Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | TERESA SANDIÃES | ||
Descritores: | CONTRATO DE SEGURO SEGURO RAMO VIDA NÃO PAGAMENTO DO PRÉMIO RESOLUÇÃO COMUNICAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/12/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | No contrato de seguro do ramo vida, a resolução por falta de pagamento do prémio apenas opera, existindo cláusula resolutiva expressa (que dispensa a interpelação admonitória), caso a seguradora logre demonstrar ter comunicado às pessoas seguras a resolução do contrato. Caso tal não suceda, não obstante se ter por assente a falta de pagamento do prémio, há que concluir que o contrato de seguro se mantinha válido e em vigor aquando do evento e seu acionamento pela pessoa segura. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam as Juízas da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa ML intentou ação declarativa de condenação contra … Seguros, SA, pedindo a condenação desta a liquidar perante o Banco…, a quantia de €217.231,04 (duzentos e dezassete mil, duzentos e trinta e um euros e quatro cêntimos), devida pela Autora e FM, em 1 de Novembro de 2012, e que se vierem a liquidar em execução de sentença; a pagar à autora o remanescente do capital seguro, no valor de €133.508,32, tudo acrescido de juros moratórios, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento. A Ré contestou por exceção e impugnação, concluindo pela improcedência da ação. Notificada para o efeito, a A. respondeu à matéria de exceção, pugnando pela sua improcedência. A convite do Tribunal a A. deduziu incidente de intervenção principal provocada de FM, seu ex-marido, o qual foi julgado procedente e ordenada a citação do interveniente. O interveniente juntou procuração e declarou fazer seus os articulados apresentados pela A. Com dispensa de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, delimitado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova. Após realização da audiência de julgamento foi proferida decisão com o seguinte dispositivo: “Com base nos fundamentos fáctico-jurídicos que ficaram precedentemente expressos, julgo a acção parcialmente procedente, por provada apenas em parte, e, em consequência: a) Condeno a ré a pagar ao «Banco...», a quantia que se apurar ser-lhe devida pelos autores ML e FM em 1 de Novembro de 2012 e o montante que se vier a liquidar em incidente ulterior à sentença, por efeito do mútuo indicado nos factos A) e B), até ao limite do capital seguro de €194.170,00, bem como a condeno a pagar aos autores o remanescente do capital seguro, igualmente a apurar em incidente de liquidação ulterior à sentença, acrescido de juros à taxa legal de 4%, contados desde a citação e até integral pagamento; b) Absolvo a ré do restante pedido que contra ela foi deduzido pelo/a(s) autor/a(es)(s); c) Condeno a ré e o/a(s) autor/a(es)(s) nas custas do processo, na proporção dos respectivos decaimentos, que se fixam em 80% para a ré e em 20% para o/a(s) autor/a(es)(s).” A R. interpôs recurso da sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem: “1. A R. Seguradora não concorda com a condenação proferida em primeira instância, defendendo que a. [Por um lado] o Tribunal a quo deveria ter proferido decisão que julgasse procedente a anulação do contrato de seguro, em face da matéria julgada provada, havendo ainda matéria que, neste particular, foi incorretamente julgada quando considerada a prova produzida, b. [E por outro] sempre deveria ter sido absolvida dos pedidos formulados, por falta de preenchimento dos pressupostos contratualmente previstos para acionamento das coberturas, atenta a factualidade julgada provada. Mas vejamos, 2. O contrato de seguro em discussão nos autos prevê uma clausula resolutiva expressa, que determina a possibilidade de a R. Seguradora proceder à sua resolução trinta dias após a ausência de pagamento dos prémios de seguro acordados – cf. facto provado G). 3. Ausência, essa, que no presente caso se arrastava inequivocamente desde dezembro de 2012 – cf. facto provado P). 4. Termos em que, ao abrigo daquela convenção contratualmente estabelecida e do disposto no artigo 436.º do CC, para resolver o contrato por falta de pagamento, bastaria que a R. Seguradora comunicasse aos AA. essa mesma resolução, o que veio a ocorrer – conforme explicou a testemunha NS [cf. depoimento gravado e disponibilizado via CITIUS, nos minutos [00:10:59], [00:11:12], [00:11:26], [00:11:12], [00:26:00] e [00:26:16]]. 5. Note-se que neste particular o depoimento daquela testemunha mereceu especial credibilidade referindo o Tribunal que: “… que deixou de ser pago o prémio de seguro desde novembro ou dezembro de 2012, tendo o Banco … comunicado esse facto à ré, em virtude de não ser paga a prestação do empréstimo, por falta de provisão na conta, tendo sido feitas três tentativas de cobrança do prémio junto do banco, mas não sendo possível essa cobrança, mais confirmando que, em agosto de 2013, foi recebida nova comunicação da autora, através da advogada, a participar a sua situação de invalidez, mas não tendo a ré analisado essa proposta, pois entendeu que já tinha anulado a apólice com efeitos reportados a 1/12/2012, tendo a resolução do contrato sido comunicada em 23 de fevereiro de 2013, como decorrência da falta de pagamento prémios, após avisos de cobrança enviados apenas para o réu, enquanto “pegador” (…)” 6. Assim, em face daquele depoimento deveria o Tribunal a quo ter julgado como provado o facto Y) (com a correção do ano ali indicado para 2013). 7. Mais, a comunicação da anulação da apólice por falta de pagamento, não se duvida ser do conhecimento de ambos os Autores e Recorridos à data (!), até porque vieram a requerer a reposição da apólice, subsequente à falta de pagamento dos prémios, invocando dificuldades económicas, conforme resultou do depoimento da testemunha NS [aos minutos [00:29:36] [00:07:39] e [00:11:56]]. e Z) 8. Consequentemente é inequívoco que os AA./Recorridos sabiam, por um lado, que não haviam liquidado os prémios de seguro devidos à R. Seguradora como contraprestação do risco segurado, e, por outro, conheciam a anulação do contrato de seguro operada pela R. Seguradora atento aquele incumprimento do pagamento do prémio (!). 