Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1422/21.9TXLSB-G.L1-3
Relator: CRISTINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores: ANTECIPAÇÃO DO CUMPRIMENTO DA PENA DE EXPULSÃO DO TERRITÓRIO NACIONAL
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
RAZÕES DE PREVENÇÃO GERAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: O arguido actuou como um «correio de droga», como são, em geral conhecidos e designados os indivíduos contratados para fazerem o transporte intercontinental de estupefacientes por via aérea, viajando como vulgares passageiros e trazendo as substâncias estupefacientes disfarçadas na bagagem, na roupa ou mesmo no interior dos seus corpos.
Pese embora esta modalidade de acção típica não potencie a disseminação de grandes quantidades de droga, essa limitação resulta compensada com a rápida e eficaz introdução destes produtos, nos mercados de consumo e acaba por representar uma forma muito importante de intermediação entre a produção, a venda a retalho e o consumo, nos países de destino e cada vez mais frequentemente usada pelas organizações criminosas que controlam o fabrico e distribuição de estupefacientes, em complemento da via marítima, que viabiliza o transporte de quantidades maiores.
Não sendo eles os donos da droga que transportam e estando normalmente desligados do meio e do circuito comercial dos estupefacientes, os correios de droga, acabam, assim, por se constituir protagonistas muito importantes e decisivos, no processo de disseminação do consumo de substâncias estupefacientes.
Por isso, mesmo que as circunstâncias relatadas nos pareceres das Equipas da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (Serviços de Reinserção Social e Serviços Prisionais) e do Conselho Técnico autorizassem a formulação de uma prognose favorável quanto ao comportamento futuro do recluso, sempre as razões de prevenção geral contraindicariam de forma evidente a antecipação da execução da pena de expulsão e a consequente libertação definitiva com apenas um terço da pena cumprido. 
No caso vertente, a antecipação da execução da pena de expulsão do condenado transmitiria um sinal errado de clemência excessiva e de total desconsideração pela enorme importância dos bens jurídicos tutelados com a incriminação do tráfico de estupefacientes, redundando na impunidade e transmitindo a percepção de que afinal o crime para os «correios de droga» até compensa.
À semelhança do que acontece, quando se trata de decidir acerca da eventualidade de aplicação do instituto da suspensão da execução da pena, também em matéria de antecipação da execução da pena acessória de expulsão do território nacional, as razões de prevenção geral, dada a sua importância, sempre terão de prevalecer sobre quaisquer razões de prevenção especial, que, no caso vertente, nem sequer se mostram minimamente asseguradas com apenas um terço da pena cumprida, para mais, estando em causa, por via da sua aplicação, a incondicional extinção da pena de prisão que ainda faltar cumprir.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
Por decisão proferida em 9 de Julho de 2024, no processo de Liberdade Condicional nº 1422/21.9TXLSB-B do Juízo de Execução das Penas de Lisboa - Juiz 6, Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, foi indeferido o pedido formulado pelo recluso AA, no sentido de lhe ser concedida a antecipação da pena da execução da pena acessória de expulsão.
O recluso AA interpôs recurso desta decisão, tendo, para o efeito, apresentado as seguintes conclusões:
1.ª Ora, entendeu o Tribunal a quo que os pressupostos para a antecipação da execução da pena acessória de expulsão não se encontravam reunidos nos presentes autos, motivo pelo qual decidiu não conceder a mesma.
2.ª Sucede que, contrariamente àquele entendimento, o condenado está seriamente em crer que reúne todas as condições para beneficiar deste regime, parecendo-nos que, que o Tribunal a quo, por um lado exponenciou, severa e injustificadamente as exigências de prevenção especial não apresentando qualquer fundamentação concreta e extraordinária para o efeito.
3.ª Com efeito, desde logo, o Tribunal a quo, em conflito com o entendimento dominante da nossa jurisprudência, limitou-se a apresentar uma fundamentação vaga, abstrata e genérica acerca das inerentes exigências de prevenção especial que se fazem sentir, deixando de indicar e de demonstrar, de forma concreta e extraordinária, um alarme social e perigo para a tranquilidade publica para além do que o próprio crime em causa já acarreta e que a própria punição já ponderou e contemplou em sede de fixação da pena.
4.ª O Tribunal a quo, de forma a justificar a forte presença das necessidades de prevenção especial que obstam à não concessão da antecipação da execução da pena acessória de expulsão apresenta, tão-só, fundamentos inerentes a todos os crimes de tráfico de estupefacientes e que, obviamente já foram tidas em conta aquando da determinação e fixação da pena, o deixando por demonstrar quaisquer circunstâncias extraordinárias e agravantes.
5.ª Para além da fundamentação vaga e abstrata que o Tribunal a quo apresenta sobre as necessidades de prevenção especial aquelas também não resultam, parece-nos, do tipo de crime pelo qual vem o recluso condenado.
6.ª O recluso foi condenado na pena de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão, pela prática de um crime de trafico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, o que atendendo àquela concreta pena e moldura penal abstratamente estabelecida, facilmente se constata que o comportamento do condenado – obviamente reprovável – ainda assim, enquadra-se, dentro de um quadro culpa e ilicitude consideravelmente baixo.
7.ª Assim, para além disso não resultar, quer da fundamentação da decisão recorrida, tal como do próprio crime, a exponenciação das necessidades de prevenção especial parecem também não resultar da própria personalidade do condenado.
