Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1983/20.0T8SNT.L1-8
Relator: TERESA SANDIÃES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO DEVIDA AO LESADO
RESPONSABILIDADE DO ADVOGADO DO LESADO
PERDA DE CHANCE
NEXO DE CAUSALIDADE
FRANQUIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/16/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Tendo a seguradora do condutor do veículo interveniente no acidente assumido a responsabilidade pelo sinistro e tendo do mesmo resultado danos para a vítima, como resulta à saciedade da factualidade provada e que seria com grande probabilidade demonstrada na ação de indemnização contra a seguradora do responsável civil, pode concluir-se que, em termos de “julgamento dentro do julgamento”, inerente à aferição da perda de chance processual, era muito provável que a A. viesse a obter ganho de causa na referida ação, ou seja, existe dano certo (chance consistente e séria), e nexo causal entre o facto ilícito do mandatário, que não interpôs a referida ação, e tal dano certo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

CC intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra DD e Seguradora …, pedindo a condenação solidária dos RR. no pagamento:
“a- Da quantia de € 25.0000 a título de perda do direito ao trabalho
b- Da quantia de € 3.675,05 por complemento de perdas salariais
c- Da quantia de € 35.000,00 pela perda de 30 anos de vida laboral activa, comportando perda de progressão na carreira, perda salarial, privação contributiva para a constituição da sua reforma.
d- Da quantia de € 25.000,00 a título de danos não patrimoniais nomeadamente os veiculados pelos factos expendidos sob os artigos 29º e 35º a 48º.”
Alegou, em síntese, que foi vítima de acidente de viação, simultaneamente de trabalho. Conferiu poderes forenses ao 1º R. para que este interpusesse ação contra a seguradora do veículo lesante a fim de obter indemnização pelos danos sofridos. Todavia, o 1º R. nada fez contra a seguradora, deixando prescrever o direito da A. à indemnização. O incumprimento dos deveres por banda do 1º R, gerando danos à Autora – a perda de chance – implicam a sua responsabilização civil, contratual e, por extensão, responsabilizam igualmente a 2ª R, enquanto seguradora, para a qual se mostra transferida a responsabilidade civil, profissional, do 1º R.
A R. Seguradora … apresentou contestação. Alegou, em síntese, que foi contratualizada a aplicação de uma franquia no valor de € 5.000,00 por sinistro, a qual sempre ficará a cargo do 1.º R., em caso de condenação; nos termos do contrato de seguro ficam excluídas da cobertura da apólice de seguro as reclamações referentes a qualquer facto ou circunstância anteriormente conhecido do segurado que tenha gerado ou possa vir a gerar reclamação, assim se delimitando o objeto da apólice; à data do início do seguro da apólice em causa, o 1.º R. já tinha conhecimento dos factos que poderiam vir a gerar a sua responsabilização, não os tendo comunicado à 2.ª R., constituindo tal ato um facto impeditivo do pretenso direito que a A. pretende exercer contra a 2.ª R.. Mais impugnou factos alegados pela Autora, acrescentando que jamais seria imputável ao 1º R. a não propositura atempada da ação, na medida em que o mesmo terá sido contactado 10 dias antes de ocorrer o prazo prescricional de propositura de ação declarativa; o 1.º R. aguardou que a A. lhe entregasse toda a documentação, o que não sucedeu.
Concluiu pela improcedência da ação.
Comprovado o óbito do 1.º Réu, em momento anterior à sua citação, foi deduzido incidente de habilitação de herdeiros, tendo vindo a ser habilitadas em substituição daquele a sua mulher e filha, respetivamente MM e EE.
As habilitadas apresentaram contestação. Alegaram, em síntese, desconhecer o âmbito e extensão do patrocínio forense assumido pelo falecido DD. Aquando da reunião da A. com DD, em 19/11/2009, a A. não disponibilizou qualquer documentação, tendo aquele aguardado que esta a entregasse, pelo que jamais seria imputável ao Dr. DD a não propositura atempada da ação. Mais invocaram inexistir nexo de causalidade entre o acidente de viação e a incapacidade permanente global agora invocada pela Autora; em inícios de 2018 DD sofreu um AVC e esteve hospitalizado desde 04/10/2019 até meados de dezembro, não mais tendo voltado a casa até à data do seu falecimento, em abril de 2020, pelo que não lhe era exigível que tivesse conhecimento das circunstâncias suscetíveis de gerar reclamação, antes do inicio da vigência do seguro.
Concluem pela improcedência da presente ação.
A A., a convite do tribunal, respondeu às exceções, pugnando pela sua improcedência.
Com dispensa de realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, delimitado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
 Após realização da audiência de julgamento foi proferida decisão com o seguinte dispositivo:
“Face ao exposto decide-se:
I - Julgar a presente acção parcialmente procedente por não provada e, em consequência:
A – Condenar a Ré Seguradora … no pagamento de indemnização pela perda de chance causada pela omissão do 1.º Réu, consistente nos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do acidente de viação ocorrido em 29-11-2006, cuja liquidação se relega para decisão ulterior, deduzida dos custos prováveis com pagamento de honorários ao Dr. DD..
B- Absolver as habilitadas do pedido contra elas formulado, sem prejuízo de eventual e ulterior direito de regresso da Ré Seguradora ….
Custas da acção a cargo da Autora e da Ré Seguradora … provisoriamente em partes iguais, a definir de modo definitivo após a liquidação (cfr. neste sentido, o decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, publicado na Colectânea de Jurisprudência, 1979, tomo I, página 93), sem prejuízo de eventual benefício de apoio judiciário concedido à Autora.”

A R. Seguradora … interpôs recurso da sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
1. O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida nos autos da acção de processo comum intentada pela A., CC, contra o R. advogado, Dr. DD (entretanto falecido e agora representado pelas herdeiras habilitadas), e a R. Seguradora …, pela qual se decidiu:
“I - Julgar a presente acção parcialmente procedente por não provada e, em consequência:
A. Condenar a Ré Seguradora … no pagamento de indemnização pela perda de chance causada pela omissão do 1.º Réu, consistente nos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do acidente de viação ocorrido em 29- 11-2006, cuja liquidação se relega para decisão ulterior, deduzida dos custos prováveis com pagamento de honorários ao Dr. DD;
B. Absolver as habilitadas do pedido contra elas formulado, sem prejuízo de eventual e ulterior direito de regresso da Ré Seguradora ….”
2. Considerando toda a factualidade alegada (e não alegada) nos autos, e bem assim todos os elementos probatórios a estes carreados, quer pelas partes, quer por determinação oficiosa do douto Tribunal a quo, não poderá, contudo, a ora Recorrente conformar-se com a douta decisão ora proferida, a qual implica, salvo o devido respeito, uma violação e/ou incorrecta interpretação e aplicação da lei substantiva, nomeadamente do regime legal previsto nos artigos 342.º n.º 1, 483.º, 562.º, 563.º, 564.º, 566.º n.º 2 e 3, 798.º e 799.º do Código Civil (doravante CC), e bem assim da lei processual, designadamente dos artigos 414.º e 609.º n.º 2 do CPC;
3. A decisão recorrida determina, de facto, uma indefinida e indesejável manutenção em aberto o valor da (potencial) condenação que poderá vir a recair sobre a ora Recorrente (embora tendo como limite máximo o valor atribuído pela A. à presente acção: € 88.765,05), não obstante a evidente falta de demonstração pela Autora de todos os pressupostos legais da obrigação de indemnizar, in casu, do dano e do nexo de causalidade entre tal pretenso dano e o facto ilícito imputado ao R. advogado (cf. artigos 342.º, n.º 1 e 483.º do CC), o que determinará, necessariamente, a legitimidade da Recorrente para interpor o presente recurso – cf. artigo 629.º, n.º 1 e 631.º, n.º 1 do CPC.
 4. Para além disso, face aos elementos probatórios constantes dos autos, parece à ora Recorrente ter havido ainda, salvo o devido respeito, uma incorrecta apreciação e valoração da prova face aos factos alegados, que conduziu a um incorrecto julgamento da matéria de facto julgada provada e não provada nos autos;
5. Algo que, para além de implicar uma alteração da decisão proferida relativamente à posição processual e substantiva da ora Recorrente Seguradora … – designadamente por via da efectiva demonstração e aplicação da exclusão e/ou falta de cobertura do contrato de seguro n.º ES00013615EO20A, relativamente ao pretenso sinistro profissional em apreço nos autos – nos termos previstos no artigo 3.º, alínea a) das condições especiais da apólice de seguro, e bem assim do n.º 2 do artigo 44.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (aprovado pelo D.L. 72/2008 de 16 de Abril, doravante RJCS) – deverá igualmente determinar uma alteração dos factos julgados provados e não provados nos presentes autos, com directo e imediato reflexo na pretensa condenação que sobre a Recorrente determinando, assim, a sua absolvição dos pedidos.
6. A decisão recorrida para além de violar os preceitos legais supra citados, viola a actual interpretação e aplicação da doutrina da perda de chance – cujos termos de aplicabilidade concreta se encontram já delimitados e definidos por via de douto Acórdão Uniformizador de Jurisprudência proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 05.07.2021 - cf. Processo n.º 34545/15.3T8LSB.L1.S2-A, disponível in www.dgsi.pt, devendo, nessa medida, ser revogada e substituída por douta decisão que julgue a presente acção totalmente improcedente, por não provada, por não se encontrarem integralmente demonstrados todos os necessários pressupostos da obrigação de indemnizar.
7. Entendeu o Tribunal a quo dar como provados os factos que ficaram a constar dos pontos 4. e 7 do elenco dos factos provados, essencialmente com base nas declarações de parte da A. e no depoimento da testemunha AA, marido da Autora e que a acompanhou na consulta efectuada ao 1.º Réu,
8. No entanto, considerando os elementos probatórios atendidos pelo Tribunal para a prova de tais factos, designadamente as declarações de parte prestadas pela própria A. em sede de audiência de julgamento (cf. depoimento prestado pela A. em 19.04.2023, entre as 10:26h e as 11:42, e gravado em ficheiro de áudio com Ref. Diligencia_1983- 20.0T8SNT_2023-04-19_10-26-40.mp3), e bem assim o depoimento prestado pela testemunha AA (cf. depoimento prestado pela A. em 19.04.2023, entre as 11:53h e as 12:48h, e gravado em ficheiro de áudio com Diligencia_1983- 20.0T8SNT_2023-04-19_11-53-02.mp3), entende a Recorrente que não poderão os pontos 4. e 7 dos factos provados manter-se nos termos em que ficaram a constar do elenco da factualidade julgada provada.
9. Desde logo porque, apesar de a A. afirmar, no seu articulado inicial, que terá contactado, pela primeira vez, com o Dr. DD no dia 19 de Novembro de 2009, e pese embora tal facto seja afirmado (de forma claramente mecânica e, salvo o devido respeito, instrumentalizada) pela testemunha AA aquando do seu depoimento, resulta muito claramente do depoimento/declarações de parte da A. que tal primeiro contacto com o R. DD terá ocorrido na data da outorga da procuração forense (em 24.11.2009 – cf. ponto 2 dos factos provados), precisamente a 5 dias do termo do prazo de 3 anos legalmente previsto para o exercício do direito indemnizatório que a A. se arrogava.
10. De facto, e conforme se verifica claramente do depoimento prestado pela A. CC em 19.04.2023, gravado em ficheiro de áudio com Ref. Diligencia_1983- 20.0T8SNT_2023-04-19_10-26-40.mp3 (com início ao minuto 00:02:19 e fim ao minuto 00:03:46), a procuração forense constante dos autos a fls… (junta com requerimento da A., imediatamente a seguir à entrega da PI, em 03/02/2020, e com Ref. Citius 16295001), foi assinada pela A. no dia em que contactou com o Réu advogado, Dr. DD, pela primeira vez, ou seja, em 24 de Novembro de 2009;
11. Tendo a referida factualidade sido objecto do depoimento de parte/confissão prestada pela A. em sede de audiência de julgamento, tendo sido posteriormente reduzida a escrito (cf. artigo 463.º do CPC), tendo ficado a constar da acta de diligência de 19.04.2023, designadamente da ASSENTADA: Em dia que não consegue precisar, mas que terá sido contemporâneo da procuração outorgada a favor do Dr. DD (pois refere que a procuração foi passada logo no próprio dia em que foi ao escritório do mesmo com o seu marido e a sua amiga;
12. Para além disso, apesar de a testemunha AA afirmar que a primeira reunião com o R. Dr. DD terá sido no dia 19 de Novembro de 2019, parece resultar claramente do seu depoimento que tal primeiro contacto ocorreu precisamente na data da assinatura da procuração forense junta aos autos – cf. ponto 2 dos factos provados e depoimento prestado em 19.04.2023, gravado em ficheiro de áudio com Diligencia_1983-20.0T8SNT_2023-04-19_11-53-02.mp3, com início ao minuto 00:09:31 e fim ao minuto 00:11:31; e ainda entre 00:38:33 e 00:41:39;
13. Conforme se pode verificar do teor do documento junto aos autos pela A. por requerimento datado de 03/02/2020, a procuração forense assinada pela A., pela qual conferiu poderes forenses ao Dr. DD, encontra-se datada de 24 de Novembro de 2009;
14. Sendo evidente que, quando a testemunha AA se refere a uma procuração forense manuscrita, se está a referir claramente à procuração forense outorgada ao actual e Ilustre Mandatário, Dr. … – cf. Doc. 1 junto com a petição inicial
15. Aliás, resulta claramente do depoimento prestado pela referida testemunha AA (cf. minutos 00:02:14 a 00:55:30) que, salvo o devido respeito, muito poucos são os factos sobre os quais a testemunha se recorda com tanto detalhe, não sendo, desse modo, absolutamente crível que se recordasse dos dias da semana, e dos precisos dias do mês, da forma como o tentou relatar ao Tribunal, relativamente a um acontecimento ocorrido há quase 15 anos.
16. Afigurando-se, desse modo, que tal depoimento será claramente demonstrativo da intenção de se tentar provar ao Tribunal que o Réu Dr. DD dispunha ainda de (escassos) 10 dias para propor a pretendida acção judicial contra a seguradora do veículo alegadamente responsável pelo acidente sofrido pela A.;
17. Sendo certo que, de todo e qualquer modo, estaria o advogado sempre constrangido e limitado ao escasso período de tempo legalmente previsto para a prescrição daquele (pretenso) direito, tanto mais se sabendo da inexistência de qualquer processo de natureza criminal àquele associado.
18. Ora, inexistindo dúvidas de que a referida procuração forense foi assinada pela A. em 24.11.2009 (cf. ponto 2 dos factos provados), não existem dúvidas de que tal primeiro contacto entre a A. e o R. advogado DD ocorreu nessa mesma data;
19. Tendo, ainda, resultado da confissão da A., cujos termos foram reduzidos a escrito e ficaram a constar em Assentada – cf. acta de Audiência de Julgamento de 19.04.2023 e cf. previsto no artigo 463.º do CPC – fazendo assim prova plena quanto aos mesmos, que “Em dia que não consegue precisar, mas que terá sido contemporâneo da procuração outorgada a favor do Dr. DD (pois refere que a procuração foi passada logo no próprio dia em que foi ao escritório do mesmo com o seu marido e a sua amiga”).
20. O que implicará, necessariamente, a alteração do ponto 4) dos factos provados, do qual deverá passar a constar que: 5. Em 24.11.2009 o 1º R recebeu, no seu escritório, a Autora, que então o procurou uma vez que necessitava ela dos seus préstimos enquanto profissional do foro já que pretendia mudar de advogado. 21. Para além disso, e relativamente ao ponto 7) dos factos provados, referiu a testemunha AA em sede de Audiência de Discussão e Julgamento – cf. depoimento prestado em 19.04.2023, e gravado em ficheiro de áudio com Diligencia_1983- 20.0T8SNT_2023-04-19_11-53-02.mp3, em particular entre os minutos 00:23:58 e 00:26:53) que o intuito (ao contactar o Dr. DD) foi de arranjar alguém com capacidades que nos ajudasse, nunca sendo expressamente referido que o Réu advogado se tenha comprometido a propor uma acção judicial contra a referida seguradora X, ou sequer que tenham sido transmitidas expressas instruções ao advogado nesse sentido;
22. Na verdade, parece evidente do depoimento prestado pela testemunha AA (cf. minutos 00:31:36 a 00:33:35 do ficheiro de áudio com Ref. Diligencia_1983- 20.0T8SNT_2023-04-19_11-53-02.mp3), a sua manifesta confusão relativamente aos factos em apreço nos autos, ou mesmo ao conceito de ação judicial, o que fica patente quando se refere à situação da (pretensa) indemnização liquidada à sua filha BB em decorrência do mesmo acidente em apreço nos autos;
23. Resulta, com efeito, das suas declarações, num primeiro momento, que terá sido proposta uma ação judicial contra a seguradora X, enquanto seguradora pretensamente responsável pelo acidente sofrido pela autora, e por sua filha, no âmbito da qual terá a autora/filha sido indemnizada no montante de € 9.000,00 ou € 10.000,00, resultando imediatamente a seguir das suas declarações que o pagamento de tal montante poderá ter sido feito no seguimento de (pretenso) acordo celebrado por via do actual e Ilustre Mandatário.
24. O mesmo sucede relativamente ao facto que ficou a constar do ponto 7 do elenco dos factos provados. Com efeito, não resulta claro (e pelo contrário, resulta, quanto a nós, bastante controverso) que o R. Dr. DD tenha acedido e/ou aceitado o patrocínio forense da A., há escassos dias do termo do prazo de prescrição legalmente previsto, comprometendo-se a representar a A. numa ação judicial a propor contra aquela entidade seguradora.
25. Tal afirmação vai em sentido frontalmente contrário com tudo o que é afirmado pela A. nos autos, em particular com a circunstância de se ter aguardado por quase 10 anos – considerando que a A. afirma ter confrontado o Réu advogado, no ano de 2016, relativamente à alegada inexistência de qualquer notícia e/ou desenvolvimento do processo, quando havia mudado de advogado imediatamente antes precisamente em virtude de alguma inércia e/ou falta de resposta daquele primeiro advogado – para se confrontar o R. DD com a inexistência de tal acção;
26. E mais, por continuarem aguardar por supostas notícias quanto ao desenvolvimento de tal processo, após o ano de 2016, mesmo já absolutamente cientes da inexistência de qualquer ação judicial proposta contra a seguradora X.
27. Tal contradição, salvo o devido respeito, é manifestamente flagrante e impossibilita a conclusão de que, a data do referido primeiro contacto com o Réu DD, a intenção da A. era avançar de imediato com uma acção judicial contra a seguradora X, tal como ficou a constar do ponto 7 dos factos provados.