9. Com efeito, só o conhecimento da anulação da apólice por falta de pagamento é que justificaria o pedido de reposição da apólice por dificuldades económicas … assinado por ambas as pessoas seguras. 10. Termos em que, por conta do depoimento da testemunha em apreço o Tribunal a quo também deveria ter julgado provado o facto Z), o que cabe ao Tribunal ad quem reverter. 11. Assim, da concatenação dos factos provados G) e P) e, bem assim, da matéria que se deveria ter por provada nos pontos Y) e Z) da sentença recorrida, deverá o Tribunal julgar procedente o presente recurso, revertendo a decisão condenatória e absolvendo a R. Seguradora de todos os pedidos formulados, uma vez que se encontra comprovada a válida resolução do contrato de seguro por falta de pagamento dos prémios, a qual foi devidamente comunicada e era do conhecimento dos Autores. Sem conceder, 12. No que importa ao presente recurso, a decisão condenatória ora recorrida julgou também provada a matéria de facto constante dos pontos C, F), J) e H) a qual determina, resumidamente que: c) o contrato de seguro foi celebrado em 2004, f) estando as suas clausulas contratuais juntas aos autos, dando-se por reproduzidas, h) prevendo que a pessoa segura terá de ser portadora de um grau de desvalorização global igual ou superior a 66,6%, para poder acionar a cobertura de invalidez total e permanente, sendo certo que a Autora teve a primeira manifestação de doença bipolar em 1992 (j). Ora, 13. Nos presentes autos foi efetuada uma perícia médico-legal de avaliação do dano corporal em direito civil que determinou que a Autora é apenas portadora de um coeficiente de desvalorização de 68,73%, contudo, contribuiu para aquele coeficiente o valor de 0,30 pontos por conta do parâmetro X Psiquiatria 1 – Doença Bipolar. 14. Doença, aquela, que teve a sua primeira manifestação em 1992 (conforme resulta do facto provado (J)) termos em que é evidentemente anterior à data da contratação do seguro de vida em discussão nos presentes autos (cf. factualidade provada em C)). 15. Ora, resulta do artigo 3.º al. c) das condições particulares do contrato de seguro – que o Tribunal a quo doutamente deu por transcritas na decisão – que se encontram excluídos da cobertura de invalidez total e permanente as “…doenças, acidentes ou quaisquer eventos que tenham ocorrido ou dado origem a tratamento médico antes da data de entrada em vigor desta cobertura complementar, e suas eventuais consequências …”. 16. Termos em que, tratando-se de patologia anterior à contratação do presente seguro de vida, a mesma se encontra excluída das coberturas do contrato de seguro de vida. 17. Consequentemente, retirada a patologia pré-existente para efeitos de averiguação do acionamento das coberturas do contrato de seguro, a Autora não é portadora de um grau de desvalorização suficiente, i. é que atinja uma percentagem igual ou superior a 66,6%. 18. Assim, a Autora não preenche a totalidade dos critérios cumulativos exigidos pelas clausulas contratuais para que esta se encontre em situação de Invalidez Total e Permanente nos termos da apólice, pelo que – também por esta via – deveria a R. Seguradora e Recorrente ter sido absolvida do pedido, com todas as devidas e legais consequências. 19. O mesmo é dizer que, ainda que por hipótese se admita a validade do contrato de seguro (o que apenas por dever de patrocínio se alega e invoca), não poderia a R. Seguradora ser condenada a acionar as garantias contratuais e a liquidar o capital seguro por via da cobertura de invalidez total e permanente, porquanto a Autora não preenche os pressupostos cumulativos contratualmente fixados para o efeito, 20. O que resulta da concatenação da prova produzida (perícia médico-legal), da factualidade julgada provada (factos C), F) J). H)) e da aplicação do direito (no caso as normas contratuais pretensamente vigentes entre as partes) àqueles mesmos factos. 21. Termos em que mal andou o Tribunal a quo quando condenou a R. Seguradora, pelo que caberá ao Tribunal ad quem reverter a decisão condenatória, revogando-a e substituindo-a por outra que determine a absolvição desta Recorrente, com todas as devidas e legais consequências, mormente a título de custas de parte. Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente”. A A. e o interveniente apresentaram contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões: “I. A douta sentença que julgou parcialmente procedente o pedido formulado pelos Autores, ora Alegantes, e, em consequência, condenou a Ré “…SEGUROS, S.A.”, ora Recorrente, “no pagamento ao “Banco …” a quantia que se apurar ser-lhe devida pelos Autores, em 1 de Novembro de 2012 e a que se vier a liquidar em incidente ulterior á sentença, por efeito do mutuo indicado nos factos A) e B), até ao limite do capital seguro de €194.170,00, bem como pagar aos Autores o remanescente do capital seguro, igualmente a apurar em incidente ulterior á sentença”, tem necessariamente de manter-se, pois consubstancia a única solução que consagra a justa e rigorosa interpretação e aplicação ao caso sub judice das normas legais e dos princípios jurídicos competentes. II. A Recorrente “…SEGUROS, S.A.” intentou o presente recurso por entender que, por parte do Tribunal a quo perante a matéria julgada provada, sempre a decisão proferida seria (necessariamente) distinta daquela que veio a ser proferida”, designadamente porque, no entendimento da Recorrente, deveria a decisão quanto á validade da resolução do contrato de seguro e da falta de preenchimento dos pressupostos da cobertura de invalidez total e permanente. III. No ponto de vista da Recorrente os efeitos da falta de pagamento do prémio no âmbito dos contratos de seguro de vida, são os que sejam estipulados nas condições contratuais – cf artg 57.º, n.º 2b) e 58.