Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | ANA CRISTINA CARDOSO | ||
Descritores: | NON BIS IN IDEM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA PREVENÇÃO ESPECIAL PENA DE PRISÃO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/18/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - O princípio ne bis in idem está consagrado no art. 29º, nº5 da Constituição da República Portuguesa, onde se lê que “ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime“. Este princípio visa obstar a uma dupla submissão de um indivíduo a um mesmo processo. Proíbe-se, assim, que um determinado, concreto e delimitado (no tempo, no espaço e nos intervenientes) comportamento de uma pessoa já objeto de uma sentença possa alicerçar um segundo processo penal. Ainda que a CRP apenas proíba expressamente o duplo julgamento pelo mesmo facto – ne bis in idem na vertente processual – a proibição abrange ainda a aplicação de novas sanções penais pela prática do mesmo crime. II – Não ocorre violação do princípio ne bis in idem quando o recorrente é condenado pela prática de dois crimes de violência doméstica, um na pessoa da sua (à data dos factos) companheira, que o filho de ambos presenciou, outro na pessoa do filho menor de ambos. III - A violência doméstica é um fenómeno social muito grave, que põe fortemente em causa a dignidade inerente à condição humana. É um sério problema da nossa sociedade, que destrói vidas, e que aumenta todos os anos. O Direito Penal deve dar a este flagelo social uma reposta veemente, ao nível da prevenção, combate e repressão. IV - No caso em análise, os factos praticados pelo arguido são globalmente muito graves. Já depois da ocorrência dos factos praticados na pessoa da assistente e do menor, impressiona o episódio ocorrido em ........2023, no qual o recorrente, na via pública, aperta o pescoço da assistente e corta-o. Pese embora a assistente tenha caído ao chão, ainda lhe desfere murros pelo corpo e atira a cabeça dela contra o solo, tendo, com um isqueiro, tentado pegar fogo na face e no cabelo da vítima. Apenas cessa a sua conduta atenta a passagem pelo local de um transeunte, que evidentemente o poderia surpreender e até diligenciar pela sua detenção. Dessa conduta do recorrente resultaram lesões significativas para a assistente, que demandaram assistência hospitalar, e que foram causa de um período de doença de 14 dias, com 7 dias de afetação da capacidade de trabalho geral e profissional e em condições normais, ainda que sem consequências permanentes. V - Quanto à sua personalidade, todo o seu descrito comportamento faz evidenciar uma personalidade assaz conflituosa, com manifesta dificuldade em agir de acordo com as regras de uma sã vivência em sociedade e em respeitar a pessoa do próximo, mesmo depois de, nestes autos, lhe terem sido aplicadas medidas coativas não privativas da liberdade. Na verdade, a ameaça da prisão (no caso preventiva), inerente às medidas de coação de proibição de contactar a assistente e de não comparecer na habitação, aplicadas em 23.08.2024, não o demoveu de continuar a praticar atos de natureza penal idêntica. Por isso, em 07.10.2023, foi aplicada ao recorrente a medida de coação mais grave – a prisão preventiva. A isso acresce o consumo de álcool e de haxixe. Mesmo em julgamento, ao prestar declarações, o recorrente demonstrou “notória atitude de menorização e desculpabilização dos seus comportamentos (em que se reputou como vítima, mas que nenhum sustentáculo mereceu)”. VI - Nada na personalidade do recorrente permite validamente supor que a ameaça da prisão evitará a repetição de condutas delitivas. O arguido nem sequer demonstrou arrependimento ou qualquer ato de contrição pelo seu comportamento, pedindo desculpas às vítimas ou tentando reparar os danos na medida em que tal lhe era possível. São, em síntese, elevadas as exigências de prevenção especial, que, aliadas às fortes exigências de prevenção geral, obstam à suspensão da execução da pena de prisão. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes Desembargadores da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO I. No processo comum coletivo nº 601/23.9SXLSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Criminal de Lisboa, Juiz 11, foi proferido acórdão, em 07.10.2024, com o dispositivo que se transcreve na parte que aqui importa: « Por todo o exposto, decide-se: Julgar a acusação totalmente procedente e, em consequência: a) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea b), e nº 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, quanto a BB; b) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea e), e nº 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, quanto a CC; c) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão, quanto a DD; d) Em cúmulo jurídico, condenar o arguido AA na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva; e) Aplicar ao arguido AA as penas acessórias de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica e de proibição de contactos com BB, incluindo o afastamento da residência e do local de trabalho –, esta pelo período de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses, nos termos do disposto nos artigos 152º, nº 4, do Código Penal e, em consonância com o artigo 152º, nº 5, do Código Penal e artigo 35º, da Lei nº 112/2009, de 16 de setembro, sem prejuízo do determinado e a determinar em sede de regulação das responsabilidades parentais quanto aos filhos menores do arguido e da assistente. Julgar o pedido de indemnização civil parcialmente procedente e, em consequência: f) Condenar o arguido AA a pagar à assistente BB: i) a quantia de 3.224,99 € (três mil duzentos e vinte e quatro euros e noventa e nove cêntimos), a título de danos patrimoniais; ii) as quantias que vieram posteriormente a ser liquidadas, por via da quantificação dos danos patrimoniais apurados e melhor descritos sob o ponto 48., alíneas i) a iv) e vi) a xii) dos factos provados, com o limite do pedido nesta parte já formulado; iii) a quantia de 7.500,00 € (sete mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais; iv) tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal para os juros civis, desde a data em que o pedido de indemnização civil foi ao mesmo notificado, sendo no caso dos danos que carecem de liquidação, apenas a partir dessa eventual liquidação. g) Condenar o arguido AA a pagar a CC uma reparação fixada nos termos do disposto no artigo 82º-A do Código de Processo Penal, no montante de 2.000,00 € (dois mil euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal para os juros civis, a partir da data desta decisão. (…)» II. Inconformado, recorreu o arguido AA, formulando as seguintes conclusões (transcrição): « 1. Nos presentes autos foi o arguido condenado como autor material de pela prática, na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea b), e nº 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, quanto a BB; pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea e), e nº 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, quanto ao seu filho CC; e pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão, quanto a DD. 2. Operando o cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de três anos e três meses de prisão. 3. A medida concreta da pena que foi aplicada ao Arguido e ora Recorrente é excessiva e exagerada, não obedecendo, nem cumprindo com os fins a que as penas se destinam. 4. É desproporcionada por exagerada a medida da pena aplicada ao arguido quando condena o mesmo na pena parcelar de dois anos e seis meses de prisão por crime de violência doméstica praticado contra o seu filho, CC, sendo a única situação em que directamente poderia considerar-se haver agressão do arguido ao seu filho, a situação em que o filho estava atrás da porta e foi atingido pela porta quando o pai a abriu, sendo manifestamente duvidosa a consideração da existência de dolo directo, quando o arguido atingiu o filho que estava atrás da porta (não o vendo, como declarou em juízo), tanto mais que se tratou de situação única, não existindo qualquer outro episódio de agressão do pai ao filho. 5. Pois no que concerne ao facto de o arguido haver praticado factos integrantes da prática do crime de violência doméstica contra a assistente na presença do filho, CC, tal facto integra a classificação do crime praticado como crime qualificado nos termos do n.º 2 do art.º 152º do C.P. 6. Não pode ser duplamente valorado o facto de o crime ser cometido na presença do filho sob pena de violação do princípio constitucional de proibição ne bis in idem, na sua vertente de proibição de duplo julgamento de uma infracção penal e de proibição de dupla punição - n.º 5 do art. 29.º da CRP 7. Resultam dos autos elementos suficientes para permitir a realização de um juízo de prognose favorável à reintegração social do Recorrente, pelo que o Tribunal a quo deveria ter optado pela suspensão da pena única de prisão, acompanhada de regime de prova, nomeadamente sujeitando o condenado a tratamento médico ou cura em instituição adequada (atenta a prova de que o arguido sofre de adição alcoólica e é toxicodependente), obtido o consentimento prévio daquele, a qual se mostraria suficiente para promover a recuperação social do Recorrente e dissuadi-lo de voltar a assumir semelhante conduta. 8. Do ponto de vista familiar, continua a beneficiar de apoio por parte da irmã e sobrinha, disponibilizando-se a primeira para receber o arguido na sua habitação, em .... 9. Uma vez restituído à liberdade, o arguido perspetiva ir viver para junto da irmã, em ..., a qual se mostra disponível para o acolhimento, onde poderá trabalhar na ... 10. Sendo facto público e notório que ... se localiza a quase quatrocentos quilómetros de distância da casa da vítima localizada na ..., demorando quase quatro horas a percorrer o trajecto, pela via mais rápida. 11. Tendo o Arguido perpectivas de trabalho em ..., 12. Caso aí seja sujeito a meios de vigilância electrónica, resultarão acauteladas todas as exigências de protecção às vítimas, dando integral cumprimento às exigências de prevenção neste circunspecto 13. Nos termos do disposto nos artigos 71.º do Código Penal, a determinação da medida concreta da pena a aplicar deve ser fixada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, bem como de todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo do crime, deponham a favor ou contra o agente. 14. O arguido não tem antecedentes criminais 15. O Arguido é toxicodependente e sofre de adição alcoólica, declarando nos autos que praticou os factos de que vinha acusado sob efeito do alcool 16. Após sujeição a prisão preventiva o arguido participa nas reuniões promovidas periodicamente pelos Narcóticos Anónimos e Alcoólicos Anónimos e pontualmente vai à consulta de psicologia – tendo esta alteração da sua postura tido lugar na sequência e por causa dos factos de que vinha acusado – o que denota uma tomada de consciência por parte do arguido da sua adição e dos perigos que a mesma representava para os familiares próximos, trata-se de relevante conduta do arguido posterior à prática dos factos, reveladora de responsabilidade e muito mais reveladora de arrependimento que uma mera postura em juízo, conduta esta que não foi considerada na douta sentença de que se recorre violando-se assim o disposto na alínea e) do n.º 2, do art.º 71º e o art.º 72º do Código Penal. 17. O Tribunal a quo ao condenar o Recorrente na pena concreta em questão não considerou todos os elementos que jogam a favor dele. 18. Partindo do preenchimento dos elementos do tipo de crime (ação, ilicitude, culpa e punibilidade) dever-se-á enfatizar, quanto ao arguido, o elemento culpa. É nesta sede que cumpre discernir sobre o grau de censurabilidade do seu comportamento. 19. Sofrendo de uma patologia de toxicodependência e alcoolismo, o Recorrente revelava frequentes estados de descontrolo, que lhe provocavam verdadeira instabilidade emocional, refletindo-se na sua capacidade de discernimento no momento da prática do facto. 20. Como é sabido, a ingestão de bebidas alcoólicas e o consumo de drogas origina perturbações no regular funcionamento da mente, mormente ao nível da consciência e da vontade, variando a intensidade desse efeito de harmonia com a quantidade e características das bebidas e com a maior, ou menor, tolerância ao álcool e às drogas por parte de quem as ingere. 21. Relativamente ao agente de um crime praticado sob o efeito do álcool e das drogas, essa perturbação pode consistir, no mínimo, numa simples diminuição dessa capacidade de discernimento do desvalor das suas condutas. 22. Ora, como resulta do disposto no art.º 72º n.º 1 e n.º 2 al. c) do C. Penal, tal situação terá como efeito, em princípio, mitigar a culpa do agente, influindo por essa forma na determinação da medida concreta da pena. 23. Ou seja, a diminuição da sua capacidade de se determinar de harmonia com a norma, resultante de ter agido sob o efeito do álcool e da droga, deverá ser determinante para a atenuação da culpa. 24. De facto como resulta provado, o arguido, no momento da prática de todos os factos de que vem acusado, agiu com diminuídas capacidades de autodeterminação e, devendo a pena a aplicar ser objeto de especial atenuação, traduzida, após operação de cúmulo jurídico, em pena não superior a dois anos de prisão 25. Mais deveria a pena aplicada em medida não superior a dois anos de prisão ser cumprida em regime de permanência na habitação sujeito ao cumprimento de regras de conduta, susceptíveis de fiscalização pelos serviços de reinserção social e destinadas a promover a reintegração do condenado na sociedade, desde que representem obrigações cujo cumprimento seja, razoavelmente, de exigir, nomeadamente sujeitando o condenado a tratamento médico ou cura em instituição adequada (atenta o facto de que o arguido sofre de toxicodependência e de adição alcoolica), obtido o consentimento prévio daquele, conforme previsto no art.º 43º, n.º 4, al. c) do C.P. 26. Tratando-se de arguido que é toxicodependente e sofre de adição alcoolica, não se vislumbra como pode o ambiente prisional ser mais apropriado à situação do que a sujeição a cura em instituição adequada, conforme previsto no art.º 43º, n.º 4, al. c do C.P. 27. Mais deveria ter sido determinada autorização para o condenado se ausentar da habitação pelo tempo estritamente necessário ao cumprimento da sua actividade profissional (art.º 43º n.º 3 do C.P.) 28. Aliás, atente-se no facto de a revisão do Código Penal, operada pela Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto, haver contemplado a extinção das penas de substituição detentivas, criando a permanência na habitação como uma forma de cumprimento da pena de prisão efetiva não superior a dois anos, assim conferindo à permanência na habitação um papel político-criminal de relevo. 