Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2333/21.3T8CSC-A.L1-8
Relator: TERESA SANDIÃES
Descritores: ACTOS DAS PARTES
APRESENTAÇÃO A JUÍZO DOS ACTOS PROCESSUAIS
APRESENTAÇÃO DE CONTESTAÇÃO
REQUERIMENTO ANEXADO A FORMULÁRIO
DESCONFORMIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: –A apresentação de um requerimento anexado a um formulário que se destina a juntar uma contestação, sendo esta a peça processual que se pretendia juntar, não constitui desconformidade, nos termos do artº 7º, nº 2 da Portaria nº 280/2013, de 26/08, porquanto não se cinge a vício entre conteúdos de formulário e de peça processual (o que pressupõe que o ficheiro anexado é aquele que se pretendia juntar).

–O invocado erro de anexação informático para justificar a apresentação da contestação depois de esgotado o respectivo prazo peremptório (preclusivo) não é susceptível de rectificação ao abrigo do artº 146º, nº 2 do CPC, pois nesta norma estão previstos vícios formais de actos praticados. Não é qualquer vício (formal) do articulado da contestação que se pretende rectificar, antes substituir o requerimento apresentado que, em si, não padece de qualquer vício, pela contestação.


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa



MF intentou ação declarativa contra FS.

O R. foi citado em 19/07/2021, beneficiando da dilação de 5 dias.

Por requerimento de 06/10/2021, o R. juntou aos autos um formulário, com a refª 40049295, nele identificando que a peça processual que se submetia era o articulado de contestação. No formulário consta, ainda, que se anexa a contestação (1 pág.), bem como os documentos nº 9, 10, 11, 12, 13, 13 A, 14 e 14 A, e o comprovativo de pagamento, DUC.

Com o referido formulário não foi junta a contestação, mas um requerimento do seguinte teor:
“FS, contribuinte fiscal número …, com domicílio na Rua …, Réu nos autos acima identificados em que é A. MF, tendo junto com a sua contestação catorze documentos, os quais excediam o tamanho permitido na plataforma citius, vem juntar aos autos os documentos 9 a 14 com a contestação e procuração forense a favor do subscritor.
Junta: procuração, documentos 9 a 14, DUC e comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial.”

No mesmo dia 06/10/2021, o R. juntou aos autos formulário, sob a referência 40049411, com um requerimento para junção dos documentos 9 a 14 com a contestação e procuração forense a favor do subscritor, por os mesmos excederem a capacidade de 10 MB da plataforma citius.

Em 02/11/2021 foi proferido o seguinte despacho:
“Não tendo sido junta a contestação, mormente o R. ter declarado que a havia apresentado, notifique-se o mesmo a fim de requerer o que tiver por conveniente, no prazo de dez dias.”

Em 04/11/2021 o R. apresentou requerimento do seguinte teor:
1.– No dia 6 de outubro R. pretendia juntar aos autos a sua contestação juntando 14 documentos com a mesma;
2.– Sucede que por lapso do subscritor da presente peça processual aquando da junção da contestação, por lapso, foi feito o upload do requerimento de junção dos documentos 9 a 14, lapso pelo qual se penitencia, querendo naturalmente juntar o articulado em causa e a junção dos documentos 1 a 8.
3.– O próprio ficheiro pdf da contestação tem como data de criação o dia 29.09.2021.
Face ao exposto, requer a V. Exa. se digne admitir a junção aos autos da contestação que se envia em anexo e respetivos documentos 1 a 9.
Junta: contestação e documentos 1 a 8.”

Com este requerimento o R. juntou, além do mais,  a peça processual “contestação”, constando do respetivo formulário que se trata de documento com 21 páginas, o que se mostra coincidente com o ficheiro denominado contestação.

Notificada para se pronunciar sobre o referido requerimento a A. pugnou pelo desentranhamento da contestação, por extemporaneidade.

