Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5761/20.8T8LRS.L2-4
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
PERDA DO LOCAL DE TRABALHO
BAIXA POR DOENÇA
RETRIBUIÇÕES INTERCALARES
DEDUÇÕES
SUBSÍDIO DE DESEMPREGO
CONHECIMENTO OFICIOSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I. De acordo com a cláusula 14.ª do CCT em vigor para o sector da vigilância e segurança, (objecto da Portaria n.º 307/2019, de 13 de Setembro) a sucessão de prestadores de serviços num determinado local de trabalho, ou cliente – quer essa sucessão de empresas na execução da prestação de serviços se traduza, ou não, na transmissão de uma unidade económica autónoma ou tenha uma expressão de perda total ou parcial da prestação de serviços –, não fundamenta, só por si, a cessação dos contratos de trabalho abrangidos, mantendo-se em vigor, agora com a nova prestadora de serviços, os contratos de trabalho vigentes com os trabalhadores que ali prestavam anteriormente a atividade de segurança privada, com todos os direitos, os deveres, as regalias, a antiguidade e a categoria profissional que vigoravam ao serviço da prestadora de serviços cessante.
II. A circunstância de o vigilante afecto a determinado local de trabalho se encontrar de baixa por doença e com o contrato de trabalho suspenso à data da sucessão de prestadores de serviços e nos 90 dias que a antecederam, não constitui uma razão válida para o excluir do conjunto de trabalhadores em que se integra e foram abrangidos pela sucessão.
III. Cabe ao empregador que pretenda beneficiar das deduções previstas no nº 2, alínea a) do artigo 390º do Código do Trabalho, deduzir atempadamente a inerente excepção, cabendo-lhe ainda fazer a prova da percepção pelo trabalhador de rendimentos de trabalho por actividade iniciada após o despedimento ou outros valores que devam deduzir-se às retribuições intercalares.
IV. A dedução do subsídio de desemprego prevista na alínea c) do n.º 2 do art.º 390.º, do Código do Trabalho, é de conhecimento oficioso.
(sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
П
1. Relatório
1.1. AA, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum contra XX, Lda. e YY, Lda., pedindo a declaração de ilicitude do despedimento e a condenação solidária ou individual das RR. no pagamento de indemnização substitutiva, retribuições vincendas e de férias, bem como proporcionais de férias e subsídios de férias e de Natal, indemnização por danos não patrimoniais e juros.
Em fundamento da sua pretensão, alegou, em síntese: que celebrou um contrato de trabalho com a 1.ª R., no decurso do qual desempenhou funções de Vigilante Aeroportuária no Terminal 1 e dos Tripulantes da PP do Aeroporto de Lisboa; que entrou em período de baixa médica e, no seu decurso, a R. efectuou uma comunicação de que o seu posto de trabalho passaria a ser responsabilidade da 2.ª R. ao abrigo do regime da sucessão no posto de trabalho; que a 2.ª R. se recusou a receber a prestação da A. e que foi ilicitamente despedida.
Realizada audiência de partes, na qual não foi possível a conciliação entre as mesmas, ambas as Rés vieram a contestar.
A R. XX, Lda. invocou, em suma, que os serviços de segurança que desenvolveu no Aeroporto de Lisboa entre 2005 e 4 de Novembro de 2019, concretamente no Terminal 2, objeto do contrato, assentavam numa equipa de 239 vigilantes entre os quais se encontrava a A.; que, com a adjudicação do serviço de vigilância à 2.ª R., a A. deixou de ser sua trabalhadora subordinada, tendo a relação contratual daquela consigo cessado em 4 de Novembro de 2021, mas não o respectivo contrato de trabalho, o qual passou, a partir deste momento a ter como entidade empregadora a co-R YY, Lda.por via do regime contratual-colectivo da sucessão do posto de trabalho constante da Convenção Colectiva de Trabalho para o sector (CCT celebrada entre a AES e o STAD, e o celebrado entre a AES e a FETESE - BTE nº 48 de 29.12.2018, objecto de PE), tal como sempre o seria ao abrigo do regime legal da transmissão de estabelecimento previsto no artigo 285.º do Código do Trabalho.
A R. YY, Lda., por seu turno, alegou, em síntese: que a prestação de serviços que lhe foi adjudicada reporta-se apenas ao Terminal 2 do Aeroporto …, em Lisboa; que, conforme decorre da obrigação prevista no número 7.º da cláusula 14ª, da Convenção Colectiva de Trabalho a Ré XX, Lda. lhe forneceu a listagem dos trabalhadores transferidos, dela constando o nome da Autora, não tendo a R. YY, Lda. (nova prestadora de serviços) aceite a transmissão deste contrato de trabalho porque não estavam verificados os pressupostos estabelecidos na referida cláusula 14ª, pois a A. não prestava serviço no Terminal 2 e encontrava-se de baixa médica há mais de 120 dias imediatamente anteriores à data da transmissão dos trabalhadores que integram a operação de segurança do Terminal 2 (5 de Novembro de 2019); que a suspensão do contrato de trabalho da A. se mantinha à data de 5 de Novembro de 2019, pelo que a A. não prestava serviço no Terminal 2 há 90 ou menos dias; que a A. não possuía desde o início da baixa médica as condições mínimas de aptidão física e mental exigidas para o exercício das funções de vigilante APA de acordo com o Regime Jurídico da Vigilância Privada [artigo 22.º, número 7, alínea a)], normas imperativas que não podem ser violadas, pelo que só se aplica o previsto na cláusula 14ª da CCT se se verificam as condições para exercer funções de vigilante APA, podendo estar em causa a possível caducidade do contrato de trabalho nos termos previstos nos artigos 340.º e 343.º, alínea b) do CT.
Ambas as RR. sustentam a sua absolvição do pedido.
Foi proferido despacho saneador e dispensou-se a enunciação do objecto do litígio e dos temas de prova.
Realizou-se audiência de julgamento, finda a qual foi proferida sentença que, em suma, declarou a ilicitude do despedimento da autora e condenou a ré YY, Lda. a pagar-lhe uma indemnização em substituição da reintegração, bem como as retribuições intercalares que deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da ação até ao trânsito em julgado desta decisão, bem como retribuição de férias vencidas em 2018 e não gozadas e indemnização por danos não patrimoniais, absolvendo a ré XX, Lda. de todos os pedidos.
1.2. Interposto pela R. YY, Lda., recurso de apelação de tal sentença, este Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão de 17 de Maio de 2023, decidiu “anular oficiosamente a sentença proferida em 1.ª instância e determinar a ampliação da matéria de facto, de modo a que o tribunal a quo emita decisão devidamente fundamentada, em que declare se considera provada, e em que termos, ou “não provada”, a matéria alegada no indicado segmento do artigo 30.º da contestação, sem prejuízo da apreciação de novos factos resultantes da instrução, desde que observados os pressupostos do artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho, ou de outros pontos da matéria de facto com o fim de evitar contradições, aplicando subsequentemente o direito à globalidade dos factos que considerar provados”.
1.3. A R. YY, Lda. formulou em 29 de Maio de 2023 requerimento na 1.ª instância, invocando o artigo 5.º do Código de Processo Civil e requerendo que sejam considerados factos complementares e instrumentais [art.º 5º, nº 2, a) do Código de Processo Civil], “que a Autora recebe pensão de invalidez desde 03-08-2021, no valor mensal de €211,79, não apresentando registo de remunerações desde 01-11-2020, no subsistema da segurança social”. Invoca a informação prestada pelo Instituto da Segurança Social, datada de 13 de Outubro de 2021 (a fls. 170) e sustenta que a reforma por invalidez tem efeitos no pagamento da indemnização por antiguidade (decorrente do despedimento ilícito, sempre sem conceder), não tendo a autora direito a tal pagamento porque o seu contrato de trabalho cessou por passar à situação da reforma, por invalidez, após apresentação da petição inicial e antes de ser proferida sentença, e que, em virtude da reforma, a autora apenas tem direito às retribuições que teria auferido desde a data do despedimento até à data da reforma.
O Mmo. Juiz a quo proferiu então em 2023.08.18 despacho em que, após reproduzir a parte decisória do Acórdão da Relação de Lisboa proferido nos autos, fez constar o seguinte:
«[…]
No seguimento da fundamentação do Douto Acórdão, em especial no último parágrafo da sua página 25, e ao abrigo do disposto no art.º 72.º, n.º 1 do CPT, comunica-se que, na sentença a proferir, o Tribunal irá tomar em consideração os seguintes factos:
1.º Aditamento – A autora integrava a equipa de 239 vigilantes referida no ponto xviii.) dos Factos Provados;
2.º Aditamento – A autora constava, desde dezembro de 2018, dos mapas mensais de escalas do Pessoal do Terminal 2, elaborados pelos serviços da “XX, Lda.”;
3.º Aditamento – A autora recebe pensão de invalidez desde 03-08-2021, com o valor mensal inicial de € 211,79.
O facto do 1.º aditamento já constava da contestação da XX, Lda.. Os restantes, resultam da instrução da causa, designadamente, o 2.º, do depoimento da testemunha BB e o 3.º do Ofício da Segurança Social de 13-10-2021 (fls.170 do suporte físico do processo).
Prazo: dez dias, cujo início da contagem terá de ocorrer, necessariamente, após o termo das férias judiciais.
Notifique as partes.
Oficie ao Instituto da Segurança Social para que informe se a pensão de invalidez que está a pagar à autora desde 03-08-2021 já sofreu aumentos, quando e para que valores
[…]»
Ouvidas as partes, nenhuma delas veio alegar ou requerer o que quer que fosse a propósito.
Foi recebida da Segurança Social informação datada de 27 de Setembro de 2023 de que a A. “recebeu apenas 3 prestações em 2021” e que a “primeira prestação paga foi no total de 416,52 € e as duas seguintes foram no valor de 211,79 €”.
Em 13 de Março de 2024, foi proferida nova sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
«[…]
Pelo exposto, julgando a ação procedente,
1. Declaro a ilicitude do despedimento da autora AA ocorrido em 05-11-2019;
e, em consequência,
2. Condeno a ré “YY, Lda.” a pagar à autora uma indemnização em substituição da reintegração, correspondente a 35 (trinta e cinco) dias de retribuição base por cada ano ou fração completos de antiguidade que se vencer até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, e que nesta data, contabilizados 15 anos 8 meses e 9 dias, já ascende a € 15.244,80 (quinze mil, duzentos e quarenta e quatro euros e oitenta cêntimos);
3. Condeno a ré “YY, Lda.” a pagar à autora todas as retribuições intercalares que esta deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da ação até ao trânsito em julgado desta decisão ou outra que a confirme, e que ascendem, à data de hoje, a € 42.643,86 (quarenta e dois mil, seiscentos e quarenta e três euros e oitenta e seis cêntimos);
4. Condeno a ré “YY, Lda.” a pagar à autora a quantia de € 482,59 (quatrocentos e oitenta e dois euros e cinquenta e nove cêntimos) a título de 13 (treze) dias de férias vencidas em 2018 e não gozadas;
5. Condeno a ré “YY, Lda.” a pagar à autora a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais;
6. Às quantias acima referidas acrescem juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, até integral pagamento;
7. Absolvo a ré “XX, Lda.” de todos os pedidos.
Custas a cargo da ré “YY, Lda.”.
