Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1429/09.4JDLSB.L2-9
Relator: JOÃO ABRUNHOSA
Descritores: CORREIO ELECTRÓNICO
PROVA PERICIAL
ACESSO ILEGÍTIMO
PORNOGRAFIA DE MENORES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I – Saber se determinadas contas de correio electrónico ficaram inacessíveis ou não utilizáveis não requer qualquer especial conhecimento técnico ou científico, bastando que os seus utilizadores deixem de poder a elas aceder, para a prova do que, naturalmente, pode ser usado qualquer meio de prova, nomeadamente o testemunhal;
II – A falta de produção de prova pericial quando a mesma é obrigatória, constitui nulidade sanável ou irregularidade, conforme os casos;
III – Aceder às contas de correio electrónico para se apresentar perante terceiros como se se tratasse das menores e beneficiar da confiança existente entre os contactos das mesmas, basta para se considerar verificada a intenção de alcançar, para si, um benefício ou vantagem ilegítimos, relativamente ao crime de acesso ilegítimo, p. e p. pelo art.º 7º da Lei 109/91, de 17/08;
IV - Vedar o acesso da vítima à sua própria conta de correio electrónico, com a intenção de assim a obrigar a agir de forma dar satisfação aos seus instintos lascivos e libidinosos, ou a puni-la por não aceder aos seus desejos, basta para se considerarem verificadas as intenções de lhe causar prejuízo e de obter um benefício ilegítimo, relativamente ao crime de dano relativo a dados ou programas informáticos, p. e p. pelo aert.º 5º da Lei 109/91, de 17/08;
V - No caso concreto de uma menor de 13 anos de idade, propalar que é uma “puta” é um mal importante, para efeito do elemento objectivo “ameaça com mal importante” do crime de coacção, p. e p. pelo art.º 154º do CP.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
No decurso do julgamento realizado nestes autos Juízo Central Criminal de Sintra, em que é Arg. [1] AA, com os restantes sinais dos autos (cf. o CRC de fls. 639 e fls. 666 (acta)), foi proferido o acórdão de 01/06/2017, constante de fls. 699/735, que decidiu nos seguintes termos:
“… Nestes termos e, em face do exposto, delibera este Tribunal Colectivo:
A. Absolver o arguido AA do crime de ameaça, pelo qual vem acusado.
B. Absolver o arguido de um crime de pornografia, pelo qual vem acusado.
C. Condenar o arguido, como autor material e na forma consumada, de um crime de acesso ilegítimo, previsto e punido pelo artigo 7.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17.8, na pena de nove meses de prisão (vítima JF.).
D. Condenar o arguido, como autor material e na forma consumada, de três crimes de acesso ilegítimo, previstos e punidos pelo artigo 6.º, n.ºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15.9, na pena de nove meses de prisão, por cada um dos crimes (vítimas DD, EE e BB).
E. Condenar o arguido, como autor material e na forma consumada, de um crime de dano relativo a dados ou programas informáticos, previsto e punido pelo artigo 5º, n.º 1, da Lei n.º 109/91, de 17.8, na pena de nove meses de prisão (vítima CC).
F. Condenar o arguido, como autor material e na forma consumada, de três crimes de dano relativo a dados ou programas informáticos, previstos e punidos pelo artigo 6.º, n.ºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15.9, na pena de nove meses de prisão, por cada um dos crimes (vítimas DD, EE e BB).
G. Condenar o arguido como autor material e na forma consumada, de dois crimes de devassa por meio informático, previstos e punidos pelos artigos 192.º, al. b), do Código Penal, na pena de um ano e três meses de prisão, por cada um dos crimes (vítimas FF e GG).
H. Condenar o arguido como autor material e na forma consumada, de dois crimes de pornografia de menores agravado, previstos e punidos pelos artigos 176.º, n.º 1, al. c) e 177.º, n.º 6, do Código Penal, na pena de três anos de prisão por cada um dos crimes (menores FF e GG).
I. Procedendo-se à convolação dos dois crimes de coacção sexual agravada, pelo qual o arguido vinha acusado, previstos e punidos pelos artigos 164.º e 177.º, n.º 6, do Código Penal, para dois crimes de coacção p. e p. pelo artigo 154.º, n.º 1, do Código Penal:
J. Absolve-se o arguido de um crime de um crime de coacção (na pessoa de BB).
K. Condena-se o arguido por um crime de coacção p. e p. pelo artigo 154.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de um ano de prisão (FF). 
L. Em cúmulo jurídico das penas parcelares condenar o arguido na pena única de cinco anos de prisão.
M. Suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido por igual período de cinco anos, com regime de prova a fixar pela DGRS, nos termos do disposto nos artigos 50.º, n.º 5 e 53.º, n.º 3, do Código Penal e sob a condição de proceder ao pagamento do montante de mil e quinhentos euros a cada uma das ofendidas CC, DD, EE e BB, bem como do montante de dez mil euros à ofendida FF. Tais montantes serão pagos através de depósito à ordem deste Tribunal, no valor de quinhentos euros mensais, a contar da data do trânsito em julgado deste acórdão e até perfazer o montante global. 
N. Condenar o arguido em taxa de justiça que se fixa em 4 UC e nas demais custas do processo, tudo nos termos do disposto nos artigos nos termos do disposto nos artigos 513.º, 514.ºdo Código Processo Penal, e artigo 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Judiciais e Tabela III, ao mesmo anexa. …”.
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Não se conformando com esta decisão, dela interpôs recurso o Arg., tendo este tribunal prolatado o acórdão de 08/03/2018, constante de fls. 740/761, que decidiu nos seguintes termos:
“... Analisados os autos, verificamos que, relativamente à al. G. da parte decisória, o erro já vem da acusação, que acusa por “dois crimes de devassa por meio informático, p.p. no art.º 192º, n.º 1, al. b) do Código Penal”, sendo que o crime de Devassa por meio de informática está previsto no art.º 193º do CP e o crime previsto no art.º 192º do CP é o de Devassa da vida privada.
Além disso, mencionando a parte decisória a condenação por crimes previstos no artº 192º do CP, o tribunal recorrido condena em penas superiores ao respectivo limite máximo aplicável, mas que cabem dentro dos limites do crime previsto no art.º 193º do CP.
Estes erros configuram, pelo menos, uma alteração da qualificação jurídica, fora das condições previstas no art.º 358º/3 do CPP (ou, para quem assim não entenda, uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão).
Padece, assim a decisão recorrida da apontada nulidade, que há que declarar.
Esta nulidade obsta ao conhecimento das restantes questões suscitadas.
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Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, julgamos parcialmente provido o recurso e, consequentemente, anulamos a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que supra a apontada nulidade. ...”.
*
Em cumprimento deste acórdão, o tribunal recorrido prolatou, em 13/09/2018, o acórdão de fls. 771/809, que decidiu nos seguintes termos:
“... Nestes termos e, em face do exposto, delibera este Tribunal Colectivo:
A. Absolver o arguido AA do crime de ameaça, pelo qual vem acusado.
B. Absolver o arguido de um crime de pornografia, pelo qual vem acusado.
C. Condenar o arguido, como autor material e na forma consumada, de um crime de acesso ilegítimo, previsto e punido pelo artigo 7.°, n.°5 1 e 2, da Lei n.° 109/91, de 17.8, na pena de nove meses de prisão (vítima CC).
D. Condenar o arguido, como autor material e na forma consumada, de três crimes de acesso ilegítimo, previstos e punidos pelo artigo 6.°, n.ºs 1 e 3, da Lei n.° 109/2009, de 15.9, na pena de nove meses de prisão, por cada um dos crimes (vítimas DD, EE e BB).
E. Condenar o arguido, como autor material e na forma consumada, de um crime de dano relativo a dados ou programas informáticos, previsto e punido pelo artigo 5°, n.° 1, da Lei n.° 109/91, de 17.8, na pena de nove meses de prisão (vítima CC).
F. Condenar o arguido, como autor material e na forma consumada, de três crimes de dano relativo a dados ou programas informáticos, previstos e punidos pelo artigo 6.°, n.ºs 1 e 3, da Lei n.° 109/2009, de 15.9, na pena de nove meses de prisão, por cada um dos crimes (vítimas DD, EE e BB).
G. Condenar o arguido como autor material e na forma consumada, de dois crimes de devassa da vida privada, previstos e punidos pelo artigo 192.°, n.° 1, al. b), do Código Penal, na pena de oito meses de prisão, por cada  um dos crimes  (vítimas FF e GG).
H. Condenar o arguido como autor material e na forma consumada, de dois crimes de pornografia de menores agravado, previstos e punidos pelos artigos 176.°, n.° 1, al. c) e 177.°, n.° 6, do Código Penal, na pena de três anos de prisão por cada um dos crimes (menores FF e GG).
I. Procedendo-se à convolação dos dois crimes de coacção sexual agravada, pelo qual o arguido vinha acusado, previstos e punidos pelos artigos 164.° e 177.°, n.º 6, do Código Penal, para dois crimes de coacção p. e p. pelo artigo 154.º, n.º 1, do Código Penal:
J. Absolve-se o arguido de um crime de um crime de coacção (na pessoa de BB).
K. Condena-se o arguido por um crime de coacção p. e p. pelo artigo 154.º, n.° 1, do Código Penal, na pena de um ano de prisão (FF).
L. Em cúmulo jurídico das penas parcelares condenar o arguido na pena única de cinco anos de prisão.
M. Suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido por igual período de cinco anos, com regime de prova a fixar pela DGRS, nos termos do disposto nos artigos 50.°, n.° 5 e 53.°, n.° 3, do Código Penal e sob a condição de proceder ao pagamento do montante de mil e quinhentos euros a cada uma das ofendidas CC, DD, EE e BB, bem como do montante de dez mil euros à ofendida FF. Tais montantes serão pagos através de depósito à ordem deste Tribunal, no valor de quinhentos euros mensais, a contar da data do trânsito em julgado deste acórdão e até perfazer o montante global.
N. Condenar o arguido em taxa de justiça que se fixa em 4 UC e nas demais custas do processo, tudo nos termos do disposto nos artigos nos termos do disposto nos artigos 513.°, 514.º do Código Processo Penal, e artigo 8.°, n.° 9 do Regulamento das Custas Judiciais e Tabela III, ao mesmo anexa. ...”.
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Ainda inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o Arg., com os fundamentos constantes da motivação de fls. 815/820, com as seguintes conclusões:
“… 1. Como se narra no ponto II da motivação, e que aqui se dá por reproduzido, deve ser conhecida a caducidade ali suscitada e a ilegitimidade do Ministério Público para deduzir a acusação relativamente aos aludidos ilícitos;
2. Na verdade, nos termos do art. 115º/1 do C.P. (Código Penal), o direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores. No caso, tratando-se de menores à data dos imputados ilícitos, a queixa podia ser apresentada pelos seus representantes legais uma vez que ambas as menores têm progenitores, e não estavam nem estão desprovidas de discernimento. Ora, os representantes legais das menores não apresentaram queixa durante a menoridade das mesmas.
3. Neste quadro, e uma vez que à data dos imputados factos as menores tinham representantes legais; não padeciam de qualquer incapacidade ou de falta de discernimento; e não sendo o arguido (agente do alegado crime), representante legal de nenhuma das menores, assistia a estas o direito de apresentar a queixa dentro de seis meses a partir da data em que perfizeram os 16 anos (art. 113º/6 do C.P.) se os seus representantes legais o não tivessem feito, como não fizeram. E só os representantes legais tinham legitimidade para tanto - não o Ministério Público, à luz do disposto no art. 113º/4 e 5 do C.P..
4. Ora, a menor BB completou 16 anos em 07.07.2011, e atingiu a maioridade em 07.07.2013, pelo que podia apresentar queixa até 07.01.2012 ou, máxime, 07.01.2014 – mas não o fez.
5. A menor DD completou 16 anos em 11.09.2013, e atingiu a maioridade em 11.09.2015, pelo que podia apresentar queixa até 11.03.2014 ou, máxime, 11.03.2016 – também não o fez.
6. À data da acusação (11.02.2016), ambas as menores já haviam atingido a maioridade.
7. O Ministério Público carecia pois de legitimidade para deduzir acusação em nome das menores, e até para dar início ao procedimento.
8. Deve assim ser declarada a extinção, por caducidade, do direito de queixa de tais menores BB e DD contra o arguido e a respectiva absolvição dos 2 crimes de acesso ilegítimo e de 2 crimes de dano relativo a dados ou programas informáticos.
9. A sentença é nula quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões  que devesse apreciar (art. 379º/1 c) do CPP).
A caducidade do direito de queixa a que aludimos no ponto II supra e cujo teor aqui damos por reproduzido, representa uma matéria que o tribunal “a quo” deveria ter apreciado, e não o fez, sendo até de conhecimento oficioso.
10. Para além do que se alega ponto anterior, afigura-se que a decisão proferida incorre em erro notório da apreciação da prova quando dá por adquirido que o arguido, por um lado, sabia que a ofendida FF tinha 13 anos de idade, e por outro lado que o arguido sabia a morada dessa ofendida.
11. A cota de fls. 68 referida na decisão, como demonstrativa de que o arguido conhecia a idade da BB, afinal não o comprova, porque quando o arguido lhe pergunta se a ofendida tinha 13 anos, a mesma escreve “N”, o que na linguagem dos jovens e naquele contexto significa não.
12. Por outro lado, não resulta dos autos que o arguido soubesse da morada desta ofendida, pelo contrário. O diálogo de fls. 38, em que o arguido pede a morada da BB, evidencia exactamente o contrário.
13. Acresce que, não é possível ao tribunal, baseado apenas em prova testemunhal, nem em qualquer confissão, dar como assentes factos que exigem uma prova formal, material, científica, como é o caso de saber se as contas de correio electrónico ficaram inacessíveis ou não utilizáveis.
14. Os crimes de acesso ilegítimo e de dano relativo a dados ou programas informáticos pelos quais o arguido foi condenado e que constam das alíneas C) e E) da parte decisória do Acórdão recorrido, reportados à ofendida CC, foram cometidos em Julho de 2009, isto é, na vigência da Lei 109/91, de 17.8.