28. Note-se, ainda que, em sede de depoimento de parte, afirmou a A., quando questionada sobre a indemnização que pretendiam reclamar quanto à sua filha BB, igualmente envolvida no acidente de viação aludido nos autos (cf. depoimento prestado pela A. CC em 19.04.2023, gravado em ficheiro de áudio com Ref. Diligencia_1983-20.0T8SNT_2023-04-19_10-26-40.mp3, com início ao minuto 01:06:55 e fim ao minuto 01:09:53) que não se recordava, sequer, de terem recebido qualquer montante indemnizatório relativamente ao acidente da filha BB, não se recordando igualmente se tal indemnização seria decorrente de uma acção judicial, ou de um acordo extrajudicial encetado pelo seu actual Mandatário com aquela seguradora X;
29. Tal como o próprio Tribunal a quo fez constar da douta sentença recorrida, “(…) em relação à expectativas e ilusões criadas pelo 1.º Réu, falecido Dr. DD, temos de ponderar a prova cum grano salis. Por um lado, não podemos esquecer que temos apenas uma versão dos factos: a da Autora. No reverso, o Dr. DD faleceu não se podendo defender das imputações que lhe são feitas pela Autora e que podem muito bem resultar de uma deficiente comunicação ou prismas de linguagem jurídica, sem esquecer que a referência a processo e seguradora tanto se poderia referir ao processo de acidente de trabalho e à seguradora de acidentes de trabalho. Aliás a este propósito não podemos descurar o depoimento da testemunha AA que afirmou que o Dr. DD nunca lhe disse que tinha intentado uma acção.”
30. Nessa medida, considerando a prova produzida (e não produzida) nos autos, designadamente os depoimentos inconsistentes e vagos prestados pela testemunha AA (marido da A.), e ainda pelas declarações/depoimento de parte da própria A. – única prova com base na qual o Tribunal entendeu julgar provado o referido facto 7 do elenco dos factos provados – não poderá a Recorrente concordar que tal facto se mantenha da forma como foi redigido, devendo do mesmo ser extraída a referência “numa acção a propor”, sugerindo-se, muito respeitosamente, a seguinte redação: 8. O 1º R aceitou o patrocínio da A. e nesse mesmo dia 24.11.2009, durante a conferência entre a Autora e o 1º Réu, este estabeleceu contacto telefónico imediato com o Dr. JJ.
31. Entendeu, ainda, o Tribunal a quo dar como provado, pontos 9. e 10. dos factos julgados provados, no entanto, a resposta positiva a tais factos não poderá decorrer, tal como parece entender o douto Tribunal a quo, da ausência de prova em sentido contrário, sob pena de uma subversão legalmente inadmissível do disposto no artigo 342.º do CC: estando em causa factualidade alegada pela autora, com base na qual a autora invoca um direito que se lhe aproveita, apenas a si incumbiria tal prova, não se podendo, designadamente, afirmar com base na prova produzida (e/ou não produzida) nos autos que, o 1.º Réu não diligenciou pela notificação judicial avulsa ou mesmo pela propositura de qualquer procedimento cautelar contra a referida seguradora.
32. De modo que, constituindo, in casu, uma violação das regras sobre o ónus da prova previstas no artigo 342.º, n.º 1 do CC, entende a ora Recorrente que, s.m.o, deverão os pontos 9. e 10 dos factos provados, passar a integrar o elenco de factos NÃO PROVADOS, o que, muito respeitosamente, se alega e requer para os devidos e legais efeitos.
33. Entendeu, ainda, o Tribunal a quo julgar provados e elencar os factos que fez constar dos pontos 12 a 22 e 34 dos factos provados, sendo que, para o efeito, considerou o Tribunal essencialmente as declarações de parte da A., o boletim de incapacidade da Autora, da documentação referente ao processo de acidente de trabalho e do atestado multiuso, junto aos autos a fls. 32 v, e ainda as declarações da testemunha FF, profissional de Seguros que lidou com o processo de acidente de trabalho e que atestou o estado psicológico em que a Autora ficou e que ainda hoje determinam a necessidade de consultas de psiquiatria.
34. Parece resultar da forma como o douto Tribunal a quo elencou a factualidade que julgou provada nos autos que, todo o circunstancialismo de vida descrito pela A., designadamente: 12. as complicações no seu estado de saúde posteriores ao acidente; 13. a incapacidade permanente global de 80% atribuída pelo Atestado de Incapacidade Multiuso; e bem assim, toda a factualidade descrita nos referidos pontos da matéria de facto, serão decorrentes do aludido acidente de viação sofrido pela A. em 29 de Novembro de 2006.
35. Contudo, atendendo à prova efectivamente produzida nos autos, não poderá a ora Recorrente concordar, salvo o devido respeito, com tal entendimento, resultando desde logo das declarações de parte prestadas pela A. (cf. depoimento prestado pela A. em 19.04.2023, gravado em ficheiro de áudio com Ref. Diligencia_1983-20.0T8SNT_2023-04-19_10-26-40.mp3, com início ao minuto 00:47:10 e fim ao minuto 01:05:59), que, na verdade, tais aludidas complicações no seu estado de saúde, e bem assim a incapacidade permanente global de 80% que se fez constar do ponto 13. do elenco dos factos provados, são decorrentes de uma condição física da A. – doença auto imune – sem qualquer relação ao aludido acidente de viação, e bem assim de uma nova queda sem qualquer relação com tal acidente de viação de 29.11.2006;
36. Para além disso, resultou ainda do depoimento prestado pela A. – cf. minutos 00:38:45 a 00:38:56 do seu depoimento – que a A., em decorrência do acidente de viação em apreço, não ficou sequer internada nos serviços do Hospital de Santa Maria, tendo sido à mesma dada alta clínica no próprio dia, ainda que com uma tala na perna, e com uso de canadianas.
37. Ainda, da documentação clínica junta aos autos pela seguradora de acidente de trabalho, PP (cf. Ref. Citius 23186398, de 17/04/2023), resultou ainda que, em decorrência do acidente de viação descrito, a A. ficou a padecer de uma incapacidade permanente parcial fixada em 4%, resultante de uma fractura do planalto tibial externo esquerdo, tendo sofrido nova queda em Dezembro de 2006, que determinou nova lesão e novo acompanhamento junto da seguradora de acidentes de trabalho, PP.
38. No mais, do depoimento prestado pela testemunha FF, em 16.06.2023 (cf. ficheiro de áudio com Ref. Diligencia_1983-20.0T8SNT_2023-06-16_15-17-20.mp3, com início ao minuto 00:01:46 e fim ao minuto 00:20:40), resultou igualmente que, em decorrência directa e imediata do acidente de viação descrito, a A. ficou a padecer de uma incapacidade permanente parcial de 4%, inexistindo qualquer nexo de causalidade entre todas as demais complicações de saúde sofridas pela A., e o aludido acidente.
39. Sendo certo que, tal como confirmado pela referida testemunha FF, a PP enquanto entidade seguradora do acidente de trabalho, terá, de facto, liquidado à A. todas as despesas médicas, medicamentosas, e de transporte apresentadas pela A., tendo ainda procedido ao pagamento das indemnizações devidas por todos os períodos de incapacidades temporárias, e ainda de todas as incapacidades permanentes.
40. Assim, à data de 03.08.2022, a PP terá suportado e liquidado à A. o montante total de € 131.526,17 (cf. resposta ao ofício junto aos autos sob Ref. Citius 23186398, em 17/04/2023), tendo liquidado à data do depoimento da referida testemunha FF o montante total de € 156.881,00 (cf. minuto 00:18:53 do seu depoimento).
41. Sendo certo que, do referido depoimento da testemunha FF não resulta, como não poderia deixar de ser por se tratarem de factos pessoais e do foro íntimo e privado da A., qualquer prova relativamente aos pontos 14 a 22 dos factos julgados provados.
42. De modo que, considerando todos os elementos de prova supra descritos, não poderá ora Recorrente, salvo devido respeito, concordar com a factualidade que se deu como provada nos referidos pontos 12 a 22 da matéria de facto, admitindo-se apenas que: 12. A Autora, em razão do acidente de viação, sofreu lesões que determinaram uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 0,04 (4%); 13. À Autora foi atribuída, por atestado Médico de Incapacidade Multiuso uma incapacidade permanente global de 80% (sem que tenha directa relação com o acidente de viação indicado em 5.);
43. Devendo a restante matéria elencada nos pontos 14 a 22 ser dada como NÃO PROVADA, na medida em que tais factos não decorrem do acidente de viação ocorrido em 29.11.2006,
44. E devendo, ainda, do ponto 34 dos factos provados ficar a constar que: 34. Até 3 de Agosto de 2022, a PP pagou à A. os seguintes montantes: ▪ A título de salários, a importância de 9.275,20€, ▪ A título de remição da pensão, a importância de 2.828,92€ e 9.742,70€, ▪ A título de Subsídio de elevada incapacidade, a importância de 3.574,98€; ▪ A título de pensões a importância de 36.770,84€; ▪ A título de transportes a importância de 4.839,01 €, ▪ A título de despesas médicas e medicamentosas a importância de 165,16 €, ▪ A título de Prestação suplementar para apoio de 3ª pessoa, a importância de 1.945,87€. – tudo cf. resposta ao ofício junto aos autos sob Ref. Citius 23186398, em 17/04/2023, o que muito respeitosamente se alega e requer para os devidos e legais efeitos.
45. Pela mesma ordem de razão, e considerando os supra referidos elementos probatórios constantes dos autos, não poderá ora recorrente concordar com a resposta positiva aos pontos 27 a 30 do elenco dos factos provados.
46. Na verdade, e apesar de se admitir a veracidade de tais factos na medida em que os mesmos foram corroborados quer pela testemunha FF, quer extensa documentação clínica, quer respeitante ao processo emergente de acidente de trabalho a cargo da congénere PP, apenas se poderá admitir que tais factos constam do Processo de acidente de trabalho, o qual obedece, como se sabe, pressupostos e requisitos distintos dá avaliação legalmente prevista em sede de Direito Civil;
47. Resultando igualmente de tal documentação a absoluta falta de correspondência de tais lesões e sequelas com o acidente de viação sofrido pela A. em 29.11.2009, de modo que, relativamente a tais factos, sugere-se muito respeitosamente que fique a constar da redação inicial de cada um deles que “No âmbito do processo emergente de acidente de trabalho, e segundo a os serviços clínicos da seguradora PP (acidente de trabalho), (…)”;
48. No mais, e conforme acima se disse, a Recorrente alegou em sede de contestação, nos artigos 26 a 58 (os quais se dão aqui por reproduzidos para os devidos e legais efeitos), sendo que, sm sede de despacho saneador foi delimitado o objecto do litígio e os temas da prova, tendo do ponto 15 ficado a constar como objecto de prova a produzir em sede de audiência de julgamento: 15. Do conhecimento pelo Réu DD, à data de 01-01-2018 da sua actuação profissional no confronto do contrato de mandato celebrado com a Autora;
49. Em sede de audiência de discussão e julgamento foi efectivamente produzida prova nesse sentido, a qual resulta muito claramente do depoimento da testemunha AA - cf. depoimento prestado pela A. em 19.04.2023, gravado em ficheiro de áudio com Diligencia_1983-20.0T8SNT_2023-04-19_11-53-02.mp3 (em particular entre os minutos 00:43:11 e 00:46:11), resultando, assim, muito claramente da prova produzida nos autos, efectivamente PROVADO, que: 47. À data de início do período seguro da apólice ES00013615EO20A (1 de Janeiro de 2018), e pelo menos desde 2016, o Réu advogado, Dr. DD, tinha já conhecimento dos factos que, potencialmente, poderiam vir a gerar a sua responsabilização civil no âmbito do patrocínio forense assumido perante a A.. E que, 56. Tais factos ocorreram, bem como, foram conhecidos e consciencializados pelo Advogado, Dr. DD, em momento anterior ao início de vigência da apólice de seguro contratada com a aqui contestante (i. e., em momento anterior a 01/01/2018);
50. Requerendo-se, assim, e muito respeitosamente que os referidos factos sejam incluídos no elenco dos factos julgados PROVADOS, o que se alega e requer para os devidos e legais efeitos. Posto isto, considerando a alteração da matéria de facto supra impugnada, mas ainda sem prescindir, sempre caberá acrescentar o seguinte,
51. O Tribunal a quo percorre, salvo o devido respeito, o caminho inverso quanto à apreciação dos pressupostos da responsabilidade civil do Réu (primitivo) Dr. DD, tendo, desde logo, por premissa (salvo o devido respeito, incorrecta) de que se encontra demonstrado o dano de perda de chance da A., independentemente da demonstração e/ou preenchimento dos demais pressupostos da responsabilidade civil, algo que, salvo melhor e douta opinião em contrário, nunca poderá proceder!
52. Efectivamente, para que surja uma obrigação de indemnizar, em decorrência da responsabilidade civil profissional de advogado, devem estar inequivocamente (e, cumulativamente) preenchidos os seguintes requisitos: (i) O facto ou acto humano voluntário, por acção ou omissão; (ii) A ilicitude ou antijuridicidade do mesmo; (iii) A imputação do facto ao lesante ou agente, ou seja, a sua culpa (sendo a culpa apreciada em abstracto, na falta de critério legal, pela diligência de um bonus pater familiae, em face das circunstâncias do caso sub judice, nos termos dos arts. 487.º, n.º 2 e 799.º, n.º 2 do CCiv; (iv) A ocorrência de um dano ou lesão; (v) O nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano.
53. Nos termos do artigo 483.º do CC, para que seja gerada uma obrigação de indemnizar em decorrência da responsabilidade civil, é necessária a verificação de: (a) um acto ilícito e culposo; (b) prejuízos na esfera patrimonial do lesado, e, ainda, (c) que esses prejuízos estejam diretamente relacionados com a conduta lesiva, i. e., é essencial a verificação de um nexo de causalidade entre o acto ilícito e os prejuízos sofridos.
54. Resultando, ainda, da ampla jurisprudência proferida pelo nosso Supremo Tribunal de Justiça sobre a doutrina da perda de chance que, “Na perda de chance, ou de oportunidade, verificou-se uma situação omissiva que, a não ter ocorrido, poderia razoavelmente propiciar ao lesado uma situação jurídica vantajosa. Trata-se de imaginar ou prever a situação que ocorreria sem o desvio fortuito não podendo constituir um dano presente (imediato ou mediato) nem um dano futuro (por ser eventual ou hipotético) só relevando se provado que o lesado obteria o direito não fora a chance perdida - Cf. Acórdão do STJ de 2010.04.29, processo 2622/07.0TBPNF.P1.S1, igualmente disponível in www.dgsi.pt e com destaque nosso;
55. Da disposições legais contidas nos artigos 563.º e 564.º, n.º 2 do CC, resulta a presença no ordenamento jurídico português do princípio da certeza dos danos e bem assim o acolhimento da tese e regras da causalidade adequada, sendo consequentemente imposto ao lesado, como condição prévia à procedência da sua pretensão indemnizatória, a alegação e prova de que, não fora o acto ou omissão ilícita, o direito seria por este obtido.
56. Decorrendo, assim, a falta de suporte no ordenamento jurídico português da ressarcibilidade do designado dano de perda de chance, entendido enquanto dano autónomo, sem necessidade de alegação e prova da certeza da obtenção da chance perdida, não fora a conduta ilícita e culposa do lesante.
57. A presunção de culpa estatuída no artigo 799.º, n.º 1, do CC, não determina quer uma presunção de nexo de causalidade, quer uma presunção de dano, sendo assim imposta ao lesado a alegação e prova dos restantes pressupostos da responsabilidade civil, não determinando, quer a presunção de culpa decorrente da responsabilidade civil contratual, quer a aplicação da doutrina de perda de “chance”, a inversão do ónus de alegação e prova dos pressupostos da responsabilidade civil (não presumidos).
58. No caso em apreço nos autos, ainda que admita a existência de uma conduta profissional omissiva incorrida pelo Réu, Dr. DD, no âmbito do patrocínio forense assumido perante a A. em Novembro de 2009 (o que não se admite, mas agora se equaciona por mero raciocínio lógico e à cautela de patrocínio), sempre deveria ser alegada e provada pela A. (enquanto pressuposto do seu direito, nos termos previstos no artigo 342.º do Código Civil) a efectiva e real probabilidade de sucesso de tal pretensão,
59. O que, in casu, se reconduz à probabilidade de recebimento integral de todos os montantes reclamados pela A. nos presentes autos, e que alegadamente pretendia reclamar na acção judicial a propor contra a seguradora X, e em decorrência do acidente de viação ocorrido em 29.11.2006,
60. Sendo certo que, face aos factos alegados nos autos pela A., não é possível, de todo, afirmar a absoluta procedência e/ou probabilidade séria, real e consistente de sucesso da pretensão da Autora, não fosse a apontada omissão incorrida pelo Réu DD.
61. É desde logo notório que, tendo o advogado sido mandatado pela A. há escassos 5 dias antes do termo final do prazo de prescrição legalmente previsto para a propositura da pretendida acção judicial contra a seguradora X, nunca se poderá considerar exigível tal actuação e/ou conduta, nunca se podendo concluir, nessa medida, sequer pela existência de um acto e/ou omissão ilícita incorrida pelo Réu (primitivo) Dr. DD.
62. Não resultou sequer provado nos autos qual o verdadeiro âmbito e extensão do mandato forense que lhe terá sido conferido pela A., designadamente se o mesmo se destinava, de facto, a propositura de uma ação judicial, ou se, pelo contrário, pretende a Autora que o réu advogado diligenciasse junto da referida entidade seguradora X, pela reparação de danos que não se encontravam a ser ressarcidos ao abrigo da apólice de seguro de acidentes de trabalho da seguradora PP.
63. Em sede de processo emergente de acidente de trabalho a Autora estava a ser acompanhada clinicamente, sendo-lhe garantidas por aquela seguradora todas as prestações indemnizatórias legalmente devidas, designadamente a título de incapacidades temporárias e/ou perdas de salários, despesas médicas, medicamentosas, de transporte, para além de estar a ser pagas à A. todos os valores a título de pensões/perda de rendimento futuro, calculadas com base nas incapacidades permanentes parciais fixadas à A. ao longo do tempo, inclusivamente considerando as aludidas recaídas e/ou agravamentos que nenhuma relação direta tinham com o acidente de viação descrito (mas que são indemnizáveis em sede de acidente de trabalho, por via do disposto no artigo 11.º da Lei de Acidentes de Trabalho – actualmente aprovada pela Lei 98/2009 de 4 de setembro – e à data pelo artigo 9.º da Lei 100/97 de 13 de setembro).