[…]»
1.4. A R. YY, Lda., inconformada, interpôs recurso da sentença, tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
«A. A. Em face dos factos dados como provados na sentença proferida pelo Tribunal a quo, deverá, por bem da verdade material e da ratio dos artigos 285.º do CT, 14.º da CCT ao caso aplicável, bem como do teor do artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa (princípio da segurança no trabalho) deve entender-se que o local de trabalho efetivo da trabalhadora não é o T2 do Aeroporto de Lisboa (local onde a trabalhadora nunca prestou serviços de vigilância privada, tendo sido esta unidade económica a transmitida para a Recorrente);
B. Tendo a lei laboral optado por determinar que o local de trabalho dos trabalhadores é definido por acordo entre as partes intervenientes nos respetivos contratos de trabalho, a decisão de gestão unilateral e meramente formal (à qual acresce o facto do contrato de trabalho da Recorrida à data da respetiva decisão, encontrar-se suspenso) da Ré XX, Lda., de incluir a trabalhadora nos quadros mensais de trabalho do T2 do Aeroporto de Lisboa (reitera-se: sem nunca ter exercido a atividade em tal local), deverá ser tida como juridicamente irrelevante para efeitos de aplicação do artigo 285.º do Código do Trabalho e Cláusula 14ª da Convenção Colectiva de Trabalho;
C. Deste modo, para efeitos do previsto na cláusula 14ª da Convenção Coletiva de Trabalho, no artigo 285.º do CT e artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa, o posto de trabalho da Autora é o T1 e o Terminal dos Tripulantes PP (facto provados xx.º);
D. Estes postos de trabalho não se confundem com todo o espaço do Aeroporto …, sendo certo que o posto de trabalho (ou unidade económica) adjudicado à Recorrente, é o T2 do referido aeroporto;
E. Não se encontrando concretizadas as previsões do artigo 14.º da CCT como do artigo 285.º do CT, as suas estatuições não podem ser impostas à Recorrente. De modo que não se pode considerar que o contrato de trabalho da Recorrida se tenha transferido para a esfera jurídica da Recorrente, por mero efeito da adjudicação do serviço de vigilância do, e só apenas, T2 do Aeroporto de Lisboa;
F. Não tendo havido lugar à transferência do contrato de trabalho da Recorrida para a Recorrente, não pode, pelas circunstâncias e fundamentos indicados nas presentes motivações, ser imputado à Recorrente o despedimento ilícito da Recorrida, bem como das respetivas consequências que dele advenham (mormente, o pagamento da compensação pelo despedimento ilícito e dos salários intercalares);
G. Nesta matéria, e salvo o devido respeito, o Tribunal a quo poderia e deveria ter ido mais longe. Ou seja, deveria ter tomado posição sobre quem foram as entidades a quem foram adjudicados os serviços de vigilância privada no T1 e no Terminal dos Tripulantes PP, com referência à data de 5 de novembro de 2019. Estes pontos da matéria de facto eram fundamentais para sustentar quem é efectivamente a entidade transmissora responsável por assumir o contrato de trabalho da Recorrida;
H. Deste modo, visando o regime da transmissão do contrato de trabalho a manutenção dos contratos de trabalho e respetivas condições de realização do mesmo, e sendo o local de trabalho uma dessas condições, deve considerar-se, uma vez que a Recorrida nunca prestou nenhum tipo de serviço efetivo no T2 do Aeroporto de Lisboa, que o local de trabalho da Recorrida era o T1 e o Terminal dos tripulantes da PP do Aeroporto … e, como tal, é irrelevante que o nome da Recorrida constasse, à data da transmissão em discussão nos presentes autos, das escalas de trabalho do T2 (sendo certo que o contrato de trabalho estava suspenso devido à baixa médica de longa duração, o que deixa em aberto a dúvida: por que razão estava o nome da Recorrida nas indicadas escalas?);
I. Posição contrária viola a constituição, nomeadamente o artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa, norma que consagra o princípio da segurança no emprego;
J. Assim, a existir um despedimento ilícito da Recorrida, o mesmo e as suas respetivas consequências deverão ser imputados na esfera jurídica da sua única empregadora, a Ré XX, Lda. (ou, no limite, às entidades transmissoras dos outros postos de trabalho com referência a 5 de Novembro de 2019);
K. Sem desconsiderar toda a argumentação ora apresentada, ainda que se considere que de facto a transmissão do contrato de trabalho da Recorrida ocorreu por efeito da adjudicação da vigilância do T2 do Aeroporto de Lisboa para a esfera jurídica da Recorrente, por aplicação direta do artigo 285.º do CT, deveria o Tribunal a quo considerar que o contrato de trabalho da Recorrida caducou devido à reforma por invalidez [artigo 343.º, alínea c), do Código do Trabalho];
L. No dia 5 de Novembro de 2019 (data em que a Recorrida sucedeu à Ré XX, Lda., na prestação de serviços de vigilância privada do T2), a Recorrida encontrava-se de baixa médica desde 25-08-2018, tendo ainda ficado provado que a mesma auferia um subsídio da segurança social, desde 14-03-2019, no valor mensal de EUR 621,62 durante o período de impedimento temporário para o trabalho (factos dados como provados (xxi.), xxx. e xxxvi.));
M. Posteriormente, foram os autos informados que a Recorrida recebe uma pensão de invalidez desde agosto de 2021, pelo que deverá concluir-se que, desde essa data, a Recorrida se encontra numa situação de invalidez, a qual pressupõe uma impossibilidade absoluta e definitiva para a prestação do trabalho por parte daquela e, como tal, o contrato de trabalho caducou [artigo 343.º, alínea c), do Código do Trabalho];
N. A Recorrente apresentou a 29 de Maio de 2023 um requerimento com refª 45709825 (prévio à prolação da segunda sentença pelo Tribunal a quo), requerendo que tal facto fosse considerado na sentença, pois é relevante para a improcedência da causa, por ser complemento ou concretização de factos alegados [sendo certo que nos termos previstos na actual redação do artigo 5.º do Código de Processo Civil, não é necessário que a parte interessada - nomeadamente, a ora Recorrente - manifeste a vontade de dele se aproveitar, devendo ser considerado pelo julgador, por decorrer da instrução do processo (ainda que, por mera cautela, se tenha requerido tal aproveitamento)];
O. No que respeita ao facto mencionado no ponto M. das conclusões, em confronto com o ora alegado, o mesmo deveria ter sido dado como provado, em face do previsto no artigo 72.º do CPT e pelo decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa;
P. Uma vez que tal facto reveste natureza essencial, porquanto é indispensável para a boa decisão da causa, considerá-lo como facto provado impõe, necessariamente, uma alteração da matéria de Direito aplicável ao caso concreto, e, deste modo, constitui parte da defesa da Recorrente;
Q. A Recorrida teve oportunidade de tomar posição sobre esse facto, tendo o mesmo sido alvo de contraditório/discussão. O silêncio da Recorrida indicia que concorda com a veracidade do facto, não tendo, por isso, impugnado (artigo 574, n.º 3, do CPC);
R. Deste modo, ao não atender à possível verificação dos pressupostos do preceito ora mencionado, o Tribunal a quo violou o previsto no art.º 72.º do CPT, bem como o decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, tendo este Tribunal determinado a ampliação da matéria de facto, de modo a que o Tribunal a quo emitisse decisão devidamente fundamentada, em que declarasse se considerava provada, e em que termos, ou “não provada”, a matéria alegada no segmento do artigo 30.º da contestação, sem prejuízo da apreciação de novos factos resultantes da instrução, desde que observados os pressupostos do artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho, ou de outros pontos da matéria de facto com o fim de evitar contradições, aplicando o direito à globalidade dos factos que considerar provados;
S. Sendo o conceito de invalidez um conceito técnico-jurídico e estando, segundo as regras processuais, os julgadores, desvinculados quanto às conclusões de Direito das partes, devem, através da consideração de todos os factos (artigo 5.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, e artigo 72.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, pois sobre a invalidez da Recorrida incidiu discussão, ainda que as partes tenham optado pelo silêncio), concluir que tal conceito se encontra, de facto, concretizado/materializado: a Recorrida estava numa situação de invalidez para o trabalho desde 5 de agosto de 2021;
T. Destarte, não havendo lugar a despedimento ilícito da Recorrida, não existe a obrigação de a reintegrar (por parte da Recorrente), e, por conseguinte, também não existe a obrigação de a indemnizar pela substituição da reintegração, de lhe pagar todas as retribuições intercalares e a obrigação de a compensar pelos danos não patrimoniais por esta sofridos;
U. Ainda assim, mesmo que se entenda em sentido contrário (sem conceder), as quantias aludidas na sentença do Tribunal a quo mostram-se manifestamente desproporcionais (salvo o devido respeito);
V. Em todo o caso, uma vez que o contrato de trabalho da Recorrida, à data, se encontrava suspenso, em virtude das sucessivas declarações médicas apresentadas, a Recorrida, por efeito da suspensão, não tem direito a receber os valores intercalares que deixou de auferir em razão do despedimento ilícito, porquanto, como previsto no n.º 1 do art.º 390.º conjugado com o artigo 295.º ambos do CT, a Recorrida só teria direito a receber as indemnizações intercalares que, por efeito do despedimento ilícito, não auferiu e, cumulativamente, teria (passa-se a redundância) direito a receber se esse mesmo facto (o despedimento ilícito) não se tivesse verificado;
W. Assim, como a trabalhadora tem apenas direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal, que declare a ilicitude do despedimento, retribuições essas que a mesma apenas teria direito a receber, não fosse a verificação de tal facto, e encontrando-se o contrato de trabalho da Recorrida suspenso por efeito das baixas médicas, deve-se concluir que a Recorrida não teria direito a receber quaisquer valores provenientes das retribuições intercalares, uma vez que, estando o contrato de trabalho suspenso o sinalagma retributivo do empregador não se verifica, uma vez que a prestação laboral não fora realizada, nem seria devida;
X. Para mais, deverá igualmente declarar-se improcedente o pedido e decisão de pagamento de créditos referentes ao período de férias não gozadas porquanto a Recorrente não é, nem nunca foi, entidade empregadora da Recorrida, e caso se entenda que deve ser a Recorrente a pagar esse respetivo valor, tal decisão culminará numa situação de empobrecimento injustificado, em favor da Ré XX, Lda., situação essa que deve ser evitada de acordo com o instituto jurídico do enriquecimento sem causa (sendo certo que a transmitente é responsável pelo pagamento de créditos salariais reportados à data anterior da transmissão); e
Y. De qualquer modo, mesmo que assim não se entenda (sem conceder), aos valores a pagar, fruto do despedimento ilícito da trabalhadora, deve-lhes ser deduzidos os valores que esta auferiu fruto do apoio da Segurança Social e demais valores mencionados no n.º 2 do artigo 390.º do CT.
São, pois, estes os termos em que se espera que o Tribunal ad quem, revogue a douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que considere improcedente os pedidos relativos à ora Recorrente com quanto exposto vai, porque apenas assim se cumprirá a Lei, realizando-se o Direito e fazendo-se a desejada Justiça!».
5. A. co-R. XX, Lda. não apresentou contra-alegações.
6. A A. apresentou contra-alegações, patrocinada pela Digna Magistrada do Ministério Público, concluindo que deve manter-se na integra a douta decisão recorrida, sendo que bem andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu.
1.7. O recurso foi admitido por despacho de 2024.05.22.
1.8. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, foram colhidos os vistos legais.
Uma vez realizada a Conferência, cumpre decidir.
*
2. Objecto do recurso
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Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art.º 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal são, por ordem lógica da sua apreciação, as seguintes:
1.ª – da impugnação da matéria de facto;
2.ª – saber se a substituição verificada no dia 5 de Novembro de 2019 da XX, Lda. pela YY, Lda. na actividade de vigilância e segurança exercida nas instalações do Terminal 2 do Aeroporto de Lisboa, na sequência do termo do contrato de prestação de serviço de segurança celebrado pela MM, Aeroportos de Portugal, S.A. com a primeira e de um novo contrato de prestação de serviço firmado com a segunda, implica a transmissão para esta da posição de empregadora no contrato de trabalho que então vigorava entre a trabalhadora recorrida e a XX, Lda., o que implica a análise da sub-questão de saber se pode considerar-se que o posto de trabalho da recorrida era, então, no Terminal 2 do Aeroporto de Lisboa;
3.ª – saber se o contrato de trabalho sub judice caducou em 5 de Agosto de 2021 por reforma da trabalhadora, com os inerentes efeitos na configuração das consequências legais da ilicitude do despedimento;
4.ª – da influência da suspensão do contrato de trabalho em virtude de doença da trabalhadora no direito a retribuições intercalares;
5.ª – da dedução nas retribuições intercalares dos demais valores mencionados no artigo 390.º, n.º 2, do CT;
6.ª – da responsabilidade da recorrente pelo pagamento das férias não gozadas em 2018.
