Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6473/22.3T8ALM.L2-6
Relator: CLÁUDIA BARATA
Descritores: GESTÃO DE NEGÓCIOS
PREFERÊNCIA
REPRESENTAÇÃO SEM PODERES
HABILITAÇÃO DE HERDEIROS
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/09/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – A distinção entre a gestão representativa e a não representativa reside na actividade de gestão e na esfera jurídica onde o efeito dessa gestão de imediato se produz.
II - Na gestão não representativa a actividade de gestão produz efeito na esfera jurídica do gestor.
III - O recurso a juízo para acção de preferência é a actividade de gestão (do negócio, isto é, do interesse em efectivar o direito de preferência que não foi concedido e que se afirma como potestativo nas esferas jurídicas do vendedor e dos compradores) que é desenvolvida pelo Autor.
IV - Quando a gestão passa pela propositura de uma acção judicial em que o negócio só pode resolver-se a favor directo do dono do negócio, não estamos perante gestão de negócios não representativa.
V – Agindo o Autor em gestão de negócios representativa, sem poderes, por força do disposto no artigo 268º do Código Civil, mostra-se necessária a ratificação daquele que o Autor representa.
VI – Tendo a mãe do Autor falecido na pendência da acção sem que tenha ratificado a propositura da acção.
VII - Deixando a sua falecida mãe dois sucessores, não pode operar apenas a habilitação de um deles, que no caso seria apenas o Autor.
VIII – O incidente de habilitação de herdeiros visa declarar os sucessores da falecida como habilitados para, em nome desta, prosseguirem a acção. Opondo-se a Ré à pretensão do Autor/Recorrente com a presente acção, é manifesto que esta jamais poderá considerar-se como habilitada para, juntamente com o Recorrente/Autor prosseguir os termos da acção, nomeadamente, ratificando os actos praticados pelo Autor no âmbito da gestão de negócios.
IX - A Ré não pode ocupar a posição de Ré e ao mesmo tempo a de Autora (decorrente da habilitação que decorreria do facto de ser sucessora da falecida sua mãe).
X - Com o óbito da mãe do Autor na pendência da presente acção, passamos a ter uma herança indivisa, pelo que os herdeiros não têm qualquer direito próprio a qualquer dos bens que a integram, motivo pelo qual os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros, nos termos prescritos no artigo 2091º, nº 1 do Código Civil.
XI - A ratificação a ter lugar na pendência da acção teria de ser efectuada por todos os herdeiros, ou seja, pelo Autor e Ré, uma vez que o direito de preferência a existir integra o acervo hereditário da falecida.
XII - Partindo do princípio que o direito de preferência pertenceria à herança e não aos herdeiros, a ratificação da gestão de negócios exercida através da presente acção também teria de ser efectivada por todos os herdeiros, o que é manifestamente impossível atenta a posição da Ré que, ao lado do Autor, são os herdeiros da falecida.
XIII - Face à impossibilidade de ratificação do acto de propositura da presente acção judicial pela alegada dona do negócio na pendência da acção, ou pelos seus herdeiros, a presente acção não poderá produzir os seus efeitos por falta de ratificação, julga-se a presente acção extinta por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
I. Relatório
BB, na qualidade de Gestor de Negócios de AA, viúva, residente na Rua …, n.º …, ...º Esq., …, Almada, propôs acção declarativa sob a forma de processo comum contra CC e DD, casados sob o regime da comunhão de adquiridos, e contra EE, peticionando que seja reconhecido o direito de preferência de AA na compra da fracção autónoma designada pela letra “E” correspondente ao segundo andar esquerdo, destinada a habitação, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal sito na Rua …, n.º …, freguesia da …, concelho de Almada, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o número … pertencente à freguesia a …, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ….º, que seja transmitido a AA o direito de propriedade relativa à fracção autónoma dos autos mediante o pagamento do valor da compra e venda, substituindo-se a mesma aos Réus CC e DD na escritura de compra e venda outorgada em 04 de Julho de 2022, no Cartório Notarial de Almada, que seja ordenado o cancelamento da inscrição decorrente da AP. 1111 de 2022/07/04 e ainda os Réus condenados no pagamento das custas processuais e condigna procuradoria.
Para tanto alegou o Autor, em resumo, que a sua mãe padece de Demência – Doença Alzheimer; Síndrome da Coluna sem irradiação de dor; Obesidade; Bronquite/Bronquiolite aguda; e Alteração funcional do estômago – úlcera gástrica crónica. A saúde da sua mãe tem vindo a degradar-se.
A sua mãe é arrendatária da fracção, onde reside. Os primeiros Réus adquiriram ao segundo Réu a fracção da qual a mãe é arrendatária. Sendo titular de direito de preferência na sua compra, nenhum dos Réus deu, em momento prévio à outorga do contrato, conhecimento à mãe do aqui Autor sobre quais os concretos contornos do contrato que veio a ser celebrado e sem ter sido dado à mãe o Autor o direito ao exercício da preferência.
Tais factos apenas chegaram ao conhecimento do Autor em 22 de Julho de 2022, aquando da obtenção da certidão de escritura pública.
Mais alega o Autor que propôs a presente acção a título de gestão de negócios, nos termos do disposto nos artigos 464º e seguintes do Código Civil.
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Regularmente citados, os Réus contestaram defendendo-se por excepção, invocando, entre outras, a excepção de ilegitimidade activa. Alegando, em suma, que ao invés do alegado, o interesse na acção não pertence à sua mãe, mas sim ao próprio porquanto com o presente litígio apenas pretende que a fracção integre o património de sua mãe e futuramente possa ter direito a herdá-la.