64. Assim, e porque a A. já foi indemnizada de todas as quantias, nunca haveria lugar a qualquer montante indemnizatório a ser suportado pela Companhia de Seguros X, s.m.o., apenas restaria à A. reclamar, junto da seguradora do veículo responsável pelo acidente de viação descrito, os danos não patrimoniais que não são, de facto, nessas condições, ressarcíveis ao abrigo dos processos (e da apólice de seguro) emergentes de acidente de trabalho.
65. Conforme resultou igualmente demonstrado, não foi apresentada pela A. qualquer queixa-crime, com base naqueles factos, que pudesse determinar a contabilização de um prazo de prescrição superior aos 3 anos – cf. previsto no artigo 498.º, n.º 1 do CC - razão pela qual, salvo melhor e douto entendimento em contrário, nunca se poderá (sequer) aceitar e/ou admitir a existência de qualquer conduta/actuação profissional ilícita por parte do 1.º Réu, Dr. DD, bem como qualquer nexo de causalidade existente entre a sua conduta e eventuais danos e/ou prejuízos sofridos pela A.
66. Para além disso, a A. não alegou, minimamente e não provou, nos autos as circunstâncias em que o aludido acidente ocorreu, e bem assim a efectiva responsabilização do condutor do veículo interveniente pela produção do acidente em causa, não tendo a A. sequer junto aos autos pela A. cópia do auto de participação de acidente, o que impossibilita, desde logo, ao Tribunal a realização do “julgamento dentro do julgamento” nos termos da doutrina acolhida pelos nossos Tribunais superiores quanto ao dano de perda de chance.
67. Não resultando, igualmente, da factualidade provada nos autos que a Companhia de Seguros X terá assumido definitivamente a responsabilidade pelo acidente e pelos danos sofridos pela A., ou ainda sido junto pela A. qualquer relatório de avaliação do dano biológico, pelo que, também não se pode aferir dos eventuais montantes a atribuir a este título.
68. De modo que, tal como veio a ser sedimentando pelo citado Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 2/2022 publicado em 26.01.2022, a factualidade alegada pela Autora na sua petição inicial, e bem assim o elenco dos factos julgados provados pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, afigura-se manifestamente insuficiente para que se possa concluir pela probabilidade séria, real e consistente de procedência da pretensão da A. (acção judicial a ser intentada contra a seguradora X em decorrência do acidente de viação sofrido pela A. em 29.11.2006), não fosse a actuação alegadamente omissiva que se imputa ao falecido advogado, Dr. DD.
69. Razão pela qual, salvo o devido respeito, não poderá a douta sentença recorrida manter-se, nos termos em que foi proferida, sob pena de expressa e frontal violação das normas legais previstas nos artigos 342.º, 483.º, 563.º, 564.º do Código Civil.
70. Para além disso, incorreu o douto Tribunal a quo a esse propósito, salvo o devido e mais elevado respeito, a uma incorrecta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 342.º, n.º 1 do CC, 609.º n.º 2 e 414.º do CPC: como o ónus da prova do dano incumbe ao lesado - já que se trata de um pressuposto da obrigação de indemnizar (cfr. artigos 342.º, n.º 1 e 483.º do CC) - está fora do alcance da norma prevista no n.º 2 do artigo 609.º do CPC o presente caso, uma vez que uma eventual inexistência de elementos para fixar a quantidade procede do insucesso da actividade probatória do interessado (in casu, da aqui Autora).
71. Nunca poderá a decisão, in casu, ser relegada para momento ulterior, nomeadamente para incidente de liquidação de sentença, nomeadamente porque uma decisão que relegue para liquidação posterior, terá que necessariamente concluir que existe a possibilidade séria e credível de produzir-se prova no âmbito da liquidação, o que não ocorre no caso em apreço.
72. A demora excessiva e inútil que importa a manutenção da decisão recorrida é insustentável, e resulta de uma incorrecta interpretação e aplicação da norma constante no artigo 609.º, n.º 2 do CPC, indo até contra o sustentáculo da corrente jurisprudencial que se apoia especialmente numa razão de justiça e no princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei.
73. Nestes termos, e ressalvando-se uma vez mais o devido respeito por melhor e douta opinião em contrário, justifica-se a revogação da decisão recorrida por incorrecta aplicação dos artigos 342.º n.º 1 e 483.º do CC, e dos artigos 414.º e 609.º n.º 2 do CPC, XL67 99 o que, muito respeitosamente, se alega e requer para os devidos e legais efeitos, devendo a douta decisão final ser revogada e substituída por outra que determine a total improcedência da acção, por não se encontrarem demonstrados os pressupostos da responsabilidade civil do Réu advogado, Dr. DD.
74. Por fim, não poderá a ora Recorrente concordar com o entendimento prosseguido pelo douto Tribunal a quo, também quanto a matéria contida no ponto C) da douta decisão recorrida (“Sujeitos da obrigação de indemnizar, Exclusões do seguro e franquia”), na medida em que tal implicaria o total esvaziamento da cláusula contratual prevista na alínea a) do artigo 3.º das Condições Especiais das apólices ES00013615EO20A, e bem assim do disposto nos artigos 42.º, n.º 2 e 44.º, n.º 2 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (DL 72/2008 de 16 de abril).
75. Com efeito, nos termos da alínea a) do artigo 3.º das Condições Especiais das apólices ES00013615EO20, ficam expressamente excluídas da cobertura das apólices as Reclamações “… por qualquer facto ou circunstância já anteriormente conhecido(a) do segurado, à data de início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação.” – cf. ponto 37 dos factos provados.
76. Efectivamente, o que releva para efeitos de aplicação da referida cláusula de delimitação de cobertura, é o facto e/ou circunstância que, sendo razoavelmente conhecido do segurado à data de início do período seguro, possa, razoavelmente, vir a gerar uma reclamação.
77. Conforme prevê o artigo 42.º, n.º 2 da Lei do Contrato de Seguro (D.L. n.º 72/2008 de 16 de abril), sob a epígrafe “Cobertura do Risco”, as partes podem convencionar que a cobertura abranja riscos anteriores à data da celebração do contrato, sem prejuízo do disposto no artigo 44.º, prevendo, contudo, expressamente, o aludido artigo 44.º, n.º 2 da Lei do Contrato de Seguro (D.L. n.º 72/2008 de 16 de abril), que “O segurador não cobre sinistros anteriores à data da celebração do contrato quando o tomador do seguro ou o segurado deles tivesse conhecimento nessa data”;
78. A referida cláusula contratual, pese embora se encontre inserida num capítulo da apólice de seguro dedicado às Exclusões, assume a natureza de disposição delimitadora do objeto da apólice, nomeadamente, por ser clarificadora da disposição de retroatividade temporal, limitando-se o seu âmbito de cobertura aos factos geradores de responsabilidade civil que sejam (ou cujas consequências sejam) ainda desconhecidos pelo segurado aquando da entrada em vigor da apólice de seguro/início do período seguro.
79. Assim, prevendo, de facto a retroatividade ilimitada quanto à data de ocorrência dos factos, encontra-se, contudo, a abrangência (ou não abrangência) de tais factos nas coberturas contratuais, delimitada pela data da tomada de consciência, pelo segurado, da possibilidade/razoabilidade de tais factos poderem conduzir à sua responsabilização civil.
80. Sendo que, o que releva para efeitos de delimitação da cobertura da apólice/aplicação da referida “Exclusão de pré-conhecimento” é o conhecimento dos factos passíveis de gerar uma reclamação e/ou a responsabilização civil do segurado, e não, a ocorrência de uma efetiva e concreta reclamação, tal como parece sustentar a douta sentença recorrida.
81. Por outro lado, e como se tem por inequívoco, não poderá a exclusão em causa ser reconduzida a um incumprimento de uma obrigação (quer por parte do segurado, quer pelo tomador de seguro), quando o facto consubstanciador da exclusão é prévio à própria fonte das obrigações assumidas pelas partes, in casu, à própria celebração do contrato de seguro, sendo, assim, absolutamente irrelevante para a sua aplicação e verificação, a pretensa natureza obrigatória do contrato de seguro (cf. disposto nos artigos 100.º e 101.º do RJCS - D.L. n.º 72/2008 de 16 de abril);
82. Das disposições legais supra indicadas, resulta limitar-se o seu âmbito de aplicação ao incumprimento da obrigação, a cargo do segurado, de participação de sinistro na vigência do contrato de seguro, âmbito esse que, como se tem por manifesto, não engloba a exclusão prevista na alínea a) do artigo 3.º das condições das apólices de seguro base e de reforço contratada pelo 1.º R., a qual regula os “sinistros” conhecidos pelo Segurado em data anterior ao início do período seguro, não impondo ao segurado (como, em face do seu objeto, não poderia impor), qualquer ónus de participação do sinistro.
83. A exclusão do sinistro da cobertura da apólice, nos termos previstos na alínea a) do artigo 3.º das condições especiais dos contratos de seguro em apreço nos autos, não resulta de qualquer relação e/ou incumprimento por parte do segurado, de deveres contratualmente estabelecidos, nomeadamente, da participação do sinistro.
84. De facto, a evidência do distinto âmbito de aplicação das disposições em apreço, resulta, desde logo, da constatação de que, mesmo que os factos e circunstâncias conhecidos do segurado e que já tivessem ou pudessem vir a gerar reclamação, fossem comunicados à seguradora na data do início do período seguro, o sinistro em causa encontrar-se-ia sempre excluído da cobertura das apólices, porque pré-conhecido, o que, aliás, conforme acima se disse, tem pleno respaldo no regime da Lei do Contrato de Seguro (D.L. n.º 72/2008 de 16 de abril), nomeadamente, na norma prevista no artigo 44.º, n.º 2;
85. De modo que, não sendo aplicável à “exclusão”/delimitação de cobertura temporal prevista na alínea a) do artigo 3.º das Condições Particulares das apólices, o disposto no n.º 4 do artigo 101.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, bem como atendendo à inoponibilidade do incumprimento das obrigações assumidas pelas partes, ao terceiro, sempre será irrelevante (salvo o devido respeito por melhor e douto entendimento em contrário), para a sua aplicação, a natureza obrigatória (e/ou facultativa) dos contratos de seguro em apreço.
86. Resultando manifestamente inequívoco nos presentes autos o (pré) conhecimento e/ou tomada de consciência do segurado, aqui 1.º Réu, Dr. DD, relativamente à possibilidade de ser responsabilizado pela Autora face os factos alegados nos autos, parece à ora Recorrente inequívoco que, sempre deverá o alegado sinistro profissional ser considerado expressamente excluído e/ou não abrangido pelas coberturas contratuais previstas na apólice de seguro ES00013615EO20A, contratada pela Ordem dos Advogados.
87. Tal como resultou efectivamente demonstrado nos autos, à data de início do período de seguro do contrato celebrado com ora Recorrente (01.01.2018), o Réu DD já tinha conhecimento dos factos que, potencialmente, poderiam vir a gerar a sua responsabilização civil no âmbito do patrocínio forense posto em crise nos autos pela aqui A.;
88. Perante a factualidade julgada provada nos autos, é incontestável que a presumível omissão profissional que a A. imputa ao 1.º Réu no âmbito do patrocínio forense posto em crise nos autos, e bem assim qualquer eventual consequência patrimonial resultante, para o segurado (agora transferida para os Herdeiros habilitados), de tal aludida omissão, encontra-se invariavelmente excluída do âmbito de cobertura contratual da apólice de seguro garantidas pela Recorrente, o que expressamente se alega para todos os devidos e legais efeitos - tal como recentemente entendeu (e sumariou) o douto Tribunal da Relação de Lisboa, em Acórdão proferido em 07.11.2023: “V - Os sinistros anteriores à data da celebração do contrato não estão cobertos quando o tomador do seguro ou o segurado deles tivesse conhecimento nessa data” (Processo n.º 9204/21.1T8LRS.L1, disponível in www.dgsi.pt);
 89. Nessa medida, e por tudo quanto se encontra exposto, sendo inequívoco que o Réu DD, pelo menos desde 2016, tem conhecimento dos factos e circunstâncias passíveis, ainda que em tese, de gerar a sua responsabilização civil perante a A., i.é., da possibilidade e/ou razoabilidade de vir a ser responsabilizado pela A., sempre será de concluir pela impossibilidade de responsabilização da Seguradora, ora Recorrente, pelos danos presumivelmente decorrentes da actuação profissional do advogado DD, no âmbito do patrocínio forense posto em crise nos autos, nomeadamente por aplicação da cláusula contratual prevista no artigo 3.º, alínea a) das condições especiais das apólices sub judice, e bem assim do n.º 2 do artigo 44.º da Lei do Contrato de Seguro (D.L. 72/2008 de 16 de Abril), normas legais e contratuais que, in casu, foram (salvo o devido respeito) incorretamente apreciadas e aplicadas pelo douto Tribunal a quo.
90. Devendo, em todo o caso, na eventualidade de fixação de algum montante indemnizatório à A. em decorrência dos factos em apreço nos autos (o que, face a tudo quanto ficou exposto, igualmente não se admite e/ou concede, mas apenas se equaciona por mera cautela de patrocínio), ser a franquia contratual de € 5.000,00 prevista na apólice de seguro ES00013615EO20A celebrada com a Ordem dos Advogados, considerada devida e suportada pelos RR. Herdeiros habilitados, na qualidade de parte nos presentes autos, com evidente celeridade e economia processual.
91. Assim, e salvo o devido respeito, ao decidir do modo como decidiu, violou o douto Tribunal a quo as normas legais previstas nos artigos 42.º, n.º 2, 44.º, n.º 2, 100.º e 101.º, e 147.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, conjugados com as cláusulas contratuais previstas na apólice de seguro em apreço, designadamente o artigo 3.º, alínea a), das Condições Especiais da apólice de seguro ES00013615EO20A, por incorrecta aplicação e/ou interpretação dos aludidos preceitos legais e contratuais, o que se alega para os devidos e legais efeitos.
Nestes termos e nos demais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença proferida”.

A A. contra-alegou, terminando com as seguintes conclusões:
1ª A Recorrente não impugnou a decisão de facto segundo os cânones, visto que não cumpriu o ónus da impugnação específica, limtando-se a expressar a sua interpretação sobre os factos e reproduzindo alguns depoimentos, quando o que lhe cometia era atacá-los frontalmente. A isto adita-se que
2ª Não indicou os elementos probatórios que, constando dos autos, impunham decisão diversa da recorrida. Portanto, a impugnação da decisão de facto merece ser desatendida. Porém, a não ser assim entendido, e baixando aos factos, ocorre que
3ª Quanto á decisão de facto constante do ponto 4, sucede que a dita mereceu a concordância de ambas as RR consoante resbuta dos artºs 85º da contestação da seguradora e 6º do 1º R, o que evidencia confissão, pelo que está a sobredita matéria imune á controvérsia. Sem prescindir,
4ª O equívoco da Recorrente aconteceu porque não atentou que a matéria do ponto 4 é sustentada pelo doc. 3 oferecido com a p i, a isto acrescendo que o próprio Dr. DD declarou, a fls 21 do processo disciplinar instaurado pela O.A, que integra os autos, o seguinte: “Em 19/11/2009, teve lugar no n/ escritório a primeira reunião com a Srª Participante. No mesmo dia contactando o Colega Dr. JJ, o mesmo respondeu por fax em 20/11/2009, enviando cópia da procuração datada de 26/06/2008 e informando que os poderes conferidos não foram utilizados em qualquer processo judicial.”
5ª Por conseguinte, aqui se pugna pela manutenção integral do julgado sob o ponto 4 dos factos provados.
6ª Mutatis mutandis, o facto provado a coberto do ponto 7 deve, igualmente, ser inteiramente mantido por isso que estribado sobre o doc.3, os testemunhos da A. e do marido e, sobretudo, porque o Dr. DD aceitou, livremente, o patrocínio mediante os poderes que lhe foram conferidos por procuração.
7ª Com respeito á matéria veiculada ao abrigo dos pontos 9 e 10, dos factos provados, a Recorrida socorre-se, por um lado, da fundamentação expendida pelo tribunal a quo, denunciando a inexistência de prova correspondente a facto positivo que a infirmasse, e prova claramente acessível, e, por outro, destaca o doc.3, acompanhante da p i, expressão claríssima da X enquanto seguradora responsável pela reparação dos danos emergentes do acidente de viação dos autos.
8ª E, no que toca á dificuldade de prova dos factos negativos, socorre-se a Recorrida dum aresto da Relação de Guimarães que, seguindo jurisprudência firmada pelo S.T.J em 17.10.2016, in Proc. 06ª2741, refere, a dado passo, que” (…) face á dificuldade de prova dos factos negativos somente se deverá admitir uma menor exigência quanto á sua demonstração” – v Ac da Relação de Guimarães, 2ª Secção Cível, de 24.11.2016 in Proc 641/10.8TBLMG.G1.
9ª Sucede que em relação á inexistência de prova equivalente a facto positivo, os autos apenas incorporam duas fantasmagóricas cartas aparentemente endereçadas pelo Dr DD, respectivamente, em 18.01.2016 e 22.04.2016, á seguradora X. E diz-se aparentemente porquanto
10ª Em primeiro lugar, por não ser crível que o Dr DD, mandatado em 24.11.2009, tivesse contactado a referida seguradora pela 1ª vez em janeiro de 2016 quando já estava consumido o prazo prescricional havia muito tempo, sendo que pelo teor da dita carta se intui facilmente que seria o primeiro contacto. Só que,
11ª Para primeiro contacto estabelecido (já que questiona a seguradora sobre se o seu segurado lhes havia participado o acidente de viação ocorrido em 29.11.2006), é estranho que, á partida, tivesse indicado e de forma correcta o nº do processo da seguradora. Premonição? Certamente não será. Provavelmente o nº do processo da seguradora ter-lhe-á sido facultado pela Autora em razão do contacto telefónico de 2007. Portanto, alguma informação terá a Autora facultado ao seu advogado de então.
12ª Em segundo lugar, porque não há qualquer evidência de que as pretensas cartas foram efectivamente expedidas (ainda por cima com aviso de recepção a segunda).
13ª Por fim, a falta de resposta da seguradora. Mais: a seguradora na reposta ao signatário desta peça, em 09.12.2019, referiu expressamente que a sua posição ante o acidente não foi directamente comunicada ou reiterada ao anterior mandatário. Pergunta-se: é verosímil que a seguradora X, se contactada, tivesse deixado de responder ao Dr DD? Francamente, não parece, dada a sua inquestionável transparência.
14ª Por conseguinte, a decisão de facto veiculada a coberto dos pontos 9 e 10 deve ser integralmente mantida. É o que aqui se sustenta.