15. A prática de tal ilícito pressupunha, contrariamente à redacção que veio a ser dada aos mesmos crimes pela Lei 109/2009, o dolo específico, ou seja, a intenção de causar prejuízo a outrem ou de obter um benefício ilegítimo.
16. Na matéria dada como provada nada existe que documente a intenção de tal prejuízo ou tal benefício. Não basta escrever como se faz no putativo ponto 36. que ao aceder à palavra passe o arguido logrou a possibilidade de se apresentar perante terceiros e beneficiar da confiança existente entre os contactos. Isso bastará para a incriminação à luz da Lei 109/2009, mas não esclarece qual o concreto benefício ou prejuízo, sendo certo que estes sempre teriam de ser de caráter económico.
17. O tribunal “a quo”, ao condenar o arguido por esses ilícitos, fê-lo na base de uma interpretação violadora do art. 7º/1 e 5º/1 da Lei 109/91 e comete um erro de julgamento.
18. Também viola a lei a interpretação dada acerca do alegado cometimento do crime de coacção contra a ofendida FF. Entende o tribunal “a quo” que, exigindo a lei (art. 154º/1 do CP) a ameaça com mal importante para constranger outrem a uma acção, tal resultaria demonstrado pela circunstância de o arguido alegadamente ter ameaçado essa ofendida, para a levar a levantar a blusa e mostrar os seios, de que faria circular junto dos seus amigos que a mesma era uma “puta” e que sabia onde morava e caso não se despisse iria à sua porta e seria pior para ela.
19. Ora, como se percebe facilmente, ainda que tal fosse verdade e não é, não configura uma ameaça com um mal importante, na acepção tida pelo legislador.
20. De resto, basta ver o despacho da Mma. Juiz de Instrução Criminal a fls. 100 dos autos principais (1429/09), e que levaria ao arquivamento de fls. 107 e 108, a qual nem sequer um crime de ameaça vislumbrou, considerando que a acção da menor era bem mais gravosa do que a ameaça feita de que faria circular que a menor era uma “puta”. Não se verifica pois, em nosso modesto entender, o crime de coacção, devendo o arguido ser absolvido do mesmo.
21. De acordo com o que se alega no ponto V, c) supra da motivação, que aqui se dá por reproduzido, o tribunal “a quo” violou o disposto nos arts. 70º e 71º e 51º/1 do C.P..
22. Os arts. 51º/1 e 70º e 71º do C.P. devem ser julgados inconstitucionais quando interpretados nos termos, com o sentido e alcance que resultam do Acórdão proferido, porque correspondem a denegar ao arguido a justiça, as garantias de defesa e um acesso a uma tutela efectiva dos seus direitos fundamentais, prevista nomeadamente nos arts. 20º e 32º da CRP.
Nestes termos, e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, conhecerem-se as nulidades arguidas e as violações de lei e erros de julgamento, declarar-se a caducidade do direito de queixa e demais alegado, absolvendo-se o recorrente dos ilícitos impugnados e revogando a condição de suspensão fixada, por ser de JUSTIÇA …”.
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Respondeu o Exm.º Magistrado do MP[2], nos termos de fls. 823/833, concluindo da seguinte forma:
“… 1. O Ministério Público apenas pode prosseguir a acção penal, relativamente a crimes semi-públicos, no prazo de seis meses a contar da data em que tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores, quando o interesse do ofendido o aconselhar e este for menor (ex vi artigo 113.º, n.º 5 do Código Penal).
2. Os crimes de acesso ilegítimo e de danos relativo a dados ou programas informáticos, previstos e punidos, respectivamente, pelos artigos 6.º, n.º 1 e 3 e 4.º, n.º 1 da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (Lei do Cibercrime) têm natureza semi-pública, sendo que, em concreto, o interesse das ofendidas, menores de idade à data dos factos, determinou o prosseguimento pelo Ministério Público da acção penal, nos termos supra expostos.
3. Nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Penal, a decisão é nula quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento
4. Nos presentes autos, inexistindo qualquer caducidade do direito de queixa por parte das menores DD e BB, inexiste também qualquer omissão de pronúncia por parte do tribunal.
5. O erro notório na apreciação da prova verifica-se quando, no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.
6. O tribunal a quo deu por provado que o arguido AA sabia a idade da ofendida FF, tendo fundado a sua convicção no depoimento da mesma, na informação de folhas fls. 68, no facto do arguido ter tido acesso à sua conta de correio electrónico e facebook, bem como das suas amigos, o que lhe permitiu tomar conhecimento de todas as informações relativas à mesma e ainda na circunstância de o próprio tribunal ter visto, em sede de audiência de discussão e julgamento, a ofendida FF, actualmente com 20 anos de idade, a qual tinha ainda nessa data uma compleição física franzina e frágil, aparentando ter idade inferior.
7. A prova pericial visa a percepção ou a apreciação dos factos que exigem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos (cfr. artigo 151.º do Código de Processo Penal).
8. A acessibilidade ou a inacessibilidade a contas de correio electrónico pelos seus titulares (no caso, as ofendidas), não padece de prova pericial, podendo tal facto ser apreciado e provado (ou não) com base na prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, a qual foi considerada credível e isenta.
9. A decisão relativa a estes factos é, assim, lógica, fundada na prova efectivamente produzida, na sua apreciação crítica e conjugada pelas regras da vida e da experiência comum, pelo que não padece a mesma de qualquer vício notório na apreciação da prova.
10. Os crimes de acesso ilegítimo e dano relativo a dados ou programas informáticos pelos quais o arguido AA foi condenado, reportados à ofendida CC, são, atenta a data da sua prática, os previstos e punidos, respectivamente, pelos artigos 7.º, n.º 1 e 2 e 5.°, n.º l, da Lei n.º 109/91,de 17 de Agosto.
11. Impunham os citados normativos legais que o agente actuasse com um dolo específico: a intenção de obter para si ou para outrem um benefício ou vantagem ilegítimo.
12. O benefício ou vantagem em causa, contudo, não tinha de ser de natureza económica, isto porque o legislador assim não determinou.
13. Não pode o julgador, como pretende o arguido, fazer depender a verificação dos tipos legais de acesso ilegítimo e dano relativo a dados ou programas informáticos pelos quais o arguido AA foi condenado (e reportados à ofendida CC), do preenchimento de outros elementos que não aqueles expressamente previstos na lei.
14. Nos termos do disposto no artigo 154.º, n.º 1 do Código de Processo Penal comete o crime de coacção o agente que, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, constranger outra pessoa a uma acção ou omissão, ou a suportar uma actividade.
15. A ameaça com mal importante é aquela idónea a perturbar um homem sensato na sua liberdade de decisão, independentemente de se traduzir na ameaça da prática de crime, sendo, por isso, essencial aferir de tal idoneidade casuisticamente.
16. In casu, o arguido ameaçou a ofendida FF, de apenas 13 anos de idade, à data dos factos, que, caso a mesma não se despisse perante a webcam, faria circular rumores junto dos seus amigos de que a mesma era uma “puta”, bem como que sabia onde a mesma morava e que a recusa em acatar o que a ordenava fazer, seria pior para si.
17. É pois claro que, atenta, em especial, a idade da ofendida, a ameaça proferida pelo arguido AA consubstancia, para a mesma, a ameaça de um mal importante, tendo sido, em concreto, adequada para constranger a ofendida FF a, contra a sua vontade, despir-se, encontrando-se, assim, preenchidos os elementos objectivos e subjectivo do tipo de ilícito de coacção, pelo qual o arguido foi condenado.
18. No que à pena a aplicar e à respectiva medida concerne, a atenuação especial do artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, não é de aplicação automática, exigindo-se antes e sempre a formulação de um juízo de prognose favorável sobre o carácter evolutivo e a capacidade de ressocialização, objectivamente fundado.
19. In casu, e ao contrário do que alega o arguido, atenta a sua idade à data da prática dos factos, o facto do mesmo não averbar qualquer condenação no seu Certificado de Registo Criminal, encontrar-se profissional, familiar e socialmente integrado e de ter admitido a maioria da factualidade, entendeu o tribunal a quo ser de proceder à atenuação especial da respectiva pena, nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, decisão que não nos merece censura.
20. Nos termos do disposto no artigo 50.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos quando concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, atenta a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, podendo tal suspensão ser subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, entre os quais a obrigação de pagamento, dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, de uma indemnização devida ao lesado (ex vi artigo 51.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Penal).
21. Não é requisito da imposição do dever de pagar uma compensação ao lesado, que este tenha sido deduzido pedido de indemnização civil, nos autos.
22. Tendo o tribunal apreciado, em concreto, a imposição desta condição, concluiu que atenta a gravidade do comportamento do arguido, a suspensão da execução da pena só alcançaria a plenitude das suas finalidades de punição se a suspensão da execução da pena ficasse sujeita à condição de proceder ao pagamento de um montante monetário determinado às vítimas, pelo que inexiste qualquer violação dos preceitos legais constantes dos artigos 51.º, n.º 1, 70.º e 71.º do Código Penal.
23. Nos termos do disposto no artigo 280.º, n.º 1, al. b) da Constituição da República Portuguesa, a fiscalização concreta da constitucionalidade ou ilegalidade normativas aplica-se às normas jurídicas que violem preceitos ou princípios constitucionais, não servindo, todavia para sindicar a decisão judicial em si mesma.
24. No caso sub iudice, o arguido AA além de não esclarecer qual a interpretação dos artigos 51.º, n.º 1, 70.º e 71.º do Código Penal é inconstitucional (o que sempre estava obrigado a fazer, não podendo remeter em abstracto para a decisão recorrida) pretende apenas questionar a correcção da decisão do tribunal a quo, pelo que está o tribunal ad quem vedado de, nestes termos, analisar a sua pretensão.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Excias. doutamente suprirão, não padecendo a decisão proferida de qualquer vício processual, sendo, por isso, conforme ao direito, deve a mesma ser mantida na íntegra, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA! …”.
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Neste tribunal a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o parecer de fls. 838, em suma, subscrevendo a posição assumida pelo MP na 1ª instância e pugnando pela improcedência do recurso.
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A sentença (ou acórdão) proferida em processo penal integra três partes distintas: o relatório, a fundamentação e o dispositivo. A fundamentação abrange a enumeração dos factos provados e não provados relevantes para a decisão e que o tribunal podia e devia investigar; expõe os motivos de facto e de direito que fundamentam a mesma decisão e indica, procedendo ao seu exame crítico e explanando o processo de formação da sua convicção, as provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal.
Tais provas terão de ser produzidas de acordo com os princípios fundamentais aplicáveis, ou seja, os princípios da verdade material; da livre apreciação da prova e “in dubio pro reo”. Igualmente é certo que, no caso vertente, tendo a prova sido produzida em sede de audiência de julgamento, está sujeita aos princípios da publicidade, da oralidade e da imediação.
O tribunal recorrido fixou da seguinte forma a matéria de facto:
“… Da produção de prova e discussão da causa resultaram provados os seguintes factos, com relevo para a decisão:
1. Em agosto de 2009, o arguido AA, dado os seus conhecimentos informáticos, por forma não concretamente determinada, conseguiu obter o endereço electrónico de CC, nascida a …………97, à data com apenas 12 anos de idade, - ………….com" - e, na posse do mesmo, entrou em conversação com aquela, formulando-lhe perguntas sobre os seus gostos pessoais, logrando assim obter a necessária informação para responder às perguntas de segurança do sistema e assim aceder à respectiva palavra-passe da conta do correio electrónico daquela.
2. Desta forma, o arguido na posse da respectiva palavra passe conseguiu introduzir-se na conta de correio electrónico de CC e aproveitando-se dos contactos da menor logrou encetar conversações com alguns desses contactos, nomeadamente com FF, nascida a ……1996, à data com apenas 13 anos de idade.
3. Fazendo-se passar pela menor CC, o arguido através do programa de conversação em tempo real MSN (Messenger) tentou manter conversações com os contactos da mesma, para assim ter acesso a outras contas.
4. A partir dessa data, a menor CC deixou de conseguir aceder ao seu email e bem assim ao seu perfil do facebook, o qual tinha sido criado com o mesmo endereço de email, uma vez que o arguido procedeu à alteração de dados, nomeadamente da password, o que lhe foi possível pelo acesso que tinha à conta de correio electrónico daquela.
5. Fazendo-se passar pela menor CC o arguido encetou conversas com a amiga daquela, FF, através do programa de conversação em tempo real MSN (Messenger).
6. Durante essa conversação, o arguido AA disse à menor FF para se despir da cintura para cima, ficando desnudada, em frente à webcam, referindo que se o não fizesse colocaria a circular junto dos seus amigos rumores de que a mesma era uma "puta" e que sabia onde morava e caso não se despisse iria à sua porta e seria pior para ela.
7. FF temendo pelo seu bom nome e pela popularidade que tinha na escola cedeu às exigências do arguido, despindo-se da cintura para cima.
8. Sem o conhecimento ou autorização da menor FF, o arguido procedeu à gravação de tais imagens, que sabia serem de cariz íntimo e reservado.
9. Após obter as imagens e ainda durante o ano de 2009, o arguido AA procedeu à divulgação das mesmas no site de cariz pornográfico com a designação de "Motherless" e bem assim no mural do facebook de CC
10. O arguido procedeu, de igual forma, à divulgação das mesmas imagens, procedendo ao envio de link para o referido site, à mãe de FF, bem como enviou à própria menor FF.
9. Cerca de duas semanas após, através do Messenger, o arguido AA voltou a dizer à menor FF para se despir perante a webcam, tendo esta reagido desligando o Messanger.
10. Continuando na posse da palavra passe do correio electrónico da menor CC e continuando a introduzir-se na sua conta de correio electrónico, o arguido alterou a respectiva palavra passe e, novamente acedendo à lista de contactos daquela, decidiu entabular conversação com sua amiga DD.
11. Assim, fazendo-se passar pela menor CC, o arguido encetou conversas com a menor DD, nascida em ….1997, através do programa de conversação em tempo real MSN (Messenger).
