Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | JOÃO GRILO AMARAL | ||
| Descritores: | PROVA PROIBIDA TESTEMUNHAS ORGÃOS DE POLÍCIA CRIMINAL | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/19/2024 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
| Sumário: | (da inteira responsabilidade do relator) I. Se ainda não havia obrigação de constituição como arguido e as entidades policiais agiam dentro dos poderes concedidos pelas normas reguladoras da aquisição e notícia do crime (artigos 241º e 242º) e de medidas cautelares e de policia (artigos 248º e segs., designadamente o artigo 250º do C.P.P.) e, sem má fé ou atraso propositado na constituição de arguido, ouvem do cidadão ou suspeito a informação da prática de um crime ou de um dos elementos típicos, que voluntariamente a transmite, isso não constitui violação de lei ou fraude à lei, nem obtenção de prova proibida. II. Nesse caso, o depoimento prestado pelas testemunhas pertencentes ao órgão de polícia criminal sobre tais circunstâncias não pode deixar de ser valorado e constitui um meio de prova válido e relevante. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordaram, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: I-RELATÓRIO I.1 No âmbito do processo comum singular n.º 81/20.0GDMTJ, que corre termos pelo Juízo Local Criminal do Montijo – Juiz 2, em que é arguido AA, melhor identificado nos autos, foi proferido sentença, no qual se decidiu [transcrição]: “(…) Condenar AA pela prática, como autor material, de 1 (um) crime de condução de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 4 (quatro) meses (art.º 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal); B) Suspender a execução da pena de prisão imposta, nos termos do disposto nos artigos 50.º, n.ºs 1 e 5, 53.º, n.º 1 e 54.º, todos do Código Penal, pelo período de 1 (um) ano, sujeitando tal suspensão a regime de prova, o qual deverá contemplar necessariamente a frequência do PROGRAMA STOP – RESPONSABILIDADE E SEGURANÇA; C) Condenar o arguido no pagamento das custas do processo, fixando em 3UC a taxa de justiça, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 513.º, n.ºs 1 e 2, 514.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal, e dos artigos 8.º, n.º 9, 16.º do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa àquele diploma legal;. (…)” » I.2 Recurso da decisão final Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido AA para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respectiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]: (…) “1. Vem o arguido AA acusado da prática de condução de veiculo automóvel em estado de embriaguez. 2. O arguido negou a prática dos factos que lhe são imputados. 3. Foi ouvida a testemunha BB que assumiu ter sido ele a conduzir o veículo automóvel naquele dia e hora. 4. Os senhores militares da GNR não visualizam o arguido nem qualquer outra pessoa a conduzir a viatura. 5. Os senhores militares nos seus depoimentos afirmaram ter sido o arguido a prestar essa informação no local. 6. O arguido, que se encontrava visivelmente alcoolizado, terá nesse contexto espacio temporal assumido ser ele o condutor da viatura. 7. Salvo melhor opinião, esta "conversa informal" não poderá ser valorada para estribar a condenação do arguido. 8. Tanto mais, que não foi produzida qualquer outra prova que corrobore ter sido o arguido o autor do ilícito. 9. No seguimento do entendimento explanado em diversos acórdãos de tribunais superiores, afigura-se-nos que as referidas conversas informais são desprovidas de qualquer valor probatório, em todas e quaisquer circunstâncias, mas ainda mais quando ainda nem ocorreu a constituição de arguido, como foi o caso dos autos. 10. Consequentemente, e no seguimento do exposto, deve o arguido ser absolvido do crime pelo qual foi acusado e condenado. Termos em que, e nos melhores de direito, que V. Exc. suprirão, deve o presente recurso ser considerado provido, assim sendo feita Justiça.. (…) * O recurso foi admitido, nos termos do despacho proferido em 23/07/2024, com os efeitos de subir nos próprios autos, imediatamente e com efeito suspensivo. * I.3 Resposta ao recurso Efectuada a legal notificação, o Ministério Público junto da 1ª Instância respondeu ao recurso interposto pelo arguido AA, pugnando pela sua improcedência, apresentando as seguintes conclusões. [transcrição] (…) 1. O arguido foi condenado pela prática, como autor material, de 1 (um) crime de condução de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão suspensa na sua execução, nos termos dos disposto nos artigos 50.º, n.ºs 1 e 5, 53.º, n.º 1 e 54.º, todos do Código Penal, pelo período del (um) ano, sujeitando tal suspensão a regime de prova, o qual deverá contemplar necessariamente a frequência do PROGRAMA STOP - RESPONSABILIDADE E SEGURANÇA; e bem assim na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 4 (quatro) meses nos termos do artigo 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal. 2. A testemunha, CC, militar da GNR, referiu que no dia dos factos, chegados ao local do acidente, o veículo acidentado encontrava-se com a porta aberta e o condutor não se encontrava no local. Referiu que decorridos cerca de 2 minutos surgiu o arguido e disse que era ele o condutor do veículo e que se tinha despistado. A testemunha afirmou que não havia qualquer outra pessoa no local do acidente. 3. A testemunha DD, esclareceu que o arguido não se encontrava no local, o veículo acidentado era o único no local. Afirmou que após dois ou três minutos da sua chegada, surgiu o arguido dizendo ser ele o condutor da viatura acidentada e estava sozinho. Referiu a testemunha que, nem ele, nem o militar que o acompanhava falaram com outra pessoa ou viram outra pessoa sem ser o arguido. 