Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1688/23.0T8OER.L1-2
Relator: ARLINDO CRUA
Descritores: ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
ACÇÃO DE ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
LEGITIMIDADE PASSIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/16/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – A legitimidade passiva nas acções de anulação de deliberação da assembleia de condóminos pertence ao condomínio, representado pelo administrador ou por pessoa que a assembleia designar para o efeito ;
II – Em tal definição deve considerar-se, plenamente, o conceito de legitimidade, enquanto pressuposto processual, consignado no artº. 30º, do Cód. de Processo Civil, nomeadamente na ponderação da posição das partes face ao litígio suscitado, tal como o configura o autor, no que se revela essencial o juízo de utilidade para a parte demandante e o juízo de prejuízo para a parte demandada ;
III - a deliberação tomada em assembleia de condóminos tem um conteúdo colegial, autónomo da vontade de cada um dos condóminos, individualmente consideradas, e distinto da simples acumulação de vontades que possam ter sido expressas, o que justifica e torna entendível a atribuição, por razões de ordem prática, de personalidade judiciária ao condomínio – a alínea e), do artº. 12º, do Cód. de Processo Civil -, de forma a que este possa exercer efectivos poderes processuais ;
IV - efectivamente, a deliberação da assembleia de condóminos exprime a vontade do grupo que constitui o condomínio, e não as parcelares vontades dos condóminos individualmente considerados, ou aprovadores da deliberação, sendo que a controvérsia relativa à aprovação ou impugnação de uma deliberação que é colegial situa-se no campo da satisfação das necessidades colectivas, sem reporte à eventual satisfação dos interesses individuais ou exclusivos de cada um dos condóminos, o que não pode deixar de ser condicionante na atribuição da legitimidade ;
V – é mister e necessário que se opere uma interpretação actualista do nº. 6, do artº. 1433º, do Cód. Civil, no sentido de se considerar que o condomínio pode ser directamente demandado, representado pelo administrador, pois, se a este é incumbida a execução das deliberações da assembleia de condóminos – a alínea i), do nº. 1, do artº. 1436º, do Cód. Civil -, também cumprirá ao mesmo, em representação do condomínio, sustentar processualmente a sua validade e operacionalidade ;
VI – reconhecendo-se, assim, que a interpretação do nº. 6, do artº. 1433º, do Cód. de Processo Civil, não deverá ser estritamente literal, antes demandado o apelo a outros elementos interpretativos, nomeadamente tendo em conta que a sua redacção decorre do DL nº. 267/94, de 25/10 – momento em que o condomínio não gozava de personalidade judiciária e, como e enquanto tal, não podia figurar processualmente como parte activa ou passiva -, e que apenas com a reforma de 1995/96 – o artº. 6º, alín. e), do CPC de 1961 - foi operada a extensão da personalidade judiciária ao condomínio, determinando que este passasse a ser, na realidade, a parte legítima, representado em juízo pelo administrador.
Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:
               
I – RELATÓRIO
1 – A …, residente na Alameda Alto da Barra, nº. 9, 3º direito, Oeiras, instaurou acção declarativa constitutiva de anulação de deliberação de Assembleia de Condóminos, contra:
1. CONDOMÍNIO da …, BLOCO …, contribuinte fiscal nº …, com sede na …, nºs …, …, …, …, …, … e … Bloco …, …-… Oeiras, representado pela administração B …, Lda., pessoa colectiva nº …, com sede na Rua de …, nº …, Loja …, …-… Lisboa
2. C …, proprietária da fração … – … Dto, e … – … Esq., sita no condomínio ….;
3. D …, proprietária da fracção … – … Dto., sita no condomínio ….;
4. E …, proprietária da fracção … – … Esq., sita no condomínio ….;
5. F …, proprietário da fracção … – … Dto., sita no condomínio ….;
6. G …, proprietário da fracção … – … Esq., sita no condomínio ….;
7. H …, proprietário da fracção … – … Esq., sita no condomínio ….;
8. I …, LDA., proprietário da fracção … – … Esq., sita no condomínio ….;
9. J …, proprietário da fracção … – … Esq., sita no condomínio ….;
10. L …, proprietária da fracção … – … Esq., sita no condomínio ….;
11. M …, proprietário da fracção … – … Esq., sita no condomínio ….;
12. N …, proprietário da fração … – … Dto, … – … Esq. e … – … Dto., sitas no condomínio ….;
13. O …, proprietária da fracção … –  … Dto., sita no condomínio ….;
14. P …, LDA., proprietária da fracção … – … Esq., sita no condomínio ….;
15. Q …, proprietária da fracção … – … Dto., sita no condomínio ….;
16. R .., proprietário da fracção … – … Esq., sita no condomínio ….;
17. S …, proprietário da fracção … – … Dto., sita no condomínio ….;
18. T …, proprietária da fracção …–  … Esq., sita no condomínio ….;
19. U …, proprietário da fracção … – … Dto., sita no condomínio ….;
20. V …, proprietário da fracção … – … Esq., sita no condomínio ….;
21. X …, proprietário da fracção … – … Dto., sita no condomínio ….,
Todos representados e a serem citados na pessoa da Administração do Condomínio da …, Bloco …, a sociedade B …, Lda., pessoa colectiva nº …, com sede na Rua …, nº …, Loja …, …-… - Lisboa,
deduzindo o seguinte petitório:
- que seja julgada totalmente procedente, por provada, a acção e, consequentemente, “ser anulada a deliberação do ponto seis da Acta nº …, exarada da Assembleia Geral de 2 de Março de 2023 do Condomínio da …, Bloco … acima melhor identificado, por ser manifestamente contrária à lei, ao abrigo do disposto nos arts. 1425º, nº 1 e 1433º nº 1 do Código Civil, e nos termos supra expostos, com todas as consequências daí inerentes em matéria do pagamento das custas do processo e de condigna procuradoria”.
Alegou, em súmula, o seguinte:
§ A presente acção, para além de ser intentada contra o administrador do condomínio, é também intentada contra cada um dos condóminos que aprovaram a deliberação que se impugna, por mera cautela de patrocínio ;
§ Apesar de a actual redacção do art. 1437º, nº 1 do Código Civil afirmar que “[o] condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele”, também é verdade que a redacção do art. 1433º, nº 6 do mesmo diploma, que permaneceu inalterada, estabelece que “[a] representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito” ;
§ Apesar desta última norma ter sido redigida numa altura em que o condomínio não gozava de personalidade judiciária, não podendo, por isso, ser parte activa ou passiva num processo cível, a verdade é que a mesma não foi ainda formalmente revogada ;
§ Admitindo-se, em linha com a doutrina e a jurisprudência largamente maioritárias, ser necessário fazer-se uma interpretação actualista do art. 1433º, nº 6 do Código Civil ;
§ Donde resultará que a questão sobre a legitimidade passiva nas acções cujo objecto seja a anulação de deliberações da assembleia de condóminos ficará resolvida no sentido das mesmas serem apenas intentadas contra o condomínio, representado pelo seu administrador ;
§ Não sendo tal entendimento isento de dúvidas, por cautela de patrocínio, os presentes autos, para além de serem propostos contra o administrador do condomínio, são também instaurados contra cada um dos condóminos que aprovaram a deliberação que se pretende impugnar ;
§ O Condomínio R. respeita a um edifício em regime de propriedade horizontal denominado “Edifício Y … – Bloco …”, sito na …, nºs … (edifício … lote 1); 3 (edifício …, lote 2); 5 (edificio …, lote 3); 7 (edificio … lote 4); 9 (edificio … lote …); 11 (edificio … lote …; 13 (edificio … lote …), freguesia de Oeiras e S. Julião da Barra, do concelho Oeiras, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o nº …, Livro nº … e inscrito na matriz predial urbana sob o nº … ;
§ O A. é proprietário e condómino da fracção … – 3º Dto. sita no condomínio R., que inclui uma arrecadação com o nº … e estacionamento com o nº …, ambos na cave, sita no Edifício … – Lote 5 ;
§ O 1º R. Condomínio é administrado pela sociedade B …, Lda., pessoa colectiva nº …, com sede na Rua …, nº …, Loja …, …-… Lisboa, de acordo com o deliberado e aprovado na assembleia de condóminos realizada em 2 de Março de 2023, nos termos constantes da respectiva acta, com o nº … ;
§ Essa assembleia de condóminos foi convocada por carta registada datada de 17 de Fevereiro de 2023, para deliberar sobre uma ordem de trabalhos com dez pontos ;
§ O ponto seis dessa ordem de trabalhos pressupunha a “[d]iscussão e deliberação sobre a instalação de pontos de carregamento para veículos elétricos” ;
§ Em cumprimento da convocatória, o Condomínio R. reuniu em assembleia geral no dia 2 de Março de 2023, com a presença ou a devida representação de condóminos correspondentes a 402,70 de permilagem do valor total do prédio ;
§ Não tendo o Autor estado presente, ou representado, nessa assembleia ;
§ Pelo que não aprovou nenhuma deliberação tomada, particularmente a que constava do ponto seis da ordem de trabalhos ;
§ A mencionada assembleia de condóminos tomou as deliberações exaradas na acta nº 71 já referida ;
§ Em relação à matéria constante do ponto seis da ordem de trabalhos, o texto da acta refere nos seguintes termos:
No PONTO SEIS, o PM apresentou as diversas soluções possíveis para a instalação de pontos de carregamento para veículos elétricos, conforme solicitado por diversos condóminos:
1) Instalação de ponto de carregamento individual, utilizando a energia da fração construção de corete para passagem de cabos desde os pisos até à garagem;
2) Instalação de quadro balanceado com gestão inteligente;
3) Instalação de 1 quadro balanceado com gestão inteligente na garagem junto a cada um dos prédios, a energia será proveniente de cada um dos prédios;
Aberto o período de discussão, foram abordadas pelo PM as vantagens e desvantagens de cada uma das soluções apresentados:
1) Poderão ser carregados em simultâneo todos os veículos com posto de carregamento instalado, dependendo este mesmo carregamento da energia contratada por cada fração; intervenção invasiva com intervenção direta nas estruturas dos edifícios; ligação a cargo dos condóminos mais onerosa.
2) O quadro balanceado utiliza a energia disponível no quadro comum da garagem, neste momento os 10.1 KW apenas permitem o carregamento de 3 veículos em simultâneo; Será necessário o aumento do ramal de entrada de energia no Bloco B de modo a permitir o aumento de potência disponível, a E-redes informou que neste momento os Pt’ s na zona não permitem este aumento; num universo de 84 frações esta solução neste momento não é viável.
