Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9443/19.5T8LRS.L1-4
Relator: ALBERTINA PEREIRA
Descritores: DESPEDIMENTO
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
RATIFICAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I– O poder disciplinar caracteriza-se por ser um poder subjetivo do empregador, que se reconduz à categoria de direito potestativo, traduzindo-se para o trabalhador numa posição de sujeição face às alterações que o exercício de tal poder implicam na sua esfera jurídica.

II– Embora seja um poder exclusivo do empregador, o mesmo pode ser exercido diretamente pelo empregador ou por superior hierárquico do trabalhador, nos termos estabelecidos por aquele (art.º 329.º n.º 4 do Código do Trabalho), sendo também comum serem advogados a tramitar os procedimentos disciplinares e a decidir da aplicação de sanções, desde que munidos dos necessários poderes de representação.

III– Não configura uma situação de representação sem poderes (art.º 268.º do Código Civil); de gestão de negócios (artigos 471.º e 472.º n.º 1, do mesmo diploma) ou compaginável às regras do mandato sem representação (artigos 1180º e 1181.º, também do Código Civil), o caso, como o presente, em que a 1.ª Ré, que não é empregadora do Autor, mas agindo como se o fosse, em seu próprio nome e no seu interesse, elabora o procedimento disciplinar e profere decisão de despedimento do trabalhador em questão. Com efeito,

IV– Ao longo de todo procedimento disciplinar a 1.ª Ré sempre se arrogou como empregadora do Autor, que sempre apelidou de “seu trabalhador, posição esta que até corroborou no início dos presentes autos na medida em que se apresentou na audiência de partes, na qualidade de entidade empregadora do Autor, nada tendo invocado em sentido contrário.

V– Para além disso, não decorre da factualidade provada, que os atos praticados pela 1.ª Ré, se destinavam à esfera jurídica da 2.ª Ré, nem que a intervenção daquela tenha sido intencionalmente realizada em proveito desta.

VI– Tendo a dita 1.ª Ré agido em seu próprio nome, adquiriu a mesma os direitos e as obrigações decorrentes dos atos que praticou, pelo que deveria a mesma ter procedido à sua transferência para a 2.ª Ré, o que se não provou.

VII– Nesse contexto, a “ratificação” do negócio, levada a cabo pela 2.ª Ré, no sentido de fazer seus os atos praticados pela 1.ª Ré, não tem como consequência tornar eficaz relativamente a si o procedimento disciplinar e o despedimento perpetrados pela 1.ª Ré na pessoa do Autor.

VIII– O despedimento traduz-se numa manifestação de vontade da entidade empregadora, por escrito, direcionada ao trabalhador no sentido inequívoco de lhe comunicar a cessação do contrato que os ligava, o que consubstancia um negócio jurídico, unilateral e recipiendo, que se considera perfeito e eficaz, uma vez comunicada ao destinatário tal manifestação de vontade.

IX– Na presente situação, a declaração da 2.ª Ré, a “ratificar” os atos praticados pela 1.ª, que o Autor recebeu, traduz inequivocamente a manifestação de vontade daquela de fazer cessar o contrato de trabalho com o trabalhador, pelo que não tendo o despedimento sido antecedido do respetivo procedimento disciplinar é o mesmo de qualificar como ilícito nos termos do art.º 381.º, alínea c) do Código do Trabalho.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa



1.–Relatório:


1.1.–AAA interpôs a presente ação de impugnação judicial de regularidade e licitude do despedimento contra “BBB o que fez mediante o competente formulário apresentado em 02-10-2019.

Citada a Ré, teve lugar a audiência de partes, não tendo sido alcançado qualquer acordo.

No dia 04-11-2019, a Ré BBB apresentou o articulado motivador do despedimento, no qual, para além do mais, alega que nunca chegou a ser a entidade patronal do autor, pois essa era a “CCC.”. Admitiu que a documentação constante dos autos de procedimento disciplinar faz alusão à “BBB”, mas atribui tal facto à convicção criada no seu departamento interno responsável pelo procedimento disciplinar de que o autor havia sido transferido para si, quando o não tinha. No seu entendimento, tal lapso ficou sanado com a “ratificação de todo o processado dos autos de procedimento disciplinar” feita em 04-10-2019 pela CCC”, que “assumiu todos os efeitos jurídicos produzidos nos referidos autos”.

A 27-11-2019, o mesmo trabalhador apresentou formulário de impugnação do despedimento  contra a CCC.

Tal formulário deu origem ao proc. 11579/19.3T8LRS, tendo sido ordenado por despacho a sua apensação a estes autos.

Foi designada audiência prévia com a finalidade, além de outras, de, caso não fosse possível alcançar uma solução consensual, “…ponderar e conceder às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre uma decisão de mérito que parta destas premissas: o procedimento disciplinar foi promovido por quem não era entidade empregadora e quem era entidade empregadora não promoveu qualquer processo disciplinar.”

A  Ré BBB  respondeu à reconvenção apresentada pelo Autor.

Foi designada audiência de partes para que nela interviesse a CCC onde tão pouco se logrou acordo.

Foi apresentado o Articulado Motivador do Despedimento por parte da CCC,  onde esta refere ser a entidade empregadora do Autor e  volta dizer ter em 04-10-2019, ratificado o procedimento disciplinar deduzido contra o Autor. Mais invoca a exceção da caducidade do direito de intentar a ação de impugnação da licitude e regularidade do despedimento e conclui pela regularidade e licitude do procedimento disciplinar que juntou.

O Autor apresentou contestação-reconvenção. Negou a caducidade do direito de ação e invocou a aplicação da lei portuguesa ao seu contrato de trabalho. Reiterou que não foi despedido pela sua entidade empregadora, o que não é sanável através de uma ratificação dos autos do procedimento disciplinar, pois o que efetivamente aconteceu foi que quem exerceu o poder disciplinar não era detentor desse poder. Impugnou os factos alegados para fundamentar o despedimento, pugnando pela ilicitude do mesmo, pedindo a sua a reintegração, o pagamento dos salários intercalares, e de uma indemnização por danos não patrimoniais, bem como dos créditos laborais decorrentes tanto da cessação, como da vigência do contrato de trabalho.

A Ré CCC apresentou resposta à reconvenção, impugnando os factos alegados pelo trabalhador reconvinte. Concluiu pela licitude do despedimento.

Realizou-se a audiência prévia, tendo o Mmo. Juiz comunicado às partes que, no seu entendimento, o processo já reunia todos os elementos necessários para que fosse proferida decisão sobre o objeto do litígio, na parte relativa à apreciação da ilicitude do despedimento.

As partes requereram a suspensão da instância por 20 dias com a vista à conclusão de acordo, o que não veio a ocorrer.

Foi proferida decisão. Nela se finalizou com o seguinte dispositivo:

IV–Decisão parcial sobre o mérito
Pelo exposto, julgo improcedente a exceção perentória da caducidade do direito do autor de impugnar o despedimento e procedente a ação, na parte relativa à apreciação da licitude do despedimento e consequências legais da ilicitude. Na parte restante, para apreciação da reconvenção deduzida contra a “CCC” e eventual liquidação dos valores dos salários intercalares devidos pela empregadora e pelo Estado, o processo prosseguirá os seus termos.
Assim,
a.- Declaro a ilicitude do despedimento do autor ocorrido em 27-09-2019;
b.- Condeno a ré “CCC.” a reintegrar o autor, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
c.- Condeno a ré “CCC.”, sem prejuízo da quantia que caberá ao Estado, nos termos do art.º 98.º-N do CPT, a pagar ao autor todas as retribuições que ele deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado desta decisão ou outra que a confirme, sobre as quais incidirão juros de mora à taxa legal a contar do trânsito em julgado até integral pagamento, deduzidas as quantias recebidas pelo autor no mesmo período a título de remunerações e/ou subsídio de desemprego, em montante que vier a ser liquidado;
d.- Absolvo a ré “BBB” dos pedidos;
e.- Custas por autor e ré “CCC”, em conformidade com os seus decaimentos e na proporção que será fixada a final. 

