Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
22217/22.7T8LSB-A.L1-8
Relator: VÍTOR MANUEL LEITÃO RIBEIRO
Descritores: AUDIÊNCIA PRÉVIA
CONTRADITÓRIO
NULIDADE
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/27/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: (da responsabilidade do relator - cfr. artigo 663.º, nº 7, do Código de Processo Civil):
I - Apesar do poder discricionário que lhe é concedido a respeito da convocação ou não da audiência prévia nas ações de valor inferior a metade da alçada da relação, não pode o juiz deixar de assegurar o exercício do contraditório quanto ao mérito da causa nos mesmos termos em que o tem de fazer nas ações de valor superior a metade da alçada da Relação, visto que tal constitui uma derivação do direito fundamental à jurisdição;
II - Nessas ações, dispensando-se a convocação da audiência prévia, a decisão de conhecer imediatamente do mérito da causa no despacho saneador deverá ser precedida do convite expresso e prévio às partes para se pronunciarem sobre a oportunidade dessa decisão final e para alegarem por escrito o que iriam sustentar oralmente na audiência prévia se esta tivesse lugar;
III - Ao julgar do mérito da causa no despacho saneador, sem primeiro ter sido assegurado o exercício do contraditório, omitiu-se um ato prescrito por lei (omissão da audição das partes, como estatuído no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil), o que configura uma nulidade processual traduzida na omissão de um ato que a lei prescreve - cfr. artigo 195.º, nº 1, do Código de Processo Civil - que se assume como uma nulidade da própria decisão por excesso de pronúncia - cfr. artigo 615º, nº 1, al. d), do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes Desembargadores que compõem este coletivo da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I - RELATÓRIO
1.1. Argumento Directo, SA, executada na ação executiva para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo ordinário, intentada pelo Condomínio do Prédio sito na Av...., deduziu oposição à execução mediante embargos de executado, pedindo a procedência da mesma com a consequente extinta da execução, alegando a inexistência de título executivo no que respeita à cobrança de honorários e despesas judiciais, a ilegalidade das penas pecuniárias peticionadas e o pagamento, em 07.06.2022, da quantia de, pelo menos, 6.223,43 €, com o que, defende, terem as contas ficado saldadas.
O embargado/exequente contestou, reiterando os fundamentos aduzidos no requerimento executivo, pugnando pela improcedência dos embargos e pediu a condenação da executada/embargante como litigante de má-fé em multa e indemnização a seu favor em montante a fixar pelo tribunal.
Foi proferido, a 04.10.2024, despacho saneador-sentença.
Em segmento prévio ao saneador-sentença foi consignado o seguinte:
Não havendo que assegurar o exercício do contraditório quanto a exceções não debatidas nos articulados e não se mostrando adequado ou necessário convocar Audiência Prévia, atendendo ao valor da causa, não superior a metade da alçada da Relação, e uma vez que o estado do processo permite, sem necessidade de mais provas, a apreciação total do pedido deduzido, passo a proferir Despacho Saneador, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 595º, do Código de Processo Civil, em conformidade com o disposto no artigo 597º, alínea c), do Código de Processo Civil.
De seguida, após a fixação do valor da causa em € 10.006,24, foi proferido despacho saneador-sentença que julgou tabelarmente verificados os pressupostos processuais e terminou com o seguinte dispositivo:
Em face do exposto, decide o Tribunal:
a) julgar os presentes embargos de executado parcialmente procedentes e, em consequência, determina-se o prosseguimento da execução para pagamento apenas da quantia de 1.113,52 € e dos juros moratórios vencidos e vincendos relativamente à despesa de 2020 não provisionada, à quota trimestral do orçamento de 2022 - julho, agosto e setembro e à quota do Fundo Comum de Reserva - julho, agosto e setembro, até integral pagamento, extinguindo-se a execução quanto ao mais peticionado;
b) absolver a executada/embargante do pedido de condenação como litigante de má fé.