A mãe do Autor e da Ré, perante a possibilidade de comprar a fracção, sempre manifestou não ter interesse. A tanto acresce que não pode o Autor onerar a esfera jurídica da sua mãe, bem sabendo que esta não tem dinheiro para a aquisição. O Autor tem acesso à conta da mãe da qual também é titular, pelo que age com culpa, sem a diligencia de um bonus pater famílias”, uma vez que ao fazer o depósito à ordem do processo do montante de €45.000,00, que sabe que não pode ser ressarcido, só revela o interesse próprio no negócio, que a qualquer custo quer ver celebrado em nome da sua mãe.
Defendem-se ainda dos Réus por excepção dilatória de ineptidão da petição inicial invocando, em resumo, que agindo o Autor a título de gestão de negócios do direito de preferência da AA, o pedido de reconhecimento do direito de preferência da AA e a substituição imediata na escritura, dos primeiros Réus por AA, impede a ratificação por parte desta da gestão. O Autor peticiona que o Tribunal transfira direta e imediatamente a propriedade da fração identificada nos autos para a esfera jurídica da AA, sem que esta possa manifestar a sua vontade no exercício ou não da preferência. O regime da gestão de negócios não permite que tal situação possa acontecer, tem que haver manifestação de vontade do dono do negócio.
Invocam ainda os Réus excepção peremptória de caducidade da acção de preferência.
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Por requerimento datado de 26 de Dezembro de 2022 foi junto aos autos assento de óbito de AA, falecida aos 98 anos de idade, em 12 de Dezembro de 2022, requerendo a extinção dos autos por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º alínea e) do Código de Processo Civil.
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No exercício do contraditório, o Autor pronunciou-se quanto à matéria de excepção pugnando pela sua improcedência.
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Fixado o valor da causa, foi dispensada a realização de audiência prévia e foi conhecida da excepção de ilegitimidade, tendo sido julgada procedente a excepção de ilegitimidade activa do Autor, com a consequente absolvição dos Réus da instância.
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Inconformado, o Autor interpôs recurso da decisão.
Por acórdão datado de 09 de Novembro de 2023 foi concedido provimento ao recurso e em consequência foi revogada decisão recorrida na parte em que considerou que o Autor era BB, agindo como gestor de negócios em seu próprio nome e em consequência o considerou parte ilegítima e por isso absolveu os Réus da instância, considerando assim que BB agiu nos autos em gestão de negócios representativa de sua mãe AA, e em conformidade determina o regresso dos autos à fase de saneamento para verificação do pressuposto processual da legitimidade activa da referida dona do negócio, nos termos que, em função do falecimento da mesma, vierem a ser devidos.
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Na sequência do Acórdão proferido, o Tribunal de 1ª Instância proferiu o seguinte:
“Em face do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, mantém-se o teor do despacho proferido em 1.3.2023 até à parte atinente à “Legitimidade do Autor”, passando-se, quanto ao mais, a proferir a seguinte decisão:
Da legitimidade ativa:
BB, na qualidade de gestor de negócios representativa de sua mãe AA, intentou a presente ação declarativa de condenação, que corre termos sob a forma de processo comum, contra:
i) CC, sua irmã, e DD, casados no regime de comunhão de adquiridos;
ii) EE.
Peticiona, entre o mais, o seguinte:
a) Que seja reconhecido o direito de preferência da sua mãe, AA, na compra da fração autónoma designada pela letra “E” correspondente ao segundo andar esquerdo, destinada a habitação, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal sito na Rua …, n.º …, freguesia da …, concelho de Almada, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o número … pertencente à freguesia a …, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ….º;
b) Que seja transmitido a AA o direito de propriedade relativo ao imóvel identificado em a), mediante o pagamento do valor da compra e venda, substituindo-se a mesma aos primeiros réus na escritura de compra e venda outorgada em 04 de julho de 2022, no Cartório Notarial de Almada.
De acordo com o assento de óbito junto aos autos em 26.12.2022, AA, mãe do autor e da primeira ré, faleceu em 12.12.2022 (após a data de entrada da presente ação).
BB arroga-se na qualidade de gestor de negócios representativa sem poderes, da sua mãe, entretanto falecida.
Nos termos do artigo 464.º do Código Civil (CC), “Dá-se a gestão de negócios, quando uma pessoa assume a direção de negócio alheio no interesse e por conta do respetivo dono, sem para tal estar autorizada”.
“Produz-se nesta figura jurídica como que o conflito de duas tendências opostas e a sua disciplina resulta fundamentalmente do equilíbrio entre elas. Por um lado, a necessidade de salvaguardar o princípio de ordem pública que condena as intromissões na esfera pessoal e patrimonial alheia. Por outro lado, a verificação de que no domínio multiforme da vida ocorrem, com frequência, situações tais que a solidariedade humana sugere a terceiros uma interferência espontânea nos negócios de outrem, a fim de evitar um dano irremediável ao titular do respetivo direito ou obrigação, que devido a ausência ou a impedimento diverso se encontra impossibilitado de providenciar diretamente ou mediante interposta pessoa.” - COSTA, Mário Júlio de Almeida, Direito das Obrigações, 6.ª edição, Almedina, Coimbra, 1994, pág. 394.
No que diz respeito à gestão representativa, ou seja, tendo o gestor agido em nome do dono do negócio, vigora a disciplina da representação sem poderes (artigos 471.º e 268.º do CC). O ato resulta originariamente ineficaz em face do dono do negócio. Para que produza efeitos quanto ao dominus, torna-se necessária a sua ratificação – ob. cit., pág. 406.
Nos termos do artigo 471.º do CC, sob a epígrafe, “Representação sem poderes e mandato sem representação”:
“Sem prejuízo do que preceituam os artigos anteriores quanto às relações entre o gestor e o dono do negócio, é aplicável aos negócios jurídicos celebrados por aquele em nome deste o disposto no artigo 268.º; se o gestor os realizar em seu próprio nome, são extensivas a esses negócios, na parte aplicável, as disposições relativas ao mandato sem representação.”