1.2.–Inconformada com esta decisão dela recorre a Ré, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
A)–O presente Recurso vem interposto do douto Despacho Saneador de fls..., que concluiu pela ilicitude do procedimento com justa causa do A., aqui Recorrido, considerando o Mmo. Juiz a quo que: “A conclusão a que chegamos só pode ser, então, a de que quem exerceu o poder disciplinar e despediu o trabalhador não era a sua entidade empregadora e que a sua entidade empregadora despediu-o posteriormente, sem que tal despedimento tivesse sido precedido de um procedimento disciplinar promovido por ela.”
B)–Por não se conformar com esta decisão a Recorrente interpôs Recurso, pois, entende que o Tribunal a quo desconsiderou relevantes elementos probatórios constantes do processo e faz uma análise errada dos seus vários elementos, não tendo procedido a uma leitura integrada dos mesmos, traduzindo-se numa decisão parcial de mérito “desligada” da realidade material que subjaz ao caso destes autos, resultando numa errada interpretação e aplicação da lei.
C)–A questão fundamental a tratar está, portanto, em saber se o despedimento do Recorrido foi ou não precedido de procedimento disciplinar pela Recorrente, enquanto sua real entidade empregadora.
D)–A questão fundamental a tratar está, portanto, em saber se o despedimento do Recorrido foi ou não precedido de procedimento disciplinar pela Recorrente, enquanto sua real entidade empregadora e se, em caso afirmativo, deve ou não operar a exceção perentória de caducidade do direito do Recorrido de impugnação judicial do despedimento com justa causa promovido pela Recorrente.
E)–No âmbito da presente ação não se realizou audiência de julgamento, por considerar o douto Tribunal a quo estar na posse de todos os elementos necessários à prolação de decisão.
F)–Na apreciação da licitude do despedimento justa causa do Recorrido - e atendendo à matéria de facto considerada provada, sem se debruçar sobre o grau de culpabilidade e censura da conduta do Recorrido - o Tribunal a quo julgou o mesmo ilícito por entender que quem exerceu o poder disciplinar foi uma sociedade que não era a sua entidade empregadora e que a Recorrente acabou por despedi-lo sem procedimento disciplinar prévio. 
G)–Salvo o devido respeito, uma análise atenta e cuidada da matéria de facto, bem assim dos documentos juntos aos autos, permitiria concluir por decisão diversa.
H)–Em 01/04/2011 o Recorrido iniciou funções na …., que é uma agência de trabalho temporário constituída ao abrigo e nos termos da lei irlandesa e operava em Portugal, sendo que a atividade dessa empresa, em 01/04/2019, foi transmitida e assumida pela Recorrente em território nacional (cfr. pontos i) a iii) da matéria de facto provada).
I)–Para o efeito, e para facilitar a gestão da atividade desenvolvida em Portugal, a Recorrente constituiu a BBB., tendo informado o Recorrido que também a 01/04/2019, o seu contrato de trabalho, entretanto transmitido para a Recorrente, seria, novamente, transferido para essa sociedade de direito português.
K)–O Tribunal a quo considerou este ponto na sua decisão, até porque o próprio Recorrido assim o reconheceu no art.º 22.º da sua Contestação à Articulado Motivador do Despedimento da Recorrente. 
L)–Formal e materialmente era a Recorrente a única e real entidade empregadora do Recorrido, pois, de entre outros aspetos, era esta que constava dos recibos de vencimento, dos registos da segurança social portuguesa como entidade empregadora do Recorrido, e que eram os mesmos interlocutores da Recorrente que interagiam com o mesmo em diversos aspetos administrativos da sua relação laboral. 
M)–A conclusão de que o Recorrido nunca desempenhou funções sob a autoridade, direção e fiscalização da BBB (cfr. ponto iv) da matéria de facto provada), que permaneceu sem qualquer estrutura operativa por falta da referida licença, é correta (apesar de implícita na Decisão ora em crise).
N)–O Tribunal a quo deu como provado, nos pontos vii) a xiv) da matéria de facto provada, que o despedimento do Recorrido foi precedido de procedimento disciplinar nos termos da lei portuguesa (aplicável à data do exercício do poder disciplinar). 
O)–Contudo, pelo facto de toda a respetiva documentação fazer alusão à BBB (cfr. ponto xvi) da matéria de facto provada), e sem prejuízo da ratificação pela Recorrente e de ter dado a conhecer ao trabalhador (cfr. pontos xviii) e xix) da matéria de facto provada), o Tribunal a quo entendeu que, em síntese, o procedimento disciplinar foi promovido por uma entidade diferente (BBB) do empregador do Recorrido (a Recorrente, CCC) e os atos de retificação e ratificação não têm amparo legal.
P)–Em face do que antecede, entende a Recorrente que o Tribunal a quo fez uma leitura e interpretação superficial dos factos, e terá ignorado outros que são de conhecimento público, e, por conseguinte, aplicou erradamente a lei ao caso.
Q)Em síntese, entende a Recorrente que:
(i)-O exercício do poder disciplinar pode ser realizado por entidade terceira;
(ii)-Apesar de a documentação fazer alusão à BBB, por conta de um erro do departamento interno da Recorrente, na verdade, em termos materiais tudo se passou na esfera jurídica desta última, existindo mecanismos legais que permitem sanar o sucedido sem prejuízo dos direitos de terceiros, pelo que, não ficou inutilizado o procedimento disciplinar movido contra o Recorrido;
J)–Contudo, tal não sucedeu por atrasos no processo de emissão da licença necessária para que a referida empresa portuguesa pudesse desenvolver a atividade de agência de trabalho temporário em Portugal, razão pela qual o contrato do Recorrido se manteve na esfera da Recorrente.
K)–O Tribunal a quo considerou este ponto na sua decisão, até porque o próprio Recorrido assim o reconheceu no art.º 22.º da sua Contestação à Articulado Motivador do Despedimento da Recorrente. 
L)–Formal e materialmente era a Recorrente a única e real entidade empregadora do Recorrido, pois, de entre outros aspetos, era esta que constava dos recibos de vencimento, dos registos da segurança social portuguesa como entidade empregadora do Recorrido, e que eram os mesmos interlocutores da Recorrente que interagiam com o mesmo em diversos aspetos administrativos da sua relação laboral. 
M)–A conclusão de que o Recorrido nunca desempenhou funções sob a autoridade, direção e fiscalização da BBB (cfr. ponto iv) da matéria de facto provada), que permaneceu sem qualquer estrutura operativa por falta da referida licença, é correta (apesar de implícita na Decisão ora em crise).
N)–O Tribunal a quo deu como provado, nos pontos vii) a xiv) da matéria de facto provada, que o despedimento do Recorrido foi precedido de procedimento disciplinar nos termos da lei portuguesa (aplicável à data do exercício do poder disciplinar). 
O)–Contudo, pelo facto de toda a respetiva documentação fazer alusão à BBB (cfr. ponto xvi) da matéria de facto provada), e sem prejuízo da ratificação pela Recorrente e de ter dado a conhecer ao trabalhador (cfr. pontos xviii) e xix) da matéria de facto provada), o Tribunal a quo entendeu que, em síntese, o procedimento disciplinar foi promovido por uma entidade diferente (BBB) do empregador do Recorrido (a Recorrente, CCC) e os atos de retificação e ratificação não têm amparo legal.
P)–Em face do que antecede, entende a Recorrente que o Tribunal a quo fez uma leitura e interpretação superficial dos factos, e terá ignorado outros que são de conhecimento público, e, por conseguinte, aplicou erradamente a lei ao caso.