29. Conforme consta na exposição de motivos da proposta de Lei n.º 90/XIII (que veio a originar a Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto), pretendeu-se clarificar, estender e aprofundar a permanência na habitação, conferindo-lhe um papel político-criminal de relevo. 30. Aliás, o regime de permanência na habitação não se limita à mera descarcerização do condenado, ao seu confinamento à habitação e à sua vigilância através de tecnologias de controlo à distância, mas visa sobremaneira a prossecução, de um modo próprio, das finalidades cometidas às penas, designadamente a finalidade ressocializadora. 31. Foi marca de água da recente revisão do instituto de permanência na habitação a forte preocupação ressocializadora contemplando também protecção de cariz social, sendo previsto que passasse a execução do regime de permanência na habitação a reger-se pelo princípio da individualização (art.º 20º Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade), da salvaguarda do direito do condenado aos benefícios da segurança social previstos na lei e da prestação de apoio social e económico ao condenado e ao seu agregado familiar como instrumento de reforço das condições de ressocialização (cfr. art.º 20º - A da Lei n.º 33/2010, de 2 de setembro). 32. Por outro lado, assim não se entendendo, deveria o douto tribunal a quo ter aplicado a suspensão da execução da pena de prisão. 33. O cumprimento da pena de prisão efectiva equivale para o arguido, à perda de integração profissional em ... com as nefastas consequências para o agregado familiar onde se inserem a assistente e o filho CC que assim se veem prejudicados. 34. Os pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão vêm enunciados no art. 50.º, n.º 1 do Código Penal, subdividindo-se num pressuposto formal – que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos – e num pressuposto material - que o Tribunal conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. 35. No juízo de prognose deverá o Tribunal atender, no momento da elaboração da sentença, à personalidade do agente (designadamente ao seu carácter e inteligência), às condições da sua vida (inserção social, profissional e familiar, por exemplo), à sua conduta anterior e posterior ao crime (ausência ou não de antecedentes criminais e, no caso de os ter já, se são ou não da mesma natureza e tipo de penas aplicadas), bem como, no que respeita à conduta posterior ao crime, designadamente, à confissão aberta e relevante, ao seu arrependimento, à reparação do dano ou à prática de atos que obstem ao cometimento futuro do crime em causa) e às circunstâncias do crime (como as motivações e fins que levam o arguido a agir), pelo que não atendendo, quer à ausência de antecedentes criminais do arguido, quer à conduta assumida pelo arguido após a prática dos factos, em ambiente prisional, violou a douta sentença de que se recorre, além dos já supra referidos art.º 71º, n.º 2, alínea e) e art.º 72º do Código Penal, também o disposto no art.º 50 e ss. do Código Penal e n.º 5 do art. 29.º da CRP . Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá a douta sentença ser revogada e substituída por outra que se coadune com a pretensão exposta, que proceda: a. À atenuação especial da pena aplicada que resulte, após cúmulo jurídico, numa pena não superior a dois anos de prisão, a qual deverá ser cumprida sob o “regime de permanência na habitação”, previsto no art.º 43º do C.P., mais se determinando o cumprimento de regras de conduta, bem como sendo autorizadas ao arguido as ausências necessárias para a sua actividade profissional. Ou, caso assim não se entenda, se determine: b. A suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado, por igual período, com sujeição a vigilância electrónica e imposição de deveres e regras de conduta. fazendo-se assim a costumada justiça!» III. Admitido o recurso, foi determinada a sua subida imediata, nos autos, e com efeito suspensivo. IV. Notificado para tanto, respondeu o Ministério Público, concluindo pela improcedência do recurso, assim concluindo (transcrição): I. Inconformado com o Douto Acórdão que o condenou como autor material de pela prática, na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea b), e nº 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, quanto a BB; pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea e), e nº 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, quanto ao seu filho CC; e pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão, quanto a DD e em cúmulo jurídico na pena única de três anos e três meses de prisão., vem o arguido interpor recurso formulando para tal as correspondentes conclusões. II. O recurso interposto pelo recorrente assenta fundamentalmente na sua discordância relativamente à pena aplicada, considerando-a face às circunstâncias do caso, excessiva e desproporcional. III. O arguido, no momento da prática de todos os factos de que vem acusado, agiu com diminuídas capacidades de autodeterminação devendo a pena a aplicar ser objeto de especial atenuação, traduzida, após operação de cúmulo jurídico, em pena não superior a dois anos de prisão. IV. Mais deveria a pena aplicada em medida não superior a dois anos de prisão ser cumprida em regime de permanência na habitação sujeito ao cumprimento de regras de conduta, suscetíveis de fiscalização pelos serviços de reinserção social e destinadas a promover a reintegração do condenado na sociedade, desde que representem obrigações cujo cumprimento seja, razoavelmente, de exigir, nomeadamente sujeitando o condenado a tratamento médico ou cura em instituição adequada (atenta o facto de que o arguido sofre de toxicodependência e de adição alcoólica), obtido o consentimento prévio daquele, conforme previsto no art.º 43º, n.º 4, al. c) do C.P. V. Entende, também, que não pode ser duplamente valorado o facto de o crime ser cometido na presença do filho sob pena de violação do princípio constitucional de proibição ne bis in idem, na sua vertente de proibição de duplo julgamento de uma infracção penal e de proibição de dupla punição - n.º 5 do art. 29.º da CRP VI. O Ministerio Público não concorda com a posição assumida pela recorrente, entendendo que o Tribunal indicou expressamente as circunstâncias que depõe a favor e contra o arguido para justificar a aplicação da pena em causa, a qual se entende ser adequada e justa, subscrevendo o entendimento do Tribunal que, a nosso ver, não merece reparo. VII. O recorrente esquece o facto de ter praticado o crime tanto contra o seu filho como na presença do mesmo, o que são circunstâncias diferentes, como disso se dá conta no acórdão, dando-se também conta no acórdão relativamente ao crime cometido contra o filho, na circunstancia em que o mesmo se encontrava atras da porta do quarto, referindo-se que o dolo neste caso é pelo menos eventual. VIII. No caso, os factos dados como provados, quer os perpetrados contra a diretamente visada – a assistente, quer no caso do menor CC, também os perpetrados contra a assistente, na presença do mesmo (cfr. neste sentido o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19.06.2019, processo nº 7886/15.2TDLSB.L1-3, disponível em www.dgsi.pt) constituem uma forma de violência sobre o próprio filho, prejudicial ao seu são desenvolvimento e um tratamento incompatível com a dignidade e liberdade das pessoas ofendidas, que caracterizam o crime de violência doméstica. IX. Na fixação da medida concreta da pena, como ensina Figueiredo Dias, devem ser tidos em conta os critérios gerais da medida da pena contidos no artº 71º – exigências gerais de culpa e prevenção – e o critério especial dado pelo nº 1 do artº 77º: «Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente». X. Na verdade, os factos ocorreram de forma reiterada invariavelmente associada a consumos de bebidas alcoólicas e canábis, com particular enfoque para o desvalor dos factos praticados, quer pelo período de tempo ao longo do qual se mantiveram, quer pelo grau de violência concretamente empregue, que apresenta relevo e é revelador de intenso desprezo pela pessoa da sua companheira e do seu filho CC (que era continuamente a isso exposto), o que prosseguiu mesmo depois do fim da coabitação, atuando também sobre essa mesma habitação (cuja porta, móveis e eletrodomésticos, em parte destruiu em ........2023) e não acatando as obrigações a que judicialmente ficou vinculado (em 23.08.2023), já depois da companheira e dos filhos terem saído de casa (em ...2023), o que culminou com a sua prisão preventiva, depois de uma segunda intervenção judicial (em 07.10.2023). XI. Ora a conjugação de todos estes factores, do grau de ilicitude e a intensidade do dolo – directo – no caso da assistente BB e eventual no caso do filho -do crime praticado permite concluir que a pena aplicada é a única adequada às necessidades de prevenção geral e especial do caso em apreço, mostrando-se a pena aplicada – 4 anos e 6 meses – muito próxima do mínimo legal aplicável de 3 anos e 6 meses, ao contrário do alegado pelo recorrente. XII. Por outro lado e não obstante a ausência, de antecedentes criminais, o certo é que as exigências de prevenção geral são muito elevadas pelo que no nosso entender a finalidade da pena não seria satisfeita com uma pena de prisão suspensa. Acresce que no que concerne à exigências de prevenção especial, verifica-se que o recorrente, apesar daquilo que quis fazer transparecer na peça recursória, não apresenta sentido critico relativamente às condutas que adotou, desvalorizando-as, centrando os problemas não na sua atitude mas em factores exteriores, o que revela uma personalidade violenta e centrada em si, sem empatia para com os demais, sendo que neste caso os demais eram a sua mulher e o seu filho. Exemplo disso mesmo é a circunstância de o arguido após ter sido proibido pelo Tribunal de contatar com a vitima não se absteve de a voltar a importunar, tendo sido inclusivamente necessário alterar a medida de coação para pôr cobro à conduta do mesmo, sendo certo que antes de lhe ter sido aplicada a medida de coação de prisão preventiva, como se não bastasse importunar a ofendida, ainda se dirigiu à residência em que antes habitavam e que não lhe pertencia sequer, destruindo-a completamente. XIII. Ora a conjugação de todos estes fatores, do elevado grau de ilicitude e a intensidade do dolo – directo quanto à ofendida e eventual quanto ao menor- do crime praticado permite concluir que a pena aplicada é a única adequada às necessidades de prevenção geral e especial do caso em apreço, mostrando-se a pena aplicada – 4 anos e 6 meses –, ao contrário do alegado pelo recorrente. XIV. Face a estes comportamentos, não vemos como é que é possível efetuar-se um juízo de prognose favorável de modo a que se possa suspender a execução da pena. XV. Quanto ao demais, uma vez que se entende que o Acórdão nenhuma censura merece não conjeturamos sequer o demais peticionado pelo recorrente. XVI. Em suma, da análise da fundamentação do acórdão impugnado facilmente se constata que todas as circunstâncias favoráveis ou não favoráveis foram devidamente analisadas e corretamente valoradas na pena aplicada, pelo que nenhuma censura merece o acórdão recorrido, devendo o mesmo improceder. Assim, se conclui no sentido de ser negado provimento ao recurso e, consequentemente, ser mantido Acórdão recorrido. Porém, Vossas Excelências farão, como sempre, o que melhor for de JUSTIÇA!» V. Respondeu igualmente ao recurso a assistente BB, rematando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): 1. Entende o Arguido/Recorrente que a pena aplicada é excessiva e desproporcional. 2. Tal entendimento não poderá, salvo devido respeito, proceder. 3. O Acórdão alvo de recurso não merece qualquer reparo, porquanto demonstra cabalmente todas as circunstâncias a favor e contra o arguido para justificar a aplicação da pena que aplicou. 4. De resto, e em bom rigor, o Arguido/Recorrente não impugna ou ataca directamente a matéria de facto provada; 5. Quanto às conclusões – verdadeiro petitório – apresentadas pelo Arguido/Recorrente, as mesmas não poderão proceder; 6. Quanto à violação no princípio ne bis in idem, a verdade é que foi praticado um crime tanto contra CC, como na presença do mesmo, o que são circunstâncias diferentes; 7. Na fixação da medida concreta da pena nada há a apontar; 8. Tendo sido respeitados os artigos 71.º, 40.º e 50.º do Código Penal; 9. A pena aplicada é a única adequada às necessidades de prevenção geral e especial do caso em apreço, mostrando-se a pena aplicada – 4 anos e 6 meses – muito próxima do mínimo legal aplicável de 3 anos e 6 meses; 10.As exigências de prevenção geral são muito elevadas pelo que a finalidade da pena não seria satisfeita com uma pena de prisão suspensa; 11.O Arguido/Recorrente não apresenta sentido critico relativamente às condutas que adotou, desvalorizando-as; 12.Ademais, e não podemos deixar de referir isto, sempre que o Arguido/Recorrente liga para os filhos, pretende sempre falar com a Assistente e até já lhe perguntou se tinha alguém; 13.O arrependimento é, assim, nulo; 14.Não será possível qualquer juízo, dito isto, que permita optar por uma pena não privativa de liberdade ou equacionar qualquer alternativa ao já decidido; 15.Assim, se conclui no sentido de ser negado provimento ao recurso e, consequentemente, ser mantido Acórdão recorrido. Nestes termos e nos mais de Direito, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa mantendo a decisão proferida fará a costumada JUSTIÇA» VI. Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público, que emitiu parecer concluindo pela improcedência do recurso. VII – No exercício do contraditório, nada foi acrescentado. VIII – Feito o exame preliminar, foram colhidos os vistos e teve lugar a conferência. OBJECTO DO RECURSO O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição deste tribunal, delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º/2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995). São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respetiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar. Desta forma, tendo presentes tais conclusões, são as seguintes as questões a decidir: 1. Da violação do princípio constitucional de proibição ne bis in idem, na sua vertente de proibição de duplo julgamento de uma infração penal e de proibição de dupla punição - n.º 5 do art. 29.