Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1503/06.9TCSNT-A.L1-7
Relator: MICAELA SOUSA
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
APELAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/09/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I– O recurso de revisão visa alcançar um novo exame da mesma causa. Se o recurso obtém provimento ou está em condições de seguir, o processo anterior é retomado, pelo que a instância tem de manter-se a mesma quanto às pessoas, quanto ao pedido e à causa de pedir; a revisão é um recurso que se destina a fazer ressurgir uma acção finda e que vai reabrir uma instância anterior.

II– O recurso de revisão pressupõe a verificação de determinados pressupostos processuais sendo aplicável, no que à legitimidade concerne, a regra do artigo 631º do Código de Processo Civil que confere legitimidade para recorrer à parte prejudicada com o caso julgado que se pretende destruir e, eventualmente, a outras pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão, ainda que não sejam partes na causa ou sejam partes acessórias.

III– Apenas com a admissão do recurso de revisão se considera renovada a instância na qual foi proferida a decisão a rever; até essa admissão, a instância está extinta atento o trânsito em julgado da decisão, que se mantém.

IV– A habilitação visa demonstrar a aquisição, por sucessão ou transmissão, da titularidade de um direito ou complexo de direitos, ou doutra situação jurídica ou complexo de situações jurídicas podendo assumir três espécies distintas: a habilitação-incidente, a habilitação-acção e a habilitação-legitimidade.

V– A habilitação incidental visa colocar o sucessor no lugar que o falecido ou transmitente ocupava no processo pendente, tendo a sentença de habilitação efeito limitado ao processo; a habilitação-acção tem em vista habilitar uma pessoa, não para determinado fim especial, mas para todo e qualquer fim, gozando a sentença proferida de eficácia geral; a habilitação-legitimidade aproxima-se, quanto à sua função e alcance, da habilitação incidental, dado que visa colocar o sucessor na posição jurídica do falecido respeitante a um determinado processo, sendo desta por se apresentar no início da acção e não na sua pendência.

VI– O procedimento de recurso de revisão configura uma acção que se distingue da acção anterior, cujos actos constituem um processo diferenciado daqueloutro que levou à feitura da decisão revidenda, pelo que, falecida a parte depois do trânsito em julgado desta e antes de interposto o recurso de revisão, os sucessores da parte vencida que pretendam lançar mão deste meio processual deverão habilitar-se judicialmente mediante o mecanismo da habilitação-legitimidade a deduzir no respectivo requerimento inicial de interposição do recurso.

Sumário(elaborado pela relatora e da sua inteira responsabilidade)
Decisão Texto Parcial:Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.
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I–RELATÓRIO:


A. deduziu recurso extraordinário de revisão, por apenso ao processo n.º1503/06.9TCSNT visando obter a revogação da sentença proferida nestes autos, em 17 de Outubro de 2013, que declarou B. proprietário do prédio urbano composto de …, com o artigo …, sito em Queluz, freguesia de Belas, descrito na Conservatória do Registo Predial de Queluz sob o número …, freguesia de Belas e determinou a respectiva inscrição nas fichas n.ºs … e …, e a anulação dos termos do processo posteriores à citação do interveniente C., devendo ser ordenada a citação da ora recorrente, sua herdeira, para os termos da causa.

Alega para tanto, muito em síntese, o seguinte:
– Está em causa um prédio urbano composto de …, inscrito na matriz sob o artigo … e casa …, inscrito na matriz sob o artigo …, , registado a favor de D e mulher D’ pela Ap. … e que estes, em … 1982, prometeram vender, o inscrito sob o artigo …, a B.;
– Por escritura de … 1992, D e D’ declararam vender a C., casado com C’ segundo o regime de comunhão geral de bens, o prédio com a área de …, a desanexar do prédio descrito sob o número…, freguesia de Belas, Sintra, antes inscrito sob o artigo …, sendo feita a referida desanexação, passando a estar inscrito sob o artigo .. da freguesia de Casal de Cambra e dando origem ao prédio descrito sob o número …;
– C. e mulher, residentes na Holanda, encarregaram o amigo e vizinho E., de fiscalizar as obras que realizaram no prédio e de tomar conta da casa na sua ausência, onde passavam as férias de Verão, juntamente com a filha, a aqui recorrente;
– Em 23 de Setembro de 2015 faleceu C., sem testamento ou disposição de última vontade, no estado de casado com C’, deixando como únicas herdeiras a mulher e a filha, A., ora recorrente;
– Por despacho proferido nos autos principais foi admitida a intervenção principal provocada passiva de, entre outros, C. e mulher e ordenada a sua citação, por carta registada com aviso de recepção, que se frustrou;
– Foi nomeado agente de execução para proceder à citação dos intervenientes por contacto pessoal, constando a fls. 157 dos autos informação que dá conta que os chamados se recusaram, na pessoa de C’, a receber os documentos;
– A secretaria enviou carta a C., em 10-12-2010, informando-o que tendo ele se recusado, na pessoa de C’, a assinar a certidão e a receber os duplicados, que estes se encontravam à sua disposição na secretaria judicial, carta que aquele não recebeu;
– O agente de execução nunca contactou pessoalmente com o citando C. e este nunca se recusou a assinar a certidão ou a receber o duplicado, pois que quem o fez foi a sua mulher, pelo que ocorreu falta absoluta de citação quanto a C., do que a aqui recorrente apenas teve conhecimento em 8 de Março de 2017, tendo a sentença transitado em julgado há menos de cinco anos.

Em 20 de Abril de 2017 foi proferido despacho que admitiu o recurso de revisão e ordenou a notificação dos recorridos, autores nos autos principais e do Ministério Público, em representação dos incertos e os demais chamados para, nos termos do art. 699º, n.º 2 do Código de Processo Civil[1], responderem ao recurso (cf. fls. 33 dos autos).