*
3. Fundamentação de facto
*
3.1. A sentença contém a seguinte decisão de facto:
«l.l. Factos Provados
Com relevância para a decisão, resultaram provados os seguintes factos:
i. A “XX, Lda.”, 1ª R, tem por objeto, entre outras atividades, a elaboração de estudos de segurança, comercialização de material e equipamentos de segurança, bem como a elaboração dos respetivos regulamentos internos, a instalação e manutenção de material e equipamento de segurança, a vigilância e controlo de acesso, permanência e circulação de pessoas em instalações, edifícios ou recintos fechados, bem como a prestação de serviços de segurança e vigilância aeroportuária nos aeroportos civis.
ii. A “YY, Lda.”, 2ª R, tem por objeto, entre outras atividades, a vigilância de bens móveis e imóveis, o controlo de entrada, saída e presença de pessoas, bem como a prevenção da entrada de armas, substâncias, engenhos e objetos de uso e porte proibidos ou suscetíveis de provocar atos de violência no interior de edifícios ou outros locais públicos e privados, de acesso vedado ou condicionado ao público, o rastreio, inspeção e filtragem de bagagens e cargas e o controlo de passageiros no acesso a zonas restritas de segurança nos portos e aeroportos, a elaboração de estudos e planos de segurança de projetos de organização e montagem de serviços de segurança privada, etc.
iii. A Autora foi admitida no dia 04-07-2008 ao serviço da 1.a R, por contrato de trabalho por tempo indeterminado, para trabalhar sobre as suas ordens, direção e fiscalização, exercendo as funções de “Vigilante”;
iv. Começou logo a exercer funções no aeroporto de Lisboa, mediante o vencimento mensal de € 612,45, acrescido do subsídio de alimentação no valor diário de € 5,69.
v. Prestava serviço de Segunda-feira a Domingo, com horário rotativo, que podia ir das 05:00 às 14:00 horas ou das 14:00 às 23:00 horas.
vi. Competia-lhe fazer o controle de acesso e o controle de cartões de embarque.
vii. A partir do mês de fevereiro de 2017, a autora passou a exercer as funções de “Vigilante Aeroportuária”, no Aeroporto de Lisboa;
viii. Nesta fase prestava serviço de Segunda-feira a Domingo, com horário rotativo, que podia ir das 08:00 às 16:00 horas, das 16:00 às 24:00 horas e das 24:00 às 08:00 horas;
ix. Como Vigilante Aeroportuária passou a auferir o vencimento base mensal de € 743,82, acrescido de subsídio de refeição de 5,69/dia.
x. O seu vencimento foi sendo objeto de várias atualizações e, a partir de 01-07-2019, passou a auferir o salário de € 816,69, acrescido do subsídio de refeição no valor diário de € 6,06;
xi. Nessas funções competia à autora efetuar as tarefas de controlo de acesso e de cartões, bem como o controle de entradas e saídas, controlo de pessoas, das bagagens dos passageiros (de mão e de porão), fazer o rastreio manual às pessoas e aos seus bens (a fim de apurar se transportavam algo ilegal), fazer o controle de aeronaves, das viaturas que fornecem as aeronaves, assim como das respetivas mercadorias e do pessoal que acompanha as viaturas, etc.
xii. Estas tarefas estavam organizadas em função dos pórticos de segurança de acesso à denominada zona ar (após zona de check in), e na qual existe, por regra, uma equipa de 4 posições/vigilantes, assegurado a equipa o escoamento dos passageiros e, ou, tripulação, e bagagem, as quais têm de passar por aqueles pórticos para serem rastreados, e assim poderem transitar para as portas de embarque.
xiii. Estas tarefas eram/são exercidas com base nos seguintes equipamentos: Pórticos de Segurança (sob monitorização dos vigilantes e pelos quais têm de passar passageiros, staff, pessoal de cabine e tripulação de modo a serem rastreados por deteção eletrónica e automática), detetores de metais (usados individualmente pelos vigilantes para rastrear fisicamente as pessoas mediante sinalização daquele); máquinas de raio X (pelas quais tem passar tudo o que é bagagem de mão, de cabine ou de porão), e Sistema de CCTV (que permite a monitorização em tempo real e por imagens de todo o espaço onde opera aquele pessoal vigilante).
xiv. Tais equipamentos mantiveram-se no local após 04-11-2019, ao serviço da YY, Lda.;
xv. Em 21 de junho de 2005 a XX, Lda. e a MM, SA, empresa concessionária dos aeroportos no continente (Lisboa, Porto e Faro), na sequência de Concurso Internacional nos termos do Código da Contratação Publica (CCP), e da adjudicação que acabou por fazer à XX, Lda., celebraram o Contrato de Prestação de Serviços de Controlo de Acesso de Pessoas, Bagagens (de cabine e de porão) e Artigos Transportados às Áreas Restritas e Reservadas do Aeroporto de Lisboa, visando a prestação de serviços no âmbito da proteção de pessoas e bens, bem como a prevenção da prática de crimes, tendo como fim último a segurança da aviação civil no âmbito aeroportuário.
xvi. O referido acordo foi sendo sucessivamente renovado e em 16 de fevereiro de 2016 foi substituído pelo Contrato de Prestação de Serviços de Segurança da Aviação Civil, outorgado entre a MM, S.A. e a XX, Lda., que vigorou até 4 de novembro de 2019.
xvii. A partir do dia 05-11-2019, e por via do último Concurso Público Internacional promovido por aquela MM, SA., nos termos do Código da Contratação Pública, passou a YY, Lda. ser a adjudicatária contratual e prestadora dos serviços vigilância referidos ao Terminal 2 do Aeroporto Internacional de Lisboa.
xviii. Os serviços de segurança aeroportuária no Terminal 2 do Aeroporto de Lisboa assentavam, para além da utilização dos equipamentos referidos no ponto xiii.), numa equipa de 239 vigilantes e as correspetivas chefias, ou seja, cinco Chefes de Grupo Aeroportuário e cerca de 30 Vigilantes com funções de Chefe de Equipa Aeroportuário, que atuavam no dia-a-dia com autonomia no desempenho das suas funções.
xix. Por carta datada de 01-10-2019, que consta a fls. 84v e 85 e cujo conteúdo aqui se dá por inteiramente reproduzido, a 1.a Ré comunicou à Autora que o seu posto de trabalho no Aeroporto … — Terminal 2 se mantinha, mas que passara para a responsabilidade da "YY, Lda.", pelo facto de o serviço prestado à cliente “MM - Aeroportos Portugal”, sito naquele mesmo local, ter sido adjudicado à empresa "YY, Lda.", ao abrigo do regime de sucessão do posto de trabalho previsto na cláusula 14.a do CCT do sector;
xx. A autora sempre prestara serviço no terminal 1 e no terminal dos tripulantes da PP (TTA);
xxi. A autora encontrava-se de baixa médica desde 25/08/2018, tendo comunicado atempadamente tais baixas à sua empregadora.
xxii. Através de cartas datadas de 01-10-2019 e 15-10-2019, a fls. 110 a 112 e a fls. 113 a 162, cujos conteúdos aqui se dão por reproduzidos, a XX, Lda. comunicou à YY, Lda. a lista dos trabalhadores vigilantes que prestavam serviço no referido Aeroporto de Lisboa, onde se inclui o nome da Autora, agregada ao “CLIENTE — Aeroporto … — Terminal 2” [fls.152v.], e que passariam a prestar serviço para essa empresa, a partir de 5 de novembro de 2019, em face da adjudicação que lhes fora feita pelo cliente “MM Aeroportos de Portugal”, no serviço do Aeroporto … — Terminal 2, com a manutenção das respetivas categorias profissionais, antiguidade, retribuição e demais condições resultantes do contrato de trabalho.
xxiii. Por sua vez, a YY, Lda., através de carta dirigida à “XX, Lda.”, recebida por esta em 21-102019, a fls. 108 e 109, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, recusou-se a admitir ao seu serviço, a autora, entre outros trabalhadores, invocando o facto de se encontrar “numa situação de baixa prolongada (com contratos de trabalho suspensos).", pelo que “não prestam serviço no local há 90 dias ou menos, relativamente à data da sucessão, ou seja, não se consideram ao serviço normal da exploração porque não estão afetos ao local de trabalho transmitido."" Mais acrescentou que, “apesar de os respetivos contratos de trabalho se encontrarem suspensos e se manterem os direitos e garantias que não pressuponham a efetiva prestação do trabalho, esta não corresponde à ratio da cláusula da convenção, já que o que se pretende é que sejam efetivamente transmitidos os contratos de trabalho dos trabalhadores que exerçam efetivamente funções nos referidos postos de trabalho transmitidíos.""
xxiv. Em resposta, a XX, Lda., através de carta datada de 25-10-2029, dirigida à YY, Lda., a fls. 106 e 107 e cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, manifestou total discordância, mantendo que houve transmissão contratual de todos os trabalhadores que constam da lista, ao abrigo do art.º 285.º do CT e da Cláusula 142 do CCT, e apresentando os seus argumentos;
xxv. A YY, Lda. enviou nova carta datada de 29-10-2019 — que consta a fls.105 e que se dá aqui por reproduzida —, agora com base, em suma, no facto de entender que, tendo aplicação à sucessão de prestadoras de serviços nos Aeroportos o previsto na Cláusula 14.º do CCT, o sentido desta aponta para a exclusão de qualquer trabalhador que não reúna as condições previstas na alínea a) do n.º 7 do art.º 22.º da LSP, referindo-se depois às “condições jurídico-formais” para o exercício da função como condição de abrangência pelo regime daquela Cláusula, e concluindo, a final, que os VA em causa, estão numa situação de “impossibilidade, superveniente, absoluta e definitiva” de exercerem tal atividade laboral e de qualquer empresa de segurança de receber a correspetiva prestação.
xxvi. Nova argumentação esta que foi também rebatida pela Corré XX, Lda. através da sua carta de 31-10-2019 — de fls. 101 a 104 e que se dá aqui por reproduzida;
xxvii. No dia 21-11-2019 a autora deslocou-se à Segurança Social, onde foi informada que, por haver colocado termo ao seu contrato, após término da baixa médica, não poderia colocar nova baixa pelo facto de já não se encontrar vinculada à empresa onde prestava serviço;
xxviii. A autora, por discordar de tal informação, dirigiu-se às instalações da XX, Lda., onde lhe foi dito que já não fazia parte dos quadros da empresa;
xxix. A autora também se deslocou à sede da YY, Lda., a fim de entregar a sua baixa médica, e aí foi informada de que não havia passado para os quadros da empresa, continuando a ser a “XX, Lda.” a sua entidade patronal.
xxx. Os Certificados de Incapacidade Temporária para o Trabalho referentes ao período de 22-11-2019 até, pelo menos, 20-03-2020, que a autora enviou para a XX, Lda., foram por esta devolvidos por entender que já não era a sua entidade empregadora, pelo que deveria a autora enviá-los para a YY, Lda.;
xxxi. Consta de documento da Segurança Social a informação de que a autora se despediu por iniciativa própria no dia 04-11-2019;
xxxii. A declaração referida no ponto xxxi.) foi assim preenchida e comunicada pela XX, Lda. porque a tipologia para o efeito adotado pelo ISS, IP., e que tem de ser adotada pelas entidades empregadoras (neste caso a transmitente ou cedente) não compreende esta situação específica.
xxxiii. Perante esta situação, os serviços administrativos da XX, Lda., na pessoa de CC, contactaram os serviços da Seg. Social os quais informaram que na falta de outro (específico) para o efeito, apusessem ou assinalassem o correspondente à cessão por iniciativa própria (da trabalhadora);
xxxiv. Devido ao seu despedimento a autora ficou muito preocupada, stressada, com insónias, muita ansiedade e depressão, o que levou ao agravamento e prolongamento do seu estado clínico já iniciado em 2018 e que implica o acompanhamento em consulta de psiquiatria;
xxxv. A autora viu diminuído o seu rendimento, passando a receber da segurança social a Prestação de Impedimento Temporário para o Trabalho no valor de € 621,60, com um filho a seu cargo, por se encontrar desempregado há cerca de um ano;
xxxvi. No ano de 2019 apenas auferiu o rendimento total de € 266,40, sujeito a IRS, auferindo um subsídio da segurança social desde 14-03-2019, no valor mensal de € 621,62, durante o período de impedimento temporário para o trabalho;
xxxvii. A autora recebeu 22 dias de subsídio de férias em maio de 2018, referentes ao ano de 2017 (férias vencidas em 01-01-2028);
xxxviii. A autora gozou 4 dias de férias entre 26-06-2018 e 29-06-2018, um dia em 02-07-2018 e mais 4 dias entre 03-07-2018 e 06-07-2018, todos referentes ao trabalho prestado em 2017;
xxxix. Em novembro de 2018, a autora recebeu o proporcional de subsídio de férias respeitante aos dias trabalhados nesse ano.