º da CRP; 2. Da adequação da pena (espécie e medida), aqui se incluindo a desconsideração de circunstâncias relevantes para a determinação, a não atenuação especial da pena, a crítica à medida concreta da pena e ao modo de execução da mesma (a cumprir em regime de permanência na habitação ou, subsidiariamente, a ser suspensa na sua execução) DO ACÓRDÃO RECORRIDO Do acórdão recorrido consta a seguinte fundamentação, que se transcreve: «II. FUNDAMENTAÇÃO A) Factos provados Da acusação 1. O arguido e BB (doravante “BB”) iniciaram uma relação amorosa há cerca de 22 (vinte e dois) anos, coabitando, como se marido e mulher fossem, desde o mês de ... de 2014, com residência na ..., em ..., até que se separaram no dia ... de ... de 2023. 2. Dessa relação nasceram 3 (três) filhos em comum, CC (doravante “CC”), no dia ... de ... de 2015, EE, no dia ... de ... de 2021 e FF, no dia ... de ... de 2022. 3. Durante o relacionamento com BB, o arguido era consumidor de produtos estupefacientes (canábis) e de bebidas alcoólicas em excesso, o que chegou a fazer com uma frequência diária. 4. O arguido manifestava ciúmes das pessoas próximas de BB. 5. No decurso do relacionamento entre ambos, em pelo menos 10 (dez) ocasiões, em datas não concretamente apuradas, no interior da residência comum, no decurso de discussões, o arguido desferiu chapadas, socos e encontrões por todo o corpo de BB, provocando-lhe dores e hematomas. 6. E, em idênticas circunstâncias, o arguido dirigiu a BB as seguintes expressões: – “Puta”; – “Vaca”; – “Mentirosa”; – “Maluca”; – “Dragão”; – “Vaca de merda”; – “Corto-te o pescoço”; - “Aperto-te o pescoço”; – “Corto-te a garganta”. 7. Em data não apurada em concreto, mas certamente, entre o mês de ... de 2020 e o dia ... de ... de 2023, no interior da residência comum, no decurso de uma discussão, por motivo não determinado, o arguido dirigiu-se a BB dizendo que lhe batia com uma cadeira, partindo-lhe, de seguida, o telemóvel, de forma não concretizada. 8. No dia ... de ... de 2023, pelas 08:00 horas, no interior da casa-de-banho, da residência comum, ao se aperceber que BB se encontrava a efetuar recolha de urina, para análise clínica, desconfiando da mesma, por esta não o ter informado, o arguido dirigiu-lhe as seguintes palavras: – “És uma mentirosa, não me disseste nada”. 9. O arguido, em ato contínuo, foi na direção de BB e desferiu-lhe um “calçudo” na zona occipital da cabeça. 10. Minutos volvidos, o arguido ao visualizar BB a dirigir-se para o corredor da residência comum, foi no seu encalço e disse-lhe: – “Tu não vais com os meus filhos para lado nenhum, se sais de casa não voltas a entrar”. 11. Em sequência da conduta do arguido, BB não se ausentou da residência e dirigiu-se para o quarto. 12. O arguido foi na direção do quarto onde se encontrava BB e iniciou uma conversa com esta, dando a entender que a mesma estaria a ter um relacionamento amoroso com um indivíduo de nome “GG”, tendo, poucos minutos após, dirigido àquela, na presença do filho em comum CC, que se encontrava a chorar, as seguintes palavras: – “És uma mentirosa”. 13. De seguida, o arguido dirigiu a BB as seguintes palavras: – “Pega mas é no computador e vai trabalhar para ao pé da tua chefe, pera la não! não! quem vai arrumar aquela merda sou eu”, Tendo, logo de seguida, saído do quarto e, dirigindo-se para a sala, pegou no monitor do computador daquela. 14. Enquanto o arguido assim atuava, BB, que se encontrava por detrás deste, tentou acalmá-lo dizendo: “eu arrumo, não partas o computador, já não é o primeiro que partes”, colocando as mãos no monitor. 15. De seguida, o arguido pediu a BB o telemóvel que lhe tinha cedido, exigindo-lhe que retirasse o cartão, o que aquela fez. 16. Após, o arguido partiu o telemóvel em causa e, dirigindo-se a BB, disse-lhe: – “Toma já tens dois telemóveis”, ausentando-se daquele local, para a cozinha da residência comum. 17. Quando o arguido e BB se encontravam na cozinha, esta disse-lhe: “tu estás completamente descompensado por aquilo que bebes, fumas e o resto”, ao que o primeiro retorquiu “o que é que tu me estás a chamar?”, respondendo, aquela: “exatamente o que tu estás a pensar.” 18. O arguido, nesse momento, munido de uma faca, de forma e com características não apuradas em concreto, dirigiu-se a BB, com a referida faca por detrás das costas, altura em que, com a outra mão, afastou CC, que se havia metido no meio dos progenitores. 19. Nesse momento, BB empurrou o arguido e, agarrando em CC, dirige-se com o mesmo para o quarto. 20. O arguido, de seguida, foi novamente no encalço de BB, tendo esta dito que ia ligar para a polícia, ao que aquele, num tom de voz jocoso, disse “deves mesmo conseguir chamar a polícia”, sem que tenha entrado no quarto. 21. O arguido, ao se aperceber que BB, pelo telemóvel do trabalho, contactou o número de Emergência 112, apelidou-a de “puta” e desferiu uma pancada na porta do quarto, logrando entrar na referida divisão, batendo com a referida porta em CC, que se encontrava atrás da mesma, fazendo com que este, por força do impacto, fosse embater com as costas e a cabeça no roupeiro, provocando-lhe dores. 22. Nessa ocasião, o arguido dirige-se a BB e desferiu-lhe duas bofetadas na zona da face, o que foi presenciado pelo filho CC. 23. Ao mesmo tempo que dizia “vai fazer queixa, que eu vou fazer queixa de ti também”. 24. Nesse dia, BB saiu da residência em comum, fazendo-se acompanhar pelos seus filhos, e dirigiu-se à Esquadra da Polícia de Segurança Pública, onde apresentou queixa. 25. Em sequência da conduta do arguido, BB sentiu fortes dores e sofreu as seguintes lesões/sequelas: – “Face: sem alterações; mobilidade das articulações temporo-mandibulares mantida, mas com queixas nos últimos graus da abertura da boca; – Membro superior esquerdo: equimose arroxeada, no 1/3 médico da face medial do braço, com cerca de 1.5cm de diâmetro; – Membro superior direito: equimose arroxeada, no 1/3 médio da face medial da perna, com cerca de 4.5cmx2cm, de maior eixo vertical.” 26. Tais lesões vieram a ser causa de um período de doença, para BB, de 14 (catorze) dias, com 7 (sete) dias de afetação da capacidade de trabalho geral e profissional e em condições normais, sem consequências permanentes. 27. Entre o dia ... de ... de 2023 e as 19:15 horas do dia ... de ... de 2023, em datas não concretamente apuradas, mas certamente em 2 (duas) ocasiões, o arguido contactou pelo telemóvel com a mãe de BB e disse-lhe: - “Quando apanhar a sua filha na rua não me responsabilizo por aquilo que vou fazer”, tendo a mesma transmitido o referido conteúdo da conversa à sua filha. 28. No dia ... de ... de 2023, pelas 23:36:48 horas, o arguido remeteu do telemóvel com o número ..., para o telemóvel de BB, com o número ..., uma mensagem com o seguinte teor: – “Se saires de lisboa com os meus filhos sem meu conhecimento e autorização vais presa”. 29. No dia ... de ... de 2023, pelas 20:24:21 horas, o arguido remeteu do telemóvel com o número ..., para o telemóvel de BB, com o número ..., uma mensagem com o seguinte teor: – “Então amiga? Andas a aproveitar bem quem andas a comer?”. 30. No dia ... de ... de 2023, pelas 12:00 horas, o arguido dirigiu-se à ..., em ..., a fim de estar com os seus três filhos, tendo o encontro sido marcado entre a sobrinha deste e BB, mas sem que a referida sobrinha tivesse comparecido no local. 31. BB estava acompanhada pela sua mãe, DD (doravante DD). 32. A dado momento, no seguimento de uma discussão entre o arguido e BB, o arguido desferiu um empurrão nesta, fazendo com que a mesma caísse ao chão, altura em que DD, procurando afastar o arguido da filha, foi também empurrada pelo arguido, caiu ao chão e foi atingida na zona da face, pelo menos, com um soco desferido pelo arguido. 33. Após, o arguido voltou a alcançar BB e, em ato contínuo, apertou-lhe o pescoço, cortou-o com um objeto de características não determinadas em concreto e deu-lhe um empurrão, fazendo com que caísse ao solo. 34. O arguido, enquanto BB se encontrava prostrada no chão, colocou-se em cima da mesma e desferiu-lhe murros pelo corpo, agarrou-a pelos cabelos e exercendo força, atirou com a cabeça daquela contra o solo. 35. De seguida, o arguido, munido de um isqueiro, de características não determinadas, tentou pegar fogo, na zona da face e do cabelo de BB. 36. A dado momento, apercebendo-se de um transeunte que por ali passava, o arguido cessou o seu comportamento, dali se ausentando. 37. Em consequência da conduta do arguido DD foi assistida no Hospital ..., em ..., sentiu dores e sofreu as seguintes lesões: - “Ferida região malar esquerda, feita lavagem, desinfeção, anestesia e sutura com nylon 5/0. (…) Escoriação do antebraço esquerdo”. 38. Por seu lado, em sequência da conduta do arguido, BB sentiu dores e sofreu as seguintes lesões: – “Face: equimose arroxeada com orla amarelada na região palpebral superior direita, mediando 3cm de maior eixo por 1,5cm de menor eixo; equimose amarelada lateralmente à região da cauda do supercílio esquerdo, medindo 2cm de diâmetro; equimose amarelada na região do ângulo da mandíbula, à esquerda, medindo 4cm de maior eixo por 2cm de menor eixo; – Pescoço: escoriação linear paramediana direita no terço superior da face anterior do pescoço, ligeiramente oblíqua ínfero-lateralmente para a direita, medindo 4cm de comprimento; adesivo de sutura cutânea no terço superior da face anterior do pescoço, paramediano esquerdo, que não foi removido para não interferir com a normal evolução das lesões subjacentes; – Membro superior direito: equimose arroxeada com zonas amareladas no terço médio da face anterior do antebraço, medindo 6cm de maior eixo por 4cm de menor eixo; – Membro superior esquerdo: equimose arroxeada com zonas amareladas no terço médio da face posterior do braço, medinado 11cm de maior eixo por 7cm de menor eixo.” 39. Tais lesões vieram a ser causa de um período de doença, para BB, de 15 (quinze) dias, com 10 (dez) dias de afetação da capacidade de trabalho geral e profissional, sem consequências permanentes. 40. No dia ... de ... de 2023, pelas 08:20 horas, o arguido, encontrava-se na ..., em ..., munido dos seguintes objetos: – 1 (uma) faca de cozinha, da marca Zylins, com o comprimento total de 32 cm e o comprimento da lâmina de 19 cm; – 1 (uma) faca de cozinha, da marca Zylins, com o comprimento total de 28 cm e o comprimento da lâmina de 15 cm; – 1 (um) martelo de orelhas, com cabo em madeira com cerca de 26 cm de comprimento, parte de metal ou cabeça com 5x13cm, com um comprimento total de 31 cm; – 1 (uma) pedra da calçada, de cor branca, aparentando forma cúbica, com as dimensões de 7x6,4x3 cm. 41. Nessa ocasião, no interior da residência, o arguido desarrumou todas as roupas da habitação, bem como partiu alguns dos móveis, eletrodomésticos e televisões ali existentes, também pertença de BB e sem o conhecimento e autorização desta. 42. No dia ... de ... de 2023, pelas 13:01:57 horas, o arguido remeteu do telemóvel com o número ..., para o telemóvel de BB, com o número ..., uma mensagem com o seguinte teor: – “Este número é meu Por favor liga-me para falar com o CC e pelo menos ouvir as vozes dos nossos meninos. Só te peço que me deixes falar com eles e que não me prives de estar com eles quando o nosso FF fizer o primeiro aninho. Se precisares de alguma coisa diz”. 43. Ao agir da forma descrita, teve o arguido o propósito conseguido e reiterado de maltratar fisicamente BB, ofendê-la na sua honra e consideração, provocar-lhe medo e inquietação, bem sabendo que era sua companheira e mãe dos seus filhos. 44. Ao agir da forma descrita, na presença do filho CC, ciente da idade do mesmo, sabia o arguido que lhe provocava sentimentos de angústia, perturbando o seu saudável crescimento psíquico e emocional, com isso se conformando. 45. Ao agir da forma descria, o arguido fê-lo com o propósito conseguido de molestar o corpo de DD. 46. Agiu o arguido, sempre e em tudo, de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo serem todas as suas condutas proibidas e punidas por lei. Do pedido de indemnização civil 47. Em consequência da atuação do arguido supra descrita, BB sentiu humilhação, dores e medo. 48. Também em consequência dessa mesma atuação do arguido, nomeadamente referida em 41.: i) a máquina de lavar e secar roupa, da marca “…”, ficou sem porta; ii) o frigorifico combinado ficou sem as duas portas; iii) a TV 32”, marca “…”, ficou com o ecrã partido; iv) a TV 42”, marca “…”, ficou com o ecrã partido; v. os equipamentos “…” (router e box) ficaram partidos, cujo custo ascende ao valor de 149,99 €; vi. a cadeira da papa ficou partida; vii. a estrutura metálica da cama de casal ficou partida; viii. a mobília de quarto de casal estilo “…”, composta por 2 mesas de cabeceira, 2 cómodas com 4 gavetas e 1 roupeiro com 3 portas, ficou partida; ix. a arca de madeira trabalhada antiga ficou partida; x. as cadeiras da sala em madeira forradas a pele ficaram partidas; xi. o espelho WC ficou partido; xii. a coluna mármore com luz ficou partida; xiii. a porta do apartamento referido em 1. teve de ser integralmente substituída, com um custo de 2.500,00 € acrescido de IVA. Da contestação 49. Em ........2023 foi elaborado junto da 1ª Esquadra de Polícia de... o auto denúncia sob o nº 428583/2023, apresentada por HH, na qual fez “participar que o seu tio, AA (…) foi vítima de agressões por parte das suspeitas de nome, BB ex-mulher do AA e DD mãe de BB, factos ocorridos no ....” Provou-se, ainda, que: 50. Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais. 51. Em 23.08.2024 o arguido foi sujeito às medidas de coação de proibição de contactar por qualquer meio BB e de não comparecer na habitação referida em 1., devendo abandoná-la no prazo máximo de 48 horas. 52. Em 07.10.2023 o arguido foi sujeito às medidas de coação de proibição de contactar por qualquer meio BB e de prisão preventiva. Condições sócio-económicas do arguido 53. Contando atualmente 41 anos de idade, o arguido cresceu no agregado composto pelos progenitores e por duas irmãs uterinas, mais velhas. 54. O pai do arguido mantinha consumos abusivos de álcool, gerando um ambiente de agressividade física no contexto familiar. 55. Acresce que em virtude do hábito de jogo de ambos os progenitores, o arguido chegava a permanecer aos cuidados das referidas irmãs ou, ainda muito jovem, sozinho, gerindo o seu quotidiano segundo as suas próprias regras junto do grupo de pares. 56. Nesse contexto iniciou na adolescência o percurso de consumos de haxixe. 57. Frequentou a escola até ao 9º ano de escolaridade. 58. Com 17 anos de idade começou a trabalhar numa ..., trabalho que interrompeu para cumprir o serviço militar obrigatório. 59. Regressado, trabalhou numa …, depois numa … e mais tarde numa … durante cerca de seis anos, até ficar desempregado, durante cerca de dois anos e meio, executando trabalhos pontuais. 60. Em contexto da família constituída, o arguido manteve os consumos de haxixe e há cerca de oito anos iniciou consumos de bebidas alcoólicas, hábito que se foi intensificando ao longo do tempo. 