Determina o artigo 268.º do CC que:
“1. O negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado.
2. A ratificação está sujeita à forma exigida para a procuração e tem eficácia retroativa, sem prejuízo dos direitos de terceiro.
3. Considera-se negada a ratificação, se não for feita dentro do prazo que a outra parte fixar para o efeito.
4. Enquanto o negócio não for ratificado, tem a outra parte a faculdade de o revogar ou rejeitar, salvo se, no momento da conclusão, conhecia a falta de poderes do representante.”
No caso vertente, o ato a ratificar é a propositura da presente ação, que visa o exercício do direito de preferência previsto no artigo 1091.º do Código Civil (direito de preferência do arrendatário).
Mostra-se impossível a ratificação por parte da dona do negócio – AA, porquanto a mesma faleceu no decurso da presente ação.
Cumpre destacar que quem se arroga na qualidade de gestor de negócios (BB) e a primeira ré são filhos da dona do negócio.
No entendimento do autor, deve o mesmo, e só o mesmo, ser habilitado como herdeiro de AA, para que os autos possam prosseguir. Caso assim não se entenda, pugna pela aplicação analógica do disposto no artigo 18.º, n.ºs 2 a 5, do Código de Processo Civil.
A primeira ré opõe-se à referida habilitação, nos termos e com os fundamentos do requerimento junto aos autos em 30.1.2024.
Cumpre destacar que foi intentado incidente de habilitação de herdeiros por óbito de AA, tendo o mesmo sido liminarmente indeferido, decisão que foi confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.10.2023 (apenso A).
Entendemos que a pretensão do autor não poderá proceder e vejamos porquê.
Desde logo e em termos substantivos, determina o artigo 420.º do Código Civil que: “O direito e a obrigação de preferência não são transmissíveis em vida nem por morte, salvo estipulação em contrário”.
A preferência não é, por regra, transmissível em vida nem por morte, porquanto é atribuída intuitu personae.
“A regra da intransmissibilidade da preferência através da própria sucessão mortis causa tem a vantagem de evitar as inúmeras dificuldades a que poderia dar lugar, entre os vários herdeiros, ou entre herdeiros e legatários, a solução oposta.” – LIMA, Pires e de VARELA, Antunes, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, pág. 347).
No caso vertente, a titular do direito de preferência faleceu, sendo impossível aquilatar se a mesma pretendia exercer este direito intuitu personae.
A presente ação, com vista ao exercício do referido direito, foi intentada por um dos seus filhos, que atua em gestão de negócios representativa sem poderes, sendo necessária a ratificação para que o ato possa produzir efeitos.
A falecida deixou ainda uma filha, adquirente do imóvel em apreço nos autos, aqui primeira ré.
Em face destas circunstâncias, ainda que se admitisse que em termos gerais a ratificação pelos sucessores seria possível, tal não se afigura possível nos presentes autos, porquanto os sucessores têm pretensões próprias, absolutamente opostas e conflituantes: o autor, ao intentar a ação, pretende que o imóvel ingresse na esfera jurídica da sua mãe (agora, em face do seu falecimento, no acervo hereditário da mesma); a primeira ré, adquirente do imóvel, pretende manter a propriedade sobre o mesmo, opondo-se à pretensão do seu irmão, aqui autor.
Seguimos, assim, o entendimento sufragado pelo Exmo. Juiz Desembargador Eduardo Petersen Silva (fls. 90): “(…) não é possível que a dona do negócio ratifique a propositura desta ação (…) ou que ela ratifique os efeitos que para ela resultem da sentença. (…) a dona do negócio não pode ser substituída nos autos pela sua herança, mais concretamente, não podem ser habilitados os seus herdeiros para prosseguirem a ação – é que a .ª Ré é herdeira da dona do negócio e teria necessariamente de ser habilitada a prosseguir esta ação como Autora, situação que é processualmente impossível.” (sic).
Entendemos também que não é possível aplicar analogicamente o disposto no artigo 18.º, n.ºs 2 a 5 do Código de Processo Civil. Tal artigo, sob a epígrafe “Desacordo entre os pais na representação do menor”, pressupõe a existência de um superior interesse – o superior interesse do menor. Neste caso, temos apenas dois interesses (patrimoniais) absolutamente conflituantes, sem que seja possível aferir da verdadeira pretensão da dona do negócio.
Por outro lado, consideramos que nunca poderia o gestor de negócios – filho da dona do negócio – ratificar o ato em substituição da sua mãe, pois estaria a ratificar um ato que o próprio praticou e sempre se diga que a disposição patrimonial que o exercício deste direito de preferência implica - pagamento do preço – sempre careceria da intervenção de todos os herdeiros (artigo 2091.º do Código Civil).
Note-se que: i) ou o valor depositado à ordem destes autos que se destina ao pagamento do preço em caso de procedência da ação adveio do património da dona do negócio AA; ii) ou o valor depositado pertence ao património de BB. Em ambos os casos, irá repercutir-se no acervo hereditário de AA.
A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide pode ocorrer quando sobrevém uma circunstância na pendência da lide que impede a manutenção da pretensão formulada, quer por via do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou por encontrar satisfação fora do próprio processo, deixando de ter interesse a solução propugnada, dando lugar à extinção da instância, sem apreciação do mérito da causa.
Assim, em face da impossibilidade de ratificação do ato de propositura da presente ação judicial pela alegada dona do negócio, a mesma não poderia figurar como parte nos presentes autos, pelo que sempre estaria em falta o pressuposto processual da legitimidade ativa da alegada dona do negócio (pressuposto processual que se reporta à relação de interesse das partes com o objeto da ação e que, a verificar-se, conduz à absolvição da instância).
Outrossim e como questão prévia, não podendo o ato produzir quaisquer efeitos por falta de ratificação, julga-se a presente ação extinta por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil.