Q)–Em síntese, entende a Recorrente que:
(i)-O exercício do poder disciplinar pode ser realizado por entidade terceira;
(ii)- Apesar de a documentação fazer alusão à BBB, por conta de um erro do departamento interno da Recorrente, na verdade, em termos materiais tudo se passou na esfera jurídica desta última, existindo mecanismos legais que permitem sanar o sucedido sem prejuízo dos direitos de terceiros, pelo que, não ficou inutilizado o procedimento disciplinar movido contra o Recorrido;
(iii)-Tendo a mesma ratificado e avocado a si todos os efeitos e consequências do procedimento disciplinar, então, a invalidade que feria esse procedimento ficou sanada reportando-se os seus efeitos a 27/09/2019, razão pela qual o direito de o Recorrido impugnar o despedimento caducou por ter dado entrada da competente ação judicial 61 dias depois da data de comunicação do seu despedimento.
R)–É um facto que, pela documentação do procedimento disciplinar, aparenta que a Recorrente não foi quem iniciou, instruiu e decidiu o procedimento disciplinar do Recorrido. Porém, existem diversos elementos úteis, relevantes e aptos a apurar a verdade material do caso e que não foram considerados pelo Tribunal a quo.
S)–O primeiro elemento a ter em conta é o de que, tal como resulta da matéria dada como provada e até confirmado pelo Recorrido, foi sempre a Recorrente a verdadeira e única entidade empregadora do trabalhador, a qual, até à data de despedimento do trabalhador, sempre atuou como tal: entre outros aspetos, pagando mensalmente salários, gerindo o pagamento de contribuições para a segurança social estando aí registada como empregadora do Recorrido, bem como gerindo a relação laboral do trabalhador.
T)–O que se percebe tendo em conta as afirmações do trabalhador e os atrasos na conclusão do processo de licenciamento da BBB como agência de trabalho temporário; por isso, a transferência do contrato de trabalho do Recorrido para essa empresa não ocorreu, tendo permanecido sob a autoridade e direção da Recorrente.
U)–O segundo elemento a ter em conta, que é do conhecimento público e acessível em termos oficiosos, é o de que foi a Recorrente que constituiu a BBB, sendo atual sócia única, como se pode ver nos registos comerciais online através do NIPC da BBB que é o …. Isto evidencia que a Recorrente, até que o referido licenciamento se mostrasse concluído, permanecia a prestar atividade em Portugal com os recursos humanos aqui alocados, tendo contacto direto com a situação da BBB. 
V)–Outro elemento a ter em conta é o de que os interlocutores que conduziram o procedimento disciplinar do Recorrido, que são as senhoras ... e …, apesar de terem assinado documentos com a identificação da BBB, são, e sempre foram, trabalhadoras da Recorrente. 
W)–As mesmas nunca foram destinatárias de comunicação de passagem para a BBB pois, exercem, e assim continuarão a exercer, funções nos escritórios da Recorrente sitos na Irlanda, a partir de onde se coordena e/ou gere as diversas relações laborais existentes em cada jurisdição europeia onde a Recorrente exerce a sua atividade. A título de exemplo, pode-se verificar que, na documentação do procedimento disciplinar junta aos autos, os seus endereços de e-mail têm o domínio … e não …. 
X)–Além de que importa sublinhar que o Recorrido reconheceu, sem questionar, a identidade e autoridade das referidas trabalhadoras e da sua pertença à Recorrente. Tanto assim foi que o próprio trabalhador se defendeu no processo disciplinar, chegou a comparecer a reuniões disciplinares nos escritórios da Recorrente na Irlanda, e, apesar de não se conformar com o seu despedimento, nunca mais compareceu ao trabalho, tendo impugnado judicialmente a decisão de despedimento contra a BBB e contra a Recorrente.
Y)–Por isto se pode entender que apenas por mera aparência documental é que o procedimento disciplinar do Recorrido foi executado por uma entidade que não a sua entidade empregadora real, pois, em termos materiais, tudo foi desenvolvido pela Recorrente, mormente por trabalhadores desta última.
Z)–Em 04.10.2019, quando a Recorrente comunicou ao Recorrido a retificação do sucedido e ratificação do processado fê-lo para isentar de dúvidas que o exercício do poder disciplinar partiu de si e sempre foi essa a sua vontade, isto apesar de, em termos documentais, constar a identificação da BBB e por conta de se apercebido que ainda não estava concluído o processo de obtenção de licença para que aquela última pudesse operar.
AA)– Esta análise detalhada dos factos carreados para o processo e aí dados como provados são do maior relevo para o processo de tomada de decisão, verificando-se que é com um elevado grau de verosimilhança que a Recorrente sempre acompanhou a situação do Recorrido.
BB)–Em todo o caso, e perante este mesmíssimo quadro factual, diga-se que o mesmo é útil para o enquadramento legal da situação, sobretudo para confirmar entendimento contrário ao proferido pelo Tribunal a quo assim não entendeu.
CC)–O Tribunal a quo concluiu que a “retificação e ratificação do processado” não têm qualquer amparo legal, dado que, no seu entendimento, o procedimento disciplinar só pode ser conduzido pelo próprio empregador ou através de instrutor, mas a decisão sobre o destino desse procedimento só pode ser do empregador, não podendo ser delegável em entidades terceiras.
DD)–Mais entendeu que quando a Recorrente pretendeu “retificar e ratificar o processado” em 04/10/2019, o procedimento disciplinar já havia terminado em 27/09/2019 e sido, inclusivamente, impugnado judicialmente em 02/10/2019, pelo que “mesmo que se admitisse – o que é impossível à luz do Direito – que uma tal ratificação sanava o vício de o procedimento disciplinar não ter sido instruído e decidido por quem não tinha legitimidade para o fazer, tal ato teria sido praticado pela entidade empregadora num momento em que já estava esgotado o seu poder disciplinar quanto àqueles factos”.
EE)–Adicionalmente, o Tribunal a quo refere que o facto de a documentação do despedimento identificar a BBB como entidade empregadora do Recorrido, tal não se deveu à convicção errónea do departamento interno da Recorrente, pois, de acordo com o alegado no artigo 36.º do AMD, pois este baseia-se no procedimento disciplinar e a decisão de o abrir foi tomada por … que se arrogou tacitamente como sendo representante da BBB e com poderes suficientes para nomear instrutores.
FF)–Entendeu ainda que só seria compreensível que a Recorrente invocasse “que ratificou o procedimento disciplinar no âmbito de uma representação sem poderes (cf. art.º 268.º ou 1180.º e seg. do Código Civil), mas não alega qualquer representação por parte da “BBB”, mas sim um erro.”. Acrescenta ainda que “tal representação nem sequer seria possível, quer por força dos art.º 356.º, n.º 1 e 357.º, n.º 1, do CT, quer pelas próprias e especiais características da relação jurídico-laboral e do exercício do poder disciplinar”.
GG)–Por fim, entende também o Tribunal a quo que “a circunstância de o trabalhador se ter comportado durante o procedimento disciplinar como se a “BBB” tivesse poderes para tal, nada valida, pois nesse momento nem sequer estávamos prante uma invalidade, mas sim uma verdadeira inexistência de procedimento disciplinar”.
HH)–Salvo melhor opinião, discorda a Recorrente do entendimento do Tribunal a quo.