8.ª Pois, conforme consta da matéria de facto provada, o condenado, é primário, apresenta um ótimo suporte familiar, revela uma personalidade prossocial e competência para uma integração social com sucesso, ademais, manteve ao longo de todo o processo e no decorrer de toda a sua reclusão um comportamento exemplar, adota sobretudo uma postura de reconstrução do seu modo de vida, bem como reconhece a ilicitude e gravidade da sua conduta.
9.ª Com efeito e na verdade, em parte alguma, o Tribunal recorrido apresenta as concretas razões que ora se verificam, seja do crime em causa ou resultantes da própria personalidade do arguido, que agravam e intensificam as exigências de prevenção especial, valorando-as, apenas, na mesma medida que já foram aquando da fixação da pena, e portanto fazendo uma dupla valoração da mesma realidade, o que não poderá suceder.
10.ª Ora, por tudo isto, estamos seriamente em crer que andou mal o Tribunal a quo quando negou a concessão da antecipação da execução da pena acessória de expulsão ao condenado recorrente, tendo sobrevalorizado erroneamente as necessidades de prevenção especial parecendo-nos que a mesma reúne e preenche todos os requisitos para lhe ser, neste exato momento, concedida antecipação da execução da pena acessória de expulsão, por não emergir, quer do crime praticado, tal como da própria personalidade do condenado quaisquer necessidades especiais de prevenção especial que possam impor e manter o arguido privado da liberdade.
11.ª E mais, entendeu, igualmente, o Tribunal a quo numa fundamentação, parece-nos e com todo o devido respeito, um pouco embrulhada que o condenado, apesar do seu processo evolutivo favorável, apresenta, ainda, uma personalidade permeável à influência de terceiros, que não deixam crer que a mesma, em liberdade, não voltará a delinquir.
12.ª Ora, desde logo, estamos igualmente em crer que, a isolada permeabilidade do condenado a um comportamento tóxico, que o mesmo reconhece e se arrepende, aliado a todo o demais processo evolutivo positivo, não poderá configurar ou reconfigurar a personalidade do condenado, isto é, atribui-lhe esse permanente rótulo, colocando-o no papel de uma pessoa que irá sempre absorver a prejudicialidade que possa existir, e desta forma, marcando-lhe negativamente a personalidade, impeça de ser realizado um juízo de prognose favorável da sua reorientação.
13.ª A verdade é que, o condenado, apresentou um satisfatório resultado do processo de auto-avaliação e correção comportamental, evidenciado quer pela real interiorização do desvalor da sua conduta, quer pela apreensão das razões que a conduziram ao desvio comportamental, quer, ainda, pelo, então, necessariamente, consequente arrependimento.
14.ª Contudo, e por motivos que não alcançamos, o Tribunal a quo desconsiderou por completo as suas declarações e autorresponsabilização, concluindo que o mesmo ainda não se encontrara preparada para iniciar o seu processo de reintegração sobre o teto da Justiça, o qual, focando-se apenas e só nos factos que moveram a sua condenação e desacreditando, parece-nos, o caráter punitivo que o processo penal abarca, negou a possível e evidente, reinserção e reorientação do condenado.
15.ª Com efeito, contrariamente àquilo que o Tribunal a quo quer fazer crer e desconsidera por completo: (i) o condenado encontra-se consciente das razões que a conduziram ao desvio comportamental; (ii) reconhece a ilicitude da sua conduta e suas consequências; (iii) arrepende-se veemente por tal decisão; (iv) apresenta um forte suporte familiar; (v) apresenta perspetivas de futuro credíveis; (vi) desenvolveu ao longo de todo o processo um crescimento positivo, respeitando as normas e regras institucionais; (vi) encontra-se a trabalhar dentro do estabelecimento prisional.
16.ª Para além de tudo isto, o Conselho Técnico foi unanime a elaborar parecer favorável à concessão da liberdade condicional ao condenado, o que manifesta, efetivamente, a recuperação do condenado e a sua interiorização do desvalor da sua conduta, tal como a possibilidade da mesma poder iniciar a sua ressocialização junto da sociedade.
17.ª Por tudo isto, parece-nos, salvo douto entendimento de Vossas Excelências, que a condenada reúne integralmente todos os pressupostos que fazem depender o alcance de um juízo de prognose favorável, sendo, fracamente de esperar que uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
Pelo exposto e ressalvado o doutíssimo suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Senhores Juízes Desembargadores deste Tribunal da Relação, deverão revogar a decisão recorrida e em consequência, conceder a antecipação da pena acessória de expulsão nos termos do artigo 188.º - A, n.º 2 alínea b) do CEPMPL.
Admitido o recurso, o Mº. Pº. apresentou resposta, na qual concluiu:
1. Por decisão judicial, datada de 9.7.2024, não foi concedida a antecipação da execução da pena acessória de expulsão requerida pelo condenado, ora recorrente.
2. Tal decisão foi proferida após prévia instrução dos autos com parecer favorável da diretora do estabelecimento prisional, audição do recluso e entendimento desfavorável do Ministério Público.