4. O arguido foi interrogado e afirmou que não era ele que ia a conduzir, esclarecendo que quem estava a conduzir era o seu cunhado. Estava a chover muito e o seu cunhado despistou-se. De seguida foram abrigar-se no prédio em frente, e o seu cunhado foi pedir ajuda porque não tinham telefone com eles. Acrescentou que quando chegou a GNR terá entrado em pânico e assumiu ter sido ele o condutor do veículo. Por fim, refere que o seu cunhado conhecia um dos militares da GNR. 5. A testemunha BB, cunhado do arguido, disse que naquele dia foi levar o arguido a casa, e no caminho despistou-se. Entretanto, como não tinha telemóvel, foi procurar ajuda e um táxi para seguirem viagem até casa. Referiu que estavam três ou quatro agentes de autoridade no local, mas que três estavam de certeza. Referiu que um dos militares andou com ele na escola, não se recordando do seu nome. A testemunha afirma na audiência: "Despistei-me, e ao dizer que me despistei estou a dizer que eu é que estava a conduzir". 6. Concatenando a prova testemunhal produzida em audiência e o auto de notícia junto aos autos, verificamos duas versões opostas da mesma realidade, uma relatada pelos militares da GNR que se deslocaram ao local do acidente e outra relatada pelo arguido e pela testemunha BB. 7. As declarações das testemunhas, CC e DD, militares da GNR que se deslocaram ao local do acidente, mostram-se objetivas, credíveis e isentas, ambos afirmaram de forma clara que não se encontrava mais ninguém no local, e que o arguido esteve sempre sozinho, o que é confirmado também pelo auto de notícia elaborado pelo militar autuante DD no dia dos factos. Não há motivo para descredibilizar o depoimento das testemunhas referidas. 8. Não se entende, quando na fase de inquérito, estando o arguido regularmente notificado para comparecer perante o OPC a fim de ser submetido a interrogatório, tendo oportunidade de esclarecer, logo ali, a factualidade ocorrida, faltou e não justificou a sua ausência. 9. Também em sede de contestação não arrolou qualquer testemunha, tendo também aqui oportunidade de exercer o seu direito de defesa, e, ao invés, apresentou inesperadamente uma testemunha em audiência de julgamento para confirmar a sua versão dos factos. 10. Mais, o arguido confirmou, em sede de julgamento, que disse aos militares ter sido ele a conduzir a viatura. 11. Apesar da testemunha BB afirmar conhecer um dos militares desde a sua infância, por terem sido colegas de escola, não sabe o seu nome e não conseguiu descrever a sua fisionomia. 12. A presença da testemunha BB, no local dos factos não foi confirmada pelos militares da GNR que se deslocaram ao local. 13. O nome desta testemunha surge apenas na audiência de julgamento. 14. A ser verdade o relatado pelo arguido e pela testemunha por si arrolada na audiência de discussão e julgamento, porque haveriam os militares da GNR atribuir o exercício da condução ao arguido, e não a BB? 15. De facto, os militares da GNR não viram o arguido a conduzir a viatura, mas, considerando que não estava nem compareceu mais ninguém no local, o arguido esteve sempre sozinho, assumindo desde logo que era o condutor do veículo e considerando o auto de notícia, prova documental junta aos autos, não restam dúvidas de que o arguido praticou os factos descritos na acusação. Cremos assim que, face à prova produzida nos autos, a decisão recorrida mostra-se equilibrada e correta, quer na subsunção jurídica quer na pena aplicada. Pelo exposto, a douta sentença condenatória proferida pelo tribunal a quo, não merece qualquer reparo ou censura, pelo que deve ser negado provimento ao recurso interposto e mantida a decisão recorrida. Sendo certo que V. Exas. apreciarão e farão tão desejada Justiça! (…) * I.4 Parecer do Ministério Público Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, nos termos do qual, aderindo à posição da Digna Magistrada do Ministério Público na primeira instância, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso. Mais sustentou que: (…) Fazemos notar que o recorrente não recorre da decisão sobre a matéria de facto, pelo que a mesma se encontra assente. Assim, o fundamento do recurso apenas pode residir na existência de vício da decisão, no caso, de erro notório na apreciação da prova [art.º 410.º, n.º 2, al. c), do CPP]. Ora, do texto da decisão, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, da lógica e da normalidade, não se evidencia que o Tribunal a quo tenha dado como provado ou como não provado algo que notoriamente está errado, ou que, usando um processo racional e lógico, retirou de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum ou ainda que determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão ou que a prova de um facto assentou na inobservância de regras sobre o valor da prova vinculada, ou das leges artis. (…) * I.5. Resposta Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta ao dito parecer. * I.6 Concluído o exame preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal. Cumpre, agora, apreciar e decidir. * II- FUNDAMENTAÇÃO II.1- Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso: Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, bem como da jurisprudência pacífica e constante [designadamente, do STJ1], e da doutrina2, são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal ad quem, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal3. * II.2- Apreciação do recurso Não pode deixar de se consignar que o presente recurso não cumpre o disposto no art.