II)–A Recorrente sabe que o poder disciplinar cabe, em exclusivo, à entidade empregadora, podendo esta promovê-lo, instruir e decidir o destino de qualquer procedimento disciplinar que decida instaurar. Contudo, nos termos da lei e como também é do conhecimento dos nossos Tribunais Superiores, essa mesma prerrogativa admite a delegação de poderes num terceiro. 
JJ)–Nos termos do art.º 329.º n.º 4 do Código do Trabalho (“CT”), resulta que o poder disciplinar pode ser exercido diretamente pelo empregador, ou por superior hierárquico do trabalhador, sendo que os nossos tribunais têm admitido, também, o exercício da referida prerrogativa por outros terceiros, inclusive, que nada tenham que ver com a organização da empresa.
KK)–Estruturalmente, o despedimento constitui um negócio jurídico unilateral reptício, através do qual o empregador revela ao trabalhador a vontade de fazer cessar o contrato de trabalho, sendo que, tratando-se de sociedades comerciais, é necessário que, em regra, os atos sejam praticados por quem tenha poderes para representar aquele.
LL)–Todavia, a lei e a jurisprudência nacional admitem o exercício desse tipo de prerrogativas por terceiros mesmo que não munidos de procuração para o efeito. A título de exemplo vejase o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 17 de junho de 2009 (Proc. n.º 08S3617, Relator: Conselheiro Sousa Grandão), o acórdão de 11 de abril de 2019 do Tribunal da Relação de Évora (Proc. n.º 1071/18.9T8EVR-A.1, Relator: Desembargador Mário Branco Coelho), e bem assim o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, em acórdão proferido em 20/09/2018 (Proc. n.º 910/15.0T8BRG-B.G1, Relator: Desembargador Antero Veiga, disponível em www.dgsi.pt).
MM)–À luz desta jurisprudência, resulta evidente que, mesmo nos termos dos art.º 356.º, n.º 1 e 357.º, n.º 1, do CT e independentemente das características próprias e especiais da relação jurídico-laboral e do exercício do poder disciplinar alegados pelo Tribunal a quo, a delegação de poderes em terceiros para o exercício dessa prerrogativa é possível, não sendo de excluir, também, os casos em que esse mesmo poder é exercido sem poderes de representação, o que depois carece da competente ratificação para se manter válido e de pleno efeito na ordem jurídica. 
NN)–Portanto, os doutos Tribunais Superiores, têm admitido a prática de atos de retificação e ratificação em situações como as que afirmou a Recorrente, que têm pleno lugar no Direito e finalidade última corrigir eventuais irregularidades procedimentais (ou outras) e sanar invalidades mais profundas sem que, todavia, se perca o que já foi praticado e externalizado perante terceiros. 
OO)–Na falta de sanação, os atos e negócios jurídicos praticados por quem não tinha poderes para o efeito, apesar de existentes, serão ineficazes, não sendo oponíveis ou produzindo efeitos na esfera de um terceiro destinatário desses atos ou contraparte num negócio jurídico. 
PP)–Isto independentemente, entende a Recorrente, de se tratar de pessoa singular ou coletiva.
QQ)–Repare-se até que, nos termos da lei, a ratificação deste tipo de atos não está sujeita sequer a forma especial, pelo que os tribunais têm até admitido que a mesma possa ocorrer até tacitamente. 
RR)–In casu, a situação enquadra-se no quadro atrás descrito, que já foi aceite pelos tribunais encarregues de decidir os processos judiciais de colegas do Recorrido que foram sancionados, em termos disciplinares, pelo mesmo tipo de conduta e no mesmo quadro temporal, sendo que alguns desses casos encontram-se inclusivamente pendentes de decisão neste douto Tribunal da Relação.
SS)–É de ter ainda em conta que a trabalhadora … é a responsável máxima pela gestão dos recursos humanos da Recorrente, tendo poderes para exercer o poder disciplinar em nome e por conta desta, sendo quem tem presidido todos os processos disciplinares nos últimos anos, como o dos presentes autos e de outros trabalhadores que foram igualmente despedidos pelos mesmos motivos.
TT)–Assim, e para todos os efeitos, o processo disciplinar do Recorrido apenas na sua aparência não terá sido conduzido em nome e por conta da Recorrente, pois, como visto:
(a)-a Recorrente sempre foi a real entidade empregadora do trabalhador;
(b)-a Recorrente controla 100% da BBB, sendo sócia única;
(c)-foram os trabalhadores da Recorrente que, por conta de condutas ocorridas durante a relação laboral mantida entre a empresa e o trabalhador, iniciaram, instruíram e concluíram o procedimento disciplinar do Recorrido;
(d)-esse trabalhador não questionou, em algum momento, a autoridade de nenhum desses trabalhadores, que os conhece e sabe pertencerem à estrutura da Recorrente;
(e)-foi a responsável máxima pela gestão de recursos humanos da Recorrente, a Senhora …, que conduziu o processo do Recorrido apesar da documentação fazer alusão à BBB, sendo que representa a Recorrente nessas matérias e ratificou, por esta última, todos os atos produzidos naquele procedimento disciplinar. 
UU)–Mais do que qualquer alegação, é preciso compreender em que termos tudo se passou e qual o sentido da ratificação do referido procedimento disciplinar. A ratificação serviu, justamente, para sanar, à cautela, a situação decorrente de uma atuação sem poderes da BBB apesar de os interlocutores que conduziram esse procedimento serem trabalhadores da Recorrente e terem atuado em representação desta última. 
VV)–A ratificação é a declaração de vontade pela qual alguém faz seu, ou chama a si, o ato jurídico realizado por outrem em seu nome (incluindo as consequências desses mesmos atos), mas sem poderes de representação, e que sem a mesma o ato ou negócio jurídico praticado por pessoa sem esses poderes, será ineficaz perante terceiros (cfr. art.º 268.º, n.º 1, do Código Civil). Portanto, a atuação da Recorrente enquadra-se, sem qualquer dúvida, na ratificação a que alude o art.º 268.º do Código Civil.
WW)–Ademais, salvo o devido respeito, não colhe também o entendimento do Tribunal a quo que concluiu que o ato de ratificação da Recorrente em 04.10.2019 foi praticado num momento em que já se encontrava esgotado o seu poder disciplinar. Nos termos do art.º 268.º, n.º 2, do Código Civil, os efeitos da ratificação pela Recorrente reportam-se ao dia em que foi comunicado o despedimento do Recorrido, i.e., 27.09.2019. 
XX)–Contrariamente ao entendimento vertido no Despacho Saneador-Sentença, ocorreu um procedimento disciplinar que, erradamente, foi documentado fazendo alusão à BBB e não há Recorrente – este facto, por si só, não “aniquila” o mesmo.
YY)–Na prática, deve entender-se que houve um conjunto de atos de gestão sobre a relação laboral do Recorrido praticados por um terceiro, que foram ratificados pela Recorrente, na pessoa responsável para o efeito. Esses mesmos atos foram praticados e tiveram impacto na esfera jurídica e negócio da Recorrente que, apesar do lapso cometido, teve manifesto interesse em esclarecer a situação e confirmar, tendo avocado para si a atuação disciplinar em causa e assumir todos os inerentes efeitos e consequências desse processo.
ZZ)–Atendendo à jurisprudência acima transcrita, nunca poderia ser o procedimento disciplinar aqui em causa ser juridicamente inexistente quando se admite a delegação do exercício do poder disciplinar pelo seu titular a outrem e até a sua ratificação em caso de representação sem poderes. A assim não ser, então, não faria sentido o expendido nas decisões acima, nem tão pouco o regime previsto no art.º 268.º ou mesmo no art.º 1180.º e seguintes do Código Civil.