12. Como a menor DD não prosseguiu a conversa por ter constatado que algo de errado se passava, o arguido entrou na página do endereço electrónico de DD, conseguiu aceder à sua palavra passe e bloqueou o acesso DD à sua conta de correio electrónico _ …….com.pt".
13. Entretanto, fazendo-se passar pela menor DD, o arguido encetou conversas com alguns dos seus contactos através do programa de conversação em tempo real MSN (Messenger).
14. Em Dezembro de 2009, o arguido AA, dado os seus conhecimentos informáticos, conseguiu obter o endereço electrónico da menor EE, nascida em …..1997, à data com apenas 12 anos de idade - ……...com.
15. Através da sua própria conta o arguido encetou conversação com a menor EE através do programa de conversação em tempo real MSN (Messenger).
16. Durante essa conversação, o arguido AA sugeriu à menor EE que se despisse da cintura para cima, tendo esta recusado e terminado a conversação.
17. Por vingança, o arguido entrou na página do endereço electrónico de EE e recorrendo ao método de recuperação de password que já utilizara quanto à menor CC, conseguiu aceder à respectiva palavra-passe.
18. Desta forma, o arguido na posse da palavra passe conseguiu introduzir-se na conta de correio electrónico da menor EE, alterar a palavra passe e, em consequência a menor deixou de ter acesso à sua conta de correio electrónico — ………..com" e bem assim à sua conta das redes sociais do facebook, tendo ainda acedido à lista de contactos da mesma.
19. A menor não acedeu ao pedido do arguido, e, em consequência deixou de ter acesso à sua conta de correio electrónico — ………..com" e bem assim às suas contas das redes sociais do facebook.
20. Através da lista de contactos de EE, ainda em Dezembro de 2009 o arguido AA conseguiu obter o endereço electrónico de BB, à data com apenas 12 anos de idade, _ ………...com.
21. Através da conta de EE o arguido encetou conversas com BB através do programa de conversação em tempo real MSN (Messenger).
22. Durante essa conversação, o arguido AA disse à menor BB que se despisse da cintura para cima, e ficasse desnudada em frente à webcam.
23. A menor não acedeu ao pedido do arguido e este, por vingança entrou na página do respectivo endereço electrónico e através do método de recuperação de password que já utilizara quanto à menor CC  conseguiu aceder à respectiva palavra-passe.
24. Desta forma, o arguido na posse da respectiva palavra passe conseguiu introduzir-se na conta de correio electrónico de BB e alterar a palavra passe.
25. Em consequência do comportamento do arguido BB deixou de ter acesso à sua conta de correio electrónico - ………..com" e bem assim à sua conta da rede social do facebook.
26. Em Janeiro de 2011, o arguido AA, através da lista de contactos de BB conseguiu obter o endereço electrónico de GG, nascida em 26.11.1996, e encetou conversa com a mesma como se tratasse de BB.
27. Fazendo-se passar pela menor BB, o arguido encetou conversas com GG através do programa de conversação em tempo real MSN (Messenger), questionando-a se estaria interessada em conversar com um seu amigo e fornecendo-lhe o contacto do mesmo que identificou como sendo "XXXX".
28. O arguido passou a conversar com a menor fazendo-se passar pelo referido "XXXX", contacto que criou.
29. Decorridos alguns dias desde o primeiro contacto, durante a conversação, o arguido AA logrou convencer a menor GG a despir-se da cintura para cima, ficando desnudada, em frente à webcam.
30. O arguido AA conseguiu, de igual forma, convencer a GG a masturbar-se em frente à webcam.
31. Sem o conhecimento ou autorização da menor GG, o arguido procedeu à gravação de tais imagens, que sabia serem de cariz íntimo e reservado.
32. Na posse das referidas imagens o arguido procedeu à divulgação das mesmas no site de cariz pornográfico com a designação de "Motherless".
33. O arguido procedeu, de igual forma, à divulgação das mesmas imagens através do perfil do facebook "YYYY" associado ao email de BB …………...com., mediante o post de um link para o referido site, fazendo-se passar pela GG.
34. Ainda em agosto de 2011, o arguido enviou unta mensagem via email para GG na qual constava "fizeste queixa do que fiz?estou disposta a apagar o videi se não fizeres nada, que dizes?;)"
35. Em consequência das condutas do arguido, as menores sentiram-se vexadas e humilhadas por verem a sua vida privada devassada.
36. O arguido agiu com o intuito alcançado de aceder indevidamente às contas de correio electrónico das menores CC, DD, EE e BB contra a vontade destas, acedendo à palavra de acesso ao mesmo email, e apenas por aquelas definidas, e por essa forma logrando a possibilidade de se apresentar perante terceiros como se tratasse das menores e de beneficiar da confiança existente entre os contactos das mesmas.
37. Mais quis o arguido alterar as palavras passe das contas do correio electrónico das menores CC, DD, EE e BB, sabendo que o fazia contra a vontade das mesmas e que desse forma lhes estava a vedar o acesso às contas de correio electrónico de cada uma delas.
38. Ao exigir que a menor FF se despisse em frente à câmara web, o arguido sabia que ela o fazia contra a sua vontade e apenas porque a ameaçou de que caso não o fizesse divulgaria que FF era uma "puta" e que sabia onde morava e se não se despisse iria à sua porta e seria pior para si, ameaças essas que a menor FF tomou como séria e receou que tal viesse a acontecer.
39. Ao gravar as imagens das menores FF e GG, o arguido agiu com o propósito concretizado de devassar a vida privada daquelas e de violar o direito destas à reserva sobre a intimidade da vida privada, bem sabendo que o fazia contra a vontade e sem o consentimento daquelas.
40. Ao proceder à divulgação das imagens das menores FF e GG, o arguido ainda, com o intuito, concretizado, de revelar e divulgar as imagens daquelas, as quais revelavam actos de natureza privada e pessoal, respeitantes ao seu corpo, apesar de saber que não se encontrava autorizado pelas mesmas a agir como descrito e que actuava contra a vontade e sem o consentimento daquelas.
41. O arguido conhecia a idade das menores e estava ciente de que ao actuar da forma supra descrita perturbava e estava a prejudicar, de forma séria, o desenvolvimento da sua personalidade, designadamente, na esfera sexual e punha em causa o normal e são desenvolvimento psicológico, afectivo e da consciência sexual das mesmas.
42. Mais actuou o arguido com a intenção concretizada de dar satisfação aos seus instintos lascivos e libidinosos.
43. Agiu assim, livre, deliberada e conscientemente, com o conhecimento que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
Mais se provou que:
44. O certificado de registo criminal do arguido não tem averbados quaisquer antecedentes criminais.
45. O arguido AA é o filho mais novo de um casal que se separou aquando dos seus três anos.
46. Após a separação, apesar de o arguido ter, juntamente com o irmão, contactos com o pai — analista informático -, o mesmo sempre foi uma figura desinvestida e, a determinada altura, deixou por opção, de ter qualquer ligação com os filhos.
47. O pai do arguido faleceu no ano de 2012.
48. A mãe constituiu-se um modelo parenta( de referência para o arguido e este beneficiou de um ambiente profissional protegido.
49. A família beneficiava de um quadro económico estável, sendo a mãe proprietária de urna farmácia.
50. O arguido cresceu num meio social constituído por uma população não conotada com problemáticas de exclusão.
51. O arguido AA regista um percurso escolar positivo, tendo estudado no Colégio Valsassina, onde obteve o décimo segundo ano de escolaridade.
52. À data dos factos o arguido residia com a mãe e o irmão.
53. O agregado familiar beneficiava de estabilidade, sendo o relacionamento descrito entre os elementos como positivo.
54. O arguido AA frequentou a Universidade Católica na qual ingressou com uma bolsa de mérito, tendo finalizado o mestrado de gestão no ano de 2014, com uma média de dezassete valores.
55. De Setembro de 2011 a Fevereiro de 2012 esteve em Barcelona a fazer o programa Erasmus.
56. Assim que terminou o curso começou a trabalhar na sociedade EVER1S - consultora de tecnologias de informação e gestão e investiu na sua actividade profissional, progredindo no sentido em que passou a coordenar alguns dos projectos da empresa, elegendo a área profissional como prioridade da sua vida.
57. Em 2017 optou por ir trabalhar na área de facturação da CUF, auferindo mensalmente entre 1200 e 1300 euros mensais, líquidos.
58. Actualmente reside com a mãe e não tem dificuldades económicas.
59. A mãe do arguido vendeu o seu estabelecimento de farmácia e actualmente vive dos rendimentos.
60. O arguido frequenta duas vezes por semana aulas de ténis.
AA beneficia de enquadramento familiar com a sua família de origem, bem como de uma situação profissional estável, sendo nesta última área que refere como prioridade da sua vida.
Factos não provados:
Com relevância para a decisão não se lograram provar os seguintes factos:
1. Fazendo-se passar pela menor CC, o arguido através do programa de conversação em tempo real MSN (Messenger) remeteu mensagens de conteúdo insultuoso para os contactos da mesma.
2. Durante a conversação que o arguido AA manteve com a menor FF referiu que se não se despisse da cintura para cima, colocaria a circular na internet e junto dos seus amigos rumores que era uma "cabra".
3. Foi face à recusa da menor FF em voltar a despir-se perante a webcam, ainda durante o ano de 2009, que o arguido AA concretizou a ameaça e na posse das referidas imagens procedeu à divulgação das mesmas no site de cariz pornográfico com a designação de "Motherless".
4. O arguido AA procedeu à divulgação das imagens de FF  no "Youtube" mediante um vídeo denominado "FF. Wmv".
5. O arguido voltou a exigir por diversas vezes que a menor FF se voltasse a despir perante a webcam, ameaçando-a que caso não satisfizesse as suas pretensões divulgaria as imagens anteriormente obtidas.
6. Em junho de 2010, o arguido AA voltou a proceder à divulgação das imagens de FF no site de cariz pornográfico com a designação de "Motherless".
7. O arguido AA remeteu à menor DD querido o link com o vídeo realizado a FF.
8. O arguido bloqueou o acesso às contas das redes sociais do facebook e do Bi5 da menor DD.
9. Foi fazendo-se passar pela menor HH que o arguido encetou conversas com a menor EE através do programa de conversação em tempo real MSN (Messenger).
10. O arguido AA exigiu que a menor EE se despisse da cintura para cima, e ficasse desnudada em frente à webcam, ameaçando-a que caso não fizesse o que lhe estava a ser exigido ficaria sem qualquer acesso à sua conta de correio electrónico.
11. Em consequência do comportamento do arguido a menor EE deixou de ter acesso à sua conta do "Hi5".
12. Através da conta de EE o arguido encetou conversas com BB através do programa de conversação em tempo real MSN (Messenger).
13. Durante essa conversação, o arguido AA exigiu que a menor BB se despisse da cintura para cima, e ficasse desnudada em frente à webcam, ameaçando-a que caso não fizesse o que lhe estava a ser exigido ficaria sem qualquer acesso à sua conta de correio eletrónico.
14. Em agosto de 2011, foi através do perfil do facebook criado pelo arguido que este enviou a mensagem para a GG. …”.
*
Como dissemos, o art.º 374º/2 do CPP[3] determina que, na sentença, ao relatório se segue a fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
A redacção deste preceito inculca a ideia, que a obediência a regras de bom senso, clareza e precisão apoiam, de que a fundamentação da decisão se repartirá pela enumeração dos factos provados, depois dos não provados e, seguidamente, pela exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão com o exame crítico das provas.
Necessário e imprescindível é que o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado[4].
No cumprimento desse dever, o tribunal recorrido fundamentou a sua decisão de facto da seguinte forma:
“… O Tribunal fundou a sua convicção com base na análise crítica das declarações prestadas pelo arguido e depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento, conjugados que foram com os documentos juntos aos autos.
O arguido admitiu os factos que se consideraram provados 1. a 5., 8. a 11., 14 a 34, e fê-lo de forma concretizada, nalgumas situações até pormenorizada, pelo que não se suscitaram quaisquer dúvidas ao Tribunal em como correspondem ao ocorrido.
No entanto, relativamente à menor FF, referiu que limitou-se a convencê-la a despir-se, sem recurso a qualquer expressão ameaçadora, ou seja, a menor despiu-se porque quis. Porém, do depoimento da testemunha FF, prestado de forma clara, pormenorizado e circunstanciado. aparentando total credibilidade, afirmou que inicialmente pensava estar a conversar com a sua amiga CC, pois o arguido utilizou a conta daquela, quando a dado momento apercebeu-se que conversava com outra pessoa, tendo o arguido referido que sabia onde morava, ameaçando-a que se não se despisse iria à sua porta e seria pior para ela, o que lhe causou muito receio, bem como lhe disse que caso não se despisse faria circular pela sua escola que era uma "puta". Assim, com receio do comportamento do arguido e que este concretizasse as a meaças, despiu-se. Destarte, com base no depoimento desta testemunha, o Tribunal considerou corno provada tal factualidade, correspondente aos factos 6. e 7. considerados provados.
Quantos aos factos 12. e 13. considerados provados, o arguido negou-os, referindo nunca ter acedido à password do correio electrónico da menor DD, pelo que não entrou nele, nem tão pouco o bloqueou. No entanto, do depoimento da testemunha DD, prestado de forma clara e pormenorizado e credível, resultou que após conversar com o arguido (conversa que aquela terminou por constatar que algo estava errado e a outra pessoa não era a amiga CC), deixou de ter acesso à sua conta de correio electrónico, tendo entretanto alguns amigos referido que ela teria conversado com eles através do correio electrónico, o que não fez, pelo que só poderia ter sido o arguido. Esclareceu que não tinha conta no facebook, apenas tinha Hi5 e neste nada aconteceu de estranho.
Mais se valorou o depoimento da testemunha II, mãe de FF a quem a filha contou que um indivíduo utilizando a conta do correio electrónico de uma amiga entrou em contacto consigo e efectuou um vídeo com as suas imagens, que circulou na escola, tendo esta testemunha visto o referido vídeo.