(…)”.
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Inconformado, veio o Autor interpor recurso de apelação para esta Relação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
“1. O Acórdão invocado pelo Tribunal a quo, proferido no âmbito do apenso A em 26 de Outubro de 2023 encontrava-se condicionado pela circunstância de o Tribunal de 1.ª Instância ter entendido, nos autos principais, não existir qualquer gestão de negócios representativa, todavia resulta do mesmo aresto a possibilidade de se tratar de uma gestão de negócios representativa, sendo certo que não cabia naquele apenso a qualificação da gestão de negócios em questão nos presentes autos.
2. Assim, tendo em conta o teor do Acórdão proferido no âmbito dos autos principais, e atenta a posição aqui protagonizada pelo Tribunal a quo, resulta evidente a desconformidade da Sentença aqui recorrida com ambos os Acórdãos, que por importante se destaca, se encontram devidamente transitados em julgado (artigos 628.º e 619.º do CPC).
3. O direito de preferência em questão nos presentes autos qualifica-se como um direito legal de preferência, não dispondo assim de natureza convencional, pelo que a aplicação do artigo 420.º do Código Civil estaria sempre dependente da existência de uma norma remissiva, algo que atenta o disposto no n.º 5 do artigo 1091.º do Código Civil, não existe, sendo a melhor jurisprudência unânime ao considerar que o âmbito do artigo 420.º do Código Civil é exclusivo dos pactos preferenciais, pelo que mal andou o Tribunal a quo ao entender que a preferência não era transmissível em vida nem por morte.
4. Quanto ao momento em que o direito de preferência integra a esfera jurídica do seu titular entendeu o Supremo Tribunal de Justiça que «O direito de preferência, antes apenas virtual, só se radica efectivamente na esfera jurídica do seu titular (preferente) quando se concretiza a alienação da coisa que constitui o objecto do dito direito de preferência, e não antes, nomeadamente naquela fase preambular em que meramente se oferece a preferência e a mesma é, ou não, aceite. (…)» Cfr. Cit. Acórdão, disponível in www.dgsi.pt.
5. Deste modo, em virtude do facto de a alienação ter ocorrido em momento anterior ao óbito da sua titular, sempre se terá de concluir que o direito se encontrava, à data do óbito, na sua esfera jurídica, integrando assim o seu acervo hereditário, atenta a inaplicabilidade do artigo 420.º do Código Civil.
6. A este propósito entendeu o Tribunal da Relação do Porto no citado Acórdão que «(…) sendo indiscutível que o direito de preferência da falecida (…), já existia no património dela à data em que faleceu e por isso é um bem constitutivo da sua herança e transmissível para (…) as suas herdeiras (artigos 2024 e 2024 do Código Civil) (…) Em suma e em essência, o que está aqui em causa é a aquisição da propriedade do prédio alienado: um direito litigioso mas indubitavelmente de natureza patrimonial e, por conseguinte, objeto da sucessão (…) Na verdade, (…) os efeitos da procedência da ação judicial respeitante ao exercício desse direito retroagem à data da alienação com efeito, uma vez exercido e reconhecido tal direito, tudo se passa como se acontecesse na data da alienação. (…)», disponível in www.dgsi.pt.
7. «O património do devedor herdeiro é autónomo em relação ao património da herança credora, pelo que a situação cabe na excepção do artigo 872º do CC que estabelece que: “Não há confusão se o crédito e a divida pertencem a patrimónios separados”.» - Cfr. Cit Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, disponível in www.dgsi.pt.
8. Apenas ocorrendo «(…) inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, quando a extinção, por confusão, dos direitos e obrigações das partes atinja todos os litigantes.» (negrito e sublinhados nossos), Cfr. Cit. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, disponível in www.dgsi.pt.
9. Não havendo «(…) qualquer impossibilidade ou inutilidade da lide quando a acção continua a ter interesse para o demandante ou para os habilitados, enquanto sucessores do demandante, por ainda ser possível satisfazer-se à pretensão que a demandante quer fazer valer no processo.», Cfr. Cit. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, ao qual aderiu o Tribunal da Relação de Lisboa no citado Acórdão, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
10. Assim, atenta o facto de subsistir um herdeiro de AA que mantém integral interesse na prossecução dos presentes autos, sempre se deverá decidir, salvo melhor entendimento em contrário, pela inexistência de qualquer inutilidade/impossibilidade superveniente.
11. Pelo que, em virtude do óbito de AA, é obrigatória, foi (e é) obrigatória, atenta a necessidade de garantir o prosseguimento da ação, a habilitação incidental (artigos 269.º, n.º 1 alínea a) e 276.º, n.º 1 alínea a) ambos do CPC).
12. Todavia, a «(…) necessidade de garantir o prosseguimento da acção suspensa torna distinta esta questão da habilitação para substituição de alguma das partes na relação substantiva em litígio da de se saber se existe ou não aceitação da herança.» - Cfr. Cit. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra disponível in www.dgsi.pt.
13. Assim, para efeitos processuais a herança não se encontra jacente, porquanto os presentes autos terão de prosseguir em nome dos herdeiros e não da própria herança. O que seria manifestamente diferente do caso em que a presente ação tivesse sido movida por um herdeiro após o óbito da titular do direito, caso em que a ação seria movida, pela própria herança jacente.
14. Em virtude de os presentes autos se encontrarem subjetivamente delimitados aos próprios herdeiros da falecida, resulta evidente o conflito de interesses da 1.ªR/Apelada, contudo não pode, o nosso ordenamento jurídico em vigor, consentir um impasse deste tipo, caso contrário estar-se-ia a aceitar que a 1.ª R./Apelada aproveitando-se da sua qualidade de herdeira imponha à respetiva herança uma decisão que é em todo, contrária aos interesses da herança, sendo certo que se tratam de patrimónios autónomos.