Apenas o Ministério Público veio responder tendo suscitado a ilegitimidade da recorrente com fundamento no facto de C., entretanto falecido, ter tido intervenção principal na acção, pelo que, visando-se a reabertura dos autos, o seu prosseguimento depende da prévia habilitação dos sucessores daqueles, o que a recorrente não requereu, para além de não fazer prova da sua qualidade de herdeira; mais fundamentou tal ilegitimidade na circunstância de, embora devendo ser considerado que a recorrente é afectada pela decisão que reconheceu aos autores o direito de propriedade sobre o prédio acima identificado, que fará parte do acervo hereditário de C., pai da recorrente, o direito que esta pretende fazer valer deve ser exercido em conjunto por todos os herdeiros, nos termos do art. 2091º do Código Civil.

Quanto ao fundamento do recurso de revisão refere o Ministério Público que a diligência efectuada pelo agente de execução em 15-11-2010 não obedeceu aos requisitos previstos no artigo 239º, n.º 4 do CPC, não tendo existido recusa de C., pelo que este não chegou a tomar conhecimento do acto de citação por facto que não lhe é imputável, ocorrendo, assim, falta de citação.

Foi conhecido nos autos o óbito da recorrida BB.(cf. fls. 73 e 74), tendo sido deduzido o respectivo incidente de habilitação de herdeiros (cf. fls. 80 a 89 dos autos), vindo a ser proferida decisão, em 1 de Fevereiro de 2018, que julgou habilitado como sucessor da falecida, o requerido B. (cf. fls. 94 e 95).

A recorrente pronunciou-se sobre a excepção deduzida pelo Ministério Público sustentando que a factualidade que alegou no artigo 17º do requerimento inicial integra o fundamento da sua habilitação/legitimidade originária, mais referindo que, para além da própria, é herdeira do falecido C., a sua viúva, C’, que já está em juízo como interveniente principal/recorrida; mais suscitou a ilegitimidade da intervenção do Ministério Público por esta dever ter cessado com a intervenção dos proprietários dos prédios D. e C. e cônjuges.

Em 10 de Outubro de 2018 foi proferida decisão em que se reconheceu que o prosseguimento da demanda principal, com a dedução de recurso extraordinário de revisão dependia da habilitação dos sucessores do falecido C., não constituindo impedimento o facto de existir sentença transitada em julgado, porquanto a interposição do recurso de revisão faz renascer a instância extinta, mais referindo que ao Ministério Público assiste legitimidade para intervir, mantendo a representação dos incertos na acção e concluiu pela procedência da excepção de ilegitimidade da recorrente e absolvição dos requeridos da instância (cf. fls. 104 a 108 dos autos).

É desta sentença que a recorrente/apelante interpõe o presente recurso concluindo as suas alegações do seguinte modo:
1– A habilitação de herdeiros é susceptível de surgir como requisito de legitimidade, seja do lado activo ou passivo, devendo ser alegada/formalizada logo na petição inicial, a fim de legitimar originariamente a parte processual, enquanto sucessora da posição jurídica litigiosa, in casu do falecido C.,
2– O que a Apelante fez como decorre do alegado no art. 17º da petição inicial do recurso de revisão.
3– A instância na qual foi proferida a decisão a rever só se renova com o despacho a admitir o recurso de revisão, estando até lá extinta, mercê do trânsito em julgado da decisão,
4– Pelo que, ao contrário do que defende a sentença recorrida, não basta a simples propositura do recurso, ou seja a apresentação da petição inicial do mesmo, para renovar a instância extinta.
5– Daí decorre não poder a Apelante deduzir o incidente de habilitação de herdeiros com a interposição do recurso de revisão, previsto nos art. 353 ou 354 C.P.C., dado o mesmo só ser legalmente possível na pendência da causa e não quando a instância se encontra extinta, como é o caso em apreço.
Por outro lado,
6– Ao contrário do que defende a mesma sentença, não pode a Apelante habilitar nos autos sua mãe, C´ Interveniente/Ré na acção, dado a mesma não poder ser, simultaneamente, Recorrente/Autora.
7– É assim a Apelante parte legítima no presente recurso de revisão, enquanto transmissária da posição jurídica litigiosa de seu falecido pai, vencido na acção.
Finalmente,
8– Tendo deixado de haver Incertos na acção, o que fundamentou a intervenção do Ministério Público em sua representação, este é parte ilegítima para o presente recurso.
9– Violou a sentença recorrida por erro de julgamento o disposto nos arts. 259º, 1, 351º, 1, 631º, 1, 699º, 1 e art. 22º, 3, todos do C.P.C., devendo ser o acima referido o sentido que as normas jurídicas violadas devem ser interpretadas e aplicadas.
Termos em que, deve a sentença recorrida ser revogada e, em consequência julgar-se a Apelante parte legítima no presente recurso de revisão e parte ilegítima o Ministério Público, com as legais consequências.

O Ministério Público contra-alegou aderindo à fundamentação da sentença recorrida quanto à ilegitimidade da recorrente para deduzir o recurso extraordinário de revisão, por carecer de ser habilitada enquanto sucessora do interveniente principal falecido; mais considerou que a sentença não apreciou a legitimidade da recorrente nos termos do n.º 2 do art. 631º do CPC e que a sua legitimidade se mantém porque intervém em representação dos réus incertos, não tendo até ao momento comparecido qualquer réu, o que não é afastado pela intervenção dos intervenientes principais, por poder haver outros interessados na relação material controvertida.

Por despacho da relatora foi solicitada e junta aos autos certidão contendo a petição inicial, o despacho que ordenou a intervenção do Ministério Público em representação dos réus incertos, o requerimento de intervenção principal de terceiros, a decisão que recaiu sobre este incidente, a citação dos intervenientes principais e a sentença proferida nos autos principais.
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II–OBJECTO DO RECURSO.
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação (cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95).
Assim, perante as conclusões das alegações da apelante a questão que se impõe apreciar é a da legitimidade desta para a interposição do recurso extraordinário de revisão.

Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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III–FUNDAMENTAÇÃO

3.1.–FUNDAMENTOS DE FACTO
Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais que se evidenciam do relatório supra e ainda os seguintes factos que se apuram do teor da certidão junta aos autos e do acesso ao processo electrónico atinente aos autos principais:
1.– Em 19 de Julho de 2006, B. e BB. intentaram contra incertos acção declarativa de condenação, com processo ordinário pedindo que fosse proferida decisão que os declarasse donos do prédio urbano composto por …, com o artigo … e casa de rés-do-chão com 50 m2 e logradouro com 103,80 m2, com o artigo …, sito em Queluz, freguesia de Belas, descrito na Conservatória do Registo Predial de Queluz sob o n.º …, da freguesia de Belas, por o terem adquirido por usucapião e em consequência seja determinada a inscrição predial da referida propriedade dos autores na aludida Conservatória.
2.– Por despacho proferido em 21 de Novembro de 2006, foi ordenada a citação do Ministério Público, nos termos do artigo 16º do Código de Processo Civil de 1961 (cf. Ref. Elect. 725931).
3.– Por requerimento de 23 de Abril de 2008, os autores deduziram ampliação do pedido, requerendo que a declaração de propriedade abrangesse tanto o imóvel descrito sob o número …7 como o descrito sob o número …5, na parte que foi destacado, devendo ser determinada a inscrição predial da propriedade dos autores nas fichas …7 e …5, adquirida por usucapião (cf. Ref. Elect. 339393).
4.– Em 27 de Novembro de 2009, o Ministério Público dirigiu requerimento aos autos principais requerendo, nos termos do art. 325º do Código de Processo Civil de 1961, a intervenção principal provocada de D. e mulher D’ e C. e mulher C’ por figurarem como titulares inscritos no registo predial relativamente aos prédios objecto do litígio (cf. Ref. Elect. 557161).
5.– Em 11 de Junho de 2010 foi proferido despacho que admitiu a ampliação do pedido e, bem assim, a intervenção principal provocada dos titulares inscritos, ordenando a respectiva citação (cf. Ref. Elect. 7785963).
6.– Em 17 de Junho de 2010 foram emitidas cartas registadas com aviso de recepção para citação dos intervenientes principais D. e mulher D’ e C. e mulher C’, sendo que as dirigidas a estes últimos foram devolvidas (cf. Ref. Elect. 8493625, 8493626, 8493627 e 8493628).
7.– Em 9 de Setembro de 2010 foi solicitada a citação de C. e mulher C’ por intermédio de solicitador de execução, que informou, em 20 de Novembro de 2010 que, efectuada a diligência de citação, no dia 15 de Novembro de 2010, os citandos a recusaram, na pessoa de C’ que recusou receber quaisquer documentos e encerrou as portas e janelas da moradia onde habita (cf. Ref. Elect. 9183732 e 1538710).
8.– Por despacho de 9 de Dezembro de 2010 foi ordenado o cumprimento do disposto no art. 239º, n.º 5 do CPC de 1961, tendo sido expedida carta a C’ dando conta que tendo recusado assinar a certidão e os duplicados, na pessoa de C., os duplicados se encontravam à sua disposição na secretaria judicial (cf. Ref. Elect. 10194208 e 10283718).
9.– Em 9 de Maio de 2013 foi proferido despacho saneador (cf. Ref. Elect. 21983980).
10.– Foi realizada audiência de julgamento e em 17 de Outubro de 2013 foi proferida sentença que declarou B. proprietário do prédio urbano composto de …, com o artigo … e casa …, com o artigo …, sito em Queluz, freguesia de Belas, descrito na Conservatória do Registo Predial de Queluz sob o número …7, freguesia de Belas (cf. Ref. Elect. 24225297).
11.– A sentença referida em 10. foi notificada por expediente conforme certificação Citius de 21 de Outubro de 2013, tendo transitado em julgado em 25 de Novembro de 2013 (cf. Ref. Elect 24253567, 24253568, 24253569, 24253570, 24253571 e 24253565).
12.– A requerimento dos autores foi proferida decisão, em 26 de Maio de 2014, que, considerando tratar-se de um lapso de escrita, rectificou a sentença aditando-lhe o seguinte segmento: “e em consequência determina-se a inscrição predial da referida propriedade do autor nas fichas n.ºs …7 e …5 da freguesia de Belas da Conservatória do Registo Predial de Queluz, notificada às partes em 27 de Maio de 2014 (cf. Ref. Elect. 27465279 e 27525073, 27525112, 27525114, 27525115, 27525117 e 27525392).
13.– Novamente a requerimento dos autores foi proferida decisão, em 16 de Junho de 2014, que deferiu o pedido de rectificação, passando a constar, em sede de dispositivo o seguinte: “… e logradouro com 121,30 m2, com o artigo … (…)”, notificada às partes em 19 de Junho de 2014 (cf. Ref. Elect. 27802557, 27882366, 27882368, 27882369 e 27883922).
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3.2.–APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO.

A sentença recorrida absolveu os requeridos da instância por considerar que a recorrente, A., não tem legitimidade para interpor o recurso extraordinário de revisão por não ser parte na acção cuja sentença pretende rever, considerando que a interposição daquele recurso faz renovar a instância extinta pela sentença transitada em julgado e, como tal, estando a causa, de novo, pendente, deveria aquela deduzir incidente de habilitação com vista a suceder na posição processual de C., seu pai e interveniente principal, entretanto falecido, pelo que, não o tendo feito, não está assegurada a sua legitimidade para a causa.

A apelante sustenta, em contrário, que a habilitação pode surgir como requisito de legitimidade logo na petição inicial, sendo essa, precisamente, a situação verificada neste caso, tendo deduzido os pressupostos da sua qualidade de sucessora, conforme alegado no artigo 17º da sua petição inicial, pelo que deveria ter sido atendida a sua legitimidade para a causa.

O art. 696º do CPC enuncia de modo taxativo as diversas situações que determinam que uma decisão transitada em julgado possa ser objecto de revisão figurando, na sua alínea e), a circunstância decorrente da acção ou execução ter corrido à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, verificando-se falta ou nulidade da citação.

O art. 699º, n.º 1 do CPC permite o indeferimento do recurso de revisão quando o requerimento não tenha sido instruído de acordo com o disposto no art. 698º do mesmo diploma legal ou quando reconheça de imediato que não há motivo para revisão.

O recurso extraordinário de revisão é um meio processual que faculta a quem tenha ficado vencido num processo anteriormente terminado a sua reabertura, mediante a invocação de alguma das causas enunciadas nas alíneas a), b), c), d), e), f) e g) do art. 696º do CPC.