3) A instalação de um quadro balanceado junto de cada edifício (7) permite disponibilizar o carregamento até 4 veículos (13.1 KW disponível por prédio) por edifício, um total de 27 veículos; instalação dos postos de carregamento menos onerosa; possibilidade de aumentar a potência do ramal quando for possível tecnicamente ;
§ em relação à primeira solução apresentada, não resulta da acta o teor da “intervenção invasiva com intervenção direta nas estruturas dos edifícios tida por necessária, nem minimamente demonstrada a onerosidade da intervenção ;
§ O que leva o A. a admitir que tais questões não foram sequer abordadas na assembleia de condóminos, o que terá contribuído para o afastamento de uma opção que, apesar de tudo, trataria todas as fracções por igual ;
§ Ainda de acordo com a mencionada acta:
Neste seguimento, foram apresentadas as diversas propostas conforme ANEXO 7, salientando ainda que na assembleia de 2022 já tinha sido aprovada a instalação de pontos de carregamento para veículos elétricos, faltando apenas selecionar a solução a implementar ;
§ No que toca à votação de cada uma das três propostas, e novamente de acordo com a mesma acta :
A solução 1) envolvendo intervenção estrutural nos edifícios levantou algumas dúvidas entre os condóminos, a solução 2) deixou de ser tida em conta por não preencher as necessidades imediatas dos condóminos, a solução 3) foi a que apresentou mais consensos sendo deste modo colocada a votação. Colocada a votação a proposta 3) da empresa KLC para a instalação de 7 quadros Balanceados, no valor 20.075,43 + IVA foi aprovada pela maioria dos condóminos presentes e/ou representados com os votos contra da fração “AI” e abstenções das frações “CJ”, “CL”, “CM”, “CN”, “CO”, “AG”, “AT”, “BE”, “BG” e “BO” ;
§ Atendendo à permilagem dos condóminos presentes e à dos que votaram contra e se abstiveram, tem-se por assente que a deliberação em causa foi votada favoravelmente apenas por condóminos correspondentes a 270,50 de permilagem do valor total do prédio ;
§ Em consequência da alegada “aprovação” da proposta com o número três, parece ter sido ainda “aprovado” pelo mesmo número de condóminos o pagamento de uma quota extraordinária, nos seguintes termos constantes da acta:
Será lançada uma Quotização Extraordinária no valor de 25.000 € em nove prestações ater início em abril de 2023 ;
§ Para além de todas as mencionadas soluções técnicas constarem de uma única proposta apresentada por uma única empresa, o que já é altamente questionável do ponto de vista económico, por impedir o confronto com outras possibilidades porventura existentes e comercializadas por outras empresas, também é certo que o A. não foi suficientemente esclarecido da existência de outras alternativas ;
§ Com efeito, só escassos dias antes da reunião da assembleia de condóminos é que o A. recebeu por correio electrónico duas propostas comerciais ;
§ Admitindo o A. que tal situação tenha sido igualmente extensiva a todos os demais condóminos ;
§ Tais propostas, para além de terem sido elaboradas pela mesma empresa, não contemplavam a solução 1, mas apenas a 2 e a 3 ;
§ Não ignorando a administração do condomínio a total falta de exequibilidade técnica da solução 2, é óbvio que através desta sua altamente questionável actuação, acabou por induzir os condóminos presentes a aprovar a solução 3 ;
§ Apesar desta ser aberrantemente discriminatória, por criar evidentes distorções ao direito de todos os condóminos serem tratados por igual ;
§ Acresce ainda o facto de não terem sido apresentadas todas as soluções possíveis, nomeadamente a possibilidade de a solução ser adoptada sem a necessidade de construção de uma corete para a passagem dos cabos desde os pisos até à garagem, que permitiria tratar todos os condóminos proprietários das 84 fracções de forma idêntica e, eventualmente, com custos globalmente mais reduzidos para o universo do condomínio ;
§ Sobretudo porque essa solução permitiria a cada um dos condóminos vir a instalar, em função das regras a aprovar pela assembleia de condóminos, uma tomada de carregamento autónoma no seu lugar de estacionamento na garagem, nas condições contratualizadas com o seu actual comercializador de energia de livre escolha e com custos de instalação complementar necessariamente reduzidos ;
§ Acresce ainda a essa actuação altamente questionável da administração, o facto de, juridicamente, ser manifesto que a deliberação em causa nunca poderia ter sido aprovada nos termos em que o foi ;
§ Atendendo à circunstância de recorre aos serviços de uma sociedade comercial que tem por objecto a administração de condomínios, impende de forma ainda mais acentuada, sobre o Condomínio R. e sobre a própria administradora eleita, a obrigação e a responsabilidade de prestarem um trabalho sério, isento e profissional ,
§ É inequívoco que a instalação de pontos de carregamento para veículos eléctricos num edifício constituído em propriedade horizontal tem a natureza jurídica de uma inovação ,
§ Trata-se de uma obra que modifica o prédio, tomando por referência a forma como o mesmo foi originariamente concebido ou licenciado por ocasião da outorga da licença de utilização, e a que existia à data da constituição da propriedade horizontal ;
§ O que significa que teria a inovação a que alude o ponto seis da ordem de trabalhos de ter sido aprovada pela maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio, nos termos injuntivamente impostos no art. 1425º, nº 1 do Código Civil ;
§ Situação que manifestamente não se verificou.
§ De acordo com o texto da acta, a assembleia de condóminos em causa contou apenas com a presença ou a representação de condóminos correspondentes a 402,70 de permilagem do valor total do prédio ;
§ O que, por si só, já estava muito abaixo do limite dos dois terços exigido para a aprovação da inovação em causa ;
§ Acresce ainda que a deliberação nem sequer foi aprovada por todos esses condóminos ;
§ O que significa que a deliberação em causa foi votada favoravelmente apenas por condóminos correspondentes a 270,50 de permilagem do valor total do prédio ;
§ De onde resulta, com evidente clareza, que a deliberação constante do ponto seis da ordem de trabalhos foi tomada em manifesta violação do art. 1425º, nº 1 do Código Civil ;
§ O que significa que, nos quadros dos arts. 1425º, nº 1 e art. 1433º, nº 1, ambos do Código Civil, deve ser anulada e dada por sem efeito a deliberação relativa ao ponto seis da ordem de trabalhos exarada na acta nº 71 da assembleia de condomínios realizada em 2 de Março de 2023.
2 – Citado o 1º Réu, veio apresentar contestação, agindo “também como representante da universalidade dos condóminos, parte deles referenciados na douta petição”, excepcionando com a caducidade do direito de propor a acção de anulação, e impugnando, aduzindo, no essencial, o seguinte:
§ Na referenciada assembleia foram apresentadas propostas concretas para todas as soluções ;
§ A documentação foi enviada com alguns dias de antecedência, na assembleia de 2022 onde foi deliberada a instalação, e apresentadas soluções de diferentes fornecedores ;
§ A instalação em causa mais não faz do que dar cumprimento ao comando legal constante do Regime Jurídico da Mobilidade Eléctrica, aprovado pelo DL nº. 39/2010, de 26/04 ;
§ Conforme decorre dos nºs. 9 a 11, do artº. 1432º, do Cód. Civil, ainda está em curso o prazo de formação da maioria da deliberação em causa ;
§ Nomeadamente o prazo de 90 dias para que os Condóminos se pronunciem, estando convicto que se pronunciarão, expressa ou tacitamente, no sentido de aprovar a referida deliberação ;
§ Pelo que não se descortina como pode considerar-se violada uma norma por uma deliberação cujo quórum deliberativo ainda se encontra em formação.
Conclui, no sentido da procedência da arguida excepção de caducidade e, subsidiariamente, pela improcedência da acção, com a absolvição dos Réus de todos os pedidos.
3 – Conforme requerimento de 20/06/2023, veio o Autor responder à excepção invocada, pugnando pela sua total improcedência.
4 – Por despacho de 11/07/2023, consignando-se que a acção está proposta contra 21 Réus, e que apenas um se mostrava citado, “sem qualquer fundamento de representação atento o objecto dos autos”, determinou-se a citação dos demais vinte.
5 – Na sequência de tal determinação, veio o Autor, em 20/07/2023, apresentar o seguinte requerimento:
“A …, A. nos autos à margem referenciados, em que é R. Condomínio da …, Bloco …, notificado para preencher o formulário a que alude a Portaria nº 280/2013, de 26 de Agosto, com a finalidade de se proceder à citação dos condóminos que aprovaram a deliberações colocada em crise nos presentes autos, vem junto de V. Exa., expor e requerer o seguinte:
1. Tal como alegou na questão prévia com que iniciou o seu primeiro articulado, o A., para além de intentar a acção contra o administrador do condomínio, fê-lo também contra cada um dos condóminos que aprovaram a deliberação.
2. Tal sucedeu, como ali deixou expresso, por mera cautela de patrocínio, por entender, face às alterações legislativas então também mencionadas, que a melhor interpretação seria no sentido de a legitimidade passiva nos presentes autos caber apenas do administrador do condomínio.
3. Este é também o entendimento firme do mais recente Acórdão da Relação de Lisboa, proferido em 11 de Maio de 2023, ou seja, em momento ulterior ao início dos presentes autos, segundo o qual:
“As ações que visem a anulação das deliberações da assembleia de condóminos devem ser propostas contra o condomínio (colégio de condóminos), representado pelo administrador, com base numa interpretação atualista do nº 6, do art. 1433º, do CC, conjugado com o disposto no art. 1437º, nºs 1, e 2, do mesmo Código, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 8/2022, de 10/01”
4. Trata-se, de resto, do entendimento que tem vindo a ser sucessivamente sufragado por outros tribunais superiores, nos termos igualmente referidos no texto do mesmo acórdão, e com o qual o A. também está de acordo, nos termos já antes afirmados na sua petição inicial.
5. Neste sentido, e porque nenhum dos condóminos que aprovaram a deliberação objecto dos presentes autos foi ainda citado, não tendo nenhum deles também ainda oferecido a sua própria contestação, vem o A., ao abrigo do disposto no art. 286º, nº 1 do Código de Processo Civil, desistir da instância em relação a tais condóminos, requerendo que a presente acção prossiga apenas contra o Condomínio …, Bloco …, representado pela sociedade B …, Lda., pessoa colectiva no …, com sede na Rua de …, no …, Loja …, …-… Lisboa”.
6 – O que reiterou mediante os requerimentos datados de 10/10/2023 e 09/11/2023, quando confrontado com despachos que o interpelavam a pronunciar-se sobre a manutenção do anteriormente requerido e exposto.
7 – Por despacho de 16/11/2023, determinou-se o cumprimento do princípio do contraditório, relativamente ao Autor, atento o facto do Réu citado se ter defendido por excepção, vindo aquele novamente a pronunciar-se sobre esta, conforme requerimento de 30/11/2023.