FACTOS ADITADOS [na sentença de 2024.03.13]
xl. A autora integrava a equipa de 239 vigilantes referida no ponto xviii.) dos Factos Provados;
xli. A autora constava, desde dezembro de 2018, dos mapas mensais de escalas do Pessoal do Terminal 2, elaborados pelos serviços da “XX, Lda.”.
1.2. Factos Não Provados
Dos factos alegados, com relevância para a decisão da causa, não resultou provado que:
a) O facto referido no ponto xxxi.) já foi retificado pela Seg. Social detetado que foi o erro; nem que
b) No momento referido no xxviii.) também foi dito pelo responsável de segurança da XX, Lda.: «Se ela não está a trabalhar é porque não quer, ela já não trabalha para esta empresa, se não está na empresa que agora ficou com a responsabilidade do aeroporto, o seu antigo local de trabalho, é porque não quer, não tenho nada a ver com isso».
*
3.2. Nas conclusões da apelação a recorrente deduz impugnação da decisão de facto ao alegar que foram os autos informados que “a Recorrida recebe uma pensão de invalidez desde agosto de 2021”, pelo que deverá concluir-se que, desde essa data, a Recorrida se encontra numa situação de reforma por invalidez. Invoca que este facto devia ser considerado pelo julgador, por decorrer da instrução do processo e a recorrente o ter requerido, em face do previsto no artigo 72.º do CPT e pela decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, uma vez que reveste natureza essencial e deve ser considerado facto “provado” e como meio de prova do mesmo a informação da Segurança Social de fls 170.
Nos termos do preceituado no artigo 72.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, “[s]em prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, se no decurso da produção da prova surgirem factos essenciais que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve o juiz, na medida do necessário para o apuramento da verdade material, ampliar os temas da prova enunciados no despacho mencionado no artigo 596.º do Código de Processo Civil ou, não o havendo, tomá-los em consideração na decisão, desde que sobre eles tenha incidido discussão”.
O Mmo. Juiz a quo, não obstante tenha determinado em 2023.08.18, a notificação das partes ao abrigo do disposto no artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho, comunicando que na sentença a proferir iria tomar em consideração, além do mais, o facto em causa – que enunciou como “A autora recebe pensão de invalidez desde 03-08-2021, com o valor mensal inicial de € 211,791 – e solicitando, ainda, informação à Segurança Social sobre se a pensão de invalidez que está à pagar à autora sofreu aumentos e para que valores, lançando mão daquele preceito e cumprindo o contraditório nele previsto, certo é que na sentença não veio a considerar este facto.
Entendemos que o Acórdão proferido a fls. 332 e ss. dos autos, ao anular a sentença e determinar a ampliação da matéria de facto, proferiu o seu dispositivo com a amplitude necessária a abarcar a consideração de novos factos resultantes da instrução da causa, desde que observados os pressupostos do artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho.
Com efeito, ao decidir “anular oficiosamente a sentença proferida em 1.ª instância e determinar a ampliação da matéria de facto, de modo a que o tribunal a quo emita decisão devidamente fundamentada, em que declare se considera provada, e em que termos, ou não provada, a matéria alegada no indicado segmento do artigo 30.º da contestação, sem prejuízo da apreciação de novos factos resultantes da instrução, desde que observados os pressupostos do artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho, ou de outros pontos da matéria de facto com o fim de evitar contradições, aplicando subsequentemente o direito à globalidade dos factos que considerar provados” (sublinhados nossos), este tribunal ad quem determinou primacialmente a indicada ampliação da decisão à matéria do artigo 30.º da contestação, que reputou omissa, mas ressalvou expressamente [“sem prejuízo”] a possibilidade de apreciação:
- “de novos factos resultantes da instrução, desde que observados os pressupostos do artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho” [o que pode compreender-se em face do que previamente decidiu no seu ponto 3.2., onde não conheceu de um requerido aditamento de factos não alegados por não cumprido na 1.ª instância o mecanismo previsto no artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho, concluindo o aresto “inexistirem no momento presente as condições processuais que possibilitam a sua averiguação nesta instância”]; ou
- “de outros pontos da matéria de facto com o fim de evitar contradições” [o que pode compreender-se em face do que previamente decidiu no seu ponto 3.3., em que julgou dever anular-se a decisão por haver factos alegados no artigo 30.º da contestação carecidos de decisão, caso que a salvaguarda prevista na lei do conhecimento de outros pontos da matéria de facto tem o fim exclusivo de evitar contradições resultantes da ampliação determinada - artigo 662.º, n.º 3, alínea c) do CPC].
É o que, a nosso ver, resulta da interpretação objectiva do Acórdão, conjugando os exactos termos do seu dispositivo com a fundamentação que o antecede, pelo que nada obstava a que o Mmo. Juiz a quo se pronunciasse na sentença sobre o facto em causa.
Seja como for, uma vez que se mostra cumprido na 1.ª instância o mecanismo previsto no artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho e foi colocada a este tribunal a questão da prova deste facto sobre o qual incidiu a notificação efectuada às partes, devemos dizer que os únicos elementos probatórios constantes dos autos que a ele se reportam, a saber, as informações da Segurança Social de 13 de Outubro de 2021 (a fls. 170) e de 7 de Setembro de 2023 (a fls. 356), eram absolutamente insuficientes para afirmar à data da sentença – e continuam a sê-lo na presente data – que a recorrida “recebe uma pensão de invalidez desde agosto de 2021” e, muito menos, para se concluir que, desde então se encontra numa situação de “reforma por invalidez”, nada justificando uma nova descida dos autos.
Senão vejamos.
É o seguinte o teor dos indicados ofícios da Segurança Social:
- o primeiro, datado de 13 de Outubro de 2021 (a fls. 170), informa que a A. “recebe pensão por invalidez desde 2021-08-03 com o valor mensal de 211,79 € ” e “não apresenta qualquer registo de remunerações desde 01/11/2020, no subsistema da Segurança Social”;
- o segundo, datado de 7 de Setembro de 2023 (a fls. 356), informa que a A. “recebeu apenas 3 prestações em 2021” e que a “primeira prestação paga foi no total de 416,52 € e as duas seguintes foram no valor de 211,79 €”.
Com o assinalado conteúdo, é patente que os meios de prova em causa são inconcludentes a este propósito, já que nenhum deles alude a que a trabalhadora se encontra reformada ou de algum modo lhe foi concedida a reforma.
O primeiro indica, é certo que, a trabalhadora recebe uma “pensão de invalidez”, mas não elucida qual a causa dessa atribuição, sendo que a invalidez, enquanto situação de incapacidade permanente para o trabalho, pode não implicar, necessariamente, que a trabalhadora esteja reformada, pelo que do mesmo não pode retirar-se a conclusão de que o está. Por outro lado, o estatuto do reformado por invalidez não é compatível com a percepção de uma pensão apenas durante 3 meses, o que nos faz questionar que a prestação auferida pela trabalhadora nesses três meses fosse efectivamente uma pensão de reforma por invalidez. Aliás, é de notar que no segundo ofício remetido a juízo, a Segurança Social já não se compromete com essa nomenclatura, não referenciando a percepção de qualquer “pensão” mas de “prestações” e explicitando que a trabalhadora recebeu apenas três prestações no ano de 2021. Realidade esta que o segundo ofício retrata e mais se coaduna com a atribuição de uma prestação provisória – que tem em vista impedir situações temporárias de desprotecção (artigos 67.º e ss. do Regime de protecção nas eventualidades invalidez e velhice dos beneficiários do regime geral da Segurança Social, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio)2 – e não com a atribuição de uma pensão de reforma por invalidez, sendo certo que apenas esta implica a concomitante cessação do contrato de trabalho nos termos do artigo 343.º, alínea c), do Código do Trabalho.
Além disso, os indicados ofícios da Segurança Social são, até, contraditórios entre si, quer quanto ao valor da primeira prestação (o ofício de fls. 170 fala numa pensão de invalidez no valor de € 211,79 desde 2021.08.03 e o ofício de fls. 356 numa primeira prestação de € 416,52, a que se seguem duas no valor de € 211,79), quer quanto à cadência do seu pagamento (o de fls. 170 refere que a A. “recebe pensão por invalidez desde 2021.08.03” com um valor “mensal”, o que indicia uma continuidade do pagamento, e o de fls. 356, datado de 7 de Setembro de 2023, refere que a A. “recebeu apenas 3 prestações” em 2021, não aludindo à percepção de qualquer outra quantia da Segurança Social por parte da trabalhadora).
Assim, uma vez reapreciada a prova produzida, concluímos que a mesma não é bastante para sustentar a afirmação de que a recorrida aufere uma pensão de invalidez desde Agosto de 2021 e se reformou no decurso da acção, sendo inconcludente para este efeito a prova indicada pela recorrente e nenhuma outra existindo nos autos que verse sobre esta factualidade.
É de recordar que, uma vez notificadas as partes, como foram, nos termos do artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho, e observado o contraditório especificamente quanto a este facto, tinha a ora recorrente a possibilidade de indicar as respetivas provas (n.º 2, do artigo 72.º), o que não fez, não aportando aos autos qualquer outro meio probatório susceptível de demonstrar o facto que pretende ver provado.
Uma última nota para dizer que o facto de a A. não ter respondido ao requerimento da R. formulado em 2023.05.29 no sentido de ser considerado o facto resultante da informação prestada pelo Instituto da Segurança Social a fls. 170 de que “a Autora recebe pensão de invalidez desde 03-08-2021, no valor mensal de €211,79, não apresentando registo de remunerações desde 01-11-2020, no subsistema da segurança social” não acarreta a cominação do artigo 574.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, nem o silencia da recorrida indicia que concorda com a sua veracidade, ao invés do que alega a recorrente. Com efeito, a alegação em causa não se inscreve no âmbito dos articulados da acção, sendo efectuada num requerimento formulado já em fase de julgamento – fase que se retomou com a anulação da sentença – e visa exclusivamente que seja considerado na sentença mais um facto que surgiu no decurso da instrução (em conformidade com os arts. 5.º, n.º 2, do CPC e 72.º do CPT), tendo dado azo a que o juiz despoletasse o mecanismo previsto no artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho quanto ao mesmo. Assim, a omissão da sua impugnação especificada não tem como consequência que o facto se considere admitido por acordo, como se houvesse sido alegado na contestação, sendo de notar que, mesmo que o houvesse sido, tratando-se de facto apenas susceptível de prova documental, nunca poderia considerar-se provado por confissão ficta, nos termos da norma adjectiva do n.º 3, do artigo 574.º do CPC, tal como parece defender a recorrente.
Improcede a apelação neste aspecto, o que acarreta se mantenha a decisão de facto da 1.ª instância tal como plasmada na sentença.
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4. Fundamentação de direito
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4.1. Uma vez fixada a matéria de facto a atender para a decisão jurídica do pleito, a primeira e essencial questão de direito a analisar consiste em aferir se a substituição da XX, Lda. pela YY, Lda. verificada em 5 de Novembro de 2019 na actividade de vigilância e segurança exercida nas instalações do Terminal 2 do Aeroporto de Lisboa, na sequência do termo do contrato de prestação de serviço de segurança celebrado pela MM, Aeroportos de Portugal, S.A. com a primeira e de um novo contrato de prestação de serviço firmado com a segunda, implica – ou não – a transmissão para esta da posição de empregadora no contrato de trabalho que então vigorava entre a trabalhadora recorrida e a XX, Lda.
4.1.1. Ficou na verdade provado que a “XX, Lda.”, 1.ª R, tem por objeto, entre outras atividades, a elaboração de estudos de segurança, comercialização de material e equipamentos de segurança, bem como a elaboração dos respetivos regulamentos internos, a instalação e manutenção de material e equipamento de segurança, a vigilância e controlo de acesso, permanência e circulação de pessoas em instalações, edifícios ou recintos fechados, bem como a prestação de serviços de segurança e vigilância aeroportuária nos aeroportos civis e que a R. “YY, Lda.” tem por objeto, entre outras atividades, a vigilância de bens móveis e imóveis, o controlo de entrada, saída e presença de pessoas, bem como a prevenção da entrada de armas, substâncias, engenhos e objetos de uso e porte proibidos ou suscetíveis de provocar atos de violência no interior de edifícios ou outros locais públicos e privados, de acesso vedado ou condicionado ao público, o rastreio, inspeção e filtragem de bagagens e cargas e o controlo de passageiros no acesso a zonas restritas de segurança nos portos e aeroportos, a elaboração de estudos e planos de segurança de projetos de organização e montagem de serviços de segurança privada, etc. (factos 1. e ii.).