Enquanto com a interposição de qualquer recurso ordinário se pretende evitar o trânsito em julgado duma decisão desfavorável, através do recurso extraordinário de revisão visa-se a rescisão de uma sentença transitada em julgado.

O recurso de revisão constitui o último remédio contra os eventuais erros que afectem uma decisão judicial, já insusceptível de impugnação pela via dos recursos ordinários.

Ao lançar-se mão deste meio processual pretende-se a substituição da decisão revidenda por outra sem a anomalia que justificou a impugnação.

Nestes casos deparamos com um conflito entre as exigências da justiça e a necessidade da segurança ou da certeza.

“Em princípio, a segurança jurídica exige que, formado o caso julgado, se feche a porta a qualquer pretensão tendente a inutilizar o benefício que a decisão atribuiu à parte vencedora. Mas pode haver circunstâncias que induzam a quebrar a rigidez do princípio. A sentença pode ter sido consequência de vícios de tal modo corrosivos, que se imponha a revisão como recurso extraordinário para um mal que demanda consideração e remédio – cf. Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume VI, Coimbra, 1985, pág. 336.

O recurso extraordinário de revisão está estruturado em duas fases:
1)- a fase rescindente, destinada a afastar ou “rescindir” a decisão transitada em julgado;
2)- a fase rescisória, que se segue à anulação ou rescisão da decisão transitada e visa retomar o processo e aí obter uma decisão que substitua a rescindida ou anulada.

Como é sabido, a natureza jurídica da revisão tem sido objecto de ampla discussão na doutrina e na jurisprudência, sendo qualificado como uma verdadeira acção, como autêntico recurso ou como misto de recurso e de acção, sendo que a solução encontrada assume relevo, desde logo, para determinação da lei aplicável.

Disso dava já conta o Prof. Alberto dos Reis referindo:
“Os recursos extraordinários abrem um processo novo; têm a natureza de acções autónomas. Como, porém, o seu objecto é constituído por um processo e uma decisão anterior (ou só por esta), a lei assimila-os, sob vários pontos de vista, aos recursos ordinários. […]
Barbosa de Magalhães, a propósito do tema do começo da instância, afirma: a interposição de recurso não importa a constituição de nova instância. Mas depois de demonstrar esta tese, faz a seguinte ressalva: Referimo-nos aos recursos ordinários; os extraordinários, tanto a revisão como a oposição de terceiro, constituem uma nova instância, por isso que ambos se destinam a atacar o caso julgado […]
Sá Carneiro […] Acha que a instância, extinta pelo trânsito da sentença em julgado, revive pela interposição do recurso extraordinário, de sorte que, para o efeito do valor e das alçadas, subsiste o statu quo ante. […]
Colocamo-nos ao lado de Sá Carneiro. […] A revisão tem carácter híbrido, é um misto de recurso e de acção. Com efeito, nas duas primeiras fases (fase liminar e fase rescindente) a revisão apresenta a feição de recurso; na terceira fase (fase rescisória) a revisão assume a natureza de acção pròpriamente dita. […]
É fora de dúvida que com o trânsito em julgado da sentença a instância iniciada pela propositura da acção respectiva (art. 267º) extinguiu-se (art. 292º). A parte vencida interpõe o recurso de revisão. O que sucede?
Sucede que se abre uma instância, a qual morre ao nascer, se o requerimento é indeferido, ou prossegue, se o juiz lavra despacho de admissão. […]
Parece-nos claro que esta instância aberta pelo recurso de revisão é a própria instância que o caso julgado extinguira. […]
Com o recurso de revisão pretende-se um novo exame da mesma causa. Se o recurso obtém provimento ou está em condições de seguir, o processo anterior retoma o seu vigor […] é por isso que a instância tem de manter-se a mesma quanto às pessoas, quanto ao pedido e à causa de pedir (art. 268º). […]
Portanto a revisão caracteriza-se desta maneira: é um recurso que se destina a fazer ressurgir uma acção finda e que vai reabrir uma instância anterior.” – cf. op. cit., pp. 373-377.
Perfilha esta doutrina, na esteira também de Amâncio Ferreira, Francisco Ferreira de Almeida, considerando a revisão como uma figura processual híbrida: um misto de acção e de recurso – cf. Direito Processual Civil, Volume II, 2015, pág. 567.
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-01-2014, relator Fonseca Ramos, processo n.º 5078-H/1993.L2.S2 acessível na Base de dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt[2] dá-se conta, precisamente da diversidade de posições, aí se concluindo, ao que se depreende, pela consideração da revisão como acção autónoma:
“Armindo Ribeiro Mendes, in “Recursos em Processo Civil – Reforma de 2007” escreve, págs. 180-181:
“É usual, desde Manuel de Andrade, sustentar que os recursos extraordinários abrem um processo novo, sendo verdadeiras acções autónomas […]
Segundo este processualista de Coimbra, o objecto dos recursos extraordinários é constituído por um processo anterior e uma decisão anterior, ou só por esta, embora a lei assimilasse, sob vários aspectos, a revisão e a oposição de terceiro aos recursos ordinários. […]
Se analisarmos o regime jurídico deste recurso, concluiremos que são raras as normas dos recursos ordinários que se lhes aplicam, estando mais perto a sua estrutura de uma acção autónoma – apesar de intimamente ligada a um processo anterior transitado em julgado.
O recurso extraordinário de revisão […] não integra, formal e estruturalmente a tramitação do processo de que se torna apenso, quando instaurado; a acção vive, sobrevive e finda na maior parte dos casos sem que haja tal recurso, não sendo de considerar um iter necessário da respectiva tramitação, cuja autonomia e fim último é destruir através de um processo declarativo com regras peculiares, com estrutura declarativa e autonomia, o caso julgado com fundamentos taxativamente previstos.
É certo que tem uma componente mista (peculiar, sobretudo, se a acção passar a fase rescidente), com uma tramitação própria, mas essa singular tramitação não o descaracteriza como acção autónoma. Com ele inicia-se um processo novo cujo fim último é destruir o caso julgado formado em acção anterior.
Não sendo, sequer enxertado na acção anterior, mas implicando uma petição inicial onde devem ser expostos os fundamentos da revisão, prevendo indeferimento liminar e, só passado esse crivo, uma fase de instrução e decisão; estes elementos, a nosso ver, caracterizam-na como acção autónoma o que não é invalidado pelo facto do objectivo que visa se relacionar com uma decisão judicial anterior.”
No dia 1-09-2013 entrou em vigor o novo Código de Processo Civil conforme art. 8º da Lei n.º 41/2013, de 26-06.
Para quem adopte a natureza mista, a revisão configura-se como recurso na fase rescindente (em que a interposição faz ressurgir a mesma instância que a decisão transitada encerrara) e como acção declarativa na fase rescisória (instrução, discussão e julgamento da causa).
Se se considerar tratar-se de uma verdadeira acção, porque instaurada em 4 de Abril de 2017, aplicar-se-á o novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26-06.
A entender-se como autêntico recurso ou a natureza mista (fase rescindente e fase rescisória), aplicar-se-á também o regime actual porque a decisão recorrida foi proferida na fase rescindente, sendo indiferente a circunstância de a acção haver sido proposta em 2005.
Assim, independentemente da qualificação a atribuir à revisão será aqui aplicável o regime do actual Código de Processo Civil – cf. neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 6-11-2018, relator Jorge Arcanjo, processo n.º 46/81.6TBTCS-A.L1.
Seja a revisão encarada como acção autónoma, seja-o como recurso em sentido próprio, não há dúvidas que as normas que se lhe aplicam tornam-na num processo de natureza híbrida e é esta natureza que se impõe, precisamente, sobrelevar.
António Abrantes Geraldes realça precisamente esta situação do seguinte modo:
“Conquanto o recurso de revisão se insira no capítulo dos “Recursos”, obedece a pressupostos e regras substancialmente diversas das que regem os recursos ordinários. De entre as disposições gerais relativas aos recursos importa especialmente o art. 628º (que define o trânsito em julgado) e o art. 631º (que regula o pressuposto da legitimidade) […] Importa ainda ter em atenção o disposto no art. 641º para o qual remete o art. 699º. Quanto aos demais preceitos, naturalmente que a revisão não depende nem do valor do processo, nem da sucumbência. Também não é aplicável o art. 632.º que prevê a renúncia antecipada ao recurso, já que colide com os interesses de ordem pública subjacentes ao recurso de revisão.” – cf. op. cit., pág. 450.
José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, volume 3.º, tomo I, 2ª edição, Coimbra, 2008, p. 223, refere que “O regime geral dos recursos ordinários não é, em regra, aplicável aos recursos extraordinários, atendendo à radical diferença entre ambas as figuras. (…) Por isso, se se descontar a ideia de que a parte pode livremente desistir do recurso ordinário, tal como do extraordinário, já interposto, grande parte das regras gerais dos recursos ordinários são inaplicáveis aos recursos extraordinários. Basta referir a inaplicabilidade das regras de recorribilidade em função do valor da causa, confrontando este com o da alçada do tribunal recorrido, ou da sucumbência, da licitude da renúncia aos recursos, sobretudo a antecipada, dos prazos de interposição […]” – apud acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-01-2017, relator João Trindade, processo n.º 39/16.4YFLSB.
Sucede, contudo, que o recurso de revisão pressupõe a verificação de determinados pressupostos processuais (quanto à competência é fixada por conexão – cf. art. 697º, n.º 1 do CPC), sendo aplicável, no que à legitimidade concerne, a regra do art. 631º do CPC que dispõe sobre legitimidade activa para a interposição dos recursos, incluindo os extraordinários, do seguinte modo:
“1.- Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido.
2.- As pessoas direta e efetivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias. […]”