8 – Em 04/01/2024, o Tribunal a quo, em sede de DESPACHO saneador, decidiu nos seguintes termos:
- decorrente da desistência apresentada, julgou extinta a instância relativamente aos Condóminos Réus identificados nos nºs. 2 a 21 da petição inicial ;
- conheceu oficiosamente da excepção dilatória de ilegitimidade passiva, no sentido da sua procedência, com consequente absolvição do Réu da instância.
9 – Inconformado com o teor de tal decisão, veio o Autor apresentar recurso de apelação, por referência à decisão prolatada, no âmbito do qual formulou as seguintes CONCLUSÕES (que ora integralmente se reproduzem):
A. Face às alterações legislativas introduzidas no regime da propriedade horizontal, ficou ainda mais claro que a legitimidade passiva nos presentes autos, correspondentes à anulação de uma deliberação tomada em assembleia de condóminos, compete apenas ao condomínio, representado pelo seu administrador;
B. A legitimidade passiva do recorrido, tanto por si quanto em representação dos condóminos que aprovaram a deliberação, foi assumida de forma expressa e inequívoca pelo próprio recorrido, logo no cabeçalho da sua contestação, que não suscitou qualquer questão de ilegitimidade, circunstância que poderia até ser relevante no caso de se entender pela necessidade de tais condóminos terem também de ser demandados;
C. O condomínio, representado pelo seu administrador, tem legitimidade passiva para ser demandado numa acção de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos, resultando tais poderes de representação da própria lei, só assim não sucedendo no caso de a assembleia de condóminos ter, para esse efeito, deliberado noutro sentido, o que não sucedeu nos presentes autos;
D. O próprio texto da acta correspondente à deliberação tomada, confirma a aprovação unânime, por parte dos condóminos presentes ou devidamente representados, da proposta de recondução da B …, Lda., como administradora do condomínio recorrido, que permanece nesse cargo;
E. A legitimidade passiva do condomínio, representado em juízo pelo administrador, e não contra os condóminos que aprovaram a deliberação, é também a solução que melhor agiliza o direito de acção, por evitar o litisconsórcio necessário do universo dos condóminos que tenham votado a favor de uma deliberação considerada inválida, em número que poderá ultrapassar as largas dezenas, sendo certo que os pressupostos processuais não devem servir para complicar desnecessariamente o conhecimento do pedido e a resolução dos litígios, que constituem as verdadeiras finalidades do processo civil;
F. O que se discute nos presentes autos não é a anulação de uma qualquer deliberação tomada por um conjunto informal de condóminos, mas a anulação de uma deliberação tomada pelos condóminos no âmbito de um dos órgãos administrativos específicos da propriedade horizontal, no caso concreto a assembleia de condóminos;
G. Tratando-se de uma deliberação tomada pelo órgão, não poderá a respectiva anulação deixar de lhe ser especificamente dirigida, o que terá de suceder através de uma acção proposta contra o administrador do condomínio, na sua qualidade de representante dos condóminos;
H. O condomínio é um ente colectivo, constituído pelo conjunto dos condóminos, que manifesta a sua vontade através das deliberações da assembleia dos condóminos, o que significa que a deliberação tomada pela assembleia de condóminos exprime a vontade do condomínio e não dos condóminos individualmente, designadamente dos que a aprovaram;
I. A própria essência de uma deliberação constitui o conteúdo devidamente autonomizado da vontade dos sujeitos individuais que nela intervieram e que para ela contribuíram, configurando-se não como a soma das vontades singulares, mas como uma realidade autónoma e distinta, o que faz com que na acção de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos, a legitimidade passiva pertença ao condomínio, representado pelo respectivo administrador;
J. A sentença de que ora se recorre não aplicou o Direito de forma correcta, o que implica que seja revogada e substituída por outra que reconheça a legitimidade passiva do condomínio recorrido, representado pelo seu administrador, para estar em juízo nos presentes autos, desacompanhado dos condóminos que aprovaram a deliberação que se pretende invalidar.
Conclui, pugnando pela procedência do recurso, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que “reconheça a legitimidade passiva do condomínio recorrido, representado pelo seu administrador, para estar em juízo nos presentes autos, desacompanhado dos condóminos que aprovaram a deliberação que se pretende invalidar, em consonância com amais recente jurisprudência dos tribunais superiores, segundo a qual “[n]a ação de impugnação de uma deliberação de assembleia de condóminos, a legitimidade passiva pertence ao condomínio, representado pelo respetivo administrador”, e que, em consequência, ordene a normal prossecução dos presentes autos”.
10 – Não foram apresentadas contra-alegações.
11 – O recurso foi admitido por despacho de 06/03/2024, como apelação, com subida nos próprios autos, de imediato e com efeito meramente devolutivo.
12 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
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II ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas ;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação do recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto dos interpostos recursos.
Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede consubstancia-se em aferir a quem se mostra deferida a legitimidade passiva em acção intentada com vista à declaração de nulidade/anulação de uma deliberação colegial tomada em assembleia de condóminos.
Nesse desiderato, e de acordo com as mesmas conclusões recursórias, impõe-se conhecer acerca das seguintes questões:
I) Da correcta interpretação do nº. 6, do artº. 1433º, do Cód. Civil ;
II) Da modificação operada no artº. 1437º, do Cód. Civil, pela Lei nº. 8/2022, de 10/01, nomeadamente:
a. Da substituição da epígrafe “legitimidade do administrador” por “representação do condomínio em juízo” ;
b. Da alteração do texto do normativo, de forma a acentuar a ideia de ser o condomínio a parte legítima nas acções destinadas a anular as deliberações tomadas nas assembleias de condóminos e de a sua representação em juízo caber ao respectivo administrador ;
III) Da necessidade de concluir-se no sentido de que a acção de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos dever ser intentada apenas contra o condomínio, representado em juízo pelo administrador ou por quem a assembleia designar, e não contra os condóminos que aprovaram a deliberação.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A factualidade ponderável é a que resulta do iter processual supra exposto em sede de relatório.
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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
I) Da decisão apelada
Em sede de saneamento processual, conhecendo-se oficiosamente acerca da excepção dilatória de ilegitimidade processual do Réu Condomínio da …, Bloco …, ajuizou-se, em súmula, nos seguintes termos:
- a questão da legitimidade passiva nas acções de anulação/impugnação de deliberações de assembleia de condóminos não tem sido pacífica na jurisprudência e doutrina ;
- para uma das posições, o administrador do condomínio não tem legitimidade passiva para aquelas acções, pelo que as mesmas devem ser propostas contra os condóminos, e não contra os administradores ;
- num outro entendimento, o administrador tem legitimidade passiva, pois actua como representante orgânico do condomínio, exprimindo a deliberação a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos individualmente considerados ;
- pelo que, sendo um acto do condomínio, a legitimidade passiva cabe ao administrador ;
- entende-se que:
· Atenta a natureza destas acções ;
· A identidade dupla do condomínio,
devem estas acções ser intentadas/instauradas contra cada um dos condóminos que aprovaram a deliberação, pois estes têm efectivamente interesse em contradizer ;
- por sua vez, a legitimidade activa pertence a qualquer condómino que não tenha aprovado a deliberação susceptível de ser anulada, pertencendo a legitimidade passiva aos demais condóminos quer a votaram positivamente, representados judiciariamente pelo administrador, na pessoa do qual são citados ;
- a posição que defende que é o condomínio que deve ser demandado, na pessoa do seu administrador, impõe uma interpretação do regime legal aplicável que conflitua com o estatuído nos nºs. 1 e 6 do artº. 1433º, do Cód. Civil ;
- in casu, estamos perante uma acção declarativa de anulação/impugnação de deliberação de assembleia de condóminos, prevista no artº. 1433º, do Cód. Civil ;
- nesta matéria de deliberação da assembleia de condóminos, o administrador não tem quaisquer poderes nem exerce qualquer função administrativa ;
- efectivamente, a apreciação e votação das questões submetidas à assembleia de condóminos só a estes pertence, não desempenhando o administrador qualquer papel nesta sede ;
- conforme o artº. 1433º, do Cód. Civil, a deliberação contrária à lei ou regulamento é da exclusiva responsabilidade dos condóminos que a votaram, não envolvendo o exercício de qualquer poder ou desempenho de funções da parte do administrador, enquanto tal ;
- donde, não se estando no âmbito dos poderes do administrador, neste domínio não goza o condomínio de personalidade judiciária, conforme resulta do artº. 12º, alín. e), do Cód. de Processo Civil e 1437º, do Cód. Civil ;
- assim, nesta matéria são os próprios condóminos que devem ser pessoalmente accionados, dada a falta de personalidade judiciária do condomínio ;
- embora a sua representação em juízo caiba ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para o efeito (o nº. 6, do artº. 1433º, do Cód. Civil) ;
- a questão da impugnação das deliberações é uma questão entre condóminos, pois a legitimidade para impugnar e para defender a deliberação radica nos próprios condóminos ;
- pelo que cabe a estes serem accionados para a acção declarativa (independentemente de se fazerem representar em juízo pelo administrador ou por pessoa que a assembleia de condóminos designar para o efeito) ;
- tal situação de accionamento do condomínio não se configura como ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário, mas antes caso de substituição da parte incorrectamente demandada por outra ;
- conducente a juízo de procedência da excepção dilatória de ilegitimidade, com consequente absolvição do Réu da instância.
Exposto o teor da decisão em sindicância, apreciemos cada um dos enunciados fundamentos recursórios, com prévia menção ao quadro legal em equação
II) Do quadro legal equacionável
Consistindo a personalidade judiciária na susceptibilidade em ser parte, que é normalmente reconhecida a quem tem personalidade jurídica (o artº. 11º, do Cód. de Processo Civil), prevendo acerca da extensão da personalidade judiciária, aduz a alínea e), do artº. 12º, do mesmo diploma, possuir ainda personalidade judiciária “o condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador”.
As funções do administrador do condomínio encontram-se elencadas no artº. 1436º, do Cód. Civil, entre as quais figura, conforme a alínea i), as de “executar as deliberações da assembleia que não tenham sido objeto de impugnação, no prazo máximo de 15 dias úteis, ou no prazo que por aquela for fixado, salvo nos casos de impossibilidade devidamente fundamentada”.
Na antecedente redacção desta normativo, prévia às alterações introduzidas pela Lei nº. 08/2022, de 10/01, tal função encontrava-se equacionada na alínea h), donde apenas constava “executar as deliberações da assembleia”.
A representação do condomínio em juízo encontra-se tipificada no artº. 1437º, do mesmo diploma, enunciando os nºs. 1 e 2 que:
“1 - O condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele.
