Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
11701/24.8T8LSB.L1-4
Relator: FRANCISCA MENDES
Descritores: DIREITOS INDISPONÍVEIS
PREVPAP
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/14/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1- Sendo a Lei PREVPAP de carácter imperativo, não podiam autora e ré estipular, sob pena de nulidade, cláusulas limitativas dos seus efeitos.
2- As retribuições na pendência da relação de trabalho subordinado constituem créditos alimentares de natureza indisponível.
3- In casu são nulos os segmentos das cláusulas do contrato de trabalho celebrado ao abrigo do PREVPAP onde constam uma retribuição mensal ilíquida da A. inferior à auferida antes da celebração de tal acordo e uma data posterior à celebração do mesmo acordo como data do início do contrato.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa:

I- Relatório
AA instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra “Universidade Nova de Lisboa”, pedindo que:
a) Seja a R. condenada a reconhecer a existência de contrato de trabalho entre ela e a A. desde 6 de setembro de 2010, com as inerentes consequências legais;
b) Seja a R. condenada a reconhecer a antiguidade da A. desde 6 de setembro de 2010, com as inerentes consequências legais, concretamente, para efeitos de reconstituição na carreira, designadamente para efeito de alteração do posicionamento remuneratório;
c) Seja a R. condenada a fixar a retribuição base da A. em € 2.000,00, sem prejuízo da progressão salarial que a mesma possa vir a ter;
d) Seja a R. condenada a pagar à A. a diferença entre a retribuição base que lhe pagou nos meses de Fevereiro de 2019 a Março de 2024 e aquela que deveria ter pago, diferença essa que se quantifica em € 45.335,95;
e) Seja a R. condenada a pagar à A. a diferença entre a retribuição mensal que vier a pagar a autora e aquela que deveria pagar, até ao momento em que fixar a retribuição base desta em € 2000;
f) Seja a R. condenada a pagar à A. o montante global de € 33.282,19 a título de subsídio de férias e Natal referente aos anos de 2010 a 2018;
g) Seja a R. ser condenada a pagar à A. a diferença entre o subsídio de férias e Natal que lhe pagou em 2019 e 2023, e a que deveria ter pago, tudo no montante global de € 7555,53;
h) Tudo isto, acrescido dos respetivos juros legais.
Para tanto, alegou em síntese:
- A R. é uma fundação pública de direito privado que pode admitir pessoal não docente e investigador, integrando na sua estrutura a Faculdade de Ciências e Tecnologia;
- A autora foi admitida ao serviço da ré ao abrigo de um contrato bolseiro de investigação, de 6 de setembro de 2006, renovado até outubro de 2013;
- De outubro de 2013 a 31 de janeiro de 2019 manteve com a ré um contrato bolsa de investigação;
- Esteve sempre integrada no mesmo gabinete e exerceu as mesmas funções, nas instalações da ré, gozando férias mediante autorização;
- O seu vínculo foi regularizado no âmbito do programa PREVPAV, sem, no entanto, garantir a sua antiguidade;
- A redução da sua bolsa consubstancia redução da retribuição, vedada pelo artigo 129.º, n.º 1, al. d), do Código do Trabalho.
Foi realizada audiência de partes, na qual não houve conciliação.
A ré apresentou contestação, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Por exceção invocou a incompetência do tribunal.
Por impugnação sustentou, em suma, que o vínculo da autora não podia ser outro que não o de bolseira, e cuja regularização só foi legalmente tornada possível pela Lei 112/2017, de 29 de Dezembro, concretizada pela Portaria 150/2017, de 3 de maio, cujas regras a ré definiu pelo Regulamento 40/2019 (DR, n.º 7/2019, II série, de 10-01-2019). A posição remuneratória da autora é a que resulta do enquadramento estabelecido por tal Regulamento.
Mais referiu que as pretensões da A. provocariam uma situação de injustiça em relação aos trabalhadores que tinham um vínculo jurídico, violando o princípio basilar do “trabalho igual, salário igual”.
Concluiu pela improcedência da acção e pela sua absolvição dos pedidos.
Foi proferido despacho saneador, em que foi julgada improcedente a exceção de incompetência do Tribunal em razão da matéria.
Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença.
*
Foram considerados provados os seguintes factos:
1. A ré é uma Fundação Pública de direito privado que integra a Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT);
2. A autora começou a desempenhar funções na FCT para a Unidade de Gestão da Qualidade, formalmente, ao abrigo de uma bolsa de gestão de ciência e tecnologia, denominada “Contrato de Bolseiro de Investigação” a 6 de setembro de 2010, constante de fls. 10-v e 11 dos autos, nos termos do qual:
«PRIMEIRA
A FCT/UNL celebra o presente contrato de Bolsa de Gestão de Ciência e Tecnologia nos termos do seu Regulamento de Bolsas de Investigação, aprovado por despacho de 19 de outubro de 2006 do Presidente do Conselho Directivo da Fundação para a Ciência e Tecnologia.
SEGUNDA
O presente contrato é celebrado pelo período de doze meses, e cabimentado no projeto:
Programa No âmbito da Unidade de Gestão da Qualidade.
Parágrafo primeiro: A denúncia do contrato antes de decorrido o período contemplado no parágrafo anterior será feita por carta com aviso prévio de pelo menos 30 dias.
Parágrafo segundo: O presente contrato não confere relação ou vínculo de trabalho pelo que o mesmo caduca no seu termo.
Parágrafo terceiro: A bolsa ora concedida não poderá ser acumulada com quaisquer outros proventos sendo imediatamente suspensa e o bolseiro convidado a repor os valores recebidos a partir da data em que se conclua pela acumulação, desde que não prevista no disposto no arº 5º número três alíneas a) a g) e número quatro da Lei 40/2004 de 18 de agosto.
TERCEIRA
O montante da bolsa é de 2.000€ (dois mil euros) mensais
QUARTA
O bolseiro obriga-se a realizar um plano de trabalhos que lhe foi presente e que fica constituindo parte integrante deste contrato.
Parágrafo primeiro: O bolseiro declara ter tomado conhecimento dos seus direitos e deveres constantes da Lei número 40/2004 de 18 de Agosto11.
QUINTA
(…) O horário será ajustado em consonância com o orientador científico e o bolseiro.
SEXTA
Ao bolseiro serão concedidos todos os direitos consignados no art.º 9º da Lei número 40/2004 de 18 de Agosto. Parágrafo primeiro: A FCT/UNL obriga-se a celebrar um seguro específico em conformidade com o que preceitua a alínea e do nº 1 do art.º 9º da Lei número 40/2004 de 18 de Agosto. Parágrafo segundo: Pode ainda o bolseiro aderir ao regime de segurança social em conformidade com o estabelecido no art.º 10º da Lei número 40/2004 de 18 de Agosto.
SÉTIMA
Em tudo o que o presente contrato for omisso reger-se-á pela Lei número 40/2004 de 18 de Agosto e aplicar-se-á a lei geral. Parágrafo único: O bolseiro obriga-se a manter a confidencialidade sobre todas as informações adquiridas no âmbito das atividades exercidas ao abrigo do presente contrato, salvo autorização expressamente concedida pelo primeiro outorgante»;
3. … Que foi sendo, sucessiva e ininterruptamente, renovado até outubro de 2013, mediante assinatura de “termo de renovação”, de 6 de setembro de 2011, de 6 de setembro de 2012 e de 1 de janeiro de 2013;
4. De setembro de 2010 a setembro de 2013, a A. auferiu o montante de € 2.000 mensais;
5. Em 6 de outubro de 2013, foi novamente assinado pelas partes um contrato, designado por “Contrato de Bolsa de Investigação”, cujo teor se encontra a fls.13-14 dos autos, designadamente:
«CLÁUSULA SEGUNDA
O Segundo Outorgante obriga-se a realizar o plano de atividades, conforme descrito no processo de candidatura, a partir da data de início nele referida e em regime de dedicação exclusiva, nos termos do artigo 5.º do Estatuto do Bolseiro de Investigação.