15ª No que concerne á matéria de facto dada com provada sob os números artigos 12 a 22, a Recorrida socorre-se inteiramente da respectiva fundamentação de facto, que sequer foi abalada, a que acresce o facto da impugnação não referir qual o documento que, constando dos autos, imponha decisão diversa da recorrida e, ainda, o facto da matéria em casa constituir matéria incontroversa. Portanto, é de desatender a pretensão, sendo de manter o julgado nos seus exactos termos.
16ª A Recorrida considera incorrectamente julgada a matéria veiculada sob o nº 11 dos factos provados, a partir de “(…) endereçadas á Companhia de Seguros X”, uma vez que nada suporta, em termos probatórios, o referido segmento além de que parece altamente inverosímil que, em 16.01.2016, o Dr. DD contactasse a seguradora pela primeira vez e com referência a um acidente de viação ocorrido em 29.11.2006. Ademais,
17ª Sugerindo o texto da carta em questão que seria o primeiro contacto com a seguradora, como se explica a referência, na dita carta, ao nº do processo interno da seguradora? Mais: E porque não haveria a seguradora de responder àquela prestando a informação solicitada?
18ª De facto, múltiplas e sérias são as dúvidas que recaem sobre a expedição das cartas em questão, e nada, absolutamente nada, permite presumir a sua expedição, sendo apenas seguro dar como provado aquilo que não provoca incerteza, para o que se surge a seguinte versão: o 1º R facultou cópias de cartas, datadas de 18.02.2016 e 22.04.2016, solicitando á Companhia de Seguros X informação sobre se o segurado da viatura … havia participado o acidente.
19ª A Recorrida considera indevidamente julgados os factos constantes das alíneas b), c), d), e), dos factos não provados, pelo que impugna a decisão que as materializa.
20ª Quanto á matéria da alínea b), não só não foi provado qualquer facto positivo demonstrando o contrário, assim como a prova que resulta dos autos, maxime o doc. 10 junto com a p.i., é em sentido negativo, e igualmente o é o testemunho do João Antunes Leal, ao minuto 14:30:20 a 15:00:00, que, questionado sobre se o Dr. DD propôs acção judicial contra X, respondeu negativamente. Consequentemente, deve ser alterado o sentido da decisão da alínea b) no sentido de provado porquanto os autos oferecem prova bastante para tanto.
21ª Em relação á matéria da alínea c), designadamente as expectativas e ilusões criadas pelo 1º Réu, não há como não dar crédito ao depoimento da Autora visto que o decesso daquele não foi aproveitado em benefício da Autora quanto é certo que o óbito não pode, por si só, servir de desmerecimento á palavra da Autora, assim como é de sublinhar que, aquando da propositura da acção, a Autora fê-lo na esperança de em sede de julgamento confrontá-lo pessoalmente. Mais: a única atitude do 1º R no sentido de demonstrar haver contactado a X em vista a tranquilizar a Recorrida é um autêntico embuste. Senão, pergunta-se: para que serviria brandir cópias de cartas fraudulentas, não endereçadas á seguradora, senão para ludibriar?
22ª Refere a sentença “deficiente comunicação ou prismas de linguagem jurídica”, enquanto motivo justificativo de que, ao referir-se a processo e seguradora, tanto se poderia estar a falar do processo de acidente trabalho e da seguradora respectiva. Ocorre, salvo o devido respeito, um equívoco visto que o processo emergente do acidente de trabalho, iniciado em 2007, posteriormente ao pagamento do capital de remição, em 03.07.2008, terminou a sua tramitação, e, somente mais tarde, em 2012, foi impulsionado por iniciativa da seguradora que requereu exame médico de revisão, e subsequente exame médico de revisão por discordar do resultado do exame médico singular. Logo, as referências ao acidente e á seguradora, nas conversas entre Autora e 1º R, que iniciaram em 24.11.2009, só podiam dizer respeito ao acidente de viação e á seguradora X.
23ª No que concerne á alínea d), a sentença recorrida motivou a decisão referindo a ausência de prova, em conjugação com os elementos constantes dos autos demonstrando ter o 1º R sofrido um AVC em janeiro de 2018 tendo tido alta em maio do mesmo ano, pelo que a conversa da Autora com o 1º Réu dificilmente poderá ter ocorrido em 2018. Acontece que a Recorrida desconhece a referida alta em maio de 2018 em consequência do AVC de 31.01.2018, e tanto mais que a sentença não identifica os elementos que usou na apreciação que fez. Acresce que o ano de 2018 somente em 31 de dezembro terminou, pelo que, ao firmar a decisão considerando a coordenada temporal de janeiro a maio, mal andou o tribunal a quo, visto que nada impediria a Autora de questionar o 1º R entre junho e dezembro de 2018. Portanto, a decisão em questão merece ser alterada no sentido de provado.
24ªA decisão veiculada sob a alínea e), por total ausência de fundamentação enferma de nulidade.
25ªTrazer para os presentes autos, aqueloutros emergentes do acidente de trabalho, com o intuito de justificar que o Dr. DD fez uso do mandato que lhe foi conferido pela Recorrida é simplesmente grotesco para além de desprovido de senso. Os referidos autos iniciaram em 2007 e chegaram ao seu termo em 03.07.2008 com o pagamento do capital de remição. Posteriormente reabertos foram em 2012 por impulso da seguradora requerente do exame médico de revisão e subsequente revisão por junta médica.
26ª É de admitir que, sequencialmente, o Dr. DD tivesse requerido a remição da pensão, pelo que a sua intervenção nos autos de acidente de trabalho terá sido meramente episódica. Como igualmente é plausível admitir que pela sua intervenção terá apresentado e recebido honorários.
27ªA perda de chance, ou, dito por outras palavras, o sucesso da acção – se a esta houvesse lugar – não traria seguramente problemas de maior visto que a pronta assunção da responsabilidade pela X, na reparação dos danos emergentes do acidente de viação, é duma justeza singular. Isto é: as circunstâncias de tempo, modo e local do acidente, as condições da via, o fluxo de trânsito que nela se processava ao tempo, a velocidade do veículo e a sinalética local, o comportamento de cada interveniente no acidente e sua versão a respeito e, por fim, a dinâmica do próprio acidente, tudo questões geralmente esgrimidas em matéria de acidentes de viação em vista á determinação da pessoa responsável pela eclosão do acidente, simplesmente foram subtraídas de qualquer discussão.
28ªDe modo que ao Dr DD caberia negociar o quantum indemnizatório perante a X, ou seja, a causa não envolveria complexidade ou morosidade assinalável e, sobretudo, não demandaria dias e dias de trabalho ou horas continuadas de trabalho intenso. Portanto, a graduação dos honorários atenderia necessariamente essa vertente.
29ªQuanto aos pressupostos de responsabilidade civil, inteiramente preenchidos ao contrário do que doutamente sustenta a Recorrente, a Recorrida acompanha a motivação de direito expendida na sentença, fazendo-a sua, excepto na parte em que a mesma considera realizado, por carta datada de 18.01.2016, o primeiro contacto do Dr. DD com a seguradora X, por divergir desse entendimento.
30ªMas, no essencial e para o que aqui releva, os requisitos da responsabilidade civil estão preenchidos no seu todo, incluindo a existência de danos. Ponto é a sua quantificação, que não pôde ser efectuada. Daí que a sentença a tenha relegado para ulterior momento, o que não suscita qualquer censura, pelo que deva decisão ser preservada.
31ªEstoicamente vem a Recorrente invocar a não cobertura do sinistro á luz da apólice porque, segundo sustenta, o Dr. DD teria conhecimento, em data anterior á contratação do seguro em causa nos autos, de factos passiveis de o responsabilizar civilmente.
32ªReconhecendo-se-lhe o denodo aposto á sua tese, a verdade, porém, é que a dita não concita o aplauso da Recorrida. Desde logo, por partir de um equívoco quando refere “e tal como resultou efectivamente demonstrado nos autos, á data do período de seguro do contrato celebrado com a Recorrente (01.01.2016), o Réu DD já tinha conhecimento dos factos que, potencialmente, poderiam vir a gerar a sua responsabilidade civil no âmbito do patrocínio forense posto em crise nos autos pela aqui A.” Logo,
33ªPor inexistência de prova que lhe serva de arrimo, não pode a Recorrente, sob pena de desperdício inglório de energia, estrebuchar contra o julgado. Ao menos tivesse ela indicado, de entre os factos provados, o nº exacto que dá guarida àquilo que diz, teria seguramente prestado uma excelente ajuda ao mais incauto (leia-se a Recorrida).
34ª Com todo o respeito, a Recorrente terá laborado em erro visto que o que ficou efectivamente demonstrado a coberto do nº 37 dos factos provados, foi a enunciação, em abstracto, da exclusão das coberturas elencadas sob o art.º 3º, a), das Condições Especiais aplicáveis ao contrato. Portanto,
35ª À Recorrente impunha-se fazer demonstração dos factos passives de subsunção no art.º 3º, a), das Condições Especiais, o que, manifestamente, não alcançou sequer esboçou demonstrar.
36ªA sentença recorrida não fez violação ou incorrecta interpretação dos comandos normativos listados pela Recorrente nomeadamente os artºs 342º, nº1, 483º, 562º, 563º,564º,566º, nº2, e 3, 798º e 799º do Cód. Civil, e, ainda, os artºs 414º e 609º, nº2, ambos do Cód. de Processo Civil.
Temos em que,
Mantendo inteiramente a decisão de facto impugnada pela Recorrente, e acolhendo integralmente a impugnação da Recorrida quantos ao facto provado a coberto do nº 11 dos factos provadas, e os não provados a coberto das alíneas b), c), d), e), alterando o sentido de decisão destes e, acima de tudo, conservando o julgado”.

A decisão recorrida considerou como provada a seguinte matéria de facto:
“1. O 1.º Réu Dr. DD era advogado de profissão, tendo escritório na Rua ….
2. Por procurações outorgadas em 24 de Novembro de 2009 a Autora CC por si e em representação da sua filha BB, constituiu bastante procurador o Dr. DD, advogado, com escritório na Rua …, a quem conferiu os mais amplos poderes forenses em direito permitidos, para a representar em juízo ou fora dele, incluindo os de substabelecer e ainda poderes especiais para em seu nome apresentar queixas, transigir, desistir ou acordar e ainda, junto das companhias de seguros resolver as situações de indemnização.
3. A Ordem dos Advogados Celebrou com a Ré Seguradora … um contrato de seguro, titulado pela apólice ES00013615EO20A, através do qual esta assumiu perante aquela a cobertura dos riscos inerentes ao exercício da actividade de advocacia, desenvolvida pelos seus segurados (advogados com inscrição em vigor), garantindo até ao limite de capital seguro, €150.000, o eventual pagamento de indemnizações, pelos prejuízos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a terceiros, por dolo, erro, omissão ou negligencia, cometido pelo segurado ou por pessoal pelo qual ele deva, legalmente responder no desempenho da actividade profissional ou no exercício e funções nos órgãos da Ordem dos Advogados, contrato esse em vigor à data da citação para a presente acção.
4. Em 19.11.2009 o 1º R recebeu, no seu escritório, a Autora, que então o procurou uma vez que necessitava ela dos seus préstimos enquanto profissional do foro já que pretendia mudar de advogado. 5. A Autora havia sido vítima de acidente de viação pelas 7:50 horas do dia aos 29.11.2006, na Rua …, quando se deslocava de casa para o trabalho.
6. E estava insatisfeita com a prestação do advogado por si constituído, Dr. JJ.
7. O 1º R aceitou prontamente o patrocínio da A. numa acção a propor e nesse mesmo dia, durante a conferência entre a Autora e o 1º Réu, este estabeleceu contacto telefónico imediato com o Dr. JJ.
8. Tendo este esclarecido, por fax do dia seguinte, não ser credor de qualquer quantia, tendo anexado procuração outorgada em 26-06-2008, inutilizada, esclarecendo que os poderes conferidos não haviam sido utilizados em qualquer processo judicial.
9. O 1.º Réu não intentou qualquer acção contra a seguradora X, seguradora do veículo que atropelou a Autora.
10. Nem diligenciou pela notificação judicial avulsa ou propositura de qualquer procedimento cautelar contra a referida seguradora X. 11. O 1.º Réu facultou à Autora as cartas datadas de 18-01-2016 e 22-04-2016, endereçadas à Companhia de Seguros X solicitando informação sobre e o segurado da viatura … havia participado o acidente.
12. A Autora, em razão do acidente de viação, sofreu lesões e posteriores complicações advenientes daquelas e nunca mais trabalhou.
13. Tendo-lhe sido atribuída, por atestado Médico de Incapacidade Multiuso uma incapacidade permanente global de 80%.
14. Em consequência do acidente de viação a Autora viu a sua vida social alterada, pois que aos 38 anos de idade deixou de conviver com amigos e familiares, que não visita nem recebe em sua casa, assim também como não participa das festividades, locais ou as da sua região, o que ocorria até então.
15. A Autora perdeu o gosto pela vida e sente-se um peso para os que lhe são próximos, particularmente marido e filha mais velha.
16. É incapaz de se deslocar sem o auxílio de canadianas e o seu equilíbrio é periclitante.
17. Por vezes necessita de auxílio de 3.ª pessoa.
18. Chora frequentemente e vive dominada pela ansiedade.
19. É acompanhada por médico psiquiatra por via do acidente de viação pois vive num estado de constante depressão.
20. Em consequência do acidente tornou-se numa pessoa amargurada e infeliz.
21. Tendo deixado de participar, acompanhar ou assistir às actividades recreativas da filha mais nova.
22. Por força do acidente, a Autora temeu pela sua própria vida e pela vida da sua filha, à época de tenra idade.
23. Em 28.05.2009 iniciou acompanhamento psicoterapêutico semanal através de consulta de psiquiatria no Hospital de Santa Maria.
24. A Autora nunca foi assistida ou teve qualquer apoio por parte da X e, em particular, no que respeita à assistência médica, medicamentosa ou hospitalar.
25. O acidente referido em 5. foi considerado simultaneamente acidente de trabalho/viação, o que lhe garantiu a necessária assistência médica, medicamentosa e hospitalar.
26. Do ponto de vista ortopédico a lesão produzida pelo acidente consistiu em fractura da tíbia esquerda, que de acordo com a seguradora do acidente de trabalho, determinava, à data de 19-12-2007, uma incapacidade permanente parcial de 0,04.
27. Em 16.10.2008 ocorreu uma recaída que determinou um período de incapacidade temporária absoluta até 22.10.2009, e incapacidade temporária parcial de 0,20 desde 13.11.2009 a 03.12.2009 e, ainda, novamente incapacidade temporária absoluta de 04.12.2009 a 19.10.2010 e, por fim, um período de I.T.P de 0,30 de 20.10.2010 a 21.10.2010, tendo redundado em I.P.P de 0,24 segundo a os serviços clínicos da seguradora PP (acidente de trabalho)
28. Em resultado de exame médico de revisão, realizado a 10.09.2012 o quadro clínico foi alterado qualitativamente uma vez que à I.P.P. acresceu incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (vulgo IPATH), com eficácia à data da alta, ou seja, 21.10.2010.
29. Pelo colégio pericial foram detectados à Autora as seguintes sequelas: - artroplastia do joelho direito já recuperado, com revisão de prótese, limitação da flexão e extensão a 45 graus e hipertrofia da coxa de 5 cm.
30. Posteriormente, em decorrência de nova revisão de incapacidade, à Autora foi fixada incapacidade permanente parcial de 54%, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.
31. Em 2007 a Companhia de Seguros X comunicou telefonicamente aceitar a responsabilidade pelo sinistro, tendo informado a Autora que deveria manter tratamento por Acidente de Trabalho apresentando reclamação logo que o processo de acidente da seguradora de Acidentes de trabalho fosse concluído.
32. A X emitiu reembolso à Y em 2009.
33. À data do acidente a Autora prestava serviço para o Centro Paroquial … auferido 445,24, catorze vezes por ano, acrescidos de € 16,46, doze vezes por ano.
34. A título de ITA e ITP, de 30-11-2006 a 11-12-2007, a PP pagou à Autora € 3675,05.
35. O contrato de seguro referido em 3. teve início em 01-01-2018 e foi sendo sucessivamente renovado para as anuidades de 2019 e 2020.
36. O referido contrato de seguro, na cláusula 10.ª das condições particulares da apólice e no ponto 15 do art.º 1.º das condições especiais estabelece a aplicação de uma franquia contratual de € 5000,00 por sinistro.
37. O referido contrato de seguro referido em 2. estabelece no art.º 3.º, al. a) das Condições especiais que “Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice as reclamações: a) por qualquer facto ou circunstância já anteriormente conhecido do segurado, à data do início do período do seguro que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação; (…)”
38. A Autora não liquidou quaisquer honorários ou taxa de justiça ao 1.º Réu, Dr. DD.
39. Em Janeiro de 2018 o Dr. DD sofreu um AVC.
*
A sentença recorrida considerou como não provada a seguinte matéria de facto:
“a) que aquando da chamada referida em 7., o Dr. DD accionando o telemóvel em modo alta voz, destratou-o pondo em causa a sua competência profissional e, no limite, “sentenciou”: a partir deste momento, eu é que sou o advogado da D. CC”.
b) que o 1º R nada tenha feito perante ou contra a seguradora X.
c) que o 1º R foi mantendo a Autora na permanente ilusão quanto à existência de um processo contra a seguradora X e que, sempre que questionado sobre o andamento desse processo, a tranquilizava dizendo que não haveria nenhuma prescrição.
d) que em data que a Autora já não pode precisar, mas seguramente no ano de 2018, a mesma tenha questionado o 1.º Réu sobre quando é que receberia a dita indemnização tendo-lhe o mesmo respondido que aguardasse por um telefonema da seguradora, que a contactaria, propondo-lhe um valor.
e) que somente quando, no dia 23.08.2019, consultou, no seu escritório, o actual mandatário e signatário da petição inicial a Autora tenha tomado consciência de que o seu direito prescrevera pelo que, contra a seguradora responsável pelo acidente de viação, já nada havia a fazer.
f) que o 1.º Réu tenha aguardado que a Autora lhe entregasse toda a documentação necessária para intentar a ação o que a mesma não fez em tempo útil.
g) que de 4 de Outubro de 2019 a Dezembro de 2019 o Dr. DD tenha estado hospitalizado na unidade de Cuidados Intensivos e que após a alta tenha sido internado numa unidade de cuidados continuados onde esteve até ao seu falecimento.”
*
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo apelante e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635º e 639º do CPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº3 do CPC).
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1. Da impugnação da decisão de facto
2. Do direito a indemnização por “perda de chance” processual

Previamente à apreciação das questões elencadas importa precisar que a A. apresentou contra-alegações, nas quais, além do mais, e aquando da pronúncia sobre a impugnação da decisão de facto constante do recurso interposto pela Ré, veio também impugnar o facto provado nº 11 e os factos não provados das al. b), c), d) e e). Fê-lo sem observância do disposto no art.º 635º, nº 2 do CPC (sem que tenha requerido a ampliação do recurso e a título subsidiário), pelo que não será apreciada tal impugnação de facto.