2 - O administrador age em juízo no exercício das funções que lhe competem, como representante da universalidade dos condóminos ou quando expressamente mandatado pela assembleia de condóminos”.
Tal normativo, decorrente das alterações introduzidas pela citada Lei nº. 08/2022, tinha antecedentemente como epígrafe legitimidade do administrador, dispondo nos nºs. 1 e 2 que;
“1. O administrador tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro, na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia.
2. O administrador pode também ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício”.
Por fim, estatuindo acerca da impugnação das deliberações, referenciam os nºs. 1 e 6, do artº. 1433º, do Cód. Civil, que:
“1. As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.
(…)
6. A representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito”.
III) Das diferenciadas posições doutrinárias e jurisprudenciais
Tal como referenciado na decisão sob apelo, existem fundamentalmente duas diferenciadas posições, quer em termos ordinários, quer em termos jurisprudenciais, acerca da enunciada controvérsia.
Assim, numa primeira posição, a legitimidade passiva nas acções de anulação/impugnação das deliberações da assembleia de condóminos é atribuída aos condóminos presentes na assembleia que tenham votado favoravelmente a deliberação objecto de impugnação.
Foi esta a posição acolhida na decisão sob sindicância, conducente ao juízo de absolvição do Réu da instância, por oficiosa verificação da excepção dilatória de ilegitimidade.
Por outro lado, na que apelidaremos como segunda posição, tal legitimidade é conferida/atribuída ao próprio condomínio (colégio de condóminos), representado pelo administrador, ou por quem a assembleia designar para o efeito.
Esta é a posição defendida pelo Recorrente, de forma reiterada nos presentes autos, que, a confirmar-se, determinará o prosseguimento dos ulteriores termos processuais.
A partir da análise de vários arestos, por tribunal Superior e de forma cronológica – todos in www.dgsi.pt -, para além dos já referenciados na decisão recorrida, vejamos quais os fundamentos invocados para o perfilhar da posição subscrita e acolhida.
Da Relação de Lisboa:
- de 11/07/2019 – Relatora: Gabriela da Cunha Rodrigues, Processo nº. 9441/17.3T8LSB.L1-2, no qual o ora Relator figura como 1º Adjunto -, no qual se defende que a solução mais correcta e adequada parece ser a de reconhecer legitimidade passiva ao condomínio, conducente a que se tivesse sumariado que “as ações de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos devem ser intentadas contra o condomínio, que será representado pelo seu administrador ou por quem a assembleia designar para esse efeito”.
Consignou-se que “a tese negatória da legitimidade passiva do condomínio encontra arrimo forte na redação do artigo 1433.º, n.º 6, do Código Civil, norma expressamente dedicada à «impugnação de deliberações».
E, de facto, a letra da lei reporta-se aos «condóminos contra quem são propostas as ações» (negrito e sublinhado nossos).
O legislador não afirma que a representação judiciária do condomínio contra quem é intentada a ação incumbe ao administrador, mas, ao invés, que este representa os condóminos.
Sem embargo, a redação deste preceito deriva do Decreto-Lei n.º 267/94, de 25/10, e foi redigida num momento histórico em que o condomínio não gozava de personalidade judiciária, ou seja, não podia, enquanto tal, ser parte ativa ou passiva num processo cível.

Só com a Reforma de 1995/1996, o artigo 6.º, alínea e), do CPC de 1961 estendeu a personalidade judiciária ao condomínio.
E o artigo 231.º, n.º 1, do CPC de 1961 (atual artigo 223.º, n.º 1, do CPC de 2013), cuja redação resulta da mesma Reforma, acrescentou que o condomínio é citado ou notificado na pessoa do seu legal representante (o administrador).
Chegados a este ponto, verificamos que a atividade interpretativa reclama, em particular neste caso, uma hermenêutica sistémica das disposições legais, na unidade do sistema jurídico.
Baptista Machado, repudiando por completo o positivismo jurídico, não deixa, no ponto concreto da interpretação, de lançar mão de todos os pontos evidenciados no artigo 9.º do Código Civil para alcançar o desideratum voluntas legislatoris.
Realça que o texto é o ponto de partida (tendo mesmo uma função negativa, de afastamento ou eliminação de sentidos sem qualquer apoio; mas também positivo quando vários sentidos sejam possíveis nela colher), passando pelo elemento teleológico («o conhecimento deste fim, sobretudo quando acompanhado do conhecimento das circunstâncias (...) em que a norma foi elaborada»), pelo elemento sistemático (o que significa «a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda» (...) «é oportuno referir aqui a descoberta da “geneologia” ou “linhagem jurídico-sistemática” da norma»), mas também o elemento histórico, nele considerando a evolução do instituto, as chamadas fontes da lei e os trabalhos preparatórios, considerando como ponto mais importante de tarefa a busca da unidade do sistema (cf. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra: Almedina, pp. 181 e ss).
Numa linha de pensamento muito próxima, Francesco Ferrara refere que «o jurista há-de ter sempre diante dos olhos o escopo da lei, quer dizer, o resultado prático que ela se propõe conseguir. A lei é um ordenamento de relações que mira a satisfazer certas necessidades e deve interpretar-se no sentido que melhor responda a esta finalidade, e portanto, em toda a plenitude que assegure tal tarefa» (apud voto de vencido do Juiz Conselheiro Urbano Dias, no acórdão do STJ de 24.6.2008, p. 08A1755, in www.dgsi.pt).
Também Castanheira Neves ensina que o «problema jurídico-normativo da interpretação não é o de determinar a significação, ainda que significação jurídica, que exprimam as leis ou quaisquer normas jurídicas, mas o de obter dessas leis ou normas um critério prático normativo adequado de decisão dos casos concretos. Uma "boa" interpretação não é aquela que, numa pura perspectiva hermenêutica-exegética, determina corretamente o sentido textual da norma; é antes aquela que numa perspetiva prático-normativa utiliza bem a norma como critério da justa decisão do problema concreto» (Metodologia Jurídica – Problemas Fundamentais, Coimbra Editora, ed./reimpressão 2013, p. 84).
Isto leva-nos a aderir à interpretação atualista do citado artigo 1433.º, n.º 6, do Código Civil, preconizada por Miguel Mesquita, que propugna a tarefa interpretativa de substituir a expressão condóminos pela palavra condomínio. [sublinhado nosso]
À pergunta se atuará o condomínio no seu próprio interesse, autonomizando-se verdadeiramente dos condóminos, responde-nos sabiamente Miguel Mesquita, valendo a pena recorrer a esta citação mais longa do autor:
«Pensamos que não. Em nosso entender, o condomínio é a face processual dos condóminos (assim como uma comissão é a face dos comissionados), não fazendo valer, de forma alguma, um interesse diferente daquele que pertence a estes. No fundo, quando o condomínio assume o papel de parte, os condóminos assumem esse papel em simultâneo, mas sob a "máscara" do condomínio: não estão no processo, mas tudo se passa como se estivessem, litigando do lado activo ou do lado passivo da instância.
O condomínio é a "capa" processual dos condóminos, uma "capa" que visa facilitar a identificação das partes, evitar que os condóminos, um por um, tenham de ser referidos na petição inicial ou na contestação. Com os comissionados ocorre, exactamente, a mesma coisa.
A personalidade judiciária atribuída ao condomínio é meramente formal e, no fundo, os condóminos são partes na causa, debaixo da "capa" do condomínio. Como, na doutrina alemã, FIABSCITEID reconhece, após rejeitar, relativamente às associações não personalizadas, a figura da substituição processual, "a parte permanece o conjunto dos respectivos membros (die Gesamtheit der jeweiligen Mi tglieder). Por isso é que o depoimento de um condómino tem de ser visto como um depoimento de parte e jamais como um depoimento testemunhal.

Enquanto o substituto processual se distingue da parte substituída, a pessoa meramente judiciária não se distingue, no processo, das pessoas que se encontram por detrás dela. Daí que, naturalmente, o caso julgado atinja, plenamente, estas pessoas.
Por tudo isto, deve entender-se que o condomínio não goza de nenhuma legitimidade extraordinária, uma vez que os interesses que defende são, afinal, os interesses dos próprios condóminos e a distinção entre estes e o condomínio é absolutamente artificial» - obra citada, pp. 50 e 51.
E esta interpretação atualista tem também como alvo o artigo 383.º, n.º 2, do CPC (artigo 398.º do CPC de 1961), cuja redação permanece inalterada desde 1967.
Este preceito, relativo ao procedimento cautelar de suspensão das deliberações da assembleia de condóminos, diz-nos que «
é citada para contestar a pessoa a quem compete a representação judiciária dos condóminos na ação de anulação».
Como explica Miguel Mesquita, «À luz da interpretação por nós propugnada, é citado aquele a quem cabe a representação judiciária do condomínio e não dos condóminos» (obra citada, p. 54).
Dentro do mesmo registo, sem prejuízo de diferenças a assinalar, sustenta Sandra Passinhas que o administrador «age como representante orgânico do condomínio» e que «a deliberação exprime a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos (individualmente considerados). E, sendo um acto do condómino, a legitimidade passiva cabe ao administrador».
Acrescenta ainda a autora que «As controvérsias respeitantes à impugnação de deliberações da assembleia só satisfazem exigências colectivas da gestão condominial, sem atinência directa com o interesse exclusivo de um ou vários participantes, com a consequência que, nessas acções, a legitimidade para agir cabe exclusivamente ao administrador» (A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Coimbra: Almedina, 2.ª reimp. da 2.ª ed. de janeiro/2002, Coimbra: Almedina, pp. 346 e 347).
Sem prejuízo de a autora sustentar que parte legítima é o administrador do condomínio, pensamos que não se apartará muito da tese da interpretação atualista supra expendida, pois acaba por assinalar e aderir ao entendimento do acórdão do TRL de 14.5.1998, no seguinte trecho:
«Nas palavras do acórdão da Relação de Lisboa, de 14 de Maio de 1998, CJ, III, pág. 96 e ss., "entre os poderes do administrador contam-se os inerentes à representação judiciária dos condóminos contra quem sejam propostas acções de impugnação de deliberação da assembleia, salvo se outra pessoa for nomeada pela assembleia, conforme se preceitua no artigo 1433.º, n.º 6. (...) Significa isto que, o condomínio, ou seja, o conjunto dos condóminos, pode ser directamente demandado quando, designadamente, estejam em causa deliberações da assembleia. (...) Da especificidade da representação do condomínio resultante da propriedade horizontal nas acções de anulação das deliberações decorre que, para cabal cumprimento do disposto no artigo 476.º, n.º 1, alínea e), do C.PCivil, se o autor demandar o condomínio, deverá indicar o nome e a residência do administrador ou da pessoa que a assembleia tenha porventura designado para representar o condomínio nessas acções, sem o que o condomínio não pode ter-se por devidamente identificado» (obra citada, p. 347).
