seja nos pressupostos do preenchimento do tipo de crime, quer seja nos factos demonstrativos da existência de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.
V-Não existindo um ónus de prova que recaia sobre os intervenientes processuais e devendo o tribunal investigar autonomamente a verdade, deverá este não desfavorecer o arguido sempre que não logre a prova do facto; isto porque o princípio in dubio pro reo, uma das vertentes que o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 32.º, n.º 2, 1.ª parte, da CRP) contempla, impõe uma orientação vinculativa dirigida ao juiz no caso da persistência de uma dúvida sobre os factos: em tal situação, o tribunal tem de decidir pro reo.
VI- Daqui se retira que a sua preterição exige que o julgador tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido.»
Só haverá, pois, violação do mencionado princípio quando o julgador, tendo ficado na dúvida sobre factos relevantes, nesse estado de dúvida, decida contra o arguido.
Tal não foi manifestamente o caso dos autos, mostrando-se a factualidade em causa estribada em prova produzida em julgamento, analisada em conjunto segundo as regras da experiência comum e da normalidade da vida.
Improcede, nesta parte, o recurso interposto.
*

4.3.–Elementos do tipo da violência doméstica não tem suporte no quadro fáctico apurado
O artigo 152.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal estipula que constitui crime de violência doméstica a acção de quem inflige, reiterada ou isoladamente, maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos físicos, restrições à liberdade, e agressões sexuais a alguém do outro sexo com quem o agente tenha mantido, ou mantenha, uma relação afectiva análoga à dos cônjuges, mesmo na ausência de coabitação.
Nuno Brandão8 esclarece que a violência doméstica se configura não como um crime de dano “…mas de crime de perigo, nomeadamente de crime de perigo abstrato. É, com efeito, o perigo para a saúde do objeto de ação alvo da conduta agressora que constitui motivo de criminalização, pretendendo-se deste modo oferecer uma tutela antecipada ao bem jurídico em apreço, própria dos crimes de perigo abstrato (…) Sendo dado o devido relevo a este último aspeto justificativo da criminalização da violência doméstica, poderão superar-se eventuais objeções opostas a esta conceção fundadas na dificuldade em explicar por que razão a violência doméstica é punida mais severamente que a ofensa à integridade física se ambas protegem o mesmo bem jurídico e esta constitui crime de dano e aquela mero crime de perigo abstrato, com a concomitante possibilidade de por esta razão a ofensa à integridade física ter prevalência sobre a aplicação da violência doméstica em caso de concurso. Reservas que todavia se mostrarão infundadas se os maus tratos forem encarados na perspetiva da ameaça de prejuízo sério e frequentemente irreversível que os mesmos em regra comportam para a paz e o bem-estar espirituais da vítima. Acresce que, aqui sim e para este efeito, deve entrar em cena a desconsideração pela dignidade pessoal da vítima imanente ao comportamento violento próprio dos maus tratos. Esse desprezo do agressor pela sua dignidade revela um pesado desvalor de ação que agrava a ilicitude material do facto. Tudo o que empresta à violência doméstica um grau de anti juridicidade que transcende o da mera ofensa à integridade física e assim justifica a sua punição mais severa e a sua prevalência em sede de concurso.
In casu, dos factos apurados resulta que arguido e ofendida eram namorados e não coabitavam entre si. Será tal quadro relevante para cair fora do âmbito do disposto no artigo 152º do Código Penal?
A resposta só pode ser negativa.
A relação de namoro é uma relação íntima de afecto que não depende de coabitação; portanto, a agressão do namorado contra a namorada, ainda que tenha cessado o relacionamento, mas que ocorra em decorrência dele, é caracterizadora de violência doméstica.
Portanto, não é necessário que o casal esteja casado, tenha uma união estável ou mesmo resida na mesma casa para que se caracterize a violência doméstica.
O tema de “relação de namoro”, com que nos deparamos in casu, traz necessariamente à colação a dissertação apresentada à Universidade Católica Portuguesa para obtenção do grau de Mestre em Direito Criminal, elaborada por Dora Faria Calejo Machado Pires, sob orientação da Professora Doutora Maria Elisabete Ferreira, com o título “O sentido e o alcance da inserção das relações de namoro e equiparadas no crime de violência doméstica – Reflexões críticas acerca do alargamento do tipo”.
Aí se refere::
A presente dissertação de Mestrado em Direito Criminal tem como objetivo a análise do crime de Violência Doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, do Código Penal. Em particular, pretende-se com este trabalho uma reflexão crítica acerca do sentido e alcance da inserção das relações de namoro na alínea b), do nº 1, daquele artigo, operada pela Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro.