1 Da impugnação da decisão de facto
A A./apelada pugna pela rejeição do recurso da decisão de facto, com fundamento na inobservância dos ónus prescritos no art.º 640º do CPC, concretamente o ónus da impugnação específica, limitando-se a expressar a sua interpretação sobre os factos e reproduzindo alguns depoimentos e não indicou os elementos probatórios que, constando dos autos, impunham decisão diversa da recorrida.
Estabelece o art.º 640º do CPC:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ªa edição, pág. 165-169, escreve:
“a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d) (…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente. (…)
A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (artºs. 635º, nº 4 e 641º, nº 2, al. b));
b) Falta de especificação, nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art.º 640º, nº 1, al. a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios de prova constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.)
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação. (…)”
Por acórdão do STJ proferido em 17/10/2023, no processo nº 8344/17.6T8STB.E1-A.S1, foi uniformizada jurisprudência nos seguintes termos:
“Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.”
Na respetiva fundamentação, pode ler-se:
“O recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto, cumpre o ónus constante do n.º1, c), do art.º 640, se a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, constar das conclusões, mas também da leitura articulada destas últimas com a motivação do vertido na globalidade das alegações, e mesmo na sequência do aludido, apenas do corpo das alegações, desde que do modo realizado, não se suscitem quaisquer dúvidas.”
A R., nas conclusões do recurso, indicou os factos que considera incorretamente julgados.
Na motivação especificou os concretos meios de prova em que funda a impugnação e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida (pretendendo a alteração da redação, nuns casos, e noutros que passem a não provados). Mais concretizou as passagens da gravação e procedeu à transcrição dos respetivos trechos.
Foram, pois, suficientemente cumpridos os ónus impostos pelo art.º 640 do CPC, nos moldes mencionados, com a ressalva infra.
A apelante entende que os factos provados nºs 4 e 7 devem ser alterados, sugerindo a seguinte redação:
“4. Em 24.11.2009 o 1º R recebeu, no seu escritório, a Autora, que então o procurou uma vez que necessitava ela dos seus préstimos enquanto profissional do foro já que pretendia mudar de advogado”.
“7. O 1º R aceitou o patrocínio da A. e nesse mesmo dia 24.11.2009, durante a conferência entre a Autora e o 1º Réu, este estabeleceu contacto telefónico imediato com o Dr. JJ.”
A sentença recorrida fundamentou os factos provados 4 e 7 nos seguintes termos:
“Os factos 4 a 8 resultaram provados da conjugação dos documentos 3 junto com a contestação (fls. 12 e 12v.) com as declarações de parte da Autora e o depoimento da testemunha AA, marido da Autora e que a acompanhou na consulta efectuada ao 1.º Réu, os quais esclareceram o Tribunal de que começaram todo o processo com o Dr. JJ, tendo posteriormente, por insatisfação, recorrido ao Dr. DD por indicação de uma pessoa conhecida. Ambos foram unanimes em afirmar que o Dr. DD nesse mesmo dia, em frente dos mesmos, entrou em contacto com o Dr. JJ, facto esse que encontra confirmação no teor do fax enviado pelo Dr. JJ no dia 20-11-2009. O depoimento do Dr. JJ não foi susceptível de trazer qualquer contributo para os autos na medida em que o mesmo não se recordava do assunto o que, atento o lapso de tempo, entretanto decorrido, se afigura compreensível.”
A apelante sustenta a sua posição nas declarações de parte da A. e depoimento da testemunha AA, seu marido, extraindo destes meios de prova que a A. foi recebida pela primeira vez pelo Dr. DD em 24/11/2009, pois a procuração forense foi outorgada na mesma data; dos referidos depoimento e declarações não resulta que o indicado advogado tenha sido mandatado para interpor ação.
Efetivamente, nas suas declarações, a A., não sabendo precisar a data em que ocorreu o primeiro constato com o Dr. DD, afirmou ter sido nesse dia que outorgou procuração forense – tal como ficou a constar da assentada registada em ata.
Por seu turno, o marido da A., AA, que a acompanhou nos contatos tidos com o Dr. DD, referiu que a primeira vez que se deslocaram ao escritório deste foi no dia 19/11/2009.
Pese embora o depoimento da testemunha denote uma certa confusão quanto à outorga da procuração (texto manuscrito, etc.), que também situou no primeiro contato tido com o Dr. DD, explicou que se recorda que teve lugar quando faltavam dez dias para se concluírem três anos desde o acidente (ocorrido em 29/11/2006).
Ambos mencionaram que nessa primeira ocasião o Dr. DD entrou em contato telefónico, na sua presença, com o anterior advogado, Dr. JJ.
Resulta do facto provado 2 que a procuração em causa foi outorgada em 24 de novembro de 2009, sendo essa a data constante do respetivo documento (nº 2 junto com a p.i.).
Todavia, existe um elemento probatório que não só não se coaduna minimamente com a alteração pretendida pela apelante quanto à data constante dos factos nºs 4 e 7, como a inviabiliza totalmente. Referimo-nos ao documento nº 3 junto com a pi. Trata-se de uma mensagem enviada por telecópia (“fax”) pelo Dr. JJ ao Dr. DD, em 20/11/2009, com o seguinte teor:
“Ex.mo Colega,
Na sequência de n/ contactos telefónicos de ontem à tarde e desta manhã, sou pelo presente a esclarecer não ser credor de qualquer quantia junto da cliente acima referenciada.
Por outro lado, anexo a procuração que me havia sido outorgada, inutilizada, e cujos poderes conferidos não foram utilizados em qualquer processo judicial.
Conforme conversámos estou à disposição do Ex.mo Colega para quanto seja necessário no âmbito dos assuntos que me estavam confiados.”
Se o primeiro contato tido entre a A. e o Dr. DD tivesse ocorrido no dia 24/11/2009, como poderia o Dr. JJ enviar, em data anterior, “fax” com o transcrito conteúdo, nele se aludindo, além do mais, à conversa telefónica tida na véspera?
E da assentada lavrada em ata não resulta que o 1º contato ocorreu em 24/11/2009, mas tão só que terá sido contemporâneo à outorga da procuração. Esta pode ter sido assinada em data anterior à nela aposta. Ditam as regras deontológicas a observar por advogados que o novo mandatário deve contatar o anterior (para se inteirar da situação do mandato, da prática de atos pelo mandatário, dos honorários devidos, etc.), pelo que seria verosímil que a procuração tivesse sido assinada em data anterior à nela aposta até que os contatos entre advogados esclarecessem a situação, e para evitar nova deslocação da A. ao escritório.
Independentemente da data aposta na procuração, afigura-se-nos não restarem dúvidas de que o primeiro contato com o Dr. DD ocorreu no dia 19/11/2009 (e não em 24/11/2009), data em que este aceitou o patrocínio da A. e em que estabeleceu contacto telefónico com o Dr. JJ, na presença da A., mantendo-se inalterados os factos 4 e 7 quanto a estes aspetos.
Relativamente ao segmento do facto provado 7 - aceitação pelo Dr. DD para propor uma ação - a A. declarou: “em dia que não consegue precisar, mas que terá sido contemporâneo da procuração outorgada a favor do Dr. DD (pois refere que a procuração foi passada logo no próprio dia em que foi ao escritório do mesmo com o seu marido e a sua amiga) o mesmo, à sua frente entrou em contato com o Dr. JJ e ficou de propor uma ação de responsabilidade emergente do acidente de viação de que tinha sido vitima” (cfr. assentada consignada em ata).
Também a testemunha AA referiu que a A., sua esposa, assinou procuração a favor do Dr. DD, “a dar plenos poderes para poder arrancar logo com o processo”. E questionado quanto à intenção do contato com o Dr. DD, “se era para tentar resolver extrajudicialmente? Era logo para propor a ação? “a testemunha respondeu que tinham sido alertados por uma amiga que trabalhava na X para terem cuidado com os prazos de entrega dos processos, tendo dito ao Dr. DD que queria que fosse acionado ao sistema do sinistro do acidente, porque esse senhor que atropelou a minha mulher …”.
Em suma, os indicados meios de prova não permitem sustentar a pretendida alteração do facto provado 7.
Entende a apelante que os factos provados 9 e 10 devem ser considerados não provados, uma vez que recaía sobre a A. a respetiva prova, o que não fez. Mais aduz que a resposta positiva a tais factos não poderá decorrer da ausência de prova em sentido contrário.
Os factos impugnados são do seguinte teor:
“9. O 1.º Réu não intentou qualquer acção contra a seguradora X, seguradora do veículo que atropelou a Autora.
10. Nem diligenciou pela notificação judicial avulsa ou propositura de qualquer procedimento cautelar contra a referida seguradora X.”
A sentença recorrida fundamentou tais factos nos seguintes termos:
“Os factos 9 e 10, enquanto facto negativos, resultaram da ausência de prova do correspondente facto positivo que os infirmasse e cuja prova era perfeitamente acessível: não só o documento 10 vai nesse sentido, como ainda nenhuma peça processual foi junta aos autos que atestasse a interposição de pedido de notificação judicial avulsa ou de qualquer acção contra a seguradora X.”
Referindo-se ao art.º 342º do CC pode ler-se no acórdão do STJ de 09/03/2021, proc. nº 3424/16.8T8CSC.L1.S1: “Desta disposição legal resulta que desde que se trate de factos constitutivos do direito invocado pelo A, quer esses factos sejam positivos, quer sejam negativos, é ao requerente que compete fazer a sua prova (artigo 342.º, n.º1, do Código Civil). Tratando-se de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do Autor, quer sejam positivos, quer sejam negativos é ao R que cabe fazer a prova da sua verificação (n.º2 do artigo 342.º do Código Civil) (…) Ou, como refere Pereira Coelho, este artigo não dá relevância à distinção entre factos positivos ou negativos na distribuição do ónus da prova, só podendo admitir-se que a natural dificuldade da prova de factos negativos torne aconselháveis menores exigências quanto à prova dos mesmos factos.”
Revestindo-se naturalmente de difícil obtenção a prova dos factos negativos em causa, há que valorar o documento nº 10 junto com a p.i.: mensagem de correio eletrónico enviado pela X para o atual mandatário da A., em 09/12/2019, do seguinte teor:
“Sinistro: 065065902 / 570-3332
Segurado …
Data do sinistro 29-11-2006
9 do Dezembro de 2019
Sinistradas: CC.
                     BB
Exm o. Senhor Doutor,
No âmbito do processo de sinistro em referência, e na sequência de missivas remetidas por V.Exa. aos nossos serviços, somos a Informar o seguinte.
1. Em 2007 foi comunicada a tomada de posição da Companhia, telefonicamente, no sentido de aceitar responsabilidade pelo sinistro. A tomada de posição nunca foi diretamente comunicada e/ ou reiterada perante o anterior mandatário.
2. Relativamente à sinistrada CC, Informámos a mesma de que deveria manter tratamento por AT, apresentando-nos a sua reclamação quando o processo da Congénere fosse concluído. Emitimos reembolso à Congénere em 2009, sem que até esta data qualquer reclamação nos fosse apresentada pela sinistrada, pelo que o seu direito se encontra legalmente prescrito.
3. Quanto à sinistrada BB, considerando o tempo decorrido, solicitamos autorização para agendamento de consulta com um médico da rede clínica X, devendo a mesma fazer-se acompanhar de todos os relatórios médicos emitidos ao longo destes anos, bem como de todos os comprovativos referentes a consultas/tratamentos/ medicação que tenha efetuado. Ficamos a aguardar anuência de V.Exa, para que possamos emitir credencial para agendamento de consulta nos nossos serviços. (…)”
 Resulta deste documento que nenhuma ação foi interposta contra a seguradora do acidente de viação, nem qualquer outro procedimento apto a interromper a prescrição (cautelar ou notificação judicial avulsa), invocando a seguradora a prescrição do direito, com esse fundamento. Mais, a X informa que a posição que tomou em 2007, no sentido de aceitar a responsabilidade pelo sinistro, nunca foi diretamente comunicada e/ou reiterada perante o anterior mandatário (muito provavelmente porque este não contatou a X, pelo menos até 2016, datas das cartas mencionada no facto 11).
No sentido de reforçar o teor do documento nº 10, é revelador o facto provado nº 11, não impugnado: “O 1.º Réu facultou à Autora as cartas datadas de 18-01-2016 e 22-04-2016, endereçadas à Companhia de Seguros X solicitando informação sobre se o segurado da viatura … havia participado o acidente.” – ou seja, em 2016 o Dr. DD indagava da participação do acidente à respetiva seguradora, indiciando tratar-se de um primeiro contato e para a inexistência da prática de qualquer ato judicial e até extrajudicial até então.
Mantêm-se, pois, como provados os factos 9 e 10.
O apelante pugna pela alteração dos factos 12, 13 e 34 e para que os factos 14 a 22 sejam considerados não provados. Sugere a seguinte redação:
“12. A Autora, em razão do acidente de viação, sofreu lesões que determinaram uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 0,04 (4%);
13. À Autora foi atribuída, por atestado Médico de Incapacidade Multiuso uma incapacidade permanente global de 80% (sem que tenha directa relação com o acidente de viação indicado em 5.)
34. Até 3 de Agosto de 2022, a PP pagou à A. os seguintes montantes:
▪ A título de salários, a importância de 9.275,20€,
▪ A título de remição da pensão, a importância de 2.828,92€ e 9.742,70€,
▪ A título de Subsídio de elevada incapacidade, a importância de 3.574,98€;
▪ A título de pensões a importância de 36.770,84€;
▪ A título de transportes a importância de 4.839,01 €,
▪ A título de despesas médicas e medicamentosas a importância de 165,16 €,
▪ A título de Prestação suplementar para apoio de 3ª pessoa, a importância de 1.945,87€.
 – tudo cf. resposta ao ofício junto aos autos sob Ref. Citius 23186398, em 17/04/2023.”
Sustenta a sua posição nas declarações de parte prestadas pela A., referindo ter esta afirmado que as complicações no seu estado de saúde, e bem assim a incapacidade permanente global de 80% são decorrentes de uma condição física sua – doença auto imune – sem qualquer relação com o acidente de viação. Mais entende que resulta da documentação clínica junta aos autos pela PP, em 17/04/2023, e do depoimento da testemunha FF que, em decorrência direta e imediata do acidente de viação descrito, a A. ficou a padecer de uma incapacidade permanente parcial de 4%, inexistindo qualquer nexo de causalidade entre todas as demais complicações de saúde sofridas pela A. e o acidente.
Quanto a estes aspetos a apelante remeteu em bloco para todo o depoimento da testemunha FF, não tendo especificado as passagens exatas nem procedido à respetiva transcrição. Em resultado da inobservância do ónus imposto pelo art.º 640º, nº 2, al. a) do CPC, rejeita-se, nesta parte, o recurso da decisão de facto – a significar que o referido depoimento não será considerado.
Nas suas declarações a A. não afirmou que as complicações de saúde relacionadas com infeções na perna, cirurgias a que foi submetida, internamentos, decorrem de doença auto imune, mas da lesão resultante do acidente. Mais esclareceu que lhe extraíram o rim, o baço e a vesícula, o que tudo aconteceu depois do acidente, sendo portadora de doença auto imune, Sjögren, que ataca os órgãos. Referiu que devido a todas as situações de saúde a que aludiu foi-lhe atribuída 80% de incapacidade em atestado multiuso.
Da certidão extraída do processo de acidente de trabalho que correu termos no Juízo do Trabalho de Loures - Juiz 1, sob o nº 000, junta aos presentes autos com a p.i., consta despacho final proferido em 26/09/2016, no incidente de revisão de incapacidade, do seguinte teor:
“Foi ordenada e realizada perícia médica de revisão nos termos do disposto do art.º 145° n.2 1 e 8 do C.P.Trabalho, não tendo havido qualquer reclamação ao relatório pericial que considerou que a sinistrada se encontrava agora afectada de uma IPP de 54,4%, com IPATH, desde 10-11-2015 (datado pedido da revisão). (…)
A única questão a decidir nos autos é determinar se a incapacidade de que o A/Sinistrado se acha afectado e que lhe havia sido fixada sofreu alteração superveniente, seja no sentido do deu agravamento, seja no sentido da sua redução.
São estes os factos relevantes para a decisão:
1) CC nasceu no dia 16-10-1968.
2) Sofreu um acidente de trabalho no dia 29-11 -2006.
3) À data do acidente, a sinistrada auferia a retribuição mensal de €445,24 x 14 meses +€16,46 x 12 meses (subsídio de alimentação) + €66,00 x 12 meses (subsídio de transporte).
4) A responsabilidade por acidentes de trabalho encontrava-se transferida para a Companhia de Seguros PP, apenas em função da retribuição mensal de €596,84 x 14 meses.
5) No dia 29-04-2008, foi fixada à sinistrada a IPP de 4%, a partir de 20-12-2007;
6) No dia 21-09-2012 foi considerado que a sinistrada se encontrava afectada por uma desvalorização de 24% com IPATH, desde 21-10-2010.
7) A pensão fixada foi parcialmente remida, conforme cálculo de fls. 205.
8) Em consequência do acidente dos autos, a sinistrada padece desde o dia 10-11-2015, de uma IPP de 54,4% com IPATH. (…)
Considerando os fundamentos invocados no relatório pericial temos que foi considerado que houve um agravamento da situação do sinistrado, persistindo a situação de IPATH, com IPP de 54,4%. Tendo em consideração que o relatório pericial de revisão se mostra devidamente fundamentado e que se não se vislumbra a necessidade de realização de quaisquer outras diligências nos termos do art.º 145º, n.9 6 e 8 do C.P.Trabalho, conclui-se que existiu agravamento da lesão originada pelo acidente de trabalho objecto da presente acção, e que, por via disso, o Sinistrado se mostra afectado uma IPP 54,4% com IPATH, desde a data do pedido de revisão.”
Da mesma certidão consta auto de tentativa de conciliação, realizada em 11/03/2008, onde se menciona que “Em exame médico realizado neste Tribunal, o perito médico reconheceu à sinistrada as seguintes incapacidades: I.P.P. de 4 % a partir de 19/12/2007 (…)
Dada a palavra à sinistrada, por ela foi dito que não aceita a conciliação, nos termos propostos pela Magistrada do Ministério Público, uma vez que se acha portadora de uma incapacidade superior à atribuída pelo perito médico deste Tribunal (…)”
Estes elementos foram ponderados pelo tribunal a quo e consignados os respetivos factos provados nos pontos 26 a 30.