1.2. O embargado/exequente, inconformado com o decidido, apelou, tendo apresentado alegações e as seguintes conclusões:
1. O despacho saneador-sentença como "decisão surpresa" que é deve ser declarado como nulo, o que é invocável nos termos do art.º 195.º do C.P.C.;
2. A embargante é relapsa habitual como se constata dos autos;
3. A embargante nunca impugnou nos termos do art.º 1433.º do C.Civil qualquer acta do condomínio, ora embargado;
4. Consequentemente o seu silêncio é considerado como aprovação das deliberações nos termos do art.º 1432.º n.º 11 do C.Civil;
5. Acresce que a procuração forense inicial junta aos autos pela embargante se destinava a outro processo judicial;
6. Pelo que a embargante tinha de ser pessoalmente notificada pelo Tribunal para ratificar o processado, o que não ocorreu;
7. Existindo não só nulidade processual do saneador- sentença, como competia ao Sr. Juiz notificar o embargado para juntar aos autos documento que considerasse necessário (AC. Rel. Évora de 10.10.2024 e AC. Rel. Guimarães de 17.10.2024 in www.dgsi.pt);
8. Competia ao mandatário da embargante certificar-se dos poderes forenses para este processo executivo;
9. Os honorários e despesas judiciais tidos com processo executivo anterior findo são imputáveis à executada por serem serviços de interesse comum e estarem previstas no Regulamento do condomínio, sendo que o silêncio dos condóminos vale como aprovação da deliberação comunicada (Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 2.ª edição, pág. 191);
10. Não podem ser os condóminos cumpridores a suportarem custos com cobrança judicial do condomínio junto de relapsos;
11. Todos os montantes constam de actas não impugnadas que são títulos executivos;
12. Despesas imputadas ao relapso como também consta do Regulamento do condomínio junto aos autos;
13. As custas judiciais não suportam os custos com uma cobrança judicial litigiosa contra relapsos habituais;
14. Pelo que a embargante litigando com má-fé deve ser condenada nos montantes reclamados nos títulos executivos, bem como nos honorários e despesas judiciais inerentes até integral pagamento, o que inclui os honorários do mandatário e despesas processuais do condomínio exequente/embargado que constam dos títulos executivos (actas não impugnadas pela embargante);
15. Pelo que o despacho saneador do tribunal "a quo" deve ser revogado, prosseguindo o processo executivo os seus trâmites.
1.3. A embargante/executada apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, e apresentou seguintes conclusões:
1. A quantia exequenda inclui no título executivo valores que o embargado já recebeu em parte na liquidação do julgado executivo relativo ao processo nº 7536/9.8T8LSB;
2. Das disposições conjugadas do artigo 6º do Decreto-Lei nº 268/94, de 25 de Outubro e do artigo 1434º do Código Civil, na redação dada pelo pela Lei nº8/2022 de 8/01/2022, resulta que a deliberação dos condóminos só é titulo executivo para a cobrança das contribuições fixadas aos condóminos para suportar as despesas de conservação e fruição das partes comuns e o pagamento de serviços de interesse comum, acrescentando agora as sanções pecuniárias aos juros de mora, pela mora ou incumprimento da obrigação pecuniária principal. Não pode incluir taxas de justiça do processo, provisões para o AE ou honorários para o mandatário do condomínio;
3. As deliberações de condomínio em tudo o que extravase do âmbito do artigo 6º do Decreto-Lei nº 268/1994 e do artigo 14254º, nº 1 do Código Civil, não constituem título executivo;
4. A dispensa da audiência prévia a que alude o art.º 591º do CPC não constitui nulidade alguma, como determina o artigo 195º, nº 1 do CPC;
5. Não se verifica qualquer irregularidade processual de mandato;
6. Não há qualquer fundamento para condenar a embargante como litigante de má-fé, como, aliás, o próprio recorrente embargado reconhece ao omitir douta e conscientemente qualquer fundamento factual ou jurídico para tal pretensão.
7. Pelo contrário, há PELO MENOS litigância de má-fé do condomínio embargado, como aqui foi alegado e como documentalmente está provado nos autos.
8. A douta sentença proferida não é suscetível de qualquer reparo, nem padece de qualquer vício ou irregularidade. Não violou qualquer disposição legal, substantiva adjetiva. Pelo contrário, fez uma correta apreensão da factualidade e uma adequada aplicação da Lei, à factualidade apurada.