º 412º nº 2 do Cód. Processo Penal, não indicando sequer as normas que considera violadas. Aliás, todas as conclusões se mostram ausentes da indicação de qualquer norma legal! Mesmo a motivação indicada não o faz expressamente, sendo com muito esforço que tal se poderá entender cumprido pela indicação que o mesmo faz de um acórdão, no qual são referidos os preceitos que “impedem que sejam consideradas como prova depoimentos de órgãos de polícia criminal”. Assim, é inequívoco que face à falta de tais elementos da peça recursiva apresentada sempre haveria lugar ao cumprimento do disposto no art.º 417.º, n.º 3, 1ª parte do Código de Processo Penal. No entanto, pese embora o teor concreto das conclusões apresentadas, entende-se igualmente não se justificar o aperfeiçoamento acima aludido, primeiro, porque, apesar de tudo, é possível deduzir as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 do art.º 412.º, e depois, porque o recurso, como a seguir se verá, é improcedente, sendo de todo desnecessário qualquer melhoramento ao nível das conclusões. Assim, face às “conclusões” apresentadas, a questão decidenda que dela se retira é a seguinte: a) da validade da prova produzida em julgamento, designadamente, no que concerne à valoração do depoimento dos agentes de autoridade relativo a “conversas informais” que terão tido com o arguido; Vejamos. II.3 - Da decisão recorrida [transcrição dos segmentos relevantes para apreciar as questões objecto de recurso]: a. É a seguinte a matéria de facto considerada como provada pelo tribunal singular em 1ª Instância: (…) A) FACTOS PROVADOS Da audiência de discussão e julgamento resultaram provados, com interesse para a boa decisão, os seguintes factos: 1. No dia … de 2020, pelas 02 horas e 10 minutos, o arguido AA conduziu o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ..-LD-.. pela .... 2. Submetido a teste de pesquisa de álcool no sangue, apresentou uma taxa de 1,938 g/l, correspondente a 2,04g/l depois de deduzido o valor do erro máximo admissível. 3. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, com plena consciência de que havia ingerido bebidas alcoólicas e que tal ingestão lhe poderia determinar, como determinou, uma taxa de álcool no sangue igualou superior a 1,20 g/I, e que, por isso, não podia conduzir veículos com ou sem motor na via pública, mas ainda assim quis fazê-lo. 4. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei, tendo a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação. Mais se provou: 5. O arguido encontra-se inscrito na .... 6. A propriedade do veículo automóvel marca ... modelo ... matrícula ..-..-GU encontra-se registada em nome do arguido desde ........2018. 7. À data dos factos AA vivia, na morada constante nos autos, com a companheira e os dois filhos menores, com 6 e 4 anos de idade. Na actualidade, do núcleo familiar faz parte, mais um filho com 4 meses de idade. 8. Aos 23 anos, o arguido iniciou união marital, com a actual companheira. 9. O agregado familiar reside em habitação arrendada, com boas condições de habitabilidade e conforto. A anterior habitação era cedida por um familiar que foi, entretanto, demolida. 10. Oriundo de uma família de baixa condição económica, integrado numa fratria de 8 elementos, dos quais é o terceiro, AA beneficiou de um ambiente familiar coeso em termos afectivos e relacionais, dentro das regras e valores do seu grupo social. O quadro vivencial em que se desenvolveu, não estimulou ou valorizou a escolaridade/formação profissional, no entanto, o arguido completou o 4º ano de escolaridade, embora apresente competências de leitura e de escrita, pouco consolidadas. 11. A nível laboral é referido o apoio aos pais na venda ambulante e posteriormente o trabalho agrícola sazonal. 12. Embora AA refira atividade agrícola sazonal, e venda de automóveis com um cunhado, não menciona os eventuais rendimentos destas actividades. 13. O sustento do agregado é assegurado pela prestação do rendimento social de inserção de 612.08€ mensais, a este montante acrescem os abonos dos menores num valor de 400€ mensais. 14. Como despesas mensais fixas o agregado familiar tem: renda da habitação de 350€, cerca de 80€ para eletricidade e água e 210€ para despesas de consumo inerentes ao quotidiano familiar. 15. O núcleo familiar beneficia de apoio consistente por parte dos familiares, mesmo em termos económicos, sempre que necessário. AA dispõe de um enquadramento positivo no seu meio vicinal, estabelecendo relações próximas com elementos da família extensa e seus pares, com quem convive em cafés na zona de residência, convívios que por vezes levam a excessos de consumo de bebidas alcoólicas. Todavia, estes excessos não são assumidos como frequentes por AA, repontando-os para ocasiões festivas. 16. AA revela consciência do normativo social, ainda que, ao longo do seu trajeto de vida e dos diversos contactos com o sistema de administração de justiça, tenha evidenciado baixa capacidade de juízo crítico sobre os seus actos, o que se tem constituído como fator de risco, determinando várias condenações. 17. No âmbito do processo 29/19.5PFEVR do Juízo Local criminal de Évora – Juiz 2, foi condenado na pena de doze meses de prisão executar em regime de permanência na habitação com fiscalização de meios técnicos de controlo à distância, pela prática de crime de condução sem habilitação legal. Iniciou o cumprimento da pena a 14 de janeiro de 2021, prevendo-se o termo para o dia 13 de janeiro de 2022. No entanto, a 29 de setembro de 2021, ausentou-se da sua habitação, retirou o DIP (dispositivo de identificação pessoal, vulgo pulseira eletrónica) permanecendo em parte incerta até ao dia 25 de novembro de 2021. Perante este incumprimento foi-lhe revogada a medida, sendo conduzido ao Estabelecimento Prisional de ... a 17 de janeiro de 2022 para cumprimento do remanescente da pena, ou seja, 55 dias de prisão. 