A apelante impugna os factos 27 a 30, por entender que apenas se pode admitir que tais factos constam do processo de acidente de trabalho, o qual obedece a pressupostos e requisitos distintos da avaliação legalmente prevista em sede de Direito Civil, pelo que pretende que estes sejam alterados de molde a deles constar que resultam do processo de acidente de trabalho.
Uma vez que dos factos 27 a 30 não decorre expressamente que o seu conteúdo se reporta a atos do processo de acidente de trabalho, determina-se a sua alteração, de molde a contemplarem expressamente a sua origem, tal como sugerido, nos seguintes termos:
“27. No âmbito do processo emergente de acidente de trabalho, e segundo a os serviços clínicos da seguradora PP (acidente de trabalho), foi fixado em 16.10.2008, um período de incapacidade temporária absoluta até 22.10.2009, e incapacidade temporária parcial de 0,20 desde 13.11.2009 a 03.12.2009 e, ainda, novamente incapacidade temporária absoluta de 04.12.2009 a 19.10.2010 e, por fim, um período de I.T.P de 0,30 de 20.10.2010 a 21.10.2010, tendo redundado em I.P.P de 0,24.
28. Em resultado de exame médico de revisão realizado a 10.09.2012 no âmbito do processo emergente de acidente de trabalho, o quadro clínico foi alterado qualitativamente uma vez que à I.P.P. acresceu incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (vulgo IPATH), com eficácia à data da alta, ou seja, 21.10.2010.
29. Pelo colégio pericial no âmbito do processo emergente de acidente de trabalho, foram detectados à Autora as seguintes sequelas: - artroplastia do joelho direito já recuperado, com revisão de prótese, limitação da flexão e extensão a 45 graus e hipertrofia da coxa de 5 cm.
30. Posteriormente, no âmbito do processo emergente de acidente de trabalho, em decorrência de nova revisão de incapacidade, à Autora foi fixada incapacidade permanente parcial de 54%, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.”
Em suma, o facto provado nº 12 está de acordo com a descrição factual dos pontos 26 a 30, devendo manter-se inalterado. É certo que o exame médico elaborado na fase conciliatória do processo de acidente de trabalho concluiu pela IPP de 4%. Todavia, a A. não aceitou esse valor. A certidão junta aos autos não contém todos os elementos, sendo os nela constantes os que foram considerados nos factos provados 26 a 30, neles se incluindo a IPP de 4%. Trata-se de elementos extraídos de processo de natureza diversa. Destes elementos decorre que a incapacidade da A. foi revista, tendo-se concluído sempre pelo agravamento, dadas as complicações advenientes. Não foram indicados pela apelante meios probatórios que infirmem aqueles que sustentam os factos impugnados, sendo certo que nos presentes autos não foi realizada prova pericial. Também consta da documentação clínica remetida aos autos pela PP em 17/04/2023 as diversas complicações de saúde sofridas pela A. em consequência do acidente (cfr. relatórios de perícia de avaliação de dano corporal em direito do trabalho).
No atestado médico de incapacidade multiusos (doc. nº 6 junto com a p.i.) foi atribuída uma incapacidade global de 80% (facto provado nº 13). Esta percentagem corresponde à soma de percentagens relativas a doenças/sequelas de áreas médicas distintas, de acordo com a tabela nacional de incapacidades, prevista pelo DL nº 352/2007, de 23 de outubro. Em concreto, à A. foram atribuídas percentagens de incapacidade, nas áreas de nefrologia/urologia, gastrenterologia, psiquiatria, endocrinologia, aparelho locomotor e neurologia e radiculalgias. Atentos os códigos mencionados e a referida tabela, confrontados com a lesão descrita como imediata e diretamente consequente do acidente de viação (fratura da tíbia esquerda) e a necessidade de acompanhamento psiquiátrico (infra analisado) afigura-se inequívoco, à míngua de qualquer alegação e prova de factos que o infirmem, que as doenças/lesões de que a A. padece, nas áreas de nefrologia/urologia, gastrenterologia e endocrinologia não apresentam nexo causal com o atropelamento de que foi vítima. Assim, há que considerar como resultante do acidente o que respeita às áreas da psiquiatria, aparelho locomotor e neurologia e radiculalgias, a que correspondem as desvalorizações, respetivamente, de 0,0810, 0,1652 e 0,0496 – ou seja, 29,58%.
A afetação na área da psiquiatria em consequência do acidente decorre dos documentos nºs 7 e 8 anexos à pi. (informações clínicas datadas de 06/10/2009 e de 08/07/2010) e da documentação clínica remetida pela PP em 17/04/2023, documentos que sustentam também os factos provados 19 (impugnado) e 23 (não impugnado), pelo que se mantém como provado o facto 19.
O facto provado nº 13 deve contemplar a concretização acima descrita – e não a pretendida pela apelante, de que a IPP é apenas de 4%, inexistindo qualquer nexo de causalidade entre todas as demais complicações de saúde sofridas pela A. e o acidente - passando a ter o seguinte teor:
“13. Tendo-lhe sido atribuída, por atestado Médico de Incapacidade Multiuso uma incapacidade permanente global de 80%, correspondendo 29,58% a desvalorizações resultantes do acidente de viação”.
A apelante funda a impugnação dos factos 14 a 22 por, no seu entendimento, não resultar do depoimento da testemunha FF, “como não poderia deixar de ser por se tratarem de factos pessoais e do foro íntimo e privado da A., qualquer prova relativamente aos pontos 14 a 22 dos factos julgados provados”.
Já nos pronunciámos quanto ao facto 19.
A sentença recorrida fundou a sua convicção nos seguintes termos:
“Os factos 14 a 18 e 20 a 22 resultaram provados essencialmente das declarações de parte da Autora, mas também de FF, profissional de Seguros que lidou com o processo de acidente de trabalho e que atestou o estado psicológico em que a Autora ficou e que ainda hoje determinam a necessidade de consultas de psiquiatria. A documentação junta aos autos pela PP (a 03-08-2022) atesta igualmente o pagamento de prestação suplementar para apoio de 3.ª pessoa, o que só por si é revelador da sua necessidade e a existência de pagamento de consultas e intervenções pelo menos até à data de Julho de 2022.”
Dado que o depoimento da testemunha FF não é considerado para apreciação da impugnação dos factos em causa, pelos fundamentos acima aduzidos, e que a apelante não indica qualquer outro meio probatório para sustentar a sua posição, nem sequer aprecia criticamente ou afirma que os demais meios de prova indicados na sentença (documentação e declarações de parte da A.) não podem (e porque razão) suportar tais factos, improcede, nesta parte, o recurso da decisão de facto, mantendo-se os factos provados 14 a 18, 20 a 22.
No que respeita ao facto provado 34, decorre efetivamente dos documentos juntos aos autos pela PP, em 03/08/2022, não impugnados, os valores pagos por esta seguradora à A., neles discriminados, até 3 de agosto de 2022, pelo que, sendo concretização relevante, se determina que tal facto passe a ser do seguinte teor:
34. Até 3 de Agosto de 2022, a PP pagou à A. os seguintes montantes:
▪ A título de salários, a importância de 9.275,20€,
▪ A título de remição da pensão, as importâncias de 2.828,92€ e de 9.742,70€,
▪ A título de Subsídio de elevada incapacidade, a importância de 3.574,98€;
▪ A título de pensões a importância de 36.770,84€;
▪ A título de transportes a importância de 4.839,01 €,
▪ A título de despesas médicas e medicamentosas a importância de 165,16 €,
▪ A título de Prestação suplementar para apoio de 3ª pessoa, a importância de 1.945,87€.”
Por último a apelante defende que devem ser aditados aos factos provados os seguintes, alegados na contestação:
“. À data de início do período seguro da apólice ES00013615EO20A (1 de Janeiro de 2018), e pelo menos desde 2016, o Réu advogado, Dr. DD, tinha já conhecimento dos factos que, potencialmente, poderiam vir a gerar a sua responsabilização civil no âmbito do patrocínio forense assumido perante a A..
. Tais factos ocorreram, bem como, foram conhecidos e consciencializados pelo Advogado, Dr. DD, em momento anterior ao início de vigência da apólice de seguro contratada com a aqui contestante (i. e., em momento anterior a 01/01/2018).”
Funda-se no depoimento da testemunha AA.
O tribunal a quo havia enunciado tema de prova, do seguinte teor:
“15. Do conhecimento pelo Réu DD, à data de 01-01-2018 da sua actuação profissional no confronto do contrato de mandato celebrado com a Autora;”
A referida matéria foi alegada pela apelante nos arºs 47º e 56º da sua contestação e prende-se com a invocada cláusula de delimitação de cobertura (prevista no art.º 3º das condições especiais da apólice).
AA relatou que já em 2011 andava desconfiado que não havia qualquer ação em tribunal e, em meados de 2015 ou 2016, confrontou o Dr. DD, pedindo-lhe provas da existência daquela ação, ao que o advogado disse que a companhia de seguros ia ligar, tendo-lhe entregue duas cartas dirigidas àquela. Quanto às provas da existência da ação “… não tinha”.
A redação sugerida pela apelante contém conclusões (a retirar ou não de outros factos e a conjugar com factos dados como provados) que não devem integrar a factualidade apurada.
Assim, determina-se o aditamento do seguinte facto aos provados:
“40. Pelo menos desde 2016, o advogado, Dr. DD, tinha conhecimento de que a A. pretendia obter informações sobre a ação de indemnização contra a seguradora responsável pelo acidente de viação, no âmbito do mandato por aquela conferido.”
Pelo exposto, procede parcialmente a impugnação da decisão de facto, nos termos assinalados (alteração do teor dos factos provados nºs 13, 27 a 30, 34 e aditamento do facto nº 40 à factualidade provada).

2. Do direito a indemnização por “perda de chance” processual
Não vem questionada a qualificação jurídica do contrato celebrado entre A. e DD como um contrato de mandato, nos termos do qual o segundo se obrigou a praticar atos jurídicos por conta da A. (art.º 1157º do CC) – com o que concordamos. Tais atos relacionavam-se com a interposição de ação contra a seguradora do responsável pelo acidente de viação, para indemnização dos danos sofridos pela A. em consequência daquele. Não se colocam dúvidas quanto à ação a instaurar, não havendo qualquer confusão com o processo emergente de acidente de trabalho (e simultaneamente de viação), uma vez que em 2007 já este corria termos no Tribunal de Trabalho (cfr. factos provados 26 a 30).
Tal ação não foi proposta pelo Dr. DD, em representação da A..
A A. fundou a peticionada indemnização na perda de chance processual.
Conforme AUJ nº 2/2022, de 05/07/2021 [1], “O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade”.
No Ac. do STJ de 06/07/2021, disponível em www.dgsi.pt, pode ler-se:
“I - O dano da perda de chance processual traduz-se numa certa probabilidade de ganhar a ação, afirmação que é independente da dificuldade de quantificação dessa probabilidade e é independente de se qualificar a perda de chance como dano emergente ou lucro cessante.
II - Para haver indemnização, a probabilidade de ganho de causa há-de ser razoavelmente elevada, uma “possibilidade real” de sucesso que se malogrou, competindo ao lesado a alegação e prova dessa probabilidade de êxito.
III - E tem de verificar-se um nexo de causalidade entre a aludida perda de chance e os prejuízos patrimoniais demonstrados em concreto.
IV - Não é toda a perda de chance que pode ser reconhecida como um dano indemnizável, mas, apenas, a perda de chance que se manifeste consistente e séria e com um grau razoável de concretização.”
 “Para avaliar se existe ou não nexo de causalidade e qual é a consistência da chance frustrada, o tribunal da ação de indemnização deve realizar uma espécie de “julgamento dentro do julgamento” (…) tentando reconstituir, para efeitos indemnizatórios, qual teria sido o resultado no processo que se frustrou. Nesse “julgamento dentro do julgamento” … o tribunal da ação de indemnização deve, pois, adotar a perspetiva do tribunal do processo frustrado, para apurar como este teria decidido o processo (o que poderá ser particularmente relevante quanto a questões jurídicas sobre as quais existiam opiniões divergentes) no que constituiu uma apreciação de uma questão de facto e não uma questão de direito”[2]
A apelante defende que ainda que se admita a existência de uma conduta profissional omissiva incorrida pelo Dr. DD, no âmbito do patrocínio forense assumido perante a A. em novembro de 2009, sempre deveria ser alegada e provada pela A. (enquanto pressuposto do seu direito, nos termos previstos no artigo 342.º do Código Civil) a efetiva e real probabilidade de sucesso de tal pretensão. É, ainda, seu entendimento que esta se reconduz à probabilidade de recebimento integral de todos os montantes reclamados pela A. nos presentes autos, e que alegadamente pretendia reclamar na ação judicial a propor contra a seguradora X, e em decorrência do acidente de viação ocorrido em 29.11.2006. E considera que, face aos factos alegados pela A., não é possível, de todo, afirmar a absoluta procedência e/ou probabilidade séria, real e consistente de sucesso da pretensão da Autora, não fosse a apontada omissão incorrida pelo Réu DD. Aduz que a A. alega ter sofrido um acidente de viação por atropelamento, em 29/11/2006, e que apenas em 24/11/2009, procurou o Dr. DD para a representar tendo em vista a obtenção de uma indemnização, junto da Companhia de Seguros X, enquanto responsável pelo ressarcimento dos danos emergentes do acidente de viação de que terá sido vítima. Mais, entende que a A. já foi indemnizada de todas as quantias, no âmbito do processo emergente de acidente de trabalho, pelo que não haveria lugar a qualquer montante indemnizatório a ser suportado pela Companhia de Seguros X. Considera não ser exigível que o Dr. DD pusesse ação quando foi mandatado a 5 dias do termo do prazo da prescrição. A A. não apresentou qualquer queixa-crime que pudesse determinar a contabilização de um prazo de prescrição superior aos 3 anos. Em suma, não admite a existência de qualquer conduta/atuação profissional ilícita por parte Dr. DD, bem como qualquer nexo de causalidade existente entre a sua conduta e eventuais danos e/ou prejuízos sofridos pela A.
Apesar da alegação singela na petição inicial de ter sido vítima de acidente de viação por atropelamento, certo é que a seguradora do veículo interveniente no acidente de viação, em 2007, assumiu a responsabilidade pelo sinistro (cfr. facto provado 31), tendo resultado provado que, em consequência do mesmo, a A. sofreu danos.
Diversamente da posição expressa pela apelante, o alargamento do prazo prescricional, previsto no n.º 3 do artigo 498.º do CC, não depende de, previamente, ter sido instaurado processo crime, bastando que na ação cível se aleguem (e provem) os factos que preenchem os elementos objetivos e subjetivos de um tipo legal de crime em relação ao qual a lei penal preveja um prazo de prescrição superior a três anos.
Admitindo que o prazo de prescrição do direito à indemnização pretendida pela A. é de 3 anos, nos termos do disposto no art.º 498º, nº 1 do CC, tendo o primeiro contato com o Dr. DD ocorrido dez dias antes do seu termo e a procuração forense sido outorgada cinco dias antes do mesmo, afigura-se não ser exigível a interposição da ação nesse curto período de tempo. Todavia, tal como salientado na sentença, o mandatário devia ter atuado de forma a interromper a prescrição, designadamente mediante notificação judicial avulsa (cfr. acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/98, de 12 de maio) e, posteriormente, interpor a ação de indemnização contra a seguradora responsável pela indemnização do acidente de viação.
O contrato de mandato é regulado pelo Estatuto da Ordem dos Advogados e pelas regras do CC aplicáveis ao mandato.
Nos termos do art.º 83º, nº 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados, vigente à data da celebração do mandato (na redação da Lei nº 12/2010, de 25/06), “o advogado é indispensável à administração da justiça e, como tal, deve ter um comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidades da função que exerce, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres consignados no presente Estatuto e todos aqueles que a lei, os usos, costumes e tradições profissionais lhe impõem.”
“O advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas” (art.º 92º, nº 2).
“Nas relações com o cliente, são ainda deveres do advogado estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e atividade” (art.º 95º, nº 1, al. b).
Existe, pois, conduta omissiva ilícita por parte do mandatário, por violação dos seus deveres profissionais, presumindo-se a sua culpa (art.º 799º, nº 1 do CC), que não foi ilidida.
Quanto ao dano da perda de chance e nexo de causalidade, refere-se na fundamentação do citado AUJ:
” Não pode, pois, dizer-se que seja pacífico, sequer entre os defensores da indemnização pelo dano da perda de chance, o modo de enquadrar dogmaticamente a perda de chance e, em particular, a sua caracterização/qualificação como dano emergente ou lucro cessante.
O que até se compreende, face à nem sempre clara distinção entre dano emergente e lucro cessante, importando notar que a nossa lei (art.º 564.º/1 do C. Civil) menciona tal binómio para querer dizer que ambos os danos são ressarcíveis, pelo que até se poderá dizer que, entre nós, não é absolutamente indispensável tomar partido na querela sobre a qualificação do dano da perda de chance como dano emergente ou como lucro cessante.
O que é imprescindível - face ao papel central que o mesmo desempenha na responsabilidade civil (como, entre nós, resulta dos arts. 483.º/1, 798.º, 227.º/1 e 562.º, todos do C. Civil) - é que haja dano, condição essencial, limite e escopo da obrigação de indemnizar, o que leva a que repetidamente se diga que a responsabilidade civil tem uma função essencialmente reparatória/ressarcitória (sendo acessória e subordinada a sua função preventiva ou sancionatória).
Dano que, não contendo a nossa lei uma noção ou definição legal, pode ser definido como toda a ofensa de bens ou de interesses alheios protegidos pela ordem jurídica, como "a lesão ou prejuízo real, sob a forma de destruição, subtração ou deterioração de um certo bem, como a lesão de bens juridicamente protegidos do lesado, patrimoniais ou não, ou simplesmente como uma desvantagem de uma pessoa que é juridicamente relevante por ser tutelada pelo Direito" ; pelo que, sendo assim, não existirá obstáculo a poder qualificar a perda de chance (a perda de oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo) como um dano suscetível de poder ser indemnizado (seja como elemento patrimonial pré-existente no património do lesado, o mesmo é dizer como dano autónomo e emergente, distinto do dano final, seja como uma antecipação do dano final e por isso um lucro cessante). (…)
Além da verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil, incluindo a existência do dano e de um nexo de causalidade entre o facto lesivo e o dano exige-se, designadamente, que a chance a indemnizar seja real e séria. Não basta, assim, a constatação da prévia existência, numa qualquer medida, de uma oportunidade ou possibilidade de obtenção de um resultado favorável de uma vantagem pelo lesado, que tenham sido destruídas. É ainda necessário que a concretização da chance se apresente com um grau de probabilidade ou verosimilhança razoável e não com carácter meramente hipotético [...]."