O depoimento da testemunha JJ, inspectora da Polícia Judiciária foi relevante para se ter uma panorâmica geral da actuação do arguido, referindo que da perícia realizada ao computador do arguido concluiu existirem mais "lesados" da actuação do arguido, do que as cinco jovens dos presentes autos. Ora, tendo o arguido admitido o grosso da sua actuação descrita na acusação, com algumas excepções, entre elas o ter logrado aceder à password do correio electrónico da menor DD, o ter entrado na sua conta de correio electrónico e tê-la bloqueado, nesta parte não se afigurou que o arguido quisesse faltar à verdade, antes não se recordando concretamente desta sua actuação, muito provavelmente atendendo ao período temporal decorrido desde esses factos e há existência de outras situações em que actuou de forma similar.
Do depoimento da testemunha KK, mãe do arguido, com quem este ainda reside, resultou que o arguido sempre foi bom aluno (aliás, estudou sempre em estabelecimentos de ensino reputados - Colégio Valsassina, Universidade Católica, fez o programa Erasmus em Barcelona - e, só acessíveis às famílias com um certo suporte económico), aparentemente muito bem comportado, não dando durante a sua juventude quaisquer problemas à mãe que, no entanto, assumiu uma postura incompreensivelmente muito desculpante da conduta do arguido que deu aso a estes autos, desvalorizando a sua natural nefasta repercussão na vida de, pelo menos, algumas "vítimas".
A idade das "vítimas" resulta das cópias dos respectivos assentos de nascimento juntos aos autos a fls. 403, 407, 409, 574 e 575.
Pese embora o arguido tenha declarado saber a idade de FFà data dos factos, pois esta ter-lhe-á dito ter 14 anos de idade (e não 13 anos), não se acreditou nesta parte no arguido. Este Tribunal teve ocasião de ver FF, actualmente com 20 anos de idade mas com uma compleição física franzina e frágil, aparentando ter idade inferior. Atendendo às suas características físicas, à data dos factos até aparentaria ter idade inferior aos seus 13 anos. Acresce que FF era amiga de CC, de 12 anos de idade, e tendo o arguido acedido ao correio electrónico desta última e à sua conta do facebook, tinha acesso a diversa informação e dados pessoais acerca das suas amigas, designadamente idade, não sendo por acaso que escolheu sempre meninas muito jovens como alvos, pois mais facilmente conseguiria enganá-las, manipulá-las, convencê-las e até coagi-las a fazerem o que pretendesse, designadamente desnudarem-se. Conforme resultou do depoimento de FF, na conversação que manteve com o arguido este assustou-a, precisamente pelos conhecimentos que revelou ter acerca da sua pessoa, dizendo-lhe inclusivamente saber tudo acerca dela, pelo que, repete-se, FF foi escolhida corno "vítima" por ter conhecimento da sua concreta e jovem idade. Aliás, da "Cota" de fls. 68, relativa á abertura de um ficheiro contante de mensagem electrónica entre o arguido e FF, esta pergunta-lhe a sua idade, ao que o arguido responde "17 e tu 13, certo?".
A prova da situação social, profissional e económica do arguido, fundou-se nas declarações pelo mesmo prestada em sede de audiência de julgamento e de sua mãe, conjugadas com o relatório social, de fls. 581 a 584.
A ausência de antecedentes criminais, fundou-se no Certificado de Registo Criminal do arguido junto aos autos.
Mais se valorou o print de mensagens de fls. 37 a 51, "cota" de fls. 68 a 75, o print screen, de fls. 82 e 83, as informações da Hotmail, de fls. 91 e 92, a "cota", de fls.93 a 95, o print screen, de fls.128, informações da PT, de fls. 172, 191, o RDE, de fls. 206 a 208, o auto de busca e apreensão, de fls.244 a 246.
Do NUIPC 61/10.4JAFAR, valorou-se o auto de denúncia de fls. 21 a 25, conversas gravadas no Messenger, de fls. 26 a 44, informações da Hotmail de fls. 53 e 54, 65 a 68, informação de IP's, de fls. 56 a 60, 70 a 75, informação da Zon, de fls. 90, informação da PT, de fls. 92, auto de denúncia do NUIPC 224/11. SGCABF, de fls. 241 a 244, print screen de fls. 261 e 262, "cota" e Informação sobre IP's, de fls. 263 a 267, print de mensagens de fls.275 a 312, informações da Hotmail, de fls. 327 a 331, informação de IP's de fls. 335 a 352, informação da Zon de fls. 90, auto de notícia do NUIPC 2261/11.0GBABF, de fls. 362, informação da Vodafone, de fls. 384 e 385, 393 e 394 e informação da Zon, de fls. 406.
A factualidade considerada como não provada é consequência lógica a retirar do supra referido, bem corno da ausência ou insuficiência de prova para convencer da sua realidade. …”.
*
É pacífica a jurisprudência do STJ[5] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação[6], sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso.
Da leitura dessas conclusões, tendo em conta as de conhecimento oficioso, afigura-se-nos que as questões fundamentais a apreciar no presente recurso são as seguintes:
I. Erros e lapsos da decisão recorrida;
II. Falta de legitimidade do MP;
III. Omissão de pronúncia;
IV. Vícios da decisão recorrida: contradição insanável e erro notório na apreciação da prova;
V. Necessidade de prova pericial para provar o bloqueio das contas de correio electrónico;
VI. Falta de preenchimento do dolo específico, quanto aos crimes de acesso ilegítimo e de dano relativo a dados ou programas informáticos;
VII. Falta de verificação do elemento objectivo “ameaça com mal importante”, quanto ao crime de coacção;
VIII. Medidas das penas;
IX. Condição da suspensão da pena única e inconstitucionalidade dos art.ºs 51º/1, 70º e 71º do CP.
*
Cumpre decidir.
I – Aponta o Recorrente à decisão recorrida os seguintes erros e lapsos:
“... Dos que não importam modificação essencial, note-se na identificação do arguido a indicação da respectiva freguesia de nascimento, que é Al……. (tal como constava da acusação) e não S. ……….., como se escreveu.
No ponto 57 da matéria dada como provada consta que o arguido optou por ir trabalhar para a área de facturação da CUF, e isso não corresponde a declarações por si prestadas, estando erroneamente atribuída a si uma função desempenhada pelo seu irmão. O arguido passou a trabalhar na área dos seguros.
Na alínea F) da Decisão, pág. 35 do Acórdão, menciona-se por lapso que o crime relativo a dados ou programas informáticos está previsto e é punível pelo art. 6º, n.ºs 1 e 3 da Lei 109/2009, quando certamente se queria escrever p. e p. pelo art. 4º/1 da mesma Lei. ...”.
Nos termos do art.º 380º/2 do CPP, a correcção dos lapsos pode ser feita pelo tribunal de recurso.
É o que faremos, relativamente àqueles em que isso se mostre possível.
Quanto ao 2º erro apontado, tratando-se de matéria sujeita a impugnação e não tendo esta sido feita nos termos do art.º 412º/3/4 do CPP, não pode este tribunal dela conhecer.
Quanto ao 1º erro, a sua verificação resulta, desde logo, do CRC de fls. 631.
Quanto ao 3º erro, a sua verificação resulta do próprio texto da decisão recorrida.
*
II – Entende o Arg. que o MP padecia de ilegitimidade para proceder criminalmente contra si, relativamente às vítimas I.Q. e C.C., porque estas não exerceram tempestivamente os respectivos direitos de queixa, devendo ser declarada a extinção destes, por caducidade..
Esta questão foi já objecto de decisão no nosso anterior acórdão[7], pelo que quanto a ele se formou caso julgado formal.
Na verdade, tendo havido recurso sobre determinada questão processual e tendo havido decisão sobre a mesma, nunca podia deixar tal decisão de produzir o efeito de caso julgado formal, porque, das duas uma, ou o recurso e a respectiva decisão eram completamente inúteis e então não podiam ser admissíveis, ou a lei admitia que num mesmo processo e sobre uma mesma questão houvesse mais do que uma decisão, contraditórias entre si.
Ora, é precisamente a este último efeito que pretende obviar o instituto do caso julgado[8], [9].
Como se afirma no Ac. do STJ de 24/05/2006, relatado por Henriques Gaspar, in CJSTJ[10], II: “…O caso julgado formal constitui noção separada do caso julgado que, como categoria geral (caso julgado material) está construída para a decisão definitiva do direito do caso, nas condições da sua existência, conteúdo e modalidades de exercício; no processo penal respeita à declaração sobre a culpabilidade e determinação da sanção, bem como da não culpabilidade (seja por não pronúncia ou por absolvição).
O caso julgado que fixa, no processo e fora dele, a vinculação de efeitos materiais quanto à definição e concretização judicial da relação controvertida ou objecto material do processo, é o caso julgado material - fixado e estável com fundamento na vinculação às decisões e na realização dos valores da justiça, certeza e segurança, também no âmbito do exercício do direito de punir do Estado em relação ao cidadão arguido da prática de uma infracção penal.
Em processo penal, pode dizer-se que existe caso julgado material quando a decisão se torna firme, impedindo a renovação da instância em qualquer processo que tenha por objecto a apreciação do mesmo ou dos mesmos factos ilícitos.
O caso julgado formal não assume semelhante função, nem contém, no essencial, dimensão substancial.
O caso julgado formal traduz-se em mera irrevogabilidade de acto ou decisão judicial que serve de continente a uma afirmação jurídica ou conteúdo e pensamento, isto é, em inalterabilidade da sentença por acto posterior no mesmo processo (cfr. Castro Mendes, "Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil", pág. 16).
No caso julgado formal (art. 672° do Cód. Proc. Civil), a decisão recai unicamente sobre a relação jurídica processual, sendo, por isso, a ideia de inalterabilidade relativa, devendo falar-se antes em estabilidade, coincidindo com o fenómeno de simples preclusão (cfr. Alberto dos Reis, "Código de Processo Civil, Anotado", vol. V, pág. 156).
Há, pois, caso julgado formal quando a decisão se torna insusceptível de alteração por meio de qualquer recurso como efeito da decisão no próprio processo em que é proferida, conduzindo ao esgotamento do poder jurisdicional do juiz e permitindo a sua imediata execução (actio judicatï) - cfr. Acs. do Supremo Tribunal de 23 de Janeiro de 2002, Proc. 3924/01, e de 3 de Março de 2004, Proc. 215/04.
O caso julgado formal respeita, assim, a decisões proferidas no processo, no sentido de determinação da estabilidade instrumental do processo em relação à finalidade a que está adstrito.
Em processo penal atinge, pois, no essencial, as decisões que visam a prossecução de uma finalidade instrumental que pressupõe estabilidade - a inalterabilidade dos efeitos de uma decisão de conformação processual ou que defina nos termos da lei o objecto do processo, ou, no plano material, a produção de efeitos que ainda se contenham na dinâmica da não retracção processual, supondo a inalterabilidade sic stantibus aos pressupostos de conformação material da decisão.
No rigor das coisas, o caso julgado formal constitui apenas um efeito de vinculação intraprocessual e de preclusão, pressupondo a imutabilidade dos pressupostos em que assenta a relação processual.[11],[12].
A esta concepção do caso julgado formal não se tem oposto o Tribunal Constitucional[13].
Temos, pois, que concluir que, quando uma decisão tenha sido objecto de recurso anteriormente conhecido, há-de poder formar caso julgado formal.
Assim, está prejudicado o conhecimento desta questão.
*
III – Entende o Arg. que a decisão recorrida padece do vício de omissão pronúncia, por não ter conhecido da questão da caducidade do direito de queixa.
Ora, esta questão está directamente ligada à anterior, porque havendo caso julgado quanto à legitimidade do MP, já não poderia o tribunal recorrido pronunciar-se sobre tal questão e se o fizesse, padeceria do vício de excesso de pronúncia.
Não padece, pois, a decisão recorrida do apontado vício, pelo que não pode deixar de improceder, nesta parte, o recurso.
*
IV – Imputa o Recorrente à decisão recorrida os vícios de contradição insanável e erro notório na apreciação da prova, porque “... 10. Para além do que se alega ponto anterior, afigura-se que a decisão proferida incorre em erro notório da apreciação da prova quando dá por adquirido que o arguido, por um lado, sabia que a ofendida FF tinha 13 anos de idade, e por outro lado que o arguido sabia a morada dessa ofendida. 11. A cota de fls. 68 referida na decisão, como demonstrativa de que o arguido conhecia a idade da FF, afinal não o comprova, porque quando o arguido lhe pergunta se a ofendida tinha 13 anos, a mesma escreve “N”, o que na linguagem dos jovens e naquele contexto significa não. 12. Por outro lado, não resulta dos autos que o arguido soubesse da morada desta ofendida, pelo contrário. O diálogo de fls. 38, em que o arguido pede a morada da FF, evidencia exactamente o contrário. ...”.
Os vícios previstos no art.º 410º/2 do CPP, são de conhecimento oficioso[14] e têm que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum[15].
“… há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou, quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente.[16].
Por sua vez, o erro notório na apreciação da prova é a “… falha grosseira e ostensiva da análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram como provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.[17].
A pretensão do Recorrente soçobra, desde logo, porque se socorre de elementos externos à decisão recorrida (... O diálogo de fls. 38 ... e ... A cota de fls. 68 ...) para concluir pela existência destes vícios, o que, como vimos, não pode acontecer.
Para além disso, não encontramos na decisão recorrida qualquer dos erros que supra descrevemos como integrantes destes vícios, pelo que não pode deixar de improceder, nesta parte, o recurso.
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Não vislumbramos na decisão recorrida qualquer outro dos vícios previstos no art.º 410º/2 do CPP.
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V – Entende o Recorrente que o tribunal recorrido não podia dar como provado o bloqueio das contas de correio electrónico, sem a produção de prova pericial.
Antes do mais, importa realçar que o Recorrente, tendo arrolado testemunhas, não requereu a produção de prova pericial.
A prova pericial é obrigatória[18] “... quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos.“ (art.º 151º do CPP).
Mas só o é nesses casos, cabendo ao juiz do julgamento decidir sobre a sua necessidade[19].