18. Segundo o arguido a ausência da habitação deveu-se a receios de agressões por parte de outros elementos do seu meio de pertença que o obrigaram a refugiar-se em casa de familiares noutra zona do país. 19. Durante o cumprimento desta pena frequentou a sessão formativa "Comportamento Rodoviário Responsável” ministrada por esta DGRSP, englobada no programa “Licença.Com” adequado à problemática em causa. Durante este período a subsistência do agregado foi assegurada pelos familiares, cujo grupo de pertença, se caracterizada por forte coesão comunitária. 20. No que respeita ao acompanhamento da suspensão da execução da pena de prisão em curso no processo 544/20.8GBCCH do Juízo de Competência Genérica de Coruche, mais uma vez por condução sem habilitação legal e falsificação de documento, AA tem evidenciado maior capacidade no reconhecimento do dano e da ilicitude. Verbaliza a convicção de que se encontra numa situação limite, e reconhece a necessidade de obter a licença de condução ou não puder conduzir, o que o prejudica a nível familiar. 21. Nesta circunstância, tem frequentado a escola de condução ..., já fez exame de código, com sucesso, aguarda ser presente a exame de condução, após terminar todas as aulas. 22. Por sentença proferida em 27.11.2013, transitada em julgado em 09.01.2014, (extinto) 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Moita, no âmbito do processo comum singular n.º 1340/10.6GAMTA, o arguido foi condenado pela prática, em 23.10.2010, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, a qual foi substituída por trabalho e declarada extinta pelo cumprimento. 23. Por sentença proferida em 30.11.2016, transitada em julgado em 12.01.2017, pelo Juiz 1 do Juízo Local Criminal de Évora no âmbito do processo especial sumário n.º 59/16.9PFEVR, o arguido foi condenado pela prática, em 30.11.2016, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 140 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, a qual foi declarada extinta pelo cumprimento. 24. Por sentença proferida em 27.04.2017, transitada em julgado em 29.05.2017, pelo Juiz 4 do Juízo Local de Setúbal, no âmbito do processo especial sumário n.º 46/17.0PFSTB, o arguido foi condenado pela prática, em 25.04.2017, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 7 meses de prisão suspensa na execução por um ano sujeita a regime de prova, a qual foi declarada extinta pelo cumprimento. 25. Por sentença proferida em 11.07.2019, transitada em julgado em 11.11.2020, pelo Juiz 2 do Juízo Local de Évora, no âmbito do processo especial sumário n.º 29/19.5PFEVR, o arguido foi condenado pela prática, em 01.05.2019, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 12 meses de prisão a cumprir em regime de permanência na habitação, a qual foi julgada extinta pela liberdade concedida a 11.03.2022. 26. Por sentença proferida em 07.06.2022, transitada em julgado em 07.07.2022, pelo Juízo de Competência Genérica de Coruche, no âmbito do processo comum singular n.º 544/20.8GBCCH, o arguido foi condenado pela prática, em 27.12.2020, de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de falsificação de documento, na pena única de 1 ano e 7 meses de prisão suspensa na execução por igual período e sujeita a regime de prova.” (…) * b. É a seguinte a motivação da decisão de facto apresentada pelo tribunal de 1.ª Instância (…) “C) MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO C.1.) Quanto ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez De acordo com o artigo 205.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, as decisões dos Tribunais são fundamentadas na forma prevista na lei. Por sua vez, o Código de Processo Penal explicita, nos seus artigos 97.º, n.º 4 e 374.º, n.º 2, que a sentença deve especificar os motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal. A prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade: deve o Tribunal lançar se à procura do "realmente acontecido" conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objecto impõe à sua tentativa de o “agarrar” e, por outro, os limites que a ordem jurídica lhe marca, derivados da(s) finalidade (s) do processo. Conforme decorre do Código de Processo Penal, um dos princípios que rege a audiência de discussão e julgamento, é o princípio da imediação que, como se afere do artigo 355.º, se traduz no facto de a convicção do Tribunal, em audiência, resultar da prova examinada ou que nela se produza. Por seu turno, tal prova está sujeita ao princípio da livre apreciação, segundo o qual aquela é apreciada de acordo com as regras da experiência e da livre convicção da entidade julgadora (cfr. art.º 127.º do CPP). Quer isto significar que a prova deve ser apreciada na sua globalidade, não através do livre arbítrio, mas de acordo com as regras comuns da lógica, da experiência e dos conhecimentos científicos e vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório. Todavia, não podemos esquecer que, pese embora este princípio seja a regra geral, existem algumas excepções, nomeadamente: o valor probatório dos documentos autênticos e autenticados (art.º 169.º do CPP), a confissão integral e sem reservas no julgamento (art.º 344.º do CPP) e a prova pericial (art.º 163.