(…)
Previamente à entrada em vigor da Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro, altura em que o legislador optou por acrescentar expressamente à al. b) as relações de namoro, pairava sobre a jurisprudência e a doutrina a questão de saber se as relações de namoro poderiam estar já integradas nas “relações análogas aos cônjuges, ainda que sem coabitação”. Considerava a jurisprudência que a letra do art. 152º não afastava a possibilidade de integração das relações de namoro no tipo objetivo, mas na ausência de coabitação exige-se algum detalhe fáctico que possa comprovar a existência de uma relação afetiva, estável, análoga à dos cônjuges.
(…)
Não obstante o crime ter deixado de impor a coabitação e, portanto, a comunhão de cama, mesa e de habitação, que caracteriza a conjugalidade, a jurisprudência tendia a considerar que não podia deixar de se exigir, no tipo objetivo, um caráter mais ou menos estável de relacionamento amoroso, aproximado ao da relação conjugal de cama e habitação (Ac. TRC de 24-04-2012, proc. n.º 632/10.9PBAVR.C1). Tomando, assim, uma posição bastante cautelosa na inclusão das relações de namoro, exigindo a existência de uma relação especial que envolvesse o sentimento, ainda que com menor intensidade, de deveres de respeito, fidelidade, cooperação e assistência, característicos das relações conjugais, uma vez que não faz sentido (face ao princípio da subsidiariedade e última ratio), que seja o direito penal a proteger especificamente uma relação de namoro, quando o direito civil não o faz a não ser numa fase adiantada desse relacionamento e apenas em vista da proteção da promessa de casamento (arts. 1591.º a 1595.ºCC) - Ac. TRP de 15-01-2014, proc. n.º 364/12.3GDSTS.P1.
Posto que a tutela penal reforçada se justificará aqui pela relação próxima ou análoga à dos cônjuges, onde existem sentimentos de afetividade, de convivência, de confiança, conhecimento mútuo, e ocorram atos de intimidade e de partilha de vida comum, numa relação de vida e cooperação mútua. Muito embora seja percetível esta comparação do Tribunal, importa não esquecer que mesmo a promessa de casamento não exige uma prévia ou contemporânea relação de namoro, podendo mesmo existir aquela sem esta (pense-se nos casos, outrora mais comuns, de promessa de casamento em consequência de gravidez involuntária, ou mesmo nos casos em que se tinha em vista a junção de dois patrimónios numa mesma família) - Ac. TRP de 15-01-2014, proc. n.º 364/12.3GDSTS.P1.
(…)
Em abstrato, o namoro é uma fase do relacionamento amoroso para conhecer o outro, e não um fim em si, de comunhão de vida, que é própria do casamento ou da união de facto. É uma fase transitória que, com frequência acaba no rompimento amoroso, por as expectativas de um ou ambos os namorados não serem aquelas que esperavam (Ac. TRC de 24-04-2012, proc. n.º 632/10.9PBAVR.C1). O leque de definições possíveis para a relação de namoro será tão vasto e abrangente, quanto a época e cultura social em que o mesmo se insere.
(…)
Em termos gerais, o namoro será, hoje, um relacionamento entre duas pessoas que se atraem física e psicologicamente e que, mesmo duradouro, é desprovido de vínculo de natureza familiar, embora possa se encaminhar para tanto. Ao contrário do que acontecia tradicionalmente, nos dias de hoje a sociedade considera ser perfeitamente aceitável que os casais desde cedo partilhem a cama de forma regular, que viajem juntos, que desenvolvam atividades diárias em conjunto, de forma pública, o que permite um conhecimento muito mais profundo do casal
(…).
Tratar-se-á, portanto, de um compromisso entre duas pessoas que se relacionam por tempo indeterminado, partilhando e comungando afetos e interesses pessoais comuns. Regra geral, já não existe aquele pedido tradicional, sem prejuízo de se nos afigurar que a prova ou demonstração dessa ligação entre as duas partes se mostra relevante.
Para uma melhor compreensão desta questão, desdobraremos as relações de namoro em dois níveis, dependendo do diferente grau de intensidade das mesmas: o namoro simples e o namoro qualificado. O primeiro será aquele namoro revestido por um compromisso entre duas pessoas que estão ligadas por um vínculo afetivo que vai para além da mera amizade e das relações fortuitas; o segundo compreenderá já as características da relação “análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação”, e portanto que se trata de uma relação de namoro em que está subjacente um compromisso pessoal sólido, baseado na confiança, honestidade e solidariedade mútua, cujo envolvimento de vidas ou projeto de vida em comum já existe ou já é conjeturado. Assim, ainda que se entendesse que este namoro “qualificado” não se integrava nas “relações análogas às dos cônjuges, ainda que sem coabitação”, não restarão agora dúvidas de que estas estão abrangidas por força, pelo menos, da inclusão das relações de namoro. Questão mais complexa será a relativa às relações de namoro “simples”