1.4. Em 27.01.2025, em segmento que antecedeu o despacho que se pronunciou sobre a admissibilidade do recurso, foi proferido despacho com o seguinte teor:
Não vislumbro a ocorrência de qualquer uma das nulidades da sentença previstas no artigo 615º do Código de Processo Civil.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal cuja apreciação ainda não se mostre precludida, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
No caso, em face das conclusões apresentadas pelo recorrente, as questões a decidir são as seguintes:
1. Saber se ocorre nulidade do despacho saneador-sentença por constituir decisão-surpresa;
2. Saber se as atas dadas à execução constituem título executivo para cobrança de honorários e despesas judiciais;
3. Saber se as penas peticionadas pelo exequente padecem de ilegalidade;
4. Saber se a executada/embargante litiga de má-fé.
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III. FUNDAMENTAÇÃO.
A - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
Os factos que relevam para a decisão do recurso são os que constam do relatório que antecede em I, 1.1, bem como os seguintes que na sentença recorrida foram considerados provados:
1. O exequente Condomínio do Prédio sito na Av...., instaurou a ação executiva para pagamento de quantia certa sob a forma de processo ordinária da qual os presentes autos constituem apenso contra a executada Argumento Direto, S.A., ora embargante, apresentando como título executivo:
- a ata n.º 7 da Assembleia Geral Ordinária de Condóminos do Prédio sito na Av...., realizada no dia 10 de janeiro de 2019 (que na sentença recorrida surge reproduzida mediante inserção de imagem dessa ata);
- a ata n.º 9 da Assembleia Geral Ordinária de Condóminos do Prédio sito na Av...., realizada no dia 29 de março de 2021 (que na sentença recorrida surge reproduzida mediante inserção de imagem dessa ata);
- a ata n.º 10 da Assembleia Geral Ordinária de Condóminos do Prédio sito na Av...., realizada no dia 10 de janeiro de 2022, (que na sentença recorrida surge reproduzida mediante inserção de imagem dessa ata);
2. A executada/embargante é proprietária da fração autónoma designada pela letra “AA” correspondente ao 2.º andar e piso recuado para habitação, com garagem e um lugar de estacionamento (no ...), no prédio constituído em regime de propriedade horizontal sito na Av....;
3. O exequente alega no requerimento executivo o seguinte:
“(…)
Factos:
1.º) A executada "Argumento Direto, SA" é proprietária desde 30/12/2016 da fração AA, correspondente ao 2.º andar e piso recuado para habitação, com garagem e um lugar de estacionamento (no ...), no prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Av....; (doc. 1 e 2)
2.º) Nos embargos que a empresa "Argumento Direto, SA" interpôs no anterior processo executivo que o condomínio instaurou em 2019, pelo não pagamento de quotas de condomínio e correu termos no Juiz ... do Juízo de Execução de Lisboa, sob o n.º 7536/19.8T8LSB, a aí (e aqui) executada, alegou a sua ilegitimidade, por o uso da fração estar atribuído a BB, porém, o acórdão da Relação de Lisboa, em 23/12/2021, transitado em julgado, deliberou que a executada «era parte legítima porquanto se extinguiu automaticamente o direito de uso e habitação (de BB), não estando a ex-usuária adstrita ao pagamento de qualquer quota ao condomínio, até por força do disposto no n.º 2 do artigo 22.º do regulamento do condomínio que prevê que no caso de cedência ou locação, o condómino ficará solidariamente responsável com o cessionário pelas obrigações pecuniárias em que este se constitua perante o condomínio, configurando uma situação de responsabilidade solidária, nos termos do artigo 519.º do Código Civil, pelo que o credor (aí recorrido e aqui exequente), podia ter exigido da apelante (aqui executada), toda a prestação, como exigiu, tendo a apelação procedido. (Doc. 3 e 4).
3.º) Realizada a Audiência de Julgamento, foi proferida sentença em 31/05/2021, que condenou a " Argumento Direto, SA", aqui executada, a liquidar as quantias peticionadas, excetuando as quantias devidas a título de penalizações, custos com interpelações extrajudiciais e custos com obtenção da certidão predial, entendendo o Tribunal a quo, que a ata de condomínio, não constitui título executivo bastante para cobrança dessas quantias; (doc. 3 e doc. 5)
4.º) Entretanto, a Lei 8/2022 de 1 de Janeiro, alterou o artigo 6.º do DL n.º 268/94 de 25/10, constando, atualmente, do seu n.º 3 que se consideram abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio».