Para um dano ser indemnizável, exige-se, concorda-se, que o mesmo seja certo e não meramente eventual, porém, observa-se, a certeza de que se fala e que deve ser exigida não é matemática ou absoluta, mas apenas uma certeza relativa, que se deve contentar com uma expetativa razoável.
Se, como é o caso, em razão do comportamento indevido dum mandatário, o desenrolar e o desfecho normal dum processo não aconteceu e nem alguma vez acontecerá, não pode exigir-se que o dano decorrente de tal comportamento indevido seja objeto de uma certeza absoluta, ou seja, a certeza sobre a realidade hipotética do que não chegou a verificar-se tem sempre que se situar no domínio das probabilidades (das certezas relativas).
A aferição dum tal dano exigirá sempre a comparação entre uma situação real, atual, e uma situação hipotética, igualmente atual, sendo a prognose sobre a evolução hipotética do processo comprometido que irá permitir determinar a certeza relativa do dano.
E do "hipotético", do que não aconteceu e nunca acontecerá, do que depende de diversas variáveis e imponderáveis, poderá sempre dizer-se que não há certezas, que se está a ficcionar e que um qualquer juízo de prognose será sempre aleatório, porém, não é este o plano em que o direito se move para validar um juízo de prognose, antes se bastando com a satisfação das exigências colocadas pela teoria da causalidade adequada.
Em cuja consagração legal - constante do art.º 563.º do C. Civil, em que sob a epígrafe "nexo de causalidade" se dispõe que "a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão" - se usa até uma formulação que introduz um juízo de probabilidade ou verosimilhança, o mesmo é dizer de "flexibilidade". (…)
Mas não há outro modo de sair da "aparente contradição" que o dano da perda de chance coloca: não pode afirmar-se, por um lado, com certeza absoluta, qual seria o resultado dum concreto processo judicial que não se chegou a desenrolar ou que se desenrolou de modo "anormal" (com o argumento de que todo o processo judicial tem um ineliminável e irredutível elemento de incerteza sobre o seu resultado), mas, por outro lado, demonstrando o lesado que se encontrava em situação fáctico-jurídica idónea a um resultado favorável do processo, fica-se com a certeza de que, caso se não tivesse verificado o evento lesivo, o lesado não teria perdido a esperança de vir a obter um ganho (ou evitar uma perda).
É a esta última certeza que o tribunal não pode fechar os olhos - há que reconhecer a "complexidade do real" e procurar, nos limites da ordem jurídica, uma resposta que seja normativamente congruente e que evite a manutenção de zonas francas de irresponsabilidade - tendo que a considerar como tutelada pelo direito e indemnizável de acordo com os princípios e regras do nosso atual direito de responsabilidade civil, ou seja, respeitando quer a finalidade essencialmente ressarcitória/reparatória da indemnização civil quer a proibição do enriquecimento do lesado à custa do lesante. (…)
A verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil, incluindo a existência do dano e de um nexo causal entre o facto lesivo e o dano, impõem, em linha com o que se referiu, que a "chance", para poder ser indemnizável, seja "consistente e séria" e que a sua concretização se apresente com um grau de probabilidade suficiente e não com carácter meramente hipotético.
Só assim a "chance" preencherá, num limiar mínimo, a certeza que é condição da indemnizabilidade do dano, só assim este pode ser considerado como objetivamente imputável ao ato lesivo e só assim se respeitará a regra (e a ideia de justiça) de que ao lesante apenas poderá ser imposto que responda pelos danos que causou.
Não há indemnização civil sem dano e este tem que ser certo, sendo que a certeza do dano de chance (que, por isso, merece a tutela do direito e ser indemnizado) está exatamente na probabilidade suficiente, em função da consistência da chance, do resultado favorável da ação comprometida.
Uma "chance" puramente abstrata e especulativa - isto é, independente da prova de qualquer concreta probabilidade - não é, de modo algum, um dano certo; assim como não atingirão a certeza exigível, não sendo indemnizáveis, as "perdas de chance" que correspondam a uma pequena probabilidade de sucesso da ação comprometida.
Concretizando um pouco mais, para estarmos perante uma chance com probabilidade de sucesso suficiente terá, em princípio e no mínimo, o sucesso da chance (o sucesso da provável ação comprometida) que ser considerado como superior ao seu insucesso, uma vez que só a partir de tal limiar mínimo se poderá dizer que a não ocorrência do dano, sem o ato lesivo, seria mais provável que a sua ocorrência.(…)
Significa e impõe o que vem de dizer-se que, colocando-se num processo (como acontece no caso do processo do Acórdão fundamento e no caso deste processo) a questão da indemnização pelo dano da perda de chance, tal probabilidade - o mesmo é dizer, a consistência concreta da oportunidade ou "chance" processual que foi comprometida - tem sempre que ficar apurada/provada, uma vez que, sem a mesma estar apurada/provada, não se poderá falar em "dano certo" e sem este não pode haver indemnização.
Apuramento este que terá assim que ser feito na apreciação incidental - o já chamado "julgamento dentro do julgamento" - a realizar no processo onde é pedida a indemnização pelo dano de perda de chance, em que se indagará qual seria a decisão hipotética do processo em que foi cometido o ato lesivo (a falta do mandatário), indagação que no fundo irá permitir estabelecer, caso se apure que a ação comprometida tinha uma suficiente probabilidade de sucesso (ou seja, no mínimo, uma probabilidade de sucesso superior à probabilidade de insucesso), que há dano certo (a tal chance "consistente e séria") e ao mesmo tempo o nexo causal entre o facto ilícito do mandatário e tal dano certo.
Apreciação/decisão hipotética em que, sendo assim, se procurará, num juízo de prognose póstuma, reconstituir, para efeitos da possível indemnização do dano da perda de chance, o desenrolar e a decisão que o processo (onde foi cometida a falta do mandatário) teria tido - na perspetiva do tribunal que o teria que decidir - sem tal falta do mandatário, com o que, concluindo-se que o processo teria tido uma suficiente (no referido limiar mínimo) probabilidade de sucesso, se estará também a concluir ter sido o evento lesivo conditio sine qua non (requisito mínimo da causalidade jurídica) do dano. (…)
A violação de deveres específicos - voluntária e contratualmente assumidos - dos mandatários forenses, com o argumento da intrínseca incerteza relativa do desfecho dum processo judicial, não pode passar sempre incólume, mas a sua responsabilização tem que respeitar, sem voluntarismos, a segurança jurídica e ser rodeada dos necessários cuidados, não podendo prescindir, como se referiu, da imposição ao lesado do ónus de provar - seja fácil ou difícil - a verificação do dano (a consistência e seriedade da concreta chance processual comprometida), a suficiente probabilidade (no referido limiar mínimo) de obtenção de ganho de causa no processo em que foi cometida a falta pelo mandatário forense.”
Tendo a seguradora do condutor do veículo interveniente no acidente assumido a responsabilidade pelo sinistro e tendo do mesmo resultado danos para a A., como resulta à saciedade da factualidade provada e que seria com grande probabilidade demonstrada na referida ação, pode concluir-se que, em termos de “julgamento dentro do julgamento”, era muito provável que a A. viesse a obter ganho de causa na ação que não chegou a ser interposta, ou seja, existe dano certo (chance consistente e séria), e nexo causal entre o facto ilícito do mandatário, que não interpôs a referida ação, e tal dano certo. Ainda, seguindo a citada fundamentação do AUJ nº 2/2022, a A. encontrava-se em situação fáctico-jurídica idónea a um resultado favorável do processo, havendo a certeza de que, caso se não tivesse verificado o evento lesivo, a A. não teria perdido a esperança de vir a obter um ganho (ou evitar uma perda).
Ao invés do alegado pela apelante a indemnização recebida pela A. em sede de processo emergente de acidente de trabalho não coincide, pelo menos totalmente, com aquela que reclamaria da seguradora do responsável do acidente de viação, dado que existem regras próprias da responsabilidade civil extracontratual e da responsabilidade objetiva de natureza laboral, sem prejuízo de a vítima/sinistrada não ter, naturalmente, direito a duplicação de indemnização (em relação a danos/verbas ressarcidas), pelo que é incorreta a afirmação (genérica) de que a A. já foi indemnizada de todas as quantias.
Como se refere no acórdão do STJ de 11/12/2012 [3], “…constitui entendimento uniforme e reiterado o de que as indemnizações consequentes ao acidente de viação e ao sinistro laboral - – assentes em critérios distintos e cada uma delas com a sua funcionalidade própria – não são cumuláveis, mas antes complementares até ao ressarcimento total do prejuízo causado, pelo que não deverá tal concurso de responsabilidades conduzir a que o lesado/sinistrado possa acumular no seu património um duplo ressarcimento pelo mesmo dano concreto.
Por outro lado, não é controvertida a conclusão segundo a qual a responsabilidade primacial e definitiva é a que incide sobre o responsável civil, quer com fundamento na culpa, quer com base no risco, podendo sempre a entidade patronal ou respectiva seguradora repercutir aquilo que, a título de responsável objectivo pelo acidente laboral, tenha pago ao sinistrado.
Desta fisionomia essencial do concurso ou concorrência de responsabilidades (que não envolve um concurso ou acumulação real de indemnizações pelos mesmos danos concretos) pode extrair-se a conclusão que este figurino normativo preenche, no essencial, a figura da solidariedade imprópria ou imperfeita, já que:
- no plano das relações externas, o lesado/sinistrado pode exigir alternativamente a indemnização ou ressarcimento dos danos a qualquer dos responsáveis, civil ou laboral, escolhendo aquele de que pretende obter em primeira linha a indemnização, mas sem que lhe seja lícito somar, em termos de acumulação real, ambas as indemnizações;
- no plano das relações internas, a circunstância de haver um escalonamento de responsabilidades, sendo um dos obrigados a indemnizar o responsável definitivo pelos danos causados, conduz a que tenha de se outorgar ao responsável provisório ( a entidade patronal ou respectiva seguradora) o direito ao reembolso das quantias que tiver pago, fazendo-as repercutir definitivamente, directa ou indirectamente, no património do responsável ou responsáveis civis pelo acidente.
Têm sido, todavia, acentuadas algumas particularidades ou aspectos específicos e peculiares desta relação de solidariedade imprópria. Assim:
- no que toca ao regime das relações externas, acentua-se que (ao contrário do que ocorre na normal solidariedade obrigacional – art.º 523º do CC ) o pagamento da indemnização pelo responsável pelo sinistro laboral não envolve extinção, mesmo parcial, da obrigação comum, não liberando o responsável pelo acidente de viação: é que, se a indemnização paga pelo detentor ou condutor do veículo extingue efectivamente a obrigação de indemnizar a cargo da entidade patronal, já o inverso não será exacto, na medida em que a indemnização paga por esta entidade não extinguiria a obrigação a cargo do responsável pela circulação do veiculo que causou o acidente (cfr., por exemplo, o Ac. de 19/10)10, proferido pelo STJ no P. 696/07.2TBMTS.P1.S1); e daí que se qualifique como sub-rogação legal (e não como direito de regresso ) o fenómeno da sucessão da entidade patronal ou respectiva seguradora nos direitos do sinistrado contra o causador do acidente, referentemente à parcela da indemnização que tiver satisfeito (…);
- no plano das relações internas, tem sido acentuado que o quadro normativo aplicável é o que resulta estritamente do disposto na lei dos acidentes de trabalho em vigor (actualmente, o art.º 31º da Lei 100/97), sendo esse direito ao reembolso do responsável laboral efectivado necessariamente por uma de três formas (…)”
Insurge-se a apelante contra a condenação em quantia a liquidar por entender que o tribunal fez incorreta interpretação do disposto nos artºs 342º, nº 1 e 609º, nº 2 do CC e 414º do CPC, com os seguintes fundamentos: uma eventual inexistência de elementos para fixar a quantidade procede do insucesso da atividade probatória da A.; havendo dúvida quanto à existência de danos sofridos pela A. em consequência da conduta profissional descrita, necessariamente deverá tal ausência de prova resolver-se contra a A.; uma decisão que relegue para liquidação posterior, terá que necessariamente concluir que existe a possibilidade séria e credível de produzir-se prova no âmbito da liquidação, o que não se verifica; a liquidação é aplicável nos casos em que os autos não permitem a sua imediata quantificação, o que não sucede, verificando-se uma total ausência de factos alegados e prova demonstrativa do pretenso dano de perda de chance reclamado pela A. Conclui pela revogação da sentença e substituição por outra que determine a total improcedência da ação, por não se encontrarem demonstrados os pressupostos da responsabilidade civil do advogado, Dr. DD.
Na sentença pode ler-se:
“Nesta afectação há que ter em consideração uma perspectiva patrimonial, na vertente de dano presente – lucros cessantes com as diferenças remuneratórias auferidas pela Autora -, dano futuro, lucro cessante, ou mais certeiramente, frustração de ganho (expressão mais apropriada quando está em causa perda ou diminuição de salários ou vencimentos), emergente de incapacitação para o trabalho e, para além deste, o aspecto de natureza não patrimonial.
Mas já não é passível de indemnização a frustração da capacidade para o trabalho em três vertentes, como parece indicar a petição da Autora, que peticiona a perda do direito ao Trabalho, como dano patrimonial autónomo, a perda patrimonial de 30 anos de vida laboral activa e ainda como dano não patrimonial.
E quanto a esta acção, se é um facto que podemos afirmar a existência de danos patrimoniais e não patrimoniais na esfera da Autora, não é menos certo que não temos dados suficientes para os quantificar, ainda que num exercício de verosimilhança.
Não temos nos autos um relatório pericial. Não temos nos autos informação acerca dos escalões existentes na carreira da Autora e que esta, em tese, poderia alcançar e quando, sendo certo que mesmo no que se refere à incapacidade, uma coisa é a incapacidade fixada no processo laboral e no atestado multiusos e outra é a fixação de incapacidade em direito civil.
Por outro lado não é menos certo que a não interposição da acção acarretou para a Autora uma poupança de custos pois, de outra forma, sempre teria, ao menos, de pagar honorários ao mandatário constituído que, com toda a certeza não iria patrocinar pro bono a Autora, ainda que pudesse, para efeitos de custas e encargos processuais, solicitar beneficio de apoio judiciário.
Se falta a prova do dano tem como consequência o soçobrar do pedido indemnizatório por falta de um dos pressupostos da responsabilidade civil, já a falta de elementos para quantificar um dano que se tem como certo, terá de ser alvo de ulterior incidente de liquidação, caso os autos não permitam que essa fixação se faça com recurso à equidade.
Conforme se refere no Ac. da Relação do Porto de 11-10-2022 “A opção entre a fixação da indemnização com recurso à equidade e a liquidação subsequente deve fazer-se consoante seja ou não previsível que o valor exato do dano será apurado com prova complementar, devendo em caso afirmativo dar-se prevalência à condenação genérica e não fixar-se logo a indemnização com recurso à equidade.”
Qualquer fixação de indemnização nos presentes autos com recurso à equidade seria puramente aleatória, atenta a ausência de elementos que nos permitam fixar quer a indemnização, quer os custos com a acção, nomeadamente em honorários, que sempre se teriam de deduzir à quantia indemnizatória, sob pena de enriquecimento sem causa e de considerar como gratuito o trabalho que sempre o mandatário teria de ter com a interposição da acção. Com efeito o pagamento de honorários foi um custo que a Autora não teve – e que teria se a acção tivesse sido intentada – pelo que o juízo de prognose a fazer não o poderá deixar de contemplar.
Assim sendo, considerando verificados os pressupostos da obrigação de indemnizar por responsabilidade contratual de advogado, relega-se para liquidação ulterior de danos a sua quantificação, quer em termos patrimoniais quer não patrimoniais, levando-se necessariamente em linha de conta o elemento “poupança de custos”, despesas que a Autora teria não teve, com a não propositura da acção.”
O art.º 414º do CPC não tem qualquer aplicação aos presentes autos, dado que, conforme já afirmado, estão demonstrados danos sofridos pela A. em virtude do acidente de que foi vítima (bem como o dano da perda de chance) – cfr. factos provados 12 a 23, 26 a 30, cujo ónus de prova recaía sobre a A. (não há qualquer incorreta interpretação do art.º 342º, nº 1 do CC) – pelo que não existe dúvida sobre a existência dos danos e/ou sobre a repartição do ónus da prova que importe solucionar de acordo com o prescrito no preceito citado pela apelante.
Dispõe o art.º 609º, nº 2 do CPC que “se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”.
Relativamente à interpretação deste preceito adere-se aos fundamentos expostos nos acórdãos proferidos pelo STJ, disponíveis em www.dgsi.pt:
- acórdão de 18/09/2018, proc. nº 4174/16.0T8LRS.L1.S1: “I - O tribunal deve condenar no que se liquidar em execução de sentença sempre que se encontrem reunidas duas condições: (i) que o réu tenha efectivamente causado danos ao autor; e (ii) que o montante desses danos não esteja determinado na acção declarativa por não terem sido concretamente apurados ( art.º 609.º do CPC).
II - O requisito essencial para que o tribunal possa remeter para liquidação em execução de sentença é que se prove a existência de danos, ainda que se desconheça o seu valor, i.e., ainda que não seja possível quantificar o seu montante.”
- acórdão de 17/06/2021, proc. nº 879/17.7T8EVR.E1.S1: “Os prejuízos podem ser de ordem patrimonial (acréscimo de despesas) ou de ordem não patrimonial (incómodos, sacrifícios, etc.) e, não sendo os mesmos concretamente apurados na fase declarativa, deve a respetiva indemnização ser remetida para posterior liquidação, nos termos do artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. Em último caso, funcionará um juízo de equidade.”
- acórdão de 27/04/2023, proc. nº 386/20.0T8SCR.L1.S1: “Já houve oportunidade de esclarecer que a posição do recorrente não está certa, face aos factos e decisão adoptada, porquanto há prova do dano – pressuposto essencial da acção do A. contra o R, provado pelo facto 37, ainda que não se saiba concretamente o valor do dano.
Isso significa que a liquidação não é uma segunda oportunidade de prova do dano, que está já efectuada.
Em segundo lugar, como o tribunal recorrido deixou claro, a lei faculta a liquidação a partir da condenação não líquida, independentemente do pedido ser concreto ou genérico, justificação que encontra arrimo na lei – citada – apoio doutrinal e jurisprudencial – citado – e que deve ser mantida.
Prescreve o nº 2 do artigo 609º do CPC que se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida (cfr. artigo 661º, nº 2).