15. Assim, o sentido da Decisão proferida pelo Tribunal a quo dá “cobrimento” a um manifesto abuso de direito «(…) por exceder manifestamente o fim social do direito dos herdeiros, pensado para preservar o direito hereditário, não para o prejudicar – e numa solução claramente inconstitucional por cercear intolerável e desproporcionadamente o direito da autora de acesso à justiça para defesa da sua meação nos bens comuns e dos seus direitos hereditários.» (negrito e sublinhados nossos) - Cfr. Cit. Acórdão do Tribunal da Relação do, disponível in www.dgsi.pt.
16. Existindo no nosso ordenamento jurídico soluções que permitam superar as dificuldades verificadas nos presentes autos, desde logo através do regime das associações, máxime, o artigo 176.º, n.º 1 do Código Civil segundo o qual «O associado não pode votar, por si ou como representante de outrem, nas matérias em que haja conflito de interesses entre a associação e ele, seu cônjuge, ascendentes ou descendentes.», solução que foi adotada pelo Tribunal da Relação do Porto no citado Acórdão, disponível in www.dgsi.pt.
17. Regime que que sempre determinaria, em nosso entender, que a decisão de prosseguir os presentes autos não carece da concordância da herdeira aqui Apelada, bastando para o efeito, a decisão do aqui Apelante.
18. Quanto ao facto de a Apelada assumir uma posição simultânea de Ré e Autora, importa aqui destacar que segundo a jurisprudência mencionada nas presentes Alegações, a habilitação de herdeiros, a operar nos presentes autos, tem como único objetivo a substituição da parte primitiva pelo sucessor na posição jurídica litigiosa, limitando-se, os seus efeitos, evidentemente, aos presentes autos.
19. Assim, a transmissão da posição jurídica litigiosa não tem de coincidir com a transmissão universal dos direitos do falecido, conforme foi, aliás, entendido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 02 de Novembro de 2010, no citado Acórdão, disponível em www.dgsi.pt.
20. Pelo que, mal andou o Tribunal a quo ao não considerar que apenas o herdeiro deveria ocupar a posição jurídico-processual da falecida dona do negócio.
21. Por forma a afastar a aplicação analógica do regime consagrado no artigo 18.º, n.ºs 2 a 5 do CPC, alega o Tribunal a quo o facto de tal regime se basear no superior interesse do menor, todavia tal aspeto não é per si inviabilizador da aplicação analógica do regime ao caso em questão nos presentes autos, desde logo pelo facto de também no caso dos presentes autos existir um terceiro interesse totalmente autónomo ao dos herdeiros e que reside no próprio interesse da herança;
22. Interesse esse que, à semelhança do que ocorre com o interesse dos menores no sobredito regime consagrado no artigo 18.º do CPC, não é formado segundo os interesses individuais dos próprios herdeiros, pelo que é do mais elementar sentido de justiça recursar a possibilidade de uma pessoa, aproveitando-se da sua qualidade de herdeira, imponha uma decisão à herança no seu exclusivo interesse, empobrecendo a mesma em seu claro e direto benefício.
23. Quanto à lógica do Tribunal a quo de que o exercício da preferência careceria da intervenção de todos os herdeiros, em conformidade com o disposto no artigo 2091.º do Código Civil, ignora uma vez mais o Tribunal de 1.ª Instância o facto de existir um herdeiro cujos interesses são totalmente opostos ao da herança, existindo assim um evidente conflito de interesses.
24. Certo é que, o imóvel em questão nos presentes autos apresenta um valor real muito superior ao valor pelo qual foi alienado, pelo que, a sua aquisição, ainda que sujeita, naturalmente, ao pagamento do montante de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), representa, em termos reais, um avultado incremento no acervo hereditário.
25. Por outro lado, ignora o Tribunal a quo um outro aspeto que, salvo melhor entendimento em contrário, surge aqui como relevante e que se prende com o facto de «(…) os efeitos da procedência da ação judicial respeitante ao exercício desse direito [direito de preferência] retroagem à data da alienação. Com efeito uma vez exercido e reconhecido tal direito, tudo se passa como se acontecesse na data da alienação.» - Cfr. Cit. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, disponível in www.dgsi.pt.
26. Em face do exposto, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, inexiste qualquer impossibilidade superveniente da lide, razão pela qual sempre se deverá revogar a Decisão aqui recorrida, substituindo-se por outra que ordene o normal prosseguimento dos autos.
A Sentença sob censura violou, entre outros, os seguintes preceitos legais:
- Artigos 13.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa;
- Artigos 10.º, 414.º, 420.º, 872.º 1091.º, 2024.º, 2046.º, 2079.º 2091.º e 2097.º, do Código Civil;
- Artigos 18.º, 269.º, 276.º 277.º, 351.º, 619.º, e 628.º do Código de Processo Civil.”
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Os Réus/Recorridos vieram contra-alegar, tendo apresentado as seguintes conclusões:
“1. A Douta decisão proferida em 02 de Abril de 2024, nos presentes autos pelo tribunal a quo não merece censura ou qualquer reparo.
2. Muito Bem andou o tribunal a quo que em face da verificação de gestão representativa, sem poderes, se mostra impossível a ratificação da mesma em face do falecimento da dominus negotii.
3. Muito bem andou o tribunal a quo ao considerar que em face do falecimento da dona do negócio na pendencia da ação, sem aquilatar se a mesma pretendia ou teria interesse em exercer o direito de preferência intuitu personae, se torna inútil prossecução da ação.
4. Muito bem andou o tribunal a quo ao considerar que não tem aplicação a habilitação de herdeiros, alias como já foi decidido, no apenso A dos presentes autos, pelo Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, já transitado em julgado.