CLÁUSULA TERCEIRA
O Segundo Outorgante realiza os trabalhos na Unidade de Gestão da Qualidade OE/Funcionamento que funciona como Instituição de Acolhimento, tendo como Orientadora Científica a Licenciada a Engenheira BB.
CLÁUSULA QUARTA
O montante da bolsa é de 1.450.00 € (mil quatrocentos e cinquenta euros)»;
6. Alvo de sucessivas renovações, vigorando até 31 de janeiro de 2019;
7. A partir de outubro de 2013, e até janeiro de 2019, o valor pago como “bolsa mensal” quantificou-se em € 1450;
8. Desde 6 de setembro de 2010 a autora esteve integrada no Gabinete de Apoio à Direção, mais especificamente na Unidade de Gestão da Qualidade, e exerceu as funções de:
a. Apoiar a implementação de práticas de qualidade na Faculdade;
b. Elaborar estudos de avaliação e desempenho da Faculdade, nomeadamente, de caráter pedagógico e científico;
c. Apoiar os processos de avaliação e acreditação de cursos, quer na sua preparação quer na monotorização do cumprimento de recomendações;
d. Participar nos estudos de planeamento estratégico, em colaboração com os órgãos institucionais da Faculdade e a Reitoria da Universidade;
e. Definir indicadores de desempenho e desenvolver os meios para os obter e manter atualizados, em colaboração com a Divisão de Informática;
f. Desenvolver um sistema de observação dos percursos de inserção dos diplomados da Faculdade, através de recolha periódica de informações;
g. Promover o levantamento dos principais problemas relativos à adequação dos perfis dos diplomados da Faculdade às necessidades do mundo empresarial;
h. Elaborar diagnósticos e recolha de estudos prospetivos sobre cenários de evolução de oferta de emprego.
a. Apoio de assessoria ao Conselho Executivo no que respeita a diversas vertentes da Gestão da Qualidade da FCT (gestão global, ensino e aprendizagem, investigação e relações exteriores);
b. Participação na elaboração de procedimentos para criação, alteração e extinção de ciclos de estudos, em articulação com o Conselho Científico;
c. Elaboração de procedimentos para a gestão da qualidade das unidades curriculares, monotorização anual e avaliação periódica dos ciclos de estudos;
d. Participação na implementação da gestão da qualidade das unidades curriculares e dos ciclos de estudos, em articulação com a SQIMI, Conselho Pedagógico e setores departamentais (inquéritos a estudantes e docentes, informatização dos relatórios de avaliação das unidades curriculares e dos relatórios de monotorização de ciclos de estudos, sensibilização de estudantes e docente);
e. Análise dos resultados da avaliação das unidades curriculares;
f. Apoio na elaboração de procedimentos para avaliação do desempenho dos estudantes;
g. Apoio na elaboração de procedimentos para avaliação da satisfação dos diplomados pela FCT e das entidades empregadoras;
9. E, ainda, mais especificamente:
h. Apoio na elaboração de outros procedimentos da qualidade, particularmente daqueles mais diretamente relacionados com a qualidade do ensino e aprendizagem.
10. Em 2015, houve uma restruturação dos serviços na FCT, na qual, a Unidade de Gestão da Qualidade passou a designar-se Divisão de Planeamento e Gestão de Qualidade, com o, mesmo, objetivo, de “apoiar a Direção no desenvolvimento de indicadores de desempenho, e estudos de planeamento estratégico e na implementação e práticas da qualidade na Faculdade”;
11. A autora observou horas de início e termo da sua atividade, definidas no âmbito das da unidade orgânica referida em 10;
12. E desde 6 de setembro de 2010 a esteve sempre sujeita a autorização/ aprovação de BB, a quem reportava a atividade por si desenvolvida, para gozar férias;
13. Autorização de que carecia também para se ausentar do local de trabalho como quando se deslocasse a uma consulta médica;
14. A autora prestou e presta a sua atividade nas instalações da FCT da Universidade Nova;
15. Usando secretária, computador, linha telefónica disponibilizados e propriedade da FCT;
16. A. e R., através da sua unidade orgânica FCT Nova, celebraram o «CONTRATO DE TRABALHO POR TEMPO INDETERMINADO» constante de fls. 41-v a 43, celebrado «no âmbito do Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários (PREVPAP)», que «produz efeitos a partir de 01/02/2019» e cujo «período normal de trabalho diário e semanal é de 7 e 35 horas, respetivamente»;
17. … que a autora assinou;
18. Nos termos da cláusula quarta do escrito referido em 16., sob a epígrafe retribuição, “Ao abrigo do disposto no artigo 5.º do Regulamento de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários da Universidade Nova de Lisboa, o Primeiro Contraente compromete-se a pagar ao Segundo Contraente a remuneração mensal ilíquida de 1.242,86€, correspondente à posição remuneratória automaticamente criada para o efeito, entre a 2.ª e a 3.ª posições remuneratórias, da carreira de Técnico Superior da tabela constante dos Anexos II e III do Regulamento n.º 577/2017, de 13 de outubro, publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 210, de 31 e outubro, sujeita aos impostos e demais descontos legais, (…).”;
19. Na cláusula primeira do contrato de trabalho acima referido, estabeleceu-se que o mesmo tinha início no dia 1 de fevereiro de 2019, não fazendo qualquer menção quanto à antiguidade da A.;
20. A retribuição paga à autora: a. a partir de fevereiro de 2019 quantificou-se em € 1.242,86;
b. a partir de maio de 2020 quantificou-se em € 1.246,69;
c. a partir de janeiro de 2022 quantificou-se em € 1.244,79;
d. a partir de novembro de 2022 quantificou-se em € 1.1268,04;
e. a partir de janeiro de 2023 quantificou-se em € 1.320,15;
f. a partir de maio de 2023 quantificou-se em € 1.333,35 e
g. a partir de janeiro de 2024 quantificou-se em € 1.385,99.
*
Pelo Tribunal a quo foi proferida a seguinte decisão:
«Por todo o exposto julga-se a ação parcialmente procedente:
a. Condena-se a ré a reconhecer a existência de um contrato de trabalho com a autora desde 6 de setembro de 2010;
b. Condena-se a ré a reconstituir o posicionamento remuneratório da autora desde 1 de fevereiro de 2019, considerando a retribuição, a esta data, de € 1.450 (mil, quatrocentos e cinquenta euros) e a progressão salarial que dela resulte e de uma antiguidade referenciada a 6 de setembro de 2010, bem como, consequentemente, a pagar-lhe:
b.a. a diferença entre as retribuições que lhe pagou nos meses de fevereiro de 2019 a março de 2024, até ao montante máximo de € 45.335,95;
b.b. a diferença entre as retribuições que lhe pagou desde maio de 2024 e que venha a pagar até que o reposicionamento venha a fixar a retribuição base da autora em € 2.000;
b.c. pelo montante máximo de € 33.282,19, os subsídios de férias e de Natal dos anos de 2010 a 2018 pelos valores das retribuições que resultem de tal reposicionamento;
b.d. pelo montante máximo de € 7.555,53, as diferenças dos subsídios de férias e de Natal que lhe foram pagos nos anos de 2019 a 2023 e os valores que resultem do reposicionamento das suas retribuições;
c. juros de mora sobre as quantias referidas em b.a. a b.d., à taxa legal supletiva anual em vigor em cada momento e que é atualmente de 4% ao ano.