Por requerimento de 16/11/2021 o R. pugnou pelo indeferimento do desentranhamento da contestação nos seguintes termos:
1.–O próprio mandatário da A. reconhece que em 06.10.2021 são juntos aos autos dois requerimentos juntado diversos documentos.
2.–O que comprova a existência de um lamentável lapso de upload dos ficheiros pdf para a plataforma citius.
3.– O R. em vez de fazer o upload da contestação fez duas vezes o upload dos documentos, quando o que queria fazer era o upload da contestação com os documentos 1 a 8 e um segundo requerimento com os demais documentos com a mesma juntos.
4.–A A. pretende agora o desentranhamento da contestação por extemporânea.
5.–Mas, como resulta do invocado, tratou-se de um mero erro material e não de qualquer expediente do R. para dilatar ardilosamente o prazo de contestação, citando extensa jurisprudência sobre o justo impedimento.
6.– O R. identificou a peça processual como contestação.
7.–O R. efetuou o pagamento da taxa de justiça devida (DUC 702280078550068) com a contestação ter sido paga dias antes do dia 06.10.2021, precisamente no dia 02.10.2021.
8.– O R. ficou convencido da entrada em juízo da contestação no dia 06.10.2021, bem como de todos os documentos que com esta pretendeu juntar.
9.–Trata-se de uma situação de erro material, de lapso informático que, logo que conhecido, foi prontamente retificado pelo R.
10.–Tratou-se, pois, de um evidente erro material o que a lei permite que sejam retificados a todo o tempo e nada mais do que isso.
11.–Como resulta do sumário do Acórdão do Tribunal da Relação proferido no âmbito do processo 493/09.0TCFUN.L1-1: «Segundo uma orientação jurisprudencial praticamente pacífica, mercê do disposto no art. 295º do mesmo diploma, o princípio contido no art. 249º do Cód. Civil - rectificação de lapso manifesto - é aplicável a todos os actos processuais e das partes.
2.- Consequentemente, como o requerimento de interposição de recurso constitui uma autêntica declaração de vontade da parte visando produzir determinados efeitos processuais, é-lhe aplicável o princípio contido no artigo 249º do Código Civil, segundo o qual o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, dá direito à rectificação desta.
3.- De qualquer modo tal erro só pode ser rectificado (ao abrigo do cit. art. 249º do Código Civil) se for ostensivo, evidente e devido a lapso manifesto: é preciso que, ao ler o texto logo se veja que há erro e logo se entenda o que o interessado queria dizer.»
12.– Tal é o caso dos presentes autos em relação à contestação apresentada, tratou-se de um lapso ostensivo, evidente e manifesto, resultando claramente da junção aos autos dos documentos no dia 06.10.2021 e do pagamento da taxa de justiça no dia 02.10.2021 que o que o R. pretendia fazer era o upload da peça processual que depois o veio a fazer logo que verificou o lapso no upload efetuado.
13.– Nas propriedades do próprio ficheiro do pdf da contestação, a data do sistema que dele consta como data de criação é o dia 06.10.2021, data esta que não pode ser alterada:
14.–O próprio ficheiro pdf da contestação tem como data de criação o dia 29.09.2021:
15.–Salvo o devido respeito, só admitindo-se retificada a situação ocorrida com o lapso do upload do ficheiro se garante o contraditório nos presentes autos garantindo efetivamente o seu direito de defesa (cf. artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa) com a admissão da junção da contestação aos autos.
16.–Nos termos do disposto nos artigos 7º e 8º do CPC, as partes devem agir de boa fé e cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio, o que só se verificará com a retificação do lapso ocorrido com a troca do ficheiro a anexar ao formulário identificado como contestação e a admissão aos presentes autos da contestação apresentada pelo R., o que respeitosamente se requer. “

Em 14/12/2021 foi proferido despacho com o seguinte teor:
“(…) O Réu foi citado a 19-07-2021, tendo o prazo de 30 dias, acrescido de mais 5 dias por o AR ter sido assinado por terceira pessoa, para deduzir contestação, prazo este que terminou a 6-10-2021.
Nesta data o R. juntou documentos, assim como declarou juntar a contestação, pese embora tal peça processual não tenha sido junta.
Verifica-se que o ficheiro pdf da contestação tem como data de criação o dia 29.09.2021, a 6-10-2021 o R. identificou a peça processual como contestação, e efetuou o pagamento da taxa de justiça devida (DUC 702280078550068) no dia 02.10.2021.
Resulta, do exposto, que a falta de junção da contestação a 6-10-2021 se tratou de mero lapso do Ilustre Mandatário do R., motivo pelo qual se entende dever ser admitida a contestação.
Ademais, a não admissão da contestação implicaria para o R. a confissão dos factos articulados na p.i. (art. 567º, n.º 1 do CPC), quando é certo que este os veio impugnar, colocando-o numa posição processual que lhe é claramente prejudicial, violando-se o princípio de que o processo deve ser equitativo para ambas as partes.
Pelo exposto, e nos termos do art. 547º do CPC, admite-se a contestação apresentada pelo R., e demais documentos juntos.
Notifique, bem assim a A. para, querendo, deduzir resposta às exceções invocadas, em 20 dias.”