º do DL 72/2008, de 16 de Abril-, mais nos informando que o contrato de seguro em análise nos autos prevê uma clausula resolutiva expressa, que permite á Recorrente proceder á resolução do contrato trinta dias após a ausência de pagamento, mas a Recorrente teria de o fazer através de carta registada (clausula 15 º contrato de seguro) IV. Acontece que, e embora se dê como provado (P)) que a partir de Dezembro de 2012 não foi possível á Recorrente cobrar os prémios do seguro, não se deu como provado que foi enviado aos Autores qualquer aviso de cobrança (W)), nem que a Recorrente comunicou a anulação do certificado de seguro aos Autores por qualquer meio (X) E Y)). V. De facto, a única testemunha da Ré, NS, que poderia responder a estas questões, mencionou não ter noção sobre a forma ou meio como eram enviadas as comunicações aos Autores respeitante ao contrato de seguro aqui em apreço, mais nos dizendo que não sabia como era elegida a morada para a qual as comunicações eram enviadas, mais mencionando que poderiam existir comunicações dirigidas aos Autores para moradas respeitantes a outro contrato, e não para a morada facultada aquando da realização do presente contrato. VI. Explicando assim o porque de, a ter existido alguma comunicação aos Autores, o que aqui apenas se aceita por mera hipótese académica, os Autores nunca terem tomado conhecimento de qualquer dívida à Recorrente (pelo não pagamento dos prémios), nem da anulação do certificado de seguro e resolução do contrato de seguro aqui em apreço. VII. Acresce que não foi oferecida pela Recorrente “qualquer comprovativo de envio, nem de recepção de qualquer comunicação por qualquer um dos Autores e muito menos por ambos de alguma comunicação contendo avisos de cobrança, intimações para realização de pagamentos de prémios de seguro em determinado prazo, nem de emissão de outros certificados de seguro (…) nem existe qualquer comprovativo de comunicação a algum dos Autores da resolução do contrato de seguro aqui em apreço”, tal como o contrato de seguro o exige. VIII. Sendo que tal só prova o alegado pelos Autores, anteriormente, ou seja, que nunca receberam qualquer comunicação em relação ao contrato aqui em apreço por parte da Recorrente. IX. Mais nos é dito pelo Tribunal a quo na sua douta sentença que através dos documentos juntos pela Recorrente apenas se pode concluir que os Autores nunca solicitaram uma “reposição do seguro”, uma vez que esta nunca foi feito por escrito, nem perante qualquer testemunha, e a ter ocorrido é desconhecido a sua data, o seu teor, e se o mesmo respeitava ao contrato de seguro aqui em apreço ou a outro qualquer realizado entre as partes, uma vez que a referida testemunha da Recorrente, NS, admite existir outros contratos de seguro entre a Recorrente e os Autores. X. Embora a suposta “reposição do seguro” seja uma suposta prova utilizada pela Recorrente nas suas alegações para provar que as supostas comunicações aos Autores ocorreram, a verdade é que é impossível provar que a mesma existiu, e que qualquer comunicação, seja para que fim for, foi endereçada aos Autores. XI. Apenas podemos concluir que a Recorrente nunca deu qualquer prova documental ou apresentou qualquer prova testemunhal em que demonstra que enviou qualquer comunicação aos Autores, seja para avisos de cobrança, intimações para realização de pagamento de prémios de seguro, nem a informar que iria resolver o contrato existente. XII. Sendo que, ao contrário do alegado pela Recorrente, nunca existiu qualquer pedido de “reposição de seguro”, uma vez que os Autores nem sabiam que o seu contrato de seguro tinha sido resolvido, sendo que a provar essa afirmação dos Autores, encontramos uma ausência total de prova por parte da Recorrente. XIII. Ao contrário do alegado pela Recorrente nas suas alegações, jamais poderá o Tribunal, perante as provas apresentadas no presente processo, dar como provado o facto Y) e o facto Z), na verdade nem a testemunha da Recorrente consegue defender a tese da Recorrente, muito menos quaisquer documentos juntos pela Recorrente. XIV. Jamais o Tribunal a quo poderia dar como provados os factos W) a FF), ao contrário do solicitado pela Recorrente nas suas alegações, uma vez que há uma total inconsistência de dos meios de prova que a Recorrente ofereceu para sustentar os mesmos, sendo que tal seria da sua responsabilidade de acordo com o disposto nos artigos 342.º, n.º 2 do Código Civil e 414.º do Código Processo Civil. XV. Embora se tenha provado que a partir de Dezembro de 2012 não foi possível á Recorrente cobrar os prémios do seguro, e embora, esteja legalmente assente, que qualquer prestação num contrato tenha que ser cumprida pontualmente (arts 406.º, n.º 1 e 762.º, n.º 1 do Código Civil), tendo os devedores de se ajustar ao que ficou estipulado como sendo devido, sempre agindo de Boa Fé, a verdade é que a Recorrente teria que informar os Autores da resolução do contrato, não o podendo fazer unilateralmente, mesmo na falta de pagamento dos prémios de seguro. XVI. Veja-se a este respeito o artigo 805.º, n.º 1 do Código Civil: “o devedor só fica constituído e mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir “. XVII. Logo, mesmo que neste caso estivesse verificado o incumprimento definitivo do contrato, só com a comunicação da resolução é que esta opera, não bastando a situação de incumprimento definitivo e a convicção da Recorrente que quer por termo ao contrato mediante a sua resolução, dado que essa comunicação deve ser feitos em termos inequívocos, o que na presente situação não ocorreu. XVIII. Nos presentes autos, a Recorrente não consegue demonstrar, por qualquer meio, que tinha comunicado a sua vontade resolutiva aos Autores. XIX. Nessa conformidade, não se entende a posição da Recorrente nas suas alegações onde afirma que se encontra comprovado a anulação do contrato de seguro e que a mesma foi devidamente comunicada aos Autores, quando tal não ocorreu. XX. Podemos afirmar que nunca a Recorrente logrou demonstrar que tinha comunicado aos Autores a sua vontade resolutiva, em qualquer data e por qualquer meio e muito menos por carta registada, tal como ficou estabelecido no contrato de seguro. XXI. A Recorrente vem alegar que a patologia, doença bipolar, que a Autora sofre é anterior a 2004, data da celebração do contrato de seguro, mais propriamente a Recorrente alega que a Autora sofre de doença Bipolar desde 1992, no entanto nunca invocou tal questão nos autos. XXII. Mais dizendo que retirando esta patologia a Autora não é portadora de um grau de desvalorização suficiente, ou seja, que não atinge uma percentagem igual ou superior a 66,6%, sendo que tal é um requisito do artigo 1.