AAA)–Acaba por se tornar incompreensível a posição do Tribunal a quo pois faz um exercício, com o devido respeito, assaz equilibrista: por um lado a sua apreciação sobre o documento de retificação e ratificação enviado ao Recorrido em 04.10.2019 é a de que não pode servir esse propósito não tendo, por isso, quaisquer efeitos no âmbito do procedimento disciplinar iniciado contra o Recorrido, mas por outro lado esse mesmo documento já é idóneo e apto a exprimir uma decisão inequívoca de despedir o trabalhador.
BBB)–Decisão essa que, voilá, não haveria sido precedida de procedimento disciplinar, como se fosse de geração espontânea e não se seguisse a todo o enquadramento factual descrito.
CCC)–Mesmo que se entenda não ser de enquadrar a situação dos presentes autos no regime da representação sem poderes, esta situação pode ser configurada como um caso de gestão de negócios que redundará na conclusão anterior alcançada pela Recorrente, nos termos dos art.º 464.º e seguintes do Código Civil.
DDD)–Dado que materialmente a relação laboral do Recorrido era com Recorrente e foi sob a sua autoridade e direção que cometeu as infrações disciplinares que deram origem ao seu despedimento com justa causa, sem descurar o facto de que foram trabalhadores da Recorrente que conduziram o respetivo procedimento disciplinar, então, a atuação da BBB neste processo enquadra-se na figura de gestão de negócios. 
EEE)–Isto porque, em termos materiais, acabou por atuar no interesse e por conta da Recorrente, titular da relação laboral com o trabalhador em questão, sem autorização para tal.
FFF)–Essa atuação não foi contrária à lei, teve utilidade para a Recorrente e conformou-se com o interesse e vontade da última (as infrações ocorreram durante a vigência da relação laboral e seria penalizado da mesma forma atenta a sua gravidade), tendo a BBB passado toda a informação dos autos disciplinares para a Recorrente que, por concordar com o mesmo, aprovou e ratificou o mesmo, nos termos dos art.º 465.º e 469.º do Código Civil.
GGG)Em complemento, nos termos do art.º 471.º do Código Civil, aplicar-se-á aos atos e negócios jurídicos praticados e ou celebrados pela BBB, enquanto gestor de negócios e atuando por conta da Recorrente, o disposto no artigo 268.º do Código Civil, sendo, por aqui, igualmente válida a ratificação e consequente sanação do sucedido. 
HHH)Mesmo que assim não se entenda e, ao invés, se enquadre a atuação da BBB como uma atuação em nome próprio ainda que em benefício da Recorrente, então, a lei, ainda assim, não “aniquila” o ato ou negócio jurídico praticado ou celebrado, mandando antes aplicar as normas relativas ao mandato sem representação, previsto nos art.º 1180.º e seguintes do Código Civil.
III)Nesse mesmo âmbito, e de acordo com os art.º 1181.º, n.º 1, e art.º 1182.º do Código Civil, com a intervenção da Recorrente, que aprovou e ratificou o praticado pela BBB, todos os efeitos e inerentes consequências do procedimento disciplinar movido contra o Recorrido foram transmitidas para a Recorrente que, em último caso, será exclusivamente responsável pelo desfecho que o procedimento tiver.
JJJ)–Em alternativa, pode o caso dos presentes autos ser entendido como uma situação de gestão de negócio alheio julgado próprio previsto no art.º 472.º do Código Civil. Mas mesmo que se entenda que que a BBB terá atuado na convicção que teria legitimidade para atuar enquanto empregador sobre o Recorrido apesar de este ter permanecido como trabalhador da Recorrente, e sabendo que esta última aprovou e ratificou o procedimento disciplinar movido contra o Recorrido, então, será de aplicar o regime da gestão de negócios, alcançando-se a mesmíssima conclusão: a Recorrente, nos termos da lei, ao ratificar a atuação disciplinar da BBB, avocou para si toda a responsabilidade e consequências inerentes ao mesmo, pois, teve interesse em manter essa atuação por conta da conduta ilícita do trabalhador relatada nestes autos.
KKK)–Em suma, o despedimento com justa causa do Recorrido foi precedido do competente procedimento disciplinar que, por ter sido executado por conta e no interesse da Recorrente, esta o aprovou e ratificou, assumindo todas as responsabilidades e consequências inerentes. 
LLL)–Por esse motivo, deverá a decisão do Tribunal a quo ser revertida e assim revogada por uma decisão que reconheça a validade de todo o processado, ordenando, ainda, que o julgamento deste processo inclua, também, a apreciação do mérito da conduta do Recorrido para se apurar se, de facto, houve ou não justa causa de despedimento válida, extraindo-se daí as devidas consequências.
MMM)–Relativamente ao tema da exceção perentória, entende a Recorrente que, nos termos da lei, com a ratificação do procedimento disciplinar em questão, avocou para si todas as responsabilidades e consequências do procedimento disciplinar que findou em 27/09/2019, mantendo-o válido e eficaz na ordem jurídica, com efeitos a 27/09/2019.
NNN)–Tendo tido conhecimento disso, o Recorrido, apesar de ter interposta ação judicial contra a BBB, veio a interpor outra ação de impugnação do seu despedimento, em 27/11/2019, contra a Recorrente, a sua real entidade empregadora.
OOO)–Fê-lo porque sabia quem era a sua entidade empregadora, a quem pertenciam os interlocutores que conduziram o seu procedimento disciplinar, e qual a situação da BBB, isto, sob pena de a BBB ser considerada parte ilegítima, pelo simples facto de aquela empresa portuguesa não ser a sua entidade empregadora.
PPP)–Ora, neste conspecto, tendo o Recorrido sido despedido com justa causa com efeitos a 27/09/2019, e dado que apenas interpôs a ação judicial de impugnação do despedimento contra a Recorrente em 27/11/2019, resulta claro que o fez depois de transcorrido o prazo legal para o efeito: até 60 dias a contar da data de cessação do contrato de trabalho, ou seja, até 26/11/2019 (cfr. art.º 357.º, n.º 7 e art.º 387.º, n.º 2, do Código do Trabalho).
QQQ)–Por isso, deverá ser julgada procedente a exceção perentória que foi invocada pela Recorrente nos seus articulados por ter caducado o direito do Recorrido de impugnar judicialmente o seu despedimento.
Requer-se que o presente Recurso, que deve subir em separado, seja instruído com: (a)-Despacho Saneador-Sentença objeto deste Recurso;(b)-Articulado Motivador do Despedimento apresentado pela Recorrente em 24/09/2020 (Ref. CITIUS 10050191) e todos os documentos juntos com este, designadamente a cópia integral do procedimento disciplinar e doc. n.º 8 junto com o referido articulado; (c)-Requerimento do Recorrido de 12/05/2021 (Ref. CITIUS 10893781) através do qual juntou acórdão da Relação de Lisboa (relativo ao processo n.º 19733/19.1T8LSB.L1) sobre o caso de um dos colegas do Recorrido cujo despedimento ocorreu nos mesmos termos sem que se tenha decidido como no Despacho Saneador-Sentença em crise; (d)-Doc. n.º 1 ora junto nos termos e ao abrigo do art.º 651.º o Código do Processo Civil.
Nestes termos,
Com o douto suprimento de V. EXAS., deverá dar-se provimento à presente apelação e, em consequência, revogar-se o Despacho Saneador-Sentença recorrido e determinar absolvição da Recorrente da condenação pelo despedimento do Recorrido e sua reintegração por verificação de exceção perentória de caducidade, ou, caso assim não se entenda, que a matéria do despedimento com justa causa do Recorrido seja objeto de análise e discussão em sede de audiência de julgamento, como é de plena e inteira JUSTIÇA!