A A. interpôs recurso deste despacho, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
a)-Apenas a existência de justo impedimento pode sanar a ultrapassagem de um prazo peremptório, como é o caso da contestação, atento o disposto nos arts. 139°. n°s 3 e 4 do Cod. Proc. Civil, não sendo a figura do “mero lapso" atendível ou legalmente enquadrada, até por se tratar de uma situação de negligencia, excluída do justo impedimento;
b)-A não entrega de um articulado dentro do prazo é, para efeitos de consideração legal, imputável á parte, não podendo ser considerado um motivo justificativo de apresentação tardia da contestação, sob pena de se gerar uma diferenciação de tratamento das partes no processo;
c)-Nem a alegação de que o ficheiro contendo o articulado estar criado em momento anterior ao termo do prazo constitui elemento a ter em conta, quer por a data de um ficheiro poder ser alterada, quer por o facto do ficheiro supostamente existir não significa que é dado cumprimento á obrigação de juntar o mesmo aos autos;
d)-A sentença recorrida, salvo melhor opinião, violou os comandos e princípios legais assinalados nas presentes conclusões de recurso.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida, com as legais consequências, por ser de JUSTIÇA!”

O R. apresentou contra-alegações, terminando com as seguintes conclusões, que se reproduzem:
1.–Vem o presente recurso interposto do despacho proferido em 14.12.2021 sob a referência 134326736 o qual «dever ser admitida a contestação. Ademais, a não admissão da contestação implicaria para o R. a confissão dos factos articulados na p.i. (art. 567º, n.º 1 do CPC), quando é certo que este os veio impugnar, colocando-o numa posição processual que lhe é claramente prejudicial, violando-se o princípio de que o processo deve ser equitativo para ambas as partes.
Pelo exposto, e nos termos do art. 547º do CPC, admite-se a contestação apresentada pelo R., e demais documentos juntos.».
2.–Dispõe o art. 547º do Código de Processo Civil que «O juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo.».
3.–Entendeu, e bem, o Tribunal a quo que, em face da especificidade dos factos alegados e provados pelo Recorrido, adaptar a tramitação processual por forma a admitir a contestação junta aos autos porquanto, e só assim, estaria assegurada a equidade processual nos presentes autos.
4.–Constitui prorrogativa do juiz recorrer ao princípio da adequação formal sempre e quando existam razões manifestamente ponderosas que justificam impedir a existência de uma injustiça clamorosa material do equilíbrio das posições das partes.
5.–Vejamos, nos presentes autos o Recorrido foi citado a 19-07-2021, tendo o prazo de 30 dias, acrescido de mais 5 dias por o AR ter sido assinado por terceira pessoa, para deduzir contestação, prazo este que terminou a 6-10-2021.
6.–No dia 06.10.2021, o R. aqui Recorrido, sob a referência 19623942 juntou aos autos um formulário nele identificando que a peça processual junta ao processo era o articulado de contestação, mais identificado o DUC correspondente ao pagamento da taxa de justiça devida com a apresentação da mesma.
7.–A data de pagamento da taxa de justiça inicial foi o dia 02.10.2021.
8.–O próprio pdf junto com o formulário denominava-se contestação.
9.–Nesse mesmo dia 06.10.2021, o Recorrido juntou aos autos, sob a referência 19623943, um requerimento juntando os documentos 9 a 14 juntos com a petição inicial por os mesmos excederem a capacidade de 10 MB da plataforma citius.

10.–Por despacho de 02.11.2021, sob a referência 133606047, o Meritíssimo Juiz a quo notifica o Recorrido do seguinte despacho: «Informando V. Exa. ter agora constatado que da contestação apresentada, apenas constam documentos, não tendo a parte apresentado o respetivo articulado.».