Ficou também provado que em 21 de junho de 2005 a XX, Lda. e a MM, SA, empresa concessionária dos aeroportos no continente (Lisboa, Porto e Faro), na sequência de Concurso Internacional nos termos do Código da Contratação Publica (CCP), e da adjudicação que acabou por fazer à XX, Lda., celebraram o Contrato de Prestação de Serviços de Controlo de Acesso de Pessoas, Bagagens (de cabine e de porão) e Artigos Transportados às Áreas Restritas e Reservadas do Aeroporto de Lisboa, visando a prestação de serviços no âmbito da proteção de pessoas e bens, bem como a prevenção da prática de crimes, tendo como fim último a segurança da aviação civil no âmbito aeroportuário, acordo que foi sendo sucessivamente renovado e em 16 de fevereiro de 2016 foi substituído pelo Contrato de Prestação de Serviços de Segurança da Aviação Civil, outorgado entre a MM, S.A. e a XX, Lda., que vigorou até 4 de novembro de 2019. Já a partir do dia 05-11-2019, e por via do último Concurso Público Internacional promovido por aquela MM, S.A., passou a YY, Lda. ser a adjudicatária contratual e prestadora dos serviços vigilância referidos ao Terminal 2 do Aeroporto Internacional de Lisboa (factos xv. a xvii.).
4.1.2. Relativamente à relação contratual sub judice, ficou provado que a autora foi admitida ao serviço da 1.ª R em 04-07-2008, por contrato de trabalho por tempo indeterminado para exercer as funções de vigilante, mediante retribuição, começando a exercer funções no aeroporto de Lisboa, e que, por carta datada de 01-10-2019, a 1.ª Ré comunicou à Autora que o seu posto de trabalho no Aeroporto … — Terminal 2 se mantinha, mas que passara para a responsabilidade da "YY, Lda.", pelo facto de o serviço prestado à cliente “MM - Aeroportos Portugal”, sito naquele mesmo local, ter sido adjudicado à empresa "YY, Lda.", ao abrigo do regime de sucessão do posto de trabalho previsto na cláusula 14.ª do CCT do sector (factos iii. a v. e xix.).
4.1.3. É pacífico que se aplica ao caso vertente a regulamentação colectiva em vigor para o sector de atividade da vigilância e segurança, que, à data da transmissão, se consubstanciava dois instrumentos de regulamentação colectiva predominantes: a Convenção Colectiva de Trabalho celebrada entre a AES e o STAD e a celebrada entre a AES e a FETESE3. Por força da Portaria n.º 307/2019 de 13 de Setembro4, esta regulamentação colectiva é aplicável à relação jurídico-laboral em apreço nestes autos, tal como as partes aceitam e bem foi decidido5.
Prescreve o artigo 1.º desta Portaria que:
“1 - As condições de trabalho constantes das alterações do contrato coletivo entre a AES - Associação de Empresas de Segurança e o Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas - STAD e outro, publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 48, de 29 de dezembro de 2018, e n.º 20, de 29 de maio de 2019, são estendidas no território do continente:
a) Às relações de trabalho entre empregadores não filiados na associação de empregadores outorgante que se dediquem à atividade de prestação de serviços de segurança privada e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais previstas na convenção;
b) Às relações de trabalho entre empregadores filiados na associação de empregadores outorgante que exerçam a atividade referida na alínea anterior e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais previstas na convenção, não representados pelas associações sindicais outorgantes.
2 - A presente extensão não é aplicável a trabalhadores representados pela Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações - FECTRANS, pelo CESP - Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal e pelo Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos - SITAVA.
3 - A presente extensão não é aplicável aos empregadores representados pela Associação Nacional das Empresas de Segurança - AESIRF.
4 - Não são objeto de extensão as cláusulas contrárias a normas legais imperativas.”
É o seguinte o teor da indicada cláusula 14.ª da CCT:
“Sucessão do posto de trabalho
1- A presente cláusula regula a manutenção dos contratos individuais de trabalho em situações de sucessão de empregadores na execução de contratos de prestação de serviços de segurança privada, tendo por principio orientador a segurança do emprego, nos termos constitucionalmente previstos e a manutenção dos postos de trabalho potencialmente afetados pela perda de um local de trabalho ou cliente, pela empresa empregadora e, desde que, o objeto da prestação de serviços perdida tenha continuidade através da contratação de nova empresa ou seja assumida pela entidade a quem os serviços sejam prestados e quer essa sucessão de empresas na execução da prestação de serviços se traduza, ou não, na transmissão de uma unidade económica autónoma ou tenha uma expressão de perda total ou parcial da prestação de serviços.
2- Para efeitos da presente cláusula definem-se os seguintes conceitos:
Prestadora de serviço cessante - A empresa que cessa a atividade de prestação de serviços de segurança privada, na totalidade ou em parte, num determinado local ou ao serviço de um determinado cliente;
Nova prestadora de serviços - A empresa que sucede à prestadora de serviços cessante na execução total ou parcial da prestação de serviços de segurança privada;
Beneficiária - A empresa utilizadora dos serviços prestados pela Prestadora de serviços cessante e/ou nova prestadora de serviços.
3- A mera sucessão de prestadores de serviços num determinado local de trabalho, ou cliente, não fundamenta, só por si, a cessação dos contratos de trabalho abrangidos, nomeadamente por caducidade, extinção do posto de trabalho, despedimento coletivo, despedimento por justa causa, ou, ainda, o recurso à suspensão dos contratos de trabalho.
4- Nas situações previstas no número um da presente cláusula mantêm-se em vigor, agora com a nova prestadora de serviços, os contratos de trabalho vigentes com os trabalhadores que naquele local ou cliente prestavam anteriormente a atividade de segurança privada, mantendo-se, igualmente, todos os direitos, os deveres, as regalias, a antiguidade e a categoria profissional que vigoravam ao serviço da prestadora de serviços cessante.
5- Para os efeitos do disposto no número anterior, não se consideram ao serviço normal da exploração, e como tal a posição contratual do respetivo empregador não se transmite ao novo prestador de serviços:
a) os trabalhadores que prestem serviço no local há 90 ou menos dias, relativamente à data da sucessão;
b) os trabalhadores cuja remuneração ou categoria profissional tenha sido alterada há 90 ou menos dias, desde que tal não tenha resultado diretamente da aplicação de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho;
c) os trabalhadores que não reúnam os requisitos legais para o desempenho da função que lhes esteja cometida;
d) os trabalhadores que, nos termos da presente cláusula, tenham acordado com a prestadora de serviço cessante manter-se ao serviço da mesma.
6- Com o acordo do trabalhador a prestadora de serviços cessante poderá manter o trabalhador ao seu serviço. Este acordo ocorrerá antes do prazo previsto no número seguinte.
7- A prestadora de serviços cessante fornecerá à nova prestadora de serviços, no prazo de dez dias úteis, contados desde o conhecimento da perda de local de trabalho ou cliente, a listagem dos trabalhadores transferidos para a nova prestadora de serviços, constando dessa listagem a indicação da categoria profissional de cada um deles, a antiguidade dos mesmos, a retribuição mensal auferida e o local ou locais de trabalho a que estavam afetos.
8- A prestadora de serviços cessante é obrigada, a comunicar, expressamente e por escrito, ao novo prestador de serviços no posto de trabalho, até ao 10.º dia útil anterior ao início da prestação do serviço por este, os trabalhadores que, por acordo se manterão ao seu serviço, e, em simultâneo, a fornecer-lhe os seguintes elementos referentes aos trabalhadores abrangidos pela sucessão:
i) Nome, morada e contacto telefónico;
ii) Número de Segurança Social, de cartão de vigilante e validade, número de identificação fiscal e data de nascimento;
iii) Categoria profissional e função desempenhada;
iv) Horário de trabalho; v) Antiguidade;
vi) Antiguidade na categoria e na função;
vii) Situação contratual (a termo ou sem termo):
viii) Cópia do contrato de trabalho, cópia do cartão de cidadão, cópia do cartão profissional e cópia do último registo criminal;
ix) Mapa de férias do local de trabalho;
x) Indicação de férias vencidas e não gozadas;
xi) Extrato de remunerações dos últimos 90 dias, incluindo e discriminando, nomeadamente, subsídios de função, transporte, acréscimos de remuneração por trabalho em domingos e feriados, trabalho noturno, trabalho suplementar e prémios e regalias com caráter permanente;
xii) Informação relativa ao pagamento de subsídio de férias e/ou subsídio de Natal, caso já tenha ocorrido;
xiii) Cópia da ficha de aptidão médica;
xiv) Mapa de escalas efetivas no local de trabalho com identificação dos trabalhadores, relativo aos últimos 90 dias;
xv) Informação sobre os trabalhadores sindicalizados com referência aos respetivos sindicatos;
xvi) Informação sobre os trabalhadores que desempenhem funções de delegado ou dirigente sindical.
9- Caso a prestadora de serviços cessante não tenha conhecimento da perda da prestação do serviço e ou da identidade da nova prestadora e por isso não possa cumprir o prazo previsto no número anterior deve, logo que tenha conhecimento dos elementos referidos nos dois números anteriores, dar cumprimento ao que aí se acha previsto.
10-As comunicações previstas nos números 7 e 8 anteriores serão remetidas para os sindicatos representativos dos trabalhadores, devendo, para tanto, ser obtido o consentimento dos trabalhadores abrangidos.
11- A requerimento de algum dos trabalhadores abrangidos ou algum dos sindicatos outorgantes, a nova prestadora de serviços realizará, no prazo máximo de 5 dias úteis contado das comunicações referidas nos números 7 e 8, uma reunião com os referidos sindicatos, para esclarecimento de eventuais alterações a introduzir nos contratos de trabalho vigentes com os trabalhadores abrangidos pela sucessão, alterações que não poderão afetar os direitos de filiação sindical ou de aplicabilidade das convenções coletivas vigentes que se mantêm nos termos da lei.
12- Tratando-se de transferência parcial da prestação do serviço com vários postos de trabalho num determinado cliente, os trabalhadores cujos contratos de trabalho são transmitidos terão uma antiguidade contratual cuja média deve ser igual ou superior à média da antiguidade contratual daqueles que permanecem ao serviço da prestadora de serviços cessante.
13- O trabalhador abrangido pela mudança de empregador nos termos previstos na presente cláusula poderá opor-se à mudança, caso demonstre que esta lhe pode causar prejuízo sério, por razões ligadas à sustentabilidade da nova prestadora de serviços.
14- O trabalhador que pretenda opor-se à mudança, deverá comunicá-lo fundamentadamente por escrito, à prestadora de serviço cessante, no prazo de dez dias contados desde o conhecimento da comunicação da sucessão.
15- A prestadora de serviços cessante e a nova prestadora de serviços são solidariamente responsáveis pelo pagamento dos créditos devidos aos trabalhadores, vencidos e não pagos até à data da sucessão.
16- A responsabilidade prevista no número anterior não afeta o direito de regresso da nova prestadora de serviços relativamente à prestadora de serviços cessante.”
4.1.4. Alega a recorrente que o “local de trabalho efetivo da trabalhadora não é o T2 do Aeroporto de Lisboa” (local onde a trabalhadora nunca prestou serviços de vigilância privada, tendo sido esta unidade económica a transmitida para a recorrente)” e que, tendo a lei laboral optado por determinar que o local de trabalho dos trabalhadores é definido por acordo entre as partes intervenientes nos respetivos contratos de trabalho, a decisão de gestão unilateral e meramente formal (à qual acresce o facto do contrato de trabalho da Recorrida à data da respetiva decisão, encontrar-se suspenso) da Ré XX, Lda., de incluir a trabalhadora nos quadros mensais de trabalho do T2 do Aeroporto de Lisboa deverá ser tida como juridicamente irrelevante para efeitos de aplicação do artigo 285.º do Código do Trabalho e Cláusula 14ª da Convenção Colectiva de Trabalho.