5.º) Nos termos do Acórdão da Relação de Guimarães de 6/02/2020, no processo 261/18.9T8AVV-B. G1, foi deliberado por unanimidade que as atas da reunião da assembleia de condóminos constituem título executivo, nos termos do artigo 6.º n.º 1 do DL 268/94 de 25/10, quanto às penalidades fixadas nos termos do artigo 1434.º do Código Civil, por integrarem o conceito de« contribuições devidas ao condomínio» e aos honorários devidos ao mandatário que patrocinou a demanda que tenha por fim exigir coercivamente do proprietário, a satisfação da sua quota-parte relativa às contribuições devidas, por constituir despesa necessária ao pagamento de serviços de interesse comum, como ocorreu no processo executivo n.º 7536/19.8T8LSB acima identificado.
6.º) A executada foi previamente interpelada, na pessoa do seu representante legal, para liquidar voluntariamente, os débitos pendentes ao condomínio, referentes às despesas extrajudiciais e judiciais decorrentes do processo executivo 7536/19.8T8LSB, lançados em conta corrente datada de 1/07/2022, cujas dívidas foram aprovadas nas atas das respetivas Assembleias Gerais de Condóminos, enviadas à executada. (Doc. 7, 8, 9 e 10).
7.º) A executada não respondeu à interpelação e não pagou qualquer das quantias reclamadas;
8.º) Nos termos do artigo 1432.º n.º 1 do Código Civil «o silêncio dos condóminos é considerado como aprovação da deliberação comunicada nos termos do n.º 9»
9.º) Nos termos do artigo 1.º n.º 3 do DL 268/94 de 25/10, «a eficácia das deliberações depende da aprovação da respetiva ata, independentemente da mesma se encontrar assinada pelos condóminos».
10.º) Consta do artigo 18.º do regulamento que «o condómino que direta ou indiretamente, violar as disposições deste regulamento, será responsável pelas perdas e danos que o seu procedimento originar. (doc. 6)
11.º) Na presente data, além dos débitos peticionados na conta corrente datada de 1/07/2022, acresce a quota do terceiro trimestre do ano 2022, pelo que a executada é devedora ao condomínio da quantia total de € 10.006,24 (dez mil e seis euros e vinte e quatro cêntimos), assim descriminada: (doc. 7, 8, 9, 10 e 11)
- € 553,50 - provisão de honorários de Advogado, para instauração da execução (Processo n.º 7536/19.8T8LSB - Recibo 190/D449)
- € 67,65 - contencioso - processo de dívida (recibo n.º 5831/D437)
- € 94,10 - honorários de Agente de Execução (fase 1) - (recibo 2032/D450)
- € 25,50 - taxa de Justiça (D451)
- € 1230, 00 - nota de honorários de Advogado, referente à contestação aos embargos da executada (Recibo 200/D452).
- € 306,00 - taxa de justiça - Oposição à execução (recibo D453)
- € 184,50 - Honorários Administração (recibo 5969/ Consulta do Arquivo (D479).
- € 94,10 - Agente de Execução - provisão (D517).
- € 86,10 - Honorários Administração (R6150) - Dívida (D511).
- € 1230,00 - Nota de honorários de Advogado, alegações de recurso (Processo n.º 7536/19.8T8LSB (R218) (D518).