Custas pela autora e ré na proporção do decaimento - art.º 527.º, n.º 1 e 2, do CPC e 1.º, n.º 2, al. a), do CPT.»
*
A R. recorreu desta sentença e formulou as seguintes conclusões:
A. No âmbito do PREVPAP, que plasma um programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública, a Recorrente e a Recorrida celebraram um contrato de trabalho;
B. Como o nome indicava, o programa era de regularização extraordinária, resultando Resolução do Conselho de Ministros n.º 32/2017, de 28 de fevereiro, a Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro que veio estabelecer os termos da regularização extraordinária dos vínculos precários de pessoas que exerciam funções que correspondiam a necessidades permanentes da Administração Pública e fossem reconhecidas como tal;
C. Ou seja, excecionalmente, o Governo considerou possível regularizar situações indefinidas, mas previu expressamente E que o PREVPAP não poderia ser usado como mecanismo de recrutamento, ultrapassando as regras gerais exigidas para o preenchimento de postos de trabalho, porquanto é um regime jurídico de carácter extraordinário e natureza especial que se restringe à finalidade e âmbito de aplicação nele expressamente inscritos
D. Assim, neste contexto, específico, a Recorrente, então A. e Recorrida, então R., através da unidade orgânica FCT Nova, celebraram o contrato de trabalho sem termo,
C. Assim deverá enquadrar-se todo o regime do PREVPAP como uma tentativa do Governo de combater a precariedade, mas não de beneficiar estes trabalhadores, face aos que se teriam de sujeitar a concurso público;
I. É, ainda, evidente, que da integração da Recorrida não ocorreu diminuição da sua retribuição, que se manteve igual à que antes auferia, o que está de acordo com o previsto na alínea al. b), do artigo 12.º e n.º 2, do artigo 14.º da Lei no 112/2017.
NESTES TERMOS, e nos demais de direito que V. Exas. douta e superiormente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida e, consequência, ser a ação julgada totalmente improcedente, por não provada, absolvendo-se a recorrida nos pedidos formulados.
*
A recorrida contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:
1. Veio a Recorrente apresentar recurso da douta sentença proferida em 13 de novembro de 2024, nos autos à margem referenciados, que julgou parcialmente procedente a ação.
2. Entende a Recorrida que na referida decisão não foi cometido qualquer erro na aplicação da matéria de direito, que impusesse uma solução diversa à decidida na aludida sentença, competindo, assim, a este Tribunal ad quem usar dos seus poderes/deveres (funcionais) de confirmação.
3. O PREVPAP tem o respetivo regime jurídico previsto na Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro, e com ele pretendeu-se combater a precariedade no setor público, estratégia que foi definida no artigo 19.º n.º 1, da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março (Orçamento do Estado para 2016) e no artigo 25.º n.º 1 da Lei 42/2016, de 28 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2017).
4. O PREVPAP foi o mecanismo criado pelo Estado para combater a precariedade criada pelo próprio Estado, ao permitir a contratação com vínculo precário para satisfazer necessidades permanentes na Administração Central e Local e no setor empresarial do Estado.
5. Este programa de regularização dos vínculos precários dos colaboradores do Estado visou a eliminação progressiva do recurso ao trabalho precário como forma de colmatar necessidades de longa duração para que os serviços do Estado pudessem funcionar de forma regular.
6. Tratou-se de estender ao setor público o que já havia sido feito no setor privado, com a criação da ação com processo especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, através da Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto.
7. Sempre foi entendido que não estava em causa a constituição de um novo vínculo, mas o reconhecimento de que a relação anterior correspondia a uma relação laboral e devia ser qualificada ab initio como um contrato de trabalho, razão pela qual, o artigo 186.º-O n.º 8 do CPT determina que a sentença proferida nesta ação que reconheça a existência de um contrato de trabalho estabelece a data de início da relação laboral.
8. Com o PREVPAP visou-se o reconhecimento de que “as situações de exercício de funções que satisfaçam necessidades permanentes” correspondam a uma relação laboral e a consequente regularização formal mediante a celebração de um contrato de trabalho em funções públicas ou de um contrato individual de trabalho.
9. No artigo 13.º n.º 1 da Lei 112/2017 de 29 de dezembro, se previne o respeito pela antiguidade, o que não pode ter outro sentido senão que o legislador não pretendeu a criação de um novo vínculo laboral, como se a anterior situação de facto não tivesse existido, o certo é que, para as entidades abrangidas pelo Código do Trabalho, consignou-se a obrigatoriedade de regularização formal da situação, mediante
o reconhecimento “da existência de contrato de trabalho, nomeadamente, por efeito da presunção de contrato de trabalho, e por tempo indeterminado por se tratar da satisfação de necessidades permanentes” (artigo 14.º n.º 1 alínea b) da Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro).
10. Trata-se, pois, da mera regularização formal, fazendo a correspondência entre o vínculo que já existia anteriormente no plano de facto ao regime jurídico que deveria ter sido aplicado desde o início.
11. Da simples análise do artigo 14.º da Lei n.º 122/17, resulta, de forma clara e sem margem para dúvidas, que o legislador não visou, com o PREVPAP, a criação de novas relações de trabalho, mas antes a regularização das existentes, mesmo que formalmente a relação pré-existente não tivesse natureza laboral.
12. Caso assim fosse, não faria sentido que o legislador, no âmbito da Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro, tivesse usado as expressões “proceder imediatamente à regularização formal das situações” e “reconhecer”, e tivesse feito alusão à figura da presunção do contrato de trabalho, pois, por um lado, regularizar significa corrigir e somente se corrige uma situação já existente, tornando-a mais de acordo com uma determinada regra, e, por outro lado, só se aceita/assume uma situação que também já existe, e não algo que só existirá no futuro.
13. No artigo 14.º n.º 1 b) da Lei n.º 112/2017 estabelece-se que, tratando-se de relações laborais abrangidas pelo Código do Trabalho – como é o caso – as entidades ficam obrigadas a proceder imediatamente à regularização formal das situações, mediante o reconhecimento da existência de contratos de trabalho, nomeadamente, por efeito da presunção de contrato de trabalho e por tempo indeterminado por se tratar da satisfação de necessidades permanentes.
15. No mencionado preceito legal, além de fazer alusão à figura da presunção do contrato de trabalho, o legislador socorreu-se da expressão reconhecer/reconhecimento, expressão essa que, conforme é consabido, significa, entre outros: admitir e aceitar.