Ainda a propósito da tese de Sandra Passinhas, chamamos a atenção para a jurisprudência do citado acórdão do TRL de 7.3.2019, no qual se escreveu o seguinte:
«(…) independentemente desta aparente incongruência (decorrente da citação do ac. do TRL) não há dúvida de que para esta autora o administrador está na acção como representante do condomínio e não dos condóminos que aprovaram as deliberações (considerando que, nas acções do art. 1437 do CC, que não necessariamente nesta, o administrador é a própria parte, embora em substituição processual, veja-se Miguel Teixeira de Sousa, em vários post’s colocados no blog do IPPC – em 01/03/2015, O que significa o disposto no art. 1437.º CC?; em 06/03/2018, Jurisprudência (805); em 21/01/2019, Jurisprudência 2018 (158); -, e Paula Costa Silva, citada no ac. do TRL de 20/06/2013, proc. 6942/04.7TJLSB-B.L1-2, e Antunes Varela, CC, vol. III, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1984, pág. 455, mas este sem referência à substituição processual; Lebre de Freitas e Miguel Mesquita criticam estas posições – da substituição processual -, obras citadas, págs. 43-44 e 50/51, respectivamente, entre o mais porque o administrador não tem um interesse próprio)».
Decorre do exposto que «o condomínio é a parte, e parte legítima, assumindo o administrador o papel de representante de uma entidade desprovida de personalidade jurídica, sendo incorreto, por isso, afirmar-se que a legitimidade pertence ao administrador» (Miguel Mesquita, obra citada, p. 54).
Ainda que o rumo traçado não fosse a interpretação atualista da lei, no limite sempre seria de seguir o raciocínio forjado no acórdão do TRL de 28.3.2006.
Segundo este aresto, o legislador minus dixit quam voluit, devendo o inciso constante do n.º 6 do artigo 1433.º do Código Civil «a representação judiciária dos condóminos contra quem as ações são propostas» passar a ser interpretado extensivamente, por forma a ver nele escrito que «a representação judiciária do conjunto dos condóminos contra quem as acções são propostas)», já que o condomínio é o conjunto organizado dos condóminos.
Acrescentamos ainda um argumento a pari, esgrimido no acórdão do TRP de 13.2.2017, onde se escreve que:
«(…) também por aqui se chega à conclusão de que a legitimidade passiva na ação de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos, compete ao condomínio, representado pelo administrador, pois que se a este cabe executar as deliberações da assembleia de condóminos (artigo 1436º, alínea h), do Código Civil), por igualdade de razão, cumpre-lhe sustentar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio» (negrito e sublinhado nossos).
Volvendo ao caso concreto, este concede ainda mais força a esta interpretação no sentido de um exercício mais ágil do direito de ação.
Como escreveu Miguel Mesquita, «Quanto ao nosso problema, a necessidade de identificar todos os condóminos pode ser "diabólica", por duas razões: por causa do elevado número de condóminos de certos edifícios sujeitos ao regime da propriedade horizontal; por causa, também, da impossibilidade prática, na esmagadora maioria das vezes, de identificar, na acta da assembleia, os condóminos que votaram a favor da deliberação inválida. Na realidade, a lei não exige que sejam mencionados os condóminos que votaram a favor de uma deliberação. O art. 1.º do DL n.º 268/94, de 25/10, exige apenas que as actas das assembleias de condóminos sejam "assinadas por quem nelas tenha servido de presidente e subscritas por todos os condóminos que nelas hajam participado" (4º). Estas duas razões de fundo levam-nos a pensar que a tese negatória da personalidade judiciária do condomínio, ao rejeitar a interpretação actualista do art. 1433.º, n.º 6, do CC, constitui uma solução pouco prática e, até, espinhosa» (obra citada, pp. 55 e 56).
E – conclui o autor – «Os pressupostos processuais não devem servir para complicar, desnecessariamente, o conhecimento do pedido e a resolução dos litígios, finalidades precípuas do processo civil» (obra citada, p. 56)” ;
- de 15/07/2021 – Relatora: Anabela Calafate, Processo nº. 3054/19.2T8FNC.L1-6 -, no qual se sumariou que “a unidade do sistema jurídico leva-nos a concluir que na acção de anulação das deliberações do órgão colegial assembleia de condóminos, o administrador tem um poder próprio, que é o da representação judiciária da parte passiva, pelo que o condomínio tem personalidade judiciária.
II– Por isso, o segmento «condóminos contra quem são propostas as acções» ínsito no nº 6 do art. 1433º do CC resulta de redacção deficiente da norma, devendo interpretar-se como reportando-se ao condomínio (sublinhado nosso) ;
- de 28/04/2022 – Relatora: Ana de Azeredo Coelho, Processo nº. 2460/20.4T8LSB.L1-6 -, no qual se referenciou, após enunciação da subsistente querela jurídica, que “a favor da legitimidade dos condóminos argumenta-se com a letra do artigo 1433.º/6 do Código Civil, que estabelece que a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para o efeito. Ou seja, refere-se a legitimidade de condóminos e não a legitimidade do condomínio.
Defende-se, ainda, que o artigo 12.º/e) do Código de Processo Civil atribui personalidade judiciária ao condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador (nosso sublinhado).
Recorrendo ao artigo 1436.º, do Código Civil, concluem que a defesa da validade das deliberações tomadas não se encontra incluída entre as funções do administrador, o que retira a possibilidade de entender que, quanto a tal, o Condomínio tem personalidade judiciária, agindo o administrador como seu representante nos termos do artigo 26.º do Código de Processo Civil.
A não inclusão dessa função entre aquelas que cabem ao administrador nos termos do artigo 1436.º do Código Civil, determina aliás que o administrador não detenha legitimidade processual indirecta quanto a acções com esse objecto.

Contrariamente, quem defende que a legitimidade cabe ao Condomínio sublinha que entre os poderes do administrador se inclui o de executar as deliberações da assembleia (artigo 1436.º/h)), o que engloba o poder de pugnar pela sua validade, daí advindo a legitimidade para as acções de impugnação dessas deliberações.
Numa variante desta posição, alguns entendem que, não podendo considerar-se embora, que a defesa da validade das deliberações se integre na função de as executar, a norma expressa do artigo 1433.º/6 citado atribui autonomamente esse poder”.
Após, enunciando o no quadro legal decorrente das alterações introduzidas pela Lei nº. 08/2022, de 10/01, aduz que a “nova redacção do artigo 1437.º/2 recolhe e autoriza a interpretação do 1433.º/6 como atribuindo poderes ao administrador a acrescer aos do artigo 1436.º e a consequente legitimidade para a acção de impugnação de deliberações sociais”.
Acrescenta, assim, que “a interpretação actualista desta norma já mencionada ponderava que na data da sua elaboração e introdução no Código Civil (o diploma que a introduz é o Decreto-Lei 267/94, de 25 de Outubro) ainda não existia norma atributiva de personalidade judiciária ao Condomínio (introduzida materialmente no artigo 6.º/e) do anterior Código de Processo Civil, pela Reforma de 95/96). Assim, o legislador teria utilizado a expressão condóminos no sentido de conjunto de condóminos correspondente, desde 95/96, a condomínio.
Entendemos que por outra razão devia interpretar-se a norma do artigo 1433.º/6 como atribuindo legitimidade ao Condomínio nas acções de impugnação de deliberações sociais.
Isto porque, já antes da redacção introduzida no artigo 6.º do Código de Processo Civil antigo pela Reforma de 95/96 podia considerar-se a personalidade judiciária do Condomínio face ao teor da alínea a) da norma, prevendo a situação dos patrimónios autónomos, entre os quais o condomínio se insere.
Assim, entendemos que a referência do artigo 1433.º/6 do Código Civil aos condóminos teria de ser compreendida como reportando-se à pluralidade que a expressão condomínio identifica enquanto património autónomo dotado de personalidade judiciária,
logo atribuindo ao administrador a função de defesa em juízo das deliberações da assembleia e a consequente legitimidade para as acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos (com autonomia face ao artigo 1436.º).
Só assim pode compreender-se a menção a serem os condóminos representados pelo administrador.
Se a norma se referisse aos condóminos pessoas singulares ou colectivas inexistiria razão ou possibilidade de lhes impor representação diversa da que resulta da lei ou da sua própria vontade.
A intervenção da lei 8/2022 em nada afasta esta interpretação, na nossa perspectiva, tanto quanto às alterações do 1436º e 1437.º, como já referido, nem quanto à não intervenção do legislador no artigo 1433.º. A intervenção no artigo 1437.º pode de algum modo considerar-se como corroborando tal interpretação como acima indicámos, embora não seja isenta de dúvidas.
A alteração do artigo 1436.º/i) é irrelevante, como indicado, a do artigo 1437.º é congruente, ao indicar a legitimidade do administrador quando seja referido como actuando em “representação do condomínio”, pese embora a indefinição conceptual, e a manutenção do 1433.º/6 recolhe a interpretação maioritária da jurisprudência.

Em suma, entendemos que o artigo 1433.º/6 devia ser interpretado, antes da Lei 8/2022 e mesmo antes da reforma de 95/96, como atribuindo legitimidade ao Condomínio e que a lei 8/2022 em nada obstaculiza tal interpretação, contribuindo até para a validar” (sublinhado nosso) ;
- de 28/04/2022 – Relatora: Vera Antunes, Processo nº. 3054/19.2T8FNC.L1-6 -, que, ressalvando que legitimidade e representação constituem questões jurídicas distintas, sumariou que “em matéria de Condomínio, observado o que dispõe o art.º 1433º do Código Civil, as acções de declaração de nulidade ou anulação de deliberações sociais, mesmo na redacção conferida ao art..º 1437.º do Código Civil anteriormente à entrada em vigor da Lei n.º 8/2022, de 10/01 devem ser intentadas contra o Condomínio.
III–O Condomínio pode ser parte na acção, representado pelo seu administrador, atendendo ao que dispõe o art.º 12º do Código de Processo Civil e art.ºs 1436.º e 1437.º do Código Civil, na redacção aplicável” ;
- de 27/10/2022 – Relator: António Moreira, Processo nº. 2131/21.4T8AMD.L1-2 -, o qual começou por referenciar ser pacífico o entendimento de que a maioria das decisões dos Tribunais Superiores acolhem a posição de que a legitimidade passiva neste tipo de acções pertence ao condomínio, e não aos condóminos que aprovaram a deliberação objecto de impugnação.