- € 102,00 - taxa de justiça (D519)
- € 127,24 - penalização de 5%, referente ao pagamento fora do prazo dos 3.º e 4.º trimestres de 2019 e 1.º, 2.º e 3.º trimestres de 2020;
- € 1230,00 - Nota de honorários Advogado, referente à realização da Audiência de Julgamento (Recibo 242/D671)
- € 276,00 - despesa de 2020 não provisionada (cfr. ata 9 - doc. 9)
- € 922,50 - Nota de honorários de Advogado, apresentação do recurso; (Recibo 251/D733)
- € 102,00 - Taxa de Justiça - Recurso (D734)
- € 25,67 - penalização de 5%, referente ao pagamento fora do prazo do 4.º trimestre de 2020;
- € 25,67 - penalização de 5% referente ao pagamento fora do prazo, do 1.º trimestre de 2021;
- € 26,08 - penalização de 5% referente ao pagamento fora do prazo do 2.º trimestre de 2021;
- € 25,88 - penalização de 5% referente ao pagamento fora do prazo do 3.º trimestre de 2021;
- € 25,08 - penalização de 5% referente ao pagamento fora do prazo do 4.º trimestre de 2021;
- € 2663,97 - Nota de honorários de Advogado - processo executivo e embargos (Recibo 260/D752);
€ 529,00 - Quota trimestral do orçamento de 2022 - Julho, Agosto e Setembro
€ 52,90 - Quota do Fundo Comum de Reserva - Julho, Agosto e Setembro
Total: € 10.006,24 (dez mil e seis euros e vinte e quatro cêntimos)
11.º) Nos termos conjugados dos artigos 793.º n.º 1 alínea d) do CPC e artigo 6.º n.º 1 do DL 269/94 de 25/10, as atas da AGC são títulos executivos;
12.º) Nos termos do n.º 2 alínea d) do artigo 550.º do CPC, a execução corre sob a forma de processo sumário.”.
4. O constante dos artigos 7º, 18º e 19º do Regulamento do Condómino do Prédio sito na Av.....
B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A primeira questão que importa decidir, em função das conclusões do recurso, refere-se à alegada nulidade da decisão recorrida.
O recorrente defende que o conhecimento do pedido, em fase de saneamento dos autos, obriga o juiz à designação da audiência prévia, sendo nula a sentença por excesso de pronúncia nos termos do artigo 615.º, nº 1, alínea d), 2ª parte, do Código de Processo Civil, constituindo o saneador-sentença proferido, sem convocação da audiência prévia, uma decisão-surpresa.
Que dizer?
A não realização da audiência prévia, nos casos em que é obrigatória, constitui nulidade processual, prevista no número 1 do artigo 195º do Código de Processo Civil, onde se consagra que “a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreve, só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
É certo que é usual afirmar-se que a verificação de alguma nulidade processual deve ser objeto de arguição, reservando-se o recurso para o despacho que sobre a mesma incidir.
Porém, tal solução revela-se inadequada “quando nos confrontamos com situações em que é o próprio juiz que, ao proferir a decisão (…), omitiu uma formalidade de cumprimento obrigatório (…)” - cfr. acórdão do STJ 23.06.2016 (Relator Abrantes Geraldes), disponível em www.dgsi.pt.
Como se refere no citado acórdão:
“Em tais circunstâncias, depara-se-nos uma nulidade processual traduzida na omissão de um acto que a lei prescreve, mas que se comunica ao despacho (..), de modo que a reacção da parte vencida passa pela interposição de recurso da decisão proferida em cujos fundamentos se integre a arguição da nulidade da decisão por excesso de pronúncia, nos termos do art.º 615º, nº 1, al. d), in fine, do CPC.”.
É esta também a posição assumida pelo Professor Teixeira de Sousa quando, no comentário ao acórdão da Relação de Évora de 10-04-2014 ( in www.dgsi.pt), observou que a falta de audição prévia constitua uma nulidade processual, por violação do princípio do contraditório, essa “nulidade processual é consumida por uma nulidade da sentença por excesso de pronúncia (art.º 615º, nº 1, al. d), do Código de Processo Civil), dado que sem a prévia audição das partes o tribunal não pode conhecer do fundamento que utilizou na sua decisão” (em blogippc.blogspot.pt, escrito datado de 10.05.2014).
Dito isto, é sabido que no âmbito do processo comum de declaração - cujo regime é aplicável aos embargos de executado, após o termo dos articulados, por força do disposto no artigo 732º, nº 2, do Código de Processo Civil -, se instituiu, como regra, a obrigatoriedade de realização da audiência prévia - cfr. artigo 591º do mesmo diploma -, nomeadamente quando o “juiz tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa.” (cfr. alínea b), do n.º 1, do citado preceito legal).