(…)
Em princípio, uma relação terá o seu início com a atração física e/ou intelectual, numa tentativa de conhecimento mútuo e de encontro de interesses. A intimidade pode ser caracterizada pela proximidade, pelo compromisso e exposição pessoal, traduzida como uma partilha entre o casal, de relações íntimas. Parece-nos, ainda, que a relação de namoro não será descaracterizada pela inexistência de atos sexuais entre o casal (v.g. por opção pessoal, por motivos religiosos, por doença), uma vez que a intimidade não depende deles.
A doutrina tem entendido que este dever se manifesta numa dupla dimensão: no dever de fidelidade física, que se entende como a proibição de atos sexuais com terceiro; e de fidelidade moral, no sentido de ligação amorosa com terceiro. Todavia, e embora não seja rigorosamente essa a dimensão que se transporta para as relações de namoro, também não deixará de ter relevância, sobretudo dentro do conjunto de indícios de que ora curamos. Mais adequado às relações de namoro parece ser a defendida por alguma doutrina estrangeira que entende o dever de fidelidade num sentido mais vago e menos sexual, como um dever de devoção, dedicação, lealdade e boa-fé.
(…)
Relativamente à publicidade ou notoriedade do namoro, em princípio esta relação, ainda que não seja conhecida pelo círculo familiar, há-de ser pelo menos conhecida por parte do círculo de amizade do casal. Não obstante, também aqui não nos parece que, se por hipótese, a relação não seja tornada pública (v.g. em virtude de um relacionamento já findo em que o ex-namorado continua a adotar comportamentos retaliatórios), que não deva esta atual relação não ser enquadrável no crime de violência doméstica, posto que também aqui configuraria uma desproteção da vítima. Aliás, situação por ventura paradigmática deste tipo de relações pouco conhecidas serão as relações de namoro entre duas pessoas do mesmo sexo. Relativamente à circunstância de o agressor admitir a existência de relação de namoro à data do crime, já será um indício forte da existência dessa relação. Porém, o contrário não deverá ser totalmente verdadeiro, no sentido em que a circunstância de o agressor não admitir a existência daquela relação como se de namoro se tratasse, não obsta a que da análise dos circunstancialismos próprios do caso seja possível comprovar que existia a relação de namoro exigida no art. 152º. Assim, o facto de os “namorados” não considerarem que há um “namoro” no sentido tradicional do pedido, parece-nos que não deve obstar a que seja considerada como “namoro” para efeitos de violência doméstica, conquanto se encontrem preenchidos alguns dos restantes critérios (com maior ou menor força). Do exposto resulta que só através da análise global da factualidade, tendo por base alguns critérios como os supra referidos, é que se poderá, primeiro, chegar à conclusão de que a relação sentimental e a grande proximidade se traduzem numa relação de namoro...
Assim, caberá ao juiz o papel mais relevante face aos contornos do caso concreto em litígio, através daqueles elementos probatórios dos circunstancialismos específicos reveladores de cada relação, concluir ou não pela existência da relação de namoro para estes efeitos.