3. A execução antecipada da pena acessória de expulsão traduz- se, efetivamente, numa liberdade antecipada incondicional, sujeita aos requisitos formais e materiais previstos nos art.ºs 188º - A nº 2 al. b) e 188º B, n.º 3 do C. Penal, a saber, que esteja cumprida metade da pena, nos casos de condenação em pena superior a 5 anos de prisão; a expulsão se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social e for de prever que o condenado conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
4. A antecipação da execução da pena acessória de expulsão, nos termos das normas supra citadas, tem carácter excecional e não automático, estando condicionada à evolução da personalidade do condenado e fortemente limitada pelas finalidades de execução das penas;
5. Com base nos factos provados quanto ao percurso prisional, o tribunal fez um juízo de prognose favorável à libertação incondicional antecipada, em que se traduz a concretização da expulsão requerida, considerando tratar-se pela sociedade, atenta a gravidade do crime (tráfico de estupefacientes) e o tempo de pena cumprido.
6. Tal juízo baseia-se nas circunstâncias do grave crime cometido e no facto do recluso ainda evidenciar falta de interiorização do desvalor da sua conduta, uma vez que não demonstrou ter qualquer sentido critico e não valoriza a figura da vítima, centrando os efeitos negativos da reclusão na sua esfera pessoal e familiar.
7. Não se pode concluir que o condenado já tenha angariado contra-estímulos adequados à sua tendência criminosa, pelo que não é possível fazer uma prognose favorável de que, caso fosse restituído à liberdade antecipando-se a sua expulsão, pautaria a sua conduta pela normatividade social e pelas regras jurídicas vigentes na sociedade globalmente considerada.
8. Ponderando, o risco de reincidência criminal bem como a necessidade do recluso adquirir competências pessoais e sociais, de modo a adequar o seu comportamento à normatividade da vida em sociedade, é inquestionável a negação da antecipação da execução da pena acessória de expulsão, que se traduz numa libertação antecipada incondicional, ao meio da pena, pois o recorrente precisa de consolidar o seu percurso prisional de forma a reunir condições intrínsecas para poder beneficiar dessa liberdade, ainda que no seu país de origem.
9. A decisão proferida contém fundamentação suficiente de modo a permitir compreender a decisão e o processo lógico- mental que lhe serviu de suporte.
10. O tribunal fez correcta interpretação e aplicação do direito, mormente, do art.º 188º-B, n.ºs 3 do CEP.
11. Isto porque, atentos os factos provados, o recluso carece de consolidar o seu percurso de forma a reunir condições intrínsecas para poder beneficiar de liberdade incondicional antecipada.
12. A decisão recorrida não violou qualquer disposição legal devendo, assim, ser mantida nos seus precisos termos.
Remetido o processo a este Tribunal da Relação, na vista a que se refere o art.º 416º do CPP, a Exma. Sra. Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que:
«(…) Confrontando o teor das motivações de recurso e a resposta do Ministério Público não podemos deixar de acompanhar a resposta do Ministério Público ao recurso, tornando dispensável o aditamento de mais considerandos.
Assim acompanhando os fundamentos constante daquela resposta, pugna-se, igualmente, pela improcedência do recurso e pela subsequente manutenção do despacho que não concedeu ao recluso AA a antecipação da pena da execução da pena acessória de expulsão por não se mostrarem verificados os pressupostos que fundamentam tal concessão».
Cumprido o disposto no art.º 417º nº 2 do CPP, não houve resposta.
Colhidos os vistos, realizou-se a conferência prevista nos arts. 418º e 419º nº 3 al. c) do CPP.
Cumpre, então, decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E IDENTIFICAÇÃO DAS QUESTÕES A DECIDIR:
De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 do CPP e dos vícios previstos no art.º 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito (Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995 e o AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07.12.2005).
Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso e os limites dos poderes de apreciação e decisão do Tribunal Superior (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061).
Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º por remissão do art.º 424º nº 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art.º 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no art.º 410º nº 2 do mesmo diploma, quando a decisão recorrida seja uma sentença ou um acórdão;
Finalmente, as questões relativas à matéria de Direito.
De acordo com este iter sequencial, no confronto com as conclusões, a única questão a apreciar, no presente recurso, é a de saber se a execução antecipada da pena acessória de expulsão do território nacional indeferida na decisão recorrida deve ser concedida, em virtude de estarem reunidos os pressupostos previstos nos arts. 188º B do Código de Execução de Penas e Medidas de Segurança.
2. 2. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Antes da apreciação do mérito do recurso, importa considerar a seguinte factualidade:
No Processo Comum Colectivo, nº 290/21.5JELSB do Juízo Central Criminal de Lisboa, Juiz 12, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, por acórdão proferido em 7 de Junho de 2022, foi decidido:
Condenar o arguido AA pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na sua actual redacção, com referência à Tabela I-B, anexa ao mesmo diploma legal, na pena de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão.
Condenar o arguido AA na sanção acessória de expulsão do território nacional pelo período de 5 (cinco) anos, nos termos constantes do artigo 34.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e dos artigos 134.º, n.º 1, als. e) e f), 140.º, n.º 3 e 151.º, n.º 1, todos da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho (acórdão com a referência Citius 18927569, junto por certidão com a referência Citius 1982304);
Os factos integradores do crime são os seguintes:
1. No dia 28 de Setembro de 2021, pelas 04h50, o arguido AA desembarcou no Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, procedente de São Paulo - Guarulhos (Brasil), no voo TP082.
2. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido foi aleatoriamente seleccionado para uma revisão de bagagem.
3. Submetido a esse controlo aduaneiro, foram detectadas, dissimuladas no fundo falso do trolley - de cor preta, marca “Samsonite” - que o arguido havia embarcado no porão do avião, ostentando a etiqueta com o n.º 0127078689:
- 2 (duas) embalagens, contendo cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com o peso líquido de 2.904,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 70,3%, sendo o equivalente a 68.050 doses de consumo;
- 1 (uma) saqueta, contendo cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 345,900 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 77,4%, sendo o equivalente a 1.338 doses de consumo.
4. Na ocasião, foram ainda apreendidos ao arguido:
- 1 (uma) etiqueta de bagagem;
- 1 (um) telemóvel, marca “Apple”, modelo “iPhone XS Max”;
- 1 (uma) etiqueta de bagagem da “Gol”, de 27.09.2021, com o número 0127078689, correspondente ao voo G31391, com destino a São Paulo, e ao voo TP82, com destino a Lisboa;
- 1 (uma) reserva de dois voos, em nome de “AA”, o primeiro com origem em Vitória, Brasil, às 10h55 horas, e destino São Paulo, Brasil, às 12h35 horas, do dia 27.09.2021, e o segundo com origem em São Paulo, Brasil, às 15h30 horas, do dia 27.09.2021, e destino Lisboa, Portugal, às 05h20 horas, do dia 28.09.2021;
- documentação da agência de viagens “CVC”, referente a um seguro de viagem internacional no período de 27.09.2021 a 13.10.2021;
- “boarding pass” da “Gol”, respeitante aos dois voos supra descritos, contendo no verso uma etiqueta aposta, com o número 0127078689, relativa à entrega da referida mala de porão;
- “boarding pass” da “TAP”, respeitante ao segundo voo descrito (com origem em São Paulo e destino Lisboa);
- confirmação da reserva de um quarto no hotel “Moxy Lisboa Oriente”, para uma pessoa, no período de 28.09.2021 a 12.10.2021, efetuada através do site de reservas online “Booking”.
5. O arguido conhecia a natureza e característica estupefaciente dos produtos que trazia consigo e que lhe foram apreendidos.
6. Produtos esses que aceitou deter e transportar do Brasil para Portugal, aderindo ao plano que lhe foi proposto por indivíduo de identidade não concretamente apurada, mediante uma contrapartida pecuniária de € 10.000,00.
7. O arguido agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, com o intuito, concretizado, de deter e transportar o produto estupefaciente apreendido, bem sabendo que essa sua conduta era proibida e punida por lei penal.
8. Ao arguido não são conhecidas quaisquer condenações criminais.
9. Apesar de ter familiares a viver em Portugal, não possui residência ou actividade profissional em território nacional, mantendo contactos esporádicos com aqueles.
10. A sua viagem para Portugal teve como única finalidade o transporte de cocaína, com vista à sua ulterior venda a terceiros.
Provou-se ainda relativamente às condições sócio-económicas do arguido:
11. AA é o mais novo de quatro filhos, fruto de um relacionamento pouco duradouro entre os pais que já se encontravam separados quando nasceu.
12. O pai vivia numa roça em Minas Gerais, juntamente com os avós paternos, apesar do arguido e os irmãos passarem períodos de férias junto destes familiares.
13. O pai, fruto de problemas de alcoolismo, era uma figura ausente, sendo os avós quem acompanhavam e cuidavam dos descendentes.
14. A mãe constituiu-se como uma figura presente, normativa, mas também afectuosa, proporcionando uma dinâmica familiar harmoniosa e gratificante.
15. O enquadramento familiar afigurou-se assim equilibrado e afectivamente compensatório, decorrendo o percurso escolar do arguido de forma investida até ao 1.º ano da faculdade de administração, sem registo de qualquer conduta problemática em termos de relacionamento com os pares ou no seio da família.
16. Aos 18 anos, o arguido passou a viver com uma jovem, união da qual nasceu uma filha, tendo a relação durado cerca de 2 anos.
17. Já com 20 anos, o arguido optou por interromper os estudos superiores e emigrar para a Itália, para obter melhores condições financeiras para apoiar a filha, embora no Brasil trabalhasse na “Companhia de Água e Esgotos”, onde a mãe também laborava.
18. Deslocou-se para Milão, com uma nova companheira, onde ficou a residir, inicialmente, junto de familiares desta. Mais tarde o casal logrou autonomizar-se, tendo ambos encontrado emprego, o arguido numa empresa de sofás e a companheira num IKEA local.
19. Viveram em comum cerca de 10 anos, sem filhos, nem dificuldades significativas, tendo a separação ocorrido por desgaste da relação, a par do desejo do arguido pretender regressar ao Brasil e a companheira pretender ficar em Itália.
20. Antes de retornar ao Brasil, o arguido adquiriu um apartamento com recurso a crédito bancário, próximo da residência da progenitora, para onde foi viver quando regressou ao país de origem.
21. Com um irmão, arrendou o estabelecimento comercial de um posto de gasolina, explorando-o durante cerca de três anos, aparentemente com sucesso, negócio que veio a abdicar quando se juntou com uma outra companheira e com quem viria a casar, tendo decidido abrir uma oficina de mecânica automóvel.
22. Na altura, integrou a filha do relacionamento anterior no seu agregado familiar e a relação com a esposa foi estável e gratificante até ao surgimento da pandemia Covid-19, que implicou o fecho das actividades comerciais.
23. Nessa fase, as responsabilidades financeiras com o apartamento e a nova empresa, bem como as preocupações com as dívidas e em encontrar alternativas de trabalho para colmatar as dificuldades económicas do agregado, terão contribuído para o desgaste da relação com a esposa, bem como para a sua actual situação jurídico-penal.
24. Em termos institucionais, vem realizando um percurso prisional adaptado, normativo e sem registos disciplinares. Foi colocado num posto de trabalho no pretérito mês de Fevereiro, como faxina de Ala, sendo considerado um recluso trabalhador, disponível e com capacidade de estabelecer relações cordatas com terceiros.
25. Em Portugal, tem contado com o suporte de uma tia materna, contactando ainda regularmente com a progenitora.
26. Uma vez em liberdade, pretende regressar ao Brasil, retomar a relação com a mulher, bem como a actividade profissional desenvolvida na sua oficina, presentemente assumida por aquela e pelo seu irmão, que também estão a assegurar os encargos financeiros do agregado.
27. O arguido é visto e considerado, por aqueles que com ele convivem e residem, como uma pessoa de bom carácter, prestável, empreendedora e trabalhadora (acórdão proferido em 7 de Junho de 2022, no processo comum colectivo com a referência Citius 416538773 e o acórdão da Relação de Lisboa que o confirmou com a referência Citius 18927569, junto por certidão com a referência Citius 1982304);
Este acórdão foi integralmente confirmado por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de Setembro de 2022 (acórdão com a referência Citius 18927569, junto por certidão com a referência Citius 1982304);
O arguido iniciou o cumprimento da pena de cinco anos e oito meses de prisão aplicada no processo comum colectivo, nº 290/21.5JELSB do Juízo Central Criminal de Lisboa, Juiz 12, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa em 28 de Setembro de 2021 (certidão com a referência Citius 1982304);
No dia 9 de Julho de 2024, o recluso AA foi ouvido pelo TEP nos termos e para os efeitos do seu pedido de cumprimento antecipado da pena acessória de expulsão (auto de audição com a referência Citius 11142027);
Da transcrição da decisão recorrida, o que pode perceber-se é que o pedido do recluso no sentido da antecipação da execução da pena acessória de expulsão do território nacional foi indeferido, apesar da ausência de antecedentes criminais do arguido e da circunstância de ter um projecto de vida no seu país de origem envolvendo o exercício de uma actividade profissional regular, em virtude da enorme proliferação de condutas de tráfico de substâncias estupefacientes semelhantes à adoptada pelo recluso requerente, mediante o transporte transnacional de tais produtos, com recurso aos denominados «correios de droga», a natureza altamente tóxica e a quantidade considerável da substância transportada e visada distribuir e a circunstância de a execução antecipada da pena acessória de expulsão do território nacional ser incompatível com as exigências de prevenção geral das penas, por colocar em crise a defesa da ordem jurídica, além de os factos revelarem uma personalidade audaciosa e dela emergir o risco de reincidência perante novas dificuldades económicas como aquelas que contextualizaram a decisão de cometer o crime por que se o requerente AA se encontra privado da liberdade (auto de audição de recluso de 9 de Julho de 2024, com a referência Citius 11142027 e transcrição da decisão recorrida com a referência Citius 717666).
2.3. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
Nos termos do art.º 188º-A, nº 1 do CEPMPL, a execução da pena acessória de expulsão do território nacional é obrigatória, quando se mostrar cumprida a metade da pena, se a pena aplicada tiver sido igual ou inferior a cinco anos de prisão.
O tribunal pode, ainda, determinar a antecipação da execução da pena acessória de expulsão do território nacional, verificados certos pressupostos, uns de natureza formal, outros de índole substantiva.
Do ponto de vista formal, o art.º 188º A nº 2 al. a) do CEPMPL exige um determinado tempo de cumprimento da pena, que será de um terço, se a condenação tiver sido em pena de prisão inferior ou igual a 5 anos, ou de metade da pena, nos casos de condenação em pena superior a 5 anos de prisão e uma manifestação de vontade do recluso em sentido convergente com a antecipação da expulsão, seja por mero consentimento, seja através de requerimento, nesse sentido.
Quanto aos requisitos substantivos, rege o art.º 188º B nº 3 do mesmo CEPMPL, que condiciona a possibilidade de a execução da pena acessória de expulsão do território nacional se iniciar logo que se mostre cumprido um terço da pena de prisão igual ou inferior a cinco anos, da formulação de um juízo prévio de compatibilidade entre a expulsão e as exigências de prevenção geral que subjazem à aplicação da pena, tal como resulta do uso da expressão «quando esta (a expulsão) se revelar compatível com a defesa da ordem e paz social».
O outro requisito substantivo exigido pelo citado art.º 188º B nº 3 é o juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do delinquente no meio social, no sentido de que, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem praticar crimes, ou seja, a vertente da prevenção especial também visada pela pena.
«A pena privativa de liberdade só encontra fundamento quando é o único meio adequado à satisfação e estabilização do sentimento de segurança da comunidade, alcançando simultaneamente a socialização do condenado.
«Os conhecidos inconvenientes da pena de prisão só podem ser minorados através da sua correta execução.
«A possibilidade de saídas precárias, de liberdade condicional, de reintegração no meio familiar ou, no mínimo, a possibilidade de manutenção dos laços familiares e de amizade são fatores fundamentais e determinantes na ressocialização do condenado e na sua reintegração na sociedade, de forma a não cometer novos crimes.
«A esmagadora maioria dos reclusos estrangeiros condenados em penas privativas de liberdade e na pena acessória de expulsão não reúne as condições que lhes permitam beneficiar das apontadas situações.
«Com a presente iniciativa legislativa, flexibiliza-se a oportunidade de a pena acessória de expulsão ser antecipada, quer através da diminuição do tempo efetivo de cumprimento da pena de prisão necessário à execução da pena de expulsão, quer através da possibilidade de, mediante parecer fundamentado e favorável do diretor da cadeia e da reinserção social, e com a anuência do condenado, a execução da pena de expulsão poder ocorrer mesmo em momento anterior.
«Encontrando-se realizada a finalidade da pena na vertente de proteção da sociedade, a alteração permitirá que, relativamente aos reclusos nas condições referidas, a execução da pena possa ser também orientada no sentido da sua reinserção social, através do seu regresso ao país de origem, onde o recluso provavelmente terá laços familiares e afetivos, e onde mais facilmente se integrará» (Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 76/XII, e que esteve na base da Lei 21/2013 de 21 de Fevereiro da qual resulta a actual redacção dos arts. 188º A e 188º B do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas de Liberdade, in https://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf).
Destes motivos determinantes da previsão da possibilidade de antecipação da execução da pena acessória de expulsão, a um terço ou a metade das penas de prisão, consoante a sua duração e do texto do nº 3 do art.º 188º B do CEPMPL, resulta inequivocamente que essa antecipação é uma medida de clemência, que não é de funcionamento automático, antes depende da verificação cumulativa de todos os pressupostos acima enunciados e, além disso, tem carácter excepcional.
«Em suma, reunidos os pressupostos formais, a concessão da antecipação da execução da pena acessória de expulsão deverá atender, não só à necessidade de defesa da ordem e paz social, ou seja, prevenção geral, entendida como protecção dos bens jurídicos e da expectativa da comunidade no funcionamento do sistema penal, mas, também, e simultaneamente, às necessidades de prevenção especial, na perspectiva de ressocialização e prevenção da reincidência, ou seja, do juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do delinquente no meio social, no sentido de que, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.» (Ac. da Relação de Lisboa de 18.09.2018, proc. 1813/16.7TXLSB-B 5ª Secção, in http://www.dgsi.pt).
Só se se mostrar salvaguardada a reposição e a integridade dos bens jurídicos violados com a prática do crime e introduzido o efeito de confiança, no seio da comunidade, acerca da validade e eficácia das normas jurídicas violadas com a prática do crime e produzido o efeito dissuasor da criminalidade, nos cidadãos em geral, induzindo-lhes a aprendizagem da fidelidade ao direito, se podem considerar verificadas as razões de prevenção geral das penas.
Do mesmo modo, só se mostrar assegurada, no âmbito da prevenção especial, em regra, positiva ou de socialização, a reintegração do agente na sociedade, excepcionalmente negativa ou de intimidação, a prevenção da reincidência, se poderão dar por cumpridas as exigências de prevenção especial das penas.
Por conseguinte, para que haja lugar à antecipação da execução da pena de expulsão do território nacional, é imperativo que, no marco temporal fixado no art.º 188º A nº 1 do CEPMPL, estas duas exigências estejam cumpridas, ou seja, que o sentido pedagógico e ressocializador das penas já em nada possa ser acrescentado, através do cumprimento do remanescente da pena, até ao momento legalmente previsto para a execução automática da pena de expulsão.
Daí a sua natureza excepcional, porquanto, por um lado, a flexibilização da oportunidade de antecipação da pena acessória de expulsão envolve a extinção do remanescente da pena, além do terço ou da metade da pena de prisão aplicada e, por outro lado, as razões humanitárias que determinam essa antecipação não podem, naturalmente, comprometer os fins das penas.
Ora, é no momento da escolha e determinação concreta da pena, na fase da discussão e julgamento da causa, que se afere a natureza e intensidade das razões de prevenção geral e especial, as quais, necessariamente, se repercutirão não só na espécie de pena, mas também na sua duração concreta.
Como é sabido, a opção pela aplicação de uma pena de prisão efectiva corresponde a um estádio superior de necessidade de garantir a prevenção geral e a prevenção especial.
Uma vez transitada em julgado a decisão condenatória, a duração da pena nela fixada será, em princípio e por regra, a que é necessária para garantir a realização daquelas finalidades, pelo que, a forma de compatibilizar as razões determinantes da antecipação da execução da pena acessória de expulsão e as que impõem o cumprimento efectivo da pena principal de prisão, será considerar que só circunstâncias supervenientes muito ponderosas e importantes serão aptas a operar essa flexibilização de execução antecipada da expulsão, sendo imperioso que da sua verificação resulte a conclusão de que o pouco tempo de prisão já cumprido foi adequado e suficiente para garantir com semelhante eficácia, as mesmas finalidades visadas com a fixação inicial do tempo de duração da prisão, já que, a execução antecipada da pena acessória de expulsão traduz-se, de facto, numa liberdade antecipada e incondicional.
Quanto aos argumentos aduzidos pelo recluso recorrente, em primeiro lugar, cumpre referir que a razoável capacidade de autocrítica e o arrependimento, assim como o comportamento normativo em meio prisional e a dedicação ao trabalho não são mais nem menos do que efeitos ressocializadores da aplicação da pena de prisão efectiva e não circunstâncias excepcionalmente atenuantes da necessidade da pena de prisão imposta que permitam considerar que o recluso, uma vez em liberdade, jamais voltará a praticar crimes da mesma ou de outra natureza, muito menos, que o terço da pena até agora cumprido já assegurou esse objectivo.
É precisão não esquecer que o recluso nem sequer tinha antecedentes criminais, estava inserido no mercado de trabalho e desfrutava de apoio familiar e tais factores de integração social não o impediram de transportar via aérea mais de dois Kg de cocaína, para Portugal, em contrapartida do recebimento de € 10.000,00.
Do mesmo modo, não se vislumbra, até porque a sentença recorrida nem sequer o explica, como, nem em que é que o modo como tem decorrido a reclusão se constituí um factor eficaz de dissuasão da delinquência, sobretudo, quando comparado com a natureza do crime por que o recluso foi condenado, o respectivo modo de execução e as motivações que estiveram na base da prática deste crime.
Com efeito, AA desembarcou no Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, procedente de São Paulo (Brasil), no dia 28 de Setembro de 2021, trazendo consigo 2 (duas) embalagens, contendo cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com o peso líquido de 2.904,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 70,3%, sendo o equivalente a 68.050 doses de consumo e ainda 1 (uma) saqueta, contendo cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 345,900 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 77,4%, sendo o equivalente a 1.338 doses de consumo.
E com base nestes factos, foi condenado como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21º do DL 15/93 de 22 de Janeiro.
O crime de tráfico de substâncias estupefacientes é uma forma de criminalidade altamente organizada, segundo a definição constante do art.º 1º al. m) do CPP.
As exigências de prevenção geral quanto a este tipo de criminalidade são muito fortes, em face da enorme proliferação de crimes de natureza idêntica e da danosidade extrema associada à sua prática, considerando que as drogas são altamente tóxicas e o seu consumo, para além da destruição física e mental do organismo humano, potencia a prática de condutas delituosas e o aumento da delinquência ligada à obtenção de bens e/ou valores que permitam a aquisição de tais substâncias, além de disfuncionalidades várias nas dinâmicas familiares das pessoas dependentes deste tipo de substâncias com elevadíssimos custos pessoais e sociais.
«As necessidades de prevenção geral neste tipo de infracção são muito elevadas, tendo em conta, em especial, o bem jurídico violado com o crime em causa, o alarme social e insegurança que gera, bem como às consequências gravosas para a comunidade, nomeadamente ao nível da saúde pública e onde o sentimento jurídico da comunidade apela à irradicação «do tráfico de estupefacientes destruidor de filhos e famílias» e «anseia por uma diminuição deste tipo de criminalidade e uma correspondente consciencialização de todos aqueles que se dedicam a estas práticas ilícitas para os efeitos altamente nefastos para a saúde e vida das pessoas» (Ac. do STJ de 09.04.2015, proc. 147/14.6JELSB.L1.S1. No mesmo sentido, Acs. do STJ de 18.06.2015, proc. 270/09.9GBVVD.S1, de 6.04.2016, proc. 73/13.6PEVIS.S1, de 10.10.2018, proc. 5/16.0GAAMT.S1, de 17.10.2018, proc. 6077/16.0T9MTS.P1.S1, de 28.10.2020, proc. 475/19.4JELSB.S1, de 19.05.2021, proc. 10/18.1PELRA.S1, de 15.09.2021, proc. 107/19.0JACBR.S1, in http://www.dgsi.pt).
«O tráfico de estupefacientes põe em causa uma pluralidade de bens jurídicos, mas protege primordialmente a saúde pública e, em segundo plano, bens jurídicos pessoais, como a vida, a integridade física e a liber­dade dos virtuais consumidores; ademais, afeta a vida em sociedade, pelos comprovados efeitos criminógenos e dificulta a inserção social dos consumidores.»
(…)
«O tráfico de estupefacientes é dos crimes que mais preocupa e alarma a nossa sociedade pelos seus nefastos efeitos e que mais repulsa causa quando praticado como meio de obtenção de proveitos à custa da saúde e liberdade dos consumidores, com fortes reflexos na coesão familiar e da comunidade em geral.
«As elevadas penas previstas para o crime de tráfico de estupefacientes, próximas das aplicáveis ao crime de homicídio, evidenciam a intensa ressonância ética daquele tipo penal inscrita na consciência da comunidade» (Ac. do STJ de 18.11.2021, proc. 616/20.9JAFUN.S1, in http://www.dgsi.pt).
No caso, em face do modo de execução típica e de consumação do crime, o arguido actuou como um «correio de droga», como são, em geral conhecidos e designados os indivíduos contratados para fazerem o transporte intercontinental de estupefacientes por via aérea, viajando como vulgares passageiros e trazendo as substâncias estupefacientes disfarçadas na bagagem, na roupa ou mesmo no interior dos seus corpos.