Assim, a legitimidade para recorrer é conferida à parte prejudicada com o caso julgado que, por aquela via, se pretende destruir e, eventualmente, a outras pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão, ainda que não sejam partes na causa ou sejam partes acessórias.

No caso em apreço, o pedido de revisão deduzido pela apelante assenta na falta de citação, ou melhor, na nulidade da citação de C., interveniente principal pelo lado passivo na acção declarativa em que foi proferida a decisão revidenda, conforme o previsto na alínea e) do art.º 696º do CPC.

Assim, quem tem legitimidade para recorrer é precisamente o réu que não foi citado ou o foi irregularmente naquela acção e que se tem por afectado pelo caso julgado ali formado (note-se que a legitimidade para recorrer constitui um requisito de admissibilidade deste meio recursório, nos termos dos artigos 631.º e 641.º, n.º 2, alínea a), do CPC, pelo que a consequência deve ser a do não conhecimento do objecto de tal recurso – cf. neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-03-30218, relator Manuel Tomé Soares Gomes, processo n.º 3226/11.5TBMAI-A.P1.S1).

No entanto, A. apresentou-se a interpor o presente recurso extraordinário de revisão alegando que C. faleceu em 23 de Setembro de 2015 (ou seja, já depois do trânsito em julgado da decisão revidenda), sem testamento ou disposição de última vontade, casado sob o regime de comunhão geral de bens com C’, deixando como únicas e universais herdeiras, esta sua mulher e a filha, a própria recorrente (cf. artigo 17º da petição inicial).

Ou seja, logo na petição inicial a apelante invocou o fundamento da sua legitimidade para se apresentar a interpor o recurso de revisão, ou seja, o ter ocupado a posição processual do interveniente principal passivo, C., por sucessão mortis causa.

A senhora juíza a quo entendeu, contudo, que, dado que a legitimidade para interpor o recurso de revisão cabia ao interveniente principal C., a sua sucessora, pretendendo prosseguir os termos da demanda por este meio processual, teria de deduzir incidente de habilitação, sua e dos demais sucessores, considerando que, ao invés do pugnado pela apelante, a acção deveria considerar-se pendente logo com a interposição do recurso de revisão, que faz renascer a instância extinta.