(…)
Relativamente ao namoro, havia já alguma doutrina e jurisprudência que, face à anterior redação, abrangia a relação de namoro no tipo objetivo da violência doméstica, se e na medida em que esta relação preenchesse os pressupostos da relação conjugal (embora em menor grau), no sentido de exigir uma relação estável, duradoura e com um projeto de vida em comum. Cremos, contudo, que esta visão deixará de fazer sentido com a recente alteração. Com efeito, a referida inserção estará relacionada com a atual consciência da sociedade que reclama uma maior intervenção nas questões relacionadas com a violência de género e com a violência doméstica em particular. Pelo que, julgamos que a nossa perspetiva do sentido e do alcance da inserção das relações de namoro no crime de violência doméstica vai no mesmo sentido do acabado de referir: pretendeu o legislador incluir as relações de namoro, mesmo aquelas que designámos por “simples”, com o fito de prevenir e sancionar as condutas violentas exercidas pelo parceiro íntimo por causa dessa relação. Tratar-se-ão, pois, de relações sentimentais, afetivas, íntimas e tendencialmente estáveis ou duradouras, que ultrapassam a mera amizade ou relações fortuitas; mas já não será de exigir o projeto futuro de vida em comum, posto que as relações de namoro não preenchem nem têm, em princípio, a pretensão de preencher todas as características associadas à conjugalidade, como seja este futuro de vida em comum (que pode vir a ocorrer, mas que ainda não é conjeturado no início ou meio da relação). Assim, existindo uma relação de namoro com estas características, será ainda fundamental para o preenchimento do ilícito que seja exercido pelo agente um comportamento violento sobre a vítima, assente em relações de dominação e de força, que deixe a vítima numa situação de fragilidade e dependência, de tal forma que a sua capacidade de resistência fica diminuída.”.

Sufragamos integralmente esta posição.
No que tange à qualificação da relação entre arguido e ofendida como namoro, elemento objectivo do tipo de crime em apreço, observa-se que a sentença se mostra parcimoniosa na descrição dos factos que sustentam tal qualificação. Não obstante a ausência de uma definição singular ou conjunto de critérios estanques para o estabelecimento ou vivência de uma relação de namoro, os factos provados elencam que o relacionamento entre as partes foi amoroso e de natureza não ocasional, estendendo-se desde Agosto de 2020 até data não concretamente apurada dos primeiros meses do ano de ....
Cessado este relacionamento o arguido se fez presente de maneira indesejada na vida da ofendida, visando impor sua vontade, invocando pretextos de natureza pessoal.
Importa destacar que o relacionamento não se descaracteriza como namoro pelo simples facto de não coabitarem ou não compartilharem constantemente as suas vidas.
Em face do exposto e com base na prova pessoal coligida, não se vislumbra razoabilidade para divergir do decidido na 1ª instância.
Pelo exposto, também nesta parte, conclui-se pela improcedência do recurso apresentado.
*

4.4.–Da escolha e medida da pena
Do recurso interposto não compreendemos o que pretende o arguido ao argumentar que a pena é excessiva, sem individualizar de que penas fala (parciais e única?, só única sem parciais?), e que penas propõe. Mais: argumenta, também, que o arguido deverá ser condenado numa pena de multa, quando bem deveria saber que os crimes de roubo e de violência doméstica, não prevêem a aplicação de penas de multa em alternativa às penas de prisão, pelo que afastada estará esta possibilidade.
Mas, independentemente destas considerações, diremos que não podemos deixar de consignar o total acerto do processo aplicativo das penas (parciais e única), desenvolvido na sentença sob censura.
Na verdade, esta traduz uma correcta compreensão do quadro constitucional e legal punitivo e uma exacta concretização, na aplicação e graduação das penas fixadas.
Procedeu-se à correcta selecção dos elementos factuais elegíveis, identificação das normas legais aplicáveis, ponderação dos critérios legalmente atendíveis, justificando-se por tudo, de facto e de direito, as penas fixadas.
Na moldura abstracta aplicável9, as exigências de prevenção geral e especial nunca consentiriam penas abaixo dos pontos fixados na sentença recorrida.
Dito isto, decide-se manter a sentença recorrida, que pela sua correcção nenhuma censura nos merece, com excepção do facto relativo ao item “E”.
*