O incidente de liquidação pode ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica, nos termos do nº 2 do artigo 609º, e, caso seja admitido, a instância extinta considera-se renovada (cfr. artigo 378º do CPC) e a ulterior liquidação visa somente concretizar o que na acção não foi possível fixar. (…)
Com efeito, a liquidação tanto pode destinar-se a quantificar a indemnização por danos já verificados, faltando, todavia, elementos para o efeito, como ter por finalidade – como sucede no caso presente – quantificar a indemnização por danos futuros, desde que previsíveis, mas não determináveis no momento da condenação genérica (artigo 564.º, n.º 2, do Código Civil).”
O tribunal recorrido justificou de forma clara (v. excerto transcrito) a necessidade de liquidação dos danos sofridos pela A., de acordo com o prescrito no art.º 609º, nº 2 do CC: por um lado, a demonstração de danos patrimoniais e não patrimoniais e, por outro lado, a falta de elementos para a sua quantificação, ou seja, as duas condições necessárias à condenação em quantia a liquidar. O que equivale a afirmar que a liquidação não é uma segunda oportunidade de prova do dano.
Acresce que não se vislumbra a invocada impossibilidade de quantificação dos danos em incidente de liquidação, não sendo de olvidar o disposto no art.º 360º, nº 4 do CPC.
Por último, pugna a apelante pela exclusão do sinistro da cobertura da apólice, atento o teor da clausula 3ª, al. a) das Condições Especiais e artºs 42.º, n.º 2 e 44.º, n.º 2 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (DL 72/2008 de 16 de abril), dado o (pré) conhecimento e/ou tomada de consciência do segurado, Dr. DD, relativamente à possibilidade de ser responsabilizado pela Autora face os factos alegados nos autos.
A cláusula 3ª, al. a) das Condições Especiais da apólice é do seguinte teor:
“Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice as reclamações: a) por qualquer facto ou circunstância já anteriormente conhecido do segurado, à data do início do período do seguro que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação; (…)”
A sentença recorrida considerou inoponível à A. a mencionada cláusula.
Por tratar de caso de responsabilidade civil de advogado, e se sufragar os seus fundamentos, transcrevemos excerto do acórdão do STJ de 11/07/2019 [4]:
“Conforme já se deixou dito, o objeto do presente recurso prende-se única e exclusivamente com a questão de saber se é oponível ao lesado a cláusula de exclusão da cobertura de seguro de Responsabilidade Civil Profissional dos Advogados prevista no artigo 3º, al. a) das Condições Particulares da Apólice nº 60…58, que estabelece que:
«Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice: a) as reclamações por qualquer facto ou circunstância já anteriormente conhecido(a) do segurado, à data de início do período seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação». (…)
Não há dúvida resultar do quadro factual dado como assente e supra descrito no nº 3.1, estarmos no âmbito de uma ação de indemnização pelos danos causados pelo réu, advogado, à autora pelo não cumprimento das obrigações integradas no mandato forense que a mesma lhe conferiu, pelo que, para efeitos de responsabilização da ré seguradora, importa caracterizar o contrato de seguro de responsabilidade civil profissional dos advogados.
Nesta matéria, dispõe o art.º 99º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 15/2005, de 26 de janeiro (por ser o vigente aquando dos factos que se discutem na presente lide), que:
«1. O advogado com inscrição em vigor deve celebrar e manter um seguro de responsabilidade civil profissional tendo em conta a natureza e âmbito dos riscos inerentes à sua actividade, por um capital de montante não inferior ao que seja fixado pelo conselho geral e que tem como limite mínimo (euro) 250.000, sem prejuízo do regime especialmente aplicável às sociedades de advogados. (…).
3 - O disposto no número anterior não se aplica sempre que o advogado não cumpra o estabelecido no n.º 1 ou declare não pretender qualquer limite para a sua responsabilidade civil profissional, caso em que beneficia sempre do seguro de responsabilidade profissional mínima de grupo de (euro) 50.000, de que são titulares todos os advogados portugueses não suspensos”.
Estamos, pois, perante uma norma estatutária que, com vista à realização do interesse público de salvaguarda da posição do cliente do advogado ante uma eventual insolvabilidade deste profissional e de assegurar a efetividade do direito de indemnização do cliente/lesado perante atuação do advogado geradora de responsabilidade, consagra, no seu nº1, a obrigatoriedade de o Advogado celebrar um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional por forma a cobrir os riscos do exercício da sua profissão liberal de advocacia, pois como refere o Acórdão do STJ, de 14.12.2016 (processo nº 5440/15.8T8PRT-B.P1.S1), quer o elemento filológico de interpretação tirado do uso do termo “deve” (está obrigado), quer a “ratio” que superintendeu à redação deste texto normativo apontam no sentido de que este seguro tem natureza imperativa.
Por outro lado, contempla o nº 3 deste mesmo art.º 99º, a existência de um seguro de grupo, igualmente obrigatório, mas com carácter supletivo.
Trata-se do contrato de seguro de responsabilidade civil profissional mínima de grupo celebrado pela Ordem dos Advogados, tomadora do seguro, no qual são segurados e beneficiários todos os advogados inscritos nesta Ordem e que é acionado sempre que o advogado não tenha celebrado o contrato de seguro individual previsto no nº1 do citado art.º 99º.
Dito de outro modo, estamos perante um contrato de seguro de grupo base, de que beneficiam, sem quaisquer custos adicionais, todos os advogados inscritos e representados pela AO, que, através desta sua intervenção de natureza cautelar, não só protege o advogado dos riscos em que pode incorrer no exercício da sua atividade, como garante a proteção do cliente contra a falta de zelo do seu advogado no cumprimento do mandato forense.
Ora, porque no caso dos autos não se vislumbra que o réu advogado tenha celebrado o contrato de seguro individual de responsabilidade civil profissional a que alude o nº1 do citado art.º 99º, importa apenas considerar, ante os factos dados como provados e supra descritos nos nºs 69 a 75, o contrato de seguro do Ramo de Responsabilidade Civil Profissional celebrado entre a ré/recorrente, CC - Seguros Gerais, S.A. e a Ordem dos Advogados, titulado pela apólice nº 60…58, do Ramo de Responsabilidade Civil Profissional, com início em 1 de janeiro de 2014, atualmente em vigor e mediante o qual a Ordem dos Advogados transferiu para a dita seguradora as obrigações de indemnização que legalmente sejam exigíveis aos advogados nela inscritos, em consequência de danos patrimoniais e não patrimoniais causados a clientes e ou terceiros, desde que resultem de atos ou omissões cometidos no exercício da atividade de advogado.
Nesta conformidade, dispõe o artigo 2.º das Condições Especiais da Apólice de Seguro, que a apólice «tem por objectivo garantir ao SEGURADO a cobertura da sua responsabilidade civil de acordo com a legislação vigente, que seja formulada contra o segurado, durante o período seguro, pelos prejuízos patrimoniais causados a terceiros, por dolo, erro, omissão ou negligência, cometidos pelo SEGURADO ou por pessoal pelo qual ele deva responder, no desempenho da actividade profissional ou no exercício de funções nos Órgãos da Ordem dos Advogados”.
E estabelece o ponto 7 destas mesmas Condições Particulares da Apólice, sob a epígrafe “Âmbito temporal”, que:
«O segurador assume a cobertura de responsabilidade civil do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador de seguro ocorridos na vigência de apólices anteriores, desde que participados após o início de vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, cobertas pela presente apólice, e, ainda que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice, e sem qualquer limitação».
Estamos, assim, perante uma apólice de reclamação, também chamada “claims made” (“reclamação feita”), que, no dizer do citado Acórdão do STJ, de 14.12.2016, «condiciona o pagamento da indemnização à apresentação da queixa de terceiros durante o prazo de validade (vigência) do contrato e que possibilita a extensão da cobertura por um determinado período anterior ao início do contrato».
Dito de outra forma e tal como se escreve no acórdão recorrido, estamos perante um contrato de seguro em que «o evento relevante para o acionamento do contrato durante a sua vigência, com vista ao pagamento de uma indemnização pela seguradora, é a reclamação e não o facto gerador do dano que está na sua base».
Mas se é certo o artigo 3º, al. a) das Condições Particulares desta mesma apólice excluir da cobertura do contrato de seguro em causa as reclamações por qualquer facto ou circunstância conhecida do segurado, anteriormente à data de início do período seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar reclamação, a verdade é que, estando-se perante uma apólice de reclamação e deixando esta mesma cláusula na dependência do comportamento do segurado o acionamento do contrato de seguro, importa indagar quais as consequências que poderão advir para o lesado (cliente) da falta de cumprimento, por parte do segurado (advogado), do dever de reclamação do sinistro, após ter conhecimento dos factos suscetíveis de gerar essa mesma reclamação.
E a este respeito diremos, desde logo, que uma tal cláusula não pode deixar de ser conjugada com o regime previsto na Lei do Contrato de Seguro, aprovada pelo Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril (por ser o vigente à data dos factos aqui em discussão), cujo art.º 100º, nº1 faz impender sobre o segurado e/ou beneficiário o dever de participação do sinistro «no prazo fixado no contrato ou, na falta deste, nos oito dias imediatos àquele em que tenha conhecimento», estabelecendo o art.º 101º, a propósito da “falta de participação do sinistro”, no seu nº 4, que as cláusulas de redução ou de exclusão fundadas no incumprimento pelo segurado dos deveres de participação do sinistro à seguradora, previstas, respetivamente, nos seus nºs 1 e 2 do citado artigo, não são oponíveis aos lesados «em caso de seguro obrigatório de responsabilidade civil, ficando o segurador com direito de regresso contra o incumpridor relativamente às prestações que efectuar, com os limites referidos naqueles números».
Ora, assente, em face do disposto no art.º 99º, nº 1 do citado EOA, a natureza obrigatória do seguro de responsabilidade civil profissional dos advogados, temos por certo, tal como se afirmou no recente Acórdão do STJ, de 16.05.2019 (processo nº 236/14.7TBLMG.C1.S1), que, no confronto da cláusulas contratual prevista no artigo 3º, al. a) das Condições Particulares da Apólice nº 60…58, com a norma imperativa do art.º 101, nº4 da Lei do Contrato de Seguro, aprovada pelo citado DL nº 72/2008, de 16 de abril, prevalece esta última.
Com efeito, trata-se de uma norma imperativa cuja ratio prende-se com a salvaguarda do interesse público de conferir uma especial proteção aos lesados no âmbito dos seguros obrigatórios de responsabilidade civil.
Vale tudo isto por dizer que, num contrato de seguro de responsabilidade civil profissional obrigatório, nos termos do art.º 101.º n.º 4 da Lei do Contrato de Seguro, não são oponíveis, aos lesados beneficiários, as exceções de redução ou de exclusão fundadas no incumprimento pelo segurado dos deveres de participação do sinistro à seguradora, previstas, respetivamente, nos nºs 1 e 2 do citado artigo.
Daí a cláusula de exclusão invocada pela recorrente para se eximir da sua responsabilidade de ressarcir a autora pela ocorrência do risco coberto pelo contrato de seguro de responsabilidade civil profissional não operar no caso dos autos, não merecendo qualquer censura o acórdão recorrido ao condenar a ré seguradora no pagamento da indemnização devida à autora.” [5] (sublinhados nossos)
O acórdão da Relação de Lisboa de 07/11/2023, proc. nº 9204/21.1T8LRS.L1-7, in www.dgsi.pt, citado no presente recurso, foi proferido em ação interposta pela ora apelante contra advogada com vista ao exercício do direito de regresso.
Consta do relatório do referido acórdão que, na petição inicial, a ali A. e ora apelante alegou que “ainda que a exclusão prevista no artigo 3º, al. a) das Condições Especiais do Contrato de seguro se referisse “ao incumprimento ou omissão por parte do segurado ou do tomador do seguro dos deveres que para ele decorrem de tal contrato ou da lei”, não sendo oponível a terceiros lesados, é-o ao segurado, no caso, à ré B, o que sempre determina a exclusão da responsabilidade atento o disposto no artigo 101.º, n.º 4 da Lei do Contrato de Seguro”.
E pode, ainda, ler-se no mencionado acórdão o seguinte:
“Esta conclusão impõe, assim, que se verifique se a seguradora tem direito a obter da ré ao reembolso da quantia que despendeu em cumprimento da obrigação de indemnização em que foi condenada e cuja exclusão da falta de cobertura não podia opor à lesada. (…)
A estipulação da cláusula do Artigo 3º, a) das Condições Especiais que determina a exclusão do sinistro do âmbito da cobertura é válida face ao estatuído no art.º 139º, n.º 2 do RJCS, mesmo no contexto do seguro obrigatório de responsabilidade civil, sendo certo que, não obstante a relativa imperatividade do n.º 3 do art.º 139º (cf. art.º 13º do RJCS), certo é que, no caso, nem mesmo esta norma é afectada, porquanto a exclusão se verifica relativamente a eventos danosos conhecidos das partes, sendo que apenas os desconhecidos se devem ter por abrangidos pela delimitação temporal da cobertura por referência à data da reclamação.
Assim, não se vislumbra que a estipulação do direito da seguradora a obter o reembolso daquilo que pagou para indemnizar um terceiro prejudicado por um sinistro que não se encontra coberto pela apólice, como sucede neste caso, viole o conteúdo de qualquer norma imperativa ou o regime legal do seguro de responsabilidade civil profissional, porquanto a salvaguarda que este visa, em última instância, é satisfação dos lesados que, no caso, foi assegurada. (…)
Nada obsta, porém, que as partes acordem quanto a esse dever de reembolso também relativamente a situações em que, ao cabo e ao resto, foi satisfeita a pretensão da lesada e alcançado o fim último do seguro obrigatório, de modo a que, no contexto das relações internas entre seguradora e responsável civil directo, o reembolso da totalidade do valor por si suportado quanto a um sinistro que não se mostrava abrangido pela cobertura do seguro tenha lugar, ou seja, quando a responsável solidária acabou por saldar o valor indemnizatório devido, na totalidade, pelo responsável civil directo.”
Estabelece o art.º 147º do RJCS que:
“1. O segurador apenas pode opor ao lesado os meios de defesa derivados do contrato de seguro ou de facto do tomador do seguro ou do segurado ocorrido anteriormente ao sinistro.
2 - Para efeito do número anterior, são nomeadamente oponíveis ao lesado, como meios de defesa do segurador, a invalidade do contrato, as condições contratuais e a cessação do contrato.”
Ora, como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa, de 02/06/2021 [6] posição que se defende mutatis mutandis relativamente à clausula 3ª, al. c) das condições especiais da apólice em causa nos presentes autos (de conteúdo idêntico ao art.º 44º, nº 2 do RJCS), “se a oponibilidade das condições contratuais implicasse a oponibilidade ao lesado da cláusula 7.ª, n.º 7, do contrato de seguro, alcançar-se-ia o resultado de a seguradora poder opor ao lesado meios de defesa derivados de facto do tomador do seguro ou do segurado ocorrido posteriormente ao sinistro.
Outra coisa não pode entender-se quando a seguradora opõe ao lesado o facto imputável ao tomador do seguro de não ter reclamado tempestivamente o sinistro. Ou seja, alcançar-se-ia o resultado que o n.º 1 expressamente proíbe. Ora, o artigo é claro ao estabelecer a previsão do seu n.º 2 como subsidiária da do n.º 1, a que se reporta e que exemplifica: para efeito do número anterior, são nomeadamente oponíveis ao lesado. (…)
Uma das normas que não pode ser afastada por regimes menos favoráveis ao beneficiário da prestação do seguro (imperatividade relativa, como decorre do artigo 13.º, n.º 1) é a do artigo 147.º que acima interpretámos.
Ao que acresce, na busca da harmonia do sistema jurídico a que o legislador vincula o intérprete (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), que este regime é o acolhido pelo legislador no artigo 101.º, n.º 4, do RJCS, quando se verifica a omissão de participação do sinistro por parte do tomador do seguro, no que constitui um lugar paralelo do que nos ocupa.”
Concluindo, a apelante não pode opor ao terceiro lesado, aqui A., a clausula 3ª, al a) das condições gerais da apólice, de conteúdo semelhante ao art.º 44º, nº 2 do RJCS (do qual não decorre ser oponível a terceiro/lesado), nos termos do disposto no art.º 147º do RJCS.
A apelante pugna para que a franquia estabelecida no contrato de seguro celebrado com a Ordem dos Advogados seja devida e suportada pelas RR. habilitadas, na eventualidade de fixação de algum montante indemnizatório à A..
Na cláusula 9.ª (por lapso, consta do facto provado nº 36 ser a cláusula 10ª) das condições particulares da apólice e no ponto 15 do art.º 1.º das condições especiais foi estabelecida a aplicação de uma franquia contratual de € 5.000,00 por sinistro (cfr. facto provado 36). Na referida cláusula e artigo consta, ainda, não ser a franquia oponível a terceiros lesados.
O contrato de seguro em causa, como assinalado, é um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional do advogado, de caráter obrigatório, sendo-lhe aplicável o disposto no art.º 101, nº 4 do RJCS, norma imperativa, segundo a qual o disposto nos n°s 1 e 2 (redução da prestação a cargo do segurador, prevista no contrato), em caso de falta de participação do sinistro, como ocorre, não é oponível aos lesados em caso de seguro obrigatório de responsabilidade civil, ficando o segurador com direito de regresso contra o incumpridor, relativamente às prestações que efetuar, com os limites referidos naqueles números, havendo que chamar também à colação o disposto no art.º 147º do RJCS, já acima interpretado.
Pese embora as RR. habilitadas por morte do segurado, tenham sido demandadas, foram absolvidas do pedido formulado pela A. e esta não interpôs recurso da sentença, nem requereu a ampliação do recurso interposto. A ação de que emerge o presente recurso não apreciou o direito de regresso entre seguradora e segurado, não sendo este o seu objeto, pelo que não há que alterar a decisão quanto a este aspeto, nem por via de dedução da franquia à indemnização devida à A., em virtude da inoponibilidade quer por via do contrato quer do regime legal.
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da apelante.

Lisboa, 16 de janeiro de 2025
Teresa Sandiães
Fátima Viegas
Vítor Manuel Leitão Ribeiro      
_______________________________________________________
[1] publicado no DR n.º 18/2022, Série I de 26/01/2022
[2] Paulo Mota Pinto, Direito Civil, Estudos, Perda de Chance Processual, Gestlegal, pág. 806
[3] processo nº 40/08.1TBMMV.C1.S1, in www.dgsi.pt
[4] proc. nº 5388/16.9T8VNG.P1.S1, in www.dgsi.pt
[5] No mesmo sentido v., entre outros, acórdãos do STJ de 16/12/2020, proc. nº 17592/16.5T8SNT.L1.S1, de 17/10/2019, proc. nº 5992/13.7TBMAI.P2.S2, disponíveis em www.dgsi.pt
[6] proc. nº 946/18.0T8MTA-A.L1-6, in www.dgsi.pt