Pelo que, tendo-se em consideração tal tendência jurisprudencial maioritária, “poder-se-á concluir que aquilo que o legislador teve em mente, com as alterações ao regime jurídico da propriedade horizontal introduzidas pela Lei 8/22, de 10/1, foi consagrar positivamente essa tendência.
Isso mesmo, aliás, foi já afirmado jurisprudencialmente, como no acórdão do tribunal da Relação do Porto de 10/3/2022 (relatado por Paulo Duarte Teixeira, disponível em www.dgsi.pt e igualmente mencionado pelo A. na sua alegação de recurso), quando aí se refere “que dos trabalhos preparatórios é claro, e evidente, que essa redacção [do art.º 1437º do Código Civil] visou consagrar a posição jurisprudencial denominada maioritária ou pacífica”.
Seguidamente, após transcrever parte do Acórdão da mesma Relação, datado de 11/07/2019 (já citado e que igualmente subscreveu como 2º Adjunto), aduz que “aquilo que se verifica é que a redacção do nº 6 do art.º 1433º do Código Civil carecia de ser interpretada com recurso a uma interpretação actualista desde que entrou em vigor a reforma do Código de Processo Civil de 1995/1996, com a qual passou a ser conferida personalidade judiciária ao condomínio (isto é, a susceptibilidade de figurar como autor ou réu).
Nesta medida, a necessidade de tal interpretação não deixa de se verificar pela entrada em vigor das alterações decorrentes da Lei 8/22, de 10/1, na exacta medida em que tal diploma não alterou a redacção do referido art.º 1433º do Código Civil (desde logo o seu nº 6), mas apenas (no que aqui releva) a redacção do art.º 1437º do Código Civil, para que este preceito legal não mais se referisse à representação em juízo do condomínio (isto é, à sua capacidade judiciária) como se se tratasse do pressuposto da legitimidade processual do seu administrador.
Aliás, por isso é que o legislador substituiu a epígrafe “legitimidade do administrador” pela epígrafe “representação do condomínio em juízo”, na medida em que deixou (há muito) de estar em causa que o condomínio não pudesse estar em juízo (activa ou passivamente), enquanto conjunto organizado dos condóminos e, por isso, carecendo de ser estabelecida a sua representação orgânica, em juízo. Ou, dito de outra forma, por não estar em causa a actuação do administrador do condomínio, em nome próprio, mas apenas no exercício dessas funções de representação, nenhum sentido fazia falar da legitimidade processual do administrador, já que tal pressuposto processual havia de se reportar à entidade com personalidade judiciária (o condomínio, segundo o art.º 12º do Código de Processo Civil), e sendo aferida nos termos do art.º 30º do Código de Processo Civil”.
E, conclui, “como da nova redacção do nº 2 do art.º 1437º do Código Civil resulta que tal representação do condomínio em juízo corresponde à representação da universalidade dos condóminos, esclarecida passou a estar, através da acção do legislador e por esta via interpretativa autêntica, a dúvida sobre quem deve ser demandado nas acções a que respeita o art.º 1433º do Código Civil, tomando o mesmo legislador “partido” no sentido de dever ser o condomínio, entidade com personalidade judiciária e correspondente ao universo de condóminos, representado pelo seu administrador (ou pela pessoa que a assembleia de condóminos designar) (sublinhado nosso).
Donde, ter-se sumariado que “as acções de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos devem ser intentadas contra o condomínio, que será representado pelo seu administrador ou por quem a assembleia designar para esse efeito” ;
- de 11/05/2023 – Relatora: Cristina Lourenço, Processo nº. 25642/21.7T8LSB.L1-8 -, o qual, pode enunciar as duas posições em confronto, bem como os alicerces doutrinários e jurisprudenciais que as fundamentam, acabou por concluir, mencionando-o no sumário exarado, que “as ações que visem a anulação das deliberações da assembleia de condóminos devem ser propostas contra o condomínio (colégio de condóminos), representado pelo administrador, com base numa interpretação atualista do nº 6, do art. 1433º, do CC, conjugado com o disposto no art. 1437º, nºs 1, e 2, do mesmo Código, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 8/2022, de 10/01” ;
- de 26/09/2023 – Relatora: Ana Mónica Mendonça Pavão, Processo nº. 26149/22.0T8LSB.L1-7 -, o qual, após invocar as teses em confronto, e os principais argumentos fundantes, aduz que “recentemente tem-se verificado uma tendência jurisprudencial maioritária no sentido da segunda tese apontada, que atribui legitimidade passiva ao condomínio nas acções de impugnação de deliberações condominiais”.
Acrescentando subscrever-se esta segunda tese, aduz afigurar-se ser aquela “que melhor se coaduna com o conceito de legitimidade plasmado no art. 30º do Código Processo Civil, na medida em que expressando a deliberação da assembleia de condóminos a vontade do condomínio, enquanto grupo de condóminos (e não dos condóminos individualmente considerados ou dos que aprovaram a deliberação), é o condomínio, dotado de personalidade judiciária (art. 12º e) do Código Processo Civil), que tem interesse em contestar a acção de anulação da deliberação.
Da mesma forma, parece-nos ser a solução mais acertada tendo em conta a unicidade do sistema jurídico (art. 9º/1 do C.C.), considerando o regime jurídico da propriedade horizontal no seu todo, em conjugação com a extensão de personalidade judiciária conferida ao condomínio pelo art. 12º/1 e) do Código Processo Civil”.
Sustentando que a solução defendida “tem a vantagem de agilizar o direito de acção, ao afastar os problemas resultantes da obrigatoriedade de demandar, em litisconsórcio necessário, os condóminos que votaram a favor da deliberação inválida, atendendo ao elevado número de condóminos de certos edifícios sujeitos ao regime da propriedade horizontal, sem olvidar a dificuldade de identificar, na acta da assembleia, os condóminos que votaram a favor da deliberação”, conclui “que a legitimidade passiva na acção de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos compete ao condomínio, representado pelo administrador ou por quem a assembleia designar para o efeito (sublinhado nosso) ;
- de 05/03/2024 – Relator: Diogo Ravara, Processo nº. 24204/22.6T8LSB.L1-7 -, no qual, após exaustiva enunciação da doutrina e jurisprudência defensora de cada uma das posições, sumariou-se que “nas ações em que o autor pede que o Tribunal anule ou declare nula uma deliberação de assembleia de condóminos, a legitimidade passiva incide sobre o condomínio, sendo este representado pelo respetivo administrador ou por quem a assembleia de condóminos designar para esse efeito” ;
- de 06/06/2024 – Relator: João Manuel P. Cordeiro Brasão, Processo nº. 4395/19.4T8OER.L1-6 -, onde se sumariou que “não obstante as alterações produzidas pela Lei 8/2022, deverá entender-se que a referência do artigo 1433.º/6 do Código Civil aos condóminos terá de ser compreendida como reportando-se à pluralidade que a expressão condomínio identifica enquanto património autónomo dotado de personalidade judiciária, logo atribuindo ao administrador a função de defesa em juízo das deliberações da assembleia e a consequente legitimidade para as acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos (sublinhado nosso).
Da Relação de Coimbra:
- de 30/05/2023 – Relatora: Cristina Neves, Processo nº. 5636/21.3T8CBR.C1 -, o qual, após referenciar que as alterações legislativas, fundamentalmente a Lei nº. 08/22, de 10/01, não esclareceram a divergência jurisprudencial existente, apesar da afirmação contrária exarada no preâmbulo deste diploma, consignou que a “alteração efectuada ao artº 1437 do C.C., vem esclarecer, embora a propósito da representação do condomínio, duas questões: o condomínio pode demandar e ser demandado e a sua representação cabe ao administrador no exercício das funções que lhe competem, ou seja, porque o condomínio nos termos previstos no artº 12, al. e) do N.C.P.C. tem personalidade judiciária naquelas acções que se insiram no âmbito dos poderes, das funções do administrador, segue-se que este é parte legítima em todas as acções que visem estas matérias - as descritas no artº 1436 do C.C., ou as atribuídas por mandato da assembleia (na redacção introduzida pela Lei 8/2022) - e não (alguns) dos condóminos ou o próprio administrador.
Conforme refere Gonçalo Magalhães “O legislador, ciente de que o condomínio constitui um centro autónomo de imputação de efeitos jurídicos, dota-o de organicidade e, muito embora não lhe atribua personalidade jurídica, admite que ele pode ser parte nas acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador.
3. A medida da personalidade judiciária do condomínio coincide, portanto, com a das funções do administrador — ou seja, as acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador devem ser intentadas por (ou contra o) condomínio. Fora do âmbito dos poderes do administrador, o condomínio não tem personalidade judiciária e, portanto, os condóminos agirão em juízo em nome próprio.””.
Assim, a “resposta à questão de saber a quem cabe a legitimidade passiva nas acções que visem a anulação ou declaração de nulidade das deliberações do condomínio, resolve-se pela resposta à questão de saber quem tem interesse em contradizer e pela medida da personalidade judiciária atribuída a este condomínio: as matérias incluídas no âmbito das funções do administrador.
Entre estas funções consagra este preceito legal, na sua alínea i), que se incluem a execução das “deliberações da assembleia que não tenham sido objeto de impugnação, no prazo máximo de 15 dias úteis, ou no prazo que por aquela for fixado, salvo nos casos de impossibilidade devidamente fundamentada;”
As deliberações não impugnadas, conforme referia Aragão Seia, vinculam todo o condomínio, integrado pela universalidade dos condóminos, incluindo os que votaram contra estas deliberações, se abstiveram ou até os que não participaram na votação. Se, como refere o Tribunal a quo, “o lado passivo da instância terá de ser integrado pelos condóminos perante os quais o condómino autor pretende que se produzam os efeitos da impugnação da deliberação da assembleia”, temos de concluir que estes efeitos se produzem na esfera jurídica da universalidade dos condóminos.
A decisão que anula ou declara nula, uma deliberação do condomínio é vinculativa para a universalidade dos condóminos, não podendo ser executada, nem invocada por qualquer condómino; não sendo estas impugnadas ou improcedendo a impugnação, deve o administrador do condomínio proceder à sua execução”.
Advoga, assim, na esteira de jurisprudência que cita, ter existido, no nº. 6, do artº. 1433º, do Cód. Civil, “uma incorrecção da expressão utilizada pelo legislador, e que se afinal “a deliberação exprime a vontade da assembleia de condóminos, estruturalmente percebe-se que seja essa entidade, porque vinculada pela deliberação, a demandada em ação em que se questione a existência, a validade ou a eficácia de uma sua qualquer deliberação.