5. A falecida AA, alegada dona do negócio não assumiu a qualidade de parte no processo, pelo que assim sendo, não há lugar ao incidente processual de habilitação de herdeiros na substituição da parte primitiva, porque tal não sucedeu.
6. A colocar a mera hipótese de haver lugar à habilitação de herdeiros, levaria a que a dona do negócio fosse substituída pelos seus dois filhos, o Apelante e a Apelada, que já assume a posição processual de Ré, porquanto esta passaria também a posição processual de Autora, o que é processualmente impossível.
7. E por outro lado o filho da dona do negócio, o aqui Apelante nunca poderia ratificar o ato em substituição de sua mãe, pois teria que ratifica um ato que o próprio praticou sem poderes.
8. E ao decidir como decidiu, o tribunal a quo proferiu uma sentença justa!
9. E as alegações apresentadas pelo Apelante, e salvo melhor opinião, não perigam a decisão proferida, e não tem sustentação.
10. No aresto datado de 09.11.2023 o Douto Tribunal da Relação de Lisboa, decide que o Apelante, BB, age nos presentes autos em gestão de negócios representativa de sua mãe AA, a dona do negócio, teria necessariamente que ratificar o negócio.
11. Na gestão de negócios representativa como é a dos autos, o gestor de negócios age sem poderes, trata-se de uma representação sem poderes, e as relações entre o gestor e o dono do negócio e as relações entre o dono do negócio e terceiros são reguladas pelos princípios da gestão e pelo preceituado do artigo 268.º do Código Civil.
12. Nesta sede, a gestão de negócios representativa carece de ser ratificada pelo dono o negócio para que produza efeitos e conferir uma legalidade superveniente à atuação do gestor.
13. O que se reconduz à ratificação pela dona do negócio AA da atuação de gestor seu filho, da vontade daquela interpor uma acção de preferência.
14. Sucede que a alegada dona do negócio faleceu sem ter ratificado a gestão.
15. Em face do falecimento da mãe, do ora Apelante e da Apelada, o primeiro intentou um incidente de habilitação de herdeiros, no qual pugnou pela substituição da parte primitiva pelo sucessor.
16. Por decisão de 01.03.2023 foi o incidente de habilitação de herdeiros liminarmente indeferido.
17. O ora Apelante recorreu do despacho, e em 26.10.2023 foi proferido Acórdão, já transitado em julgado.
18. Ora no mencionado Acórdão o tribunal ad quem colocou a hipótese que veio a ser acolhida no Acórdão de 09.11.2023, proferido nos presente autos, atender-se à atuação do BB agir em gestão de negócios representativa de sua mãe.
19. E quanto a esta hipótese verteu o tribunal ad quem na decisão já transitada, se aplicam as regras da representação sem poderes, e que nesta hipótese “a mãe de BB só poderia passar a ser considerada autora se e quando tivesse sido ratificado a actuação do filho”. (negrito nosso).
20. O referido aresto transitou em julgado e deverá se considerado para a tomada de decisão do presente recurso.
21. A a falecida AA não chegou a ser parte na ação, e assim sendo não pode operar a habilitação processual de herdeiros.
22. Mesmo que, por mera hipótese se aceitasse, o que não se concede, que a havia lugar ao incidente de habilitação de herdeiros, para prossecução da acção em defesa do exercício do direto de preferência que cabia à mãe do Apelante, aquela faleceu sem ser possível apurar se a mesma pretendia exercer este direito intuitu personae.
23. E por outro lado, o ora Apelante na posição de autor habilitado, iria ratificar um ato que próprio praticou, alias como bem refere o tribunal a quo na sentença ora recorrida.
24. A haver habilitação de herdeiros, o que se aceita apenas como mera hipótese académica, porquanto a falecida AA não chegou a assumir a qualidade de autora, teriam que ser habilitados processualmente todos os sucessores daquela em sua substituição e não apenas o Apelante, conforme decorre do artigo 351.º do C.P.C.
25. A dona do negócio não poderia ser substituída pela herança, atento o facto de a Apelada ser herdeira da dona do negócio e teria obrigatoriamente de ser habilitada como herdeira, e prosseguir a ação como Autora e Ré, posição oque já tem, o que é processualmente impossível.
26. Estando a ação pendente sem ratificação pela dominus negotii, não sendo eficaz, porquanto a AA não chegou a assumir a posição de parte processual, ficando o vazio processual pela falta do pressuposto processual de legitimidade e obrigatoriamente não poderá prosseguir, tendo o tribunal a quo bem decidido pela inutilidade superveniente da lide, pois contrariamente ao alegado pelo Apelante não há aqui um impasse processual, pois o tribunal a quo tomou a única decisão que podei ter sido tomada em face da situação concreta dos presentes autos.
27. No entender da Apelada, todos os argumentos elencados pelo Apelante não têm aplicação ao caso concreto por inquinarem na falta de ratificação do negócio e logo pela ineficácia do mesmo, estando em falta o pressuposto da legitimidade ativa, pelo que não devem proceder.
28. A falta do pressuposto processual, falta de legitimidade ativa constitui causa de absolvição da instância.
29. Verifica-se inevitavelmente a impossibilidade/inutilidade superveniente da lide.
30. “A instância extingue-se ou finda de forma anormal todas as vezes que, ou por motivo atinente ao sujeito, ou por motivo atinente ao objecto, ou por motivo atinente à causa, a respectiva relação jurídica substancial se torne inútil, i.e., deixe de interessar a sua apreciação.”
31. Verificando-se uma situação de impossibilidade processual, nada mais resta senão a decisão tomada pelo tribunal a quo, ao julgar a presente acção extinta por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e) do Código do Processo Civil, a qual se deverá manter na integra, sendo negado provimento ao recurso do Apelante.
Nestes termos e nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V Exas. deverá ao recurso interposto pelo Apelante ser considerado improcedente, e ser mantida nos exatos termos, em que o foi, a sentença recorrida.”