Pese embora esta modalidade de acção típica não potencie a disseminação de grandes quantidades de droga, essa limitação resulta compensada com a rápida e eficaz introdução destes produtos, nos mercados de consumo e acaba por representar uma forma muito importante de intermediação entre a produção, a venda a retalho e o consumo, nos países de destino e cada vez mais frequentemente usada pelas organizações criminosas que controlam o fabrico e distribuição de estupefacientes, em complemento da via marítima, que viabiliza o transporte de quantidades maiores.
Não sendo eles os donos da droga que transportam e estando normalmente desligados do meio e do circuito comercial dos estupefacientes, os correios de droga, acabam, assim, por se constituir protagonistas muito importantes e decisivos, no processo de disseminação do consumo de substâncias estupefacientes.
Salienta-se, pois, «o seu contributo nefasto para a proliferação do tráfico através da segmentação de vias e rotas, diminuindo a probabilidade de detecção, ao mesmo tempo que possibilita, como elo essencial, que as redes organizadas exerçam o comércio inter-continentes e ampliem os seus tentáculos globais» (A. Lourenço Martins, Medida da Pena – Finalidades. Escolha, 2011, Coimbra Editora, p. 287).
«Os “correios de droga” são uma peça fundamental no tráfico de estupefacientes concorrendo, de modo directo, para a sua disseminação, não merecendo um tratamento penal de favor. De facto, torna-se mais difícil a sua detenção e apreensão, não se deixando contra motivar pelas consequência perniciosas do seu ato, demonstrando arrojo, audácia e dolo intenso, insensibilidade e ganância, porquanto, a troco de uma compensação, se dispõem a fazer o transporte da droga até ao local da sua entrega, apesar de saberem da ilegalidade desse transporte» (Ac. do STJ de 28.10.2020, proc. 475/19.4JELSB.S1, in http://www.dgsi.pt).
Por isso, mesmo que as circunstâncias relatadas nos pareceres das Equipas da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (Serviços de Reinserção Social e Serviços Prisionais) e do Conselho Técnico autorizassem a formulação de uma prognose favorável quanto ao comportamento futuro do recluso, sempre as razões de prevenção geral contraindicariam de forma evidente a antecipação da execução da pena de expulsão e a consequente libertação definitiva com apenas um terço da pena cumprido.
«Decidir no sentido da antecipação da execução da pena acessória de expulsão numa fase em que o marco do meio da pena nem sequer está próximo, será, ao invés de travar o combate que a lei exige, estimular/incentivar a sua prática» (...) «tratando-se de actos de tráfico de estupefacientes de ordem internacional ... assumindo os chamados correios de droga, como é o caso do recluso, um papel de particular relevo ... é inteiramente justificada a decisão de não ser concedida a antecipação da execução da pena acessória de expulsão» (Ac. da Relação de Lisboa de 12.06.2018, proc. 1253/16.8TXLSB – B, in http://www.dgsi.pt).
«A expectativa de cumprirem uma pena reduzida e de regressarem ao seu país, em liberdade definitiva, após cumprirem pouquíssimo tempo de prisão, estimula a prática do crime, potenciando a reincidência» (Ac. da Relação de Lisboa de 18.09.2018, proc. 1813/16.7TXLSB-B 5ª Secção in http://www.dgsi.pt. No mesmo sentido, Acs. da Relação de Coimbra de 19.12.2018, proc. n.º 1417/7TXLSB-C.C1 e de 22.05.2019, proc. 858/17.4TXLSB-D.C1 e da Relação de Lisboa de 20.02.2019, proc. 410/17.4TXLSB-D.L1-3, de 12.10.2021, proc. 22/20.5TXLSB-D.L1-5, na mesma base de dados).
No caso vertente, por tudo quanto ficou exposto, a antecipação da execução da pena de expulsão do condenado transmitiria um sinal errado de clemência excessiva e de total desconsideração pela enorme importância dos bens jurídicos tutelados com a incriminação do tráfico de estupefacientes, redundando na impunidade e transmitindo a percepção de que afinal o crime para os «correios de droga» até compensa.
À semelhança do que acontece, quando se trata de decidir acerca da eventualidade de aplicação do instituto da suspensão da execução da pena, também em matéria de antecipação da execução da pena acessória de expulsão do território nacional, as razões de prevenção geral, dada a sua importância, sempre terão de prevalecer sobre quaisquer razões de prevenção especial, que, no caso vertente, nem sequer se mostram minimamente asseguradas com apenas um terço da pena cumprida, para mais, estando em causa, por via da sua aplicação, a incondicional extinção da pena de prisão que ainda faltar cumprir.
Por isso, impõe-se concluir que não estão reunidos os pressupostos materiais para determinar a antecipação da execução da pena acessória de expulsão, devendo o recurso ser julgado não provido.
III – DECISÃO
Termos em que decidem, neste Tribunal da Relação de Lisboa:
Julgar não provido o recurso e manter a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando a Taxa de Justiça em 4 UCs – art.º 513º do CPP.
Notifique.
*
Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art.º 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pelos Juízes Adjuntos.

Tribunal da Relação de Lisboa, 18 de Dezembro de 2024
Cristina Almeida e Sousa
Francisco Henriques
Ana Paula Grandvaux