61. Em data não concretamente apurada, posterior à data referida em 51., o arguido passou a viver em ..., onde fez trabalhos na …. 62. Em meio prisional o arguido tem revelado uma postura adaptada e colaborante, consentâneo com as normas institucionais, sem registar quaisquer sanções disciplinares. 63. Encontra-se a trabalhar na ... desde ........2024. 64. Participa nas reuniões promovidas periodicamente pelos Narcóticos Anónimos e Alcoólicos Anónimos e pontualmente vai à consulta de psicologia. 65. Do ponto de vista familiar, continua a beneficiar de apoio por parte da irmã e sobrinha, disponibilizando-se a primeira para receber o arguido na sua habitação, em .... 66. Em relação filhos comuns de arguido e assistente, por decisão proferida em 22.11.2023, proferida no âmbito do processo nº 22116/23.5T8LSB, Juiz 2, do Juízo de Família e Menores da ..., foi homologado o acordo que estipulou que ficam aqueles a residir com a assistente, a qual exercerá, em exclusivo, as responsabilidades parentais, sem que tivesse sido fixado regime de visitas enquanto o arguido estiver preso, podendo o mesmo contatar telefonicamente o filho mais velho, sob a supervisão da assistente. 67. O filho mais velho do arguido encontra-se a ser acompanhado em consulta de psicologia. 68. Uma vez restituído à liberdade, o arguido perspetiva ir viver para junto da irmã, em ..., a qual se mostra disponível para o acolhimento, onde poderá trabalhar na agricultura. * B) Factos não provados Da acusação a. Durante o relacionamento que manteve com BB o arguido não exercia qualquer atividade profissional. b. Que em virtude do referido em 4. o arguido impediu BB, em diversas ocasiões, em número não concretamente apurado, mas certamente superior a 3 (três) vezes, de se ausentar da residência comum, de contactar com familiares e, bem assim, de entrar na habitação. c. Que nas circunstâncias referidas em 5. o arguido puxou pelo cabelo de BB e cuspiu-lhe na cara. d. Que nas circunstâncias referidas em 6. o arguido dirigiu a BB as seguintes expressões: – “Traidora”; – “Baleia”; – “Hipopótamo”; – “Dou cabo de ti”; – “Vou-te matar”; e. Que nas circunstâncias em 12. o arguido apelidou BB de puta. f. Sem prejuízo do concretamente apurado em 22., que na sequência do referido em 14. o arguido desferiu duas bofetadas na cara de BB. g. Que nas circunstâncias referidas em 17. o arguido empurrou BB. h. Que nas circunstâncias referidas em 19. BB começou a gritar, conseguindo, assim, fazer cessar o comportamento deste. i. Que nas circunstâncias referidas em 21. a 23. o arguido tentou retirar o telemóvel a BB, com o qual esta se encontrava a pedir auxílio. j. Que nas circunstâncias referidas em 40., o arguido “arrombou” a porta de entrada da habitação, de forma não concretamente apurada. Do pedido de indemnização civil k. Que depois de ter saído da residência nas circunstâncias referidas em 24. a assistente não dormia, mal se alimentava e isolou-se. l. Em consequência da atuação do arguido, por temer voltar à residência, entre a roupa dos filhos que desapareceu e a roupa que teve de adquirir aos mesmos, a assistente despendeu um valor total de 350,00 €. m. Em consequência da atuação do arguido, toda a roupa da assistente, nomeadamente roupa interior, calças, camisolas e casacos, desapareceu, com o que teve de despender, na aquisição de novas roupas, um valor total de 350,00 € n. Em consequência da atuação do arguido, os óculos de DD ficaram riscados, sendo que a substituição das lentes ascende a um valor total de 600,00 €. o. Que o custo da máquina de lavar e secar roupa referida em 48. ascenda a 250,00 €. p. Que o custo do frigorífico referido em 48. ascenda a 150,00 €. q. Que o custo da TV …” referida em 48. ascenda a 175,00 €. r. Que o custo da TV …” referida em 48. ascenda a 250,00 €. s. Que em consequência da atuação do arguido BB adquiriu um telemóvel “…” …, com o que despendeu 400,00 €. t. Que o custo da cadeira da papa referida em 48. ascenda a 120,00 €. u. Que o custo da estrutura metálica de cama de casal referida em 48. ascenda a 75,00 €. v. Que o custo da mobília de quarto referida em 48. ascenda a 1.500,00 €. w. Que o custo da arca de madeira referida em 48. ascenda a 400,00 €. x. Que o custo das cadeiras de sala referidas em 48. ascenda a 80,00 €. y. Que em consequência da atuação do arguido BB tenha deitado fora um sofá poltrona no valor de 50,00 € e uma cadeira de madeira e palhinha no valor de 50,00 €. Da contestação z. Que nas circunstâncias referidas em 12. CC estivesse a chorar depois de BB dizer que ia chamar a polícia. aa. Que nas circunstâncias referidas em 32., perante a recusa do arguido em entregar as chaves da habitação referida em 1., BB disse ao arguido “ou entregas as chaves à minha mãe, ou nunca mais vês os meninos porque eu saio do país com eles”. bb. Neste momento o arguido pegou no telemóvel e disse que ia chamar a polícia, tendo levado de imediato uma joelhada no seu baixo ventre, desferida por BB. cc. A dado momento o telemóvel do arguido partiu-se com a sua queda ao chão, altura em que fez um gesto brusco com o braço enquanto gritava “larguem-me” e se levantava. dd. Nessa ocasião, DD, agarrada na sua retaguarda, caiu. ee. Perante isso, BB investiu contra o arguido, altura em que o mesmo a afastou com os braços, caindo esta. ff. Foi nesse momento que BB começou a gritar por socorro, enquanto a DD dizia “grita BB”. gg. gg. Após, o arguido dirigiu-se à esquadra de polícia de ... para apresentar participação criminal. hh. Aí o agente R. Anjos disse-lhe que não podia entrar naquele momento e que atendendo ao seu estado físico, devia chamar o INEM. * Inexistem outros factos provados ou não provados com relevância para a boa decisão da causa, não se tendo atendido a juízos conclusivos e/ou probatórios, sendo os elementos de prova aferidos em sede de motivação da decisão da matéria de facto. *** C) Motivação da decisão da matéria de facto A convicção do Tribunal para a determinação da matéria de facto dada como provada e não provada fundou-se na prova produzida em audiência de julgamento, bem como no acervo documental dos autos, tudo a merecer apreciação segundo as regras da experiência e a livre convicção dos julgadores, sem descurar o disposto quanto ao valor da prova pericial, em conformidade com os artigos 127º e 163º, do Código de Processo Penal. Desde logo, impõe-se clarificar que não cumpre reproduzir o integral conteúdo das declarações e depoimentos produzidos, os quais se mostram documentados, mas tão-só expor as razões subjacentes à formação da sobredita convicção. Preliminarmente, em relação ao arguido, temos que, para além das declarações que quis prestar em julgamento, também já o havia feito em sede de 1º interrogatório de arguido detido. É consabido que essas declarações anteriormente prestadas poderão aqui ser valoradas, conforme dispõe o artigo 357º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal (uma vez que foram prestadas perante juiz, o arguido esteve assistido por defensor e foi advertido que as mesmas poderiam ser usadas em julgamento, estando sujeitas à livre apreciação da prova – artigo 141º, nº 4, alínea b), do mesmo Código. Os factos dados como provados em 1. e 2. apuraram-se com base na conjugação do declarado de forma concordante pelo arguido e pela assistente, em audiência de julgamento e em declarações prestadas para memória futura, quanto à data de início (aproximada) e termo do relacionamento entre ambos, bem como quanto ao local em que a coabitação teve lugar e à composição do agregado familiar. A este respeito, urge deixar expresso, desde já, que a assistente e a testemunha CC prestaram declarações para memória futura, nos termos do disposto nos artigos 271º do Código de Processo Penal, 33º da Lei nº 112/2009, de 16 de setembro e 24º do Estatuto da Vítima, as quais se consideraram, nos termos do disposto nos artigos 355º, nº 2, e 356º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Penal, não se tendo procedido à sua leitura, por a mesma não ser obrigatória (cfr. Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 8/2017, publicado no “Diário da República nº 224, Série I, de 21 de novembro de 2017), tanto mais que se mostram transcritas a fls. 700/782. De igual modo, consideraram-se quanto à sobredita factualidade os assentos de nascimento de fls. 54/55, 56/57 e 58/59, atinentes aos filhos comuns do arguido e da assistente. Passando à factualidade apurada em 3., temos que resultou admitida pelo próprio arguido, sendo que nessa parte, aquilo que se deu como não provado em a. decorre como consequência lógica das declarações que a esse respeito o mesmo prestou, sem nada que as infirme, quando, pelo contrário, a própria assistente aludiu aos trabalhos que o arguido fazia, pelo menos, até à pandemia covid-19, do mesmo modo que do relatório social que abaixo será melhor referido, resulta aquele que foi o percurso laboral seguido pelo arguido, assim se afastando que o mesmo, durante o relacionamento que manteve com BB, não exercia qualquer atividade profissional. A factualidade apurada em 4. foi também admitida pelo arguido, já não aquilo que acabou por ser dado como não provado em b., sendo que a este respeito, com conhecimento disso direto e de forma concretizada, só o manifestou a assistente, a qual, nas declarações que prestou, nada reportou nesse sentido. Passando agora aos factos dados como provados em 5. a 24., apuraram-se, essencialmente, com base nas declarações da assistente, que relatou a factualidade em que teve intervenção, fazendo-o de forma clara, objetiva e sequencial. Aqui, urge uma chamada de atenção para aquela que deve ser, em regra, a valoração das declarações prestadas pelos diretos visados em crimes de idêntica natureza àquele com que se depara o Tribunal nos presentes autos, sendo que quando credíveis, deverão merecer uma ponderada e redobrada valorização. É que a criminalização das condutas inseridas na chamada “violência doméstica” e consequente responsabilização penal dos seus agentes, resulta da progressiva consciencialização da sua gravidade individual e social, sendo imperioso prevenir as condutas de quem, a coberto de uma pretensa impunidade resultante da ausência de testemunhas presenciais, em espaços preservados da observação alheia, inflige a pessoa com quem viva, de forte proximidade existencial, maus tratos físicos ou psíquicos, acrescendo a tudo isso o generalizado pudor que terceiros têm em se imiscuir na vida privada de um casal. Ora, o relato da assistente foi prestado sem que se notasse no mesmo qualquer intuito vingativo relativamente ao arguido, assumindo a assistente, prontamente, as limitações do por si recordado e as falhas de memória, quando tal se justificou, assumindo ainda autocrítica, ou aspetos negativos, relativamente à sua própria atuação, chegando mesma a mencionar “não vou dizer que sou uma santa, atenção; não estou a dizer que quando ele me fazia alguma coisa, que eu não retaliava; eu também não sou nenhum saco de pancada; acho que o instinto de qualquer pessoa é se batem, é tentar defender o máximo que conseguirem; eu assumo, eu também o empurrei, porque se ele me está a bater, eu não vou ficar ali quieta”. De igual modo, não se verificou a existência de quaisquer ganhos relacionados com as denúncias realizadas pela assistente, nem se apuraram motivações suspeitas subjacentes à atuação da assistente, pelo contrário: por demais revelador do clima de violência e opressão em que vivia, surge a decisão da assistente de abandonar a casa onde residia há anos, juntamente com os filhos (em 04.08.2023), apenas para se distanciar do arguido. Assim, descreveu a assistente o ambiente familiar vivenciado durante anos, no modo que se deu como provado em 5., o que enquadrou com a circunstância, já acima aludida e assumida pelo próprio, de o arguido consumir bebidas alcoólicas em excesso e também consumir “drogas” e de tal ser gerador de discussões, assim como descreveu parte das expressões que o arguido lhe dirigiu, sendo que o próprio, nas declarações prestadas admitiu ainda outras, tudo conforme apurado em 6. Nesta parte, diga-se que a factualidade não provada em c. e d. resultou da total ausência de quaisquer elementos de prova que para tanto apontassem. A assistente descreveu também o facto dado como provado em 7., o que foi em parte corroborado pela testemunha CC, o qual, num relato próprio de quem tem 8 anos de idade, espontaneamente descreveu ter visto o pai, aqui arguido, a agarrar na camisola da mãe, ao mesmo tempo que “pegou numa cadeira”, sendo que em nenhuma outra situação em apreciação nos autos esteve em causa uma cadeira. Do mesmo modo, a assistente descreveu os factos dados como provados 8. a 24., atinentes ao dia 04.08.2023, o que o próprio arguido em parte confessou, descrevendo que o filho CC se encontrava a chorar e admitindo os factos apurados em 8., 9., 13. a 17. e 22. (valendo aqui o disposto no artigo 358º, nº 2, do Código de Processo Penal), do mesmo modo que, embora referindo que estava na cozinha e que estava a usar uma faca para, naquele momento, cortar “haxixe”, recusou que se tivesse aproximado da assistente com a faca na mão, relato que, como está bem de ver, não se mostra credível, divergindo tanto do da assistente, como do filho de ambos, CC, que nas declarações que prestou, num discurso simples, mas claro, asseverou a existência da faca nas mãos do pai, no momento em que o mesmo estava junto à mãe. A denúncia apresentada pela assistente consta de fls. 2/16, com data de 04.08.2023. Acresce que as declarações da assistente se mostram ainda corroboradas por elementos objetivos externos, que as sustentam de forma inequívoca, como o relatório da perícia de avaliação do dano corporal de fls. 278/279-verso, realizado na sequência dos eventos ocorridos a 04.08.2023, a permitir dar como demonstrados os factos provados em 25. e 26.; a par das imagens de fls. 28/30, retratando, conforme estribado a fls. 27, as marcas no corpo da assistente na sequência dos eventos ocorridos na data vinda de mencionar. No âmbito do vindo de referir, diga-se já que a factualidade não provada em e. a i. resultou da total ausência de quaisquer elementos de prova que para tanto apontassem. Olhando agora à factualidade dada como provada em 27., temos que resultou do depoimento prestado por DD, a qual, na qualidade de mãe da assistente e avó dos filhos comuns desta e do arguido, num depoimento que se crê plausível, sem nada que o desmereça, deixou expresso ter recebido contactos da parte do arguido (o que acontecia já depois da filha ter passado a viver consigo e ter deixado a residência onde morou com o arguido), em que lhe pedia para ver os netos, chegando a dizer coisas como aquelas que se apuram, o que depois transmitia à filha, em consonância, também, com o que se extrai de fls. 147. Por sua