Invoca também que, para efeitos do previsto na cláusula 14ª da Convenção Coletiva de Trabalho, no artigo 285.º do CT e artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa, o posto de trabalho da Autora é o T1 e o Terminal dos Tripulantes PP, postos que não se confundem com todo o espaço do Aeroporto …, sendo certo que o posto de trabalho (ou unidade económica) adjudicado à recorrente, é o T2 do referido aeroporto, pelo que não se pode considerar que o contrato de trabalho da recorrida se tenha transferido para si por mero efeito da adjudicação do serviço de vigilância do T2 do Aeroporto de Lisboa, nem se pode imputar-lhe o despedimento ilícito da trabalhadora.
Acrescenta que, visando o regime da transmissão do contrato de trabalho a manutenção dos contratos de trabalho e respetivas condições de realização do mesmo, e sendo o local de trabalho uma dessas condições, deve considerar-se que o local de trabalho da recorrida era o T1 e o Terminal dos tripulantes da PP do Aeroporto …, é irrelevante que o nome da trabalhadora, cujo contrato de trabalho estava suspenso devido à baixa médica de longa duração, constasse, à data da transmissão em discussão das escalas de trabalho do T2.
4.1.5. A sentença recorrida, por seu turno, entendeu que a factualidade apurada era suficiente para considerar transmitido o contrato de trabalho da A. para a ora recorrente. E fê-lo, apelando ao regime da transmissão da unidade económica constante do artigo 285.º do Código do Trabalho, bem como ao regime convencional constante da cláusula 14.ª da Convenção Colectiva de Trabalho celebrada entre a AES e o STAD e da celebrada entre a AES e a FETESE (BTE n.º 38, de 15 de Outubro de 2017), à data em vigor com o texto decorrente das Revisões Parciais publicadas no BTE n.º 48, de 29-12-2018, a pp.4558 e seg. e a pp.4565 e seg., que reputou aplicável por força da Portaria n.º 307/2019, de 13 de Setembro.
Considerou, ainda, que no caso concreto não restam dúvidas de que havia uma unidade económica (o Aeroporto de Lisboa) de que apenas uma parte, correspondente fisicamente ao Terminal 2, passou a ser da responsabilidade da sucessora YY, Lda. em 5 de Novembro de 2019, e que o facto de a autora se encontrar de baixa médica há muito mais de 90 dias (desde 25 de Agosto de 2018) não constitui um argumento válido para excluir a trabalhadora do conjunto de trabalhadores abrangido pela sucessão.
Enfrentando a questão de saber se, nunca tendo a autora prestado efetivamente trabalho no Terminal 2, poderia a mesma considerar-se incluída nos trabalhadores a transmitir para a YY, Lda., que passou a ser a empresa responsável apenas pelos serviços de segurança do Terminal 2 desse mesmo aeroporto”, a sentença considerou, em suma:
- que é a trabalhadora quem alega que durante a execução do contrato de trabalho sempre prestara serviço no Terminal 1 ou no Terminal dos Tripulantes da PP (TTA), mas não retira daí qualquer consequência, ou seja, não pede a título principal que se declare não ter havido transmissão para YY, Lda.;
- que a autora não exerceu o direito de oposição a que se refere o art.º 286.º-A do Código do Trabalho, bem como os n.ºs 13 e 14 da Cláusula 14.a do CCT aplicável.
- que a YY, Lda., no plano das relações entre as empresas, também foi devidamente informada pela XX, Lda. de que a autora (entre outros) estava afeta ao Terminal 2, tendo manifestado a sua oposição invocando, sucessivamente, dois argumentos para não aceitar a trabalhadora/autora, mas nenhum deles foi o de esta nunca ter prestado efetivamente serviço no Terminal 2.
- que até ao momento em que a XX, Lda. deixou de prestar serviços de segurança para a MM, S.A. no Terminal 2, o local de trabalho dos vigilantes, quer estivessem nas escalas de serviço dos Terminal 1, 2 ou outro posto onde fosse necessária a presença de segurança, era o Aeroporto de Lisboa.
- que a decisão da XX, Lda. de colocar o vigilante aeroportuário A ou B no posto de segurança X ou Y dentro do aeroporto era de natureza puramente gestionária. Repare-se que esta afetação é claramente distinta da transferência de local de trabalho a que se referem os art.ºs 194.º e 196.º do CT.
- que os meios humanos e materiais através dos quais era prestado o serviço de vigilância aeroportuária no Aeroporto de Lisboa constituíam uma unidade económica, sendo que todos os trabalhadores que a integravam tinham como local de trabalho o mesmo aeroporto, pese embora este seja constituído por um conjunto de edifícios, outras estruturas e equipamentos.
- que à luz da lei ou da regulamentação coletiva, nada impedia a sua entidade empregadora, a XX, Lda., de, na vigência do contrato de trabalho, a afetar ao Terminal 2.
E veio a concluir que a posição de empregador que, no contrato de trabalho da autora estava ocupada pela XX, Lda., foi transmitida para a YY, Lda..
4.1.6. Deve começar por se dizer que, em caso similar e no mesmo contexto empresarial, decidiu já o Tribunal da Relação de Lisboa em Acórdão de 3 de Maio de 20236, através deste mesmo colectivo, que a circunstância de o vigilante afecto a determinado local de trabalho7 se encontrar de baixa por doença e com o contrato de trabalho suspenso à data da sucessão de prestadores de serviços, bem como nos 90 dias que a antecederam – sendo certo que em tal caso também não ficou comprovado que o trabalhador, antes de entrar de baixa médica, alguma vez tenha exercido funções a tempo inteiro e exclusivamente no Terminal 2 – não constitui uma razão válida para o excluir do conjunto de trabalhadores em que se integra e foram abrangidos pela sucessão.
Mas analisemos a argumentação aduzida pela recorrente na presente apelação, sem perder de vista o que naquele aresto foi decidido, que continuamos a sufragar, bem como o que estabelece o artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, segundo o qual [n]as decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”.
4.1.7. Resulta da indicada cláusula 14.ª do instrumento de regulamentação colectiva que a sucessão de prestadores de serviços num determinado local de trabalho, ou cliente – quer essa sucessão de empresas na execução da prestação de serviços se traduza, ou não, na transmissão de uma unidade económica autónoma ou tenha uma expressão de perda total ou parcial da prestação de serviços –, não fundamenta, só por si, a cessação dos contratos de trabalho abrangidos, mantendo-se em vigor, agora com a nova prestadora de serviços, os contratos de trabalho vigentes com os trabalhadores que ali prestavam anteriormente a atividade de segurança privada, com todos os direitos, os deveres, as regalias, a antiguidade e a categoria profissional que vigoravam ao serviço da prestadora de serviços cessante [n.º 1, 3 e 4].
É certo que dispõe também a mesma cláusula que, para estes efeitos, não se consideram ao serviço normal da exploração e, como tal, a posição contratual do respetivo empregador não se transmite ao novo prestador de serviços, “os trabalhadores que prestem serviço no local há 90 ou menos dias, relativamente à data da sucessão” [n.º 5, alínea a) da cláusula 14.ª].
Quanto ao este aspecto, não pode perder-se de vista que em 05 de Novembro de 2019, quando se deu a alteração da empresa prestadora de serviços de segurança no Aeroporto de Lisboa, estava de baixa médica por doença natural há mais de um ano, desde 25 de Agosto de 2018. Encontrava-se pois a mesma na particular situação de baixa por doença, quer quando se deu a alteração da entidade adjudicatária do serviço de vigilância e segurança do Terminal 2 do Aeroporto de Lisboa, quer enquanto perduraram os 90 dias a que alude a alínea a) do n.º 5, da transcrita cláusula convencional, que antecederam o momento da adjudicação.
Isto significa que o seu contrato de trabalho estava então apenas suspenso, pelo que se mantinham os direitos, deveres e garantias que não pressupunham a prestação efetiva de trabalho, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 295.º, n.º 1 e 296.º, n.º 1 do Código do Trabalho, sendo que, uma vez terminada a suspensão do contrato, este retoma o seu vigor. Ora não vemos em que é que o direito, salvaguardado no instrumento de regulamentação colectiva, do trabalhador a ver mantido o posto de trabalho ao qual, em termos normais, deveria regressar após a baixa, pressupõe a “prestação efectiva de trabalho”, pelo que deve ter-se o mesmo como abarcado na salvaguarda prevista no artigo 295.º, n.º 1, do CT.
A circunstância de a recorrida se encontrar de baixa e com o contrato de trabalho suspenso não constitui, pois, razão válida para a excluir do conjunto de trabalhadores abrangido pela sucessão. Se o instrumento de regulamentação colectiva pretendeu assegurar a manutenção do contrato individual de trabalho e o respetivo posto de trabalho de todos os trabalhadores afetos a determinado local de trabalho ou cliente em caso de sucessão de prestadores de serviços de segurança, esse objectivo não é alcançado se forem excluídas as pessoas que estejam de baixa por doença durante o período relevante, pois quando regressassem após a baixa não poderiam ir ocupar o seu posto de trabalho.
Uma interpretação dos n.ºs 4 e 5, alínea a) da cláusula 14.ª no sentido de excluir da sucessão os trabalhadores que estivessem de baixa há mais de 90 dias, seria contrária ao comando normativo do artigo 295.º, n.ºs 1 e 4 do Código do Trabalho que dispõe manterem-se durante a suspensão “os direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham a efectiva prestação de trabalho” e que, uma vez terminado o período de suspensão, “são restabelecidos os direitos, deveres e garantias das partes decorrentes da efectiva prestação de trabalho” e constituiria uma injustificada discriminação dos trabalhadores em situação de doença, proibida pelos artigos 23.º e ss. do Código do Trabalho e pelo artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.
A perspectiva que a recorrente pretende ver acolhida nesta instância, no fundo, acrescenta à cláusula 14.ª um requisito adicional que esta não prevê, o de que o serviço ali referido seja “efectivo”, o que jamais permitiria a um trabalhador de baixa por doença em período superior a 90 dias beneficiar do regime previsto na cláusula.
4.1.8. Mas poderá dizer-se que, para efeitos de enquadramento na previsão da cláusula 14ª da Convenção Coletiva de Trabalho, no artigo 285.º do CT e artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa, o posto de trabalho da Autora é o Terminal 1 e o Terminal dos Tripulantes PP, postos de trabalho que não se confundem com todo o espaço do Aeroporto …, não se transmitindo o contrato de trabalho da recorrida à recorrente a quem foi adjudicado o serviço apenas no Terminal 2 do referido Aeroporto?
A questão coloca-se justamente porque o caso vertente tem a particularidade de a XX, Lda. vir desempenhando os seus serviços de vigilância e segurança em todo o aeroporto de Lisboa (o que abarca os Terminais 1 e 2) desde 2005 até ao dia 05 de Novembro de 2019 e de, a partir de então, por via do Concurso Público Internacional promovido pela MM, SA., a ora recorrente YY, Lda. ter passado a ser a adjudicatária contratual e prestadora dos serviços vigilância apenas referidos ao Terminal 2 do Aeroporto Internacional de Lisboa (factos xv. a xx.).
Vejamos.
O que visa a indicada cláusula 14.ª e constitui seu “princípio orientador”, nos termos expressos do respectivo n.º 1, é “a segurança do emprego” e “a manutenção dos postos de trabalho potencialmente afetados pela perda de um local de trabalho ou cliente, pela empresa empregadora”.
O local de trabalho é, em geral, definido como o centro estável de actividade de certo trabalhador8 e constitui um elemento essencial do contrato de trabalho. Uma vez estabelecido o local de trabalho, é aí, e só aí, que a prestação de trabalho é, em princípio, devida. O princípio de que os contratos devem ser pontualmente cumpridos previsto no art.º 406.º do Código Civil tem aqui como corolário básico que o empregador não pode, em princípio, transferir o trabalhador sem o seu acordo, estabelecendo a lei laboral um regime jurídico específico e tutelar, o qual se mostra palsmado nos 193 e ss. do Código do Trabalho.
No caso sub judice não é conhecido escrito que titule o contrato de trabalho, pelo que apenas o que resulta da efectiva execução contratual permite delimitar este elemento fundamental do convénio que é o local do cumprimento da prestação laboral.