º do CPP). Em suma, a convicção do Tribunal forma-se, não só com base em dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, mas também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im) parcialidade, serenidade, "linguagem silenciosa e do comportamento”, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos. Relativamente às declarações do arguido haverá que ter em conta, porém, o princípio da presunção da inocência, o qual se traduz em que até prova em contrário, o arguido deverá ser considerado inocente – cfr. art.º 32.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. Importa, pois, desta forma, proceder a uma fundamentação de facto que permita alcançar o raciocínio seguido pelo Tribunal na sua decisão. Nesta conformidade, o Tribunal formou a sua convicção, sobre a factualidade provada no conjunto da prova realizada em audiência de discussão e julgamento, analisada de forma crítica e recorrendo a juízos de experiência comum. O arguido negou a prática dos factos. Declarou que, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na acusação pública, encontrava-se acompanhado do seu cunhado – BB -, condutor do veículo identificado nos autos, quando este se despistou no percurso que efectuavam para sua casa. O veículo automóvel ficou imobilizado no local do acidente e o cunhado do arguido foi procurar ajuda, tendo o arguido permanecido junto do veículo automóvel sinistrado, visivelmente embriagado. Quando a Guarda Nacional Republicana surgiu no local, o arguido assumiu a condução do veículo automóvel “porque se sentiu culpado pelo acidente porque o cunhado apenas estava a conduzir o veículo automóvel, propriedade da sua irmã, para ir levá-lo a casa” (sic). Entretanto, o seu cunhado surge no local, após ter solicitado a presença do reboque e de um táxi, tendo referido às autoridades que o arguido não era o condutor da viatura. As declarações do arguido foram corroboradas pelo depoimento de BB, seu cunhado, o qual afirmou ter reconhecido a propriedade do veículo sinistrado perante as autoridades e “que se tinha despistado” (sic), razão pela qual não compreendeu a deslocação do arguido ao Posto Territorial. Quando o arguido foi transportado ao Posto Territorial da Guarda Nacional Republicana, a testemunha permaneceu no local do acidente, a aguardar a chegada do reboque. O arguido regressou antes da chegada do reboque e ambos abandonaram o local de táxi. CC e DD, militares da Guarda Nacional Republicana em exercício de funções, à data dos factos, no Posto Territorial de ..., confirmaram a as circunstâncias de tempo e espaço da sua deslocação ao, na sequência de acidente de viação comunicado, a presença do arguido junto ao veículo automóvel sinistrado, a admissão deste como condutor da viatura em causa (i.e. “prendam-se. Era eu que vinha a conduzir” (sic)), a marca, modelo e nome do proprietário da viatura, a inexistência de qualquer outra pessoa no local, mormente devido à pandemia, a taxa de álcool apresentada e a identificação do arguido através do cartão de cidadão. A testemunha DD, militar autuante, confirmou que estava presente no local quando chegou o reboque para transporte da viatura e que mais ninguém se encontrava presente, mormente o cunhado do arguido. Os depoimentos das testemunhas, militares da Guarda Nacional Republicana, foram objectivos, directos e circunstanciados, não tendo revelado conhecimento prévio do arguido ou qualquer animosidade relativamente ao mesmo. As testemunhas foram peremptórias ao afirmarem que, para além do arguido, nenhuma outra pessoa estava no local. Portanto, a presença de BB não foi confirmada pelas testemunhas, ainda que aquele tenha afirmado que conhecia um dos militares do tempo de escola (ainda que não se lembre do nome) e dialogou com ele. Assim, a referida prova testemunhal refuta as declarações do arguido e o depoimento de BB, quanto ao exercício da condução por este e não por aquele. Acresce que, é o próprio arguido quem confirma que, no local dos factos, assumiu a condução do veículo automóvel. Tal facto é corroborado pelos depoimentos dos militares da Guarda Nacional Republicana e pelo teor da participação de acidente de viação de fls. 64 a 67. Note-se que o arguido, em sede de prazo para apresentar contestação, não arrolou qualquer testemunha. O nome de BB surge apenas em audiência de discussão e julgamento. O arguido tem quatro condenações pela prática do crime de condução sem habilitação legal, tendo já cumprido pena de prisão em regime de permanência na habitação. A estratégia de defesa do arguido, atentos os seus antecedentes criminais, é imputar a condução a outra pessoa, no caso, o seu cunhado. Porém, conforme referido, as suas declarações e o depoimento de BB, quanto à presença deste no local e exercício da condução, é refutada pelos depoimentos dos militares da Guarda Nacional Republicana e pela assunção da condução pelo arguido no momento da fiscalização. Termos em que, o tribunal não acreditou na versão dos factos narrada pelo arguido e no depoimento de BB. As circunstâncias de tempo e lugar resultam ainda do auto de notícia de fls. 44 a 46, cuja autenticidade e veracidade de conteúdo não foram postas em causa, e a taxa de álcool apurada aquando do teste efectuado, constante do talão a fls. 48. A Lei n.º 72/2013, de 3 de Setembro, que alterou o Código da Estrada, tomou partido na querela jurisprudencial que estava dividida quanto ao desconto, ou não, do erro máximo admissível aquando do controlo da taxa de alcoolemia e, na alínea b) do n.º 1 do art.º 170.