16. Sendo evidente que só se reconhece algo que já existe, isto é, uma vez que não é possível reconhecer uma realidade – contrato de trabalho – que só vai existir no futuro, e partindo do pressuposto que o legislador soube exprimir corretamente o seu pensamento – artigo 9.º do Código Civil – salvo o devido respeito, é manifesto que a intenção do legislador foi a de que a entidade reconheça (aceite, assuma) que a relação existente antes da regularização do vínculo precário era já uma relação de natureza laboral, pois, se assim não fosse, ao invés de se ter socorrido da figura da presunção do contrato de trabalho e da expressão reconhecer, o legislador teria certamente mencionado que a entidade estava obrigada a celebrar um contrato de trabalho sem termo, ou que o vínculo precário se convertia num contrato de trabalho sem termo!
17. Conforme resulta da leitura da Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro, o legislador distinguiu a regularização do vínculo precário através da celebração de um contrato de trabalho em funções públicas ou um contrato individual de trabalho.
18. Aplicando-se o artigo 12.º à regularização dos vínculos de trabalhadores de órgãos ou serviços da administração pública propriamente dita, aos quais é aplicável a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, e às situações que implicam a celebração de um contrato individual de trabalho - o disposto no artigo 14.º.
19. O legislador não pretendeu a criação de um novo vínculo, nem para os trabalhadores integrados na Administração Pública em sentido estrito, nem para os trabalhadores integrados ao abrigo do artigo 14.º da Lei PREVPAP, mesmo quando a relação prévia não tinha formalmente natureza laboral.
20. Da interpretação da Lei PREVPAP resulta claramente que a antiguidade reconhecida à Recorrida é equiparada à existência de um contrato de trabalho desde o início dessa antiguidade e, desse modo, a interpretação feita pelo Tribunal a quo do artigo 14.º n.º 3 desse diploma legal, norma que proíbe que o trabalhador seja, injustificadamente, colocado numa situação mais desvantajosa do que aquela que detinha antes da regularização do vínculo precário, tem apoio na letra da norma, e no próprio regime, na medida em que, havendo antiguidade a reconhecer, também existe retribuição a considerar.
21. Não se desconhece que as relações que levaram à aplicação do PREVPAP decorriam ao abrigo de vínculos muito diversificados; uns de natureza laboral, como sucedia quando as funções anteriores eram exercidas formalmente ao abrigo de contratos de trabalho celebrados com termo resolutivo certo, contratos de utilização de trabalho temporário ou outros contratos laborais (artigo 14.º n.º 1 c) e d)); e outros sem natureza laboral, como acontecia quando as funções eram exercidas ao abrigo de contratos de bolsa ou de prestação de serviços (artigo 14.º n.º 1 b)).
22. Aceita-se, também que as situações em que o vínculo anterior não tinha (formalmente) natureza laboral foram reguladas ao abrigo do artigo 14.º, n.º 3, do diploma legal em apreço.
23. Tal diferença de regime, não se justifica pelo facto de não existir qualquer comando legal que imponha o reconhecimento de antiguidade, mas sim pela circunstância de, nestas situações, (em que o vínculo pré-existente não tinha natureza laboral) a conversão automática das quantias recebidas pelos falsos prestadores de serviços ou bolseiros na retribuição que lhes passava a ser paga no âmbito do contrato de trabalho celebrado para a regularização formal do vínculo, poder gerar situações de discriminação ou diferenciação injustificada com o pagamento de um montante que tinha sido determinado segundo critérios muito distintos e que podia ser diferente do que era pago a outros trabalhadores que prestavam as mesmas funções.
24. Embora não se discuta que o legislador quis, efetivamente, estabelecer dois regimes diferentes quanto à fixação da retribuição, entendemos que na concretização do critério previsto no n.º 3 do artigo em análise devem estar presentes os interesses que o mesmo pretendeu conciliar na Lei n.º 112/2017, que são a necessidade de acautelar a situação anterior dos trabalhadores, não podendo admitir-se que acabem prejudicados, ficando numa situação pior do que aquela em que se encontravam, e o respeito pelos princípios da igualdade e da não discriminação, não podendo criar-se disparidades ou diferenciações entre trabalhadores nas mesmas condições.
25. A retribuição da A. foi determinada pelo Regulamento n.º 40/2019, de 21 de dezembro de 2018 que estabeleceu a seguinte fórmula de cálculo: a retribuição base mensal foi determinada de acordo com o valor mensal que a trabalhadora auferia multiplicado por 12, correspondente aos meses de serviço efetivo, e dividido por 14, correspondente às prestações mensais devidas.
26. Tal fórmula, conforme entendeu o Tribunal a quo, não respeita o critério estabelecido no artigo 14.º n.º 3, da Lei n.º 112/2017, pois, a R. deveria ter tomado em consideração o valor que a A. recebia no momento da regularização do vínculo, o que se traduz numa diminuição da retribuição que não era permitida, pois, como já se disse, o legislador estabeleceu o respeito pela antiguidade, o que significa que não pretendeu a criação de um novo vínculo, como se a anterior situação de facto não tivesse existido.
27. A R. decidiu que a retribuição da A. era calculada multiplicando a quantia que recebia mensalmente como bolseira por doze e dividindo o resultado por catorze, pelo que, está em causa uma diminuição da retribuição que não é admitida, pois, a opção das universidades pelo regime do contrato individual de trabalho nas relações laborais implica o seu acolhimento na totalidade, não podendo ser criado um modelo alternativo em que, com fundamento na natureza pública da fundação ou na prossecução do interesse público, os aspetos considerados desvantajosos ou prejudiciais são substituídos por outros, designadamente através da utilização de instrumentos de natureza administrativa.
28. Os subsídios de férias e de Natal correspondem a montantes que acrescem à retribuição, não sendo permitida a sua dedução nas quantias que são pagas ao trabalhador, o que consiste numa contraordenação, dúvidas não existem de que ao estabelecer que a retribuição mensal correspondia ao valor anterior multiplicado por doze e dividido por catorze, o resultado do Regulamento n.º 40/2019, foi que o valor dos subsídios que entretanto seriam pagos não acrescia à retribuição e era afinal deduzido nesta, uma vez que os trabalhadores passavam a receber os subsídios de férias e Natal, mas, simultaneamente, recebiam mensalmente a menos o valor que correspondia a estes subsídios.
29. Não é minimamente defensável que, apesar de estar preocupado com a precariedade laboral, o legislador não tenha querido acautelar a situação anterior dos trabalhadores, isto é, que a solução por si contemplada permita que os trabalhadores, após a regularização do vínculo, fiquem numa situação pior do que a anterior, o que, sucedia caso a pretensão da Recorrente fosse procedente!
30. O que o legislador pretendeu acautelar, através do regime previsto no artigo 14.º, n.º 3, foi a que se gerassem situações de desigualdade, situações essas que a Recorrente não fez qualquer prova de terem sucedido.
31. Bem andou o Tribunal a quo ao considerar que, quando fixou a retribuição da A. em montante inferior ao que aquela auferia em momento prévio, a Universidade Nova de Lisboa reduziu injustificadamente a retribuição da Recorrida, o que não era permitido pela Lei n.º 112/2017.
32. Visto que a obrigação de pagamento do subsídio de férias e Natal resulta de norma imperativa, não poderia o Tribunal a quo ter concluído noutro sentido, que não o de também condenar a Recorrente no pagamento dos aludidos subsídios em falta.
33. Mesmo que não tivesse sido criado o PREVPAP, programa de combate à precariedade laboral, atenta a matéria de facto considerada provada nos presentes autos, sempre se imporia ao Tribunal a quo a condenação da Recorrente no pagamento dos referidos subsídios.
34. Apesar de nessa hipótese (inexistência do PREVPAP) a Recorrente ter limites à contratação de trabalhadores sem lançamento de um concurso, considerando-se nulos os contratos celebrados sem obediência de tal formalismo, o certo é que, os efeitos da nulidade impunham igualmente à recorrente que pagasse à Recorrida os referidos subsídios de férias e natal, uma vez que, o artigo 122.º do Código do Trabalho determina que “o contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como válido em relação ao tempo em que seja executado”.
35. Tendo o contrato de trabalho início em 2010, deverá manter-se igualmente a decisão do Tribunal a quo quanto a esta matéria, na medida em que, reitera-se, através do PREVPAP não se visou a criação de novas relações de trabalho, mas sim a mera regularização formal das relações já existentes no plano material, aplicando-se às mesmas o regime jurídico que lhe devia ter sido aplicado desde o início.
38. O Tribunal a quo não podia ter aplicado outra solução de Direito ao caso concreto que não fosse a constante na sentença recorrida.
Terminou, pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação da sentença recorrida.
O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
*
II- Importa solucionar neste recurso:
- Se deve ser reconhecida a existência de um contrato de trabalho entre as partes desde 6 de Setembro de 2010, com as inerentes consequências legais;
- Se a A. tem direito às peticionadas diferenças salariais e aos subsídios de férias e de Natal.
*
III- Apreciação
Os factos provados são os acima indicados.
Refere a sentença recorrida:
«A autora peticiona o reconhecimento de uma relação de trabalho com o réu e os créditos resultantes da sua existência.
O contrato de trabalho é aquele pelo qual alguém se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob autoridade destas- artigo 11.º do CT.
O contrato de trabalho tem como objeto a prestação de uma atividade e como elemento típico e distintivo a subordinação jurídica do trabalhador.
(…) Os pressupostos integradores do contrato de trabalho são captados através de indícios globalmente considerados, nomeadamente de indícios internos, como sejam a vinculação a horário de trabalho; a prestação da atividade em local definido pelo empregador; a retribuição em função do tempo; utilização de bens ou utensílios fornecidos pelo empregador; o reconhecimento do direito a férias, subsídios de férias, e de Natal, e inserção na estrutura produtiva e indícios externos ou de carácter formal, como o sejam a exclusividade do empregador; a inscrição na repartição de finanças como trabalhador dependente e o registo na Segurança Social, com os respetivos descontos (Pedro Soares Martinez, ob. citada, págs. 308 a 310, e Monteiro Fernandes, ob. citada, págs. 141 a 144).
Entendem a jurisprudência e a doutrina avalizada dos nossos Tribunais superiores, que “cada um destes indícios tem um valor relativo e que o juízo a fazer é sempre um juízo de globalidade em relação à situação concreta apurada” - cfr. Ac. STJ de 13/09/2006, Cons. Maria Laura Leonardo, www.dgsi.pt.
Deles – ou melhor da sua verificação - decorre a sua destrinça entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço: quer quanto ao objeto (prestação de uma atividade ou obtenção de um resultado), quer quanto ao relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).
De acordo com o regime geral da repartição do ónus da prova, incumbe ao trabalhador demonstrar os factos reveladores da existência do contrato de trabalho, ou seja, demonstrar que exerce uma atividade remunerada para outrem, sob a autoridade e direção do beneficiário (art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil).
Desviando-se, no entanto, desta regra, veio o art.º 12.º, do Código do Trabalho, consignar indícios a que é usual recorrer-se para caracterizar o contrato de trabalho, cuja verificação tem como efeito o estabelecimento de uma presunção legal, a favor do trabalhador, dispensando-o de provar outros elementos, de índole factual, integrantes do conceito de subordinação jurídica e, pois, da noção de contrato de trabalho, cuja existência se firma, por ilação, demonstrados que sejam aqueles requisitos (artigos 349.º e 350.º, n.º 1, do Código Civil).
Neste último caso, ao empregador cabe provar factos tendentes a ilidir a presunção de laboralidade, ou seja, factos reveladores da existência de uma relação jurídica de trabalho autónomo (artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil).2 Cf.
(…)
Tecidas as considerações supra resulta que a ré é uma fundação pública com regime de direito privado.
Instituída pelo Decreto-lei n.º 20/2017, de 21 de fevereiro, os seus Estatutos foram homologados pelo Despacho Normativo n.º 2/2017, de 2 de maio, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 91, de 11 de maio, retificado pela Declaração de Retificação n.º 482-A/2017, de 7 de julho, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 138, de 19 de julho e revista pelo Despacho Normativo n.º 3/2020, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 26, de 06 de fevereiro, que se rege pelo direito privado, nomeadamente, no que respeita à sua gestão financeira, patrimonial e pessoal.
Dos seus Estatutos, concretamente, do artigo 1.º, n.º 5, resulta que a Universidade integra as unidades orgânicas constantes do Anexo I, entre as quais se encontra, na alínea a), a Faculdade de Ciências e Tecnologia (a diante apenas FCT).
A autora desempenhou as funções na FCT para a Unidade de Gestão da Qualidade, formalmente, ao abrigo de uma bolsa de gestão de ciência e tecnologia, denominada “Contrato de Bolseiro de Investigação” a 6 de setembro de 2010, vínculo sucessiva e ininterruptamente, ao abrigo de um «contrato de formação em posto de trabalho» no âmbito de um programa de estágios profissionais a que foi colocada a duração de 3 anos, e ulteriormente de «Contrato de Bolsa de Investigação».
O que fez- e ainda presta - nas instalações da FCT da Universidade Nova – al. a) do n.º 1 do artigo 12.º.
Usava secretária, computador, linha telefónica disponibilizados e propriedade da FCT da Universidade Nova (ré) al. b) do n.º 1 do artigo 12.º.
Observava horas de início e termo da sua atividade dentro do definido para a unidade orgânica - al. c) do n.º 1 do artigo 12.º.
Preenchidos estão três factos base da presunção de laboralidade elencados no artigo 12.º do CT.
Relação que se desenvolveu como um verdadeiro contrato de trabalho: a autora apoiava a implementação de práticas de qualidade na Faculdade (…)
Além do que o vínculo da autora foi reconhecido ao abrigo do regime legal do PREVPAP, programa de combate à precariedade, para regularização da contratação pelos serviços, organismos e entidades da Administração Pública e do Sector Empresarial do Estado, nomeadamente com recurso a Contratos Emprego-Inserção, estágios, bolsas de investigação ou contratos de prestação de serviços- Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, Lei n.º 42/2016 de 28 de Dezembro, e Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro.
Pelo que procede o primeiro pedido por si formulado, com antiguidade reportada a 6 de dezembro de 2010.
(…)
A autora pede o pagamento das diferenças entre as quantias que lhe foram pagas e as que lhe seriam devidas mantendo o nível remuneratório que tinha quando do início da sua relação com a ré e o pagamento dos subsídios de férias e de Natal, pelo mesmo valor salarial (inicial), de €2000, desde a sua admissão até 2018.
Decorre do reconhecimento da data de antiguidade da autora que lhe assiste o direito ao reposicionamento que decorra de tal antiguidade.
Através do Regulamento n.º 40/2019 (Regulamento de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários da Universidade Nova de Lisboa), publicado no Diário da República n.º 7/2019, Série II de 10 de janeiro de 2019, a ré estabeleceu os competentes procedimentos para regularizar das situações decorrentes do PREVPAP, “regulamentando internamente os exatos termos em que tal regularização deve assentar, nomeadamente, instituindo regras específicas quanto à matéria remuneratória a estabelecer.”
Nos termos do n.º 3 do artigo 5.º do supramencionado Regulamento, “nos casos em que a regularização diga respeito a situações tituladas por contratos de prestação de serviços ou bolsas, em que se verifique a falta de identidade prevista no n.º 1, o trabalhador é integrado em posição remuneratória automaticamente criada para o efeito, cujo montante remuneratório corresponderá ao valor mensal que o mesmo auferia multiplicado por 12, correspondente aos meses de serviço efetivo, e dividido por 14, correspondente às prestações mensais devidas.”
A retribuição da autora foi calculada, nos termos da cláusula quarta do contrato de trabalho por tempo indeterminado por si assinado.
Alega a autora que o teor da tal cláusula contende com a proibição de redutibilidade da retribuição consagrado no artigo 129.º, alínea d) Código do Trabalho e a ré que o posicionamento salarial se deve fazer em conformidade com o artigo 5.º do Regulamento, por decorrência, também do princípio da igualdade.
O princípio da irredutibilidade da retribuição é uma garantia do trabalhador e consubstancia uma proibição do empregador.
Apesar de a autora ter assinado o contrato, o certo é que o cálculo foi feito nos termos da cláusula do seu Regulamento, pelo que se trata de um ato unilateral da ré.
Sendo o montante pago à autora como bolsa verdadeira retribuição (258.º, n.º 3), ela foi periódica (paga em períodos certos) e regular (258.º, n.º 2).
Por outro lado, nem dos contratos de bolseiro ou de bolsa de investigação resulta que a atividade desenvolvida pela autora e pela qual tais valores lhe foram pagos fosse calculada em função do tempo.
Com efeito, nem na sua causa de pedir a autora gizou o seu enquadramento salarial por referência ao cálculo do tempo de trabalho por nem a Lei n.º 40/2004, de 18 de agosto (Estatuto do bolseiro de investigação), contém qualquer referência ao período de atividade (designadamente com conteúdo equiparável ao de período normal de trabalho) a desenvolver.
Assim, não se alcança a redução salarial, inerente à chamada “garantia da irredutibilidade da retribuição” (129.º, n.º 1, al. d) do CT), ou proibição de regressão salarial, que só se pode aferir pelos cânones do tempo de trabalho (assim não ocorrendo, v.g. se por acordo houver modulação dos tempos de trabalho – neste sentido, Pedro Romano Martinez, PDT, 2021 (II), p. 263-279).
Em sentido divergente deste entendimento aponta o sumário do acórdão do STJ de 11-09-2024, proc. n.º 1492/20.7T8VNG.P1.S1.
Tal sumário não consta como elaborado pelo Relator (não integrando o acto decisório, que é colegial) e no caso nele apreciado – ao invés do que sucede nos presentes autos - a retribuição inicialmente contratada não sofrera alteração, nele se discutindo a integração salarial do AE, o que não permite extrapolar para os presentes autos a solução nele alcançada e como consta do sumário.
Também do n.º 2 do artigo 14.º da Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro, o que consta é que «de acordo com a legislação laboral, o reconhecimento formal da regularização, produzida por efeito da lei, não altera o valor das retribuições anteriormente estabelecido com a entidade empregadora em causa quando esta era parte do vínculo laboral preexistente».
À data da regularização o valor de retribuição estabelecido fora de € 2000, até 2010, e € de 1450 a partir de outubro de 2013.
A ré enquadrou a autora e calculou a retribuição por referência à última retribuição (€ 1450), multiplicada por doze e dividida por catorze (€ 1450/14*12= € 1242,86).
Operação que, como defende a autora, diminuiria o valor da retribuição anteriormente por esta auferida o que era vedado pela Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro, não tendo o Regulamento em que a ré definiu tal critério força normativa que possa desautorizar o enquadramento da Lei – artigo 112.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Efetivamente, se nada nos contratos de bolsa estava previsto quanto à perceção de uma quantia anual, mas, ao invés, de uma quantia designada de «bolsa» paga, com regularidade, mensal, e nada se previa o pagamento de subsídios férias e de Natal, só devidos com o contrato de trabalho, não se alcança que as partes hajam querido aquela retribuição os integrasse.
Nem o enquadramento pode ser justificado pelo princípio da igualdade.
O princípio da igualdade, consagrado na Constituição da República Portuguesa (CRP), é um princípio estruturante do sistema de direitos fundamentais, encontrando-se refletido no conteúdo da maioria dos restantes direitos de liberdade e direitos sociais: na sua vertente negativa, presente no n.º 1 do artigo 13.º da Lei Fundamental proíbe discriminações arbitrárias de caráter favorável (privilégios) ou desfavorável (tratamentos desiguais desfavoráveis); na vertente positiva convoca a obrigação de “tratar igualmente o que é igual e desigualmente o que é diferente”.
Concebe-se que a ré, por respeito da unidade do sistema jurídico, pretendesse harmonizar as carreiras dos trabalhadores em funções públicas e do regime privado que foi regularizado com o PREVPAP, mas a igualdade (artigos 13.º da CRP e 24.º do CT) não se parametriza em situações não equiparáveis, como o vínculo do trabalho, subordinado, de direito privado e o de contrato de trabalho em funções públicas.
São assim devidas as diferenças de retribuição entre as quantias que lhe foram pagas e as que resultem da retribuição que autora tenha direito com o reposicionamento remuneratório da autora desde 1 de fevereiro de 2019, considerando a retribuição, a esta data, de € 1450 (mil, quatrocentos e cinquenta euros).
E as diferenças entre as retribuições que lhe pagou nos meses de maio de 2024 até ao momento em que fixar a retribuição base da autora em € 2.000.
A que acrescerão os subsídios de férias e de Natal (artigos 263.º e 264.º, n.º 2, do CT).
Todos a liquidar em execução de sentença, já que tal posicionamento não resultou apurado e pelos montantes, máximos, peticionados, de € 45 335,95 (diferenças entre fevereiro de 2019 e março de 2024); € 33.282,99 (subsídios de férias e de Natal de 2010 a 2018) e € 7.555,53 (subsídios de férias e de Natal de 2010 a 2018) – artigo 609.º do CPC.»
Vejamos.
Concordamos com a sentença recorrida ao considerar que a relação laboral teve início em 06.09.2010.
Numa situação similar à dos presentes autos, foi proferido Acórdão por este Tribunal da Relação em 14.09.2022 (relatado pela ora relatora) no âmbito do processo nº 20152/21.5T8LSB.L1.
Refere o citado Acórdão:
«Sobre a questão em apreço resulta do Acórdão da Relação de Guimarães de 03.02.2022 (relatora Desembargadora Vera Sottomayor ) – www.dgsi.pt:
«I- No âmbito do PREVPAP não podia a Universidade... ter optado por fixar a retribuição da trabalhadora com referência ao valor por aquela auferido em 2017, nele se incluindo os subsídios de férias e de natal, por tal se traduzir numa diminuição da sua retribuição que não é admitida nem pelo art.º 14.º n. 3 da lei n.º 112/2017, de 29/12, nem pelos mais elementares princípios de direito laboral que proíbem a diminuição da retribuição, excepto nos casos previstos na lei ou nos instrumentos de regulação colectiva do trabalho, nos termos do art.º 129.º nº1 al. d) do Cód. do Trabalho e que impõe que a retribuição seja acrescida dos subsídios de férias e de natal.