Ora, em face do que ficou provado, nenhuma outra conclusão poderia ser retirada senão a de que o local de trabalho da A. no âmbito do contrato de trabalho que começou a executar em 2008 era – e foi sempre – o aeroporto de Lisboa. Foi no aeroporto de Lisboa que a A. começou a exercer funções de “Vigilante” em Julho de 2008 e foi também no aeroporto de Lisboa que a partir do mês de fevereiro de 2017, a autora passou a exercer as funções de “Vigilante Aeroportuária” – vide os factos iv. e vii.
O que bem se compreende, na medida em que a XX, Lda. tinha a seu cargo a vigilância e segurança em todo o Aeroporto de Lisboa, sendo no âmbito do inerente contrato de prestação de serviço de segurança da aviação civil celebrado com a MM, S.A., – facto xv. e xvi. – que alocava os seus trabalhadores aos diversos postos de trabalho aí existentes.
O local de trabalho da recorrida deve, pois, ser perspectivado como as instalações aeroportuárias do Aeroporto Internacional de Lisboa.
Nesta medida, nada vemos que obste a que a empregadora que tinha a seu cargo o serviço de segurança em todo o aeroporto, no exercício dos seus poderes de gestão e de organização de pessoal, tenha afectado a trabalhadora ao trabalho a realizar no Terminal 2 desse aeroporto a partir de Dezembro de 2018, como fez, apesar de a mesma se encontrar de baixa, fazendo-a constar desde então dos mapas mensais de escalas do pessoal deste Terminal elaborados pelos seus serviços – facto xli.
Havendo vários postos de trabalho no local de trabalho em que a recorrida e os seus colegas exerciam as suas funções de vigilantes aeroportuários, cabe no livre poder do empregador de organização e gestão do trabalho, no quadro da organização empresarial de que é titular, distribuir os trabalhadores ao seu serviço pelos diversos postos existentes no local em que exerce a sua actividade de prestação de serviços de segurança da aviação civil, in casu, no aeroporto de Lisboa.
E, nesta medida, não cremos que a afectação da recorrente a um dos terminais deste aeroporto – no caso, e a partir de Dezembro de 2018, ao Terminal 2 – constitua uma alteração de local de trabalho que possa ser perspectivada nos termos dos artigos 194.º e 196.º do Código do Trabalho, sendo ao invés um puro acto de autoridade, compreendido e pressuposto na noção de contrato de trabalho plasmada no artigo 11.º do Código do Trabalho, a que a A. devia obediência. Uma vez que a trabalhadora estava incluída nas escalas de serviço do Terminal 2 do aeroporto, apesar de anteriormente ter prestado trabalho apenas no Terminal 1 e no TTA, se, e quando, cessasse a sua situação de incapacidade para o trabalho por motivo de doença, era este o seu posto de trabalho e sobre a mesma impedia o dever de nele exercer as suas funções sob a autoridade do empregador.
Como vem dito na sentença sob recurso,“[a]té ao momento em que a XX, Lda. deixou de prestar serviços de segurança para a MM, S.A. no Terminal 2, o local de trabalho dos vigilantes, quer estivessem nas escalas de serviço dos Terminal 1, 2 ou outro posto onde fosse necessária a presença de segurança, era o Aeroporto de Lisboa” e “a decisão da XX, Lda. de colocar o vigilante aeroportuário A ou B no posto de segurança X ou Y dentro do aeroporto era de natureza puramente gestionária”.
E nada resulta da matéria provada susceptível de fazer considerar que se tratou de uma manobra para prejudicar a nova adjudicatária do serviço no Terminal 2
Seja como for, e essencialmente, provou-se nestes autos sem impugnação, que os serviços de segurança aeroportuária no Terminal 2 do Aeroporto de Lisboa assentavam, para além da utilização dos equipamentos referidos no ponto xiii.), numa equipa de 239 vigilantes e as correspetivas chefias, ou seja, cinco Chefes de Grupo Aeroportuário e cerca de 30 Vigilantes com funções de Chefe de Equipa Aeroportuário, que atuavam no dia-a-dia com autonomia no desempenho das suas funções. E provou-se também que a ora recorrida integrava esta equipa de 239 vigilantes referida e constava, desde Dezembro de 2018, dos mapas mensais de escalas do Pessoal do Terminal 2, elaborados pelos serviços da XX, Lda. (vide os pontos xviii., xl. e xli. dos factos provados), bem como que os equipamentos de que a autora se servia no exercício das suas tarefas se mantiveram no local após 4 de Novembro de 2019 ao serviço da YY, Lda. (factos xi. a xiv.).
Sendo assim de considerar que no caso sub judice se mostram preenchidas, quer a fattispecie da cláusula 14.º do instrumento de regulamentação colectiva aplicável, quer a hipótese do artigo 285.º do Código de Processo Civil.
Concluímos pois, como a sentença, que por efeito da adjudicação da vigilância e segurança do T2 do Aeroporto de Lisboa à ora recorrente, se transmitiu para a mesma a posição de empregadora no contrato de trabalho que até ao dia 4 de Novembro de 2019 esteve em vigor entre a recorrida – que integrava a equipa de 239 vigilantes que a anterior adjudicatária dos serviços tinha afectos aos serviços de vigilância aeroportuária naquele Terminal –, e a XX, Lda.
Finalmente deve dizer-se que não se vê como pode a recorrente considerar que a interpretação a que procedeu o tribunal recorrida da cláusula 14.ª da Convenção Colectiva de Trabalho possa considerar-se violadora dos princípios que visam a protecção dos trabalhadores e que nortearam a previsão da cláusula 14ª da Convenção Colectiva de Trabalho, artigo 285.º do Código do Trabalho e artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa.
Nem em boa verdade a recorrente substancia esta sua afirmação conclusiva.
Pelo contrário, a interpretação que a recorrente sufraga e pretendia ver acolhida nesta instância é que deixaria a trabalhadora doente – cujo contrato de trabalho foi objecto de vicissitudes compreendidas no poder organizatório do empregador, e é alheia ao facto de estar alocada a um determinado posto de trabalho dentro das instalações que constituem o seu local de trabalho – completamente desprotegida e prejudicada, deixando de beneficiar de direitos e garantias previstas em instrumento de regulamentação colectiva que lhe é aplicável pelo simples facto de estar fisicamente impedida, por facto que não lhe é imputável, de prestar trabalho “efectivo” no Terminal 2 após ser ao mesmo alocada pela empregadora em Dezembro de 2018, data que, note-se, é muito anterior, quer à cessação do contrato de prestação de serviço de segurança que estava em vigor entre a XX, Lda. e a MM, quer aos 90 dias que antecederam a alteração da empresa adjudicatária dos serviços de vigilância e segurança no Aeroporto de Lisboa em que exercia as suas funções no desenvolvimento do seu contrato de trabalho.
Não merece provimento a apelação quanto a este aspecto.
*
4.2. Cabe a este passo enfrentar a questão de saber se o contrato de trabalho sub judice caducou em 5 de Agosto de 2021 por reforma da trabalhadora, com os inerentes efeitos desta cessação contratual na configuração das consequências legais da ilicitude do despedimento (conclusões K. a M. e S.).
A procedência da apelação neste segmento estava dependente da obtenção de sucesso na impugnação da decisão de facto.
É o que resulta com clareza das conclusões K. a T., nas quais a recorrente alega que, ainda que se considere que a transmissão do contrato de trabalho da recorrida ocorreu por efeito da adjudicação da vigilância do T2 do Aeroporto de Lisboa para a esfera jurídica da recorrente, “deveria o Tribunal a quo considerar que o contrato de trabalho da Recorrida caducou devido à reforma por invalidez [artigo 343.º, alínea c), do Código do Trabalho]”, o que conclui do facto de os autos terem sido “informados que a Recorrida recebe uma pensão de invalidez desde agosto de 2021”, que tal facto “deveria ter sido dado como provado”, e que “considerá-lo como facto provado impõe, necessariamente, uma alteração da matéria de Direito aplicável ao caso concreto”, que o conceito de invalidez é técnico-jurídico e devem os julgadores “concluir que tal conceito se encontra, de facto, concretizado/materializado” desde 5 de Agosto de 2021, pelo que não existe a obrigação “de reintegrar” a recorrida e “também não existe a obrigação de a indemnizar pela substituição da reintegração, de lhe pagar todas as retribuições intercalares e a obrigação de a compensar pelos danos não patrimoniais por esta sofridos”.
Fundou, pois, a tese que a este propósito defende na apelação, essencialmente, na alteração da decisão de facto por que propugnou, sem sucesso.
Ora a sentença foi confirmada quanto aos factos nela assentes, o que determina se mantenham inalterados os pressupostos factuais que determinaram o seu veredicto no que concerne, quer à transmissão do contrato de trabalho para a esfera jurídica da recorrente, quer ao âmbito das consequências do despedimento ilícito de que a recorrida foi alvo, as quais pressupõem a subsistência do contrato de trabalho, pois efectivamente nada nos autos permite afirmar a sua cessação no decurso da acção, designadamente nos termos do invocado artigo 343.º, alínea c), do Código do Trabalho, de acordo com o qual o contrato de trabalho caduca “[c]om a reforma do trabalhador por velhice ou invalidez”.
Resta, pois, considerar infundada a pretensão recursória da recorrente no que respeita à sua pretensão de este tribunal ad quem considerar cessado o contrato de trabalho nos termos do artigo 343.º, alínea c) do Código do Trabalho9.
Não merece provimento o recurso, também quanto a este aspecto.
*
4.3. Alega ainda a recorrente que as quantias aludidas na sentença são “manifestamente desproporcionais” e que, uma vez que o contrato de trabalho da recorrida se encontrava suspenso à data da transmissão, em virtude das sucessivas declarações médicas apresentadas, a recorrida não tem direito a receber os valores intercalares que deixou de auferir em razão do despedimento ilícito, porquanto, como previsto no n.º 1, do art.º 390.º, conjugado com o artigo 295.º ambos do CT, só teria direito a receber as indemnizações intercalares que, por efeito do despedimento ilícito, não auferiu e, cumulativamente, teria direito a receber se o despedimento ilícito não se tivesse verificado.
No que concerne à alegada manifesta desproporcionalidade das quantias aludidas na sentença (conclusão U.), a recorrente não indica por que razão reputa verificar-se a imputada desproporção. As conclusões são omissas a tal propósito. E no corpo da alegação a recorrente limita-se a alegar que as quantias “peticionadas” se revelam “manifestamente desproporcionais, especificamente no que respeita aos danos não patrimoniais, por todos os motivos supra expostos”.
Ora, nem nesta fase se sindica o que foi peticionado (a A. pediu a condenação da R. na indemnização de € 10.000,00 a título de danos não patrimoniais), mas o que foi decidido na sentença (que condenou a R. a pagar à A. a indemnização de € 2.000,00 àquele título), nem se descortina que no segmento anterior do corpo das alegações a recorrente tenha elencado os motivos por que considera ser desproporcionada a indemnização arbitrada na sentença a título de danos não patrimoniais, o que nos impede, sem mais, de emitir pronúncia fundada sobre o reparo a este propósito produzido.
Já no que respeita à alegação da recorrente de que a recorrida não tem direito a receber quaisquer valores provenientes das retribuições intercalares, por o contrato de trabalho se encontrar suspenso por efeito das baixas médicas e não se verificar o sinalagma retributivo do empregador, uma vez que a prestação laboral não fora realizada, nem seria devida, e de que devem ser deduzidos os valores do apoio da Segurança Social e os valores mencionados no n.º 2 do artigo 390.º do CT, devemos deter-nos um pouco mais.
A sentença sob recurso, julgando que a recorrente procedeu ao despedimento ilícito da recorrida, condenou a primeira, além do mais, no pagamento à trabalhadora das retribuições que deixou de auferir entre a data do despedimento e o trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento, nos termos do preceituado no n.º 1, conjugado com a alínea b), do n.º 2, do artigo 390.º do Código do Trabalho, a qual computou em € 42.643,86, correspondente às retribuições que se venceram entre o dia 20 de Junho de 2020 e o dia 13 de Março de 2024, ressalvando que acrescem ao indicado montante, o valor das retribuições que se vencerem desde a sentença até ao seu trânsito em julgado, não procedendo a quaisquer deduções.