º do Código da Estrada, fez prescrever que do auto de notícia conste “o valor registado” e “o valor apurado” “após dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição” (neste sentido, Ac. do TRP, de 15.01.2014, proc. 295/12.7SGPRT.P1, relator: Neto de Moura, disponível em www.dgsi.pt). Assim, à taxa de alcoolemia (2,04 g/l) registada pelo aparelho utilizado na realização do exame (fls. 48) foi subtraído o valor correspondente aos chamados “erros máximos admissíveis” (EMA) constantes do anexo à Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, in caso, 5% (vide certificado de verificação do alcoolímetro de fls. 49). O propósito intencional do arguido, sendo um facto íntimo, subjectivo, sobre o qual não foi, como é normal, produzida prova, infere-se da materialidade objectiva dada por provada de acordo com as regras da lógica e da experiência comum. C.2) Quanto aos antecedentes criminais Os antecedentes criminais do arguido resultam da análise do teor do certificado de registo criminal, junto dos autos na ref.ª 361691121 do PE. C.3.) Quanto às condições pessoais e sócio-económicas do arguido A factualidade respeitante à situação pessoal e socioeconómica do arguido alicerçou-se na valoração positiva das suas declarações, as quais foram tidas como reveladoras de factos verídicos, conjugadas com o relatório social junto na ref.ª 36893271 do PE e os documentos juntos nas ref.ªs 36168939 (...) e ref.ª 425164052 do PE (veículos automóveis). (…) » II.4- Apreciemos, então, as questões a decidir. a) da validade da prova produzida em julgamento, designadamente, no que concerne à valoração do depoimento dos agentes de autoridade relativo a “conversas informais” que terão tido com o arguido Sustenta o recorrente que o Tribunal a quo não poderia ter valorado o depoimento dos agentes autuantes, que não o viram a conduzir o veiculo automóvel, mas perante os quais ele afirmou ser o seu condutor, porquanto tal seria uma mera conversa informal, desprovida de qualquer valor probatório, pelo que, não existindo qualquer outra prova que corrobore ter sido ele o autor do ilícito, deverá o mesmo ser absolvido. O art.º 125º do Cód. de Processo Penal consagra o princípio da legalidade da prova, estipulando que em processo penal «são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei». E em imediato complemento, resulta do disposto no nº1 do art.º 126º do Cód. de Processo Penal, serem por regra nulas, não podendo ser utilizadas, «as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas» (estatuindo o nº2 do mesmo artigo casos–padrão de situações que configurarão este último circunstancialismo) ; e mais adita o nº3 do referido artigo, que, ressalvados os casos previstos na lei, «são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular». Ora, assentando em prova proibida e nula, necessariamente deverá considerar–se a sentença também afectada de nulidade, que, ainda que não expressamente prevista nos arts. 119º e 120º do Cód. de Processo Penal, se impõe seja reconhecida e declarada, mesmo nesta fase processual – tanto assim que desde logo o nº 3 do art.º 118º do Cód. de Processo Penal especificamente adverte que «as disposições do presente título não prejudicam as normas deste Código relativas a proibições de prova». Na verdade, a nulidade processual assim em causa tem como efeito o de tornar inválido o acto em que se verifique, assim como aqueles que dele dependerem e que possam ser afectados pela mesma, sendo a abrangência processual dos efeitos de tal nulidade determinada na decisão que a reconheça e declare – tudo nos termos prevenidos no art.º 122º/1/2 do Cód. de Processo Penal. Donde, estando em causa a valoração de um meio de prova proibido que haja levado o tribunal recorrido à formação de determinado juízo de convicção sobre a globalidade da prova plasmado na sentença, e sendo o mesmo constatado em sede de recurso da mesma sentença, o único caminho legalmente admissível consiste precisamente na expurgação do dito meio de prova, e à reformulação do raciocínio lógico-dedutivo à luz tão apenas da prova permitida. Vejamos então a questão. Tem sido muito debatida na jurisprudência a matéria que concerne à valoração do depoimento de órgão de polícia criminal, acerca do que ouviu dizer ao arguido e da valoração das chamadas “conversas informais”. Faz-se, por vezes, a distinção entre conversas informais anteriores à constituição como arguido e conversas informais posteriores a essa constituição. Alguma jurisprudência sustenta que as conversas usualmente designadas de “informais”, mantidas entre órgão de polícia criminal e o arguido, não podem ser (validamente) valoradas, sejam quais forem as condições e o tempo processual da sua obtenção, nelas se incluindo, consequentemente, as verificadas antes de aquele obter a descrita qualidade de sujeito processual. É a posição assumida, entre outros, pelos Ac.RG de 31-05-2010, processo 670/07PBGMR.G1; da RL de 03/05/2011, processo 146/09.0PHOER.L1-5; da RP de 09/11/2011, processo 196/06.8GAMDB.P1 e da RC de 04/02/2015, processo 53/13.1GDFND.C1. A esta posição contrapõe-se o entendimento que perfilhamos, desde já se adianta, que, relativamente às informações colhidas antes da abertura de um inquérito, a lei não prevê qualquer tipo de entrave ou de limitação que impeça que os órgãos de polícia criminal sejam inquiridos relativamente a elas, mesmo que colhidas de conversas com quem ainda não tem a qualidade de arguido, dando-se como exemplo as conversas tidas com um suspeito logo no local da infracção e imediatamente após a sua ocorrência, ou no hospital para onde este tenha sido conduzido na sequência de um acidente de viação. É o entendimento perfilhado, entre outros, pelos Ac.RC de 11/09/2013, processo 71/11.4GCALD.C1, Ac.RP de 17/06/2015, processo 543/12.3PDPRT.P1; da RL de 22/06/2017, proc.320/14.7GCMTJ.L1-9, Ac.RL de 27/06/2023, proc. 143/21.7PTOER.L1-5, Ac. do S.T.J., de 15/02/2007, processo 