Nos artigos 592.º e 593.º do Código de Processo Civil estipulam-se as exceções à regra acima prevista, dispondo o artigo 592.º sobre os casos em que a audiência prévia não tem lugar e definindo o artigo 593.º os casos em que a audiência prévia pode ser dispensada.
Além disso, nas ações de valor não superior a metade da alçada da Relação, o juiz marcará ou não audiência prévia tendo em conta a natureza e a complexidade da ação - cfr. artigo 597º do Código de Processo Civil.
Ora, aos presentes embargos de executado foi fixado o valor de € 10.006,24 (correspondente ao valor da execução).
Estamos, pois, perante uma ação de valor inferior a metade da alçada da Relação [atualmente, de € 30.000 - cfr. art.º 44º, nº 1, da Lei 62/2013, de 26.08 (Lei da Organização do Sistema Judiciário) - sendo, por isso, metade de tal valor € 15.000,00].
Nestas ações, findos os articulados, é ao juiz, conforme referem Geraldes, Pimenta e Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. I, Almedina, 3.ª edição, página 755, “que cabe definir quais os trâmites processuais que devem ser seguidos, tendo em conta a natureza e a complexidade da acção e a necessidade e a adequação dos actos ao seu julgamento”.
Deste modo, o juiz pode, consoante a necessidade e a adequação do ato ao fim do processo, designar audiência prévia ou, desde logo, proferir despacho, nos termos do artigo 595.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, incluindo a decisão de mérito da causa, ou proferir despacho de adequação formal do processo, nos termos previstos nos artigos 6.º, n.º 1, e 547.º, do mesmo diploma, prosseguindo de imediato para a audiência final.
Ou seja, nas causas de valor não superior a metade da alçada do tribunal da Relação, face ao disposto no artigo 597º do Código de Processo Civil, compete ao juiz decidir, discricionariamente, sobre a convocação/realização da audiência prévia - cfr, entre outros, acórdãos de 28.04.2022 da Relação de Lisboa (relator Carlos Castelo Branco), de 27.09.2022 da Relação do Porto (relator João Ramos Lopes), de 26.09.2024 também da Relação do Porto (relatora Isabel Peixoto Pereira) e de 06.02.2024 da Relação de Coimbra (relator Pires Robalo), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Todavia, mesmo nas causas de valor não superior a metade da alçada do tribunal da Relação, se o juiz, no uso do poder discricionário que a lei lhe concede, decidir dispensar a audiência, pretendendo conhecer do mérito da causa, findos os articulados, deve conceder às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre as questões a decidir, bem como quanto à oportunidade, nessa fase processual, de prolação de decisão final, sob pena de compressão do exercício do contraditório, independentemente da avaliação do tribunal quanto à desnecessidade de as ouvir para poder decidir.
Como se lê no acórdão de 22.06.2021 da Relação de Lisboa (relatora Isabel Salgado), disponível em www.dgsi.pt, “o princípio do contraditório não se alcança através do juízo formulado pelo tribunal quanto à necessidade de ouvir as partes, nomeadamente por considerar que elas ainda têm algo a dizer-lhe com relevo para o que tem a decidir. Implica outrossim, que as partes têm o direito de dizerem ao juiz aquilo que naquele momento ainda entendem ser relevante para a decisão de mérito anunciada. Essa é, pelo menos, uma oportunidade relevante cerceada, não devendo antever-se que, mesmo sendo exercida, a decisão seria a mesma”.
E, como se salienta nesse acórdão, “se assim não se entender, podem as partes ficar impedidas de carrear novos factos para os autos, ainda que tenham já abordado todas as questões a apreciar (…), e podem ainda, na perspectiva de uma decisão imediata, pretender consubstanciar e debater algumas questões, ou, mais relevante, podem querer infirmar a conclusão a que o juiz chegou de que lhe era possível decidir”.
Pois bem, no caso presente, o tribunal a quo, sem antes consultar as partes (v.g., convocando a audiência prévia ou notificando-as para exercerem o contraditório) proferiu decisão final de mérito em sede de despacho saneador.