No presente caso, saber se determinadas contas de correio electrónico ficaram inacessíveis ou não utilizáveis não requer qualquer especial conhecimento técnico ou científico, bastando que os seus utilizadores deixem de poder a elas aceder, para a prova do que, naturalmente, pode ser usado qualquer meio de prova, nomeadamente o testemunhal.
De qualquer forma, a falta de produção de prova pericial quando a mesma é obrigatória, constitui nulidade sanável ou irregularidade[20], conforme os casos, pelo que, neste caso sempre estaria sanada porque não foi tempestivamente arguida.
Improcede, pois, também nesta parte, o recurso.
*
VI – Entende o Recorrente que, relativamente aos “... crimes de acesso ilegítimo e de dano relativo a dados ou programas informáticos pelos quais o arguido foi condenado e que constam das alíneas C) e E) da parte decisória do Acórdão recorrido, reportados à ofendida CC, foram cometidos em Julho de 2009, isto é, na vigência da Lei 109/91, de 17.8. ...”, pelo que “... pressupunha, contrariamente à redacção que veio a ser dada aos mesmos crimes pela Lei 109/2009, o dolo específico, ou seja, a intenção de causar prejuízo a outrem ou de obter um benefício ilegítimo. ...”
É o seguinte o teor das normas invocadas pelo Recorrente:
“... Artigo 5.º Dano relativo a dados ou programas informáticos
1. Quem, sem para tanto estar autorizado, e actuando com intenção de causar prejuízo a outrem ou de obter um benefício ilegítimo para si ou para terceiros, apagar, destruir, no todo ou em parte, danificar, suprimir ou tornar não utilizáveis dados ou programas informáticos alheios ou, por qualquer forma, lhes afectar a capacidade de uso será punido com pena de prisão até três anos ou pena de multa.
...
Artigo 7.º Acesso ilegítimo
1. Quem, não estando para tanto autorizado e com a intenção de alcançar, para si ou para outrem, um benefício ou vantagem ilegítimos, de qualquer modo aceder a um sistema ou rede informáticos será punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias. ...”
Está provado, para além do mais, que “... 36. O arguido agiu com o intuito alcançado de aceder indevidamente às contas de correio electrónico das menores CC, DD, EE e BB contra a vontade destas, acedendo à palavra de acesso ao mesmo email, e apenas por aquelas definidas, e por essa forma logrando a possibilidade de se apresentar perante terceiros como se tratasse das menores e de beneficiar da confiança existente entre os contactos das mesmas. 37. Mais quis o arguido alterar as palavras passe das contas do correio electrónico das menores CC, DD, EE e BB, sabendo que o fazia contra a vontade das mesmas e que dessa forma lhes estava a vedar o acesso às contas de correio electrónico de cada uma delas. 42. Mais actuou o arguido com a intenção concretizada de dar satisfação aos seus instintos lascivos e libidinosos. ...”.
Assim, ao aceder às contas de correio electrónico para se apresentar perante terceiros como se tratasse das menores e de beneficiar da confiança existente entre os contactos das mesmas, está verificada a intenção de alcançar, para si, um benefício ou vantagem ilegítimos.
Também ao vedar o acesso da vítima à sua própria conta de correio electrónico, com a intenção de assim a obrigar a agir de forma dar satisfação aos seus instintos lascivos e libidinosos, ou a puni-la por não aceder aos seus desejos, estão verificadas as intenções de lhe causar prejuízo e de obter um benefício ilegítimo.
Estão, pois, preenchidos os elementos subjectivos destes crimes, pelo que não pode deixar de improceder, ainda nesta parte, o recurso.
*
VII – Entende o Recorrente que a ameaça de que faria circular, junto dos amigas da vítima, a informação de esta era uma “puta”, não constitui a ameaça com mal importante, elemento objectivo do crime de coação.
Como se afirma no acórdão da RP de 27/11/2013, relatado por Maria Dolores Silva e Sousa, no proc. 107/12.1GDVFR.P1, in www.dgsi.pt, “… O conceito indeterminado mal importante, cuja densificação (substância e forma; precisão e concretização) cabe à doutrina e jurisprudência, deve orientar-se pelas seguintes ideias:
...
ii.- adequação da ameaça a constranger o ameaçado. O critério da importância do mal reconduz-se ao critério da sua adequação a constranger, e este, tal como aquele, é um critério objectivo-individual: objectivo, na medida em que se apela ao juízo do homem comum; individual, uma vez que se tem de ter em conta as circunstâncias concretas em que é proferida a ameaça, nomeadamente as sub-capacidades (económicas, mentais, etc.) do ameaçado (quando conhecidas ou quando, se não conhecidas, o agente tinha o dever de as conhecer). ...”.
Tendo em conta estes considerandos, obviamente que, no caso concreto de uma menor de 13 anos de idade, propalar que é uma “puta” é um mal importante, pelo que está verificado o referido elemento objectivo deste crime, assim improcedendo, também nesta parte, o recurso.
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VIII – Entende o Recorrente que as medidas das penas que lhe foram aplicadas são exageradas e devem ser reduzidas.
O tribunal recorrido fundamentou a escolha e as medidas das penas da seguinte forma:
“... Enquadrada a conduta do arguido da forma supra descrita, cumpre proceder à determinação das penas a aplicar em concreto.
O crime de acesso ilegítimo e o crime de dano relativo a dados ou programas informáticos, são punidos com pena de prisão até três anos ou multa.
O crime de coacção é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
O crime de devassa da vida privada, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias.
Ao crime de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176.°, n.° 1, al. c), do Código Penal cabe pena de prisão de 1 a 5 anos de prisão e com a agravação prevista no artigo 177.°, n.° 6 do Código Penal a pena é agravada de metade, nos seus limites mínimos e máximo, sendo assim, no caso em apreço, prisão de 1 ano e 6 meses a 7 anos e 6 meses.
Na medida da pena há que ponderar a aplicação do Decreto-Lei n.°401/82, de 23 de Setembro (regime especial penal para jovens delinquentes), uma vez que o arguido à data da prática dos factos tinha menos de vinte e um anos de idade (artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 401/82, de 23 de Setembro).
Dispõe o artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 401/82, de 23 de Setembro que "se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.° e 74.'3do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado." O disposto no artigo 4.° do DL n.° 401/82, não é de aplicação automática e, antes, pressupõe, sempre, um juízo de prognose favorável sobre o carácter evolutivo e a capacidade de ressocialização, objectivamente fundado. O tribunal pode lançar mão do disposto no Decreto-Lei 401/82 (regime especial penal para jovens delinquentes), no sentido de atenuar especialmente a pena desde que esteja convicto de que aquela medida traz vantagens para a reinserção social do jovem delinquente.
Ponderando que o arguido não averba qualquer condenação no seu Certificado de Registo Criminal e encontra-se profissional, familiar e socialmente integrado, tendo admitido a maioria da factualidade, afigura-se que da atenuação da pena resultarão vantagens para a reinserção do jovem arguido, pelo que se aplicará a atenuação especial da pena prevista no referido diploma.
Assim sendo, em face da referida atenuação especial, o limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço e o mínimo é reduzido a um quinto se for igual ou superior a três anos e ao mínimo legal se for inferior (art. 73.°, n.° I, als. a) e b), do CP).
Delimitada que está pela lei, a modalidade de pena a aplicar ao arguido, importa apenas aferir da medida concreta da mesma que, em caso algum, pode ultrapassar a medida da culpa, esta individualmente considerada, devendo fazer-se intervir nesta sede a ponderação dos fins de prevenção geral e especial a que se submetem as penas e as medidas de segurança, nos termos do disposto no artigo 40.°, n°s 1 e 2 do Código Penal.
Pois que, a lei «através do requisito que sejam levadas em conta as exigências da prevenção, dá lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tornada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime — ligada ao mandamento incondicional de respeito pela iminente dignidade da pessoa do agente — limita de forma inultrapassável as exigências de prevenção» (Figueiredo Dias, In Direito Penal Português — As Consequências Jurídicas do Crime, Notícias Editorial, p. 281).
Na ponderação da pena concretamente aplicável cumpre atender também aos critérios estabelecidos no artigo 71.° do Código Penal, sendo que a pena deve ser determinada em função da culpa de cada um dos agentes e das exigências de prevenção especial de socialização e geral de integração que ao caso se imponham, tendo-se em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, deponham a favor ou contra o arguido.
Assim, na pena a aplicar, há que ponderar as exigências de prevenção geral, que constituirão o limiar da punição, sob pena de ser posta em risco a função tutelar do direito e as expectativas comunitárias na validade da norma violada. Ainda há que atender, às exigências de culpa do arguido, limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas, por respeito ao princípio político-criminal da necessidade da pena e ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (artigos 1° e 18° n.° 2 da Constituição da República Portuguesa).
Pese embora de acordo com o disposto no art. 70.° do Código Penal, o Tribunal deva dar preferência a pena não privativa da liberdade sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, no caso em apreço, atendendo à globalidade do comportamento do arguido e sua gravidade, estando todos os crimes interligados entre si, a pena de multa não realiza, de todo, as finalidades da punição.
Por último, cumpre considerar as exigências de prevenção especial de socialização, sendo elas que irão determinar, em último termo, e dentro dos limites referidos, a medida concreta da pena.
Relativamente à prevenção geral - defesa da ordem jurídica, necessidade da pena - há que ter em conta o aumento da frequência destes crimes, associados ao crescendo das novas tecnologias e sua utilização para fins ilícitos, a gravidade dos seus efeitos, não apenas nas vítimas, mas sobre familiares e amigos, bem como o próprio sentimento que se gera na sociedade em torno da insegurança que estes ilícitos criam, relativamente aos quais o arguido revelou considerável indiferença.
O arguido recorrendo a um meio ilícito de não olhou a meios para obter e, ainda, em parte, divulgar as imagens das jovens desnudadas que ilicitamente obteve, afectando o harmonioso desenvolvimento pessoal e humano das menores envolvidas, sem que a comunidade possa tolerar esse tipo de conduta.
Quanto às exigências de prevenção especial importa considerar:
- O grau de ilicitude da conduta do arguido que se revelou elevado, pois que o arguido manteve esta conduta durante um período de cerca de dois anos, envolvendo cinco menores de idade;
- A intensidade do dolo que foi directo (cf. al. b) do n°2 do art° 71 do CP), bem como os sentimentos manifestados no cometimento dos diversos crimes, revelando uma personalidade distorcida das mais elementares referências da vida em sociedade, pautando a sua conduta, pela satisfação dos seus instintos básicos, sem olhar aos sentimentos alheios;
- As circunstâncias em que os factos ocorreram e as suas consequências e bem assim as consequências do crime de pornografia de menores, relativamente às vidas pessoais e familiares das duas vítimas, que vêm a sua imagem exposta perante o mundo, numa situação de humilhação;
- A situação familiar do arguido, nos termos constantes dos factos provados, tendo sido um jovem economicamente privilegiado e actualmente com uma situação profissional estável; e
- A ausência de antecedentes criminais;
- É considerado como relevante a admissão, em julgamento, da maioria dos factos pelos quais vinha pronunciado.
Assim sendo, atenta a moldura penal aplicável ponderando, então, todo o circunstancialismo descrito, sopesando as atenuantes e, globalmente, a culpa do arguido, sendo esta reconduzível a um juízo valorativo que atende a todos os elementos aduzidos, entende o Tribunal, como justa, adequada e necessária a condenação do arguido nas seguintes penas:
- pena de nove meses de prisão para cada um dos quatro crimes de acesso ilegítimo;
- pena de nove meses de prisão, para cada um dos quatro crimes de dano relativo a dados ou programas informáticos;
- pena de um oito meses de prisão, para cada um dos dois crimes de devassa da vida privada;
- pena de três anos de prisão para cada um dos dois crimes de pornografia
de menores agravado;
- pena de um ano de prisão pelo crime de coacção.
O artigo 77.° do Código Penal, dispõe que quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena, sendo de considerar em conjunto, os factos e a personalidade do agente. O n.° 2 do referido normativo estabelece que a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos de prisão. Já como limite mínimo, impõe a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Os crimes praticados pelo arguido estão, entre si, numa relação de concurso e importa proceder ao cúmulo das respectivas penas.
Ponderando-se, em conjunto, os factos, designadamente o período temporal em que ocorreram, a juventude do arguido aquando dos factos, o número de crimes praticados, na pessoa de cinco vítimas e a personalidade do arguido, manifestados na factualidade provada e na homogeneização do seu comportamento delitivo, encontrando-se interligados, por resoluções e meio de actuação idênticos, em que o arguido revelou urna conduta particularmente desvaliosa da sua personalidade pois que ao adoptar as condutas descritas, actuou com intenção de alcançar prazer, sendo indiferente aos sentimentos das menores, ao direito à sua privacidade e intimidade da sua vida exposta nos respectivos correios electrónicos a que ilicitamente acedeu e principalmente na exposição pública a que as sujeitou, que já foram valorados na aplicação das penas acima decididas e salientando o grau da ilicitude e da culpa revelados na sua prática —intensos -, condena-se na pena única de cinco anos de prisão, por satisfazer os interesses da prevenção, especial e geral e não ultrapassar a medida da culpa, enquadrando-se numa relação de proporcionalidade e de justa medida, derivada da severidade do facto global. O facto de neste acórdão se ter diminuído cada uma das duas penas parcelares do crime de devassa da vida privada para oito meses (no acórdão anulado condenara-se em 1 ano e 3 meses de prisão), não se diminui a pena única de cinco anos de prisão, pois as penas parcelares menos elevadas já tinham sofrido uma grande compressão, de forma a permitir que a ressocialização do arguido fosse efectuada em liberdade. ...”.
O tribunal recorrido aplicou o regime penal especial para jovens e optou por penas de prisão, não vindo estas opções postas em causa.
Pensamos que a intervenção dos tribunais de 2ª instância na apreciação das penas fixadas pela 1ª instância deve ser parcimoniosa e cingir-se à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não deve sindicar a determinação, dentro daqueles parâmetros da medida concreta da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, a desproporção da quantificação efectuada[21],[22], ou o afastamento relevante das medidas das penas que vêm sendo fixadas pelos tribunais de recurso para casos similares[23].