vez, a factualidade dada como provada em 28., 29. e 42. resulta estribada no teor do relatório pericial de fls. 679/692, mormente a fls. 689 e 684 respetivamente (onde constam transcritas as mensagens enviadas), e no teor do print de fl. 402, sendo que o próprio arguido confirma serem seus os números de telemóvel visados, com os quais admitiu ter chegado a contactar a assistente várias vezes. Quanto aos factos dados como provados de 30. a 36., referentes ao episódio ocorrido em ........2023, assentaram essencialmente nas declarações da assistente já acima aludidas e que foram corroboradas, grosso modo, pelo depoimento de DD, descrevendo esta a presença do arguido, onde a própria também estava e que aí veio o arguido a agredi-la e à sua filha, num contexto em que o arguido iniciou uma discussão sobre visitas aos filhos. Nesta parte foi ainda ouvido como testemunha II, o qual, de modo totalmente insuspeito, até pela inexistência de qualquer posição relacional com arguido ou assistente, referiu ter ouvido uma senhora a pedir para alguém chamar a polícia, quando juntamente com “outra” senhora se procuravam libertar do “homem” estando todos no chão, o que fez (ligando para o “112”), ao mesmo tempo que viu depois esse “homem” a sair dali a correr, o que, somado, não deixa de dar sustentáculo àquilo que a assistente e a testemunha DD atestaram, tanto mais que espontaneamente identificou as mesmas em Tribunal quando aqui foi ouvido. Acresce que as declarações da assistente e da testemunha DD se mostram ainda corroboradas por elementos objetivos externos, que as sustentam de forma inequívoca, como os elementos clínicos de fls. 553/555, a permitirem dar como demonstrada a factualidade provada em 37., e os relatórios da perícia de avaliação do dano corporal de fls. 274/276 e de fls. 938/939, realizados na sequência dos eventos ocorridos em ........2023, enaltecendo-se que deste último consta expressamente que as lesões apuradas “terão resultado de traumatismo de natureza contundente, admitindo-se que algumas possam ter sido produzidas por instrumento de natureza cortante ou atuando como tal”, a permitir dar como demonstrada a factualidade provada em 38. e 39.; a par das imagens de fls. 282/284, retratando, de forma impressiva, as lesões apresentadas pela assistente (em particular na zona do pescoço), na sequência dos eventos ocorridos na data vinda de mencionar. A este respeito, refira-se, ainda, que o próprio arguido, nas declarações que prestou nesta parte, não deixou de se colocar no local do episódio em causa, onde refere ter-se envolvido fisicamente com a assistente e com a mãe desta, ainda que em moldes muito menos abrangentes do que aqueles que se apuram, numa notória atitude de menorização e desculpabilização dos seus comportamentos (em que se reputou como vítima, mas que nenhuma sustentáculo mereceu), ao mesmo tempo que admitiu ter consigo um telemóvel e um isqueiro, sendo que quanto ao isqueiro referiu de forma lacónica e não verosímil “que estava no seu bolso e que pensa que não o usou”. Quanto às fotografias juntas pelo próprio arguido e que constam a fls. 962/972, ao que invoca alusivas a esse mesmo dia (........2023), nada permitem infirmar do que se disse atrás, pelo contrário tornam evidente que o arguido se envolveu fisicamente com a assistente e com DD e que daí, necessariamente, também resultaram consequências para o próprio, mas que não alteram aquele que foi o papel que se apurou ao mesmo. Passando agora à factualidade apurada em 40. e 41., temos que resultou admitida pelo próprio arguido, o qual enquadrou que nesse dia tinha ido à habitação em causa buscar as suas coisas e que, deparando-se com a comida que tinha no frigorífico estragada, por não haver energia elétrica em casa, “descarregou nos bens materiais” e “partiu a casa toda”, deixando essa habitação no estado que melhor se extrai das imagens de fls. 660/663 e fls. 893/902-verso, com as quais foi confrontado. Nesta parte, considerou-se também o auto de notícia de fls. 656/657, que coloca o arguido nesse local, a par do auto de apreensão de fls. 658/658-verso, referente aos objetos que o mesmo tinha na sua posse. Ademais, embora a testemunha DD tivesse referido que chegou a mudar a fechadura de acesso ao apartamento onde o arguido residia com a filha, ao mesmo tempo que mencionou ter chegado a deixar a chave na polícia para que o arguido pudesse retirar as suas coisas, não logrou clarificar se a fechadura foi destruída no dia que aqui está em causa (sendo que o arguido admitiu a remoção de uma fechadura mas em data anterior), tanto mais que, segundo declarado pela assistente, mesmo depois do Tribunal ter determinado que o arguido abandonasse em 48 horas essa residência, o mesmo continuou a ter acesso à mesma, com uma chave, assim se julgando não provado a factualidade em j. No que tange aos elementos psicológicos e volitivos imputados ao arguido, tal como apurados de 43. a 45. considerou-se que estes factos decorriam de forma segura, por inferência e com apoio nas regras da normalidade, das descritas condutas do mesmo – aliás, tais factos encontram-se numa relação de quase necessidade com essas condutas. O mesmo vale, como uma evidência até, para o facto dado como provado em 46. * A factualidade atinente ao pedido de indemnização civil, apurada em 47. e 48., teve por base, desde logo, naquilo que o arguido nesta parte admitiu, em conjugação com as declarações prestadas pela assistente e pela testemunha DD. Ponderou-se, outrossim, o teor elucidativo das imagens de fls.893/902-verso, de onde se extrai o estado geral da habitação, de eletrodomésticos como a máquina de lavar roupa e o frigorífico, de dois televisores e da porta de entrada, com a respetiva aro e dobradiças completamente deslocados, assim como a fatura contendo o valor dos equipamentos “…” de fls. 903 e o orçamento para substituição da referida porta de entrada de fls. 904. Aqui, urge referir que a factualidade não provada em k. a y. resultou da total ausência de quaisquer elementos de prova que para tanto apontassem, tendo nesta parte o arguido negado que tivesse retirado ou levado qualquer roupa (da assistente e dos filhos) que existisse na residência. * A factualidade da contestação que se apurou em 49. teve por base o teor de fls. 973. Em relação aos factos não provados de z. a hh., constituem consequência lógica de todo o exposto, fosse por não ter sido produzida prova que a sustentasse, fosse por se terem apurado factos incompatíveis com tal factualidade, não se bastando o Tribunal com as declarações do arguido, num contexto em que foram infirmadas pelos demais elementos probatórios. * No que respeita à ausência de antecedentes criminais, adveio da valoração e exame do respetivo certificado de registo criminal do arguido, sob a referência 40285020. Os factos apurados em 51. e 52. fundam-se no processado (autos de primeiro interrogatório de arguido detido de fls. 130/138 e de fls. 457/467). Quanto às condições sócio-económicas do arguido, apuradas sob os factos 53. a 68., atendeu-se essencialmente ao respetivo relatório social, a fls. 993/996 (referência 40344753), em conjugação com as declarações do próprio arguido e dos depoimentos das testemunhas HH e JJ, respetivamente sobrinha e irmã do arguido, tendo esta segunda atestado a sua disponibilidade para acolhê-lo quando em liberdade. O percurso prisional do arguido está estribado na respetiva ficha biográfica de fls. 976/977. E, por fim, relativamente à regulação das responsabilidades parentais dos filhos comuns de arguido e assistente, considerou-se a ata da conferência de pais de fls. 999/1001. FUNDAMENTAÇÃO 1. Da violação do princípio constitucional de proibição ne bis in idem. Alega o recorrente que o mencionado princípio foi violado, na sua vertente de proibição de duplo julgamento de uma infração penal e de proibição de dupla punição, socorrendo-se do n.º 5 do art. 29.º da CRP. Fundamenta a sua pretensão referindo que “ no que concerne ao facto de o arguido haver praticado factos integrantes da prática do crime de violência doméstica contra a assistente na presença do filho, CC, tal facto integra a classificação do crime praticado como crime qualificado nos termos do n.º 2 do art.º 152º do C.P. Não pode ser duplamente valorado o facto de o crime ser cometido na presença do filho sob pena de violação do princípio constitucional de proibição do ne bis in idem”. Sobre esta matéria, o Ministério Público, na resposta, louvou-se na fundamentação do Tribunal recorrido e acrescentou que o recorrente esquece o facto de ter praticado o crime tanto contra o seu filho como na presença do mesmo, o que são circunstâncias diferentes, como disso se dá conta no acórdão. Apreciando: O princípio ne bis in idem está consagrado no art. 29º, nº5 da Constituição da República Portuguesa, onde se lê que “ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime“. Este princípio visa obstar a uma dupla submissão de um indivíduo a um mesmo processo. Proíbe-se, assim, que um determinado, concreto e delimitado (no tempo, no espaço e nos intervenientes) comportamento de uma pessoa já objeto de uma sentença possa alicerçar um segundo processo penal. Ainda que a CRP apenas proíba expressamente o duplo julgamento pelo mesmo facto – ne bis in idem na vertente processual – a proibição abrange ainda a aplicação de novas sanções penais pela prática do mesmo crime – ne bis in idem na vertente penal (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª Edição Revista, 2007, Coimbra Editora, pág. 497). Portanto, em suma, o princípio é entendido no duplo sentido de proibição de duplo julgamento de uma infração penal e de proibição de dupla punição, sendo seu fundamento essencial, o de que, para cada ato ilícito só pode existir uma reação penal. Analisado o acórdão recorrido, é manifesta a falta de razão do recorrente. Na verdade, o mesmo foi condenado por dois crimes de violência doméstica, um na pessoa da sua (à data dos factos) companheira – a assistente BB -, outro na pessoa do filho menor de ambos – CC. O acórdão recorrido, nesta parte, refere o seguinte (transcrição): «Ora, atenta análise do tipo que se deixa feita e, bem assim, a factualidade dada como provada, dúvidas não nos restam que o arguido incorreu na prática do crime que lhe vem imputado, no que se refere a BB, de quem era companheiro [alínea b), diretamente preenchida, assim afastando o preenchimento da alínea c) do mesmo artigo] e a CC, menor de idade, de quem era pai [alínea e), diretamente preenchida, assim afastando o preenchimento da alínea d) do mesmo artigo]. No caso, os factos dados como provados, quer os perpetrados contra a diretamente visada – a assistente, quer no caso do menor CC, também os perpetrados contra a assistente, na presença do mesmo (cfr. neste sentido o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19.06.2019, processo nº 7886/15.2TDLSB.L1-3, disponível em www.dgsi.pt) constituem uma forma de violência sobre o próprio filho, prejudicial ao seu são desenvolvimento e um tratamento incompatível com a dignidade e liberdade das pessoas ofendidas, que caracterizam o crime de violência doméstica. O arguido agrediu física e psicologicamente BB, sendo a intensidade e a violência das situações apuradas, de molde a preencher o tipo em questão. De igual modo, mostra-se preenchida, quanto a ambos, a agravante a que alude o nº 2 do preceito incriminador, já que parte relevante dos eventos ocorreram no domicílio comum. O arguido agiu com dolo (direto quanto à assistente e, pelo menos, eventual, quanto a CC – artigo 14º, nºs 1 e 3, do Código Penal), sem que se tivessem apurado quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, conquanto resultou provado que o arguido atuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei». E da matéria de facto dada como provada – e que o recorrente não questionou - , consta assente, além da vasta factualidade dirigida apenas contra a pessoa da assistente, factos que se referem também à pessoa do menor. Exemplificando: 12. O arguido foi na direção do quarto onde se encontrava BB e iniciou uma conversa com esta, dando a entender que a mesma estaria a ter um relacionamento amoroso com um indivíduo de nome “GG”, tendo, poucos minutos após, dirigido àquela, na presença do filho em comum CC, que se encontrava a chorar, as seguintes palavras: • “És uma mentirosa”. • 13. De seguida, o arguido dirigiu a BB as seguintes palavras: • “Pega mas é no computador e vai trabalhar para ao pé da tua chefe, pera la não! não! quem vai arrumar aquela merda sou eu”. • (…) 17. Quando o arguido e BB se encontravam na cozinha, esta disse-lhe: “tu estás completamente descompensado por aquilo que bebes, fumas e o resto”, ao que o primeiro retorquiu “o que é que tu me estás a chamar?”, respondendo, aquela: “exatamente o que tu estás a pensar.” 18. O arguido, nesse momento, munido de uma faca, de forma e com características não apuradas em concreto, dirigiu-se a BB, com a referida faca por detrás das costas, altura em que, com a outra mão, afastou CC, que se havia metido no meio dos progenitores. 19. Nesse momento, BB empurrou o arguido e, agarrando em CC, dirige-se com o mesmo para o quarto. 20. O arguido, de seguida, foi novamente no encalço de BB, tendo esta dito que ia ligar para a polícia, ao que aquele, num tom de voz jocoso, disse “deves mesmo conseguir chamar a polícia”, sem que tenha entrado no quarto. 21. O arguido, ao se aperceber que BB, pelo telemóvel do trabalho, contactou o número de Emergência 112, apelidou-a de “puta” e desferiu uma pancada na porta do quarto, logrando entrar na referida divisão, batendo com a referida porta em CC, que se encontrava atrás da mesma, fazendo com que este, por força do impacto, fosse embater com as costas e a cabeça no roupeiro, provocando-lhe dores. 22. Nessa ocasião, o arguido dirige-se a BB e desferiu-lhe duas bofetadas na zona da face, o que foi presenciado pelo filho CC. Daqui se retiram factos praticados diretamente na pessoa do filho menor (facto 21) e factos praticados diretamente na pessoa da assistente mas que o menor presenciou. E, seguindo de perto o acórdão da Relação do Porto de 05.06.2024, processo nº 168/22.5GFVNG.P1, relatora Lígia Trovão, «a alínea e) do nº 1 do art. 152º do Cód. Penal, introduzida Lei nº 57/2021 de 16 de agosto, consagra expressamente o menor como vítima autónoma do crime de violência doméstica desde que ele seja descendente do agressor ou de uma das pessoas referidas nas alíneas a), b) e c), não apenas quando as condutas descritas no seu proémio, o têm como alvo direto (enquanto pessoa objeto do crime, cfr. art. 14º nº 1 do Cód. Penal), mas que o atingem a título de dolo necessário ou dolo eventual (cfr. art. 14º nºs 2 e 3 do Cód. Penal) se os maus tratos sobre o/a respetivo/a progenitor/a, alvo preferencial do agente, são praticados na sua presença. Assim, na alínea e) do nº 1 do art. 152º estão tutelados pela incriminação na vertente de inflição de maus tratos psíquicos, os menores expostos a contextos de violência doméstica que sejam filhos do agressor e/ou de alguma das pessoas referidas nas alíneas a) a c) do nº 1». (sublinhados da ora relatora) Ou seja, independentemente de, no caso em apreço, haver factos que tiveram como alvo direto o menor CC (episódio da porta), outros factos há, praticados sobre a pessoa da assistente, mas que pelo menor foram presenciados. Não há, pois, violação do princípio ne bis in idem, tanto mais que não consta (nem foi alegado) que o arguido já tinha sido julgado pelos factos pelos quais foi condenado. O recurso improcede nesta parte. 