Um dado há-de ter-se por adquirido: transitada em julgado a sentença final sobre o fundo da causa proferida na acção declarativa em referência, a respectiva instância extinguiu-se – cf. art. 277º, a) do CPC; cf. Francisco Ferreira de Almeida, op. cit., Volume I, pág. 614.
E se a instância está extinta afigura-se realidade incontornável que não está pendente.
Sustenta-se na decisão recorrida que competia à apelante, pretendendo ocupar a posição do seu falecido pai na causa, deduzir o competente incidente de habilitação, posto que interposto o recurso de revisão a instância extinta renova-se imediatamente.
Em primeiro lugar, não se vislumbra como poderia a recorrente fazer renascer a instância extinta pela interposição do recurso de revisão se se não lhe reconhece, desde logo, legitimidade para esta, devendo, primeiramente, deduzir incidente de habilitação, numa acção que sem a interposição daquele recurso está necessariamente extinta.
Ademais, afigura-se que não bastará a mera apresentação do requerimento inicial de recurso extraordinário de revisão para ter-se por renascida a instância extinta.
Como refere o Prof. Alberto dos Reis na transcrição supra efectuada, a instância morre ao nascer, se o requerimento é indeferido.
Significa isto que só com a admissão do recurso de revisão é que se considera renovada a instância na qual foi proferida a decisão a rever; até essa admissão, essa instância está extinta, em função do trânsito em julgado da decisão, que se mantém – cf. neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5-07-2018, relator Salazar Casanova, processo n.º 1617/14.1T8VNG.S1-C.
E sendo assim, como é, então como sustentar que ainda antes de interpor o recurso extraordinário de revisão, para assegurar a legitimidade para a tal interposição, deva a recorrente deduzir um incidente de habilitação? Em que a acção o deveria deduzir? Na acção extinta?
Como é óbvio, tal não pode ser, precisamente porque o incidente de habilitação dos sucessores da parte falecida pressupõe uma acção pendente – cf. art. 351º, n.º 1 do CPC.
A habilitação visa demonstrar a aquisição, por sucessão ou transmissão, da titularidade de um direito ou complexo de direitos, ou doutra situação jurídica ou complexo de situações jurídicas – cf. Prof. João de Castro Mendes, Direito Processual Civil, IIº Volume, Revisto e Actualizado, 1987, edição AAFDL, pág. 294.

Ora, como aí se refere, o processo da habilitação pode fazer-se por uma de três formas:
a)- através da habilitação-legitimidade;
b)- por meio da habilitação-acção;
c)- ou por habilitação incidental.

Na habilitação-legitimidade, esta efectua-se através da petição ou requerimento inicial da acção e dos actos de prova subsequentes (indiferenciados dos outros actos de prova do processo), como elo da demonstração da titularidade da situação jurídica invocada, como sucede no caso previsto no art. 54º, n.º 1, segunda do CPC (para o caso da execução deduzida contra os sucessores no direito ou obrigação), sendo o regime idêntico na acção declarativa.

No segundo caso, trata-se de processo cujo objecto principal ou um dos objectos principais é a demonstração da sucessão na titularidade dum complexo de situações jurídicas (por exemplo, na acção de petição de herança, prevista no art.º 2075º do Código Civil).

Finalmente, quanto à habilitação incidental, a prova da aquisição por transmissão de certa situação jurídica faz-se no decurso de um processo, a fim de o transmissário se substituir ao transmitente também na titularidade da relação jurídica processual no processo que tem essa situação jurídica por objecto, tal como se encontra previsto nos artigos 351º e seguintes do CPC – cf. Prof. J. Castro Mendes, op. cit., pp. 295-297.

Também o Prof. José Alberto dos Reis referia que a habilitação pode apresentar-se sob três aspectos diferentes: a) Como incidente duma causa que corre em juízo; b) Como objecto próprio de uma acção; c) Como elemento ou requisito da legitimidade das partes, distinguindo-as, precisamente, como habilitação-incidente, habilitação-acção e habilitação-legitimidade, verificando-se esta quando na petição inicial duma acção ou duma execução se alega que o autor ou o réu, o exequente ou o executado, sucederam na posição jurídica que pertencia a outra pessoa, integrando-se processualmente na acção, ou seja, sendo requisito da legitimidade não tem autonomia processual – cf. Código de Processo Civil Anotado, Volume I. 3ª edição – reimpressão, Coimbra 1982, pp. 573-574.

Distinguindo estas figuras quanto à função, o Prof. Alberto dos Reis explica que a habilitação incidental visa colocar o sucessor no lugar que o falecido ou transmitente ocupava no processo pendente, tendo a sentença de habilitação efeito limitado ao processo; a habilitação-acção tem em vista habilitar uma pessoa, não para determinado fim especial, mas para todo e qualquer fim, gozando a sentença proferida de eficácia geral; a habilitação-legitimidade aproxima-se, quanto à sua função e alcance, da habilitação incidental, dado que visa colocar o sucessor na posição jurídica do falecido respeitante a um determinado processo, sendo a diferença, em relação a esta, a de que se apresenta no início da acção e não na sua pendência – cf. op. cit., pp. 574-575.

De igual modo, a habilitação judicial como requisito de legitimidade é reconhecida por outros autores, designadamente, Salvador da Costa, em Os Incidentes da Instância, 2ª edição, pp. 207-208 e Ferreira de Almeida, op. cit., volume I, 2ª edição, pág. 600:
“A habilitação-legitimidade (requisito de legitimidade activa ou passiva) tem lugar sempre que na petição inicial de uma acção ou no requerimento executivo se alega que o autor ou o réu (ou o exequente ou o executado) já sucedeu (ex-ante) na titularidade da relação ou posição jurídica controvertida (v.g., de um crédito ou de uma obrigação) pertença de outrem, assim justificando a sua legitimidade ad causam para a acção ou execução (em apreço) através da invocação, além do mais, dos factos consubstanciadores da sucessão e da respectiva prova. Como requisito que é da legitimidade da parte, não possui autonomia processual, enxertando-se, por isso, nos próprios autos da acção […]”

A jurisprudência vem acolhendo este posicionamento, reconhecendo a habilitação legitimidade como aquela que se faz através da petição inicial da acção e dos actos de prova subsequentes, como elo de demonstração da titularidade da situação jurídica invocada, ou seja, quando numa acção ou execução se alega que o autor ou o réu, exequente ou executado, sucederam na posição jurídica que pertencia a outra pessoa, desempenhando aí o papel ou requisito da legitimidade processual do autor ou do réu, pois não se trata de qualquer modificação subjectiva da instância, e cuja apreciação não faz caso julgado – cf., entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-11-2011, relator Luís Correia de Mendonça, processo n.º 102456/09.0YIPRT.L1-8; acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21-02-2006, relator Jorge Arcanjo, processo n.º 3927/05, acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 7-12-2006, relator Bernardo Domingos, processo n.º 2074/06-3 e de 8-03-2018, relator Manuel Bargado, processo n.º 132/13.5TBABF-A.E1 (este, ainda que a propósito de acção executiva).