Verificamos que, tendo o Arg. sido condenado pela prática de 13 crimes, o tribunal recorrido fixou a pena única em medida inferior a 1/5 do intervalo entre os limites mínimo e máximo respectivos e que aplicou correctamente os princípios gerais de determinação das penas, não ultrapassou os limites das molduras das culpas, e teve em conta os fins das penas no quadro da prevenção. Por outro lado, em face da matéria de facto apurada, entendemos que não estamos perante qualquer desproporção da quantificação efectuada das penas, nem face a violação de regras da experiência comum, pelo que não se justifica intervenção correctiva deste Tribunal.
É, pois, improcedente também nesta parte o recurso.
*
IX – O Recorrente, não pondo em causa a suspensão da execução da pena única que lhe foi aplicada, nem o regime de prova, entende que não deveria ter sido fixada como condição dessa suspensão, o pagamento de quantias monetárias às vítimas, sendo inconstitucional a interpretação dos art.ºs 51º/1, 70º e 71º do CP que a permite fixar.
O tribunal recorrido fundamentou essa suspensão condicionada, para além do mais, nos seguintes termos:
“... Por último, importa ponderar a aplicação do regime constante do artigo 50.° do Código Penal, que permite ao tribunal a suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Tal preceito vem reforçar o reconhecimento da lei penal pelo carácter nocivo da execução das penas de prisão de curta duração e a preferência pelas sanções criminais não privativas da liberdade.
No caso concreto, verifica-se que já decorreram seis anos sobre a data dos últimos factos, não lhe são conhecidos outros actos penalmente ilícitos, admitiu a maioria dos factos descritos na acusação, exerce actividade profissional, estando plenamente integrado nessa sede, bem como a nível familiar e social, afigura-se assim que a simples ameaça da prisão ainda realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que é de decretar a suspensão da pena de prisão aplicada em cinco anos, por igual período de cinco anos, necessariamente sujeita a regime de prova a fixar pela DGRS, nos termos do disposto nos artigos 50.°, n.° 5 e 53.°, n.° 3, do Código Penal.
No entanto atendendo à gravidade do comportamento do arguido entende-se que a suspensão da execução da pena só alcançará a plenitude das suas finalidades de punição se a suspensão da execução da pena ficar sujeita à condição de proceder ao pagamento de montante monetário às vítimas, que a sua capacidade económica e financeira possa razoavelmente suportar, mas que mesmo assim tenha alguma expressão atendendo à sua personalidade, factos e à natureza dos bens jurídicos acautelados nas normas violadas.
Neste conspecto, deverá proceder ao pagamento do montante de mil e quinhentos euros a cada uma das ofendidas CC, DD, EE e BB, bem como do montante de dez mil euros à ofendida FF (neste caso superior, atendendo à maior gravidade do comportamento do arguido e suas consequências). Tais montantes serão pagos através de depósito a efectuar à ordem deste Tribunal, em prestações mensais no valor de quinhentos euros cada, a contar da data do trânsito em julgado deste acórdão e até perfazer o montante global. Este Tribunal diligenciará pela entrega dos montantes que forem depositados, às referidas ofendidas. Relativamente à ofendida GG, atendendo que deduziu pedido de indemnizatório e houve transacção, não se impõe ao arguido o pagamento de qualquer quantia enquanto condição da suspensão da execução da pena. ...”.
No presente caso, quanto a esta questão, subscrevemos inteiramente a fundamentação da decisão recorrida.
Na verdade, não há qualquer impedimento legal ou constitucional em fixar, como dever condicionante da suspensão da execução de uma pena de prisão, o pagamento de uma quantia à vítima, mesmo que esta não tenha feito pedido cível, sendo tal condição também um reforço do conteúdo educativo e pedagógico da pena[24].
Improcede, assim, ainda nesta parte, o recurso.
*
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, decidimos:
a) Proceder à correcção do acórdão recorrido, nos termos do art.º 380º/2 do CPP, passando a constar da identificação do Arg., como Freguesia de nascimento, a de Alvalade, e da al. F. da parte decisória o seguinte: “Condenar o arguido, como autor material e na forma consumada, de três crimes de dano relativo a dados ou programas informáticos, previstos e punidos pelo artigo 4.°, n.º 1, da Lei n.° 109/2009, de 15.9, na pena de nove meses de prisão, por cada um dos crimes (vítimas DD, EE e BB).”;
b) Julgar não provido o recurso e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
*
Custas pelo Recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 5 (cinco) UC.
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Notifique.
D.N..
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Elaborado em computador e integralmente revisto pelo relator (art.º 94º/2 do CPP).
*****
Lisboa, 27/06/2019

Abrunhosa de Carvalho
Maria Leonor Botelho

[1] Arguido/a/s.
[2] Ministério Público.
[3] Código de Processo Penal.
[4] Relativamente à fundamentação de facto, cf. a jurisprudência plasmada no Ac. STJ de 17/11/1999, relatado por Martins Ramires, in CJSTJ, III, p. 200 e ss., do qual citamos: “O entendimento do STJ sobre o cumprimento deste preceito encontra-se sedimentado: trata-se de exposição tanto quanto possível completa, mas concisa, dos motivos de facto e indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, sem necessidade de esgotar todas as induções ou critérios de valoração das provas e contraprovas, mas permitindo verificar que a decisão seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, não sendo ilógica, arbitrária contraditória ou violadora das regras da experiência comum ... .”.
Também neste sentido, ver Maria do Carmo Silva Dias, in “Particularidades da Prova em Processo Penal. Algumas Questões Ligadas à Prova Pericial”, Revista do CEJ, 2º Semestre de 2005, pp. 178 e ss., bem como a doutrina e a jurisprudência constitucional citadas. No mesmo sentido, cf. Sérgio Gonçalves Poças, in “Da sentença penal – Fundamentação de facto”, revista “Julgar”, n.º 3, Coimbra Editora, p. 21 e ss..
Ver ainda José I. M. Rainho, in “Decisão da matéria de facto – exame crítico das provas”, Revista do CEJ, 1º Semestre de 2006, pp. 145 e ss. donde citamos: “Em que consiste portanto a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a formação da convicção? Consiste simplesmente na indicação das razões fundamentais, retiradas a partir das provas segundo a análise que delas fez o julgador, que levaram o tribunal a assumir como real certo facto. Ou, se se quiser, consiste em dizer por que motivo ou razão as provas produzidas se revelam credíveis e decisivas ou não credíveis ou não decisivas. No primeiro caso o tribunal explica por que julgou provado o facto; no segundo explica por que não julgou provado o facto. … a motivação não tem porque ser extensa, de modo a significar tudo o que foi probatoriamente percepcionado pelo julgador. Pelo contrário, deve ser concisa, como é próprio do que é instrumental, conquanto não possa deixar de ser completa.”.
Ver, por último, o acórdão do Tribunal Constitucional de 17/01/2007, in DR, 2ª Série, n.º 39, de 23/02/2007, que decidiu, além do mais, “Não julgar inconstitucional a norma dos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de que não é sempre necessária menção específica na sentença do conteúdo dos depoimentos da arguida e das testemunhas de defesa.”.
[5] Supremo Tribunal de Justiça.
[6]Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; www.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).” (com a devida vénia, reproduzimos a nota 1 do acórdão da RC de 21/01/2009, relatado por Gabriel Catarino, no proc. 45/05.4TAFIG.C2, in www.dgsi.pt).
[7] Nos seguintes termos: “... Mas não tem razão.
Na verdade, nas datas em que foram praticados os factos, estas vítimas tinham, ambas, 12 anos de idade.
Ora, quando as vítimas são menores de 16 anos de idade, mesmo nos crimes semi-públicos, o MP pode proceder criminalmente, sempre que o interesse do ofendido o aconselhar, ainda que não tenha sido apresentada queixa (art.º 113º/5-a) [...] do CP), podendo a vítima pedir a cessação do procedimento depois de perfazer os 16 anos de idade (art.º 116º/4 [...] do CP).
E foi o que aconteceu neste caso: o MP, considerando que o interesse das Ofendidas o aconselhava, procedeu criminalmente e estas não vieram requerer que fosse posto termo ao processo, pelo que o MP não padece da apontada ilegitimidade.
Improcede, pois, nesta parte, o recurso. ...”.
[8]O efeito negativo do caso julgado consiste em impedir qualquer novo julgamento da mesma questão.” – Ac. do STJ de 02/03/2006, relatado por Costa Mortágua, in CJSTJ, I.
[9] Sobre o caso julgado em processo penal, veja-se Germano Marques da Silva, in “Curso de processo Penal - III”, editorial Verbo, 3ª ed., 2009, págs. 38/53.
[10] Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça.
[11] Como se afirma no Ac. da RP de 29/05/2002, relatado por Clemente Lima, in www.gde.mj.pt, processo 0210428: “…Importa (…) relembrar as linhas gerais do instituto do caso julgado em processo penal [No que se avoca a impressiva síntese do acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 18-12-1997, na Colectânea de Jurisprudência do STJ, ano V, tomo III, pp. 259 e segs. (261) e se remete para os ensinamentos de Cavaleiro de Ferreira, no «Curso de Processo Penal», UC, III, 57 e em O Direito, anos 65.º, pp. 194 e segs. e 67.º, pp. 200 e segs.; Castanheira Neves, nos »Sumários de Processo Penal», pp. 113 e segs.; Luís Osório, no «Comentário ao Código de Processo Penal Português», II, pp. 482 e segs.; Figueiredo Dias, na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 107.º, pp. 126 e segs.; Beleza dos Santos, na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 63.º, pp. 9 e segs.; Eduardo Correia, na Revista de Direito e Estudos Sociais, XIV, ½, em «Caso julgado em processo penal», na Revista dos Tribunais, ano 58.º, pp. 178 e segs. e no «Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz»; Germano Marques da Silva, no «Curso de Processo Penal», III, 2000, pp. 36 e segs.].
O fundamento central desta figura, escrevia Beling, radica numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e a segurança do Direito.
Ainda mesmo com possível sacrifício da justiça material, quer-se assegurar através deste instituto aos cidadãos a sua paz jurídica, quer-se afastar definitivamente o perigo de decisões contraditórias.
Uma adesão à segurança com um eventual detrimento da verdade, eis assim o que está na base do instituto [Eduardo Correia, «A Teoria do Concurso em Direito Criminal», Coimbra, 1983, 302].
Isto vale quer para o caso julgado material, como para o caso julgado formal, sendo certo que aqui nos interessa considerar apenas este último, dado que a nossa análise apenas incidirá sobre o efeito da decisão no próprio processo em que é proferida, ao passo que o caso julgado material consubstancia a eficácia da decisão proferida relativamente a qualquer processo ulterior com o mesmo objecto [Cfr. Cavaleiro de Ferreira, «Curso de Processo Penal», vol. 3.º, Lisboa, 1958, pág. 35].
O CPP/29, no capítulo das excepções, aludia expressamente ao caso julgado (art. 138.º, 3.º) e, a partir do art. 148.º e segs., regulamentava com algum pormenor a referida excepção, com especial relevo para o caso julgado material e efeitos do caso julgado cível no processo penal.
No actual CPP, não acontece o mesmo e tal ausência de regulamentação constante e sistemática de matéria tão importante só pode significar, a nosso ver, ou que o legislador entendeu como suficiente para resolver o problema, a aplicação genérica e indiferenciada ao processo penal dos vários normativos que no processo civil tratam a questão, ao abrigo do regime estabelecido no art. 4.º do CPP, ou então que não quis, pura e simplesmente, firmar regras rígidas no processo penal em matéria de caso julgado, dada a natureza deste ramo do Direito.
Inclinamo-nos decisivamente para esta última posição que se encontra verdadeiramente em harmonia com a especial natureza do processo penal.
Cremos que é por isso mesmo que não temos assistido, ao contrário do que se passava na vigência do Código anterior, à elaboração dogmática de uma teoria sobre o caso julgado em processo penal, preferindo os autores resolver casuisticamente os problemas relacionados com este instituto.
Na verdade, a pura e simples aplicação dos princípios e normas que regem o caso julgado no processo civil ao processo penal não se nos afigura legítima, designadamente porque se iria, no fundo, coarctar, limitar e condicionar o princípio da verdade material que constitui o escopo fundamental a atingir no processo penal. Refira-se, em abono disto, o ensinamento de Cavaleiro de Ferreira: «Porque o caso julgado, cortando cerce a possibilidade de busca da verdade material, restringe o ideal de justiça em função da necessidade de segurança, faz-se sentir a sua imodificabilidade com mais rigor no processo civil do que em processo penal, por sua natureza vertido para a justiça real e dificilmente acomodatício às ficções de segurança, obtidas à custa do sacrifício de valores essenciais» [«Curso de Processo Penal», III, 1958, 88].
No entanto, não pode, de uma forma absoluta, coarctar-se o recurso ao processo civil nesta matéria, mas o que será indispensável é encontrar um critério que, entrando em linha de conta com as especialidades do processo penal, imponha alguns limites à aplicação em processo penal das normas do processo civil neste domínio e tal critério só poderá encontrar-se no art. 4.º do CPP, o qual aponta, fundamentalmente, para dois pressupostos de tal aplicação, a saber: - a existência de lacunas que não podem ser integradas por aplicação analógica de outras normas do processo penal; e – a harmonização das normas do processo civil a aplicar, com o processo penal.”.
[12] Ainda sobre o caso julgado em processo penal, ver o acórdão da RE de 20/02/2018, relatado por Ana Brito, no proc. 5/17.2GANIS-A.E1, in www.dgsi.pt, do qual citamos: “... A possibilidade de renovação de alguma dessas questões, dependeria sempre da cláusula rebus sic stantibus e das suas repercussões no caso julgado, pois é de reconhecer um caso julgado rebus sic stantibus em processo penal (sobre o caso julgado rebus sic stantibus em processo penal, vide Henrique Salinas, Os Limites Objectivos do Ne Bis In Idem, 2012, v. digital, p. 6).