2. Da adequação da pena (espécie e medida). Neste capítulo, é, em síntese, a argumentação do recorrente, de acordo com a sua ordenação de precedência lógica: 2.1. Foi desconsiderada, no acórdão recorrido, da circunstância de o recorrente, após sujeição a prisão preventiva, ter começado a participar nas reuniões promovidas periodicamente pelos Narcóticos Anónimos e Alcoólicos Anónimos e a ir pontualmente à consulta de psicologia, o que denota uma tomada de consciência por parte do arguido da sua adição e dos perigos que a mesma representava para os familiares próximos. 2.2. A pena deveria ter sido especialmente atenuada, nos termos do artº 72º n.º 1 e n.º 2 al. c) do C. Penal, atenta a diminuição da capacidade do recorrente de se determinar de harmonia com a norma, uma vez que agiu sob o efeito do álcool e da droga. 2.3. A medida concreta da pena aplicada é desproporcionada na medida em que a pena parcelar referente aos factos praticados na pessoa do menor CC é exagerada, sendo duvidoso que haja dolo direto. 2.4. A pena deve ser fixada em medida não superior a dois anos de prisão e deve ser possível a mesma ser cumprida em regime de permanência na habitação, sujeita ao cumprimento de regras de conduta, suscetíveis de fiscalização pelos serviços de reinserção social, facultando-se ao recorrente sair da habitação para exercer a sua atividade profissional Subsidiariamente ao ponto 2.4, 2.5. Suspensão da execução da pena única de prisão, acompanhada de regime de prova, nomeadamente sujeitando o recorrente a tratamento médico ou cura em instituição adequada (atenta a prova de que o arguido sofre de adição alcoólica e é toxicodependente), obtido o consentimento prévio daquele. Admite o recorrente a aplicação de meios e vigilância eletrónica. Vejamos o que, com interesse para estas questões, consta no acórdão recorrido (transcrição): «Nos termos do disposto no artigo 152º, nº 2, Código Penal, se as condutas descritas no nº 1 forem praticadas contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima, a pena é agravada. Ora, atenta análise do tipo que se deixa feita e, bem assim, a factualidade dada como provada, dúvidas não nos restam que o arguido incorreu na prática do crime que lhe vem imputado, no que se refere a BB, de quem era companheiro [alínea b), diretamente preenchida, assim afastando o preenchimento da alínea c) do mesmo artigo] e a CC, menor de idade, de quem era pai [alínea e), diretamente preenchida, assim afastando o preenchimento da alínea d) do mesmo artigo]. No caso, os factos dados como provados, quer os perpetrados contra a diretamente visada – a assistente, quer no caso do menor CC, também os perpetrados contra a assistente, na presença do mesmo (cfr. neste sentido o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19.06.2019, processo nº 7886/15.2TDLSB.L1-3, disponível em www.dgsi.pt) constituem uma forma de violência sobre o próprio filho, prejudicial ao seu são desenvolvimento e um tratamento incompatível com a dignidade e liberdade das pessoas ofendidas, que caracterizam o crime de violência doméstica. O arguido agrediu física e psicologicamente BB, sendo a intensidade e a violência das situações apuradas, de molde a preencher o tipo em questão. De igual modo, mostra-se preenchida, quanto a ambos, a agravante a que alude o nº 2 do preceito incriminador, já que parte relevante dos eventos ocorreram no domicílio comum. O arguido agiu com dolo (direto quanto à assistente e, pelo menos, eventual, quanto a CC – artigo 14º, nºs 1 e 3, do Código Penal), sem que se tivessem apurado quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, conquanto resultou provado que o arguido atuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. Nestes termos, deverá o arguido, a final, ser condenado pela prática, em concurso real, de: • um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea b), e nº 2, alínea a), do Código Penal, praticado contra BB. • um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea e), e nº 2, alínea a), do Código Penal, praticado contra CC. (…) Ao crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelos artigos 143º, nº 1, do Código Penal, corresponde uma moldura penal abstrata de pena de prisão de um mês até três anos ou com pena de multa, de 10 a 360 dias (cfr. artigos 41º, nº 1, e 47º, nº 1, do mesmo Código). E ao crime de crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alíneas b) e e), e nº 2, do Código Penal, é aplicável uma pena de dois a cinco anos de prisão. * Penas alternativas Atendendo à cominação de penas alternativas quanto ao crime de ofensa à integridade física simples, importa proceder à escolha da espécie de pena a aplicar. Segundo dispõe o artigo 70º, do Código Penal, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o Tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Releva, no caso, a pluralidade de crimes e a globalidade daquilo que resultou demonstrado como tendo sido praticado pelo arguido, considerando-se, pois, que o cumprimento das exigências de prevenção, em qualquer uma das suas vertentes e que abaixo melhor serão descritas, não se compadece com a opção pela aplicação de pena não privativa da liberdade, enquanto pena principal, impondo-se assim a opção por pena detentiva. * Medida concreta das penas De acordo com o artigo 40º, nº 1, do Código Penal, “a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Encontram-se, assim, expressas no referido preceito as finalidades subjacentes à aplicação de sanções de índole penal: fins de prevenção geral e fins de prevenção especial. A proteção de bens jurídicos (prevenção geral) traduz-se numa forma de prevenção positiva, com vista a dissuadir o agente da prática de futuros crimes. No dizer de MARIA FERNANDA PALMA, in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, edição de 1998, da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa – AAFDL –, pág. 25, “a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial”. Deste modo, quer ao crime de violência doméstica quer ao crime de ofensa à integridade física simples assistem consideráveis exigências de prevenção geral, atenta a dignidade que assumem os bens jurídicos em causa, de natureza pessoal. No que concerne à reintegração do agente na sociedade (prevenção especial) pretende-se, através da aplicação de sanções penais, que o mesmo as sinta atuarem sobre si e se sinta motivado a repensar, a reajustar o seu comportamento às exigências da vida em sociedade. Por sua vez, segundo dispõe o nº 2, do artigo 71º, do Código Penal, na determinação concreta da pena o Tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: i) o grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente Aqui releva, quanto aos crimes de violência doméstica, a atuação empreendida pelo arguido, reiterada e invariavelmente associada a consumos de bebidas alcoólicas e canábis, com particular enfoque para o desvalor dos factos praticados, quer pelo período de tempo ao longo do qual se mantiveram, quer pelo grau de violência concretamente empregue, que apresenta relevo e é revelador de intenso desprezo pela pessoa da sua companheira e do seu filho CC (que era continuamente a isso exposto), o que prosseguiu mesmo depois do fim da coabitação, atuando também sobre essa mesma habitação (cuja porta, móveis e eletrodomésticos, em parte destruiu em ........2023) e não acatando as obrigações a que judicialmente ficou vinculado (em 23.08.2023), já depois da companheira e dos filhos terem saído de casa (em ….2023), o que culminou com a sua prisão preventiva, depois de uma segunda intervenção judicial (em 07.10.2023). De ressaltar, ainda, quanto à assistente, as assinaláveis consequências/lesões que para si resultaram das sucessivas agressões físicas do arguido e o estado em que o arguido deixou a dita habitação. No que ao crime de ofensa à integridade física respeita, temos também o contexto e extensão da ofensa perpetrada, sendo visada a mãe da assistente, numa ocasião em que procurava defender a filha, bem como as lesões que daí resultaram para a mesma, o que, frise-se, ocorreu na presença dessa filha e dos três netos. Em todos os casos, a violação dos deveres impostos foi frontal. ii) A intensidade do dolo ou negligência A intensidade do dolo é, como se viu, na modalidade de dolo direto, de alta intensidade, por ser a forma mais gravosa do dolo, quanto ao crime de violência doméstica relativamente a BB e ao crime de ofensa à integridade física simples, e na modalidade de dolo eventual quanto ao crime de violência doméstica relativamente a CC. iii. Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que os determinaram Ressalta, da imagem global dos factos pelos quais o arguido vai condenada, uma natural indiferença por valores pessoais alheios. iv. As condições pessoais do agente e a sua situação económica O arguido denota um processo de socialização desenvolvido num meio sociofamiliar pouco securizante e pouco estruturado, chegando desde cedo a ficar entregue a si próprio, gerindo o seu quotidiano junto do grupo de pares, altura em que se iniciou nos consumos de haxixe, com uma relativamente baixa escolaridade (face à sua idade) e com uma percurso laboral pouco sólido e marcado por períodos de inatividade, mormente no decurso da coabitação com a assistente. Atualmente em meio prisional, num ambiente naturalmente contentor, tem adotado uma postura adaptada e colaborante, sem registo de quaisquer sanções disciplinares, estando laboralmente ativo, participa nas reuniões promovidas periodicamente pelos Narcóticos Anónimos e Alcoólicos Anónimos e pontualmente vai à consulta de psicologia. Do ponto de vista familiar, continua a beneficiar de apoio por parte da irmã e sobrinha, disponibilizando-se a primeira para receber o arguido na sua habitação, em .... v) A conduta anterior ao facto e a posterior a este O arguido não regista antecedentes criminais, o que é de valorar a seu favor, embora tal seja o exigível de qualquer cidadão. Ademais, olhando ainda à postura do arguido em audiência, temos que admitiu alguns dos factos que resultaram provados, mas refutando a sua maioria, o que faz revelar muito pouca crítica para os mesmos. vi) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena Nada de relevante se apurou nesta sede, que não tenha já sido valorado. Assim, face a todo o exposto, o Tribunal considera adequado e proporcional, a fim de garantir e salvaguardar as exigências de prevenção que o caso requer, aplicar ao arguido: - pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea b), e nº 2, alínea a), do Código Penal, perpetrado contra BB, a pena de três anos e seis meses de prisão; • pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea e), e nº 2, alínea a), do Código Penal, perpetrado contra CC, a pena de dois anos e seis meses de prisão; • pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, perpetrado contra DD, a pena de 8 (oito) meses de prisão. * Cúmulo jurídico No caso de praticado mais do que um crime e fixadas as respetivas penas parcelares, cabe agora proceder ao seu cúmulo jurídico, nos termos do qual na medida dessa pena única a aplicar se deve ter em consideração, em conjunto, os factos e a personalidade do arguido (artigo 77º, nº 1, do Código Penal). Mas, antes de mais, há que determinar a moldura legal do cúmulo, que será compreendida entre um mínimo, referente à mais elevada das penas concretamente aplicadas, e um máximo, referente à soma dessas mesmas penas, com o limite de 25 anos (artigo 77º, nº 2, do Código Penal). Como ensina FIGUEIREDO DIAS (in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial de Notícias, 1993, pág. 291): “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade (…), sem esquecer o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente, sendo que só no caso de tendência criminosa se deverá atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura da pena conjunta. Ponderando globalmente as circunstâncias atinentes aos crimes em causa, monta em especial serem três as vítimas dos crimes praticados e a coincidência em parte dos bens jurídicos violados, e o que isso reflete da personalidade desvaliosa do arguido mas, por outro lado, a circunstância de resultar que têm por base atuações conexas e que se desenrolaram em moldes temporais e geograficamente próximos, sendo que o arguido não regista antecedentes criminais. Assim, tudo visto, sendo a moldura abstrata entre os 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão e os 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão, entende-se aplicar, em cúmulo jurídico, a pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão. * Das penas de substituição Por força do artigo 50º, nº 1, do Código Penal: “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Como é sabido, à opção pela suspensão da execução da pena de prisão, enquanto medida de reação criminal autónoma, são alheias considerações relativas à culpa do agente, valendo exclusivamente as exigências postas pelas finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização. De molde que a opção por esta pena deverá assentar, em primeira linha, na formulação de um juízo positivo ou favorável à recuperação comunitária do agente através da censura do facto e da ameaça da prisão, sem a efetiva execução desta prisão, que ficaria suspensa, mas desde que esta opção não prejudique ou contrarie a necessidade de reafirmar a validade das normas comunitárias, ou seja, desde que o sentimento comunitário de crença na validade das normas infringidas não seja contrariado ou posto em causa com tal suspensão. Ora, muito embora o arguido não registe quaisquer antecedentes criminais, temos que as exigências de prevenção que o caso requer, nomeadamente geral, vão além do patamar a partir do qual a reafirmação do valor das regras violadas constitui um obstáculo à suspensão da pena, que assim sairiam goradas. Ademais, quanto às exigências de prevenção especial, crê-se, de facto, que o arguido, para além de revelar, ainda ao presente momento, muito pouca crítica