II – Tendo por certo que com a regularização dos vínculos precários o legislador não pretendeu a criação de novas relações laborais, mas o reconhecimento da pré existente, é de considerar que a antiguidade da Autora deve retroagir ao início das suas funções, e consequentemente são devidos os subsídios de férias e de natal desde o início da relação contratual, que nunca tendo sido liquidados pela Recorrente terá agora de o fazer.
III – A interpretação e aplicação das normas realizada pelo tribunal a quo não viola o n.º 2 do artigo 47.º da CRP, uma vez a regularização do vínculo da Autora foi efectuada de acordo com o estabelecido no programa PREVPAP (o qual constitui uma excepção à regra da contratação em obediência aos princípios de natureza pública), não impondo este que os critérios de regularização sejam efectuados tendo apenas em conta o período a que alude o art.º 3 da Lei n.º 112/2017, a que acresce o facto do artigo 14.º da referida lei impor que caso se verifiquem os respectivos requisitos se reconheça a existência de contrato de trabalho, que se deverá reportar à data do seu início e não a qualquer outra ficcionada.»
No mesmo sentido apontam os Acórdãos da mesma Relação de 15.06.2021 (relatora Desembargadora Maria Leonor Barroso), de 21.10.2021 (relatora Desembargadora Maria Leonor Barroso) e de 16.12.2021 (relatora Desembargadora Vera Sottomayor) - www.dgsi.pt.
Sobre o mesmo tema refere o Acórdão da Relação de Lisboa de 11.09.2019 proferido no processo nº 930/18.3T8 FNC.L1 (relator Desembargador Sérgio Almeida e no qual intervieram na qualidade de Adjuntas a ora relatora e a Exmª Juiz 1ª Adjunta):
«Decidiu esta Relação, por acórdão de 26.6.19, disponível em www.dgsi.pt (relator Duro Cardoso2), um caso paralelo, transcrevendo-se, com a devida vénia:
"Estabelece o art.º 863º-1 do CC que "o credor pode remitir a dívida por contrato com o devedor", sendo que a remissão de dívida é, "por conseguinte, a renúncia do credor ao direito de exigir a prestação, feita com a aquiescência da contraparte", sendo uma das causas de extinção das obrigações, tendo "como efeito imediato a perda definitiva do crédito, de um lado, e a liberação do débito, pelo outro"- Prof. Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", 3ª ed., Vol. II, pags. 209 e 218.
Ficou provado que autora e ré, a 29/6/2018, celebraram um acordo escrito segundo o qual disseram que “A antiguidade da autora, contada desde 1 de Março de 2014, … será somente considerada para efeitos de desenvolvimento da carreira (...). Temos uma declaração escrita emitida pela A. e pela ré que a fizeram sua ao assiná-la, a qual não foi afastada através da alegação ou prova por parte da autora da existência de falta ou de vícios da vontade susceptíveis de a invalidar, nos termos previstos nos arts. 240º e s. do CC. (...)
Cumpre proceder à sua interpretação. Determina o art.º 236º do CC que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele; porém, sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante é de acordo com ela que a declaração vale.
(...)
Não se está perante um reconhecimento negativo de dívida, o qual é o negócio declarativo pelo qual o possível ou aparente credor reconhece vinculativamente perante a contraparte que certa obrigação não existe, ou porque nunca existiu ou porque foi extinta entretanto - Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, C. Civil Anotado, 2ª ed., II Vol., pág. 136 - pois a declaração constante do da Clª 7ª do contrato de trabalho não consubstancia um reconhecimento de que a obrigação da aqui ré não existe.
Ora o documento reflecte um acordo entre as partes nestes autos, mas tal mais não é do que a implicação necessária da celebração do contrato de trabalho ao abrigo do PREVPAP, como resulta do art.º 13º-1 da Lei PREVPAP, “… Após a integração e o posicionamento remuneratório na base da carreira respectiva, para efeitos de reconstituição da carreira, o tempo de exercício de funções na situação que deu origem à regularização extraordinária releva para o desenvolvimento da carreira, designadamente para efeito de alteração do posicionamento remuneratório…”.
Ou seja, a consequência da referida Clª 7ª do contrato já resultava, ope legis da Lei PREVPAP como uma das consequências decorrentes daquele art.º 13º, até sem necessidade que a mesma, ou as mesmas, constassem do teor do contrato de trabalho celebrado.
Porém, em tal cláusula, A. e R. acrescentaram algo que a Lei não contempla, dizendo que “… será somente considerada para efeitos de desenvolvimento de carreira …”.
Acontece que sendo a Lei PREPAP de carácter imperativo, não podiam A. e ré estipular quaisquer cláusulas limitativas dos seus efeitos, sob pena de nulidade, porque contrária à lei, nulidade que, como se sabe, é de conhecimento oficioso nos termos dos arts. 280º-1 e 286º do CC.
É assim nula a parte da Clª 7ª do contrato de trabalho de 29/6/2018 onde consta que “somente” será considerada a antiguidade para efeitos de desenvolvimento de carreira. E sendo nula, a restrição constante do contrato de trabalho, não produz quaisquer efeitos.
Ainda que assim não fosse e a Clª 7ª fosse integralmente válida, e pudéssemos configurar a situação jurídica como uma remissão abdicativa por parte da autora, haveria de se considerar a validade de tal renúncia, isto porque, como se viu, havendo reconhecimento da existência de um contrato de trabalho desde 1/3/2014, por força da Lei PREVPAP, aquando da declaração da renúncia, estava-se em plena vigência de um contrato de trabalho entre autora e ré. E, como é sabido, a retribuição do trabalhador, durante a vigência do contrato de trabalho, é considerado direito indisponível, estando a disponibilidade do mesmo retirada da sua vontade (art.º 97º da LCT) (v. a propósito, Dr. João Leal Amado, A Protecção do Salário, Coimbra, 1993, pag. 214 e 215).
Portanto, ainda que a Clª 7ª contratual fosse totalmente válida, a autora não podia renunciar a quaisquer direitos de carácter remuneratório".
*
Acompanhamos estes considerandos. Efetivamente, o contrato ora celebrado, em obediência ao regime do PREVPAP, acaba por ir para além dele, contrariando-o ao limitar os seus efeitos meramente ao desenvolvimento da carreira, não obstante o desiderato da Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro, ser a regularização extraordinária dos vínculos precários. Esta limitação meramente ao desenvolvimento da carreira deixa de lado outras vertentes, nomeadamente os eventuais créditos que o trabalhador deva perceber face aos termos da atividade entretanto prestada, sem que se encontra cobertura na lei. Impõe-se, pois, a conclusão de que tal limitação atinge a imperatividade da lei, não podendo, pois, subsistir.
Por outro lado, mais do que ter sido virtualmente imposta sem uma negociação livre prévia, como defende o A., também não oferece dúvidas de que tal perda redunda numa disposição de retribuições na pendência da relação de trabalho subordinado, quando tais créditos alimentares são indisponíveis, pelo que não poderia, de todo o modo, o trabalhador deles dispor (de que é afloramento o n.º 1 do art.º 337 do Código do Trabalho). Relação que existia, como as partes acabam por reconhecer face aos termos do PREVPAP e da factualidade referida nos n.º 6 e 7 dos factos assentes.