º das condições especiais do contrato de seguro. XXIII. Ora tal não corresponde á verdade. XXIV. Embora, após o parto a Autora tenha tido a sua primeira manifestação de doença bipolar, com o aparecimento de sintomatologia depressiva, a verdade é que a mesma nunca foi diagnosticada como tal, tendo apenas sido diagnosticada como uma simples depressão, tendo essa ideia sido reforçada pelo facto que a mesma teve uma evolução rápida para remissão sintomática até ao ano de 2007, pelo que não poderá, ao contrário do solicitado pela Recorrente, a mesma ser excluída das coberturas do contrato de seguro de vida. XXV. Como nos referem as condições especiais “(…) considerando-se existir essa situação de invalidez quando a pessoa segura ficasse total e definitivamente incapacitada para exercer a sua profissão ou qualquer outra actividade permanente geradora de rendimentos (…) com fundamento em sintomas objectivos, clinicamente comprováveis, não sendo possível prever qualquer melhoria no seu estado de saúde”. XXVI. Ora em 1992 a Autora não tinha quaisquer sintomas objectivos e clinicamente comprováveis da doença Bipolar, sendo que a mesma acreditar que sofria de depressão pós-parto, conforme lhe foi informado pelos médicos, e não de doença bipolar. Ademais, esta questão foi decidida pelo Supremo Tribunal de Justiça, conforme Acórdão junto em 2/12/2019; XXVII. Acresce que perante todos os dados apresentados por ambas as partes ficou provado que a Autora sofre de uma incapacidade de 68,76300%, e que a mesma é definitiva. XXVIII. Sendo que tal ficou assente nos factos provados da sentença, mormente, no facto K), que nos diz que: “Em 31 de Outubro de 2012 a Autora sofria de uma incapacidade permanente global, determinada de acordo com o TNI de 68,76300%”. XXIX. Mais ficou provado que a Autora se encontra total e definitivamente incapacitada para exercer qualquer profissão ou actividade lucrativa, devido á deterioração das funções cognitivas superiores, correspondentes á atenção, funções executivas e velocidade de processamento de informação, associadas á evolução da doença bipolar, sendo que tal é reforçado pelas testemunhas PS e MM. XXX. Tendo tal ficado nos factos provados da sentença nos factos L) e R). XXXI. Nessa consonância, quando a Autora comunicou á Recorrente a sua situação de incapacidade permanente para o exercício de qualquer profissão ou actividade renumerada e padecer de uma incapacidade superior a 66,6%, em consequência das doenças que lhe foram diagnosticadas, o seguro encontrava-se em vigor e a Recorrente vinculada a cumprir as obrigações que para si resultam do contrato de seguro. XXXII. Assim a Recorrente, uma vez que a Autora preenche todos os requisitos exigidos, terá que assegurar o pagamento da indemnização até ao limite do capital seguro. Termos em que o recurso apresentado pela Recorrente não deve merecer provimento. A decisão recorrida considerou como provada a seguinte matéria de facto: “A) Os autores e o «Banco …» outorgaram, no dia 17 de Dezembro de 2004, a escritura pública a que foi dada a designação de “mútuo com hipoteca”, cuja cópia consta de fls. 6 verso a 12 e se dá por reproduzida, na qual o segundo declarou conceder aos primeiros, com residência na Rua …, um empréstimo no montante de € 194.170,00 (cento e noventa e quatro mil cento e setenta euros) “(…) para efeitos de construção no imóvel abaixo hipotecado que se destina a habitação própria e permanente”. B) Do escrito intitulado “Documento Complementar”, que faz parte dessa escritura pública, ficou a constar, além do mais, o seguinte: “PRIMEIRA: (…) 2. Nesta data é entregue pelo Banco a primeira parcela da quantia mutuada no montante de sessenta mil EUROS. 3. A quantia remanescente de centro e trinta e quatro mil cento e setenta EUROS será entregue aos MUTUÁRIOS fraccionada e proporcionalmente à evolução da CONSTRUÇÃO (…). (…) SEGUNDA: 1. O empréstimo é concedido pelo prazo de trezentos e sete meses a contar do próximo dia vinte e cinco. (…). DÉCIMA: 1. (…) 2. Os MUTUÁRIOS obrigam-se a contratar um SEGURO DE VIDA cujas condições, constantes da respectiva apólice, serão as indicadas pelo Banco, em sociedade de seguros de reconhecido crédito e da confiança do Banco, a pagar atempadamente os respectivos prémios, a fazer inserir na respectiva apólice que o Banco é credor hipotecário e que, em consequência, as indemnizações que sejam devidas em caso de sinistro reverterão para o Banco.” C) Os autores e o «Banco …» outorgaram no dia 9 de Agosto de 2006 a escritura pública a que foi dada a designação de “mútuo com hipoteca”, cuja cópia consta de fls. 13 a 15 e se dá por reproduzida, na qual o segundo declarou conceder aos primeiros um empréstimo no montante global de Euros 40.000,00 (quarenta mil euros) “(…) para efeitos de construção no imóvel abaixo hipotecado que se destina a habitação própria e permanente”. D) Com efeitos a partir de 17 de Dezembro de 2004, foi celebrado com a ré um acordo, por escrito, designado de “contrato de seguro do ramo vida – crédito habitação (NRD)”, titulado pela apólice n.º 00038016, a que corresponde o certificado individual de seguro com o n.º 92635598, cuja cópia consta de fls. 16 e 16 verso se dá por reproduzida, do qual se fez constar que a morada da “entidade pagadora” e “da pessoa segura” se situava na Rua …. e, além do mais, o seguinte: “Tomador do Seguro: Banco … Entidade Pagadora: FM Pessoa Segura: FM (…) Pessoa Segura: ML (…) Cobertura Principal Capital Seguro Morte 60.000,00 Coberturas Complementares Capital Seguro Invalidez Total e Permanente 60.000,00 (…)” E) Para o mesmo “contrato de seguro” referido em D) foram emitidas as “actas adicionais” cujas cópias constam de fls. 17, 18 e 43 e se dão por reproduzidas, mediante as quais o capital seguro foi aumentado de €60.000,00 para €110.000,00 (cento e dez mil euros) em 05.04.2005, para € 190.739,36 em 24.01.2006 e para €194.170,00 em 17 de Julho de 2006. F) Esse “contrato de seguro” ficou sujeito às “condições especiais” cuja cópia consta de fls. 44 a 45 verso e às “condições gerais” cuja cópia consta de fls. 47 a 49, as quais se consideram todas reproduzidas. G) Do artigo 13.º das referidas “condições gerais”, sob a epígrafe “Falta de Pagamento dos Prémios”, ficou a constar: “1. O não pagamento dos prémios, dentro dos 30 dias posteriores à data do seu vencimento, concede à Seguradora, nos termos legais, a faculdade de proceder à resolução do contrato ou fazer cessar as garantias conferidas em relação a uma ou mais Pessoas Seguras.” H) Do artigo 1.