06P4593 (relator: Conselheiro Maia Costa) e outros que a seguir se identificarão. O acórdão do S.T.J., de 12/12/2013, processo 292/11.0JAFAR.E1.S1 (relator: Conselheiro Costa Cabral), assinala que o depoimento de órgão de polícia criminal pode assumir conformação diversa consoante o momento e as circunstâncias a que se reporta, reconduzindo-se as denominadas “conversas informais” com o arguido: a) a afirmações percepcionadas pelo órgão de polícia criminal, enquanto cidadão comum, em momentos da vida quotidiana e nas exactas circunstâncias em que qualquer cidadão pode escutar tais declarações; b) a afirmações proferidas por ocasião ou por causa de actos processuais de recolha de declarações; c) a conversas tidas com um órgão de polícia criminal no decurso de actos processuais de ordem material, de investigação no terreno ou em acções de prevenção e manutenção da ordem pública em que aqueles são confrontados com o crime. Entendeu o S.T.J. que o agente de órgão de polícia criminal apenas não pode ser inquirido como testemunha sobre o conteúdo de declarações formais que estão no processo ou de declarações informais que, devendo estar no processo por imposição legal, efectivamente não estão dizendo-se no dito aresto: «Contudo, de forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infracção de que a autoridade policial acaba de ter notícia. … Nessa fase não há ainda inquérito instaurado, não há ainda arguidos constituídos. É uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto. As informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. … O que o art.º 129.º do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art.º 249.º do CPP. Na verdade, só a partir do momento em que a suspeita passa a ser razoavelmente fundada se impõe a suspensão imediata do acto e a constituição formal como arguido nos termos do artigo 59.º n.º 1 do Código Penal. Até esse momento o processo de obtenção de diversas declarações, incluindo as do então suspeito, e posterior arguido, logra cobertura legal nos termos dos artigos 55 n.º 2 e 249 n.º 1 e 2, als. a) e b) do mesmo diploma. A constituição de arguido constitui, assim, um momento, uma linha de fronteira na admissibilidade das denominadas “conversas informais”, pois que e a partir dai que as suas declarações só podem ser recolhidas, e valoradas, nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas, ou quaisquer outras provas, recolhidas informalmente. Consequentemente, não é admissível o depoimento que se reporte ao contacto entre a autoridade policial e o arguido durante o inquérito, quando há arguido constituído, e se pretende “suprir” o seu silêncio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais, testemunhando a “confissão” informal, ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido a margem dos formalismos impostos pela lei processual, para os actos a realizar no inquérito. Precisa-se, assim, que a proibição do artigo 129.º do Código Penal visa os testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, mas não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligencias de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art.º 249.º do CPP Na verdade, nestas providencias a autoridade policial procede a diligencias investigatórias, no âmbito do inquérito, em relação a infracção de que teve notícia.» O caso dos autos é paradigmático na demostração que posições mais extremadas sobre tal questão podem levar a resultados de difícil compreensão e que nos afastam decisivamente da primeira das posições sobre tal questão elencada. Atente-se que quando o arguido recorrente é abordado pelos soldados da GNR, com eles entabula um diálogo, mas nessa altura não é suspeito de qualquer crime, nem como tal é interpelado. A pretensa auto-incriminação não existe neste momento ainda, porquanto o simples enunciar que era ele o condutor do veículo automóvel, de per si, não constitui qualquer ilícito. Não havia qualquer motivo para os agentes da autoridade, chegados ao local e deparando-se com um despiste de um veículo automóvel devessem imediatamente constituir quem quer que seja arguido, porquanto, até aquele momento não tinham conhecimento/notícia de qualquer crime. Reforça-se, se os agentes da autoridade não decidissem sujeitar o arguido ao teste de álcool, a expressão do arguido em reconhecer ser ele o condutor do veículo, era inócua, pois não era, de per si, sequer uma confissão de um crime, este só surge a posteriori. Negar a valoração dos depoimentos das duas referidas testemunhas agentes da autoridade, ao narrarem em audiência o que ouviram dizer ao arguido, não viola as normas em que se baseia a tese argumentativa do recorrente, e levaria a uma solução que na mesma situação, seria possível valorar um transeunte com quem o arguido naquele momento falasse e não já aqueles. Se ainda não havia obrigação de constituição como arguido e as entidades policiais agiam dentro dos poderes concedidos pelas normas reguladoras da aquisição e notícia do crime (artigos 241º e 242º) e de medidas cautelares e de policia (artigos 248º e segs., designadamente o artigo 250º do C.P.P.) e, sem má fé ou atraso propositado na constituição de arguido, ouvem do cidadão ou suspeito a informação da prática de um crime ou de um dos elementos típicos, que voluntariamente a transmite, como é o caso, isso não constitui violação de lei ou fraude à lei, nem obtenção de prova proibida. Sobre os órgãos de polícia criminal incumbe o dever de nos termos do art.º 249º do CPP, praticar “os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime. Estas “providências cautelares” são fundamentais para investigar a infracção, para que essa investigação tenha sucesso. E daí que a autoridade policial deva praticá-las mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária para investigar (art.