Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3741/20.2T8OER.L1-6
Relator: AGUIAR PEREIRA
Descritores: INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
COMUNICAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/02/2021
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.– A interpelação admonitória, através da qual o credor concede ao devedor um prazo adicional para cumprir a obrigação permite converter a simples mora em incumprimento definitivo do contrato;

2.– A interpelação admonitória, findo o prazo adicional concedido ao devedor sem que tenha sido cumprida a obrigação, não isenta o credor da comunicação da intenção de resolução do contrato;

3.– Só após a comunicação ao devedor da resolução do contrato definitivamente incumprido promovida pelo credor este pode beneficiar dos efeitos inerentes à resolução do contrato.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Em nome do POVO PORTUGUÊS, os Juízes Desembargadores da 6.ª Secção do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, acordam no seguinte:


I–RELATÓRIO


a)-C - SSAFC, pessoa colectiva com sede na Avenida (…) Lisboa, instaurou contra Tereza, residente na Rua (…) em Oeiras, acção declarativa visando obter a sua condenação no pagamento da quantia de € 23.177,15 (vinte e três mil cento e setenta e sete euros e quinze cêntimos), acrescida dos respectivos juros de mora vencidos até à data da propositura da acção – no valor de € 255,35 (duzentos e cinquenta euros e trinta e cinco cêntimos) – bem como dos juros vincendos até efectivo e integral pagamento.

Alega, em síntese, o seguinte:
Que celebrou com a ré um contrato de concessão de crédito pessoal através do qual colocou à sua disposição a quantia de 20.000,00 euros que a ré se comprometeu a reembolsar em cento e vinte prestações mensais e sucessivas no valor de 270,32 euros através de débito directo a partir de conta bancária de que a ré é titular.
Que a ré não cumpriu com a obrigação de pagamento dos valores mensais acordados, apenas tendo pago oito das cento e vinte prestações acordadas, o que levou a autora a instaurar um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) que viria a ser extinto por falta de prestação de informações solicitadas à ré.
Que a ré, apesar de interpelada para o efeito, não procedeu ao pagamento das prestações em falta desde dezembro de 2019, razão pela qual em 2 de julho de 2020 a autora lhe remeteu uma carta de interpelação admonitória, concedendo um prazo adicional de quinze dias para efectuar o pagamento das quantias em dívidas, sob pena de rescisão do contrato.
Que a ré não efectuou o pagamento pelo que a autora considerou resolvido o contrato em 30 de setembro de 2020.
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b)-A ré, regularmente citada, não deduziu qualquer contestação, em função do que foram considerados confessados os factos articulados pela autora.
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c)-A autora apresentou alegações, em conformidade com o disposto no artigo 567.º do Código de Processo Civil, na qual reitera o pedido de condenação da ré nos termos expressos na petição inicial.
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d)-A autora foi notificada para juntar aos autos a comunicação de resolução do contrato efectuada à ré.

Respondeu pela seguinte forma:
1.- A carta de interpelação que deu origem à resolução do contrato de crédito em crise nos autos já foi junta aos autos com a petição inicial que lhes deu origem;
Ora
2.- A referida comunicação, efectuada por correio registado, indica expressamente que, face ao incumprimento contratual verificado, o cliente,
“(…) dispõe de um prazo adicional de 15 dias para proceder ao pagamento, após o qual se encontrarão reunidas as condições para procedermos à resolução do seu contrato, sem necessidade de qualquer outra comunicação ou interpelação para esse efeito, nos termos do contrato celebrado e do artigo 20.º do Decreto Lei 133/2009, de 2 de junho (…)”
3.- Já o artigo 20.º do Decreto Lei 133/2009, de 2 de junho, indica que:
1-Em caso de incumprimento do contrato de crédito pelo consumidor, o credor só pode invocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato se, cumulativamente, ocorrerem as circunstâncias seguintes:
a)- A falta de pagamento de duas prestações sucessivas que exceda 10/prct. do montante total do crédito;
b)- Ter o credor, sem sucesso, concedido ao consumidor um prazo suplementar mínimo de 15 dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas da eventual indemnização devida, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato.
2- A resolução do contrato de crédito pelo credor não obsta a que este possa exigir o pagamento de eventual sanção contratual ou a indemnização, nos termos gerais.”
4.- Com efeito encontravam-se cumpridas todas as condições legais para resolução do contrato de crédito sem necessidade de qualquer outra comunicação ou interpelação para esse efeito, nos termos do contrato celebrado e do artigo 20.º do Decreto Lei 133/2009, de 2 de junho.
5.- Termos em que a resolução foi efectuada após ter sido dado à ré prazo adicional de 125 dias para proceder a pagamento.
6.- Algo que esta não fez.
7.-Estando essa data em falta o pagamento de mais de duas prestações sucessivas que excediam 10% do montante total do crédito;
8.- Termos em que o contrato de crédito foi rescindido após comunicação efectuada à ré, conforme documentos 13 e 14 juntos com a petição inicial que deu origem aos autos e nos termos do contrato celebrado e do artigo 20.º do Decreto Lei 133/2009, de 2 de junho.”
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e)-Tendo sido reiterada notificação à autora para esclarecimento sobre quando e de que forma procedeu à resolução do contrato, a autora veio dizer o seguinte:
1.- A Autora procedeu à resolução do contrato em análise nos autos em 30/09/2020.
2.- Conforme já havia alegado no artigo 38.º da P.I. que deu origem aos autos onde indicou que, “…”Ocorre que a Ré não efetuou os pagamentos para os quais foi interpelada pelo que, considerou a Autora o contrato de crédito em causa nos presentes autos, resolvido em 30 de Setembro de 2020”…”
3.- E assim procedeu porquanto havia já remetido carta de interpelação admonitória á Ré, em 02/07/2020, em que concedeu a esta o prazo de 15 dias, a contar dessa data, para que procedesse á regularização dos montantes em dívida, sob pena de rescisão contratual - cfr. Doc. n.º 9 junto com a P.I.
Ora,
4.- O último pagamento efetuado pela Ré data de 01/11/2019, conforme já indicado no artigo 39.º da P.I. pelo que,
5.- Á data da rescisão contratual encontravam-se já vencidas 10 prestações – Cfr. Doc. 6 junto com a P.I.
6.- Prestações cujo valor conjunto excedia 10/prct. do montante total do crédito.
7.- Reitera-se por isso que, o artigo 20.º do DL n.º 133/2009, de 02 de Junho indica que,  

1-Em caso de incumprimento do contrato de crédito pelo consumidor o credor só pode invocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato se, cumulativamente, ocorrerem as circunstâncias seguintes:
a)-A falta de pagamento de duas prestações sucessivas que exceda 10/prct. Do montante total do crédito;
b)- Ter o credor, sem sucesso, concedido ao consumidor um prazo suplementar mínimo de 15 dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas da eventual indemnização devida, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato - sublinhado nosso.

8.-Algo ainda que se encontrava previsto no n.º 1 da cláusula 13 das condições gerais do contrato de crédito celebrado – Cfr. Doc. 1 já junto com a P.I.
9.-Condições cumulativas que se verificaram no caso em análise.
10.-Termos em que podia a Autora proceder à rescisão contratual, de forma unilateral, sem necessidade de qualquer outra comunicação ou interpelação para esse efeito.
11.-  O que, reitera-se fez em 30/09/2020.
12.- Data a partir da qual cessaram todos os efeitos contratuais e foi relevada a resolução do contrato por incumprimento definitivo imputável ao cliente.

13.- Aplicando-se todos os efeitos previstos nos termos do n.º 2 e 3 da cláusula 13 do contrato de crédito celebrado e disposições conjugadas dos artºs 289º e 433.º e seguintes do Código Civil.
14.-Nos termos do douto Acórdão do TRL – Processo 82328/14.0YIPRT.L2-2:
VI.–Assim, devemos considerar que, após interpelação admonitória para pagar as prestações em dívida, de acordo com o disposto no art.º 808º do Código Civil, não tendo cumprido o contrato, ocorreu incumprimento definitivo e o credor ficou com a possibilidade de resolver o contrato.
VII.– A resolução do contrato importa para o credor o direito a ser pago dos valores vencidos até à data da resolução, por força do disposto nas disposições conjugadas dos artºs 433, 434º, n.º 2, e 289º, todos do Código Civil”…”.
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f)-Foi então proferida sentença do seguinte teor integral:
“A presente “acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum” foi instaurada em 13-XI-20 por “C - SSAFC” contra Tereza – sendo pedida a condenação da R. “no pagamento à Autora da quantia de € 23.177,15, acrescida dos respectivos juros de mora vencidos até à data da propositura da presente acção – no valor de € 255,35 – bem como dos juros vincendos até efectivo e integral pagamento.”.
Citada em 19-XI-20, a R. não contestou (tendo sido deferido o pedido de apoio judiciário, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e nomeação de patrono) – pelo que, por despacho de 11-VI-21, foram julgados confessados os FACTOS articulados pela A., a saber:
1- Em 21-II-19 A. e R. assinaram o “CONTRATO DE CRÉDITO PESSOAL (…)” junto a fls 9 a 14 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – com o ‘Montante Total Imputado ao Consumidor’ de 31.002,00€.
2- Em 25-II-19 a A. entregou à R. a quantia de 20.000,00€.
3- A R. pagou 8 das 120 prestações.
4- Em 2-VII-20 a A. enviou à R. a carta junta a fls 33 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – e considerou o contrato resolvido em 30-IX-20.

Direito
Demonstrada a celebração de um contrato de mútuo, e o seu incumprimento pela R., assistia à A. (depois de extinto o ‘PERSI’) o direito de resolver o contrato (nos termos da condição geral 13) – e, consequentemente, exigir a totalidade das prestações, comissão por incumprimento e cláusula penal.
Sucede que – apesar da “possibilidade” referida no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa invocado -, a A. não resolveu o contrato (apesar de alegar que o considerou resolvido) – não tendo enviado qualquer declaração (prevista no artigo 436º/1 do Código Civil) após a extinção do ‘PERSI’ (e sendo certo que, na carta de interpelação, a A. declara que após o prazo de 15 dias, “se encontrarão reunidas as condições para procedermos à resolução”).
Não estando o contrato resolvido, encontra-se em vigor (até 21-II-2029) – e, apesar do incumprimento, a A. não tem o direito de exigir a totalidade das prestações vincendas e penalização.
Decisão:
Pelo exposto, absolve-se a R. do pedido.
Custas pela A. (CPC 527º).”
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g)-Inconformada a autora apelou para este Tribunal da Relação de Lisboa, tendo formulando a rematar as suas alegações de recurso as seguintes CONCLUSÕES:
I.– A douta Sentença declarou que, apesar do incumprimento, a A. não tem o direito de exigir a totalidade das prestações vincendas e penalização, absolvendo a Ré do pedido.
II.– A decisão foi tomada após exercício do contraditório pela Requerente, em que foram apresentadas alegações que a Sentença ignorou verificando-se por isso um atropelo ao contraditório efectuado pela Requerente, que viu os seus argumentos serem desconsiderados, sem que a douta Sentença os tenha rebatido, ou sequer provado que os analisou.
III.– Violando pelo exposto o princípio do Contraditório, ao não terem sido relevados os argumentos apresentados na resposta dada pela Recorrente em clara violação do artigo 3.º, n.º 3 do CPC.
IV.– Salvo o devido respeito, não fez ainda a douta Sentença uma correcta interpretação da prova junta ao ter desconsiderado documento que, não tendo sido impugnado fazia prova cabal quanto à rescisão.
Porquanto,
V.– A aqui Recorrente juntou aos autos, carta de interpelação admonitória remetida em 02/07/2020, com aviso de recepção em que concedeu à ora Ré, o prazo de 15 dias, a contar dessa data, para que procedesse á regularização dos montantes em dívida, sob pena de rescisão contratual - cfr. Doc. n.º 9 junto com a P.I.
VI.– Prova documental que, não tendo sido impugnada, levaria forçosamente a que a rescisão contratual fosse dada como provada.
VII.– Termos em que o douto Tribunal proferiu Sentença que padece de vício insanável por não efetuado uma cabal e critica análise das provas juntas aos autos, nomeadamente documental.
VIII.– Vicio que é causa de nulidade da Sentença recorrida nos termos do artigo 615.º do CPC.
Mas mais se diga porquanto,
IX.– A Sentença recorrida indica que a Autora não enviou qualquer declaração após a extinção do PERSI no entanto,
X.– Dá como provado no ponto 4 dos factos provados que “Em 2-VII-20 a A. enviou à R. a carta junta a fls 33 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – e considerou o contrato resolvido em 30-IX-20”…”.
XI.– Documento remetido em data posterior à a extinção do PERSI.
XII.– Pelo que padece de uma contradição insanável na sua fundamentação.
XIII.– Verifica-se o erro notório na apreciação da prova quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.
XIV.– O que ocorreu no caso em análise!
XV.– Contradição insanável e que fere de nulidade a Sentença recorrida nos termos do da alínea c) do n.º 1, do artigo 615.º do CPC.
No que concerne à rescisão em si, sempre se diga que,
XVI.– Á Recorrente assistia o direito de rescindir o contrato unilateralmente com a Ré porquanto, conforme prova junta aos autos, cumpriu com o estipulado por lei nomeadamente o art.º 20.º do DL 133/2009, de 02/06.
E assim o fez pois,
XVII.– Interpelou admonitoriamente a ré, concedendo-lhe o prazo de 15 dias para pagar as prestações que se encontravam em falta, sob pena de se considerar resolvido o contrato, sendo que tal comunicação foi enviada para a morada da ré constante do contrato, por carta registada com aviso de recepção e se considera eficaz, ainda que não tenha sido recebida, nos termos do disposto no art.º 224.º, n.º 1 e 2 do Cód. Civil (factos provados 4).
XVIII.– Por outro lado, igualmente se provou que a ré nada mais pagou, apesar da interpelação (facto provado 3).
XIX.– Na medida em que à data da interpelação efectuada se encontravam em dívida mais de 2 prestações sucessivas cujo montante excedia 10% do montante total do crédito e a autora concedeu à ré o prazo suplementar mínimo de 15 dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, com expressa advertência da resolução do contrato, não há dúvidas de que é legal a resolução do contrato levada a cabo.
XX.– Assistindo assim à Recorrente o direito ao pagamento do capital em dívida, acrescido de juros vencidos e comissão de incumprimento, nos termos convencionados.
XXI.– Termos em que a rescisão, que foi dada como não prova pela Sentença Recorrida, foi efetuada pela Autora, ora Recorrente, nos termos da lei e provada por documentação junta aos autos e não impugnada, pelo que teria, salvo o devido respeito, de ter sido dada como provada.
XXII.– Pelo que a decisão que foi tomada com fundamento na não rescisão do contrato de crédito, algo que, pelo que vai dito, vai contra a legislação em vigor e em prejuízo dos princípios já anteriormente enunciados.
XXIII.– Pelo que à luz da legislação vigente deve a douta Sentença ser revogada, sendo dada como provada a rescisão contratual operada e em consequência, o direito que a Autora tem de exigir a totalidade das prestações vincendas e penalização.
XXIV.– Sendo a Ré, que não contestou, condenada no pedido!
XXV.– Pelo que a douta Sentença deve ser revogada por violação do estipulado no artigo 3.º, n.º 3 e artigo 607.º ambos do CPC, art.º 224.º, n.º 1 e 2 e artºs 289º e 433.º e seguintes todos do Código Civil e artigo 20.º do DL n.º 133/2009, de 02 de Junho.”
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h)-Os autos não evidenciam que tenham sido apresentadas contra-alegações.
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i)-Colhidos os vistos legais das Excelentíssimas Senhoras Juízas Desembargadoras adjunta deste Tribunal Colectivo cumpre agora apreciar e decidir.------------------------------------------------------
São as seguintes as questões a decidir nesta instância de recurso.
- a da violação do princípio do contraditório e da nulidade consistente na prolação de “decisão surpresa” por desconsideração dos argumentos apresentados pela autora sobre a questão da comunicação da resolução do contrato;
- a da nulidade da sentença por não atender a meios de prova não contestados ou por contradição entre os fundamentos e a decisão;
- a da existência de resolução do contrato através da carta remetida à ré em 2 de julho de 2020.

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II - OS FACTOS

a)-Relevam para a decisão a proferir nesta instância de recurso os factos que emanam do antecedente relatório, nomeadamente os que foram considerados confessados na sentença impugnada que acima se transcreveu ou seja:
- Em 21 de fevereiro de 2019 autora e ré assinaram um contrato de crédito pessoal através do qual a autora, em síntese, a autora assumiu a obrigação de ceder à ré a quantia de 20.000,00 €, assumindo a ré a obrigação de reembolsar a autora desse valo acrescidos dos juros e demais acréscimos legais em cento e vinte prestações mensais e sucessivas.
- A autora entregou à ré essa quantia em 25 de fevereiro de 2019.
- A ré pagou oito das cento e vinte prestações mensais.

Em 2 de julho de 2020 a autora enviou à ré a carta registada com aviso de recepção cujo teor, dado por reproduzido na sentença, é o seguinte:
“Assunto: Interpelação de pagamento
Cara Tereza (…),
Tendo em conta que já fizemos todos os esforços possíveis para encontrar uma solução e não verificamos qualquer interesse da sua parte, somos obrigados a exigir a regularização da totalidade do atraso
Assim, dispõe de um prazo adicional de 15 dias para proceder ao pagamento, após o qual se encontrarão reunidas as condições para procedermos à resolução do seu contrato, sem necessidade de qualquer outra comunicação ou interpelação para esse efeito, nos termos do contrato celebrado e do artigo 20.º do DL 133/2009, de 2 de junho para os contratos celebrados ao abrigo deste diploma.
Mais informamos que em caso de resolução contratual acrescerão à totalidade do valor em dívida as comissões e encargos relativos ao incumprimento definitivo do contrato. Após a referida resolução será intentada a competente acção judicial que poderá culminar com uma penhora de rendimentos e outros bens,
Conte com o nosso apoio em tudo o que precisar (…)”

- A autora considerou resolvido o contrato em 30 de setembro de 2020.

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III– O DIREITO

a)-Coloca inicialmente a autora a questão da eventual violação do princípio do contraditório invocando que na sentença impugnada não foram atendidos nem analisados os argumentos que expôs a propósito da comunicação à ré da resolução do contrato de concessão de crédito pessoal e que desse modo não foi dado cumprimento ao disposto no artigo 3.º n.º 3 do Código de Processo Civil (Conclusões I a III).
Em verdade do que se tratar é da invocação da nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de direito que justificam a decisão já que o não acolhimento da argumentação da parte não constitui violação do princípio do contraditório.
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b)-É sabido que nos termos do preceito indicado o tribunal não pode decidir quaisquer questões de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Invocando a autora na petição inicial a resolução do contrato de crédito celebrado com a ré como fundamento para a formulação do pedido de restituição das quantias mutuadas e demais acréscimos legais, o Sr. Juiz de Direito após os articulados ordenou a notificação da autora para juntar aos autos a “declaração de resolução do contrato indicando a norma do Código Civil que regre sobre como e quando se efectiva a resolução contratual.
A autora entendendo correctamente que estava em causa a efectivação da resolução do contrato respondeu nos termos expressos na alínea d) do relatório que antecede.
Novamente notificada para esclarecer como e quando tinha procedido à resolução do contrato, a autora reiterou o seu entendimento acerca da resolução do contrato pela forma que consta na alínea e) do antecedente relatório.
Ou seja, antes de decidir acerca do fundamento da acção, o Sr. Juiz de Direito expressou claramente o seu entendimento de que se tornava necessário dirigir à ré, na sequência da interpelação admonitória, uma comunicação dando conhecimento da resolução do contrato.
E isso foi correctamente entendido pela autora como se depreende das suas respostas.
A sentença, ainda que de forma pouco desenvolvida mas em coerência com o teor dos despachos anteriores, confirma a inexistência de comunicação da decisão de resolução do contrato à outra parte.
Razão pela qual improcedem as conclusões apresentadas em contrário pela apelante.
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c)-Nas conclusões seguintes (IV a VIII) a apelante, invocando erro notório na apreciação da prova, insurge-se contra o facto de não ter sido considerada na sentença impugnada a prova da resolução do contrato em seu entender decorrente da carta de interpelação admonitória enviada à ré em 2 de julho de 2020.
Como adiante melhor se explicará, a carta enviada pela autora à ré não faz prova sobre a comunicação da intenção de resolução do contrato.
Daí que a ausência de contestação por parte da ré não tenha como consequência que se deva considerar provado que através da mencionada carta se efectivou a resolução do contrato.
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d)-Também a alegação contida nas conclusões IX a XV das alegações de recurso carece no caso de qualquer fundamento na medida em que a ausência de comunicação a que a sentença se reporta é a comunicação através da qual se deveria realizar a resolução do contrato, que a sentença considerou não ter sido realizada.
Não existe qualquer contradição entre os fundamentos, mesmo que parcos, da sentença impugnada e a decisão de considerar não resolvido o contrato por ausência de comunicação com essa manifestação de vontade da autora de fazer cessar o contrato de concessão de crédito e todos os seus efeitos.
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e)-Não ocorre, pois, qualquer vício que, nos termos do artigo 615.º do Código de Processo Civil determine a nulidade da sentença impugnada.
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f)-A questão central colocada pela apelante prende-se com o teor da carta registada enviada à ré em 2 de julho de 2020 e com o seu significado e consequências sobre o contrato celebrado.
Se é certo que a sentença impugnada é extremamente sucinta quanto a este ponto, dando por assente que a autora tinha compreendido o porquê da notificação para juntar documento em que tivesse comunicado à ré a resolução do contrato ou explicar quando e porque forma tinha praticado tal acto, não é menos certo que a decisão não oferece qualquer dúvida.
Senão vejamos.
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g)-Na carta enviada à ré em 2 de julho de 2020 a autora concede à ré um prazo adicional de quinze dias para proceder ao pagamento das quantias que se encontravam em dívida.
Tal missiva surge na sequência da falta de pagamento das prestações, em que, nos termos contratados, se fraccionava a obrigação de reembolso à autora da quantia mutuada, vencidas a partir de dezembro de 2019. O seu teor tem acolhimento na cláusula 13.ª n.º 1 das condições gerais do contrato celebrado entre autora e ré e do artigo 20.º n.º 1 do Decreto Lei 133/2009, de 2 de junho.
Na verdade, estando a ré em mora relativamente ao pagamento de valor superior a 10% do montante total do crédito, para que pudesse válidamente invocar incumprimento definitivo do contrato por parte da ré haveria que lhe dirigir uma interpelação admonitória nos termos do artigo 808.º n.º 1 do Código Civil, fixando-lhe um prazo razoável para realização da prestação em falta sob pena de considerar, para todos os efeitos, como não cumprida a obrigação de integral reembolso da quantia mutuada e demais acréscimos.
A interpelação admonitória consiste exactamente no acto pelo qual o credor reclama do devedor em mora o cumprimento da obrigação a que está vinculado, sob pena de entrar em incumprimento definitivo.
A interpelação admonitória efectuada pela autora através da carta remetida à ré em 2 de julho era condição essencial à conversão da mora em que ela se encontrava em incumprimento definitivo. Sem ela não poderia a autora enquanto credora invocar válidamente a perda do benefício do prazo nem a resolução do contrato.
Decorrido que seja o prazo admonitório fixado, ocorre o incumprimento definitivo, tendo o credor todos os direitos provenientes do incumprimento definitivo, designadamente o direito de resolver o contrato.
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h)-Neste contexto, a desnecessidade de posterior comunicação ou interpelação que a autora fez constar da carta registada enviada a 2 de julho de 2020 – e que não consta (nem podia constar!) do artigo 20.º do Decreto Lei 133/2009, de 2 de junho nem das condições gerais do contrato – só pode reportar-se aos efeitos visados com a interpelação, isto é, à conversão da mora em incumprimento definitivo.
Em todo o caso, a interpelação admonitória não isenta a autora de exercer, pela forma legal, o direito à resolução do contrato, efectuando a competente comunicação à contraparte.
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i)-Nos contratos sinalagmáticos as obrigações das partes contratantes nascem da celebração do contrato que traduz o encontro de vontades em relação ao seu objecto e à concretização das obrigações livremente assumidas.
No caso do contrato de concessão de crédito pessoal que é objecto destes autos a autora obrigou-se a ceder à ré mediante retribuição determinada quantia em dinheiro que esta se obrigou a restituir faseadamente em cento e vinte prestações.
Tendo a ré deixado de cumprir a obrigação de pagamento de um número significativo de prestações constitui-se em mora e, mantendo-se nessa situação não obstante a interpelação admonitória levada a cabo pela autora para efectuar o pagamento, entrou em situação de incumprimento definitivo do contrato.
Em caso de incumprimento definitivo do contrato por uma das partes tem a parte fiel direito à resolução do contrato nos termos e com os efeitos previstos nos artigos 432.º e seguintes do Código Civil e que no caso dos autos implica a restituição da quantia mutuada ainda em dívida e demais encargos legais.
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j)-A comunicação da intenção de resolução do contrato pela parte que se tenha mantido fiel aos respectivos termos à outra parte efectua-se, nos termos do artigo 436.º do Código Civil, mediante declaração à outra parte.
No caso dos autos, tendo o contrato sido reduzido a escrito deveria igualmente ter a forma escrita a comunicação da resolução.
Ora – e este é o cerne da questão colocada pela apelante – não valendo a interpelação admonitória dirigida à ré como declaração da intenção de resolução do contrato, o contrato de concessão de crédito pessoal celebrado entre a autora e a ré deve considerar-se definitivamente incumprido.
Nos termos do artigo 801.º do Código Civil, o credor (a autora) pode então resolver o contrato celebrado com a ré.
O direito ao reembolso da quantia mutuada e demais acréscimos nos termos acordados só existe a partir do momento em que o contrato seja resolvido: enquanto o não for o contrato continua “em vigor”, como se decidiu na sentença impugnada, apesar de definitivamente incumprido por uma das partes.
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k)- Pelo exposto se conclui que a autora, porque não comunicou à ré a intenção de resolução do contrato que, erradamente, presumiu feita em 30 de setembro de 2020, só terá direito a exigir a totalidade da quantia mutuada ainda em dívida e os demais acréscimos, incluindo os respectivos juros e a penalidade acordada por incumprimento, após a efectivação de tal acto de comunicação à ré que, por vontade sua, ponha termo ao contrato.
A apelação improcede, mantendo-se a sentença impugnada.
  
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IV–DECISÃO

Termos em que, em conformidade com o artigo 663.º n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, acordam em julgar improcedente a apelação e em confirmar integralmente a sentença impugnada.
Custas pela autora apelante.


Lisboa, 2 de dezembro de 2021


Manuel José Aguiar Pereira
Maria Teresa Batalha Pires Soares -


Voto vencida porque entendo que é de considerar que a resolução contratual se operou com a citação da ré para a acção.
Neste sentido o Ac. do TRC processo 10180/15.5T8CBR-A.C1  acessível na base de dados da “www.dgsi.pt ”– Face ao atual Código de Processo Civil (na redacção decorrente da Lei nº 41/2013, de 26.06), com referência à execução sob a forma ordinária, na medida em que a mesma corresponde à execução com citação prévia e constitui a forma-regra, importa concluir que ao ter lugar a citação (prévia) dos Executados, teve lugar o exercício do direito potestativo de resolução do contrato, com a concomitante interpelação para o pagamento do montante total em dívida, montante este tornado exigível por via do seu operado vencimento, isto é, a resolução foi comunicada e operada com a citação dos Executados nos presentes autos.”

Octávia Machadinho Viegas