Ora, considerando a natureza híbrida do recurso extraordinário de revisão, a propensão para assumir os contornos de recurso na primeira fase e os de uma acção declarativa na segunda e, mais do que isso, a dificuldade de o fazer reconduzir isoladamente ao regime decorrente de um ou de outra, tendo presente que, não obstante visar fazer ressurgir a acção finda e reabrir a instância anterior, “na impugnação extraordinária de revisão existe uma acção que se distingue da acção anterior, da qual resultou a decisão revidenda”, cujos “actos que estruturam a acção de revisão, constituem, […] um processo diferenciado daqueloutro que levou à feitura da decisão revidenda e por isso o fundamento do recurso de revisão não terá, em princípio, nada a ver com o objecto desta”[3], torna-se evidente que, tendo ocorrido, como é o caso, o óbito daquela que é parte vencida na acção onde foi proferida a sentença a rever, mantendo-se a respectiva instância extinta enquanto não for admitido o recurso de revisão, os sucessores da parte vencida que pretendam lançar mão deste meio processual deverão habilitar-se judicialmente mediante o mecanismo da habilitação-legitimidade a deduzir na respectiva petição inicial.[4]

Tendo a recorrente deduzido o requerimento de interposição de recurso extraordinário de revisão pretendendo ocupar a posição processual do falecido C., teria de alegar factos sobre a habilitação legitimidade, isto é, não só o óbito do falecido, anterior titular do direito, a identificação dos sucessores com a respectiva filiação e a aceitação da herança por parte destes.

Face ao alegado no artigo 17º da petição inicial – “A 23/09/2015 faleceu o C., sem testamento ou disposição de última vontade, no estado de casado sob o regime de comunhão geral com C’, deixando como únicas e universais herdeiras esta sua mulher e sua filha, A., no estado de viúva, ora recorrente (doc. 27 e 29), que também usa Joaquina Maria Morais (doc. 30).” - não sobram dúvidas que a apelante cumpriu tal ónus de forma cabal.

A prova dos factos consubstanciadores da alegada sucessão deve ser efectuada simultaneamente com a prova dos actos da acção, não dando lugar a um processamento autónomo, pelo que tendo a recorrente alegado os factos atinentes a tal sucessão e juntando a prova que se impunha (certidão de óbito, certidão de casamento e certidão de nascimento – cf. fls. 25, 26 e 27 e 27 verso e 289), competia ao tribunal a quo apreciar a sua legitimidade para a causa em face dos factos alegados (tanto mais que a contestação deduzida não os impugnou), o que não fez, porquanto entendeu necessária a dedução de habilitação-incidente.

Acresce que a aceitação da herança, não tendo sido expressamente afirmada pela apelante, pode ser tácita, ou seja, sê-lo-á quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam – cf. art.ºs 2056º e 217º do Código Civil -, pelo que o comportamento da recorrente, ao deduzir o presente incidente, tem de ser relevado para efeitos de apreciação de eventual aceitação tácita.

Como tal, tendo-se concluído que face ao óbito da parte vencida o respectivo sucessor, querendo lançar mão do recurso extraordinário de revisão, teria de justificar a sua legitimidade através da habilitação-legitimidade e não através de habilitação-incidente (apenas possível na pendência de uma causa que, no caso, não se verificava nem se verificaria enquanto não fosse admitido o recurso de revisão), em face dos factos alegados pela requerente na petição inicial, não podia a senhora juíza a quo julgar a recorrente parte ilegítima sem apreciar tais factos enquanto consubstanciadores da sucessão e sobre estes emitir pronúncia, concluindo ou não pela prova dessa sucessão na posição processual do falecido C.

Impõe-se, assim, a revogação da decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que em face dos factos alegados aprecie a legitimidade da recorrente para a presente causa.

A decisão recorrida apenas apreciou a legitimidade da recorrente sob o ponto de vista da sua qualidade de parte principal vencida na acção, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 631º, n.º 1 do CPC, ou seja, sem apreciar a sua eventual legitimidade enquanto pessoa directa ou efectivamente prejudicada pela decisão (cf. n.º 2), pelo que a esta Relação apenas se impõe apreciar a decisão nessa sede, posto que o objecto do recurso apenas pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas – cf. neste sentido, A. Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 97.

De referir também que, não obstante a sentença recorrida ter afirmado a necessidade da habilitação da recorrente e dos demais sucessores do falecido interveniente principal (cf. fls. 107 veros, segundo parágrafo), certo é que não foi concretamente apreciada a questão atinente à necessidade de habilitação da viúva de C., também ela interveniente na acção declarativa, C’ (ao contrário do que é referido no ponto 6 das conclusões das alegações de recurso).

No entanto, sempre se dirá que tem sido entendido que no contexto da habilitação-incidental, ocupando já na causa um dos herdeiros uma posição contrária à da parte falecida, não pode aquele ser habilitado para figurar na acção no lado contrário ao seu.

Tal como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-09-2017, relator António Valente, processo n.º 2467-13.8TBCSC.L1-8:
“[…] no âmbito de uma relação jurídica processual, não é concebível que uma parte ocupe, em simultâneo, dois dos três elementos subjectivos (cada uma das partes e o Estado, sendo este representado pelo Juiz, e no exercício duma função de soberania, a função jurisdicional) que uma tal relação jurídica comporta e integra (a de autor e de réu). Que assim é decidiu já o STJ no Ac. de 2/6/1964, in BMJ, 138, pág. 298, ao considerar que "falecida a autora de acção intentada contra 2 dos seus filhos, não podem ser habilitados para, em seu lugar ocuparem a posição de autores, os seus filhos que nela figuram como réus, mas apenas os restantes". Na mesma e douta decisão, a coadjuvar a apontada conclusão, considerou-se, e bem, que a habilitação incidental respeita tão só à transmissão da posição jurídica litigiosa, a qual não tem que coincidir com a transmissão universal dos direitos do falecido.”