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida de imediato, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. O objecto e a delimitação do recurso
Colhidos os vistos, sabendo que o recurso é objectivamente delimitado pelo teor do requerimento de interposição (artigo 635º, nº 2 do Código de Processo Civil) pelas conclusões (artigos 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 640º, todos do Código de Processo Civil) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas e, ainda pelas questões que o Tribunal de Recurso possa ou deva conhecer ex officio e cuja apreciação se mostre precludida.
A tanto acresce que o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir expostas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Efectuada esta breve exposição e ponderadas as conclusões apresentadas, as questões a dirimir são:
- Apurar se no âmbito da gestão de negócios representativa sem poderes, a falta de ratificação daquele que o Autor representa pode ser suprida apenas pelo Autor enquanto herdeiro com a oposição da Ré também ela herdeira e se estamos perante uma situação de extinção da presente acção por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil.
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III. Os factos
Factos ou actos processuais referidos e datados no relatório que antecede.
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IV. O Direito
Recorrendo, alega o Autor que o Tribunal de 1ª Instância considerou erradamente que a preferência não era transmissível por morte. Tendo em consideração que o direito de preferência só se radica efectivamente na esfera jurídica do seu titular (preferente) quando se concretiza a alienação da coisa, o facto de a alienação ter ocorrido em momento anterior ao óbito da sua titular importou que o direito de preferência à data do óbito já se encontrava na esfera jurídica da preferente, integrando assim o seu acervo hereditário. Conclui o Recorrente que o direito de preferência já existia no património da preferente falecida e, por isso, é um bem constitutivo da sua herança e transmissível para os seus herdeiros.
Não acompanhamos a posição defendida pelo Recorrente/Autor.
Conforme se alcança quer do Acórdão já proferido no âmbito dos presentes autos, quer dos próprios autos, o Autor intentou a presente acção estando em gestão de negócios em nome da mãe.
Defende o referido Acórdão (datado de 09 de Novembro de 2023) que “(…) Embora o Autor não tenha referido estar em gestão de negócios em nome da mãe, deve entender-se que o está.
Vejamos porquê:
Como nos diz Mário Júlio de Almeida Costa in Direito das Obrigações, 12ª edição, Almedina, p.479, “Observa-se, apenas, que o gestor, interferindo em assuntos alheios, pode agir em nome do respectivo dono ou em nome próprio. Teremos assim, gestão representativa ou gestão não representativa a que se refere o art.º 471º. No primeiro caso, verifica-se uma situação de representação sem poderes: as relações entre o gestor e o dono do negócio são reguladas pelos princípios da gestão, e as relações entre o dono do negócio e o terceiro pelo preceituado no art.º 268º. À hipótese de gestão não representativa, declaram-se extensíveis, na parte aplicável, as disposições dos artigos 1180º a 1184º, respeitantes ao mandato sem representação”.
Mais adiante, na mesma obra, e versando sobre aprovação e ratificação, refere-se (p- 487): “Se o gestor actua em nome próprio, o que corresponde a tratar-se de gestão não representativa, aplicam-se as disposições sobre o mandato sem representação (art.º 471º e 1180º a 1184º). Os direitos e obrigações decorrentes do negócio produzem-se imediatamente com referência ao gestor. Portanto, uma vez aprovada a gestão, haverá que transferi-los para a esfera jurídica do “dominus”, (…) Ao passo a ratificação se circunscreve a actos jurídicos e visa as relações entre o dono de negócio e terceiros, conferindo uma legitimidade superveniente à actuação do gestor”.
Destes excertos resulta que o aspecto essencial da distinção entre a gestão representativa e a não representativa não é o nome, mas a actividade de gestão e por via dela, o lugar, ou mais claramente, a esfera jurídica onde o efeito dessa gestão de imediato se produz. Na gestão não representativa, este lugar é a esfera jurídica do gestor.
O recurso a juízo para acção de preferência é a actividade de gestão (do negócio, isto é, do interesse em efectivar o direito de preferência que não foi concedido e que se afirma como potestativo nas esferas jurídicas do vendedor e dos compradores) que concretamente é desenvolvida por BB.
A petição inicial corresponde a uma declaração de vontade. Assim, a primeira actividade que convoca ao tribunal é a da sua interpretação, o que como se sabe se faz de acordo com a teoria da impressão do destinatário constante do artigo 236º do Código Civil.
Se começarmos pelo fim da petição – o pedido – vemos BB a pedir o resultado do exercício do direito de preferência para sua mãe, não para ele. Se formos ao meio, à causa de pedir, BB alega os factos dos quais deriva o direito de preferência da mãe na aquisição da fracção a ela arrendada, nos quais ele não tem qualquer participação.
Então, quando chegamos ao princípio, “BB, (…) na qualidade de Gestor de Negócios de AA, (…)”, não temos, é certo “AA, aqui representada sem poderes pelo seu gestor de negócios BB”, nem temos “BB, em nome de sua mãe AA”, mas não podemos ler diversamente. É que, se dizer-se que se é gestor de negócios não esclarece (e portanto não inclui nem exclui) se a gestão é representativa ou não representativa, esse esclarecimento é claro em face do pedido – coloque o tribunal, dando procedência à acção, AA no lugar de compradora na escritura de venda da casa, pelo senhorio, aos compradores. Quer dizer, BB não pede que o tribunal declare que ele tinha direito de preferência na compra da casa e que o mesmo não foi respeitado pelo senhorio e compradores e que portanto através da procedência da acção, a casa deverá ser posta em seu nome, dele António, que depois – através da remissão para as regras aplicáveis ao mandato, ficará com o dever de a transferir para o nome da sua mãe.