º das mencionadas condições especiais”, sob a epígrafe “Definições”, ficou a constar: “Para efeitos desta cobertura complementar, considera-se: (…) e) Invalidez Total e Permanente – A Pessoa Segura encontra-se na situação de Invalidez Total e Permanente se, em consequência de doença ou acidente, estiver total e definitivamente incapaz de exercer uma actividade remunerada, com fundamento em sintomas objectivos, clinicamente comprováveis, não sendo possível prever qualquer melhoria no seu estado de saúde de acordo com os conhecimentos médicos actuais, nomeadamente quando desta invalidez resultar paralisia de metade do corpo, perda do uso dos membros superiores ou inferiores em consequência de paralisia, cegueira completa ou incurável, alienação mental e toda e qualquer lesão por desastre ou agressões em que haja perda irremediável das faculdades e capacidade de trabalho, devendo em qualquer caso o grau de desvalorização, feito com base na Tabela Nacional de Incapacidades, ser superior a 66,6% que, para efeitos desta cobertura, é considerado como sendo igual a 100%”. I) Em 17 de Maio de 2007, foi diagnosticado à autora um carcinoma ductal invasivo da mama direita, tendo a mesma, em virtude dessa doença, sido submetida a mastectomia simples direita e quimioterapia. J) Após o parto, a autora teve a sua primeira manifestação de doença bipolar, com o aparecimento de sintomatologia depressiva no ano de 1992, com necessidade de instituição terapêutica ansiolítica e aparente evolução rápida para a remissão sintomática, ficando, aparentemente, em remissão até ao ano de 2007, altura em que, ainda antes do diagnóstico de neoplasia da mama, refere ter tido sintomas depressivos, sendo que, após o diagnóstico do tumor da mama, em Maio de 2007, ocorreu viragem maniforme, sendo então feito o diagnóstico de Perturbação Bipolar tipo I, com sintomas psicóticos. K) Em 31 de Outubro de 2012 a autora sofria de uma incapacidade permanente global, determinada de acordo com a TNI, de 68,76300%. L) Essa incapacidade era definitiva. M) Em 28 de Agosto de 2013, a autora solicitou à ré a amortização do empréstimo junto do «Banco…» e a entrega do remanescente do capital à sua pessoa. N) Em 11 de Dezembro de 2007, a ré recebeu uma participação de sinistro por invalidez relativa à autora. O) A autora apresentava, então, um grau de invalidez de 65%, sujeito a avaliação no prazo de um ano, pelo que a ré recusou o sinistro participado. P) A partir de Dezembro de 2012, em virtude da conta bancária se apresentar sem saldo suficiente ou não estar movimentável, não foi possível à ré cobrar os prédios do seguro. Q) Em 5 de Setembro de 2013 a ré recebeu uma participação de sinistro por invalidez da autora, acompanhada de um atestado médico de incapacidade multiusos, emitido em 13 de Março de 2013, que atribuía à autora uma incapacidade definitiva de 73%. R) A autora encontra-se total e definitivamente incapacitada para exercer qualquer profissão ou actividade lucrativa, devido à deterioração das funções cognitivas superiores, correspondentes à atenção, funções executivas e velocidade de processamento de informação, associadas à evolução da doença bipolar e que persistem mesmo nas fases de remissão. S) Em 31 de Outubro de 2012 a dívida dos autores para com o «Banco …», em consequência dos acordos referidos nas alíneas A) e C) era de €217.231,04 (duzentos e dezassete mil duzentos e trinta e um euros e quatro cêntimos). T) O capital seguro no âmbito do acordo referido na alínea D) foi sempre alterado em função do capital em dívida pelos autores ao «Banco...»” * A sentença recorrida considerou como não provada a seguinte matéria de facto: “U) Em 31 de Outubro de 2012 a autora sofria de uma incapacidade permanente global, determinada de acordo com a TNI, de 73%. V) Foi em consequência do carcinoma ductal invasivo da mama direita que a autora sofreu osteopenia secundária e ficou a padecer de perturbação bipolar. W) Em 20 de Dezembro de 2012 foi enviado aviso de cobrança aos autores, mas o pagamento não foi efectuado. X) Em 26 de Fevereiro de 2012 a ré anulou, com efeitos a partir de 1 de Dezembro de 2012, que era a data do último pagamento, o certificado do seguro. Y) A ré comunicou esse facto ao autor em 23 de Fevereiro de 2012. Z) Em 14 de Março de 2013, a ré recebeu um pedido de reposição da apólice em vigor, assinado por ambos os autores, com o pedido de que os prémios passassem a ser pagos através de “Multibanco”. AA) A ré aceitou e emitiu um novo certificado com o n.º 71908970, com início em 1 de Dezembro de 2012. BB) Nunca foi realizado qualquer pagamento dos prémios correspondentes a esse certificado. CC) A ré enviou, em 23 de Março de 2013, um primeiro aviso de cobrança e, em 8 de Abril de 2013, um segundo aviso de cobrança, mas nada foi pago. DD) A ré declarou anular o certificado n.º 71908970 por falta de pagamento dos prémios de seguro, com efeitos a partir de 1 de Dezembro de 2012 e comunicou esse facto aos autores em 15 de Junho de 2013, para a morada indicada aquando da adesão ao seguro. EE) Os autores sabiam que o certificado de seguro n.º 926355598 havia sido anulado por falta de pagamento dos prémios, uma vez que essa informação constava da “agenda” do extracto combinado da conta de depósitos associada a esse seguro. FF) O aviso de cobrança referido em W) e a comunicação mencionada em Y) foram remetidos para a morada indicada pelos autores aquando da adesão ao seguro referida em D), não tendo eles comunicado à ré qualquer alteração dessa morada.” * Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635º e 639º do CPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº3 do CPC). Assim, as questões a decidir são as seguintes: 1. Da impugnação da decisão de facto 2. Da resolução do contrato de seguro 1. Da impugnação da decisão de facto A apelante impugna os factos não provados das alíneas Y) e Z), pugnando para que passem a ser considerados provados. Para o efeito, indica o depoimento da testemunha NS, concretizando as passagens exatas da gravação, de que fez transcrição. A referida testemunha, gestora de sinistros na R. desde 2006, prestou o seu depoimento com consulta de elementos, para o que foi autorizada. Explicou elementos do contrato de seguro de vida celebrado entre a A. e interveniente, como pessoas seguras, e a R., como seguradora, tendo