º 249º, nº 1). Conclui-se, assim, que o relato de agentes dos órgãos de policia criminal sobre afirmações e contribuições informatórias do arguido - tal como de factos, gestos, silêncios, reacções, etc - de que tomaram conhecimento fora do âmbito de diligências de prova produzidas sob a égide da oralidade (interrogatórios, acareações etc.) e que não o devessem ser sobre tal formalismo, bem como no âmbito das demais diligências, actos de investigação e meios de obtenção de prova (actos de investigação proactiva, buscas e revistas, exames ao lugar do crime, reconstituição do crime, reconhecimentos presenciais, entregas controladas, etc) que tenham autonomia técnico-jurídica constituem depoimento válido e eficaz por se mostrarem alheias ao âmbito de tutela dos artigos 129º e 357º do Código (Ac.RL de 27/06/2023, proc. 143/21.7PTOER.L1-5) Neste sentido que vimos referindo, entende-se que, tal como no caso vertente, o depoimento prestado pelas testemunhas pertencentes ao órgão de polícia criminal e relativa às indicações do arguido antes de o ser, sem que nada determinasse a sua constituição, sem haver sequer noticia de crime, não pode deixar de ser valorado e constituem um meio de prova válido e relevante, sob pena de uma construção jurídico-dogmática sem sentido. Com idêntico alcance se pronunciou, também, o Tribunal Constitucional, ao considerar, no Acórdão nº 440/994, que “Há, assim, que concluir que o artigo 129º, nº 1 (conjugado com o artigo 128º, nº 1) do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que o tribunal pode valorar livremente os depoimentos indirectos de testemunhas, que relatem conversas tidas com um co-arguido que, chamado a depor, se recusa a fazê-lo no exercício do seu direito ao silêncio, não atinge, de forma intolerável, desproporcionada ou manifestamente opressiva, o direito de defesa do arguido. […] Por isso, não havendo um encurtamento inadmissível do direito de defesa do arguido, tal norma não é inconstitucional.” Qual a decorrência do entendimento que vimos seguindo, admitindo o depoimento dos agentes da autoridade sobre a conversação tida com o arguido quando chegaram ao local do acidente? Desde logo se adianta que o recorrente não articula qualquer erro de julgamento. No caso em apreço, o Tribunal a quo confrontou-se com duas versões dos factos: a que foi transmitida pelos agentes autuantes –, que deram conta de ter encontrado no local do acidente de viação o arguido, que se identificou, voluntariamente, como condutor do veículo sinistrado, tendo então desencadeado os procedimentos com vista à fiscalização das condições em que fora exercida a condução – e a relatada em julgamento pelo arguido – que negou ter conduzido o veículo, afirmando agora que teria sido uma outra pessoa. Ora, o tribunal recorrido valorou os meios de prova de acordo com a experiência comum e com critérios objetivos que permitem estabelecer um substrato racional de fundamentação e convicção, com o apoio de presunções naturais, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinada facto, não anteriormente conhecido nem diretamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido. Com efeito, pela conferência do texto da decisão recorrida, não se vislumbra que o julgador tenha tido dúvidas sobre a verificação dos factos que considerou assentes. Ao invés, a motivação da decisão de facto é bem esclarecedora quer quanto aos meios de prova que sustentaram a convicção formada, quer quanto ao percurso lógico seguido na sua formação, nenhuma falha ou incorreção se detetando no exame crítico da prova, não se extraindo minimamente da fundamentação da decisão recorrida que o julgador tenha tido dúvidas sérias e razoáveis sobre a prova de qualquer dos factos que considerou assentes. Não se vislumbra, pois, sequer que a mesma tenha incorrido em qualquer um dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do mesmo diploma legal (que, como se sabe, são de conhecimento oficioso), não se descortinando, na decisão recorrida, qualquer erro de apreciação ou de raciocínio, qualquer asserção contrária às regras da experiência comum ou qualquer juízo ilógico, arbitrário ou contraditório, sendo o recurso interposto totalmente improcedente. » III- DISPOSITIVO Pelo exposto, acordam os juízes da 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos. Custas pelo arguido recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UCS [artigo 515º, nº 1, al. b) do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III]. Notifique nos termos legais. » Lisboa, 19 de Novembro de 2024 (O presente acórdão foi processado em computador pelo relator, seu primeiro signatário, e integralmente revisto por si e pelos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos – art.º 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal - encontrando-se escrito de acordo com a antiga ortografia) Os Juízes Desembargadores, João Grilo Amaral João António Filipe Ferreira Paulo Barreto _______________________________________________________ 1. Indicam-se, a título de exemplo, os Acórdãos do STJ, de 15/04/2010 e 19/05/2010, in http://www.dgsi.pt. 2. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág.335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113. 3. Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada pelo Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR/I 28/12/1995. 4. De 08 de julho de 1999, no processo nº 268/99, relatado pelo Conselheiro Messias Bento, em www.tribunalconstitucional.pt. |