para os comportamentos que adotou, faz denotar uma personalidade deveras avessa ao cumprimento das regras, com espelho naquele que foi o seu comportamento subsequentemente à primeira intervenção judicial no caso, quando desrespeitou a proibição de contactar com a assistente, voltando a perpetrar contra a mesma agressões físicas, que também praticou contra a mãe desta, tudo isso na presença dos filhos menores, que a isso assistiram. E, a isso acresce, ter destruiu em grande parte a habitação onde tinha coabitado e tinha obrigação de abandonar, o que veio a demandar uma segunda intervenção judicial e que conduziu à sua prisão preventiva. Tudo conjugado, torna-se inviável concluir que a simples censura e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que o cumprimento da pena será efetivo, por só dessa forma ser expectável que, pela respetiva extensão e impacto pessoal da pena, o arguido possa vir a trilhar um caminho de evolução em relação à interiorização do desvalor e consequências das condutas que praticou, o que assume particular acuidade dentro da criminalidade aqui visada. * Das penas acessórias O Ministério Público requereu a aplicação das penas acessórias de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica e de proibição de contactos com a ofendida, nos termos do artigo 152º, nºs 4 e 5, do Código Penal. Nos termos do disposto no artigo 152º, nº 4, do Código Penal, nas situações de violência doméstica pode ser aplicada ao arguido a pena acessória de proibição de contacto com a vítima, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, acrescentando o nº 5 que a pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios de controlo à distância. Estas penas acessórias não revestem carácter automático, devendo a necessidade da sua aplicação ser apurada com referência às especificidades do caso concreto. Ora, tendo em conta os contornos do caso concreto, designadamente a personalidade do arguido evidenciada nos factos e a gravidade dos mesmos, entende-se ser de impor a aplicação da pena acessória de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, como forma de consciencialização do mesmo relativamente ao desvalor de condutas que adotou. No que se refere à proibição de contactos com a assistente, face à factualidade apurada, pouca crítica e elevado nível de conflituosidade evidenciado, entende-se estabelecer a proibição de contactos com a assistente, bem como o afastamento da residência e do local de trabalho, relativamente à assistente, durante um período que se fixa de quatro anos e seis meses. Aqui, anota-se que a condenação em prisão efetiva não obsta à imposição, em simultâneo, de tal proibição de contactos, já que mesmo em reclusão sempre poderá procurar encetar contactos (por correio ou por telefone) e a dado momento da execução da pena poderá beneficiar de licenças de saída jurisdicionais ou de curta duração (as chamadas “precárias”) ou da concessão da liberdade condicional, o que o fará incorrer na prática do crime de violação de imposições, proibições ou interdições (cfr. neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15.04.2020, processo nº 222/18.8T9ACB.C1, disponível em www.dgsi.pt). Sem prejuízo, não se olvidando que arguido e assistente têm três filhos menores em comum, cuja regulação das responsabilidades parentais se mostra alcançada, essa proibição de contactos terá sempre de ser compatibilizada com o determinado e a determinar em sede de regulação das responsabilidades parentais, pelo competente Juízo de Família e Menores. A este respeito, resta determinar se o cumprimento da proibição de contactos deve ser fiscalizado por meio técnicos de controlo à distância. Com efeito, de harmonia com os artigos 35º e 36º, da Lei nº 112/2009, de 16 de setembro, a pena acessória de proibição de contactos deve, sempre que tal se mostre imprescindível para a proteção da vítima, determinar que o cumprimento dessa medida seja fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância. Atente-se que a Lei nº 19/2013, de 21 de fevereiro, que procedeu à alteração na redação do nº 5, do artigo 152º, do Código Penal, estabelecendo que o cumprimento da pena acessória deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, foi o diploma que procedeu à modificação da redação da Lei nº 112/2009, prescrevendo o artigo 35º: “O tribunal, com vista à aplicação das medidas e penas previstas nos artigos 52º e 152º do Código Penal, no artigo 281º do Código de Processo Penal e no artigo 31º da presente lei, deve, sempre que tal se mostre imprescindível para a proteção da vítima, determinar que o cumprimento daquelas medidas seja fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância”. Conforme se entendeu no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11.02.2020, processo nº 636/17.0GDALM.L1-5, disponível em www.dgsi.pt, o recurso aos meios técnicos de controlo à distância da pena acessória depende da verificação de dois requisitos: (i) o juízo de imprescindibilidade da medida para a proteção da vítima; (ii) a obtenção do consentimento do arguido e das restantes pessoas identificadas na norma a não ser que o tribunal, em decisão fundamentada, face às circunstâncias concretas, ponderando os valores em conflito, conclua que a aplicação daqueles [meios técnicos] se torna indispensável/imprescindível para a proteção dos direitos da vítima. In casu, a circunstância do arguido estar condenado numa pena de prisão efetiva, por si, afasta o juízo que se pudesse fazer (para já) da imprescindibilidade da utilização de meios de controlo à distância para proteção da vítima e que naturalmente está pensado para os casos em que a pena é executada na comunidade, já que estando em reclusão os contactos presenciais com a vítima estão coartados, tanto mais que, para esse efeito, ao abrigo do que dispõe o nº 4, do artigo 35º, da acima referida Lei nº 112/2009, sempre teria de ser solicitada informação prévia aos serviços encarregados desse controlo à distância sobre a situação pessoal, familiar, laboral e social do arguido, mormente quanto ao local de residência, pessoas com quem residirá e local da sua atividade profissional, o que não assume plausibilidade levar a cabo quando, como no caso, a pena é detentiva. Isto sem prejuízo de, no decurso do cumprimento da pena de prisão aplicada, caso o arguido venha no futuro a beneficiar de medidas de flexibilização dessa pena, como sejam licenças de saída e liberdade condicional, sempre caberá ao Tribunal de Execução das Penas definir os concretos termos em que as mesmas decorrerão, nomeadamente por consideração às necessidades de proteção da vítima que a esse tempo subsistam». Aqui chegados, das conclusões do recorrente nesta sede retiram-se cinco sub questões: 2.1. Da desconsideração, no acórdão recorrido, da circunstância de o recorrente, após sujeição a prisão preventiva, ter começado a participar nas reuniões promovidas periodicamente pelos Narcóticos Anónimos e Alcoólicos Anónimos e a ir pontualmente à consulta de psicologia, o que denota uma tomada de consciência por parte do arguido da sua adição e dos perigos que a mesma representava para os familiares próximos. Neste particular, é manifesta a falta de razão do recorrente, já que, visto o supra referido ponto iv), do acórdão, intitulado “As condições pessoais do agente e a sua situação económica”, aí se refere expressamente que “Atualmente em meio prisional, num ambiente naturalmente contentor, tem adotado uma postura adaptada e colaborante, sem registo de quaisquer sanções disciplinares, estando laboralmente ativo, participa nas reuniões promovidas periodicamente pelos Narcóticos Anónimos e Alcoólicos Anónimos e pontualmente vai à consulta de psicologia”. Logo, essa factualidade foi considerada de forma manifestamente evidente, o que é coisa bem diversa da discordância, pelo recorrente, da pena concretamente fixada. 2.2. Indagar se a pena deveria ter sido especialmente atenuada, nos termos do artº 72º, n.º 1, e n.º 2 al. c) do C. Penal, atenta a alegada diminuição da capacidade do recorrente de se determinar de harmonia com a norma, uma vez que agiu sob o efeito do álcool e da droga. Em primeiro lugar, não se entende a alusão à al. c) do nº 2 do artº 72º do CP que permite a atenuação especial da pena se tiver havido atos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe é possível, dos danos causados, circunstância que os autos não evidenciam ter sucedido. Ainda assim, uma coisa é agir com álcool no sangue ou com produtos estupefacientes no organismo, outra – distinta – é, na decorrência desses consumos, não ter capacidade de determinação. Ora, não só o recorrente não foi considerado inimputável ou sequer portador de capacidade diminuída ou de ter sido acometido por incapacidade acidental, como – evidentemente – o facto de alguém consumir esses produtos e de, depois, praticar crimes, não diminui, sem mais, por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena (cfr. artº 72º, nº 1, do CP). Nem se vê, refira-se, que exista no caso em apreço qualquer outra circunstância suscetível de alicerçar uma atenuação especial da pena. Sobre a atenuação especial da pena, convoca-se aqui o acórdão desta 5ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa de 02.03.2021, processo 1198/20.7SILSB.L1-5, relator Artur Vargues: «Sustenta ainda o recorrente que deveria beneficiar da atenuação especial da pena, dada a confissão dos factos imputados, o arrependimento e interiorização do desvalor da conduta delituosa, bem assim a inserção social, profissional e familiar. De acordo com o estabelecido no nº 1, do artigo 72,º do Código Penal, o tribunal atenua especialmente a pena (abstracta, entenda-se) para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena. O nº 2 do mesmo enuncia, de forma exemplificativa, algumas circunstâncias que podem ser consideradas para efeito da aplicação do instituto, quais sejam: a) Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência; b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida; c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados; d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta. Pressuposto material da atenuação da pena é a acentuada diminuição da ilicitude, da culpa ou das exigências de prevenção. Ao exigir uma “diminuição acentuada”, pretendeu o legislador “assegurar uma válvula de escape para as situações em que se tenha reunido um importante conjunto de circunstâncias atenuantes, em face das quais, a imagem global da actuação do arguido se não coadunasse nada, com as hipóteses em que o legislador pensou, quando estatuiu a moldura normal para o caso” – cfr. Ac. do STJ de 05/03/2009, Proc. nº 08P4133, disponível em www.dgsi.pt. Entendimento, aliás, já veiculado no Acórdão do mesmo Tribunal de 25/10/2006, Proc. nº 05P3635, segundo o qual “a diminuição da culpa ou das exigências da prevenção só poderá «considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da actuação da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo. Por isso, tem plena razão a nossa jurisprudência - e a doutrina que a segue - quando insiste em que a atenuação especial só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar; para a generalidade dos casos, para os casos ‘normais’, lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios» (Figueiredo Dias, As consequências Jurídicas do Crime, págs. 192, 302, 306)”. Ora, no caso sub judice, estamos perante a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, averbando o recorrente, entre o mais, uma condenação anterior pela prática do mesmo tipo criminal (transitada em julgado em 13/05/2016) e outra resultante da sua recusa à realização do teste de alcoolemia. Pese embora tenha assumido o comportamento imputado e que provado se encontra (confessou integralmente e sem reservas os factos de que estava acusado), como já se disse, a confissão escassa ou nenhuma relevância teve para a descoberta da verdade, não estando também demonstrada a interiorização do desvalor da sua conduta delituosa. Na verdade, a confissão, só por si, não tem este mérito, nem significa arrependimento, pois, como se explicita no Ac. do STJ de 21/06/2007, Proc. n.º 07P2042, consultável no sítio referenciado, “há arrependimento relevante quando o arguido mostre ter feito reflexão positiva sobre os factos ilícitos cometidos e propósito firme de, no futuro, inflectir na sua conduta anti-social, de modo a poder concluir-se pela probabilidade séria de não recair no crime. O arrependimento é um acto interior revelador de uma personalidade que rejeita o mal praticado e que permite um juízo de confiança no comportamento futuro do agente por forma a que, se vierem a deparar-se-lhe situações idênticas, não voltará a delinquir. Revela uma reinserção social, consumada ou prestes a consumar-se, pelo que as exigências de prevenção, na determinação da medida judicial da pena, são de diminuta relevância.” Destarte, não se vislumbra motivo algum significativo que espelhe uma ilicitude mitigada, uma diminuição de culpa ou uma diminuição das necessidades de prevenção». Reiterando o que acima já se expendeu, na ausência de qualquer circunstância suscetível de alicerçar uma atenuação especial da pena, não assiste razão ao recorrente. 2.3. Da correção da medida concreta da pena Alega o recorrente que a medida concreta da pena aplicada é desproporcionada na medida em que a pena parcelar referente aos factos praticados na pessoa do menor CC é exagerada, sendo duvidoso que haja dolo direto. Em primeiro lugar, daqui se retira que o recorrente apenas se insurge contra a pena parcelar aplicada pelo crime de violência doméstica praticado na pessoa do menor CC, podendo admitir-se (ainda que não seja inteiramente claro), na sua decorrência lógica, que também questiona a pena única. Certo é que nada refere quanto às penas parcelares aplicadas aos crimes de que foram vítimas a assistente BB e DD. Por isso, conformou-se com as mesmas. Liminarmente se consigna que o tribunal de recurso apenas deverá intervir alterando a medida das penas em casos de manifesta desproporcionalidade na sua fixação ou quando os critérios de determinação da pena concreta imponham a sua correção, atentos os parâmetros da culpa e da prevenção em face das circunstâncias do caso (neste sentido, vide Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 197 e, entre muitos, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04.12.2024, processo n.