como beneficiário principal o BCP, na qualidade de mutuante, bem como o procedimento de cobrança do prémio, através de débito direto. Mais afirmou que o primeiro prémio não pago era referente ao período de 01/12/2012 a 01/01/2013, e que foram enviados avisos de cobrança e carta de resolução do contrato, por falta de pagamento do prémio, para a morada da pessoa segura que se assumiu como pagador, FM. Instada a esclarecer estes aspetos referiu que, se trata de movimentos de contabilidade, não sendo a sua área; pensa que os avisos de cobrança foram enviados em 20/12/2012 e janeiro de 2013 e a carta de resolução foi enviada em 23/02/2013. Mais julga que toda essa correspondência foi enviada para a morada sita na Baixa da Banheira. Afirmou que essa morada é a que consta do sistema informático da R. e que as cartas são geradas/emitidas pelo sistema de gestão de cobrança. Esclareceu que não domina o mecanismo das moradas e que a morada para onde foram enviadas as cartas pode ter sido fornecida por FM para outro contrato que exista. Referiu, ainda, que, ficaram tranquilos porque se foi feito novo pedido de reposição posterior da apólice é porque as pessoas seguras tomaram conhecimento da anulação. Acrescentou que a R. aceitou este pedido de reposição, mas mais uma vez que não foi pago qualquer prémio. Relativamente a estes aspetos a testemunha apenas teve acesso aos elementos do sistema informático da R., não tendo emitido nem enviado qualquer correspondência, v.g. os avisos de cobrança e carta a comunicar “anulação” da apólice. E não teve qualquer contato direto com as pessoas seguras, ora A. e interveniente, mormente aquando do referido pedido de reposição da apólice em vigor. Não foram juntos aos autos quaisquer documentos comprovativos do envio ou sequer da emissão dos avisos de cobrança e carta de “anulação”, e muito menos da sua receção pela A. e/ou interveniente (registo e/ou AR), nem o documento referente a pedido de reposição da apólice em vigor. Documentos estes que, a existirem, estarão na posse da R., não tendo sido alegada qualquer dificuldade/impossibilidade da sua junção e que se afiguram essenciais para, conjugadamente com o depoimento da testemunha, sustentarem a prova dos factos impugnados. Assim, o depoimento da testemunha NS é manifestamente insuficiente para a prova da emissão, envio e receção das mencionadas cartas bem como do pedido de reposição da apólice. Ora, incumbindo à R. a prova de tais factos – atentas as regras da repartição do ónus da prova (art.º 342º, nº 2 do CC) – impõe-se concluir que a R. não logrou prová-los, pelas razões apontadas. Aderindo integralmente aos fundamentos expostos no acórdão desta Relação de Lisboa de 08/11/2012 [1], passamos a transcrever excerto do mesmo: “Por um lado, uma carta pode ser enviada com registo e a/r. O registo serve de prova do envio, o a/r de prova de receção. E quem quer fazer prova de qualquer destes factos tem por regra enviar a carta com registo e com a/r. Muito mais quando o assunto é de valor elevado ou muito elevado (ao menos para a contraparte) e o custo do envio com registo e a/r é particularmente insignificante. E ainda mais quando se trata de uma entidade habituada a litígios nos tribunais e que sabe que o ónus da prova de tais factos lhe incumbe a ela. E ainda mais se tal entidade não tem quaisquer dificuldades económicas. Como diz Jorge Morais de Carvalho, depois de se referir à existência de vários meios de transmissão da declaração, pressupondo naturalmente a sua validade e suficiência: “Se o objetivo é, por um lado, a prova do envio da mensagem e, por outro lado, uma maior certeza na efetiva receção desta, o meio mais eficaz talvez ainda seja o correio tradicional, mas, neste caso, apenas se o envio for registado […].” (Os contratos de consumo, Reflexão sobre a autonomia privada no direito do consumo, Almedina, Junho 2012, pág. 151). Por outro lado, um trabalhador de uma entidade patronal, a depor em questão de que a entidade patronal é parte, contra terceiro, terá naturalmente tendência a prestar um depoimento a favor desta que é a fonte do seu rendimento económico. E muito mais será assim, se a matéria da causa diz respeito ao seu trabalho. E ainda mais se a testemunha fala apenas daquilo que é norma ser feito, mas não diz ter sido ele a fazê-lo (como é o caso dos autos, em que a testemunha apenas sabe daquilo que diz ser feito automaticamente e daquilo que viu no processo que consultou, como resulta claramente da audição do seu depoimento). Ora, perante isto, uma de duas: Se o depoimento do empregado for corroborado por um outro qualquer elemento de prova, os dois elementos de prova, em conjunto, servem para formar a convicção positiva do juiz. Se o depoimento do empregado não tiver qualquer corroboração o juiz não ficará convencido. Assim: a carta de 6/10/2000 foi enviada com registo (que está junto aos autos) e o empregado disse que ela foi enviada. O juiz dá o facto como provado. Essa mesma carta (de 6/10/2000) não foi enviada com a/r. O que quer dizer que não há a/r a comprovar a receção. O empregado diz que a carta não foi devolvida (o que apontaria para a sua receção). Mas o seu depoimento não é corroborado. O juiz não dá o facto – receção - como provado. É certo que, tendo a carta sido expedida com registo, a ré podia ter junto o documento comprovativo da assinatura do marido da autora, mas não o fez, como é assinalado na resposta ao quesito: “Foi enviada por meio de registo. Mas nos autos não existe qualquer documento dos CTT comprovativo da entrega da carta.” Quanto à carta de 05/12/2000, o empregado diz que é norma o tipo de carta de 05/12/2000 ser enviado. Mas nem sequer diz que foi ele a enviá-la. E não há qualquer registo nem a/r. O juiz naturalmente não dá o facto como provado. (...) O envio da carta não tem de ser feito com registo, nem este é o único meio de prova de tal envio; mas não se trata de afirmar o contrário disto, apenas de dizer que, nas circunstâncias do caso concreto, o registo era necessário para corroborar o outro elemento de prova, de modo a convencer o juiz da verdade da afirmação feita pela ré sobre o facto. “ Pelo exposto, improcede a impugnação da decisão de facto. 2. Da resolução do contrato de seguro Com efeitos a partir de 17 de Dezembro de 2004, foi celebrado com a ré um acordo, por escrito, designado de “contrato de seguro do ramo vida – crédito habitação (NRD)”, titulado pela apólice n.