Pelo que, “este argumento em conjunto com o que resulta da alteração constante do artº 1437 do C.C. e a consideração do teor dos artºs 12, al e), do C.P.C. e 1436, al. i), do C.C. leva-nos a considerar uma posição consentânea com o entendimento de que a legitimidade passiva nestas acções deve caber ao condomínio, e que este condomínio cabe no âmbito definido pelo artº 1433, nº6 do C.C. e é conforme à noção de parte legítima constante do artº30 do C.P.C.”.
O que determina entender-se que “o artº 1433, nº6, do C.C., deve ser interpretado como referindo-se ao conjunto dos condóminos que integram o condomínio, por caber a estes o interesse em contradizer, incluídas estas acções no âmbito das funções do administrador, conforme decorre da previsão contida na alínea i) do artº 1436 do C.C., sendo assim parte legítima nos presentes autos, o condomínio representado pelo seu administrador.
Em consonância, sumariou-se que o “disposto no nº 6 do artº 1433 do C.C. deve ser interpretado como referindo-se ao conjunto dos condóminos que integram o condomínio, por caber a estes o interesse em contradizer a impugnação da deliberação tomada em assembleia de condóminos, uma vez que a deliberação enquanto não for anulada vincula todo o condomínio e não apenas os condóminos que a aprovaram e a decisão que se pronuncie sobre a impugnação decide definitivamente a questão em relação a todos.
II-Deve considerar-se parte legítima numa acção visando a impugnação de uma deliberação, o condomínio representado pelo seu administrador (artsº 1437, nº1, do C.C. e 12, al. e), do C.P.C.), por o objecto destas acções se conter no âmbito dos poderes do administrador (artº 1436, al. i) do C.C.)” (sublinhado nosso).
Da Relação do Porto:
- de 13/02/2017 – Relator: Carlos Gil, Processo nº. 232/16.0T8MTS.P1 -, no qual se sumariou que as “ações de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos devem ser instauradas contra o condomínio que será representado pelo seu administrador ou por quem a assembleia designar para esse efeito” ;
- de 08/05/2023 – Relator: Miguel Baldaia de Morais, Processo nº. 4878/22.9T8VNG-B.P1 -, tendo-se elaborado sumário com o seguinte teor:
A Lei nº 82/2022, de 10.01, que alterou a redação do artigo 1437º do Código Civil, assume natureza de lei interpretativa, integrando-se como tal na lei interpretada, sendo, por isso, aplicável retroativamente às situações jurídicas anteriormente constituídas e que subsistam à data da sua entrada em vigor.
II - Com essa alteração legislativa ficou clarificado que a ação de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos deve ser instaurada contra o condomínio, por só ele ter legitimidade passiva, embora representado pelo respetivo administrador (sublinhado nosso).
Da Relação de Guimarães:
- de 10/02/2022 – Relatora: Raquel Batista Tavares, Processo nº. 3227/20.5T8VCT.G1 -, o qual enuncia as duas posições doutrinárias e jurisprudenciais em confronto: “a que defende que as ações de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos devem ser propostas contra o próprio condomínio, representado pelo respetivo administrador, e uma outra que afirma a legitimidade dos condóminos, devendo a ação ser necessariamente proposta contra todos os que votaram a favor da aprovação da deliberação cuja anulação se pretende, ainda que representados pelo administrador ou por pessoa que a assembleia designe para o efeito.
Podemos dizer de forma muito sintética que a primeira faz apelo ao preceituado no artigo 12º, alínea e), do Código de Processo Civil, em conjugação com o disposto no referido artigo 1437º e no artigo 1436º, alínea h) do Código Civil; enquanto a segunda considera que o n.º 6 do artigo 1433º do Código Civil afirma sem dúvidas a legitimidade dos condóminos, afastando a legitimidade do próprio condomínio pois a letra da lei reporta-se aos “condóminos contra quem são propostas as ações”, não referindo o legislador a representação judiciária do condomínio contra quem é intentada a ação incumbe ao administrador, mas, que este representa os condóminos contra quem são propostas as ações”.
Apelando ao disposto na alínea e), do artº. 12º, do Cód. de Processo Civil e artº. 1437º, do Cód. Civil, acrescenta que este normativo, “considerando a redação que atualmente lhe foi dada, aponta definitivamente no sentido da legitimidade do condomínio enquanto parte, e da função da sua representação processual pelo administrador; aliás, é de notar que na redação anterior à Lei n.º 8/2022 do artigo 1437º constava a epigrafe “legitimidade do administrador”, enquanto na redação atual consta “representação do condomínio em juízo”, sendo que na anterior redação do n.º 1 constava que o administrador tinha “legitimidade para agir em juízo”, enquanto na redação atual consta que “o condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele”.
Por outro lado, na redação atual do seu n.º 2 consta ainda que “o administrador age em juízo no exercício das funções que lhe competem, como representante da universalidade dos condóminos ou quando expressamente mandatado pela assembleia de condóminos”, em conformidade com a referida alínea e) do artigo 12º que estende a personalidade judiciária relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador”.
Acrescenta que na enumeração das funções que competem ao administrador, o artigo 1436º do Código faz constar da alínea h) a execução das deliberações da assembleia, pelo que “se é ao administrador que compete executar as deliberações da assembleia de condóminos, como já referimos, poderá afirmar-se, por igualdade de razão, que ao mesmo cumprirá também, sustentar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio.
Entendemos, por isso, que a legitimidade passiva na ação de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos, compete ao condomínio, representado pelo administrador”.
Aduz, ainda, procedendo á interpretação hermenêutico-jurídica do nº. 6, do artº. 1433º, do Cód. Civil, que “a extensão da personalidade judiciária ao condomínio resultante da propriedade horizontal (relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador) acabou por tornar desnecessária “a ficção que a anterior solução plasmada no art. 1433º, nº 6 do CC representava – atribuir a legitimidade passiva para a causa aos condóminos (todos eles, forçosamente, dotados de personalidade judiciária), impondo a sua representação em juízo ao administrador (ou a pessoa para tanto nomeada pela assembleia): a necessidade de forçar pessoas dotadas de personalidade judiciária a ser representadas numa causa advinha da impossibilidade de dirigir diretamente a demanda ao condomínio, que então não dispunha de personalidade judiciária, mas traduzia o reconhecimento que o interesse a dirimir era da coletividade condominial, não o interesse particular de cada um dos condóminos” (v. o citado acórdão desta Relação de 23/01/2020).
Podendo ser demandado diretamente o condomínio
(a partir da extensão da personalidade judiciária ao condomínio), constituindo este ao fim e ao cabo o conjunto organizado dos condóminos, e correspondendo a deliberação impugnada (objeto da ação de anulação) à expressão da vontade da assembleia de condóminos - órgão deliberativo do condomínio -, traduzindo a vontade de um todo e não de cada um dos condóminos votantes, entendemos que deve proceder-se a uma interpretação atualista do referido n.º 6 do artigo 1433º, concluindo também que é o condomínio quem tem interesse em contradizer na ação de anulação da deliberação da assembleia de condóminos.
Por fim, aduz, ainda, que a interpretação consignada não é afastada pelo facto “da referida Lei n.º 8/2022, ao rever o regime da propriedade horizontal, não ter alterado a redação do n.º 6 do artigo 1433º; na verdade, não só a mesma ainda se não encontra em vigor, com exceção do artigo 1437º, como a redação deste preceito foi alterada de forma a prever expressamente que está em causa a representação do condomínio em juízo pelo administrador (e não a legitimidade), sendo parte legitima o condomínio, e que o administrador age em juízo não só no exercício das funções que lhe competem, mas também como representante da universalidade dos condóminos” (sublinhado nosso).
Da Relação de Évora:
- de 28/09/2023 – Relatora: Cristina Dá Mesquita, Processo nº. 260/22.6T8LAG-A.E1 -, onde se consignou que o “Condomínio é um ente coletivo constituído pelo universo de todos os condóminos, sendo através das deliberações aprovadas em assembleia geral de condóminos que aquele ente coletivo manifesta a sua vontade. Essas deliberações – que são declarações de vontade imputáveis ao Condomínio – são formadas pelo maior número de votos expressos num determinado sentido ou por um número de votos que seja legalmente considerado suficiente para formar uma deliberação. Assim, pese embora possa haver vontades divergentes dos condóminos individualmente considerados, no final não se afirmará qualquer divergência, prevalecendo as declarações de voto maioritariamente emitidas no sentido que faz vencimento e a deliberação – que, como se disse, é uma declaração de vontade imputável ao Condomínio – vinculará o Condomínio. Assim sendo, se as deliberações da Assembleia de Condóminos aprovadas exprimem a vontade do Condomínio, vinculando-o, é o Condomínio que deve ser demandado nas ações em que se questione a validade/legalidade de tais deliberações”.
Acrescenta-se, ainda, que “o facto de no texto do n.º 6 do artigo 1433.º se impor, neste tipo de ação (impugnação de deliberações da assembleia geral de condóminos) a representação judiciária pelo administrador do Condomínio ou por alguém nomeado para tal desiderato pela Assembleia Geral de Condóminos aponta justamente para a necessidade de se proceder a uma interpretação corretiva do preceito, pois que impor a representação judiciária de condóminos individualmente considerados pelo administrador do Condomínio ou por pessoa nomeada para esse efeito pela Assembleia Geral de Condóminos seria uma solução manifestamente inconstitucional” (sublinhado nosso).
Do Supremo Tribunal de Justiça:
- de 24/11/2020 – Relator: Raimundo Queirós, Processo nº. 23992/18.9T8LSB.L1.S1 -, no qual se defende que “o art.° 12°, al. e) do CPC, por razões de ordem prática e por forma a tornar efectivo o exercício dos poderes processuais do condomínio, contornando os obstáculos decorrentes da sua falta de personalidade e capacidade jurídicas, atribui, a título excepcional, personalidade judiciária ao condomínio, que em princípio, nunca a poderia ter por carecer de personalidade jurídica. O que lhe permite intervir como autor ou réu em determinadas acções, concretamente a que “se inserem no âmbito dos poderes do administrador”. Sendo que a representação do condomínio pertence ao administrador nos termos do artº 1437º do Código Civil (CC).
Assim, atendendo ao pedido concretamente formulado na presente acção e à respectiva causa de pedir, entendemos que quem tem legitimidade passiva nesta acção é o “condomínio”, representado pelo administrador, por ser aquele que tem interesse em contestar a acção, porquanto a deliberação tomada pela assembleia de condóminos exprime a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos individualmente considerados, designadamente dos que a aprovaram.