Ensina Damião da Cunha que “os conceitos de «efeito de vinculação intraprocessual» e de «preclusão» - referidos ao âmbito intrínseco da actividade jurisdicional – querem significar que toda e qualquer decisão (incontestável ou tornada incontestável) tomada por um juiz, implica necessariamente tanto um efeito negativo, de precludir uma «reapreciação» (portanto uma proibição de «regressão»), como um efeito positivo, de vincular o juiz a que, no futuro (isto é, no decurso do processo), se conforme com a decisão anteriormente tomada (sob pena de, também aqui, «regredir» no procedimento).
 “Este raciocínio vale, não só em primeira instância, como em segunda ou terceira instância (embora o grau de vinculação dependa da especificidade teleológica de cada grau de recurso). E este mecanismo vale - ao menos num esquema geral – para qualquer tipo de decisão independentemente do seu conteúdo, isto é, quer se trate de uma decisão de mérito, quer de uma decisão processual” (O Caso Julgado Parcial, Questão da Culpabilidade e Questão da Sanção num Processo de Estrutura Acusatória), 2002, p. 143/4).
Ainda com Damião da Cunha, é pois de reconhecer que “qualquer decisão, mesmo que não esteja em causa uma decisão de mérito, contém um efeito de vinculação processual” (loc. cit., p. 144). E “os mesmos conceitos podem ser utilizados para além da categoria do procedimento, portanto, para além do exercício interno da função jurisdicional, em relação aos poderes dos sujeitos processuais (das “partes”, utilizando uma expressão do processo civil) durante o processo.” Nesta perspectiva, já não da mera “dimensão do procedimento”, mas da dimensão “do processo”, abarca-se “o modo e a forma por que o procedimento jurisdicional deve progredir”, ou seja, “o modo como os sujeitos processuais devem fazer actuar e fazer progredir o procedimento jurisdicional. Neste âmbito, também as partes estão sujeitas aos mesmos princípios que vimos estarem subjacentes ao exercício da função jurisdicional” (loc. cit. p. 148).
Damião da Cunha fala, assim, numa congruência entre o exercício da função jurisdicional e a actuação dos sujeitos processuais, no sentido de que “cada resultado «adquirido», legítimo e incontestado, não só vincularia o tribunal, como vincularia, outrossim, os restantes sujeitos processuais” (sem prejuízo de, como alerta o autor, esses nexos terem de derivar, fundamentalmente, de regras de direito material) (loc. cit., p. 148/9).
Esta exigência de congruência entre o exercício da função jurisdicional e a actuação dos sujeitos processuais tem repercussão na fase de recurso e repercute-se também no caso em apreciação. ...”.
[13] A orientação do TC quanto à matéria do caso julgado penal vem exposta no acórdão 86/2004, de 04/02/2004, relatado por Maria dos Prazeres Beleza, nos seguintes termos: “…Também o Tribunal Constitucional se pronunciou já sobre o alcance da protecção constitucional do caso julgado, mantendo a orientação desenhada pelo acórdão n.º 87 da Comissão Constitucional.
Assim, e em primeiro lugar, o Tribunal observou por diversas vezes que decorre da Constituição a exigência de que as decisões judiciais sejam, em princípio, aptas a constituir caso julgado.
Com efeito, no Acórdão n.º 352/86 (Diário da República, II série, de 4 de Julho de 1987), considerou “inerente às decisões judiciais insusceptíveis de recurso ordinário” a força de caso julgado, força essa que “se deve] arvorar em princípio constitucional implícito, como decorre, ainda, do art. 282º, n.º 3, da CRP". No mesmo sentido, disse-se no Acórdão n.º 250/96 (in Diário da República, II Série, de 8 de Maio de 1996), que, “para que um Tribunal, qualquer que seja, possa dirimir os conflitos de interesses públicos e privados que lhe são submetidos no exercício da função jurisdicional, é indispensável que as suas decisões, reunidos que estejam certos requisitos, sejam dotadas da estabilidade e da força características do caso julgado”; (cfr., ainda, o Acórdão n.º 506/96, publicado no Diário da República, II Série, de 5 de Julho de 1996).
Em segundo lugar, o Tribunal Constitucional continuou a afirmar que o caso julgado é um valor constitucionalmente tutelado, nomeadamente no seu Acórdão n.º 677/98 (Diário da República, II série, de 4 de Março de 1999): “É sabido que o caso julgado serve, fundamentalmente, o valor da segurança jurídica (cf. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, t. II, 3º ed., reimp., Coimbra, 1996, p.494); e que, fundando-se a protecção da segurança jurídica relativamente a actos jurisdicionais, em último caso, no princípio do Estado de Direito (Gomes Canotilho, “Direito Constitucional e Garantia da Constituição, Coimbra, 1998, p. 257), se trata, sem dúvida, de um valor constitucionalmente protegido”.
Em terceiro lugar, reafirmou a ausência da consagração na Constituição de um princípio de intangibilidade absoluta do caso julgado:
«2.1.2. Entende este Tribunal que o caso julgado deve ser perspectivado como algo que tem consagração implícita na Constituição, constituindo, desta sorte, um valor protegido pela mesma, esteado nos valores de certeza e segurança dos cidadãos postulados pelo Estado de direito democrático - consagrado, quer no preâmbulo do Diploma Básico, quer no seu artigo 2º - e, também, num princípio de separação de poderes - consagrado igualmente naquele artigo e no nº 1 do artigo 111º - e no nº 2 do artigo 205º (a que aquelas outras normas não são alheias), um e outro do actual texto constitucional.
E entende, identicamente, que o aludido valor, constitucionalmente consagrado, do caso julgado, não se posta como um valor que a Lei Fundamental considere inultrapassável.
Prova disso, na óptica deste Tribunal, constitui a estatuição constante do nº 3 do artigo 282º da Constituição.
Na verdade, o legislador constituinte derivado, na revisão operada pela Lei Constitucional nº 1/82, de 8 de Julho, veio a prescrever que da declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade com força obrigatória geral ficavam "ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo mais favorável ao arguido".
Dessa prescrição extrai o Tribunal, conjugando-a com os artigos 2º, 111º, nº 1, e 205º, nº 2, que, efectivamente, a Constituição aceita como um valor próprio o respeito pelo caso julgado. Porém, é ela própria, naquele nº 3 do artigo 282º, que vem estabelecer situações de excepcionalidade ao respeito pelo caso julgado; e daí o dever-se concluir que um tal valor se não perfila como algo de imutável ou inultrapassável» (Acórdão n.º 644/98, Diário da República, II Série, de 21 de Julho de 1999).
Por último, e em quarto lugar, o Tribunal Constitucional tem reconhecido que, apesar de não ter valor absoluto a tutela constitucional do caso julgado, uma lei retroactiva não pode “atingir o caso julgado nos casos em que, segundo a Constituição, é proibida qualquer retroactividade, por intermédio de uma lei individual”  (Luís Nunes de Almeida, Portugal, in Constitution et Sécurité Juridique, Annuaire International de Justice Constitutionnelle, XV, 1999, p. 249 e segs.). É o que sucede, como se sabe, com as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias (n.º3 do artigo 18º da Constituição), as leis penais incriminadoras (artigo 29º, n.º 1) ou (após a revisão constitucional de 1997) as leis que criam impostos (cfr., por exemplo, o Acórdão n.º 304/01, Diário da República, II série, de 9 de Novembro de 2009).”.
[14] Cf. Ac. do STJ de 19/10/1995, in DR 1ª Série A, de 12/28/1995, que fixou jurisprudência no sentido de que é oficioso o conhecimento, pelo tribunal de recurso, dos vícios indicados no citado art.º 410.º/2 CPP.
[15] Assim, o Ac. do STJ de 19/12/1990, proc. 413271/3.ª Secção: " I - Como resulta expressis verbis do art. 410.° do C.P.Penal, os vícios nele referidos têm que resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução ou até mesmo no julgamento (...). IV É portanto inoperante alegar o que os declarantes afirmaram no inquérito, na instrução ou no julgamento em motivação de recursos interpostos".
[16] Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 7ª edição, 2008, p. 75.
[17] Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 7ª edição, 2008, p. 77.
[18] Nesse sentido, ver o acórdão do STJ de 09/05/1990, citado por Maia Gonçalves, in “CPP Anot.”, Almedina, 8ª ed., 1997, a pág. 310, com o seguinte sumário: “A prova pericial não é facultativa, mas obrigatória, como resulta do art.º 151º do CPP.”.
[19] Nesse sentido, ver as seguintes jurisprudência e doutrina:
- acórdão do STJ de 10/07/1997, proc. 315/97, citado por M. Simas Santos e M. Leal-Henriques, in “CPP Anot.”, I vol., Ed. Rei dos Livros, 2ª ed., 1999, a págs. 797/798, com o seguinte sumário: “1 - O art.º 151º do CPP não impõe, em termos de obrigatoriedade absoluta,  deferimento da realização de perícias. Existe para o efeito uma margem de discricionariedade legal, em ordem a permitir uma recusa que se mostre justificada, o que sucederá, nomeadamente, quando a realização da diligência não se mostra essencial para a descoberta da verdade material. 2 - Compete em exclusivo ao tribunal de 1ª instância ajuizar da necessidade da realização de determinada perícia, sendo que tal tipo de decisão, por extravasar os seus poderes de cognição, não é sindicável pelo STJ.”;
- Acórdão da RP de 24/01/2007, relatado por António Gama Ferreira Ramos, no proc. 0644669, in www.dgsi.pt, do qual citamos “... Dispõe o art.º 151º do Código Processo Penal que a prova pericial tem lugar quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos. Esse não é seguramente o caso de saber se determinado jogo é ou não de fortuna ou azar, tarefa que partindo do conceito normativo, depende no essencial dos factos relatados em julgamento acerca do tipo e modo de funcionamento da máquina de jogo em causa, da discrição das características desses jogos. Se a verificação do jogo é feita por um especialista, tanto melhor, agora nada obsta a que se chegue à conclusão de que determinada máquina desenvolve um «jogo que é de fortuna ou azar com base apenas no relato de quem presenciou o desenvolvimento do jogo.
A regra geral em sede de prova é a de que são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei, art.º 125º do Código Processo Penal. Não se verifica qualquer restrição no caso em apreço nomeadamente quanto à prova testemunhal, pelo que não procede a crítica do recorrente. ...”;
- Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, II, Verbo, 4ª ed., 2008, a pág. 216, “... A perícia e um acto processual formal típico. só ocorre a perícia quando determinada nos termos da lei pelo que nem todos os actos de percepção ou apreciação dos factos no decurso do processo são actos de perícia, embora materialmente idênticos.
É pressuposto da perícia a exigência de competência específica para a percepção dos factos ou a sua valoração. A lei manda recorrer à perícia quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos ...”;
- Benjamim Silva Rodrigues, in “Da Prova Penal”, tomo I, Ed. Rei dos Livros, 3ª ed., 2010, págs. 187/188, do qual citamos: “...  Não julgamos adequado o entendimento segundo o qual a prova científica, nomeadamente as perícias de ADN, seria o “Santo Graal” da prova no processo penal. A prova científica originada pelos avanços da técnica e tecnológicos, surge-nos como uma prova híbrida onde o juiz deve ter um papel activo ao nível da avaliação da sua admissibilidade, da sua correcta obtenção e da determinação da sua força probatória. Nada menos acertado do que defender a passividade e inércia do julgador, não só porque o juiz pode possuir os referidos conhecimentos técnicos, científicos e artísticos e, dentro desse ciclo de conhecimento, argumentar e contraditar os pareceres e opiniões dos peritos forenses, mas também porque, ainda que não possuindo tais juízos, o juiz pode colocar em crise a base fáctica que se tomou em consideração para chegar às suas conclusões “científicas”. ...”....”.
[20] Neste sentido ver Maia Gonçalves, in “CPP Anot.”, Almedina, 8ª ed., 1997, a pág. 310: “… Sempre que a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos , científicos ou artísticos deve ter lugar a prova pericial. ... Em tais termos, a omissão da realização da prova pericial nos casos em que deve ser realizada integrará uma nulidade dependente de arguição do art.º 120º, n.º 2, al. d), quando se entender que a diligência é essencial para a descoberta da verdade; e integrará uma irregularidade, sujeita ao regime do art.º 123º, nos demais casos, isto é de diligência útil mas não essencial para a descoberta da verdade. …”.