Temos, pois, que às partes não foi dada a possibilidade de se pronunciarem sobre as questões a decidir, bem como sobre a oportunidade de conhecimento do mérito findos os articulados.
É certo que a decisão final de mérito em sede de despacho saneador foi precedida de uma declaração quanto à desnecessidade de assegurar o exercício do contraditório por se ter considerado que as exceções tinham sido debatidas nos articulados.
Porém, mesmo tratando-se de exceções já debatidas nos articulados, entendemos que a decisão de conhecer imediatamente do mérito da causa deverá ser precedida do convite expresso e prévio às partes para se pronunciarem sobre a possibilidade desse conhecimento no despacho saneador e da permissão às partes de alegarem por escrito o que iriam sustentar oralmente na audiência prévia se esta tivesse lugar, porquanto a discussão da causa não se limita à abordagem das partes relativamente às exceções deduzidas, devendo também abranger a discussão efetiva sobre a decisão a tomar.
Enfim, não tendo sido facultado às partes o direito ao exercício do contraditório, isto é, de se pronunciarem sobre o conhecimento do mérito da causa, por o tribunal a quo entender que os autos ofereciam os elementos necessários à prolação de decisão final, findos que estavam os articulados, foi proferida uma decisão-surpresa.
Por outras palavras, vedada às partes a possibilidade de se pronunciarem-se sobre a oportunidade da decisão final no despacho saneador e, sobretudo, de produzirem alegações (por escrito) sobre o mérito da causa, violou-se o princípio do contraditório - cfr. artigo 3º, nº3, do Código de Processo Civil -, que visa prevenir as decisões surpresa.
De facto, apesar do poder discricionário que lhe é concedido a respeito da convocação ou não da audiência prévia nas ações de valor inferior a metade da alçada da relação, não pode o juiz deixar de assegurar o exercício do contraditório quanto ao mérito da causa, nos mesmos termos em que o tem de fazer nas ações de valor superior a metade da alçada da Relação, visto que tal constitui uma derivação do direito fundamental à jurisdição.
O princípio do contraditório - que é hoje entendido como um direito de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo litígio, mediante a possibilidade de influírem em todos os elementos que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão - envolve a proibição da prolação de decisões surpresa, não sendo lícito aos tribunais decidir questões de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente haja sido facultada às partes a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
No caso, o tribunal a quo, ao julgar do mérito da causa no despacho saneador, sem primeiro ter assegurado o exercício do contraditório, omitiu um ato prescrito por lei (omissão da audição das partes, como estatuído no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil).
Como tal, estamos perante uma nulidade processual traduzida na omissão de um ato que a lei prescreve - cfr. artigo 195.º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Essa nulidade processual assume-se como uma nulidade da própria decisão.
Com efeito, o vício que afeta uma decisão-surpresa é um vício que respeita ao conteúdo da decisão proferida; a decisão padece de um vício de conteúdo e, por isso, é nula por excesso de pronúncia - cfr. artigo 615º, nº 1, al. d), do Código de Processo Civil.
Concluindo, deve ser declarada a nulidade do saneador-sentença recorrido, determinando-se a consequente remessa do processo ao tribunal a quo, para que aí, a manter-se a opção pela dispensa da audiência prévia, seja assegurado o exercício do contraditório quanto ao mérito da causa, de forma a possibilitar a efetiva audição das partes.
Face à nulidade ora verificada, julgam-se prejudicadas as demais questões suscitadas em sede de alegações de recurso.
A recorrida, porque vencida na relação jurídico-processual recursiva, suportará o encargo do pagamento das custas do recurso - cfr. artigo 527.º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
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IV - DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem este coletivo da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar o recurso procedente e, consequentemente, em declarar nula a decisão proferida, devendo pelo tribunal a quo - caso mantenha a opção de dispensar a audiência prévia e se ainda tencionar proferir decisão final de mérito no despacho saneador -, ser assegurado o exercício do contraditório quanto ao mérito da causa, de forma a possibilitar a efetiva audição das partes.
Custas pela recorrida.

Lisboa, 27 de março de 2025.
Vítor Manuel Leitão Ribeiro
Marília dos Reis Leal Fontes
Rui Manuel Pinheiro de Oliveira