º 00038016, a que corresponde o certificado individual de seguro com o n.º 92635598, nele figurando como tomador e beneficiário o Banco…., como pessoas seguras a A. e FM, constando este como entidade pagadora, com a cobertura principal “morte” e capital seguro de €60.000,00, e coberturas complementares invalidez total e permanente, capital seguro de €60.000,00. O capital seguro foi aumentado de €60.000,00 para €110.000,00 em 05.04.2005, para €190.739,36 em 24.01.2006 e para €194.170,00 em 17.07.2006. Mediante a celebração do contrato a R. obrigou-se a pagar ao Banco, na qualidade de credor hipotecário, tomador do seguro e beneficiário, a parte do capital em dívida em caso de morte ou de invalidez total ou permanente das pessoas seguras, a ora A. e interveniente, e o remanescente aos herdeiros legais das pessoas seguras em caso de morte e às pessoas seguras em caso de invalidez. No artigo 1.º das condições especiais”, sob a epígrafe “Definições”, ficou a constar: “Para efeitos desta cobertura complementar, considera-se: (…) e) Invalidez Total e Permanente – A Pessoa Segura encontra-se na situação de Invalidez Total e Permanente se, em consequência de doença ou acidente, estiver total e definitivamente incapaz de exercer uma actividade remunerada, com fundamento em sintomas objectivos, clinicamente comprováveis, não sendo possível prever qualquer melhoria no seu estado de saúde de acordo com os conhecimentos médicos actuais, nomeadamente quando desta invalidez resultar paralisia de metade do corpo, perda do uso dos membros superiores ou inferiores em consequência de paralisia, cegueira completa ou incurável, alienação mental e toda e qualquer lesão por desastre ou agressões em que haja perda irremediável das faculdades e capacidade de trabalho, devendo em qualquer caso o grau de desvalorização, feito com base na Tabela Nacional de Incapacidades, ser superior a 66,6% que, para efeitos desta cobertura, é considerado como sendo igual a 100%”. Em 17/05/2007 foi diagnosticado à autora um carcinoma ductal invasivo da mama direita, tendo a mesma, em virtude dessa doença, sido submetida a mastectomia simples direita e quimioterapia. Após o diagnóstico do tumor da mama, foi feito o diagnóstico de Perturbação Bipolar tipo I, com sintomas psicóticos. Em 31 de Outubro de 2012 a autora sofria de uma incapacidade permanente global, determinada de acordo com a TNI, de 68,76300% (incapacidade definitiva), encontrando-se total e definitivamente incapacitada para exercer qualquer profissão ou atividade lucrativa, devido à deterioração das funções cognitivas superiores, correspondentes à atenção, funções executivas e velocidade de processamento de informação, associadas à evolução da doença bipolar e que persistem mesmo nas fases de remissão. Comunicado o evento à R. para efeitos de acionamento da cobertura prevista nas condições especiais da apólice, esta não procedeu ao pagamento do capital em dívida. Em sede de recurso a apelante continua a pugnar pela resolução do contrato por falta de pagamento dos prémios, no pressuposto da procedência da impugnação da decisão de facto que apresentou, defendendo que não foi pago o prémio a partir do vencido em dezembro de 2012, na sequência do que enviou aviso de cobrança para a pessoa segura e pagadora, FM, bem como carta a comunicar a resolução do contrato, face à falta de pagamento do prémio, nos termos do disposto no artigo 13º das condições gerais. O contrato de seguro em causa foi celebrado em data anterior (com efeitos a 17/12/2004) à entrada em vigor do DL 72/2008, de 16/04 (1 de janeiro de 2009), importando definir qual a lei aplicável. Sob a epígrafe “Aplicação no tempo” dispõe o art.º 2º deste diploma que: “1.O disposto no regime jurídico do contrato de seguro aplica-se aos contratos de seguro celebrados após a entrada em vigor do presente decreto-lei, assim como ao conteúdo de contratos de seguro celebrados anteriormente que subsistam à data da sua entrada em vigor, com as especificidades constantes dos artigos seguintes. 2. O regime referido no número anterior não se aplica aos sinistros ocorridos entre a data da entrada em vigor do presente decreto-lei e a data da sua aplicação ao contrato de seguro em causa.” Estabelece o art.º 3.º (“Contratos renováveis”) que: “1. Nos contratos de seguro com renovação periódica, o regime jurídico do contrato de seguro aplica-se a partir da primeira renovação posterior à data de entrada em vigor do presente decreto-lei, com exceção das regras respeitantes à formação do contrato, nomeadamente as constantes dos artigos 18.º a 26.º, 27.º, 32.º a 37.º, 78.º, 87.º, 88.º, 89.º, 151.º, 154.º, 158.º, 178.º, 179.º, 185.º e 187.º do regime jurídico do contrato de seguro. 2. As disposições de natureza supletiva previstas no regime jurídico do contrato de seguro aplicam-se aos contratos de seguro com renovação periódica celebrados anteriormente à data de entrada em vigor do presente decreto-lei, desde que o segurador informe o tomador do seguro, com a antecedência mínima de 60 dias em relação à data da respetiva renovação, do conteúdo das cláusulas alteradas em função da adoção do novo regime.” A falta de pagamento do prémio ocorreu em dezembro de 2012, na vigência deste diploma. Uma vez que o contrato de seguro iniciou os seus efeitos em 17/12/2004 e decorre das condições gerais e especiais que constituem os documentos de fls. 44 a 45 verso e 47 a 49 (cfr. facto provado F) que é um seguro “temporário anual renovável”, por força do disposto no art.º 3º, nº 1 aplica-se o DL 72/2008, de 16/04 ao regime da falta de pagamento do prémio, mormente os art.ºs 51º a 61º. Dispõe o art.º 58º do DL 72/2008, de 16 de abril, que “o disposto nos artigos 59.º a 61.º não se aplica aos seguros e operações regulados no capítulo respeitante ao seguro de vida, aos seguros de colheitas e pecuário, aos seguros mútuos em que o prémio seja pago com o produto de receitas e aos seguros de cobertura de grandes riscos, salvo na medida em que essa aplicação decorra de estipulação das partes e não se oponha à natureza do vínculo”. Nos termos do estatuído no art.º 57º, nº 2, al. b) do DL 72/2008 “sem prejuízo das regras gerais, os efeitos da falta de pagamento do prémio são para os seguros indicados no artigo 58.