1.3.–O Autor contra-alegou com vista ao não provimento do recurso e manutenção da sentença recorrida.

1.4.–Remetidos os autos a esta Relação foi ordenada vista, tendo a Exma. Procuradora-Geral-Adjunta emitido parecer no sentido da confirmação da decisão recorrida.

1.5.–A esse parecer respondeu a Recorrente, 2.ª Ré, CCC., pugnando pela improcedência da ação.

1.6.–Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.

Cumpre apreciar e decidir

2.–Objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º s 3 e 4, 639.º, n.º 1, 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), que não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado. Assim, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal consistem em aquilatar da licitude do despedimento do Autor e em verificar se ocorre a exceção de caducidade do direito do Autor de impugnar o despedimento.

3.–Fundamentação de facto

Encontram-se provados os seguintes factos:

i.- O Autor foi admitido ao serviço da sociedade …, sociedade de Direito irlandês, em 1 de abril de 2011, através do contrato celebrado em 18-03-2011, cuja cópia consta de fls. 78 a 81 verso; (art.º 5.º AMD)
ii.-No dia 11 de março de 2019, o autor recebeu a informação da …., dando conta que, com efeitos a 1 de abril de 2019, passaria para a empresa BBB. (art.º 7.º Contestação)
iii.-No dia 1 de abril de 2019, a posição de empregador no contrato celebrado entre a …. e o autor foi transmitida para a CCC. (art..º 7.º do AMD)
iv.-O Autor nunca desempenhou funções sob a autoridade, direção e fiscalização da BBB (art.º 4.º AMD)
v.-Em novembro de 2018, a referida empresa (…) e o Sindicato Nacional de Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC) alcançaram um acordo que previa a transição e futura aplicação da legislação laboral portuguesa às relações laborais entre aquela empresa e os seus trabalhadores a desempenhar funções em Portugal; (art.º 16.º AMD)
vi.-Em 31 de janeiro de 2019, a …. comunicou ao Autor que a partir de 1 de fevereiro de 2019 iria passar a aplicar-se à relação laboral entre as partes a legislação laboral portuguesa; (art.º 17.º A)
vii.-Em 28 de agosto de 2019, o Autor foi notificado da abertura do procedimento disciplinar e da respetiva Nota de Culpa através da plataforma denominada … e por e-mail – cf. 2.ª página do procedimento disciplinar (fls.29v. dos autos), na qual consta a decisão de abertura e a delegação de poderes aos instrutores; (art.º 36.º AMD)
viii.-Em 29 de agosto de 2019, o Autor foi notificado da Nota de Culpa, desta vez via postal registada com aviso de receção; (art.º 37.º AMD)
ix.-Em 3 de setembro de 2019, foi remetido ao Autor, via e-mail, o procedimento disciplinar completo para consulta; (art.º 39.º AMD)
x.-Em 17 de setembro de 2019, o Autor apresentou, via e-mail, a Resposta à Nota de Culpa subscrita pela Senhora Dra. …, , Advogada, com poderes para o efeito, e dirigida à BBB (art.º 40.º AMD)
xi.-Na Resposta à Nota de Culpa, o Autor requereu a inquirição de três testemunhas, concretamente …, … e …; (art.º 41.º AMD)
xii.- Em 24 de setembro de 2019, foram ouvidas pelos Instrutores as duas primeiras testemunhas arroladas pelo Autor na Resposta à Nota de Culpa; (art.º 42.º AMD)
xiii.-O Autor dispensou a inquirição da terceira testemunha por si arrolada, concretamente …; (art.º 43.º AMD)
xiv.-Juntamente com a referida Resposta à Nota de Culpa, o Autor juntou 5 (cinco) documentos; (art.º 44.º AMD)
xv. Em 27 de setembro de 2019, o Autor foi notificado da decisão final e do relatório final através da plataforma denominada … e por e-mail, tendo-lhe sido igualmente remetidos esses documentos via postal registada com aviso de receção; (art.º 45.º AMD)
xvi. Toda a documentação constante dos autos de procedimento disciplinar – designadamente a referida nos artigos vi.) a xiv.) supra – faz alusão à BBB  (art.º 25.º AMD)
xvii.-O Autor apresentou, neste Tribunal e no dia 02-10-2019, o formulário de impugnação de despedimento contra a BBB, (fls.2 e 3 destes autos)
xviii.-No dia 4 de outubro de 2019, a CCC. enviou ao Autor e este recebeu a missiva que consta de fls. 101 e que se dá aqui por reproduzida, cujo texto é o seguinte: «Assunto: Procedimento disciplinar – retificação e ratificação do processado. Ex.mo Senhor, Fazemos referência ao procedimento disciplinar instaurado a V.Ex.ª que culminou na aplicação da sanção de despedimento com justa causa. Constatou-se que toda a documentação emitida pela Empresa nos autos de procedimento disciplinar consta como entidade emitente a BBB., quando deveria, obviamente, constar e ler-se CCC., ou seja, a sua entidade empregadora, como é do perfeito conhecimento de V.Ex.ª. Esta questão não tem relevância material ou substantiva nos autos de procedimento disciplinar, cuja decisão V.Ex.ª recebeu e reconheceu, tendo deixado de se apresentar ao trabalho, mas impõe-se, para que não subsistam dúvidas, clarificar, retificar a decisão, ratificando a CCC. todo o processado. Neste sentido, junta-se a esta comunicação, o Despacho proferido pela Empresa a ratificar o processado e assumir todos os efeitos jurídicos produzidos nos referidos autos de procedimento disciplinar.» (parte do art.º 29.º AMD que remete para fls. 101 e seg).
xix.-Juntamente com a missiva de 4 de outubro de 2019 seguiu um documento com o seguinte texto: «Despacho CCC., aqui representada por … portadora do passaporte n.º EA8.....8, na qualidade de HR Manager, com referência ao procedimento disciplinar instaurado ao seu trabalhador AAA, declara expressamente ratificar todos os atos praticados nos respetivos autos e no seu âmbito, nomeada mas não limitadamente, todos os despachos proferidos, a nota de culpa emitida e a decisão final de despedimento com justa causa proferida, reconhecendo e assumindo expressamente todos os efeitos jurídicos produzidos. 04 de outubro de 2019 (assinatura) … CCC.»; (parte do art.º 29.º AMD que remete para fls. 101 e seg).
xx.-O autor apresentou, neste Tribunal e no dia 27-11-2019, o formulário de impugnação de despedimento contra a CCC.; (fls. 1 e 2 do Apenso).
xxi.-48.º O Autor detém a categoria profissional de Customer Service Agent. (art.º 48.º AMD).

4.Fundamentação de Direito

4.1.–Da licitude do despedimento do Autor

A 2.ª Ré, ora Recorrente, sustenta que o procedimento disciplinar, conducente ao despedimento do Autor, que foi tramitado pela 1.ª Ré, BBB, que não era entidade patronal daquele, deve ser considerado válido, por ter sido por si ratificado.

Nos termos do art.º 98.º do Código do Trabalho “O empregador tem poder disciplinar sobre o trabalhador ao seu serviço, enquanto vigorar o contrato de trabalho”. O que significa ter o empregador a faculdade de aplicar sanções disciplinares ao trabalhador quando este com o seu comportamento cometa infração disciplinar – ou seja, infrinja os deveres que sobre si impendem decorrentes da lei, dos regulamentos internos da empresa e dos instrumentos de regulação coletiva de trabalho. Mais latamente, abrange tal poder as condutas extralaborais com reflexos na relação de trabalho e nos interesses do empregador, sempre que o trabalhador se coloque na vigência do contrato e no âmbito da organização em que se insere, numa situação censurável atentatória dos interesses dessa organização (Vd. Paulo Sousa Pinheiro, “Curso de Direito Processual do Trabalho”, Almedina Maio 2020, pág. 95).

O poder disciplinar caracteriza-se por ser um poder subjetivo do empregador, recondutível à categoria de direito potestativo, traduzindo-se para o trabalhador numa posição de sujeição face às alterações que o exercício de tal poder implicam na sua esfera jurídica.