Assim, entendemos que o recurso merece provimento nesta parte, não podendo dar-se por verificada a remissão abdicativa do crédito.»
Ainda sobre a mesma questão resulta da síntese do Acórdão desta Relação de 18.12.2019 proferido no âmbito do processo nº 3678/18.5 T8FNC.L1 (relatado pela Desembargadora Maria José Costa Pinto e no qual a ora relatora teve intervenção na qualidade de 2ª Adjunta):
«I – Sendo a Lei n.º 112/2017, de 29 de Dezembro, que estabelece o programa de regularização extraordinária dos vínculos precários de carácter imperativo, não podem as partes estipular quaisquer cláusulas limitativas dos seus efeitos, sob pena de nulidade.
II – É nula a parte da cláusula do contrato de trabalho celebrado ao abrigo do PREVPAP de onde conste que a antiguidade indicada na lista definitiva de situações de precaridade (a que se refere o artigo 3.º da Portaria 163/2018, de14 de Maio da RAM), "somente" será considerada para efeitos de desenvolvimento de carreira.
III – Durante a vigência do contrato de trabalho, o direito à retribuição do trabalhador é de natureza indisponível.»
Retornando ao caso em apreço, entendemos que no âmbito da presente acção declarativa pode ser reconhecida a data do início da relação laboral que vigora entre as partes.
Ora, o PREVPAP visa o reconhecimento de uma situação pré-existente, pelo que a data do início do contrato não poderia ser a fixada no acordo de 13.03.2019 (01.04.2019).
O referido acordo viola, desta forma, normas imperativas do PREVPAP e, quanto ao segmento da cláusula 1ª referente à data do início do contrato, está ferido de nulidade.
Face aos factos provados sob 23 e 24 e à luz dos arts. 10º e 12º do CT de 2003 (na redacção dada pela lei nº 9/2006, de 20 de Março) deveremos concluir que a A. prestava trabalho por conta da R., de forma subordinada, desde 09.10.2006.
Atento o disposto no art.º 14º, nº2 da lei nº 112/2017, de 29/12 e o princípio da irredutibilidade da retribuição consagrado nos arts. 122º, d) do CT de 2003 e 129.º nº1 al. d) do Cód. do Trabalho, dever-se concluir que a A. tem direito à retribuição peticionada, a que acrescem, nos termos dos arts. 254º e 255º do CT de 2003 e dos arts. 263º e 264º do CT de 2009, os subsídios de Natal e de férias.
Assim e uma vez que estamos no âmbito dos direitos indisponíveis, o segmento da cláusula 4ª que fixou em 1.201,48€ a remuneração mensal ilíquida da A. está ferido de nulidade.»
Este Acórdão foi confirmado pelo Acórdão do STJ de 08.03.2023- www.dgsi.pt.
Resulta da súmula do referido Acórdão do STJ (relatado pelo Conselheiro Ramalho Pinto):
«I-O Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos Precários na Administração Pública e sector empresarial do Estado (PREVPAP) não cria vínculos laborais, antes regulariza situações (precárias) preexistentes;
II- Estando a Autora ligada por contrato de trabalho à Ré desde data anterior à celebração formal desse contrato, a antiguidade da Autora deve retroagir ao início das suas funções, sendo que são devidos os subsídios de férias e de Natal desde o início da relação contratual, e está ferido de nulidade, por violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, o segmento da cláusula que fixou a remuneração mensal ilíquida da Autora em montante inferior ao que vinha auferindo desde aquele início.»
Refere ainda o citado Acórdão do STJ:
«Estabelece-se no art.º 14º, nº 1, al. b) e nº 2 da Lei nº 112/2017:
Artigo 14.º
Entidades abrangidas pelo Código do Trabalho
1 - Em órgãos, serviços ou entidades abrangidos pelo n.º 1 do artigo 2.º, tratando-se de relações laborais abrangidas pelo Código do Trabalho, a homologação, pelos membros do Governo competentes, dos pareceres das CAB das respetivas áreas governamentais que identifiquem situações de exercício de funções que satisfaçam necessidades permanentes, sem vínculo jurídico adequado e, no setor empresarial local, a decisão da respetiva câmara municipal nos termos do n.º 4 do artigo 2.º, obriga as mesmas entidades a proceder imediatamente à regularização formal das situações, conforme os casos e nomeadamente mediante o reconhecimento:
(...)

b) Da existência de contratos de trabalho, nomeadamente por efeito da presunção de contrato de trabalho, e por tempo indeterminado por se tratar da satisfação de necessidades permanentes;
(...)

2 - De acordo com a legislação laboral, o reconhecimento formal da regularização, produzida por efeito da lei, não altera o valor das retribuições anteriormente estabelecido com a entidade empregadora em causa quando esta era parte do vínculo laboral preexistente.
Este nº 2 mais não é do que o acolhimento do princípio da irredutibilidade da retribuição a que alude o art.º 129.º, nº 1, al. d), do Código do Trabalho.
Por outro lado, não colhe a argumentação da Recorrente da aplicabilidade do art.º 12º da Lei nº 112/2017 (órgão ou serviço de administração pública a que é aplicável a Lei Geral do trabalho em funções públicas), já que se deve ter em conta o seu art.º 14º - situação que implica a celebração de contrato individual de trabalho.
Estando definitivamente assente que que a Autora prestava trabalho por conta da Ré, de forma subordinada, desde 09.10.2006, não é minimamente defensável, antes tal é proibido por lei, que a mesma Autora não tenha direito à retribuição peticionada, incluindo os subsídios de Natal e de férias.
E é inquestionável a afirmação do acórdão recorrido de que estão feridos de nulidade quer o segmento da cláusula 1ª referente à data do início do contrato, por ir contra normas imperativas do PREVPAP, quer o segmento da cláusula 4ª que fixou em 1.201,48€ a remuneração mensal ilíquida da A., por violar o princípio da irredutibilidade da retribuição.»
Apontam no mesmo sentido o Acórdão do STJ de 11.09.2024 (relatado pelo Conselheiro Domingos Morais) e o Acórdão desta Relação de 23.10.2024 (relatado pela Desembargadora Maria José Costa Pinto) - www.dgsi.pt.
As razões indicadas no citado Acórdão desta Relação de 14.09.2022 aplicam-se ao caso vertente, sendo certo que a destrinça efectuada pelo Tribunal a quo entre os valores auferidos pela recorrida de Setembro de 2010 a Setembro de 2013 e os valores auferidos a partir de Outubro de 2013 não foi objecto de recurso.
Dos factos provados não resultam elementos que nos permitam concluir pela violação do princípio de igualdade, sendo ainda igualmente certo que no caso em apreço a situação jurídica da ora recorrida foi abrangida pelo PREVPAP que visou a regularização de vínculos laborais pré-existentes.
In casu são nulos os segmentos das cláusulas do contrato de trabalho celebrado ao abrigo do PREVPAP onde constam uma retribuição mensal ilíquida da A. inferior à auferida antes da celebração de tal acordo e uma data posterior à celebração do mesmo acordo como data do início do contrato.
Improcede, desta forma, o recurso de apelação.
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IV- Decisão
Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.

Lisboa, 14 de Maio de 2025
Francisca Mendes
Alves Duarte
Eugénia Maria Guerra
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1. As expressões “parte integrante deste contrato” estavam, por manifesto lapso, repetidas.
2. Com Albertina Pereira e Leopoldo Soares.