III.–DECISÃO


Face ao exposto, acordam os Juízes da 3ª Secção deste Tribunal da Relação de Lisboa, em conceder parcial provimento ao recurso, e, consequentemente, altera-se a decisão recorrida no sentido de que o item “E” dos factos provados deve ali ser eliminado e acrescentado aos factos não provados, mantendo-se em tudo o mais a sentença nos seus precisos termos.
Sem custas.
Notifique.
*
Declaração de voto da Srª Juiz Desembargadora, na qualidade de 2ª adjunta:
Apenas com a ressalva de que o princípio «in dubio pro reo» também pode e deve ser avaliado e aferida a sua violação à luz de uma concepção objectiva da dúvida, como errro de julgamento.
Assim, também haverá violação do princípio in dubio pro reo, sempre que o tribunal do julgamento tenha julgado provado facto desfavorável ao arguido, não obstante a prova disponível não permitir, de forma racional e objectiva, à luz das máximas de experiência comum, das regras da lógica, dos conhecimentos científicos aplicáveis, ou das normas e princípios legais vigentes em matéria de direito probatório, com o grau de certeza ou convencimento «para além de toda a dúvida razoável», dar por verificada a realidade desse facto, mesmo que do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras do senso comum, não resulte que o Tribunal se tenha confrontado, subjetivamente, com qualquer dúvida insuprível, no momento da decisão (cfr. nesse sentido, Acs. da Relação de Évora de 19.08.2016, processo 36/ 14.4GBLLE.E1 e da Relação de Lisboa de 29.11.2016, processo 18/14.6PFLRS.L1-5; de 07.05.2019, processo 485/ 15.0GABRR.L2 e de 22.09.2020, proc. 3773/12.4TDLSB.L1 in http://www.dgsi.pt).
No entanto, para que o Tribunal da Relação possa detectar a violação do in dubio pro reo, como erro de julgamento e segundo a concepção objectiva da dúvida, nos termos acima expostos, é preciso que o recorrente cumpra cabalmente os ónus primário e secundário de impugnação especificada de que o art. 412º faz depender o êxito da pretensão de reavaliação da prova produzida e de subsequente sindicância da convicção do Tribunal do julgamento sobre essa prova produzida em primeira instância.
No caso vertente, esta divergência de concepção não tem qualquer consequência, face ao incumprimento do triplo ónus de impugnação especificada.
 
Lisboa e Tribunal da Relação, aos 10 de janeiro de 2024

(Processado e revisto pelo relator (artº 94º, nº 2 do CPP)

Alfredo Costa -Relator -
Adelina Barradas de Oliveira -Primeiro Adjunto -
Cristina Almeida e Sousa -Segunda Adjunta -  


1.Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995 e o AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07.12.2005
2.Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág. 113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061
3.cfr. art°s 428° e 431° /b) do Código Processo Penal.
4.Argumentação no sentido de que o tribunal a quo deu prevalência às declarações da ofendida em detrimento das prestadas pelo arguido.
5.Neste sentido cfr. Ac. da Relação de Lisboa de 10.09.2019 proc. 150/18.7PCRGR.L1-5. No mesmo sentido, Ac. STJ n.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 18-4-2012; Acs. do Tribunal Constitucional nºs 124/90; 322/93; 59/2006 e 312/2012, in www.tribunalconstitucional.pt e AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07-12-2005 Paulo Saragoça da Mata, in A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença em Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, Coimbra 2004, pág. 253, Ana Maria Brito, Revista do C.E.J., Jornadas Sobre a Revisão do C.P.P., pág. 390; Cunha Rodrigues, «Recursos», in O Novo Código de Processo Penal, p. 393 e ainda, os Acs. do STJ de 12.09.2013, proc. 150/09.8PBSXL.L1.S1 e de 11.06.2014, proc. 14/07.0TRLSB.S1; Acs. da Relação de Coimbra de 16.11.2016, proc. 208/14.1JACBR.C1; de 13.06.2018, proc. 771/15.0PAMGR.C1 e de 08.05.2019, proc. 62/17.1GBCNF.C1; Acs. da Relação do Porto de 15.11.2018, proc. 291/17.8JAAVR.P1, de 25.09.2019, processo 1146/16.9PBMTS.P1 e de 29.04.2020, proc. 1164/18.2T9OVR.P1; da Relação de Lisboa de 24.10.2018, proc. 6744/16.8L1T9LSB-3; de 13.11.2019, proc. 103/15.7PHSNT.L1, de 09.07.2020, proc. 135/16.8GELSB.L1-9, da Relação de Guimarães de 08.06.2020, proc. 729/17.4GBVVD.G1 in http://www.dgsi.pt.
6.Cfr., a título de exemplo, artigos 32º, número 8 da Constituição da República Portuguesa e 126º, 137º , do Código de Processo Penal
7.E) O arguido enviou mensagens escritas a BB dizendo “és uma puta”.
8.In A Tutela penal especial reforçada da violência doméstica, Julgar, 12 (Especial), págs. 9/24.
9.Crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210º, n.º 1 e n.º 2 al. b), com referência ao art. 204º, n.º 1 al. f) do Código Penal - pena de prisão de 3 a 15 anos.