º 2103/22.1T9LSB.S1, relator Jorge Raposo. Ora, o recorrente foi condenado nas seguintes penas pela prática dos seguintes crimes: - em autoria material, na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea b), e nº 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, na pessoa de BB; - em autoria material, na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea e), e nº 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, na pessoa de CC; - em autoria material, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão, na pessoa de DD. Em cúmulo jurídico, foi o recorrente condenado na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva No que concerne à pena parcelar aplicada pelo crime praticado na pessoa do menor CC, o recorrente alega ser duvidoso que haja dolo direto. Ora, o acórdão é claro quando refere, na escolha da pena, que “O arguido agiu com dolo (direto quanto à assistente e, pelo menos, eventual, quanto a CC”. E fá-lo em coerência designadamente com o facto provado sob o ponto 44 (“Ao agir da forma descrita, na presença do filho CC, ciente da idade do mesmo, sabia o arguido que lhe provocava sentimentos de angústia, perturbando o seu saudável crescimento psíquico e emocional, com isso se conformando”). Do princípio da dignidade da pessoa humana, de que decorre o princípio da culpa (patente nos arts. 1º, 13º, nº 1, e 25º, nº 1, da CRP), conjugado com o art. 18º, nº 2, do texto constitucional, resulta que apenas razões de prevenção geral (i. e., integração e reforço da consciência jurídica comunitária e do sentimento de segurança face à violação normativa) podem justificar o desencadear de reações criminais. Por seu turno, há que fazer igualmente apelo a critérios de prevenção especial, i. e., de integração social ou socialização, também eles decorrendo da ideia de Estado de Direito material. Destas considerações deriva que, para a determinação da medida concreta da pena, se tenham em conta, dentro dos limites abstratos definidos na lei, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, fixando-se o limite máximo daquelas de acordo com a culpa deste; o limite mínimo, de acordo com as exigências de prevenção geral; e a pena a aplicar, dentro da moldura penal assim conseguida, de acordo com as exigências de prevenção especial que ao caso convenham (art. 71º, ns. 1 e 2, do CP). Assim, no caso em apreço, na pena a aplicar a um arguido devem ser tidos em em conta os critérios determinativos constantes dos arts. 70º e 71º do CP, designadamente o grau de intensidade do ilícito penal praticado, considerando-se a respetiva natureza e o dolo do arguido, bem como as descritas consequências que do seu ato resultaram para a vítima. Isto é, entre o limite mínimo de garantia da prevenção e máximo da culpa do agente, a pena é determinada em concreto por todos os fatores do caso, previstos nomeadamente no nº 2 do art.º 71º do C.P, que relevem para a adequar tanto quanto possível à ilicitude da ação e culpa do agente. Os critérios que nortearam a determinação da pena concreta foram exaustivamente explicitados pelo Tribunal recorrido nos pontos i) a vi) acima transcritos. A factualidade que sustenta esses critérios, aferida em concreto, não foi impugnada. O recurso é, assumidamente, de direito (cfr. parte final do requerimento de interposição do recurso). Ao crime de violência doméstica previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea e), e nº 2, alínea a), do Código Penal, corresponde uma moldura penal abstrata de prisão de 2 a 5 anos. Considerando a extensão do tempo em que o menor CC presenciou os factos praticados na pessoa da sua mãe, e ponderando os factos que o atingiram diretamente (episódio da porta), não se vê qualquer desproporcionalidade na fixação da pena concreta em 2 anos e 6 meses de prisão, próxima, aliás, do limite mínimo. No que concerne à pena única, para a sua fixação relevam os factos e a personalidade do arguido (art. 77º do CP). A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicáveis e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas, sem poder porém exceder 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias, se estivermos perante pena de multa; se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos para a punição do concurso (referido artigo 77º). No caso concreto, o limite mínimo é de 3 anos e 6 meses de prisão e o limite máximo de 6 anos e 8 meses de prisão, como acertadamente se considerou no acórdão recorrido. Neste particular, esclareceu ainda o acórdão recorrido que, “Ponderando globalmente as circunstâncias atinentes aos crimes em causa, monta em especial serem três as vítimas dos crimes praticados e a coincidência em parte dos bens jurídicos violados, e o que isso reflete da personalidade desvaliosa do arguido mas, por outro lado, a circunstância de resultar que têm por base atuações conexas e que se desenrolaram em moldes temporais e geograficamente próximos, sendo que o arguido não regista antecedentes criminais”. E, tudo ponderado, a pena única de prisão, a que se chegou – de 4 anos e 6 meses de prisão – não se afigura desproporcionada nem exagerada, mostrando-se adequada, fixada em cerca de um terço no quantum existente entre o limite mínimo e o limite máximo. Não se veem, assim, razões atendíveis que imponham a correção das penas. 2.4. Fixação da pena em medida não superior a dois anos de prisão e possibilidade de a mesma ser cumprida em regime de permanência na habitação, sujeita ao cumprimento de regras de conduta, suscetíveis de fiscalização pelos serviços de reinserção social, facultando-se ao recorrente sair da habitação para exercer a sua atividade profissional Dos parágrafos imediatamente antecedentes resulta que a pena (única) não foi nem é agora fixada abaixo dos dois anos de prisão. Essa constatação torna desnecessária a análise do requerido cumprimento em regime de permanência na habitação, uma vez que o artigo 43º do CP exige, para a ponderação da sua aplicação, a fixação de pena de prisão em medida não superior a dois anos. 2.5. Da suspensão da execução da pena única de prisão A defesa do recorrente defende, subsidiariamente, que a pena deve ser suspensa na sua execução, acompanhada de regime de prova, nomeadamente sujeitando-o a tratamento médico ou cura em instituição adequada (atenta a prova de que o arguido sofre de adição alcoólica e é toxicodependente), obtido que seja o consentimento prévio daquele. Admite ainda a aplicação de meios de vigilância eletrónica. De acordo com o art. 50º, nº 1, do CP, o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. O Tribunal deve decidir no sentido da suspensão da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos, sempre que seja possível fazer um juízo de prognose favorável acerca do comportamento futuro do arguido, com base na sua personalidade, nas condições de vida, na conduta que manifestou antes e após o crime, bem como as circunstâncias deste, assente na expectativa fundada de que a censura do facto e a ameaça da pena de prisão venham a ser suficientes para cumprir as finalidades da punição, isto é, que o arguido não volte a delinquir. Conforme se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.05.2009 (processo n.º 19/08.3PSPRT, relator Raúl Borges, disponível em www.dgsi.pt), a suspensão da execução da pena de prisão constitui “uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, tendo na sua base uma prognose social favorável ao arguido: a esperança fundada – e não uma certeza – de que a socialização em liberdade será possível, que o arguido sentirá a sua condenação como uma advertência solene e que, em função desta, não sucumbirá, não cometerá outro crime no futuro, que saberá compreender, e aceitará, a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, pautando a conduta posterior no sentido da fidelização ao direito. (…) Para aplicação da pena em causa necessário se torna que o julgador se convença que o facto cometido não está de acordo com a personalidade do arguido e que foi caso acidental, esporádico, ocasional na sua vida e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de condutas delitivas e ainda que a pena de substituição não coloca em causa de forma irremediável a necessária tutela dos bens jurídicos”. No caso em análise, o Tribunal de primeira instância entendeu que a ameaça da pena de prisão não bastaria para afastar o arguido da prática de novos crimes, pelo que decidiu não suspender a execução da pena. Fê-lo com a seguinte argumentação: «Ora, muito embora o arguido não registe quaisquer antecedentes criminais, temos que as exigências de prevenção que o caso requer, nomeadamente geral, vão além do patamar a partir do qual a reafirmação do valor das regras violadas constitui um obstáculo à suspensão da pena, que assim sairiam goradas. Ademais, quanto às exigências de prevenção especial, crê-se, de facto, que o arguido, para além de revelar, ainda ao presente momento, muito pouca crítica para os comportamentos que adotou, faz denotar uma personalidade deveras avessa ao cumprimento das regras, com espelho naquele que foi o seu comportamento subsequentemente à primeira intervenção judicial no caso, quando desrespeitou a proibição de contactar com a assistente, voltando a perpetrar contra a mesma agressões físicas, que também praticou contra a mãe desta, tudo isso na presença dos filhos menores, que a isso assistiram. E, a isso acresce, ter destruiu em grande parte a habitação onde tinha coabitado e tinha obrigação de abandonar, o que veio a demandar uma segunda intervenção judicial e que conduziu à sua prisão preventiva. Tudo conjugado, torna-se inviável concluir que a simples censura e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que o cumprimento da pena será efetivo, por só dessa forma ser expectável que, pela respetiva extensão e impacto pessoal da pena, o arguido possa vir a trilhar um caminho de evolução em relação à interiorização do desvalor e consequências das condutas que praticou, o que assume particular acuidade dentro da criminalidade aqui visada». É certo que o arguido admitiu parte dos factos provados, como se extrai da justificação da convicção do Tribunal recorrido. Também é certo que, como se extrai dos factos 62 e seguintes: em meio prisional o arguido tem revelado uma postura adaptada e colaborante, consentâneo com as normas institucionais, sem registar quaisquer sanções disciplinares; encontra-se a trabalhar na … desde ........2024; participa nas reuniões promovidas periodicamente pelos Narcóticos Anónimos e Alcoólicos Anónimos e pontualmente vai à consulta de psicologia; do ponto de vista familiar, continua a beneficiar de apoio por parte da irmã e sobrinha, disponibilizando-se a primeira para receber o arguido na sua habitação, em ...; e, uma vez restituído à liberdade, o arguido perspetiva ir viver para junto da irmã, em ..., a qual se mostra disponível para o acolhimento, onde poderá trabalhar na agricultura. Aqui chegados, não há dúvidas de que a violência doméstica é um fenómeno social muito grave, que põe fortemente em causa a dignidade inerente à condição humana. É um sério problema da nossa sociedade, que destrói vidas, e que aumenta todos os anos. O Direito Penal deve dar a este flagelo social uma reposta veemente, ao nível da prevenção, combate e repressão. No caso ora em análise, os factos praticados pelo arguido são globalmente muito graves. Já depois da ocorrência dos factos praticados na pessoa da assistente e do menor, impressiona o episódio ocorrido em ........2023, no qual o recorrente, na via pública, aperta o pescoço da assistente BB e corta-o. Pese embora a assistente tenha caído ao chão, ainda lhe desfere murros pelo corpo e atira a cabeça dela contra o solo, tendo, com um isqueiro, tentado pegar fogo na face e no cabelo da vítima. Apenas cessa a sua conduta atenta a passagem pelo local de um transeunte, que evidentemente o poderia surpreender e até diligenciar pela sua detenção. Dessa conduta do recorrente resultaram lesões significativas para a assistente BB, que demandaram assistência hospitalar, e que foram causa de um período de doença de 14 dias, com 7 dias de afetação da capacidade de trabalho geral e profissional e em condições normais, ainda que sem consequências permanentes. Quanto à sua personalidade, todo o seu descrito comportamento faz evidenciar uma personalidade assaz conflituosa, com manifesta dificuldade em agir de acordo com as regras de uma sã vivência em sociedade e em respeitar a pessoa do próximo, mesmo depois de, nestes autos, lhe terem sido aplicadas medidas coativas não privativas da liberdade. Na verdade, a ameaça da prisão (no caso preventiva), inerente às medidas de coação de proibição de contactar BB e de não comparecer na habitação, aplicadas em 23.08.2024, não o demoveu de continuar a praticar atos de natureza penal idêntica. Por isso, em 07.10.2023, foi aplicada ao recorrente a medida de coação mais grave – a prisão preventiva. A isso acresce o consumo de álcool e de haxixe. Mesmo em julgamento, ao prestar declarações, e como se lê no acórdão recorrido, o recorrente demonstrou “notória atitude de menorização e desculpabilização dos seus comportamentos (em que se reputou como vítima, mas que nenhum sustentáculo mereceu)”. O recorrente apenas tem adequado comportamento em meio prisional e é aí que, ainda que pontualmente, frequenta as consultas de psicologia e participa nas reuniões promovidas periodicamente pelos Narcóticos Anónimos e Alcoólicos Anónimos. Mas, convenhamos, mal seria se, no estabelecimento prisional, o recorrente não melhorasse um pouco a sua conduta e não fizesse pela vida, aceitando alguma da ajuda que lhe é disponibilizada. Tirando isso, nada na personalidade do recorrente permite validamente supor que a ameaça da prisão evitará a repetição de condutas delitivas. O arguido nem sequer demonstrou arrependimento ou qualquer ato de contrição pelo seu comportamento, pedindo desculpas às vítimas ou tentando reparar os danos na medida em que tal lhe era possível. São, em síntese, elevadas as exigências de prevenção especial, que, aliadas às fortes exigências de prevenção geral, obstam à suspensão da execução da pena de prisão. O recurso também improcede neste segmento. * Daqui resulta a improcedência do recurso interposto pelo arguido. DECISÃO Nestes termos, e face ao exposto, acordam os juízes desembargadores deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar não provido o recurso interposto pelo arguido AA, confirmando assim o acórdão recorrido. Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 4 Ucs – artigos 513.º e 514.º, ambos do Código de Processo Penal e artigo 8.º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, por remissão para a tabela III ao mesmo anexa. Notifique e comunique de imediato este acórdão à primeira instância. O presente acórdão foi integralmente processado a computador e revisto pela signatária relatora, seguindo-se a nova ortografia excetuando na parte em que se transcreveu texto que não a acolheu, estando as assinaturas de todos os Juízes apostas eletronicamente – art. 94º, nº 2, do CPP. Lisboa, 18 de fevereiro de 2025 Ana Cristina Cardoso Sandra Oliveira Pinto Alexandra Veiga |