[21] Entendemos que, nesta matéria, tem plena aplicação aos tribunais de 2ª instância a jurisprudência exposta, relativa à intervenção do STJ na determinação concreta das penas, no Ac. do mesmo Tribunal de 27/05/2009, relatado por Raul Borges, in www.gde.mj.pt, Proc. 09P0484, que passamos a citar: “… A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”- cfr. acórdãos de 09-11-2000, processo nº 2693/00-5ª; de 23-11-2000, processo nº 2766/00 - 5ª; de 30-11-2000, processo nº 2808/00 - 5ª; de 28-06-2001, processos nºs 1674/01-5ª, 1169/01-5ª e 1552/01-5ª; de 30-08-2001, processo nº 2806/01 - 5ª; de 15-11-2001, processo nº 2622/01 - 5ª; de 06-12-2001, processo nº 3340/01 - 5ª; de 17-01-2002, processo 2132/01-5ª; de 09-05-2002, processo nº 628/02-5ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 193; de 16-05-2002, processo nº 585/02 - 5ª; de 23-05-2002, processo nº 1205/02 - 5ª; de 26-09-2002, processo nº 2360/02 - 5ª; de 14-11-2002, processo nº 3316/02 - 5ª; de 30-10-2003, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208; de 11-12-2003, processo nº 3399/03 - 5ª; de 04-03-2004, processo nº 456/04 - 5ª, in CJSTJ 2004, tomo1, pág. 220; de 11-11-2004, processo nº 3182/04 - 5ª; de 23-06-2005, processo nº 2047/05 -5ª; de 12-07-2005, processo nº 2521/05 - 5ª; de 03-11-2005, processo nº 2993/05 - 5ª; de 07-12-2005 e de 15-12-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, págs. 229 e 235; de 29-03-2006, CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 225; de 15-11-2006, processo n.º 2555/06 - 3ª; de 14-02-2007, processo n.º 249/07 - 3ª; de 08-03-2007, processo n.º 4590/06 - 5ª; de 12-04-2007, processo n.º 1228/07 - 5ª; de 19-04-2007, processo n.º 445/07 - 5ª; de 10-05-2007, processo n.º 1500/07 - 5ª; de 04-07-2007, processo n.º 1775/07 - 3ª; de 17-10-2007, processo n.º 3321/07 - 3ª; de 10-01-2008, processo n.º 907/07 - 5ª; de 16-01-2008, processo n.º 4571/07 - 3ª; de 20-02-2008, processos n.ºs 4639/07 - 3ª e 4832/07-3ª; de 05-03-2008, processo n.º 437/08 - 3ª; de 02-04-2008, processo n.º 4730/07 - 3ª; de 03-04-2008, processo n.º 3228/07 - 5ª; de 09-04-2008, processo n.º 1491/07 - 5ª e processo n.º 999/08-3ª; de 17-04-2008, processos n.ºs 677/08 e 1013/08, ambos desta secção; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07 - 3ª; de 21-05-2008, processos n.ºs 414/08 e 1224/08, da 5ª secção; de 29-05-2008, processo n.º 1001/08 - 5ª; de 15-07-2008, processo n.º 818/08 - 5.ª; de 03-09-2008 no processo n.º 3982/07-3ª; de 10-09-2008, processo n.º 2506/08 - 3ª; de 08-10-2008, nos processos n.ºs 2878/08, 3068/08 e 3174/08, todos da 3ª secção; de 15-10-2008, processo n.º 1964/08 - 3ª; de 22-10-2008, processo n.º 215/08-3ª … .”.
No mesmo sentido se pronunciou, antes, o acórdão do STJ de 29/01/2004, relatado por Pereira Madeira, no processo 03P1874, in www.dgsi.pt, do qual citamos: “…Estas considerações levam a que o Supremo Tribunal entenda não interferir na medida concreta encontrada, justamente porque não encontra qualquer assomo de ilegalidade no procedimento seguido para apuramento das penas concretas aplicadas - parcelares e única - sendo certo que, como se sabe, os recursos são meio de corrigir ilegalidades mas não de refinar decisões judiciais.
Neste sentido se vem aqui reiteradamente entendendo (Cfr. por todos, Ac. STJ de 9/11/2000, in Sumários STJ disponível em http://www.cidadevirtual.pt/stj/jurisp/bo14crime.html, e muitos outros que se lhe seguiram) que "no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a sua desproporção da quantificação efectuada" (Cfr. a solução que, para o mesmo problema, aponta Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 197, § 255).
Ou, dizendo por outras palavras, "como remédios jurídicos, os recursos (salvo o caso do recurso de revisão que tem autonomia própria) não podem ser utilizados com o único objectivo de uma "melhor justiça". (...) A pretensa injustiça imputada a um vício de julgamento só releva quando resulta de violação do direito material". (Cfr. Cunha Rodrigues, Recursos, in Jornadas de Direito Processual Penal, págs. 387.) …”.
No mesmo sentido, cf. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2ª Reimpressão, 2009, pág. 197, e Simas Santos e Marcelo Ribeiro, in “Medida Concreta da Pena”, Vislis: “A doutrina (cfr. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, § 255) mostra-se de acordo com a ideia de que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, e a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. A questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.”.
[22] Neste sentido, ver ainda o acórdão de RP de 02/10/2013, relatado por Joaquim Gomes, no proc. 180/11.0GAVLP.P1, in www.dgsi.pt, cujo sumário citamos: “O recurso dirigido à medida da pena visa o controlo da (des)proporcionalidade da sua fixação ou a correção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso, e não a concretização do quantum exato da pena aplicada.”.
[23] Relevantes nos termos do disposto no art.º 8º/3 do Código Civil, com o seguinte teor: “Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.”.
[24] Neste sentido, vejam-se, por todos, os seguintes acórdãos:
- da RE de 20/09/2011, relatado por Alberto João Borges, no proc. 2992/07.0TAPTM.E1, in www.dgsi.pt, de cujo sumário citamos: “... II - A reparação imposta na sentença recorrida como condição da suspensão da execução da pena, não se destina a indemnizar a lesada, mas antes ao reforço do conteúdo educativo e pedagógico que se pretende com a suspensão da execução da pena de prisão, levando a arguida a interiorizar, por um lado, que a pena de prisão cuja execução é suspensa é, de facto, uma pena, que não pode deixar de lhe fazer sentir a necessidade de conformar o seu modo de vida com as normas vigentes, por outro, que a confiança que o tribunal nela deposita, suspendendo-lhe a execução da pena – quanto ao seu comportamento futuro – envolvendo algum risco, não pode deixar de ser um risco calculado e, por isso, ter em conta que tal pena não pode deixar de representar um verdadeiro sacrifício, sob pena de ficarem frustrados os fins da punição e criar na comunidade um sentimento de impunidade e desconfiança, ou seja, a ideia de que o crime compensa. ...”;
- da RC de 02/10/2013, relatado por Fernando Chaves, no proc. 1054/10.7TALRA.C1, in www.dgsi.pt, do qual citamos: “.... Acerca da caracterização da indemnização atribuída ao lesado, focando as dúvidas que se podem colocar no que toca à correlacionação entre este dever e o pedido de indemnização civil, refere o Prof. Figueiredo Dias: “[d]o que se trata em suma, neste dever de indemnizar, é da sua função adjuvante da realização da finalidade de punição, não de reeditar a tese do carácter penal da indemnização civil proveniente de um crime que o artigo 128.º  (hoje 129.º) quis postergar”([Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, pág. 352, § 538.]).
Sobre a natureza jurídica da indemnização já se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça ao referir que «a quantia cujo pagamento pelo arguido ao lesado é condição da suspensão da pena não constitui aqui uma verdadeira indemnização, mas uma compensação destinada principalmente ao reforço do conteúdo reeducativo e pedagógico da pena de substituição e a dar satisfação suficiente às finalidades da punição, respondendo nomeadamente à necessidade de tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.
Por isso a modificabilidade do quantum arbitrado se tal vier a justificar-se - cfr. artigo 49º, 3, do CP de 1982 (artigo 51.º, 3 do CP de 1995).
E por isso também que o montante assim arbitrado não tenha de corresponder ao que resultaria da fixação de indemnização segundo os critérios estabelecidos na lei para a responsabilidade civil e para a obrigação de indemnizar (artigos 483º e segs. e 562º e segs. do Código Civil), ou seja, a determinação do montante do quantum compensatório não está sujeito aos estritos critérios da lei civil e processual civil para a fixação da indemnização»([Acórdão do STJ de 11/6/1997, Colectânea de Jurisprudência, ACSTJ, Ano V, Tomo II, página 226.]).
Daí que não seja requisito da imposição deste dever que tenha sido deduzido pedido de indemnização civil pelo lesado, assim como também não é requisito a prévia procedência do pedido de indemnização civil, pois o tribunal pode determinar a suspensão da execução da pena de prisão apesar do trânsito de decisão que julgou improcedente o pedido de indemnização ao lesado([Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2ª edição actualizada, pág. 229; Acórdão do STJ de 31/5/2000, Colectânea de Jurisprudência, ACSTJ, Ano VIII, Tomo II, pág. 208.]). ...”;
- 305/01 do Tribunal Constitucional, de 27/06/2001, relatado por Artur Maurício, in www.dgsi.pt, do qual citamos: “... E a este propósito convém recordar o acórdão nº. 596/99, in Diário da República, II Série, de 22 de Fevereiro que apreciou a constitucionalidade da norma constante do artigo 51º, nº. 1, alínea a) do Código Penal, ora em apreço, no sentido de que do que se trata é da "(...) consideração de que, em certos casos, a suspensão da execução da pena de prisão só permite realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição se ela – suspensão da execução – se associar a reparação dos danos provocados ao lesado, traduzida no pagamento (ou prestação de garantia de pagamento) da indemnização devida.
Não é, por isso, inconstitucional, designadamente por violação do artigo 27º, nº. 1, da Constituição, a norma constante do artigo 51º, nº. 1, alínea a), do Código Penal, na parte em que permite ao juiz condicionar a suspensão da execução da pena de prisão à efectiva reparação dos danos causados ao ofendido."
...
Este Tribunal teve já ocasião para abordar a questão que vimos analisando – ainda que a propósito da norma constante do artigo 12º do Decreto-Lei nº. 605/75, de 3 de Novembro – pronunciando-se no sentido de que "(...) a indemnização civil por perdas e danos pode ser arbitrada oficiosamente, isto é, independentemente de requerimento do lesado, não viola o princípio constitucional da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa" (cfr. acórdão nº. 187/90, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 16º, 1990, págs. 395 a 410; acórdão nº. 413/93, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 25º, 1993, págs. 623 a 629 e acórdão nº. 452/2000, in Diário da República , II Série, de 29 de Novembro).
Não obstante o que se deixa dito e independentemente do que se possa ter como a interpretação correcta da norma do artigo 51º nº 1 alínea a) do Código Penal, decisivo é averiguar o que o tribunal recorrido entendeu sobre a caracterização da indemnização atribuída ao "lesado" e cujo pagamento impôs à recorrente como condição de suspensão da pena de prisão.
A verdade é que, neste aspecto, se deve reconhecer alguma parcimónia no acórdão recorrido. É, porém, de admitir que ele tenha seguido a orientação que vem sendo adoptada pelo STJ sobre a matéria.
Tomem-se como exemplos os Acórdãos de 29/1/97, 11/6/97, 29/10/97 e 2/6/99.
Escreve-se no sumário do primeiro:
"I - A suspensão da pena pode ser condicionada ao dever de pagar em certo período uma indemnização ao ofendido:
II – Porém, não se trata de obrigação de pagamento, de realização de uma prestação, ou de efeito civil da condenação, mas apenas da própria pena de suspensão da execução.
III - .......................................................................................................................
Diz-se no segundo (in CJ – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano V. tomo II – 1997, pp. 226 e segs.):
"(...) a quantia cujo pagamento pelo arguido ao lesado é condição da suspensão da pena não constitui aqui uma verdadeira indemnização, mas uma compensação destinada principalmente ao reforço do conteúdo reeducativo e pedagógico da pena de substituição e a dar satisfação suficiente às finalidades da punição, respondendo nomeadamente à necessidade de tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.
Por isso a modificabilidade do quantum arbitrado se tal vier a justificar-se – conf. Art. 49º - 3 do CP82 (art. 510º-3 do CP95.
E por isso também que o montante assim arbitrado não tenha de corresponder ao que resultaria da fixação de indemnização segundo os critérios estabelecidos na lei para a responsabilidade civil e para a obrigação de indemnizar (arts. 483º e segs. e 562º e segs. do Cód. Civil).
E este entendimento de ser possível condicionar a suspensão de pena ao pagamento de quantia compensatória ao ofendido, ainda que não haja sido pedida, é jurisprudência que o acórdão deste Supremo Tribunal de 92.11.11 (in CJ, ano XVII, tomo V, pág. 10) já então considerava firme e plenamente justificada, com fundamento em que a fixação de uma compensação pecuniária pelo julgador a favor do ofendido, como condicionante de uma suspensão da execução da pena aparece (...) ao arguido como uma contrapartida económica da manutenção da sua liberdade ameaçada por ter cometido um acto ilícito e tem, nessa medida, um efeito dissuasor muito significativo, numa sociedade que defende, na medida do possível, a primazia das sanções não detentivas (ib.) e que muito recentemente veio a ser reafirmada no acórdão deste Supremo Tribunal de 96.12.10 (proc. nº 48364 – 3ª Secção).
 (...) o quantum compensatório cujo pagamento seja imposto ao arguido como condicionante da suspensão da execução da pena não está sujeito na determinação do seu montante aos estritos critérios da lei civil e processual civil para a fixação da indemnização(...)".
O sumário do Acórdão de 29/10/97 é particularmente esclarecedor desta tese. Aí se diz:
"I – A suspensão da execução da pena com o dever económico de reparar o mal do crime não importa uma obrigação de indemnização em sentido estrito. Esse dever (ou obrigação em sentido lato) vale apenas no seio do instituto da suspensão da execução da pena, sendo o sancionamento pelo não cumprimento apenas o que deriva das regras da própria suspensão da execução.
II – Quando se suspende uma pena sob condição do pagamento de uma indemnização por perdas e danos ao ofendido, nem o Estado nem o beneficiário da reparação ou indemnização ficam, por virtude da imposição do dever, na situação de credores e, por consequência também o arguido não fica adstricto ao cumprimento de uma prestação, com todas as consequências jurídicas civis derivadas do incumprimento pontual."
Finalmente no sumário do último aresto citado escreve-se:
"...........................................................................................................................
Não se trata, porém, de uma condenação em indemnização mas, unicamente, da imposição de um dever que, reforçando o sancionamento penal, visa levar o arguido a tomar a iniciativa de reparar o dano, não conferindo ao lesado qualquer direito a exigir o seu cumprimento."
 (Todos os sumários constam da Base de dados dos acórdãos do STJ, www.dgsi)
Ora, desta jurisprudência retira-se, sem margem para quaisquer dúvidas, que a "indemnização" ou "compensação" é tida – bem ou mal – como que um "tertium genus", com uma natureza jurídica própria (cumprindo a "função adjuvante da realização da finalidade da punição") , onde, desde logo avulta como traço diferenciador o facto de ela não ser exigível pelo lesado.
Mas sendo assim, cai pela base a argumentação da recorrente, assente, como se disse, na violação de caso julgado absolutório (para daqui extrair a arguição de inconstitucionalidade) uma vez que à indemnização civil pedida (e recusada) no processo penal é alheia a que foi arbitrada na condenação penal e a cujo pagamento se subordinou a suspensão da execução da pena.
Não pode assim julgar-se procedente a alegação de qualquer das violações constitucionais feita pela recorrente. ...”.