A dedução nas retribuições intercalares (do período entre o despedimento e o trânsito em julgado da decisão que declara a sua ilicitude) daquelas relativas ao período de incapacidade por doença ou por acidente de trabalho não decorre directamente do preceituado pelo artigo 390.º n.º 2 do Código do Trabalho, pois não se trata de prestações que o trabalhador não receberia se não fosse o despedimento, uma vez que ele poderia recebê-las, mesmo que não tivesse ocorrido o despedimento, desde que ocorresse a situação de incapacidade para o trabalho.
Contudo, o subsídio de doença não é cumulável com retribuição.
O subsídio de doença constitui uma prestação da segurança social substitutiva da retribuição (artigo 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 28/2004, de 4 de Fevereiro) e o mesmo se deve dizer das prestações por acidente de trabalho quando o trabalhador tenha direito a qualquer subsídio ou seguro, sendo que nestes casos, precisamente porque a prestação é substitutiva, não é cumulável com a retribuição – cfr. o artigo 255.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código do Trabalho, segundo o qual:
«(…)
2 - Sem prejuízo de outras disposições legais, determinam a perda de retribuição as seguintes faltas justificadas:
a) Por motivo de doença, desde que o trabalhador beneficie de um regime de segurança social de protecção na doença;
b) Por motivo de acidente no trabalho, desde que o trabalhador tenha direito a qualquer subsídio ou seguro;
(…)»
Assim, mesmo tendo o despedimento sido declarado ilícito, enquanto se verificar a situação de incapacidade para o trabalho, que dá direito à prestação de segurança social [“subsídio de doença” nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 28/2004] ou a indemnização por ITA [nos termos do artigo 48.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro], não é devida pelo empregador ao trabalhador a respectiva retribuição, não sendo de reconhecer, em tais circunstâncias, o direito a retribuições intercalares.
Ponto é que seja percebido o indicado subsídio de doença.
Ora no caso vertente, as retribuições intercalares foram contabilizadas pela sentença a partir do dia 20 de Junho de 2020 (30 dias antes da propositura da acção) e o que resulta dos autos é que a recorrida esteve de baixa desde 25 de Agosto de 2018 até pelo menos 20 de Março de 2020 (facto xxx.), inexistindo qualquer facto demonstrativo de que após essa data se verificasse o condicionalismo determinativo da suspensão do contrato de trabalho.
Ou seja, nada resulta da factualidade apurada suceptível de levar a concluir que no período relativamente ao qual a recorrente foi condenada a pagar retribuições intercalares à recorrida, esta tenha auferido qualquer valor a título de subsídio de doença que deva ser deduzido às retribuições intercalares nos termos apontados.
Deve recordar-se que, como constitui entendimento pacífico da jurisprudência, quanto às deduções previstas no nº 2, alínea a) do artigo 390º do Código do Trabalho, a parte interessada – o empregador – terá de deduzir atempadamente a inerente excepção, cabendo-lhe ainda fazer a prova da percepção pelo trabalhador das respectivas importâncias, ou seja, o seu conhecimento pelo Tribunal depende da alegação e prova, pelo empregador, de que o trabalhador auferiu rendimentos de trabalho por actividade iniciada após o despedimento ou outros valores que devam deduzir-se às retribuições intercalares10.
Prova que a recorrente não fez quanto à percepção de subsídio de doença pela recorrida após 20 de Junho de 2020.
Não procede a apelação, igualmente neste ponto.
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4.4. Já no que diz respeito às deduções previstas nas alíneas b) e c) do artigo 390.º do Código do Trabalho, a saber, o subsídio de desemprego e a não contabilização dos valores relativos ao período entre o despedimento e os 30 dias que precederam a instauração da acção, a recorrente tem parcialmente razão.
Na verdade, a sentença da 1.ª instância apenas acautelou a não contabilização da retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da acção [alínea b)], mas nada referiu quanto ao subsídio de desemprego [alínea c)].
Ora, quanto à dedução do montante do subsídio de desemprego auferido pelo trabalhador independentemente da questão ter ou não sido suscitada pelas partes, ou de se ter feito, ou não, prova do pagamento de subsídio de desemprego, sempre deverá o tribunal, oficiosamente, acautelar tal possibilidade, prevendo e determinando na sentença a necessidade de tais descontos para o caso do referido subsídio ter sido auferido. Como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 2011.01.10, "a dedução do subsídio de desemprego prevista na c) do n.º 2 do art.º 390.º, do Código do Trabalho, prossegue um evidente interesse público e tem natureza imperativa, não estando na disponibilidade das partes accioná-la sendo, consequentemente, de conhecimento oficioso"11.
Pelo que, neste aspecto, procede parcialmente a apelação.
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4.5. Resta analisar a responsabilidade da recorrente pelo pagamento das férias não gozadas em 2018.
Alega a recorrente que deverá declarar-se improcedente o pedido e decisão de pagamento de créditos referentes ao período de férias não gozadas porquanto não é, nem nunca foi, entidade empregadora da recorrida e, caso se entenda que deve ser a recorrente a pagar esse respetivo valor, tal decisão culminará numa situação de empobrecimento injustificado, em favor da Ré XX, Lda., transmitente que é responsável pelo pagamento de créditos salariais reportados à data anterior da transmissão, situação que deve ser evitada de acordo com o instituto jurídico do enriquecimento sem causa (conclusão X.).
Não lhe assiste razão.
Com efeito, conforme prescreve a cláusula 14.ª da Convenção Colectiva de Trabalho aplicável, acima reproduzida, “[a] prestadora de serviços cessante e a nova prestadora de serviços são solidariamente responsáveis pelo pagamento dos créditos devidos aos trabalhadores, vencidos e não pagos até à data da sucessão” (n.º 15), responsabilidade que “não afeta o direito de regresso da nova prestadora de serviços relativamente à prestadora de serviços cessante” (n.º 15).
Estão, pois, bem expressos no instrumento de regulamentação colectiva, quer a responsabilidade solidária da recorrente pelo pagamento dos créditos em causa, quer o mecanismo de que a mesma pode lançar mão caso pretenda responsabilizar a primitiva empregadora.
Aliás, em face do regime do artigo 285.º do Código do Trabalho, particularmente do seu n.º 4, é de considerar que o adquirente tem a responsabilidade principal pela satisfação de todas as obrigações emergentes do contrato de trabalho transmitido, sem qualquer limite, sendo o transmitente solidariamente responsável pelo seu pagamento, mas com um duplo limite: responde nesses termos apenas pelos créditos vencidos até à transmissão e desde que os mesmos sejam exigidos durante os dois anos subsequentes a esta.
Pelo que nada autoriza que a recorrente seja absolvida do pagamento da verba de € 482,59 a título de férias vencidas e não gozadas em 1998.
Improcede a apelação, também neste aspecto.
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4.6. Porque decaiu no recurso, incumbe à recorrente o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º do Código de Processo Civil). Não se autonomiza a vertente em que procedeu a apelação na medida em que não se concretiza em qualquer benefício económico para a recorrente. Na verdade, o empregador em nada beneficia com as deduções do subsídio de desemprego na medida em que se trata de entregar à Segurança Social um montante que deduz ao que deve entregar à trabalhadora, pelo que fica patrimonialmente diminuído na mesma medida (razão por que também não recai sobre si qualquer ónus de pedir a dedução dos subsídios de desemprego na contestação, ao invés do que sucede quanto às deduções da primeira alínea do preceito), e é de considerar que decai totalmente na apelação, não havendo proporção de decaimento nas custas.
Mostrando-se paga a taxa de justiça e não havendo encargos a contar neste recurso que, para efeitos de custas processuais, configura um processo autónomo (artigo 1.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais), a condenação é restrita às custas de parte que haja.
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5. Decisão
Em face do exposto, decide-se:
5.1. julgar improcedente a impugnação da decisão de facto;
5.2. conceder parcial provimento à apelação e, em consequência:
a) determinar que a recorrente deduza nos valores que foi condenada a pagar à recorrida a título de retribuições intercalares desde 20 de Junho de 2020, até ao trânsito em julgado da decisão final, as quantias que a recorrida tenha auferido a título de subsídio de desemprego e as entregue à Segurança Social;
b) no mais, manter a sentença da 1.ª instância.
Condena-se a recorrente nas custas de parte que haja.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Lisboa, 06 de Novembro de 2023
Maria José Costa Pinto
Manuela Bento Fialho
Alda Martins
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1. Vide o despacho transcrito no relatório supra, datado de 2023.08.18.
2. De acordo com o artigo 68.º, n.º s 2 e 3 deste Decreto-Lei n.º 187/2007, a pensão provisória de invalidez é atribuída, designadamente, quando se tenha esgotado o período máximo de 1095 dias de registo de remunerações por incapacidade temporária e se mantenha a incapacidade para o trabalho, sendo os beneficiários sujeitos oficiosamente a avaliação pela comissão de verificação de incapacidade permanente, no prazo de 30 dias.
3. Ambas publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 38, de 15 de Outubro de 2017, com Revisões Parciais publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 48, de 29 de Dezembro de 2018, a pp.4558 e seg. e a pp.4565 e ss. e n.º 20, de 29 de Maio de 2019, pp. 1991 e ss. e 1993 e ss.
4. Diário da República n.º 176/2019, Série I de 2019-09-13.
5. Segundo é alegado pela R. XX, Lda. (artigo 19.º da contestação), sem que tal seja questionado por qualquer das partes, a XX, Lda. é associada da Associação de Empresas de Segurança (AES) e a YY, Lda. não tem associação patronal, não sendo associada da Associação Nacional das Empresas de Segurança (AESIRF). Quanto à A., consta dos documentos de fls. 47 verso-48 e 121 verso que era sindicalizada no STAD.
6. Proferido no Processo n.º 7486/20.5T8LRS.L1, inédito, tanto quanto julgamos saber.
7. Em tais autos ficou expressamente provado que o vigilante em causa se encontrava escalado para o Terminal 2 à data da sucessão de prestadores e nos três meses que a antecederam. Ficou também assente que, sensivelmente na mesma altura, os serviços que a “XX, Lda.” prestava no Terminal 1 do Aeroporto Internacional de Lisboa foram adjudicados à “ZZ, S.A.”, facto que nos presentes autos não foi averiguado.
8. Vide Monteiro Fernandes, in “Direito do Trabalho”, 13.ª edição, Coimbra, 2006, p. 420.
9. Vide, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 01 de Junho de 2022, processo n.º 1104/18.9T8LMG.C1.S1, o Acórdão da Relação de Lisboa de 12 de Outubro de 2023, Processo 2942/17.5T8SNT-A.L1-2, ambos in www.dgsi.pt, bem como o Acórdão da Relação de Lisboa de 21 de Fevereiro de 2024, Processo 21556/22.1T8LSB.L1, e relatado pela ora relatora, inédito tanto quanto nos é dado saber. Decorre de tais arestos que, uma vez rejeitada ou julgada improcedente a impugnação da matéria de facto, mantendo-se os factos fixados na sentença, “fica prejudicada a apreciação de uma questão de direito que, em termos de precedência lógico-jurídica, pressupunha a prévia alteração da factualidade provada, ficando a Relação desvinculada de sobre a mesma se pronunciar”.
10. Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Setembro de 2006, Processo n.º 899/06, de 14 de Dezembro de 2006, Processo n.º 1324/06, de 12 de Julho de 2007, Processos n.ºs 4104/06 e 4280/06, de 10 de Julho de 2008, Processo n.º 457/08, 25 de Março de 2010, Processo n.º 690/03.2TTAVR-B.C1.S1 e de 17 de Março de 2022, Processo 16995/17.2T8LSB.L2.S1, todos da 4.ª Secção, o Acórdão da Relação de Lisboa de 09 de Setembro de 2020, Processo 16995/17.2T8LSB.L2 (inédito, tanto quanto nos é dado saber), e os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 2014.11.17, Processo n.º 422/12.4TTGDM.P1, e de 2015.09.07, Processo n.º 1116/09.3TTMTS.P2, todos in www.dgsi.pt, com excepção do expressamente ressalvado.
11. Proferido no processo n.º 171/09.0TTSTS.P1, in www.dgsi.pt. Vide ainda o Acórdão da Relação de Lisboa de 2024.02.21, Processo n.º 306/23.0T8TVD.L1, e o Acórdão da Relação do Porto, de 2014.12.17, processo n.º 568/10.3TTVNG.P1, ambos subscritos pela ora relatora como adjunta, publicados no mesmo sítio.