Com efeito, a assembleia dos condóminos é o órgão deliberativo composto por todos os condóminos, competindo-lhe decidir sobre os problemas do condomínio que se refiram às partes comuns, encontrando soluções para os resolver, delegando no administrador a sua execução e controlando a actividade deste.
A própria essência de uma deliberação constitui um conteúdo autonomizado da vontade dos sujeitos individuais que nela intervieram e para ela contribuíram, configurando-se não como a soma das vontades singulares, mas como uma realidade autónoma e distinta.
Acrescenta, reportando-se ao nº. 6, do artº. 1433º, do Cód. Civil, e citando aresto da RP que “mal se percebe que os condóminos, pessoas singulares ou coletivas, dotados de personalidade jurídica, careçam de ser representados judiciariamente pelo administrador do condomínio. De facto, a representação judiciária apenas se justifica relativamente a pessoas singulares desprovidas total ou parcialmente de capacidade judiciária ou relativamente a entidades colectivas, nos termos que a lei ou respectivos estatutos dispuserem, ou ainda relativamente aos casos em que as pessoas colectivas ou singulares se venham a achar numa situação de privação dos poderes de administração e disposição dos seus bens por efeito da declaração de insolvência”.
A aludida incongruência por si só, sem prejuízo das regras de interpretação referidas no artº 9º do Código Civil, justifica considerar-se que (tal como o considerou o TRP no acórdão acabado de citar) a referência aos condóminos prevista no n° 6, do artigo 1433° do Código Civil, tenha resultado de uma incorrecção do legislador, querendo o mesmo aludir a uma entidade colectiva, a assembleia de condóminos corporizada pelos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação impugnada, o condomínio vinculado pelas deliberações impugnadas e cuja execução compete ao administrador.
Mas, ainda que se admita ser inquestionável que, antes da alteração introduzida pelo DL nº 329-A/95 de 12 de Dezembro ao artº 6º do CPC de 1961 (actual 12º), o condomínio não constituía um ente autónomo, pois a lei não lhe reconhecia personalidade judiciária, e como tal estava carecido da legitimidade que aqui se discute, com a referida alteração, a lei ao reconhecer-lhe esse pressuposto processual, veio a atribuir ao condomínio a legitimidade passiva nas acções em que estejam em causa deliberações da assembleia de condóminos. Daí que o aludido nº 6 do artº 1433º do CC, redigido em momento temporal anterior ao reconhecimento da personalidade judiciária do condomínio, não possa manter-se na sua interpretação originária, face à alteração introduzida pelo referido Decreto-Lei, ou mesmo se considere tacitamente revogado”.
Por outro lado, adita, em reforço argumentativo, que “se incumbe ao administrador executar as deliberações da assembleia de condóminos (artigo 1436°, alínea h), do Código Civil), bem se compreende que, estrutural e processualmente lhe cumpra também a tarefa de sustentar a validade e eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio (sublinhado nosso) ;
- de 04/05/2021 – Relator: Fernando Samões, Processo nº. 3107/19.7T8BRG.G1.S1 -, no qual, pronunciando-se nos termos do antecedente aresto, e reproduzindo-se o argumentário aí exposto, sumariou-se que “a acção de anulação de deliberação da assembleia de condóminos deve ser instaurada contra o condomínio, por só ele ter legitimidade passiva, embora representado pelo respectivo administrador” ;
- de 25/05/2021 – Relatora: Maria Clara Sottomayor, Processo nº. 7888/19.0T8LSB.L1.S1 -, no qual, após equacionar-se a controvérsia em equação, exarou-se estarmos “perante uma questão de direito que não conhece uma resposta única, sendo possível esgrimir argumentos com racionalidade e pertinência a favor de qualquer uma das teses em confronto. Todavia, neste Supremo Tribunal, designadamente, nesta secção, está a desenhar-se uma tendência para aderir à tese de que a legitimidade passiva cabe ao condomínio. Na verdade, sendo um dos valores primordiais do processo civil a celeridade, tem que se ponderar que a citação individual de cada um dos condóminos, que aprovou a deliberação, nos prédios constituídos em propriedade horizontal com muitos moradores, acentua a morosidade da justiça e dificulta a tramitação do processo.
Donde, “subscreve-se a tese do acórdão de 4 de maio de 2021 proferido pela 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, e decide-se que a legitimidade para a presente ação cabe ao condomínio representado pelo Administrador (sublinhado nosso) ;
- de 28/09/2023 – Relatora: Ana Resende, Processo nº. 1338/22.1T8MTS.P1.S1, proferido em Revista Excepcional -, no qual, referenciando o aduzido nos antecedentes arestos, que cita, conclui que “a deliberação da assembleia de condóminos exprime a sua vontade, e desse modo, compreende-se e tem respaldo legal que seja o condomínio, que naquele âmbito afirmou tal vontade, quem a possa sustentar em juízo, se questionada a respetiva validade ou eficácia, permitindo também agilizar o exercício do direito, que não se configurando como determinante nos presentes autos, não se mostra despiciendo em situações hodiernas, com multiplicidade de condóminos” ;
- de 19/09/2024 – Relatora: Ana Paula Lobo, Processo nº. 552/21.1T8OBR.P1.S1 -, reiterando o argumentado no antecedente aresto de 28/09/2023, consignou que na ponderação dos argumentos “analisados no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça supra assinalado, com os quais concordamos, na ausência de novos e melhores argumentos que da sua orientação nos permitam divergir, reafirmamos que na acção de impugnação de uma deliberação da assembleia de condóminos, a legitimidade passiva pertence ao condomínio, representado pelo respectivo administrador (…)” (sublinhado nosso).
Efectuado este excurso jurisprudencial, rapidamente se constata não poder prevalecer a posição sustentada na decisão sob apelo, a qual, para além de ser nitidamente minoritária nos Tribunais Superiores, surge antinómica relativamente ao argumentário que defendemos, no sentido da legitimidade passiva nas acções de anulação de deliberação da assembleia de condóminos pertencer ao condomínio, representado pelo administrador.
Efectivamente, não se descortina motivo suficiente ou bastante para divergir do juízo consignado no referenciado aresto desta Relação e Secção de 11/07/2019, subscrito pelo ora Relator como 1º Adjunto, que, operando uma interpretação actualista do nº. 6, do artº. 1433º, do Cód. Civil, reconhece o condomínio como parte legítima passiva nesta tipologia de acções, assumindo o administrador a sua representação.
Nesta consideração, para além de reiterarmos os fundamentos ou argumentário exarado, que ora nos dispensamos de reproduzir in totum, surge-nos como particularmente acutilantes ou assertivos os seguintes fundamentos ou razões:
-  a necessidade de se considerar, em pleno, o conceito de legitimidade, enquanto pressuposto processual, consignado no artº. 30º, do Cód. de Processo Civil, na ponderação da posição das partes face ao litígio suscitado, tal como o configura o autor, no que se revela essencial o juízo de utilidade para a parte demandante e o juízo de prejuízo para a parte demandada ;
-  a consideração de que a deliberação tomada em assembleia de condóminos tem um conteúdo colegial, autónomo da vontade de cada um dos condóminos, individualmente consideradas, e distinto da simples acumulação de vontades que possam ter sido expressas, o que justifica e torna entendível a atribuição, por razões de ordem prática, de personalidade judiciária ao condomínio – a alínea e), do artº. 12º, do Cód. de Processo Civil -, de forma a que este possa exercer efectivos poderes processuais ;
- efectivamente, a deliberação da assembleia de condóminos exprime a vontade do grupo que constitui o condomínio, e não as parcelares vontades dos condóminos individualmente considerados, ou aprovadores da deliberação, sendo que a controvérsia relativa à aprovação ou impugnação de uma deliberação que é colegial situa-se no campo da satisfação das necessidades colectivas, sem reporte à eventual satisfação dos interesses individuais ou exclusivos de cada um dos condóminos, o que não pode deixar de ser condicionante na atribuição da legitimidade  ;
- a necessidade de se operar uma interpretação actualista do nº. 6, do artº. 1433º, do Cód. Civil, no sentido de se considerar que o condomínio pode ser directamente demandado, representado pelo administrador, pois, se a este é incumbida a execução das deliberações da assembleia de condóminos – a alínea i), do nº. 1, do artº. 1436º, do Cód. Civil -, também cumprirá ao mesmo, em representação do condomínio, sustentar processualmente a sua validade e operacionalidade ;
- assim, a interpretação deste nº. 6, do artº. 1433º, do Cód. de Processo Civil, não deverá ser estritamente literal, antes demandado o apelo a outros elementos interpretativos, nomeadamente tendo em conta que a sua redacção decorre do DL nº. 267/94, de 25/10 – momento em que o condomínio não gozava de personalidade judiciária e, como e enquanto tal, não podia figurar processualmente como parte activa ou passiva -, e que apenas com a reforma de 1995/96 – o artº. 6º, alín. e), do CPC de 1961 - foi operada a extensão da personalidade judiciária ao condomínio, determinando que este passasse a ser, na realidade, a parte legítima, representado em juízo pelo administrador.
Por todo o exposto, e sem necessidade de ulteriores delongas, o juízo é de procedência das conclusões recursórias, determinante de consequente revogação da decisão apelada que, oficiosamente, julgou verificada a falta de legitimidade processual do Réu Condomínio, representado pelo administrador, com a sua consequente absolvição da instância, substituindo-a por decisão que declara a legitimidade passiva do Réu demandado para os ulteriores termos da ação, cujo prosseguimento se determina.
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Relativamente à tributação, obtendo vencimento o Recorrente/Apelante Autor, e não tendo o Recorrido/Apelado Réu apresentado quaisquer contra-alegações, nem sustentado o juízo oficioso revogado, as custas da presente apelação serão suportadas, a final, pela(s) parte(s) vencida(s).
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IV. DECISÃO
Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, o seguinte:
I) julgar totalmente procedente a apelação, interposta pelo Autor/Apelante A …, em que figura como Réu/Apelado CONDOMÍNIO da …, BLOCO … e, consequentemente, determina-se a revogação da decisão apelada que, oficiosamente, julgou verificada a falta de legitimidade processual do Réu Condomínio, representado pelo administrador, com a sua consequente absolvição da instância, substituindo-a por decisão que declara a legitimidade passiva do Réu demandado para os ulteriores termos da ação, cujo prosseguimento se determina ;
II) relativamente á tributação, obtendo vencimento o Recorrente/Apelante Autor, e não tendo o Recorrido/Apelado Réu apresentado quaisquer contra-alegações, nem sustentado o juízo oficioso revogado, as custas da presente apelação serão suportadas, a final, pela(s) parte(s) vencida(s).
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Lisboa, 16 de Janeiro de 2025
Arlindo Crua
Carlos Gabriel Castelo Branco
Inês Moura
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[1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.