Nada obsta a que o habilitando (pai do falecido autor) que não ocupava qualquer posição na causa possa vir a ser habilitado, sucedendo na posição do falecido autor, para com ele prosseguir o processo os seus termos. A Ré, mãe do Autor, é que não poderá ser habilitada já que tal a colocaria simultaneamente como Autora e Ré do mesmo processo. […] Por outro lado, nada obsta a que um dos sucessores seja habilitado para ocupar a posição processual da parte falecida, desacompanhado do outro sucessor. Isto porque a legitimidade do sucessor se afere nos termos da relação material controvertida como a configurou o falecido autor.”

Em sentido idêntico parecem pronunciar-se J. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre ao convocarem o decidido pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2-06-1964, reforçando que a habilitação incidental respeita tão-só à transmissão da posição jurídica litigiosa, a qual não tem de coincidir com a transmissão universal dos direitos do falecido, a que respeita a acção autónoma de habilitação – cf. Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 3ª edição, pág. 683.

Em consonância com o acima expendido, sendo a habilitação-legitimidade, em vista da sua função, similar à habilitação incidental, justifica-se que se formule idêntico juízo, isto é, que estando em causa a legitimidade da recorrente para ocupar a posição do interveniente principal revel, em relação ao qual se verificou a nulidade da citação, nada obsta a que seja a recorrente legitimada para a interposição do recurso de revisão, enquanto sucessora daquele interveniente principal, ainda que desacompanhada da mãe, viúva do falecido, posto que esta, por sua vez, é parte na acção em que foi proferida a sentença revidenda (e relativamente à qual não se coloca a questão da falta ou nulidade de citação), passando agora a ocupar a posição de recorrida no contexto do recurso de revisão.

Por fim, cumpre apenas referir que, de acordo com o disposto 22º, n.º 3 do CPC, a representação do Ministério Público só cessa quando os citados como incertos se apresentem para intervir como réus e a sua legitimidade se encontre devidamente reconhecida.

Na decisão recorrida, o tribunal a quo considerou manter-se a legitimidade do Ministério Público em representação dos incertos, que se subsiste, atenta a aferição desse pressuposto ser efectuada em função de quem é parte na acção cuja sentença se pretende rever.

A recorrente entende que assim não é porque deixou de haver incertos na acção perante a intervenção provocada de D. e C. e respectivas mulheres, promovida pelo próprio Ministério Público.

Certo é que veio a ocorrer a intervenção principal de C. e mulher enquanto titulares inscritos do direito de propriedade relativo ao prédio …, inscrito sob o artigo … da freguesia de Casal de Cambra e descrito sob o número …, mas tendo em conta que se trata da intervenção de chamados e não dos réus citados como incertos, não se pode afirmar que coincidem com aqueles que foram citados para a acção.

Além disso, apesar da intervenção de algum ou de alguns dos sujeitos com interesse directo na demanda, a acção poderá seguir contra incertos se, ouvidas as partes, se constatar que podem existir outras pessoas ainda não intervenientes – cf. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, pág. 52.

Como tal, a mera intervenção dos chamados como intervenientes principais não determina, por si só, a cessação da representação do Ministério Público.

Não fornecendo os autos outros elementos que permitam aferir da bondade do afirmado pelo recorrente, nem emanando dos autos qualquer decisão proferida pelo tribunal recorrido que ateste a cessação da intervenção do Ministério Público, ou que, pelo contrário, afirme a existência de incertos, para além da afirmação vertida na sentença recorrida, não é possível asseverara que não existem quaisquer outros interessados e, por essa razão, que deixou de subsistir a necessidade de representação do Ministério Público como incertos, pelo que improcede, nessa parte, a argumentação recursória.
*

Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

Nos termos do art. 1º, n.º 2 do RCP, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.

A recorrente logrou obter o reconhecimento da pretensão recursória que trouxe a juízo, pelo que não é responsável pelas custas.

O Ministério Público, parte vencida, actua nos presentes autos em representação dos incertos, pelo que não se encontra abrangido pela isenção de custas prevista no art. 4º, n.º 1, a) do Regulamento das Custas Judiciais.

Por sua vez, o estatuído no art. 26º, n.º 6 do Regulamento das Custas Processuais aplica-se apenas no confronto do Ministério Público, isento de custas, o que não é o caso.

Como tal, o direito da recorrente a obter o reembolso das custas parte deveria ser exigido dos incertos representados pelo Ministério Público – cf. neste sentido, Salvador da Costa, As Custas Processuais Análise e Comentário, 7ª Edição, pág. 236.
Não há, assim, lugar a condenação em custas.
*

IV–DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em:
a)- julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que dê prosseguimento aos trâmites processuais subsequentes com apreciação, desde logo, da habilitação-legitimidade da recorrente em face dos factos alegados na petição inicial.
Sem custas.
*


Lisboa, 9 de Abril de 2019



(Micaela Sousa)
(Maria Amélia Ribeiro)
(Dina Maria Monteiro)



[1]Adiante designado pela sigla CPC.
[2]Todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem encontram-se disponíveis na Base de dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt.
[3]Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4-07-2016, relatora Ana Paula Boularot, processo n.º 241/10.2TVLSB.L1-A.S1; no mesmo sentido, crê-se, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 6-11-2012, relator Henrique Antunes, processo n.º 169487/08.3YIPRT-A.C1 – “[…] o recurso extraordinário de revisão é equiparável a uma qualquer acção constitutiva e os poderes de apreciação do tribunal nessa apreciação coincidem com aqueles que lhe são reconhecidos na generalidade das acções declarativas (art.ºs 4 nº 2 c) e 771 do CPC).”
[4]Cf. Prof. Castro Mendes, Direito Processual Civil, IIIº Vol. Revisto e Actualizado, edição AAFDL, pág. 258 – “O requerimento de interposição não é como o dos recursos ordinários – é antes uma verdadeira petição ou requerimento inicial, com intróito, narração e conclusão, e acompanhado dos documentos necessários.”


Decisão Texto Integral: