Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
336/22.0PALSB.L1-9
Relator: ANA MARISA ARNÊDO
Descritores: DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA
ERRO DE JULGAMENTO
ADITAMENTO DE FACTOS NOVOS PELA VIA DA IMPUGNAÇÃO AMPLA DA MATÉRIA DE FACTO
CRIME DE ABUSO SEXUAL DE MENORES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I. A tomada de declarações para memória futura foi requerida e deferida antes de ser prolatado despacho de acusação e a sua realização só não ocorreu até à data em que foi proferida a acusação por vicissitudes próprias decorrentes dos agendamentos e adiamentos efectuados no Tribunal deprecado.
II. Não está em causa uma omissão da tomada de declarações para memória futura, pois que a diligência cuja obrigatoriedade, in casu, decorre do preceituado no art.º 271, n.º 2 do C.P.P., foi requerida, deferida e realizada.
III. «A insuficiência do inquérito sancionada como nulidade sanável [art.º 120.°/1/d)] reporta-se à omissão de atos obrigatórios que integram o aludido vetor teleológico do inquérito como complexo de atos conformado pela função endoprocessual de determinar a decisão de mérito do MP sobre a ação penal. Neste quadro, a teleologia do dever de inquirição para memória futura estatuído no art.º 271º/2, tal como sucede com a junção do certificado de registo criminal imposta pelo art.º 274.º, não constitui condição do juízo de indícios suficientes do MP, integrando simplesmente um dever correlacionado com o exercício da ação penal reportando-se a uma atividade instrumental relativamente à fase de julgamento (…) Se o MP, desrespeitando o dever legal estatuído no art.º 271.º/2, ouvir a vítima em simples inquirição de testemunha, cumprindo todas as outras formas legais pertinentes, verifica-se uma mera irregularidade (arts. 118.º/2 e 123º/1), que não afeta os elementos legalmente impostos como prévios ao juízo de indícios suficientes formulado na acusação, não gerando nulidade por insuficiência de inquérito nem afetando a validade da acusação (…)»
IV. Como resulta dos autos e não merece contrariedade do recorrente, as declarações para memória futura foram prestadas quando havia já arguido constituído, na presença do mandatário do mesmo, com observância, ademais, do contraditório pleno.
V. No que tange aos factos que o recorrente pretende que sejam aditados, não constando os mesmos da acusação, da contestação (na qual o arguido se limitou a oferecer o merecimento dos autos), nem da sentença revidenda (como provados ou não provados), não é, em sede de impugnação da matéria de facto, pela via do erro de julgamento, possível proceder à rogada sindicância.
VI. A impugnação da matéria de facto e a reapreciação a efectuar pelo tribunal de recurso, pela via do erro de julgamento, não poderá ter por objecto, nem por finalidade, a introdução na factualidade provada de factos não incluídos na decisão recorrida.
VII. Acresce que, os factos que o recorrente teima que deviam ter sido dados como provados são, inquestionavelmente, inócuos e irrelevantes para a decisão da causa.
VIII. O arguido/recorrente transcreve, em mesclado, trechos dos depoimentos prestados pelas testemunhas em julgamento, em sede de inquérito e, até, no processo disciplinar que correu em paralelo aos autos criminais (refutando a convicção adquirida pelo tribunal recorrido sobre os factos dados como provados e contrapondo a sua própria convicção), em jeito de petitório para avaliação de toda a prova, no equívoco, de resto, que o tribunal de recurso procede a um novo julgamento.
IX. A valoração de declarações e depoimentos (seja na qualidade de arguido ou de testemunha) produzidos anteriormente à fase da audiência de discussão e julgamento só poderá ocorrer nas situações expressamente previstas e reunidos os legais pressupostos, nos exactos termos a que aludem os art.º 355º, 356º e 357º do C.P.P.
X. Não tendo o recorrente especificado as concretas provas que imporiam decisão diversa da revidenda, nem indicado as passagens em que se funda a impugnação, nos termos prevenidos no art.º 412º, n.º 1 e 2, al. a) e b) e 4 do C.P.P. (limitando-se a fazer menção difusa às provas produzidas em julgamento, no inquérito e até no processo disciplinar que correu em paralelo) o escrutínio da matéria factual apenas poderá ser realizado pela via a que alude o art.º 410º, n.º 2 do C.P.P.
XI. In casu, é patente, do texto da decisão recorrida não resulta qualquer dos vícios a que alude o art.º 410.º n.º 2, do C.P.P. Na verdade, não se vislumbra (nem em rigor é invocado) que sobressaia da decisão, por si só e/ou com recurso às regras da experiência comum, qualquer falha evidente na análise da prova ou qualquer juízo ilógico ou arbitrário, nem se vê que a Sr. Juíza do Tribunal a quo se tenha debatido com qualquer estado de dúvida e que o tenha resolvido violentando o princípio in dubio pro reo.
XII. No caso dos autos, da facticidade assente decorre, em abreviada síntese, que: o recorrente segurando o seu telemóvel e, percorrendo a galeria de imagens exibiu à menor um número não concretamente apurado de fotografias, nas quais eram visíveis mulheres adultas seminuas, e uma fotografia em que ele aparecia, nu, com o órgão genital exposto e acompanhado de uma mulher; de seguida desferiu naquela uma palmada nas nádegas, perante os demais alunos presentes na sala e após o final da aula, aproveitando-se do facto de se encontrarem sozinhos no interior da sala, dirigiu-se à mesma e, ao mesmo tempo que lhe acariciava a face com as mãos questionou-a se alguém já lhe tinha tocado e se já tinha ido para a cama com alguém, tendo a menor respondido negativamente.
XIII. Ou seja, no confronto com a demais materialidade apurada relativamente à idade, condições pessoais e de saúde da vítima, não nos assolam quaisquer dúvidas de que todo o comportamento adoptado pelo arguido, então professor daquela, é inequivocamente subsumível, objectiva e subjectivamente, ao tipo legal pelo qual foi condenado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
1. Nos autos em referência, no âmbito da carta precatória expedida para a tomada de declarações para memória futura, o arguido/recorrente AA apresentou, em 7 de Setembro de 2023, requerimento com o seguinte teor:
«1º - Foi deduzida acusação nos autos e declarado encerrado o inquérito, cf. teor de fls.
2º - Nos termos do artigo 271º do CPP n.º 1 e 2, as declarações para memória futura da menor são colhidas no “...decurso do inquérito...”. Artigo este enquadrado no CPP, no Capítulo II – dos atos de inquérito.
3º - Ora, Exa. esta fase processual já passou, o inquérito está findo e encerrado pelo D. Depacho do DMMP.
4º - Nesta conformidade, argui-se desde já a respetiva nulidade nos termos das disposições conjugadas dos artigos 118º, 120º, n.º 1, n.º 2 al. d), n.º 3, al. c) e 122º, 271º, n.º 1 e 2, 276º e 283º do CPP.
5º - Salvo melhor opinião tais declarações para memória futura já não podem ser colhidas porque já não estamos no decurso do inquérito, com as legais consequências, mas V. Exa decidirá»
2. Na sequência do requerimento apresentado, o Sr. Juiz de Instrução proferiu, em 12 de Setembro de 2023, o seguinte despacho:
«Carta Precatória (Distribuída)
Embora as declarações para memória futura devam ser recolhidas o mais cedo possível, nomeadamente na fase inicial de inquérito, podem ser tomadas assim que se mostre possível, em qualquer fase do processo.
Pelo exposto, julgo improcedente a invocada nulidade.
Notifique»
3. Aquando da tomada de declarações para memória futura, no dia 13 de Setembro de 2023, no final da diligência, o arguido AA apresentou novo requerimento, conforme transcrição que segue:
«O arguido é forçado a renovar o presente requerimento, porquanto as nulidades referidas no artigo 120.º do CPP, n.º 3 - As nulidades referidas nos números anteriores devem ser arguidas:
a) Tratando-se de nulidade de acto a que o interessado assista, antes que o acto esteja terminado;
O que se passa de seguida a fazer.
Foi deduzida D. Acusação pública nos presentes autos e ainda na mesma peça processual declarado encerrado o inquérito, por D. Despacho de Acusação da Digna MMP, datado de 09-08-2023, cf. teor de fls.
Nos termos do artigo 271.º do CPP n.º 1 e 2, as declarações para memória futura da menor são colhidas no “…decurso do inquérito…”. Artigo este enquadrado no CPP, no Capítulo II – dos atos de inquérito.
“2 - No caso de processo por crime contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor, procede-se sempre à inquirição do ofendido no decurso do inquérito, desde que a vítima não seja ainda maior.”
Ou seja, a omissão da tomada de declarações para memória futura do menor constitui uma nulidade Sanável do artigo 120.º, n.º 2, al. d), uma vez que se trata de acto legalmente obrigatório do inquérito.
Foi este preceito legal que não foi respeitado e que gera a nulidade. Ora, Exa. esta fase processual já passou, o inquérito está findo e encerrado pelo D. Depacho da DMMP.
Razão pela qual foi enviada pelo Tribunal ao Mandatário do arguido a notificação com a REF – ..., com data de 04-09-2023, para os efeitos do artigo 283.º, n.º 5 do CPP – de que foi proferido Despacho de Acusação e ainda para querendo requerer a abertura de instrução nos termos do artigo 287.º do CPP.
Nesta conformidade, argui-se desde já a respetiva nulidade nos termos das disposições conjugadas dos artigos 118.º, 120.º, n.º 1, n.º 2 al. d), n.º 3, al. c) e 122.º 271.º, n.º 1 e 2, 276.º e 283.º do CPP.
Salvo melhor opinião tais declarações para memória futura já não podiam ser colhidas porque já não estamos no decurso do inquérito,
Ou seja, as declarações para memória futura não podem ser produzidas, por um lado por falta de oportunidade/momento processual para o efeito e ainda por incompetência do Juiz de Instrução Criminal, para a prática nesta fase do referido ato.
Os Atos que o Juiz de Instrução Criminal pode praticar e ou ordenar ou autorizar na fase de Inquérito são os previstos nos artigos 268.º e 269.º do CPP.
E as declarações para memória futura que cabe ao Juiz de Instrução Criminal fazer a inquirição são apenas e tão só na fase de Inquérito, na qual repete-se já não estamos.
Por sua vez pode o Juiz de Instrução Criminal praticar naturalmente todos os atos próprios de Juiz de Instrução Criminal, mas em sede de Instrução. Todavia, a Instrução tem carácter facultativo 286.º, n.º 2 do CPP, e, como não foi requerida pelo Arguido e ora Recorrente, também não estamos nessa fase processual, logo não pode o Juiz de Instrução Criminal, praticar atos próprios de uma Instrução que nunca foi requerida e ou aberta, não podendo assim sequer lançar mão do artigo 294.º o CPP.”
Obviamente que as declarações para memória futura colhidas neste circunstancialismo, ou seja, fora do prazo e contra a letra da Lei, afectam os direitos liberdades e garantias deste Arguido que cabe ao Juiz de Instrução Criminal acautelar, por violação dos princípios da legalidade, contraditório e do direto a um processo equitativo, com igualdade de armas – e de respeito pelos normativos legais, pelas fases processuais e prazos e poderes de cada sujeito processual - , artigos 32.º da CRP e 6.º da CEDH.
Pelo que deve, a referida nulidade ser dada por verificada e decretada, com as legais consequências, afetando quer as declarações para memória futura, quer os posteriores termos do processo que com estas estejam relacionadas»
4. Sobre este requerimento recaiu despacho, do Sr. Juiz de Instrução, nos seguintes termos: «De facto, a nulidade que foi suscitada pelo Ilustre Defensor do arguido em momento anterior à presente diligência foi já apreciada e decidida nada mais havendo a acrescentar.
No demais, nota-se que o ato é realizado no âmbito de carta precatória e que o Tribunal Deprecante, em momento algum solicitou a devolução da deprecada sem cumprimento.
Assim ao Tribunal Deprecado apenas cabe praticar o ato que lhe é solicitado ficando todas as demais questões nomeadamente as relacionadas com o posterior andamento dos autos principais a cargo desses mesmos autos.
Pelo exposto nada mais há a decidir que não seja a remessa dos autos à deprecante cumprido que foi o ato solicitado.
Devolva.»
5. Dos despachos referidos em 2. e 4. o arguido interpôs recurso. Extrai da motivação as seguintes conclusões:
«- O dever de fundamentação, na dimensão que lhe é conferida enquanto princípio fundamental decorrente do artigo 205.º, n.º 1, da CRP, e como manifestação do direito a um processo equitativo, nos termos do artigo 6.º da CEDH, implica que o tribunal, conhecendo das questões que lhe são colocadas, explicite os motivos pelos quais julga procedente ou improcedente o requerimento e a nulidade arguida, nomeadamente que, ao pronunciar-se sobre alegada nulidade, cumpra o disposto no n.º 2 do artigo 374.º do CPP.
- No caso de processo por crime contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor, procede-se sempre à inquirição do ofendido no decurso do inquérito, desde que a vítima não seja ainda maior, nos termos do artigo 271.º, n.º 2 do CPP. Pelo que estando o Inquérito encerrado e a correr prazo para a abertura de instrução não pode o Juiz de Instrução Criminal praticar atos próprios do inquérito ou da instrução, por estar esgotado o seu poder jurisdicional ou por ainda não estar iniciado e por tal não estar previsto e permitido na Lei, antes desta resultando o contrário – artigos 2.º, 10.º e 17.º do CPP.
- As declarações para memória futura colhidas neste circunstancialismo, ou seja, fora do prazo e contra a letra da Lei, afectam os direitos liberdades e garantias deste Arguido que cabe ao Juiz de Instrução Criminal acautelar, por violação dos princípios da legalidade, contraditório e do direto a um processo equitativo, com igualdade de armas – e de respeito pelos normativos legais, pelas fases processuais e prazos e poderes e competências de cada sujeito processual - , artigos 32.º da CRP e 6.º da CEDH.
- A omissão da tomada de declarações para memória futura do menor por crime contra a liberdade e autodeterminação sexual constitui uma nulidade Sanável do artigo 120.º, n.º 2, al. d), uma vez que se trata de acto legalmente obrigatório do inquérito.
- O processo penal corresponde à sequência de atos juridicamente preordenados e praticados por determinadas entidades ou sujeitos processuais (como, por exemplo, o juiz, o magistrado do Ministério Público ou o arguido, etc.), legitimamente autorizados, em ordem à emissão de decisão, na qual se apura se foi praticado algum crime e, em caso afirmativo, quais as respetivas consequências jurídicas e a sua justa aplicação. O direito processual penal é, por sua vez, o ramo do Direito constituído pelo conjunto de normas jurídicas que orientam e disciplinam o processo penal, entre as quais merece destaque o CPP (Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro, alterado por diversa legislação posterior). Ora o processo penal tem regras e estas devem ser iguais para todos os sujeitos processuais – é isto o princípio do direito a Julgamento equitativo e com igualdade de armas. Respeito pela Lei, pelas fases processuais, que são diferentes nas suas finalidades e em quem é o seu “dominus”, impossibilidade da prática pelo Juiz de Instrução Criminal de atos processuais próprios de fases processuais que já estão terminadas por estar esgotado o seu poder jurisdicional e a sua competência para o efeito e impossibilidade do Juiz de Instrução Criminal praticar atos próprios de fases processuais que nem sequer foram abertas – tudo isto em nome dos princípios da igualdade, legalidade – artigos 2.º, 10.º e 17.º do CPP - e segurança jurídica.
- Para os efeitos do artigo 412.º, n.º 2, als. a) a c) do C.P.P. – As Decisões ora impugnadas não fizeram correta interpretação dos artigos 2.º, 10.º e 17.º, 118.º, 120.º, n.º 1, n.º 2 al. d), n.º 3, al. c) e 122.º, 268.º, 269.º, 271.º, n.º 1 e 2, 276.º, 283.º, 287.º, 293.º, 374.º e 379.º do CPP, artigos 32.º e 205.º da CRP e 6.º da CEDH.
Nestes Termos e nos demais de Direito, com o Douto suprimento de V. Exas que se impetra, deve ser dado provimento ao presente recurso do Recorrente, revogando-se, as Doutas Decisões recorridas e substituindo-as por outras que:
- declare verificada a nulidade, considere que as declarações para memória futura recolhidas nestas circunstâncias concretas já não são possíveis e que declare nulas as declarações para memoria futura prestadas e todos os subsequentes termos do processo que delas dependerem, seguindo o processo a sua ulterior tramitação até final, com as legais consequências»
6. O recurso foi admitido a subir a final, nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo, por despacho de 22 de Setembro de 2023.
7. A Ex.ma Senhora Procuradora da República respondeu ao recurso interposto, sustentando a manutenção dos despachos recorridos. Aparta da resposta as seguintes conclusões:
«Nas fases subsequentes ao inquérito, seja na instrução (artigo 294º do Código de Processo Penal), seja na fase do julgamento (artigo 320º do mesmo diploma legal), a lei consente que a realização de declarações para memória futura seja determinada oficiosamente ou a requerimento.
Importa não perder de vista que o conceito de prova pré-constituída se refere aos meios de prova antecipada, como é o caso das declarações para memória futura, legalmente previstas nos artigos 271º, 294º e 320º do Código de Processo Penal.
Em momento anterior ao despacho proferido pelo Exmo Sr. Vice-Procurador-Geral da República, foi requerida a tomada de declarações para memória futura da menor ofendida, através de requerimento efetuado no dia 07.06.2023, circunstância que antecedeu a elaboração do despacho final.
Por vicissitudes várias, a diligência teve lugar em data posterior à prolação da acusação, cujo teor a II. Colega titular protestou juntar em sede de despacho final, circunstância que, a nosso ver, não impede que as mesmas sejam tidas em consideração numa fase subsequente do processo.
Embora invocando a nulidade do artigo 120.º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Penal, temos por seguro que a tomada de declarações para memória future — cuja produção, no caso de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, cuja vítima seja menor de idade — é legalmente imposta, não foi omitida durante a fase de inquérito.
Tal diligência foi tempestivamente requerida ao Juiz de Instrução, em respeito pelo princípio do pedido, previsto no artigo 271.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, sendo previsível que a mesma tivesse lugar até ao termo do prazo fixado para a conclusão do inquérito (em 15.08.2023).
Salvo o devido respeito por diverso entendimento, a circunstância de as declarações para memória futura terem sido prestadas pela ofendida depois de ter sido proferido despacho de acusação (diligência cuja realização foi tempestivamente requerida pelo Ministério Público), não invalida o seu valor probatório, nem interfere com a regularidade da sua prestação, dado que as mesmas sempre poderiam ter lugar numa fase subsequente, por decisão do juiz, nos termos dos artigos 294º e 320º do Código de Processo Penal.
Em nosso entendimento, não subsiste a invocada nulidade.
A tomada de declarações para memória futura, quando requerida pelo Ministério Público durante a fase de inquérito, quando estejam em causa crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, praticados sobre vítimas menores, é uma diligência cuja realização não permite a interferência de juízos de oportunidade suscitados pelo Juiz de Instrução.
A obrigatoriedade de realização da diligência, nos termos do artigo 271º, n.º 2 do Código de Processo Penal, implica que não haja intromissão de quaisquer juízos de oportunidade, os quais, a admitirem-se, nunca caberiam ao Juiz de Instrução durante o inquérito, dado que é ao Ministério Público que cabe a direção do mesmo»
8. Precedendo audiência de julgamento, a Sra. Juíza do Tribunal a quo, por sentença de 8 de Maio de 2024, para o que agora releva, decidiu:
«a) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de abuso sexual de menores dependentes agravado, previsto e punido pelo n.º 2 do artigo 172.º do Código Penal, por referência às alíneas a) do n.º 3 do artigo 171.º e ao artigo 170.º do mesmo diploma legal, conjugado com a alínea c) do n.º 1 do artigo 177.º do mesmo diploma legal, na pena de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de prisão.
b) Suspender a execução da pena de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de prisão pelo período de 18 (dezoito) meses, com sujeição a regime de prova, assente num plano de reinserção social, a executar pela DGRSP, durante o tempo de duração da suspensão, que se centre na sensibilização do arguido para a adopção de condutas jurídica e socialmente adequadas, com particular na prevenção de comportamentos sexuais desviantes»
9. O arguido AA interpôs recurso da sentença condenatória e declarou manter interesse na apreciação do recurso intercalar interposto. Aparta da motivação as seguintes conclusões:
«I - A lei penal não fornece uma densificação do conceito de ato sexual de relevo, nem casuística exemplificativa. Esta situação confere margem de apreciação a quem julga, em função das realidades sociais, das conceções dominantes e da própria evolução dos costumes.
II – O comportamento do arguido com a sua aluna, que se traduziu numa mera palmada no rabo não envolveu a introdução de uma das suas mãos por dentro da roupa da menor e, sem contacto com a pele desta, é absolutamente desajustado em ambiente escolar, entre professor e aluna. Mas não tem cariz sexual, apesar da zona que o arguido escolheu para tal “contacto” mas pela forma como o estabeleceu – sem ter contacto com a pele da jovem, por cima da roupa que envergava, em público, em plena sala de aula e na presença de todos os alunos. É um contacto com o que está à vista, fortuito, e que não revela busca de intimidade.
III. Mas não tem o relevo exigido pelo n.º 1 do artigo 171.º do Código Penal – (i) porque ocorreu apenas uma vez, com a referida jovem, (ii) porque ocorreu em público e (ii) porque, como primeira abordagem do género, é suscetível de ter deixado dúvida, quanto ao seu propósito.
IV. Neste contexto, tais comportamentos não entravam de forma significativa a livre determinação sexual da vítima.
V – Para os efeitos do artigo 412.º, n.º 3 do CPP devem ser alterados os FP 5.º 8, 9.º, 14.º, 16.º e 17.º, e ainda aditados os factos seguintes: O Recorrente não tinha antecedentes disciplinares e lecionou em 19 estabelecimentos escolares; A turma do … era uma turma difícil; A Ofendida naquele dia não foi removida da escola de ambulância como já havia sucedido em outras ocasiões; A Ofendida chegou a recusar ordens de outros professores de entregar o seu telemóvel e de sair da sala; A Ofendida fumava e consumia bebidas alcoólicas; A Ofendida teve mais do que um namorado; Que antes e depois deste incidente dos autos, o Recorrente nunca tinha tido nenhum incidente quer com a aluna BB, quer com qualquer outra aluna, nem com qualquer outro membro da comunidade educativa, nem sido alvo de queixa da parte de ninguém. E a ofendida já tinha sido aluna do Recorrente no ano anterior, no 8.º ano; A Ofendida costumava mentir, arranjar desculpas e confabular narrativas para se livrar dos problemas, pelas razões e meios de prova vertidos no corpo da Motivação.
Para os efeitos do artigo 410.º e 412.º, n.º 2 do CPP o Tribunal a quo, em face da matéria apurada, fez errada interpretação dos artigos n.º 2 do artigo 172.º do Código Penal, por referência às alíneas a) do n.º 3 do artigo 171.º do CP e ao artigo 170.º do mesmo diploma legal, conjugado com a alínea c) do n.º 1 do artigo 177.º do CP.»
10. O recurso interposto da sentença foi admitido por despacho de 28 de Maio de 2024.
11. Na resposta ao recurso interposto da sentença pelo arguido, a Ex.ma Magistrada do Ministério Público em 1.ª instância propugna pela sua improcedência. Extrai da motivação as seguintes conclusões:
«1ª O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida e depositada a 8/05/2024, que condenou o arguido pela prática de um crime de abuso sexual de menores dependentes agravado, previsto e punido pelo n.º 2 do artigo 172.º do Código Penal, por referência à alínea a) do n.º 3 do artigo 171.º e ao artigo 170.º do mesmo diploma legal, conjugado com a alínea c) do n.º 1 do artigo 177.º do mesmo diploma legal, na pena de 4 meses e 15 dias de prisão suspensa na sua execução pelo período de 18 meses, sujeita a regime de prova com acompanhamento dos serviços de reinserção social centrado na sensibilização do arguido para a adoção de condutas jurídica e socialmente adequadas, com particular na prevenção de comportamentos sexuais desviantes.
2ª Tendo em conta o âmbito do recurso fixado pelas conclusões apresentadas, pretende o recorrente que a douta sentença incorreu em erro notório na apreciação da prova, afirmando ainda que existe errada valoração da prova e que os factos não configuram o crime pelo qual o arguido foi condenado.
3ª Desde logo, não se verifica qualquer erro notório na apreciação da prova, já que, o que resulta da motivação do recorrente é efetivamente a discordância quanto ao modo como o Tribunal avaliou e apreciou em concreto a prova produzida, o que, como também já se adiantou supra, não se confunde, com os vícios que pretende invocar.
4ª A douta sentença mostra-se adequadamente fundamentada, procedendo à indicação dos meios de prova que serviram para formar a sua convicção, bem como dos elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.
5ª Por outro lado, não se verifica qualquer erro de julgamento, uma vez que não há qualquer violação do artigo 127º do Cód. de Processo Penal, dado que a livre apreciação da prova não se confunde com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova. A prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica (neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20/02/2019, processo n.º 147/17.4ZFLSB.L1-3, disponível em www.dgsi.pt).
6ª Nesta perspetiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência ou da experiência, à partida, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
7ª Assim sendo, constata-se que, a Mmª Juiz explica de forma clara e lógica as razões pelas quais deu como provados os factos, ponderando a admissão parcial do contexto dos mesmos por parte do arguido.
8ª De facto, explica a Mmª Juiz de forma muito clara e pormenorizada as razões pelas quais, tendo por base as regras da experiência, não conferiu credibilidade à versão descrita pelo arguido sobre o que se passou na aula que lecionava, designadamente quanto às imagens que a vítima viu no seu telemóvel, às palavras trocadas naquele momento e no final da aula e à palmada que desferiu nas nádegas da menor à frente de toda turma. Quanto a este último ponto, como refere a douta sentença, o mesmo foi confirmado por todos os alunos que estavam na sala e assistiram ao gesto do professor, relatando-os nos seus depoimentos.
9ª Ora, a apresentação de uma versão por parte do arguido não significa, uma aplicação automática do princípio do in dubio pro reo, já que, tal princípio surge, em sede de audiência de julgamento, como resposta ao problema da incerteza em processo penal.
10ª Assim sendo, o que releva para a situação dos autos é ter sido produzida toda a prova necessária contra a arguida, prova essa que, convenceu o tribunal a quo de que aquela havia praticado os factos criminosos descritos na douta sentença.
11ª Deste modo, os factos dados como provados foram corretamente apreciados por ter sido analisada e conjugada toda a prova produzida em audiência de julgamento, nada havendo a apontar à douta sentença condenatória.
12ª Finalmente, resulta das conclusões de recurso que o recorrente entende que não deveria ter sido condenado pelos factos por que foi acusado, dizendo que não está preenchido o conceito de ato de sexual de relevo, visto que se tratou de uma mera palmada sem cariz sexual.
13ª Desde logo, decorre das normas legais dos artigos 72.º, n.º 2 do, 171º, n.º 1, alínea a) e b), 170.º e alínea c) do n.º 1 do artigo 177.º todos do Cód. Penal, que não está em causa o mencionado conceito de acto sexual de relevo perante a menor BB, mas antes a importunação e constrangimento sexual daquela.
14ª Com efeito, é essa a aplicação das normas legais ao caso concreto que é feita pela Mmª Juiz de fls. 17 a 19 da douta sentença. Ora, nem poderia ser de outro modo, já que, tal como refere a douta sentença, resultando da matéria provada que o arguido desferiu uma palmada nas nádegas daquela, exibiu-lhe imagens da sua pessoa nua e perguntou-lhe se aquela já tinha sido tocada, não é possível deixar de concluir que a factualidade provada se enquadra na conduta criminosa (neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 19-12-2023, proferido no processo n.º 95/22.6T9MFR.L1-5, disponível em dgsi.pt e Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 15-05-2012, citado em pgdl.pt, anotação ao artigo 170º)
15ª A este propósito, cumpre salientar que, na douta sentença, a Mmª Juiz explica ainda a razão pela qual a palmada nas nádegas não pode deixar de ser tida como revestindo carácter sexual até porque outra não seria a intenção do arguido, pois que, face à dinâmica dos factos, poderia ter atingido a menor na zona superior do tronco.
16ª Deste ponto de vista, uma vez que a factualidade provada integra, manifestamente, as condutas descritas nas normas incriminadoras citadas, muito bem andou a Mmª Juiz ao condenar o arguido em conformidade»
12. Neste Tribunal, a Sra. Procuradora-Geral Adjunta, louvada na resposta apresentada, é de parecer que o recurso interposto da sentença proferida deve ser julgado improcedente.
13. Cumprido o artigo 417.º, n.º 2 do C.P.P., nada mais sobreveio aos autos.
14. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO
1. Delimitação do objeto do recurso
Atento o teor das conclusões da motivação dos recursos, importa fazer exame das questões (alinhadas segundo um critério de lógica e cronologia) atinentes:
i. Recurso interlocutório: às alegadas falta de fundamentação dos despachos recorridos e nulidade das declarações para memória futura;
ii. Recurso da sentença: aos invocados erros de julgamento da matéria de facto e da matéria de direito, este último em sede subsuntiva.
2. A decisão levada, na instância, sobre a matéria de facto e respectiva motivação, é do seguinte teor:
«Matéria de facto provada
De relevante para a discussão da causa, resultou provada a seguinte matéria de facto:
1. No ano lectivo de 2021/2022, BB, nascida em 10 de Maio de 2007, frequentava o ...º ano de Escolaridade na ..., sita na ..., em Lisboa.
2. No referido ano lectivo, o arguido AA exercia funções de docente nesse estabelecimento de ensino e leccionava a disciplina de História à turma ... na qual se encontrava inserida BB.
3. No dia 6 de Maio de 2022, no horário das 14h40m às 15h35m, BB, então com 15 anos de idade, encontrava-se numa aula da disciplina de História leccionada à turma ... pelo arguido.
4. Em tal ocasião, BB levantou-se da cadeira onde se encontrava sentada e dirigiu-se ao professor, que estava sentado em cima da sua secretária.
5. Quando BB se aproximou do arguido, este segurando o seu telemóvel de marca Samsung e, percorrendo a “galeria de imagens” exibiu àquela um número não concretamente apurado de fotografias, nas quais eram visíveis mulheres adultas seminuas, e uma fotografia em que ele aparecia, nu, com o órgão genital exposto e acompanhado de uma mulher.
6. Aquando de tal exibição, o arguido perguntou a BB se as mulheres representadas pelas fotografias exibidas eram bonitas, ao que BB respondeu “Não sei” e virou costas, com o intuito de regressar ao lugar onde se encontrava sentada.
7. Nesse momento, o arguido desferiu a BB uma palmada nas nádegas, perante os demais alunos presentes na sala.
8. Após o final da aula, aproveitando-se do facto de se encontrarem sozinhos no interior da sala, o arguido dirigiu-se a BB e, ao mesmo tempo que lhe acariciava a face com as mãos questionou-a se alguém já lhe tinha tocado e se já tinha ido para a cama com alguém, tendo a menor respondido negativamente.
9. BB perante esta actuação do arguido, após este lhe ter perguntado se estava com medo, respondeu negativamente e alegou que os seus colegas estavam à sua espera.
Então o arguido referiu a BB que podia ir embora, tendo esta saído da sala de aula.
10. BB padece de dislexia e deficit de atenção e é acompanhada por psicologia e psiquiatria desde data anterior ao ano de 2022.
11. Desde data anterior ao evento, BB padecia também de ataques de pânico e de crises de ansiedade, para os quais era medicada.
12. Na sequência do evento acima mencionado, BB teve um ataque de pânico e sentiu receio de ir à escola durante dias, com receio de se cruzar com arguido, só tendo regressado às aulas depois de este ter deixado de lecionar naquele local.
13. Na sequência da pesquisa realizada ao telemóvel do arguido, foram encontradas na sua posse pelo menos 20 fotografias de mulheres adultas, trajando lingerie e biquínis, outras a exibirem os seus seios e completamente desnudadas.
14. Foram ainda encontradas na posse do arguido 11 fotografias em que é visível o arguido em tronco nu, acompanhado por uma pessoa do sexo feminino vestida, sendo que em 2 dessas fotografias o arguido se encontra nu e é visível o seu órgão genital.
15. O arguido manteve com BB a conversa e exibir as fotografias acima referidas e manter as conversas acima mencionadas, com o intuito de satisfazer os seus impulsos sexuais e com o intuito de se excitar sexualmente.
16. Ao colocar as suas mãos sobre as nádegas da BB, o arguido quis também satisfazer os seus próprios impulsos sexuais.
17. Ao actuar como actuou, o arguido quis dominar a liberdade de autodeterminação sexual de BB bem sabendo que esta, em razão da sua idade, ainda não possuía a capacidade e discernimento necessários para se autodeterminar sexualmente e que, com a sua conduta, molestava a integridade psicológica e emocional de BB e actuava contra a sua vontade.
18. O arguido era docente de BB, sabia que era responsável pela sua educação e tinha conhecimento da idade da mesma, das suas fragilidades psicológicas e emocionais, da sua inexperiência e do ascendente que sobre a mesma exercia pelo facto de ser seu professor, aproveitando-se de tal facto para satisfazer os seus instintos libidinosos nos termos acima mencionados.
19. Agiu o arguido, de modo deliberado, livre e consciente, tendo perfeito conhecimento que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Mais se provou que:
Consta do relatório social elaborado pela DGRSP relativo ao arguido que “De acordo com o que nos foi possível apurar, o percurso vivencial de AA decorreu num contexto familiar estruturado, propiciador da aquisição de competências académicas e profissionais. Ao longo da idade adulta inseriu-se em termos laborais, familiares e sociais, não sendo do nosso conhecimento a existência de antecedentes criminais, o que poderá constituir-se como um fator positivo. A ausência de empatia pela vítima e as dificuldades de descentração/reatividade do arguido, poderão ser perspetivados como fatores negativos a considerar. Em caso de condenação e de aplicação de medida de conteúdo probatório, considera-se que deve englobar um acompanhamento psicoterapêutico especializado. Atendendo à avaliação realizada e às necessidades identificadas, consideramos que AA apresenta, igualmente, condições, em caso de condenação, para integrar o Programa para Agressores de Violência Sexual em contexto comunitário-crimes contra Crianças e Adolescentes (PAVS-CA), que se encontra presentemente em fase de implementação experimental em algumas Equipas de Reinserção Social da DGRSP. Este programa, dirigido à prevenção da reincidência em comportamentos sexuais desviantes, é composto por 36 sessões de grupo, com frequência semanal. Para permitir a frequência completa do programa, bem como das fases que o precedem e antecedem, considera-se necessário um período mínimo de 24 meses”.
O arguido é professor e aufere cerca de 1.400 euros mensais com o exercício de tal profissão.
O arguido reside com a mãe em casa desta, não contribuindo financeiramente para as despesas domésticas.
O arguido é solteiro e não tem filhos.
O arguido é licenciado em História e pós-graduado em Ciências da Educação.
Do certificado do registo criminal do arguido nada consta.
Matéria de facto não provada
- Indignada com tal comportamento, a BB virou-se para o arguido e voltou a virar-se de costas, tendo o arguido voltado a repetir o ato, desferindo-lhe novamente uma palmada nas nádegas daquela.
- Quando a BB se sentou, o arguido dirigiu-se a esta e perguntou-lhe “E tu? Tens fotos tuas nua no teu telefone? ao que a BB respondeu negativamente.
- Nesta senda, o arguido solicitou à BB que lhe permitisse verificar a galeria de imagens do seu telemóvel e que esta tinha guardado, tendo esta recusado.
- Nesse momento, o arguido insistiu, dirigindo-se novamente à BB, intimando-a a que lhe entregasse o telemóvel que tinha consigo para ver as suas fotografias, referindo-lhe ainda que “se ela não mostrasse as fotos da galeria do telemóvel dela lhe daria uma falta disciplinar”.
- Contudo, a BB negou-se a entregar o seu telemóvel ao arguido.
- Após, o arguido dirigindo-se a todos os alunos da turma ordenou-lhes que colocassem os telemóveis em cima da secretária dizendo-lhes “Podem agradecer aqui à BB guardem as coisas e vamos começar a escrever”.
- Após, o arguido dirigindo-se à BB, disse-lhe em voz alta: “a nossa relação acabou” e que nunca mais ia falar com ela.
- No final da aula, o arguido AA não chamou o número 14 (catorze), número da aluna BB, pelo que todos os alunos saíram da sala à excepção desta.
*
Consigna-se que não resultaram provados ou não provados quaisquer outros factos, distintos dos acima mencionados alegados, que relevem para a decisão da causa, uma vez que a restante matéria alegada corresponde a meros factos conclusivos e instrumentais e a matéria de Direito.
Fundamentação da matéria de facto
O Tribunal formou a sua convicção na ponderação, à luz das regras da experiência comum e na livre convicção do julgador, da análise crítica e conjugada do conjunto da prova produzida, nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
A livre apreciação da prova não se confunde com apreciação arbitrária da prova, pois que tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios de experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
O arguido prestou declarações em sede de audiência de julgamento.
Por sua vez, BB prestou declarações para memória futura, com a intervenção do Ministério Público e do mandatário do arguido. Embora não tenham sido reproduzidas em sede de audiência de julgamento, tais declarações podem ser tidas em consideração para a formação da convicção do Tribunal, ao abrigo do n.º 1 do artigo 355.º e da alínea a) do n.º 2 do artigo 356.º do Código de Processo Penal, e na linha do sustentado pelo Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 8/2017 (Processo N.º 985/14.0PGLRS.L1-A.21, Manuel Augusto de Matos, disponível em www.dgsi.pt).
Assim sendo, a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica das declarações do arguido, das declarações para memória futura de BB e dos depoimentos prestados pelas testemunhas EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV e WW, conjugados com a análise da prova documental e da prova pericial juntas aos autos.
Os factos relativos à frequência da escola em causa nos autos e as funções pelo arguido exercidas, bem como à circunstância de BB ser sua aluna e estar a ser ministrada uma aula, são factos admitidos pelo arguido. Admite também este que a aquela padecia das patologias que são enunciadas nos factos provados.
A data de nascimento de BB, bem como a sua idade à data dos factos, resultam do teor de fls. 25 dos autos.
O conteúdo do telemóvel do arguido à data da apreensão, resulta da conjugação do auto de apreensão de fls. 12/36 com os relatórios periciais de fls. 180 a 188 e 192 a 199, tendo igualmente sido confirmados pela testemunha MM em sede de audiência de julgamento. A tal depoimento conferiu o Tribunal credibilidade, atendendo não só à forma isenta e objetiva como o mesmo foi prestado como ainda à circunstância de a testemunha MM ter sido a inspectora da Polícia Judiciária responsável pela última fase de investigação do presente processo, ter analisado o resultado das perícias ao telemóvel do arguido e ter conjugado estes relatórios e os depoimentos das testemunhas para fazer o relatório final constante de fls. 200 a 209 dos autos.
Os factos relativos à dinâmica no decurso da aula de história, resultam, por um lado, da conjugação do auto de notícia de fls. 4 a 7, com as declarações para memória futura de BB, quer quanto à exibição àquela pelo arguido de fotografias que continha armazenadas na galeria de imagens do seu telemóvel e que representavam mulheres seminuas, depois de a mesma se aproximar da secretaria onde o arguido se encontrava sentado, quer quanto à pergunta dirigida à BB sobre se as mulheres eram bonitas e à resposta posterior daquela, quer quanto ao desferimento pelo arguido de uma palmada nas suas nádegas, depois de ela virar costas para voltar ao lugar onde se encontrava sentada, quer ainda quanto à dinâmica da conversa tida entre ela e o arguido quando ambos ficaram sozinhos na sala de aula, depois de a aula terminar.
O desferimento da palmada nas nádegas do modo descrito por BB é ainda confirmado, de forma coincidente, pelas testemunhas FF, GG, HH, II e JJ. A tais depoimentos conferiu o Tribunal credibilidade, não só pela forma escorreita e objectiva como os mesmos foram prestados como ainda pela circunstância de estas cinco testemunhas terem demonstrado ter conhecimento directo dos factos, por a eles terem diretamente assistido, uma vez que estavam junto a BB quando os mesmos ocorreram.
Ademais, dos relatórios periciais de fls. 180 a 188 e de fls. 190 a 199 resulta que o arguido detinha, efectivamente, à data dos factos, armazenados no seu telemóvel, na galeria de imagens, fotografias de mulheres seminuas e dele próprio com o tronco nu e nu. Por outro lado, as testemunhas GG, HH, JJ e KK apontaram para a circunstância de o arguido ter exibido, em data anterior a 6 de Maio de 2022, em sala de aula, fotografias de mulheres (em biquíni, para as 4 testemunhas, e também uma fotografia de mulher nua, de acordo com HH). Cumpre ainda referir que as testemunhas GG e II indicaram, de forma coincidente, que viram o arguido a mexer telemóvel na aula de História do dia 6 de Maio de 2022, inclusive no momento em que a BB se aproximou dele. Aliás, o arguido também não nega que estivesse a mexer no telemóvel e que estivesse visível uma fotografia com as características descritas no art.º 25 da acusação. O que nega é que tenha exibido a mesma à menor, sua aluna, antes afirmando que aquela a viu quando se aproximou do mesmo.
Por outro lado, cumpre também referir, no que respeita à conversa tida com o arguido depois de finda a aula de História, que a versão apresentada por BB em sede de declarações para memória futura não logrou ser afastada, de forma segura e convincente, pelo depoimento de qualquer testemunha.
De facto, a testemunha SS (assistente operacional da ... à data) apenas referiu que, quando passou junto à sala onde o arguido se encontrava a dar aulas ao …, viu o arguido sentado na secretária e a turma calma e que viu a BB a chorar depois do final da aula de História, fora da sala de aula. Não demonstrou ter, desta forma, esta testemunha conhecimento direto do que se passou entre estes dois períodos temporais nem estar junto à sala de aula no final da aula de História do ….
Por outro lado, as testemunhas FF, HH e JJ apontaram para a circunstância de BB ter ficado, depois do término da aula de História, sozinha com o arguido na sala de aula, embora em contextos diferentes (a testemunha FF e HH dizendo que a BB ficou sozinha com o arguido logo depois de a aula terminar, a falar com ele, e JJ referindo que a BB saiu da sala de aula depois da aula terminar mas voltou atrás para buscar o telemóvel, tendo ido com esta testemunha e a colega de ambos, ZZ, a um bar fora da escola depois de regressar).
Ademais, a testemunha HH referiu que, quando regressou à sala depois de finda a aula de História, para ir buscar o casaco, se deparou com a BB a falar com o arguido, encontrando-se aquela nervosa, não obstante não ter entendido o conteúdo da conversa. A testemunha JJ apontou para igual estado de nervosismo, embora apenas detectado quando estava com a BB e a colega ZZ no café.
Assim sendo, destes depoimentos retira-se, de forma segura, que BB ficou, por momentos, sozinha com o arguido em sala de aula, após a aula de História terminar (quer tenha sido logo após o fim da aula quer tenha sido quando regressou à sala para ir buscar o telemóvel).
Cumpre referir que, em sede de audiência de julgamento, apresentou o arguido uma versão distinta para os factos, negando ter exibido à BB qualquer fotografia de mulheres seminuas, ter desferido a palmada nas nádegas acima mencionada ou ter tido com ela a conversa acima descrita após o final da aula de História. Alegou, em contrário, que a aula de História dada à turma do … era, na sua primeira metade, de conteúdo livre, uma vez que já tinham dado a matéria toda, pelo que permitiu que os alunos estivessem a falar e ao telemóvel e ele próprio também a mexer no telemóvel. Alegou também o arguido que se encontrava sentado em cima da ponta da secretária da sala de aula, a enviar um dos seus contactos de telemóvel uma mensagem contendo uma fotografia que o representava nu, com o pénis à mostra, acompanhado de uma mulher semidesnudada, quando a BB se aproximou dele e, ao ver a referida fotografia, lhe disse “Ela é muito bonita, ela é muito gostosa”. Disse também que nunca pretendeu exibir tal fotografia à BB e que esta apenas a viu acidentalmente, como já referido.
Referiu também que, depois de ter proferido estas palavras, a BB ficou, durante uns minutos, “especada” junto à secretária onde ele se encontrava sentado, a olhar para ele e para o telemóvel, pelo que a mandou regressar ao lugar. Indicou também que a BB lhe virou costas para se dirigir ao lugar onde se encontrava sentada e que, nesse seguimento, lhe deu um “safanão” para regressar ao lugar, tendo-a atingido, sem querer, na zona das nádegas.
O arguido admite também ter ficado sozinho com a BB depois do final da aula de História e que falou com ela. Contudo, indica que o fez com o intuito de contar à BB que circulavam comentários na comunidade escolar (colegas e funcionários) acerca do consumo pela mesma de bebidas energéticas e de substâncias estupefacientes, para lhe perguntar se tais comentários correspondiam à verdade e para lhe dizer que, nesse caso, tinha de comunicar os factos do director de turma dela.
Indica que decidiu ter a conversa acima mencionada com a BB na sequência de um comentário de um colega feito na aula de História do … acerca do consumo por aquela de substâncias estupefacientes. Disse também que decidiu falar com a BB naquele mesmo dia, após o final da aula, sobre o referido assunto, porque não atribuiu qualquer relevância ao facto de aquela ter visto uma fotografia onde ele surgia nu acompanhado de uma mulher e não ficou afectado por a BB ter visto a referida imagem. Por conseguinte, não pensou que seria mal interpretado falar com a aluna sobre o comportamento acima referido naquele dia em específico.
Indica, por fim, que a BB negou consumir de estupefacientes quando foi confrontada com tais suspeitas.
Contudo, as declarações do arguido não mereceram a credibilidade do Tribunal, uma vez que não se apresentam coerentes nem plausíveis à luz das regras da experiência comum e não têm sustentação na demais prova produzida.
Em primeiro lugar, não logrou o arguido explicar o motivo de se encontrar a enviar uma mensagem contendo uma fotografia onde ele surgia nu, com o pénis à mostra, acompanhado de uma mulher semidesnudada, se não se encontrava sozinho, num local privado, mas antes numa aula de História por si leccionada (ainda que num ambiente informal), em pleno horário laboral, e rodeado de vários alunos adolescentes, por cuja guarda e educação era responsável. As regras da experiência comum determinariam uma cautela quanto à conduta do arguido e ao local e momento para o envio de fotografias (fora da sala de aulas e do local e do horário de trabalho, e afastado de outras pessoas, incluindo, e em particular, dos alunos por cuja educação era responsável).
Tão-pouco logrou o arguido justificar o motivo de não ter ficado afectado pelo facto de a BB ter visto, acidentalmente, a fotografia em que surgia nu, com o pénis à mostra, e acompanhado de uma fotografia de uma mulher, não obstante o conteúdo de tal imagem, a circunstância de tal facto ter ocorrido em contexto de sala de aula, em pleno horário laboral do arguido, e não em tempo de lazer, e, sendo, para alem do mais, uma das pessoas representadas (o arguido) a pessoa responsável pela educação da BB e dos restantes colegas da turma do …, enquanto professor de História, e a BB, aluna do arguido, uma menor de 15 anos de idade. Expectável seria, de acordo com as regras da experiência comum, que o arguido tivesse ficado imediatamente envergonhado/incomodado com o facto de a aluna BB ter visto uma fotografia desta génese no seu telemóvel e de se encontrar a mexer no telemóvel em contexto de sala de aula, quando devia estar a leccionar História aos alunos e ainda com receio das repercussões que tal episódio teria na sua vida profissional (incluindo, a instauração de eventuais processos disciplinares) e no equilíbrio psicológico da aluna.
Não logrou ainda o arguido explicar o motivo de não ter fechado imediatamente a fotografia acima mencionada da galeria do telemóvel e de não ter repreendido a BB por ter dito que a mulher representada era “gostosa”. Tão-pouco conseguiu explicar por que permitiu que a BB ficasse durante alguns momentos a olhar para ele e para o telemóvel, sem fazer nada, e por que não ordenou imediatamente que ela voltasse para o lugar- factos estes que seriam expectáveis no contexto acima mencionado, à luz das regras da experiência comum, atendendo ao contexto em que a BB teria visto tal fotografia.
Muito menos se logra entender o motivo de o arguido ter desejado ter a conversa com a BB que alega ter tido no final da aula, atendendo ao episódio da fotografia e ainda ao facto de, como refere, as suspeitas de consumo pela BB de bebidas energéticas e de produtos estupefacientes já estarem a circular pela comunidade escolar há várias semanas.
Expectável seria também, de acordo com as regras comum, que, na sequência do episódio da fotografia, o arguido, a falar com a BB no final da aula, teria de o fazer com o mero intuito de lhe pedir desculpa pelo ocorrido. Não é credível que, na sequência de tal episódio minutos antes, tenha estado o arguido preocupado em falar com a aluna sobre quaisquer outros temas que não o da fotografia, muito menos sobre um assunto que já era conhecido pela restante comunidade escolar há semanas e da qual já deveria estar ciente e encarregado o diretor de turma do ….
Cumpre também referir que não logrou o arguido indicar o nome do colega que, em sala de aula, lhe indicou que a BB consumia estupefacientes, não obstante ser professor da turma inteira e dever conhecer, portanto, o nome do aluno em causa.
Acresce que a existência de suspeitas na comunidade escolar acerca do consumo pela BB de consumo de estupefacientes e de bebidas energéticas resultaram contrariadas pelos depoimentos das testemunhas EE, GG, JJ, KK e SS, uma vez que deles se retira apenas a circunstância de a BB fumar tabaco e beber bebidas alcoólicas (tendo, inclusive, sido vista por uma assistente operacional a fumar tabaco dentro da ...), não tendo tais testemunhas manifestado ser do conhecimento da comunidade escolar que a BB consumisse bebidas energéticas ou estupefacientes.
Tão-pouco se logra compreender o desferimento de um “safanão” à BB para ordenar que a mesma regressasse ao lugar já depois de esta iniciar a marcha de regresso ao lugar onde estava sentada, e, portanto, numa altura, em que tal gesto não produziria qualquer efeito útil. Justificava-se, antes, que, a ter havido necessidade de o mesmo ter sido desferido, o tivesse sido quando a BB se encontrava junto ao arguido, virada de frente para ele, e antes de iniciar o movimento de regresso ao lugar onde estava sentada.
Também não se logra compreender o motivo de o “safanão” acima mencionado ter atingido BB especificamente na zona das nádegas, e não numa parte superior do tronco, se esta estava de pé à data e o arguido sentado em cima de uma mesa da sala de aula, e não numa cadeira. Segundo as regras da experiência comum, atendendo aos factos acima mencionados, os braços do arguido estavam, à data, no mesmo patamar que o tronco da BB, e não das suas nádegas. Por conseguinte, o safanão dado com a mão do arguido teria, necessariamente, a título acidental, de atingir a BB na zona do tronco, e não nas nádegas (que se encontrariam sempre num plano consideravelmente inferior ao dos braços do arguido e, portanto, sem poderem ser atingidas a título acidental, com um safanão do mesmo).
Assim sendo, por todas as razões acima mencionadas, as declarações do arguido não mereceram a credibilidade do Tribunal e não encontram amparo na restante prova produzida em sede de audiência. Por conseguinte, a versão apresentada pelo arguido não logra afastar, de forma segura, a versão dada por BB acerca dos factos acima mencionados, ainda para mais quando esta encontra, como acima referido, suporte na demais prova produzida.
Cumpre, por fim, referir que a circunstância de o arguido ter exibido a BB uma fotografia em que aparece nu, com o órgão genital exposto, e acompanhado de uma mulher resulta da conjugação das suas próprias declarações com os relatórios periciais acima mencionados, uma vez que o arguido confirma que a BB viu efectivamente uma fotografia desta génese e que tal imagem se encontrava armazenada no seu telemóvel. Ademais, das perícias realizadas, resultou, efetivamente, que, no telemóvel do arguido, se encontrava uma imagem com tais características.
O acompanhamento de BB em pedopsiquiatria desde data anterior ao ano de 2022 resulta da conjugação das declarações para memória futura com o depoimento de EE, mãe daquela.
O facto de BB, desde data anterior ao dia 6 de Maio de 2022, receber medicação relativamente aos ataques de ansiedade de que padecia resulta da conjugação das declarações para memória futura com os depoimentos de EE e de SS. A este propósito, EE referiu que a filha se encontrava, desde antes de 2022, a receber medicação quanto aos ataques de pânico de que padecia. SS informou que tinha instruções da parte de EE para dar à BB comprimidos sempre que ela tivesse ataque de pânico na escola e informado que apenas não deu medicação à BB no dia 6 de Maio de 2022, na sequência do ataque de pânico que evidenciou, porque já não tinha nenhum medicamento consigo.
A sintomatologia relativa ao ataque de pânico resulta das declarações para memória futura, tendo sido igualmente confirmado pelas testemunhas FF, GG, HH, KK, JJ, SS (quanto ao ataque de pânico) e pelas testemunhas EE e SS (quanto ao não regresso imediato da BB à escola).
Os factos relativos ao elemento subjectivo (conduta interior), decorrem da conjugação da prova produzida com as regras da experiência comum e as presunções ligadas ao princípio da normalidade, não sendo credível, de acordo com tais regras e presunções, que o arguido, actuando do modo como actuou, o tenha feito com um intuito que não o de se satisfazer sexualmente, e, muito menos, que tenha actuado com qualquer intuito educativo, correcional ou formativo relativamente a BB.
As condições socioeconómicas do arguido resultam do relatório social junto pela DGSRP, conjugado com as declarações prestadas em sede de audiência de julgamento pelo mesmo acerca desses factos.
A ausência de antecedentes criminais do arguido resulta do teor do certificado do registo criminal que se encontra junto aos autos.
No que respeita à matéria de facto não provada tal resulta da ausência de elementos probatórios que permita concluir, de forma segura e convincente, pela sua verificação.
Quanto à repetição da palmada, BB apenas alude, em sede de declarações para memória futura, ao facto de o arguido lhe ter desferido uma palmada nas nádegas depois de se ter virado para voltar para a cadeira onde estava sentada. Nunca referiu a circunstância de o arguido lhe ter desferido uma segunda palmada nas nádegas durante a aula de História do …, tendo, antes, relatado que, depois de receber a primeira palmada do arguido, voltou imediatamente ao lugar onde estava sentada. A circunstância de BB apenas ter recebido uma palmada na nádega, e não duas, é também confirmada pelas testemunhas FF, GG, HH, JJ e II.
Por outro lado, não existe qualquer outro elemento probatório nos autos que aponte para o desferimento pelo arguido de uma segunda palmada nas nádegas da BB logo após a primeira.
No que respeita aos factos não provados elencados em 2. e 3., certo é que BB os relata em sede de declarações para memória futura. Tais factos são também confirmados pelas testemunhas HH e JJ, embora com uma configuração diferente, relatando que o arguido pediu à BB para lhe mostrar as fotografias que ela tinha no telemóvel quando ela se encontrava de pé junto a ele, e não sentada. Contudo, GG e II negam que tais factos tenham ocorrido e referiram que, após o desferimento da palmada nas nádegas, a BB regressou ao lugar onde se encontrava sentada e a aula seguiu normalmente até ao final.
Assim sendo, não logrou o Tribunal formar uma convicção segura quanto à sua ocorrência pelo que os mesmos tinham de resultar não provados, como resultaram.
Relativamente à circunstância de o arguido ter insistido pela entrega do telemóvel da BB e dito à BB que, se ela não mostrasse as fotos da galeria do telemóvel dela lhe daria uma falta disciplinar, apenas a testemunha GG admite que tal facto possa ter ocorrido. BB não relata este facto em sede de declarações para memória futura (apenas dizendo que o arguido lhe pediu para mostrar o telemóvel uma vez, e não 2) e as testemunhas HH e II negam que o arguido tenha proferido as palavras acima mencionadas.
Quanto aos demais factos, BB não os relata em sede de declarações para memória futura nem são os mesmos relatados por quaisquer das restantes testemunhas que estavam presentes na aula.
Apenas JJ referiu que ao ver que a BB não lhe dava o telemóvel, o arguido lhe disse “Já não somos amigos”. Contudo, em sede de declarações para memória futura, BB nega a existência de qualquer amizade ou relação com o arguido fora do contexto de sala de aula (relação professor/aluna), assim como a prévia existência de quaisquer mensagens ou chamadas trocadas entre ambos, confirmando, desta forma, o relatado pelo arguido em sede de declarações a este propósito.
Quanto ao último facto não provado, foi o mesmo relatado por BB em declarações para memória futura. Contudo, a testemunha FF não refere que a chamada tenha sido efetuada no final da aula, tendo dito apenas que a BB ficou um pouco mais na sala depois do final da aula porque quis. Tão-pouco faz a testemunha GG alusão a qualquer chamada no final da aula de História, tendo referido, ademais, que a BB não ficou sozinha na aula com o arguido, mas antes acompanhada (pelo menos inicialmente) do colega HH. A testemunha HH também não refere a existência de tal chamada, dizendo apenas que a BB ficou sozinha na sala a falar com o arguido, depois de a testemunha e os colegas terem saído da sala de aula. Disse ainda que voltou à sala de aula para buscar um objecto de que se tinha esquecido e que, nessa altura, se deparou com a BB a falar sozinha com o arguido. Por sua vez, a testemunha II relatou que não se recorda de ter sido efectuada qualquer chamada no final da aula, dizendo apenas que, normalmente, o arguido fazia a chamada no início de cada aula de História, e não no final. Já JJ relatou que, no final da aula de História no dia em causa nos autos, BB saiu juntamente com ele e com os colegas da turma da sala de aula e que apenas voltou para trás para ir buscar o telemóvel de que se tinha esquecido na sala.
Assim sendo, atendendo à divergência de versões apresentadas, tal facto tinha de ser considerado como não provado»
3. Do recurso intercalar
3.1. Da alegada falta de fundamentação
A este respeito o recorrente invoca, em suma, que: «- O dever de fundamentação, na dimensão que lhe é conferida enquanto princípio fundamental decorrente do artigo 205.º, n.º 1, da CRP, e como manifestação do direito a um processo equitativo, nos termos do artigo 6.º da CEDH, implica que o tribunal, conhecendo das questões que lhe são colocadas, explicite os motivos pelos quais julga procedente ou improcedente o requerimento e a nulidade arguida, nomeadamente que, ao pronunciar-se sobre alegada nulidade, cumpra o disposto no n.º 2 do artigo 374.º do CPP.
Atentemos.
Preliminarmente, há que consigná-lo, não estando em causa sentença, o art.º 374º, n.º 2 do C.P.P. não tem, naturalmente, aplicação na situação em crise.
Para o que ora releva, dispõe o art.º 97º, n.º 4 do C.P.P. que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.
«O que aqui a lei exige é que o juiz indique, de forma compreensível, os factos e o direito relevante para o que decidiu, relativamente à questão concreta apreciada no acto decisório sendo, pois, esta questão concreta que deve ser objecto do seu [do juiz] discurso argumentativo»1
Na verdade, num Estado de Direito, os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão2.
No dizer do Prof. Germano Marques da Silva o objectivo de tal dever de fundamentação, imposto pelos sistemas democráticos, é permitir «a sindicância da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando por isso como meio de autodisciplina»
Como referia Alberto dos Reis, uma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas.3
Todavia, dir-se-á desde já que, é manifesta a falta de razão do recorrente no que concerne à alegada falta de fundamentação.
Com efeito, é inequívoco, os despachos recorridos (como se verifica das transcrições efectuadas no relatório) asseguram, de forma suficiente, a necessária transparência das decisões, o primeiro sedimentando a improcedência da invocada nulidade na circunstância de as declarações para memória poderem ser tomadas em qualquer fase do processo e o segundo alavancado, essencialmente, no esgotamento do poder jurisdicional, por se tratar de questão já decidida.
Isto é, as decisões recorridas mostram-se fundamentadas, com respeito pelo disposto, maxime, nos artigos 205.º n.º 1, da C.R.P., e 97.º n.º 5, do C.P.P.
Mas mesmo que assim não se entendesse, sempre estariam em causa meras irregularidades, que, por não terem sido oportunamente arguidas, nos termos do art.º 123º, n.º 1 do C.P.P., há muito que sanaram.
Na verdade, como tem sido entendido4, a possibilidade de conhecimento oficioso, pelo Tribunal ad quem, de irregularidades deverá cingir-se àquelas que assumem particular gravidade, designadamente as que sejam susceptíveis de afectar direitos fundamentais dos sujeitos processuais, o que, de todo, não é o caso.
Termos em que, o recurso do arguido/recorrente, neste particular, terá necessariamente de improceder.
3.2. Da arguida nulidade das declarações para memória futura
Neste conspecto, aduz o recorrente, em síntese, que:
«- No caso de processo por crime contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor, procede-se sempre à inquirição do ofendido no decurso do inquérito, desde que a vítima não seja ainda maior, nos termos do artigo 271.º, n.º 2 do CPP. Pelo que estando o Inquérito encerrado e a correr prazo para a abertura de instrução não pode o Juiz de Instrução Criminal praticar atos próprios do inquérito ou da instrução, por estar esgotado o seu poder jurisdicional ou por ainda não estar iniciado e por tal não estar previsto e permitido na Lei, antes desta resultando o contrário – artigos 2.º, 10.º e 17.º do CPP.
- As declarações para memória futura colhidas neste circunstancialismo, ou seja, fora do prazo e contra a letra da Lei, afectam os direitos liberdades e garantias deste Arguido que cabe ao Juiz de Instrução Criminal acautelar, por violação dos princípios da legalidade, contraditório e do direto a um processo equitativo, com igualdade de armas – e de respeito pelos normativos legais, pelas fases processuais e prazos e poderes e competências de cada sujeito processual - , artigos 32.º da CRP e 6.º da CEDH.
- A omissão da tomada de declarações para memória futura do menor por crime contra a liberdade e autodeterminação sexual constitui uma nulidade Sanável do artigo 120.º, n.º 2, al. d), uma vez que se trata de acto legalmente obrigatório do inquérito.
- O processo penal corresponde à sequência de atos juridicamente preordenados e praticados por determinadas entidades ou sujeitos processuais (como, por exemplo, o juiz, o magistrado do Ministério Público ou o arguido, etc.), legitimamente autorizados, em ordem à emissão de decisão, na qual se apura se foi praticado algum crime e, em caso afirmativo, quais as respetivas consequências jurídicas e a sua justa aplicação. O direito processual penal é, por sua vez, o ramo do Direito constituído pelo conjunto de normas jurídicas que orientam e disciplinam o processo penal, entre as quais merece destaque o CPP (Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro, alterado por diversa legislação posterior). Ora o processo penal tem regras e estas devem ser iguais para todos os sujeitos processuais – é isto o princípio do direito a Julgamento equitativo e com igualdade de armas. Respeito pela Lei, pelas fases processuais, que são diferentes nas suas finalidades e em quem é o seu “dominus”, impossibilidade da prática pelo Juiz de Instrução Criminal de atos processuais próprios de fases processuais que já estão terminadas por estar esgotado o seu poder jurisdicional e a sua competência para o efeito e impossibilidade do Juiz de Instrução Criminal praticar atos próprios de fases processuais que nem sequer foram abertas – tudo isto em nome dos princípios da igualdade, legalidade – artigos 2.º, 10.º e 17.º do CPP - e segurança jurídica»
Preliminarmente, com vista à decisão deste segmento recursivo, urge consignar que, como decorre pacificamente dos autos:
- No dia 7 de Junho de 2023, o Ministério Público apresentou requerimento ao Sr. Juiz de Instrução com o seguinte teor:
«Os presentes autos destinam-se a averiguar a prática por parte do arguido de um crime de abuso sexual de menor dependente, na forma agravada, pp no artigo 172.º, n.º 2 ex vi artigo 171.º, n.º 3, alínea a) e b) e 177.º, n. 1, alínea c) do Código Penal, um crime de pornografia de menores, agravado p.p no artigo 176.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea a) e n.º 6 do Código Penal.
Ao abrigo do disposto no artigo 271.º, n.º 2 do C.P.P, requer-se seja designada data para inquirição da menor ofendida, em sede de declarações para memória futura.
A fim de a menor ser assistida nesse acto processual por técnico especialmente habilitado, nos termos do disposto no artigo 271.º, n.º 4 do C.P.P., requer-se seja designado para o acompanhamento da menor psicóloga a indicar pela URAV.
Mais se requer, atenta a natureza dos factos a relatar, que as declarações a prestar pela menor sejam realizadas na ausência do arguido, de modo a que aquela preste um depoimento isento e sem quaisquer constrangimentos»;
- No dia 9 de Junho de 2023, o Sr. Juiz de Instrução, em resposta ao requerimento apresentado, proferiu o seguinte despacho:
«Tendo em conta o crime que o Ministério Público agora refere estar em investigação e o teor de promoção que antecede, autorizo a promovida prestação de declarações para memória de BB (art.º 271.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).
Atendendo o teor dos factos em causa neste processo, por existir um sério risco de a presença de o denunciado inibir a testemunha de depor livremente, determino que a tomada de declarações para memória futura ocorra na ausência do mesmo (arts. 271.º, n.º 6 e 352.º, n.º 1, a), do Código de Processo Penal). Depreque a tomada das declarações para memória futura nos exactos termos promovidos, com identificação dos intervenientes e cópia da participação/auto de notícia»
- Após vários agendamentos e adiamentos (pelo menos um deles, a requerimento da defesa do arguido, aquando da marcação da diligência para o dia 4 de Agosto de 2023) as declarações para memória futura foram tomadas (só) no dia 13 de Setembro de 2023, no Tribunal deprecado;
- A acusação foi deduzida no dia 9 de Agosto de 2023, para o que agora importa, com a seguinte menção:
«Questão Prévia:
No âmbito dos presentes autos, o arguido requereu a aceleração processual.
Por despacho datado de 15/06/2023 por despacho do Exmo. Sr. Vice-Procurador Geral da República, atentas as diligências de investigação em falta (tomada de declarações para memória futura à menor) determinou-se o encerramento do inquérito em 60 dias, culminado o prazo em 15/08/2023.
Ora, decorre dos autos que foi determinada a tomada de declarações para memória futura ao Tribunal de Sintra.
Contudo, até ao momento não foi possível a realização de tal diligência (pelo facto de a carta de notificação ter sido devolvida e agendada nova data não foi realizada a diligência solicitada) sendo certo que decorre da última informação que a menor e os seus progenitores se encontram em férias até ao final do mês de Agosto.
Assim sendo, atento o prazo concedido para a prolação de despacho final e faltando apenas tal diligência, sendo certo que a menor já se encontra inquirida pelo Polícia Judiciária, deduzir-se-á a respectiva acusação pública, sem prejuízo de se protestar juntar tais declarações»
Vale tudo por dizer que, a tomada de declarações para memória futura foi requerida e deferida antes de ser prolatado despacho de acusação e a sua realização só não ocorreu até à data em que foi proferida a acusação por vicissitudes próprias decorrentes dos agendamentos e adiamentos efectuados no Tribunal deprecado (a que o recorrente, pelo menos em parte, não terá sido completamente alheio).
Assim sendo e efectuado o atinente sumário cronológico, desde logo, pese embora o esforço argumentativo, ao invés do propugnado pelo recorrente, afigura-se evidente que não está em causa uma omissão da tomada de declarações para memória futura, pois que, como o próprio consente, a diligência cuja obrigatoriedade, in casu, decorre do preceituado no art.º 271, n.º 2 do C.P.P., foi requerida, deferida e realizada.
Acresce que, «A insuficiência do inquérito sancionada como nulidade sanável [art.º 120.°/1/d)] reporta-se à omissão de atos obrigatórios que integram o aludido vetor teleológico do inquérito como complexo de atos conformado pela função endoprocessual de determinar a decisão de mérito do MP sobre a ação penal. Neste quadro, a teleologia do dever de inquirição para memória futura estatuído no art.º 271º/2, tal como sucede com a junção do certificado de registo criminal imposta pelo art.º 274.º, não constitui condição do juízo de indícios suficientes do MP, integrando simplesmente um dever correlacionado com o exercício da ação penal reportando-se a uma atividade instrumental relativamente à fase de julgamento (…) Se o MP, desrespeitando o dever legal estatuído no art.º 271.º/2, ouvir a vítima em simples inquirição de testemunha, cumprindo todas as outras formas legais pertinentes, verifica-se uma mera irregularidade (arts. 118.º/2 e 123º/1), que não afeta os elementos legalmente impostos como prévios ao juízo de indícios suficientes formulado na acusação, não gerando nulidade por insuficiência de inquérito nem afetando a validade da acusação, ao invés do que sucede com a dedução de acusação sem o precedente interrogatório do acusado que era possível notificar antes do encerramentos do inquérito (…) Isto é, as declarações para memória futura, por contraponto à mera inquirição da fonte de prova, apresentam como elemento adicional a natureza de ato instrutório do próprio julgamento associado, nos casos em que são obrigatórias, à proteção da vítima fonte de prova (de molde a poder obstar à respetiva reinquirição), pelo que a omissão nessa matéria não afeta o ato de encerramento do inquérito, nem quaisquer direitos do demandado»5
Por outro lado, tal como refere a Ex.ma Magistrada do Ministério Publico, na resposta aduzida ao recurso, «Nas fases subsequentes ao inquérito, seja na instrução (artigo 294º do Código de Processo Penal), seja na fase do julgamento (artigo 320º do mesmo diploma legal), a lei consente que a realização de declarações para memória futura seja determinada oficiosamente ou a requerimento.
Importa não perder de vista que o conceito de prova pré-constituída se refere aos meios de prova antecipada, como é o caso das declarações para memória futura, legalmente previstas nos artigos 271º, 294º e 320º do Código de Processo Penal.
(…) a circunstância de as declarações para memória futura terem sido prestadas pela ofendida depois de ter sido proferido despacho de acusação (diligência cuja realização foi tempestivamente requerida pelo Ministério Público), não invalida o seu valor probatório, nem interfere com a regularidade da sua prestação, dado que as mesmas sempre poderiam ter lugar numa fase subsequente, por decisão do juiz, nos termos dos artigos 294º e 320º do Código de Processo Penal»
Com efeito, se é verdade que «com o encerramento do inquérito, esgotam-se os poderes de cognição do MP, não podendo ele continuar a ordenar diligências de inquérito para cabal esclarecimento da notitia criminis [ac. RP, 21.11.1991 (HERNANI ESTEVES), CI, 1991, V, p. 219)»6 não é de olvidar que, no caso, a tomada de declarações para memória futura foi requerida e deferida pelo Sr. Juiz de Instrução, em pleno inquérito e em momento muito anterior ao do despacho de encerramento.
A circunstância de no intermeio, do deferimento e determinação da tomada de declarações para memória futura e a sua efectiva realização, ter sido deduzida acusação, estamos convictas, em nada bule com a competência quer do Ministério Público, quer do Juiz de Instrução (esgotadas que se mostravam já, respectivamente, com o requerimento e deferimento) nem, por conseguinte, com a validade de tal prova pré-constituída e, menos ainda, com a compressão de «direitos liberdades e garantias» do arguido «por violação dos princípios da legalidade, contraditório e do direto a um processo equitativo, com igualdade de armas – e de respeito pelos normativos legais, pelas fases processuais e prazos e poderes e competências de cada sujeito processual»
Ao invés, como resulta dos autos e não merece contrariedade do recorrente, as declarações para memória futura foram prestadas quando havia já arguido constituído, na presença do mandatário do mesmo, com observância, ademais, do contraditório pleno.
Tal como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 18 de Outubro de 2018, processo n.º 207/14.3PATVR.E2, in www.dgsi.pt, «Como se vem entendendo, as declarações para memória futura configuram-se como uma antecipação do julgamento, porquanto as mesmas podem vir a ser utilizadas para formar a convicção do tribunal.
Daí que se tenham de garantir certas prorrogativas na sua tomada, nomeadamente a garantia do funcionamento do princípio do contraditório, enquanto princípio estruturante do processo e forma de garantia dos direitos de defesa, art.º 32.º, n.º 5, da CRP.
O que foi preocupação do legislador, bem traduzida na exposição de motivos da proposta de Lei n.º 109/X, que esteve na origem da Lei n.º 48/2007, de 29.08, que veio introduzir alterações na Lei Processual Penal, entre outras do art.º 271.º, que regula tal instituto. Dando-se, a respeito, nota de que em todos os casos de declarações para memória futura, passa a garantir-se o contraditório na sua plenitude, uma vez que está em causa uma antecipação parcial da audiência de julgamento. (...) Daí o teor do AFJ, n.º 8/2017, de 11 de outubro de 2017, no DR, 1.ª Série, de 2017-11-21, ao firmar entendimento de que «As declarações para memória futura, prestadas nos termos do artigo 271.º do Código de Processo Penal, não têm de ser obrigatoriamente lidas em audiência de julgamento para que possam ser tomadas em conta e constituir prova validamente utilizável para a formação da convicção do tribunal, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 355.º e 356.º, n.º 2, alínea a), do mesmo Código»
Termos em que se conclui pela improcedência do recurso, também nesta parte.
4. Do recurso da sentença
4.1. Do invocado erro de julgamento da matéria de facto
Neste conspecto, o arguido/recorrente invoca que:
« V – Para os efeitos do artigo 412.º, n.º 3 do CPP devem ser alterados os FP 5.º 8, 9.º, 14.º, 16.º e 17.º, e ainda aditados os factos seguintes: O Recorrente não tinha antecedentes disciplinares e lecionou em 19 estabelecimentos escolares; A turma do … era uma turma difícil; A Ofendida naquele dia não foi removida da escola de ambulância como já havia sucedido em outras ocasiões; A Ofendida chegou a recusar ordens de outros professores de entregar o seu telemóvel e de sair da sala; A Ofendida fumava e consumia bebidas alcoólicas; A Ofendida teve mais do que um namorado; Que antes e depois deste incidente dos autos, o Recorrente nunca tinha tido nenhum incidente quer com a aluna BB, quer com qualquer outra aluna, nem com qualquer outro membro da comunidade educativa, nem sido alvo de queixa da parte de ninguém. E a ofendida já tinha sido aluna do Recorrente no ano anterior, no 8.º ano; A Ofendida costumava mentir, arranjar desculpas e confabular narrativas para se livrar dos problemas, pelas razões e meios de prova vertidos no corpo da Motivação»
Ora, desde logo, no que tange aos factos que o recorrente pretende que sejam aditados, é manifesto que, não constando os mesmos da acusação, da contestação (na qual o arguido se limitou a oferecer o merecimento dos autos), nem da sentença revidenda (como provados ou não provados), não é, em sede de impugnação da matéria de facto, pela via do erro de julgamento, possível proceder à rogada sindicância.
Na verdade, no erro de julgamento, a impugnação da matéria de facto está necessariamente circunscrita aos factos que foram dados como assentes e não assentes na decisão recorrida, mostrando-se, assim, legalmente arredada a possibilidade pretextada de vir a ser aditada facticidade alheia à naquela vertida.
Vale por dizer que, a impugnação da matéria de facto e a reapreciação a efectuar pelo tribunal de recurso, pela via do erro de julgamento, não poderá ter por objecto, nem por finalidade, a introdução na factualidade provada de factos não incluídos na decisão recorrida7
Como se refere no Acórdão n.º 312/2012 do Tribunal Constitucional, processo n.º 268/12, in www.tribunalconstitucional.pt., «(…) É que tal fundamento de recurso já não se situa em sede de apreciação da correção do julgamento da instância inferior que não incluiu tais factos, visando antes a realização de um novo julgamento pelo tribunal de recurso da prova produzida na primeira instância»
Acresce que, se é certo que, como refere Sérgio Poças, in REVISTA JULGAR, Da Sentença Penal – fundamentação de facto, 2007, pág. 24 e sgs «O tribunal, como resulta nomeadamente do disposto nos artigos 339.º, n.º 4, 368.º, n.º 2, e 374.º, n.º 2, do CPP, deve indagar e pronunciar-se sobre todos os factos que tenham sido alegados pela acusação, pela contestação ou que resultem da discussão da causa e se mostrem relevantes para a decisão. Ou seja, ainda que para a solução de direito que o tribunal tem como adequada para o caso, se afigure irrelevante a prova de determinado facto, o tribunal não pode deixar de se pronunciar sobre a sua verificação/não verificação — o que pressupõe a sua indagação —, se tal facto se mostrar relevante num outro entendimento jurídico plausível» a verdade é que os factos que o recorrente teima que deviam ter sido dados como provados são, inquestionavelmente, inócuos e irrelevantes para a decisão da causa.
E assim sendo, por recair sobre matéria factual alheia ao binómio factos provados e não provados, a impugnação da matéria de facto, assente em erro de julgamento, naquele conspecto, é legalmente inadmissível.
No mais:
Tal qual consignado no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22 de Setembro de 2015, processo n.º 2619/12.8GBABF.E1, in www.dgsi.pt, «(…) o juiz que, em 1.ª instância, julga de facto, goza de ampla (conquanto vinculada) liberdade de movimentos ao erigir os meios de que se serve na fixação dos factos provados, de harmonia com o princípio da livre convicção e apreciação da prova.
Nos termos expressamente prevenidos no artigo 127.º, do CPP, as provas são livremente valoradas pelo juiz sem obediência a regras pré-fixadas.
Ora, há-de conceder-se, essa liberdade de apreciação com base no conjunto do material probatório recolhido pela percepção global, traduzido numa síntese decisória, é insindicável por este Tribunal.
Como assim, o Tribunal de recurso só em casos excepcionais de manifesto erro de apreciação da prova poderá comutar a decisão levada na instância – será, por exemplo e caricatura, o caso de o depoimento de uma testemunha ter um sentido diametralmente oposto ao que foi considerado na sentença recorrida.
Vale dizer que, por força do referido princípio da livre apreciação da prova (não estando em causa, como, no caso, não está, prova tarifada ou legal), o processo de formação da livre convicção do julgador na apreciação da prova não é questionável pelo tribunal de recurso.
A esta instância caberá apenas indagar se tal apreciação e julgamento são contrariados pelas regras da experiência comum ou pela lógica do homem médio (diga-se mesmo, do julgador médio) suposto pela ordem jurídica.
Por outro lado, há que sublinhar, a lei é exigente quanto ao modo de impugnação do recurso em matéria de facto, de harmonia com o disposto no artigo 412.º n.ºs 3 e 4, do CPP, sendo que a modificabilidade da decisão da 1ª instância apenas ocorre nos termos apontados no artigo 431.º do mesmo Código, entre os quais a impugnação da matéria de factos nos termos do artigo 412.º n.º 3, do mesmo diploma.
E aqui devem ser indicados não (apenas) os pontos de facto ou provas dissonantes, mas os concretos pontos de factos e as concretas provas que impõem decisão diversa.
Por isso, o tribunal de 2.ª instância, apesar de ter poderes de cognição em matéria de facto, não pode, sem mais, apreciar quais os meios de prova de que se socorreu o tribunal da 1ª instância para ter dado como provados os factos que veio a dar como provados ou para julgar não provados os factos que sedimento como tal.
Torna-se necessária a indicação expressa dos concretos pontos de facto e concretas provas que, para esses concretos pontos de facto, impõem solução diversa.
Tendo em conta o princípio da apreciação da prova nos termos do art.º 127.º do CPP, uma coisa é a valoração da prova efectuada pelo tribunal e outra, o modo da sua impugnação em recurso sobre a matéria de facto, de forma processualmente válida, que não se traduz em mera exposição pelo recorrente como em seu entendimento faz a valoração da prova, sob pena de se limitar a impugnar a convicção do tribunal recorrido.
O que a lei pretende ao vincular o recorrente à indicação das provas que impõem decisão diversa, não é, certamente, que este formule uma outra versão da prova produzida.
Por outro lado, ainda, não é suficiente especificar, de forma sectorial, algum ou outro, elemento da prova.
Só a especificação de todos eles, os indicados pelo tribunal e os que se entende não foram tidos em conta, pode impor decisão diversa.
E as provas que impõem essa diversa decisão são as provas relevantes e decisivas que não foram analisadas e apreciadas, ou, as que tendo sido, ponham em causa ou contradigam o entendimento decantado para a decisão recorrida.
Se a tais provas faltam esses pressupostos, não conduzem a outra decisão.
(…) Importa ademais ter presente que a impugnação do julgamento levado, na instância, sobre a matéria de facto, não conduz a um novo julgamento nem pode supri-lo.
Na verdade, a prova gravada e, em parcelas, transcrita, nunca poderá suprir a abundância de pormenores (a cor e o cheiro) que a oralidade e a imediação proporcionam ao juiz quando aprecia a prova que, pela irrepetível primeira vez, se desenrola no Tribunal.
O modo como o arguido, o declarante, como a testemunha depõem, as suas reacções, as suas reticências, a sua mímica, são factores decisivos na formação de uma convicção e não podem ser captados pela frieza asséptica de quaisquer meios mecânicos.
Pode mesmo dizer-se que, na convicção, desempenham papel de relevo não apenas a actividade puramente cognitiva mas também elementos que, racionalmente, não são explicitáveis (em muitos casos, v.g., a credibilidade que se concede a um meio de prova) e mesmo elementos puramente emocionais - cfr. Figueiredo Dias, «Direito Processual Penal», I, Coimbra Editora, 1974, pp. 204/205 e in «Direito Processual Penal», Lições 1988-1989, pp. 135 e segs.
Ensinava o Prof. José Alberto dos Reis que a livre apreciação da prova é indissociável do princípio da oralidade, «entendida como imediação de relações (contacto directo) entre o juiz que há-de julgar e os elementos de que tem de extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares), e condição indispensável para actuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema de prova legal». Citando Chiovenda, concluía que «ao juiz que haja de julgar segundo o princípio da livre convicção é tão indispensável a oralidade, como o ar é necessário para respirar» - Código de Processo Civil, Anotado, Vol. IV, pág. 566.»
Volvendo ao caso e percorrida toda a motivação, constata-se que o arguido/recorrente especificou os factos alegada e incorrectamente julgados (pontos 5.º 8, 9.º, 14.º, 16.º e 17.º), mas não explicitou, nos termos legalmente exigidos, os motivos que determinariam decisão diversa da proferida pela Sra. Juíza do Tribunal a quo, desde logo e, inexoravelmente, porque omitiu a exigida concretização quanto às provas subjacentes ao putativo erro de julgamento.
Na verdade, e rigorosamente, o que se constata é que o arguido/recorrente transcreve, em mesclado, trechos dos depoimentos prestados pelas testemunhas em julgamento, em sede de inquérito e, até, no processo disciplinar que correu em paralelo aos autos criminais (refutando a convicção adquirida pelo tribunal recorrido sobre os factos dados como provados e contrapondo a sua própria convicção), em jeito de petitório para avaliação de toda a prova, no equívoco, de resto, que o tribunal de recurso procede a um novo julgamento.
Adita-se ainda que, como é sabido, a valoração de declarações e depoimentos (seja na qualidade de arguido ou de testemunha) produzidos anteriormente à fase da audiência de discussão e julgamento só poderá ocorrer nas situações expressamente previstas e reunidos os legais pressupostos, nos exactos termos a que aludem os art.º 355º, 356º e 357º do C.P.P. 8
Ora, compulsadas as actas de audiência julgamento, é manifesto que, no decurso daquelas, não foi accionado algum dos mecanismos legais que permitissem o confronto das testemunhas ouvidas em julgamento com declarações anteriormente proferidas, pelo que, consequentemente, as mesmas carecem de qualquer valor probatório.
Vale tudo por dizer que, não tendo o recorrente especificado as concretas provas que imporiam decisão diversa da revidenda, nem indicado as passagens em que se funda a impugnação, nos termos prevenidos no art.º 412º, n.º 1 e 2, al. a) e b) e 4 do C.P.P. (limitando-se a fazer menção difusa às provas produzidas em julgamento, no inquérito e até no processo disciplinar que correu em paralelo) o escrutínio da matéria factual apenas poderá ser realizado pela via a que alude o art.º 410º, n.º 2 do C.P.P.
Porém, in casu, é patente, do texto da decisão recorrida não resulta qualquer dos vícios a que alude o art.º 410.º n.º 2, do C.P.P.
Na verdade, não se vislumbra (nem em rigor é invocado) que sobressaia da decisão, por si só e/ou com recurso às regras da experiência comum, qualquer falha evidente na análise da prova ou qualquer juízo ilógico ou arbitrário, nem se vê que a Sr. Juíza do Tribunal a quo se tenha debatido com qualquer estado de dúvida e que o tenha resolvido violentando o princípio in dubio pro reo.
Como se constata da motivação transcrita, a Sra. Juíza procedeu a um exame detalhado da prova produzida, concatenando-a num percurso de apreciação pautado pela normalidade e racionalidade e em consonância com as regras da lógica e da experiência comum.
Procedeu, de resto, e em concreto, ao exame e avaliação das declarações da vítima, e explicou os motivos pelos quais as declarações daquela foram valoradas, revelando conhecimento e domínio sobre a complexidade subjacente aos crimes de natureza sexual, que merece e reclama um esforço de aturada compreensão, em particular quando estão em causa crianças/adolescentes.
Destarte, realça-se: «O depoimento da vítima pode, em determinadas condições, constituir prova bastante dos factos da acusação. Mostrando-se crível, desconhecendo-se motivo de suspeição da vítima e não sendo apresentada versão oposta à narrada por esta, não se vê fundamento para a razoabilidade de uma dúvida sobre os factos da acusação»9
Atente-se que «(…) a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção. Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão.
Neste sentido vai a jurisprudência uniforme dos tribunais superiores, ao explicitar que quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum, e, consequentemente, que a crítica à convicção do tribunal a quo sustentada na livre apreciação da prova e nas regras da experiência não pode ter sucesso se se alicerçar apenas na diferente convicção do recorrente sobre a prova produzida.
Efectivamente, o julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório»10
Ademais, no âmbito dos vícios de procedimento, tem sido repetidamente afirmado na jurisprudência que não resultando da decisão que o tribunal ficou num estado de dúvida sobre os factos e que ultrapassou essa dúvida, dando-os por provados contra o arguido, fica vedada, neste espectro, a possibilidade de decidir sobre a violação do princípio in dubio pro reo.
Assim, nos termos expostos, rejeitando-se o recurso quanto à impugnação da matéria de facto, pela via do erro de julgamento e ante a inexistência dos vícios de procedimento a que alude o art.º 410º, n.º 2 do C.P.P., impõe-se que este segmento recursivo seja rejeitado.
4.2. Do invocado erro na qualificação jurídico-penal dos factos
A este propósito, sumariamente, invoca o recorrente que:
«I - A lei penal não fornece uma densificação do conceito de ato sexual de relevo, nem casuística exemplificativa. Esta situação confere margem de apreciação a quem julga, em função das realidades sociais, das conceções dominantes e da própria evolução dos costumes.
II – O comportamento do arguido com a sua aluna, que se traduziu numa mera palmada no rabo não envolveu a introdução de uma das suas mãos por dentro da roupa da menor e, sem contacto com a pele desta, é absolutamente desajustado em ambiente escolar, entre professor e aluna. Mas não tem cariz sexual, apesar da zona que o arguido escolheu para tal “contacto” mas pela forma como o estabeleceu – sem ter contacto com a pele da jovem, por cima da roupa que envergava, em público, em plena sala de aula e na presença de todos os alunos. É um contacto com o que está à vista, fortuito, e que não revela busca de intimidade.
III. Mas não tem o relevo exigido pelo n.º 1 do artigo 171.º do Código Penal – (i) porque ocorreu apenas uma vez, com a referida jovem, (ii) porque ocorreu em público e (ii) porque, como primeira abordagem do género, é suscetível de ter deixado dúvida, quanto ao seu propósito.
IV. Neste contexto, tais comportamentos não entravam de forma significativa a livre determinação sexual da vítima»
Relativamente ao enquadramento jurídico-penal, o Tribunal a quo decidiu nos seguintes termos:
«Nos presentes autos, vem o arguido acusado da prática de um crime de abuso sexual de menor dependente agravado, previsto e punido pela alínea a) do n.º 1 e pelo n.º 2 do artigo 172.º do Código Penal, por referência ao n.º 1 e às alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 171.º do mesmo diploma legal, conjugado com a alínea c) do n.º 1 do seu artigo 177.º.
Dispõe o art.º 172º nº1 do C. Penal que:
Quem praticar ou levar a praticar acto descrito nos n.ºs 1 ou 2 do artigo anterior, relativamente a menor entre 14 e 18 anos:
a) Em relação ao qual exerça responsabilidades parentais ou que lhe tenha sido confiado para educação ou assistência; ou
b) Abusando de uma posição de manifesta confiança, de autoridade ou de influência sobre o menor; ou
c) Abusando de outra situação de particular vulnerabilidade do menor, nomeadamente por razões de saúde ou deficiência; é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos”.
Por sua vez, os n.ºs 1 e 2 do artigo 171.º do mesmo diploma legal consagram que:
“1- Quem praticar ato sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa, é punido com pena de prisão de um a oito anos” e que “2. Se o ato sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objetos, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos”.
Já o n.º 2 do artigo 172.º do Código Penal estabelece que “Quem praticar ato descrito nas alíneas do n.º 3 do artigo anterior, relativamente a menor compreendido no número anterior deste artigo e nas condições aí descritas, é punido com pena de prisão até um ano”.
Por sua vez, de acordo com o n.º 3 do artigo 171.º do Código Penal, que “Quem: a) Importunar menor de 14 anos, praticando ato previsto no artigo 170.º; ou b) Atuar sobre menor de 14 anos, por meio de conversa, escrito, espetáculo ou objeto pornográficos;
c) Aliciar menor de 14 anos a assistir a abusos sexuais ou a atividades sexuais; é punido com pena de prisão até três anos”.
Desta forma, o artigo 172.º do Código Penal pune a título de abuso sexual de menores dependentes duas condutas distintas:
A conduta do agente que pratica ou leve a praticar acto sexual de relevo ou cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos relativamente a menor entre 14 e 18 anos em relação ao qual exerça responsabilidades parentais ou que lhe tenha sido confiado para educação ou assistência, abusando de uma posição de manifesta confiança, de autoridade ou de influência sobre o menor ou abusando de outra situação de particular vulnerabilidade do menor, nomeadamente por razões de saúde ou deficiência. Tal conduta é punida com uma pena de prisão de 1 a 8 anos (n.º 1 do artigo 172.º e n.ºs 1 e 2 do artigo 171.º do Código Penal).
A conduta do agente que importuna menor entre 14 e 18 anos, praticando perante ele acto de caráter exibicionista, formulando propostas de teor sexual ou constrangendo-o a contacto de natureza sexual, actue sobre menor entre 14 e 18 anos, por meio de conversa, escrito, espetáculo ou objecto pornográficos ou alicie menor entre 14 e 18 anos a assistir a abusos sexuais ou a atividades sexuais, exercendo as responsabilidades parentais relativamente a tal menor, tendo tal menor sido confiando ao agente para educação ou assistência, de autoridade ou de influência sobre o menor ou abusando de outra posição de particular vulnerabilidade do mesmo. Tal conduta é punida com uma pena de prisão até 1 ano (n.º 2 do artigo 172.º e n.º 3 do artigo 171.º do Código Penal).
Desta forma, para saber se uma determinada conduta integra a modalidade do crime de abuso sexual de menor dependente prevista e punida pelo n.º 1 do artigo 172.º e n.ºs 1 e 2 do artigo 171.º do Código Penal ou, ao invés, a modalidade do crime de abuso sexual de menor dependente, p. e p. pelo n.º 2 do artigo 172.º e o n.º 3 do artigo 171.º do Código Penal, importa saber, antes de mais, se a conduta do agente integra, por um lado, a prática de um ato sexual de relevo ou de cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objetos (caso em que se aplica a primeira modalidade) ou, ao invés, condutas que não integram actos sexuais de relevo e que consistam na prática perante o menor de acto de caráter exibicionista, formulação de propostas de teor sexual ou constrangimento a contacto de natureza sexual, atuação sobre menor entre 14 e 18 anos, por meio de conversa, escrito, espetáculo ou objeto pornográficos e aliciamento do menor entre 14 e 18 anos a assistir a abusos sexuais ou a atividades sexuais (casos em que se aplica a segunda modalidade).
A propósito do conceito de acto sexual de relevo, importa referir que, de acordo com a jurisprudência constante, a título de exemplo, do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13 de Janeiro de 2016 (Proc.n.º 53/13.1GESRT.C1, Orlando Gonçalves) e do Tribunal da Relação do Porto de 14 de Julho de 2021 (Proc.n.º 116/19.0JAAVR.P1, Maria Dolores Oliveira Silva), ambos disponíveis em www.dgsi.pt, apenas pode ser classificada como acto sexual de relevo a conduta do agente que, de um ponto de vista essencialmente objectivo, seja reconhecido pelo cidadão comum como possuindo caráter sexual e que, em face da espécie, da intensidade ou da duração, ofenda em elevado grau a liberdade de autodeterminação sexual da vítima, ou seja, toda e qualquer conduta que constitua uma ofensa séria e grave da intimidade da vítima e invada de maneira objectivamente significativa o seu espaço pessoal e o seu património sexual.
Cumpre também referir que o n.º 1 do artigo 177.º do Código Penal agrava de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, as penas previstas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 172.º do Código Penal caso a vítima seja ascendente, descendente, adotante, adotada, parente ou afim até ao 2.º grau do agente (alínea a)), se encontrar numa relação familiar, de coabitação, de tutela ou curatela ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho do agente e o crime for aproveitado com aproveitamento desta relação (alínea b) ou for pessoa particularmente vulnerável em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez (alínea c)). Adoptando a propósito do conceito de “pessoa particularmente vulnerável” o estabelecido na jurisprudência constante, a título de exemplo, do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14 de Julho de 2021 (Processo N.º 158/20.2GDSTS.P1, Francisco Mota Ribeiro), disponível em www.dgsi.pt, a propósito do conceito de pessoa particularmente indefesa, importa, para preenchimento da circunstância prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 177.º do Código Penal que a vítima esteja numa situação de especial fragilidade e seja incapaz de esboçar uma defesa minimamente eficaz em relação à conduta do agente, em razão da sua idade ou por motivo de deficiência, doença ou gravidez.
O bem jurídico protegido pelo crime de abuso sexual de menor dependente corresponde à liberdade e autodeterminação sexual do menor entre 14 e 18 anos, ou seja, o livre desenvolvimento da personalidade do menor entre 14 e 18 anos, na sua esfera sexual.
Tal ilícito configura um crime de perigo abstracto, uma vez que se consuma independentemente de a actividade do agente causar um resultado danoso, em concreto, e um crime de mera actividade, que se consuma com o mero exercício de uma das atividades referidas no artigo 172.º do Código Penal.
Analisando a matéria de facto provada, considera o Tribunal que a conduta do arguido preenche o tipo objectivo do crime de abuso sexual de menores dependentes ou em situação particularmente vulnerável agravado, p. e p. pelo n.º 2 do artigo 172.º do Código Penal, por referência às alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 171.º e ao artigo 170.º do mesmo diploma legal, conjugado com a alínea c) do n.º 1 do artigo 177.º do mesmo diploma legal, uma vez que:
Em 6 de Maio de 2022, o arguido importunou sexualmente BB, constrangendo-a a contacto de natureza sexual (palmada nas nádegas) e actuando sobre ela por meio de conversa e objectos pornográficos (as conversas e imagens exibidas).
BB tinha, à data dos factos, 15 anos de idade e era aluna do arguido, estando-lhe confiada para educação.
O arguido abusou da sua posição de professor (exercício da autoridade) para actuar em relação a BB.
BB era, à data, uma pessoa de especial fragilidade, atendendo à dislexia, ao défice de atenção e aos ataques de ansiedade de que padecia.
A conduta do arguido não integra a prática de quaisquer actos sexuais de relevo, para efeitos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 171.º e do n.º 1 do artigo 172.º do Código Penal11.
Assim sendo, o tipo objectivo do crime de abuso sexual de menor dependente agravado, p. e p. pelo n.º 2 do artigo 172.º do Código Penal, por referência às alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 171.º e ao artigo 170.º do mesmo diploma legal, conjugado com a alínea c) do n.º 1 do artigo 177.º do mesmo diploma legal, encontra-se preenchido em concreto.
No que respeita ao tipo subjectivo, o crime de abuso sexual de menores dependentes ou em situação particularmente vulnerável agravado é punido nas várias modalidades de dolo previstas no artigo 14.º do Código Penal, quer seja o dolo directo (n.º 1) quer seja o dolo necessário (n.º 2) quer seja o dolo eventual (n.º 3). No caso sub judice, da matéria de facto provada resulta que o arguido actuou a título de dolo direto, nos termos do n.º 1 do artigo 14.º do Código Penal.
À luz do exposto, considera o Tribunal que a conduta do arguido integra os elementos do tipo objectivo e subjectivo do crime de abuso sexual de menor dependente agravado, p. e p. pelo n.º 2 do artigo 172.º do Código Penal, por referência às alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 171.º e ao artigo 170.º do mesmo diploma legal, conjugado com a alínea c) n.º 1 do artigo 177.º do mesmo diploma legal, motivo pelo qual foi feita a competente comunicação da alteração da qualificação jurídica ao abrigo do disposto no art.º 358º nºs 1 e 3 do C.P. Penal.
Assim sendo, e uma vez que não se verificam, em concreto, quaisquer causas de exclusão da ilicitude e da culpa, deve o arguido ser condenado pela prática do crime acima mencionado»
Ou seja, como resulta claramente do trecho transcrito, a Sra. Juíza do Tribunal a quo considerou, expressamente, que a facticidade apurada não integrava o conceito de acto sexual de relevo.
Assim sendo, na parte atinente ao protesto (erróneo) da subsunção dos factos a acto sexual de relevo, nada mais há a acrescentar.
Relativamente ao crime de abuso sexual agravado, previsto e punido pelo n.º 2 do artigo 172.º do Código Penal, por referência às alíneas a) do n.º 3 do artigo 171.º e ao artigo 170.º do mesmo diploma legal, conjugado com a alínea c) do n.º 1 do artigo 177.º do mesmo diploma legal, pelo qual o arguido foi condenado: «Para que se tenha por preenchido o elemento objectivo do tipo convocado, é necessário que o arguido tenha praticado perante a vítima atos de caráter exibicionista, formulado propostas de teor sexual (introduzida pela Lei n.º 83/2015, de 5 de agosto) ou constrangido a vítima a contacto de natureza sexual (introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro e visou dar cumprimento ao artigo 40º da Convenção de Istambul)
Em qualquer uma das modalidades de ação típica descritas, os atos proibidos deverão consubstanciar uma ingerência não autorizada na esfera sexual da vítima, violando assim a sua liberdade nesse domínio.
Trata-se de crime de dano, ou seja, de um crime cuja realização tem como consequência a lesão efetiva do bem jurídico e também de um crime de resultado, ou seja, de um crime para cuja concretização se exige que se tenha realizado o resultado proibido por lei: uma efetiva importunação de outrem»
(…) O critério a utilizar para aferir do carácter atentatório da liberdade sexual das propostas de carácter sexual é, por conseguinte, o da sua gravidade, atento o disposto no art.º 18º da CRP e considerando as circunstâncias do caso concreto, a idade da vítima, os usos do lugar, as realidades sociais, das conceções dominantes e da própria evolução dos costumes e tendo como matriz interpretativa o disposto no art.º 40 da Convenção de Istambul, onde se lê que:
As Partes tomarão as medidas legislativas ou outras necessárias para assegurar que qualquer conduta indesejada verbal, não-verbal ou física, de carácter sexual, tendo como objectivo violar a dignidade de uma pessoa, em particular quando esta conduta cria um ambiente intimidante, hostil, degradante, humilhante ou ofensivo, seja objecto de sanções penais ou outras sanções legais.
(…) Ato sexual será todo aquele ato que exteriormente e de forma objetiva revele conexão com a sexualidade.
Diz Mouraz Lopes, a este respeito, in “Os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual” no Código Penal, 4.ª Edição Revista e modificada de acordo com a Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, Coimbra Editora, 2008, pp. 108-109:
Vale a pena apelar ao que vinha constituindo alguma discussão efetuada pela doutrina e jurisprudência sobre o que não é (ou não deve ser) um «ato sexual de relevo» e que não configurando essa figura essencial que está na origem da reforma de 1995, caberá hoje no domínio do contacto de natureza sexual para efeitos deste tipo de crime. É o caso do «apalpão» ou o «roçar» ou pressionar partes do corpo contra partes do corpo da vítima, por exemplo nos transportes públicos ou em espaços fechados, que podem consubstanciar uma situação «froteurismo» (de frotter).
Verificado o contacto de natureza sexual importa sublinhar que não basta a sua existência, só por si, para configurar o tipo de crime. O contacto tem que decorrer através de alguma forma de pressão, aperto, compressão ou coação que configure um ato que de uma forma inequívoca cerceia a liberdade sexual da vítima. Não existindo esse «mínimo» que identifique, objetivamente, esse constrangimento não se pode configurar, à luz do tipo de crime, uma ação típica.»
Escreve o mesmo autor, já com Tiago Milheiro, in op. cit., pág. 126:
“enquadram-se no tipo tanto a situações em que a vítima estava desprevenida ou foi surpreendida (v.g. movimento imprevisto, momentâneo, rápido apalpão) como as situações em que o constrangimento emergiu de abusos de autoridade resultantes de relações familiares, tutela, curatela, dependência hierárquica, económica (…) ou uso de violência ameaça grave ou colocação na impossibilidade de resistir. A destrinça neste caso em relação aos artigos 163 do código penal será o relevo do ato sexual”.
(…)
O contacto tem que decorrer através de alguma forma de coação, pressão, aperto ou compressão que configure um ato que de uma forma inequívoca cerceia a liberdade sexual da vítima
No mesmo sentido se pronuncia Inês Ferreira Leite, in “A tutela Penal da Liberdade Sexual”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 21, n.º 1, Janeiro-Março 2011, pp. 71-73):
«Assim, no crime de importunação sexual deverão caber os atos ou gestos que não envolvem contacto físico (pois é esta a esfera do exibicionismo) ou, quando envolvendo tal contacto, que fiquem aquém do relevo exigido para que seja praticado o crime de coação sexual. E podem ser “contactos sexuais” que não assumem tal relevo pois não integram um comportamento objetivamente identificável como sexual (toques em transportes públicos ou outros toques aparentemente cobertos pela adequação social, fetiches apenas subjetivamente aptos a provocar excitação sexual, como por exemplo, carícias em partes do corpo tradicionalmente não erógenas); ou porque não são aptos a lesar ou colocar em causa, de modo grave, a liberdade sexual, embora sejam de molde a importunar a vítima (simulação de ato sexual sobre uma vítima em plena rua, pequenos “apalpões” etc.). Importante é que a pessoa seja importunada com o ato exibicionista ou constrangida a um contacto de natureza sexual. Assim, no primeiro caso cabem apenas aqueles atos exibicionistas que limitem a liberdade de ação da vítima, impondo-lhe uma envolvência de caráter sexual, na qual esta é um participante involuntário, e nunca a mera exibição dos órgãos genitais. No segundo caso, cabe a imposição de um contacto de natureza sexual sobre a vítima, imposição esta que, por se tratar de constrangimento, terá que assentar na supressão do sentido da vontade da vítima. Não se tratando de um constrangimento obtido por meio de violência ou de ameaça grave, pode, contudo, tratar-se de um ato imposto pela surpresa, quando o agente conte com a impossibilidade de reação atempada da vítima para a constranger ao contacto sexual. Em qualquer dos casos, haverá sempre restrição da liberdade sexual, ou melhor, restrição da liberdade de não ser envolvido em contexto sexual imposto, sob pena de se perder o sentido da incriminação»
12
No caso dos autos, da facticidade assente decorre, em abreviada síntese, que: o recorrente segurando o seu telemóvel e, percorrendo a galeria de imagens exibiu à menor um número não concretamente apurado de fotografias, nas quais eram visíveis mulheres adultas seminuas, e uma fotografia em que ele aparecia, nu, com o órgão genital exposto e acompanhado de uma mulher; de seguida desferiu naquela uma palmada nas nádegas, perante os demais alunos presentes na sala e após o final da aula, aproveitando-se do facto de se encontrarem sozinhos no interior da sala, dirigiu-se à mesma e, ao mesmo tempo que lhe acariciava a face com as mãos questionou-a se alguém já lhe tinha tocado e se já tinha ido para a cama com alguém, tendo a menor respondido negativamente.
Ou seja, no confronto com a demais materialidade apurada relativamente à idade, condições pessoais e de saúde da vítima, não nos assolam quaisquer dúvidas de que todo o comportamento adoptado pelo arguido, então professor daquela, é inequivocamente subsumível, objectiva e subjectivamente, ao tipo legal pelo qual foi condenado.
Termos em que, outra conclusão não resta senão a de, outrossim neste segmento, julgar improcedente o recurso.
III – DISPOSITIVO
Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se:
a) Julgar improcedentes os recursos, intercalar e final, interpostos pelo arguido AA;
b) Condenar o recorrente no pagamento de taxa de justiça que se fixa em 4 UC.
Notifique.

Lisboa, 7 de Novembro de 2024
Ana Marisa Arnêdo
Paula Cristina Bizarro
Ana Paula Guedes
_______________________________________________________
1. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24/5/2023, processo n.º 22/21.8PFLRA-J.C1, in www.dgsi.pt.
2. O Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar que: «A fundamentação das decisões judiciais, em geral, cumpre duas funções: a) uma, de ordem endoprocessual, que visa essencialmente impor ao juiz um momento de verificação e controlo crítico da lógica da decisão, permitir às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação, e ainda colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente; b) outra, de ordem extraprocessual, já não dirigida essencialmente às partes e ao juiz ad quem, que procura, acima de tudo, tornar possível um controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão - que procura, dir-se-á por outras palavras, garantir a transparência do processo e da decisão» cf. Acórdãos n.º 55/85, 135/99 e 408/2007.
3. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23/3/2015, processo n.º 863/11.4GAFAF.G1, in www.dgsi.pt.
4. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal, 15ª ed., Coimbra, 2005, pág. 306 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21/1/2013, processo n.º 13/11.7GAGMR-A.G1, in www.dgsi.pt.
5. Paulo Dá Mesquita, Comentário Judiciário do Código do Processo Penal, Tomo III, 2ª Edição, p. 1017/1018.
6. Paulo Dá Mesquita, Comentário Judiciário do Código do Processo Penal, Tomo III, 2ª Edição, p.1046.
7. Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 7/5/2018, processo n.º 134/16.0GAVF.G1 e do Tribunal da Relação de Évora de 26/4/2016, processo n.º 371/14.1TATVR.E1, in www.dgsi.pt.
8. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9/11/2022, processo n.º 62/17.1PKLSB.L1-3, in www.dgsi.pt.
9. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24/9/2013, proferido no processo n.º 356/09.0 GELLE.E1, in www.dgsi.pt. No mesmo sentido, entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 28/1/2014, proferido no processo n.º 45/11.5GAORQ.E1 e de 17/3/2015, proferido no processo n.º 18/13.3 GBGLG.E1, in www.dgsi.pt.
10. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 9/1/2012, processo n.º 102/10.5TAANS.C1, in www.dgsi.pt.
11. Negrito nosso.
12. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19/12/2023, processo n.º 95/22.6T9MFR.L1-5, in www.dgsi.pt. No mesmo sentido, entre outros, os Acórdãos dos Tribunais da Relação de Évora de 24/5/2022 e da Relação de Guimarães de 2/5/2016, ambos in www.dgsi.pt.