º, os que sejam estipulados nas condições contratuais”. O artigo 13º das condições gerais é do seguinte teor: “1. O não pagamento dos prémios, dentro dos 30 dias posteriores à data do seu vencimento, concede à Seguradora, nos termos legais, a faculdade de proceder à resolução do contrato ou fazer cessar as garantias conferidas em relação a uma ou mais Pessoas Seguras.” Trata-se de cláusula resolutiva expressa que autoriza a seguradora a resolver o contrato de forma imediata, dispensando a interpelação admonitória, bastando, para operar efeitos, que a seguradora faça a devida comunicação ao segurado (art.º 436º, nº 1, do CC). Neste sentido, cfr. Ac. STJ de 22/02/2022 [2]: “Sendo a resolução do contrato um meio de extinção do vínculo contratual por declaração unilateral duma das partes, deve, naturalmente, tal declaração unilateral – em que a natureza potestativa da declaração lhe transmite as características de unilateralidade recipienda (art.º 224.º/1/1.ª parte do C. Civil), irrevogabilidade (art.º 224.º/1/1.ª parte e 230.º do C. Civil), incondicionalidade e concretização – ter como destinatário a contraparte no contrato que se pretende extinguir (como se refere no art. 436.º/1 do C. Civil, “a resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte”).” A R., ora apelante, não logrou demonstrar ter comunicado às pessoas seguras a resolução do contrato - cujo ónus sobre si impendia (art.º 342º, nº 2 do CC) -, pelo que não obstante se ter por assente a falta de pagamento do prémio, o contrato de seguro mantinha-se válido e em vigor aquando do evento e seu acionamento pela A. Salienta-se que a R. admitiu, na contestação, apenas ter remetido comunicação a FM, na qualidade de pagador identificado na apólice, com informação da sua “anulação”. Ora, ainda que tivesse logrado demonstrar tal facto sempre se imporia concluir pela manutenção da vigência e validade do contrato porquanto, existindo duas pessoas seguras a ambas deve ser remetida a comunicação de resolução, conforme entendimento maioritário do Supremo Tribunal de Justiça, “nestas circunstâncias, a solução já anunciada encontra ainda o apoio de vasta jurisprudência que vem emanando deste Supremo Tribunal de Justiça e que, bem pode dizer-se, desbravou o caminho no sentido correto. A análise específica dos contratos de seguro de vida com dualidade de aderentes, em termos semelhantes aos dos presentes autos, tem levado este Supremo a concluir que os efeitos de resolução do contrato ou da adesão ao contrato de seguro dependem da interpelação de ambos para efeitos de conversão da mora em incumprimento definitivo e eficácia da declaração resolutiva.” [3] No presente recurso a R. veio alegar que consta do relatório pericial que o cômputo da incapacidade atribuída à A. contempla um coeficiente de desvalorização de 0,30 pontos por conta do parâmetro X Psiquiatria 1 – Doença Bipolar, sendo esta patologia anterior à data da contratação do seguro de vida, encontrando-se excluída das coberturas, nos termos do artigo 3.º, al. c) das condições especiais, com a epígrafe “riscos excluídos”. O referido artigo 3º é do seguinte teor: “Para além das exclusões já mencionadas nas Condições Gerais da cobertura principal a seguradora cobre o risco de Invalidez Total e Permanente da Pessoa Segura, salvo nos casos provenientes de: c) doenças, acidentes ou quaisquer eventos que tenham ocorrido ou dado origem a tratamento médico antes da data de entrada em vigor desta cobertura complementar, e suas eventuais consequências (…)” Em defesa da sua tese invoca ter alegado no art.º 47º da contestação: “Não obstante o que supra se expôs, ainda que a Autora possa alegadamente apresentar uma incapacidade de 73% conforme decorre do certificado multiusos, o que se desconhece pelo que se impugna para todos os devidos efeitos legais, a ora Ré desconhece se a mesma se encontra total e definitivamente incapacitada para exercer qualquer profissão ou actividade lucrativa, sendo que a A. não demonstra, desde logo, encontrar-se em situação de reforma.” Do confronto entre o excerto citado da contestação e da alegação de recurso se impõe concluir que a aplicação da cláusula de exclusão da cobertura (art.º 3º, al. c) das condições especiais) apenas foi invocada em sede de recurso, não tendo sido discutida nos autos nem abordada na sentença recorrida, constituindo questão nova, que impede o seu conhecimento no âmbito do recurso, porquanto este destina-se apenas a reapreciar questões. A impugnação efetuada no art.º 47º da contestação prende-se com o grau de incapacidade constante do certificado multiusos (73%), e com a abrangência dessa incapacidade (total e definitiva/permanente e para o exercício de qualquer profissão ou atividade lucrativa) – e não com a questão de a incapacidade de que a A. é portadora advir parcial ou totalmente de doença preexistente à celebração do contrato de seguro. Acresce que, pelo menos com a notificação do relatório pericial junto aos autos, caso pretendesse invocar a referida cláusula de exclusão, deveria a R. ter usado o meio processual próprio de que dispunha - articulado superveniente (art.º 588º do CPC) – já que segundo as regras de repartição do ónus da prova ao tomador de seguro/pessoa segura cabe a alegação e o ónus da prova da verificação do risco coberto, como facto constitutivo do seu direito à indemnização (art.º 342º, nº 1 do CC); e à seguradora cabe a alegação e o ónus da prova da verificação dos factos suscetíveis de retirar a natureza fortuita que os mesmos aparentem ou excludentes do risco, a título de factos impeditivos (art.º 342º, nº 2 do CC). [4] Não o tendo feito, ficou precludido o direito de invocar a referida cláusula de exclusão da cobertura (doença preexistente). Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida. Custas do recurso a cargo da apelante. Lisboa, 12 de setembro de 2024 Teresa Sandiães Carla Figueiredo Maria Teresa Lopes Catrola _____________________________________________________ [1] proc. nº 428/11.0TVLSB.L1-2, in www.dgsi.pt [2] proc. nº 5213/18.6T8VIS.C1.S1, in www.dgsi.pt [3] Ac. STJ de 17/10/2019, proc. nº 293/17.4T8PVZ.P1.S1, in www.dgsi.pt, e jurisprudência nele citada [4] Neste sentido, v., entre outros, Ac. STJ de 15-09-2022, proc. nº 5081/18.8T8MTS.P1.S1, in www.dgsi.pt |