É um poder exclusivo do empregador que pode ser exercido diretamente pelo empregador, ou por superior hierárquico do trabalhador, nos termos estabelecidos por aquele (art.º 329.º n.º 4 do Código do Trabalho).

Embora seja um poder do empregador, o mesmo pode ser exercido por funcionários do empregador, sendo também comum serem advogados a tramitar os procedimentos disciplinares e a decidir da aplicação da sanção, desde que munidos dos necessários poderes de representação (Vd. os Acórdãos do TRE de 11-04-2019, proc. 071/18.9T8EVR-A.1 e do TRP de 19-12-2012, proc. 477/11.9TTVRL-A.P1 e de 13-07-2011, proc.  161/09.3TTVLG.P1).

Segundo a Recorrente, o exercício dessa prerrogativa patronal é possível por delegação de poderes em terceiros, e também quando esse poder é exercido sem poderes de representação - o que depois carece da competente ratificação para se manter válido e pleno na ordem jurídica – o que invoca com base nos seguintes patamares argumentativos:
i)-No presente caso, tratou-se, na prática, de um conjunto de atos de gestão praticados por terceiro, que foram ratificados pela Recorrente, na pessoa da responsável para o efeito (representação sem poderes).
ii)-A não ser daquele modo enquadrada a situação, pode a mesma ser configurada como um caso de gestão de negócios, o que redunda na mesma conclusão (art.º 464.º e segs. do Código Civil).
iii)-Entendendo-se que a BBB agiu em nome próprio, ainda que em benefício da Recorrente, tão pouco aniquila a lei o ato ou negócio celebrado, mandando aplicar as normas relativas ao mandato sem representação (art.º 1180.º e segs. do Código Civil).
iv)-Finalmente, considerando que se trata de gestão de negócio alheio julgado próprio (art.º 472.º do Código Civil), tendo esta ratificado o procedimento disciplinar, então terá de se aplicar o regime da gestão de negócios com o mesmo resultado.

Vejamos:

Antes de mais, cumpre assinalar, que sendo a Ré uma sociedade comercial, o procedimento disciplinar, desde que não praticado por ela, deve sê-lo por quem tem poderes para a representar. Por força do disposto no art.º 157.° do Código Civil, são-lhe aplicáveis as disposições aplicáveis às pessoas coletivas, razão pela, qual segundo o art.º 163.º n.° 1, do mesmo diploma, a sua representação em juízo ou fora dele, cabe a quem os estatutos determinarem ou, na falta de disposição estatuária, à administração ou a quem por ela for designado. Deste modo, a emissão de uma declaração com conteúdo negocial gera uma obrigação vinculante para a sociedade sempre que a mesma seja produzida por um seu representante “de jure”, art.º 258° do Código Civil, subsidiariamente aplicável (Ac. do STJ de 17-06-2019, proc. 08S3617).
No caso em análise, a Recorrente, não concedeu quaisquer poderes de representação à 1.ª Ré no que toca ao exercício do poder disciplinar sobre o Autor.
A Recorrente pugna pela validade e eficácia do procedimento disciplinar do Autor, invocando, como se disse, ter procedido à sua ratificação. 

Como é sabido, a ratificação do negócio encontra-se referida em várias disposições do Código Civil. Assim sucede no caso da representação sem poderes, art.º 268.º Código Civil. (“1- O negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado. 2. A ratificação está sujeita à forma exigida para a procuração e tem eficácia retroativa, sem prejuízo dos direitos de terceiro. 3. Considera-se negada a ratificação, se não for feita dentro do prazo que a outra parte fixar para o efeito. 4. Enquanto o negócio não for ratificado, tem a outra parte a faculdade de o revogar ou rejeitar, salvo se, no momento da conclusão, conhecia a falta de poderes do representante”), no abuso de representação, art.º 269.º (“O disposto no artigo anterior é aplicável ao caso de o representante ter abusado dos seus poderes, se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso”), na hipótese de gestão de negócios representativa, art.º 471.º, 1.ª parte (“Sem prejuízo do que preceituam os artigos anteriores quanto às relações entre o gestor e o dono do negócio, é aplicável aos negócios jurídicos celebrados por aquele em nome deste o disposto no artigo 268.º) e no mandato sem representação, art.º 1178.º  (“ 1- Se o mandatário for representante, por ter recebido poderes para agir em nome do mandante, é também aplicável ao mandato o disposto nos artigos 258.º e seguintes”).

A propósito desta temática, Rui Alarcão, in A Confirmação dos Negócios Anuláveis, fazendo apelo a uma noção estrita de ratificação,”, refere que a ratificação do negócio se caracteriza como “o ato pelo qual, na representação sem podres ou com abuso no seu exercício, a pessoa em nome de quem o negócio é concluído declara aprovar tal negócio, que doutro modo seria ineficaz em relação a ela”. 

A Recorrente sustenta, conforme exposto, que o caso se reconduz a uma situação de representação sem poderes a que se refere o citado art.º 268.º n.º 1 do Código Civil. Mas não lhe assiste razão. Com efeito, de acordo com o normativo citado, é mister que o agente celebre o negócio “em nome de outrem”, como representante de outra pessoa (contemplatio domini). (Vd. Ac. do STJ de 11-07-2013, proc. 4244/09.1TBSLL.L1.SI). O que implica dever o agente manifestar ou fazer saber à contraparte que não age para si; o negócio não o vincula, mas sim à pessoa em nome de quem o realiza.

Exige-se neste domínio, como é sabido, a notoriedade ou evidenciação da condição representativa. Vd. Raul Guichard “O Instituto da Representação Voluntária”, file:///C:/Users/mj01161/Downloads/O+INSTITUTO+DA+REPRESENTA%C3%87%C3%83O+VOLUNT%C3%81RIA+NO+C%C3%93DIGO+CIVIL%20(1).pdf.O que in casu não ocorreu.Na realidade, ao contrário do que sustenta a Recorrente, nunca a 1.ª Ré, BBB, agiu de modo a que se possa considerar que atuou em nome de outrem, ou seja, em nome da Recorrente, 2.ª Ré.   

Ao longo de todo procedimento disciplinar, sempre se arrogou a dita 1.ª Ré, como empregadora do Autor (que sempre apelidou de “seu trabalhador”) -  o que resulta, com clareza, do teor de todas as peças que compõem o procedimento disciplinar e correspondência trocada, onde a mesma surge sempre e só identificada como BBB (vd. fls. 29 e segs).

Posição esta, aliás, que a mesma 1.ª Ré até corroborou no início dos presentes autos na medida em que se apresentou na audiência de partes, na qualidade de empregadora do Autor, nada tendo invocado em sentido contrário.

Em face dessa realidade, não estamos, pois, perante uma situação de representação sem poderes enquadrável no aludido art.º 268.º, pelo que a “ratificação” do negócio efetuada pela Recorrente não é operante.

Posto isto, importa agora ver se a situação se integra na figura da gestão de negócios (artigos 464.º a 472.º do Código Civil). 

Nos termos do art.º 464.º “Dá-se a gestão de negócios, quando uma pessoa assume a direção de negócio alheio no interesse e por conta do respetivo dono, sem para tal estar autorizada”. Segundo referem Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, I Volume, Coimbra, 4.ª Edição Revista, pág. 443, a expressão negócio não é usada na sua aceção técnico-jurídica, podendo a atuação do gestor abarcar a realização de negócios jurídicos, atos jurídicos não negociais, ou até simples factos materiais. Por negócio, considera-se o assunto ou interesse de outrem - suscetível de ser realizado por um terceiro. Neste domínio, sustenta, por seu turno, Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, Almedina, Vol. I, pág. 494, não é necessário que os atos assumam cariz patrimonial.