Em suma, para perceber se BB está a agir nos autos em nome próprio ou da mãe, não é a menção “estou a agir em nome” que nos interessa, é o efeito da gestão do negócio – quem é que, directamente, com este negócio assim gerido (direito de preferência, acção de preferência) vai preferir.
(…)
Mas voltamos a dizer, o que releva não é o nome que é dado, mas o negócio concreto e a gestão concreta do negócio que é feita. Quando esta gestão passa pela interposição de uma acção judicial em que o negócio só pode resolver-se a favor directo do dono do negócio, não estamos perante gestão de negócios não representativa.
(…)
Tendo concluído que BB está a agir em gestão de negócios representativa, naturalmente sem poderes, é convocado o artigo 268º do Código Civil, que dita: “1. O negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado. 2. A ratificação está sujeita à forma exigida para a procuração e tem eficácia retroactiva, sem prejuízo dos direitos de terceiro. 3. Considera-se negada a ratificação, se não for feita dentro do prazo que a outra parte fixar para o efeito. 4. Enquanto o negócio não for ratificado, tem a outra parte a faculdade de o revogar ou rejeitar, salvo se, no momento da conclusão, conhecia a falta de poderes do representante”.
Voltamos à declaração de vontade. No contexto dum processo judicial de natureza civil, isto é, de natureza dispositiva – artigo 3º nº 1 do CPC – a petição inicial constitui a expressão da vontade de aceder à justiça, e o tribunal tem de se assegurar que essa expressão é feita, e vamos dizer de um modo muito simples, é feita por quem tem o direito cuja defesa ou activação vem pedir ao tribunal. Esta necessidade é, antes de mais, uma necessidade económica – de boa gestão dos recursos do Estado no sistema de justiça público – que nos diz que a actividade jurisdicional deve ser poupada para os casos em que verdadeiramente é preciso um ditado judicial. É assim que a definição da legitimidade em função do interesse em atacar ou defender nos revela que se a decisão judicial for insusceptível de interferir na esfera jurídica do atacante ou do defendente, ou como se diz de outro modo, se o atacante ou defendente não pertencem à relação material controvertida, não é legítimo usar os recursos do sistema de justiça. (…)”.
Dúvidas não existem que o Recorrente agiu em gestão de negócios representativa, sem poderes.
A mãe do Recorrente veio a falecer na pendência da acção, deixando como seus sucessores o Autor e a Ré.
Na sentença proferida defendeu a 1ª Instância, e bem, como é óbvio, que se mostra impossível a ratificação por parte da dona do negócio – AA, porquanto a mesma faleceu na pendência da presente acção.
Deixando a sua falecida mãe dois sucessores, não pode operar apenas a habilitação de um deles, que no caso seria, conforme defende nas suas alegações, habilitado apenas o Autor.
Repare-se que o incidente de habilitação de herdeiros visa declarar os sucessores da falecida como habilitados para, em nome desta, prosseguirem a acção. Opondo-se a Ré à pretensão do Autor/Recorrente com a presente acção, é manifesto que esta jamais poderá considerar-se como habilitada para, juntamente com o Recorrente/Autor prosseguir os termos da acção, nomeadamente, ratificando os actos praticados pelo Autor no âmbito da gestão de negócios.
A Ré não pode ocupar a posição de Ré e ao mesmo tempo a de Autora (decorrente da habilitação que decorreria do facto de ser sucessora da falecida sua mãe).
Com o óbito de AA na pendência da presente acção, passamos a ter uma herança indivisa que constitui uma universalidade de direito, com conteúdo próprio. Os herdeiros são, até à partilha, titulares de um direito indivisível.
Assim, até à partilha, o direito de cada herdeiro recai sobre o conjunto da herança e não sobre certos bens. Depois da aceitação da herança e enquanto a mesma permanecer na situação de indivisão, os seus herdeiros não têm qualquer direito próprio a qualquer dos bens que a integram pelo que os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros, nos termos prescritos no artigo 2091º, nº 1 do Código Civil.
Aqui chegados somos de concluir que a ratificação a ter lugar na pendência da acção teria de ser efectuada por todos os herdeiros, ou seja, pelo Autor e Ré, uma vez que o direito de preferência a existir integra o acervo hereditário da falecida.
Partindo do princípio que o direito de preferência pertenceria à herança e não aos herdeiros, a ratificação da gestão de negócios exercida através da presente acção também teria de ser efectivada por todos os herdeiros, o que é manifestamente impossível atenta a posição da Ré que, ao lado do Autor, são os herdeiros da falecida.
A herança da falecida é uma herança aceite e indivisa pelo que, carecendo de personalidade judiciária, os direitos que lhe são relativos devem ser exercidos por todos os herdeiros.
Assim, somos de concluir que, face aos contornos do caso em apreço, o direito de preferência é efectivamente intransmissível, não se mostrando viável, pelo menos através da presente acção, a ratificação da gestão de negócios levada a cabo pelo Recorrente/Autor atenta a posição assumida pela Ré.
Ora, tal como se defende na decisão da 1ª Instância, a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide pode ocorrer quando sobrevém uma circunstância na pendência da lide que impede a manutenção da pretensão formulada, quer por via do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou por encontrar satisfação fora do próprio processo, deixando de ter interesse a solução propugnada, dando lugar à extinção da instância, sem apreciação do mérito da causa.
Posto isto, acompanhamos a posição do Tribunal da 1ª Instância quando defende que face à impossibilidade de ratificação do acto de propositura da presente acção judicial pela alegada dona do negócio na pendência da acção, ou pelos seus herdeiros, a presente acção não poderá produzir os seus efeitos por falta de ratificação, julga-se a presente acção extinta por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil.
Improcede, pois, o recurso interposto.
*
V. Decisão
Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam em julgar improcedente a apelação e consequentemente confirmar a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente.

Lisboa, 09 de Janeiro de 2025
Cláudia Barata
Adeodato Brotas
António Santos