Para além disso, impõe o legislador que o gestor atue “no interesse e por conta do dono do negócio”, o que significa, decompondo estas noções, que a gestão deve traduzir-se numa atividade que seja útil para o dono do negócio, à luz dos valores fundamentais do ordenamento e da boa fé, devendo os atos praticados destinar-se à esfera jurídica do beneficiário. Vd. Menezes Cordeiro “Tratado de Direito Civil”, Vol. VIII, Almedina, 2007, pág. 86. 

É ainda necessário que a intervenção do gestor decorra intencionalmente em proveito alheio e não em exclusivo interesse próprio. Pois, como alertam Pires de Lima e Antunes Varela, in Ob Cit., pág. 443, se o gestor agir no seu exclusivo interesse falta um requisito essencial do instituto que é o de estimular (ou pelo menos não desencorajar) a intervenção útil nos negócios alheios carecidos de direção.

Com base no exposto, bem se vê que os requisitos de que depende a aplicação do regime da gestão de negócios no presente caso se não mostram reunidos. Como já dito, a 1.ª Ré agiu, pura e simplesmente em nome próprio, e nada se apurou que nos possa levar a concluir que a prática dos atos (a tramitação do procedimento disciplinar) se destinava à esfera jurídica da 2.ª Ré ou mesmo em benefício desta.

Não é assim aplicável o disposto na 1.ª parte do disposto no referido art.º 471.º do Código Civil, não tendo valia, para esse efeito, a “ratificação” a que procedeu a Recorrente.

Acresce ainda, que mesmo que assim não ocorresse e se pudesse, por hipótese, considerar estarmos perante um caso de gestão em nome próprio, ou seja, em presença do previsto na 2.ª parte, do art.º 471.º do Código Civil, acima transcrito, ainda assim a “ratificação” operada pela Recorrente não teria a virtualidade de tornar eficaz os atos praticados pela 1.ª Ré. É que nesse caso teriam de se considerar as regras do mandato sem representação, concretamente o disposto nos artigos 1180 .º (“O mandatário, se agir em nome próprio, adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos atos que celebra, embora o mandato seja conhecido dos terceiros que participem nos atos ou sejam destinatários destes”) e 1181.º (“1-O mandatário é obrigado a transferir para o mandante os direitos adquiridos em execução do mandato”), pelo que, agindo o mandatário em seu nome, adquire o mesmo os direitos e as obrigações decorrentes dos atos que praticou que deve obrigatoriamente transferir para o mandante. Como expressivamente escreve Pessoa Jorge, “Mandato sem Representação”, Edições Ática, pág. 192, “apesar dos efeitos do mandatário sem poderes se inserirem, em princípio, na sua esfera jurídica, eles destinam-se ao seu verdadeiro interessado, para o qual a interposta pessoa (mandante) os deve transmitir, na sua exata configuração jurídica ou pelo menos na sua expressão económica. (Cfr., também, entre outros, os Acórdãos do STJ de 11-05-2000, proc. 00B229 e de 11-07-2013, proc. 4244/09.1TBSXL.L1.S1, www.dgsi.pt).

Neste caso, uma vez que a 1.ª Ré, agiu em nome próprio, adquiriu a mesma os direitos e assumiu as obrigações decorrentes dos atos por si praticados (tramitação do procedimento disciplinar deduzido contra o Autor), pelo que deveria a mesma ter transferido os mesmos para a esfera jurídica da Recorrente - o que não se apurou minimente, nem as Rés alegaram factos concretos que pudessem consubstanciar essa transferência.

Finalmente, também não seria de aplicar ao caso o disposto no art.º 472.º n.º 1 do Código Civil, “Se alguém gerir negócio alheio, convencido de que ele lhe pertence, só é aplicável o disposto nesta secção se houver aprovação da gestão (..)”. A aprovação da gestão refere-se apenas à relação entre o gestor o dono do negócio, sem efeitos perante terceiros. Na hipótese contemplada neste artigo, por contraposição ao disposto no art.º 469.º, com a aprovação da gestão, do que se trata é o gestor passar a gozar dos direitos previstos no n.º 1, do art.º 468.º (reembolso das despesas) Vd. Pires de Lima e Antunes Varela, Ob. Cit. págs. 451 e 453.

Saliente-se, por fim, que nenhuma das situações tratadas nos Acórdãos referidos pelo Autor se compaginam com a situação descrita nestes autos.

No Ac. do STJ de 17-06-2009, proc. 4700/18.0T8VNG.P1, estava em causa uma situação de representação sem poderes. Alguém que não sendo representante se comportava como tal. Tendo havido aceitação tácita dessa representação, fez-se corresponder a mesma a ratificação, atenta a não exigência de forma especial para esta.

No Ac. do TRE de 11-04-2019, proc. 1071/18.9T8EVR-A.1, o poder disciplinar foi exercido por funcionário da Ré, com funções de direção de recursos humanos, e com poderes de representação da empregadora para proceder à cessação de contratos de trabalho e decidir da aplicação de sanções disciplinares, conforme procuração.

No Ac. do TRG de 20-09-2018, proc. 910/15.0BRG-B.G1, foi nomeado pelo empregador instrutor para elaboração do procedimento disciplinar, tendo-se entendido que se ao trabalhador se colocavam duvidas sobre a existência ou latitude dos poderes do representante do empregador que subscreve a nota de culpa, deveria o mesmo exigir prova desses poderes (art.º 260.º do Código Civil).

Posto isto, apenas nos resta concluir que a “ratificação” a que a Ré procedeu não teve o condão de validar e fazer seus o procedimento disciplinar e o despedimento do Autor realizados pela 1.ª Ré.

Pese embora tenhamos chegado à apontada conclusão, nenhumas dúvidas existem de que a Recorrente pretendeu despedir o Autor. No caso, assim ocorreu, quando em 04-10-2019, expressamente, lhe transmitiu que ratificava os atos praticados pela 1.ª Ré no procedimento disciplinar e a decisão de despedimento. No que diz respeito ao despedimento, “A manifestação de vontade da entidade empregadora, por escrito, direcionada ao trabalhador no sentido inequívoco de lhe comunicar a cessação do contrato que os ligava, consubstancia um negócio jurídico, unilateral e recipiendo, que se considera perfeito e eficaz, uma vez comunicada ao destinatário tal manifestação de vontade, coincidindo o momento da cessação do contrato com a receção pelo trabalhador daquela declaração”. Vd. os Acórdãos do STJ de 29-10-2013, 3579/11.8TTLSB.L1.S1 e de 01-07-2021, proc. 3615/20.7T8BRG.G1, www.dgsi.pt. Uma vez que o Autor recebeu a dita comunicação no mesmo dia 04 de outubro de 2019, considera-se que o despedimento se efetivou nessa mesma data.

Chegados aqui, sem necessidade de outros considerandos, apenas nos resta concluir pela improcedência da presente questão.

4.2.–Da caducidade do direito do Autor de impugnar o despedimento.

A Recorrente invocou que se mostra esgotado o prazo de 60 dias, a que alude o art.º 387.º n.º 2 do Código do Trabalho (“O trabalhador pode opor-se ao despedimento, mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, no prazo de 60 dias, contados a partir da receção da comunicação de despedimento (…)”), ocorrendo a exceção de caducidade do direito do Autor impugnar o despedimento.

Ora, uma vez que de acordo com o que acima se referiu, o despedimento do Autor foi perpetrado pela Recorrente em 04-10-2019, tendo o Autor procedido à sua impugnação em 27-11-2019, mostra-se perfeitamente respeitado o mencionado prazo de caducidade. Termos em que improcede a presente questão.

5.–Decisão

Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a sentença recorrida.
Custas pela 2.ª Ré CCC

Lisboa, 2022-02-09

Albertina Pereira
Leopoldo Soares
Alves Duarte