11.–Logo no dia 04.11.2021, verificando que o ficheiro denominado contestação era afinal o requerimento de junção de documentos com a contestação, o recorrido prontamente informou o Tribunal a quo que: «por lapso do subscritor da presente peça processual aquando da junção da contestação, por lapso, foi feito o upload do requerimento de junção dos documentos 9 a 14, lapso pelo qual se penitencia, querendo naturalmente juntar o articulado em causa e a junção dos documentos 1 a 8.».
12.–Com este requerimento junta imediatamente, em 04.11.2021, aos autos o articulado de contestação e os documentos 1 a 8, sob a referência 19813536.
13.–Face à posição da Recorrente, o Recorrido informou os autos do seguinte: «O próprio mandatário da A. reconhece que em 06.10.2021 são juntos aos autos dois requerimentos juntado diversos documentos; O que comprova a existência de um lamentável lapso de upload dos ficheiros pdf para a plataforma citius; O R. em vez de fazer o upload da contestação fez duas vezes o upload dos documentos, quando o que queria fazer era o upload da contestação com os documentos 1 a 8 e um segundo requerimento com os demais documentos com a mesma juntos; como resulta do invocado, tratou-se de um mero erro material e não de qualquer expediente do R. para dilatar ardilosamente o prazo de contestação; o R. identificou a peça processual como contestação; o R. efetuou o pagamento da taxa de justiça devida (DUC 702280078550068) com a contestação ter sido paga dias antes do dia 06.10.2021, precisamente no dia 02.10.2021; o R. ficou convencido da entrada em juízo da contestação no dia 06.10.2021, bem como de todos os documentos que com esta pretendeu juntar; trata-se de uma situação de erro material, de lapso informático que, logo que conhecido, foi prontamente retificado pelo R. o que a lei permite que sejam retificados a todo o tempo e nada mais do que isso.»
14.–Demonstrou o Recorrido nos autos que nas propriedades do próprio ficheiro pdf da contestação, a data do sistema que dele consta como data de criação é o dia 06.10.2021 e, mais, que o próprio ficheiro pdf da contestação tem como data de criação o dia 29.09.2021, datas estas que não podem ser alteradas e podem ser confirmadas na própria plataforma citius.
15.–Mais alegou o Recorrido que «Só admitindo-se retificada a situação ocorrida com o lapso do upload do ficheiro se garante o contraditório nos presentes autos garantindo efetivamente o seu direito de defesa (cf. artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa) com a admissão da junção da contestação aos autos.».
16.–Nos termos do disposto nos artigos 7º e 8º do CPC, as partes devem agir de boa fé e cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio, o que só se verificará com a retificação do lapso ocorrido com a troca do ficheiro a anexar ao formulário identificado e denominado como contestação.
17.–Estamos perante uma situação de prática de um ato processual por via eletrónica ao abrigo do dispositivo processual civil que introduziu esta modalidade de prática de atos através de uma plataforma informática própria para o efeito e que veio facilitar a tramitação processual nos Tribunais portugueses de forma inovadora, embora não isenta de eventuais erros que não podem deixar de ser considerados erros meramente materiais.
18.–O lapso ou erro material passou a ter necessariamente um novo contexto, o da possibilidade de existirem erros informáticos por factos não imputáveis à parte ou aos seus mandatários.
19.–Atualmente o regime da prática de atos processuais por via eletrónica é regulamentado pela Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, que veio revogar a Portaria n.º 114/2008, de 6 de fevereiro, na redação que lhe foi dada pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09.

20.–Dispõe o nº 2 do art. 7º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, dispõe: «Em caso de desconformidade entre o conteúdo dos formulários e o conteúdo dos ficheiros anexos, prevalece a informação constante dos formulários, ainda que estes não se encontrem preenchidos.» - sendo que o formulário junto aos autos em 06-10-2021 denominava-se contestação.

21.–Pode ler-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.º 576/10.4TJLSB-8, 25.11.2010 que: «Na verdade, o n.º 2 do seu art.º 6.º [da Portaria n.º 114/2008, 06.02], ao aludir à prevalência do conteúdo dos formulários, no caso da sua desconformidade com o conteúdo de ficheiros anexos a tais formulários, visa explicitar o funcionamento automático do próprio sistema informático ou o processamento automático dos actos processuais praticados através dele, não contendo, no entanto, qualquer sanção processual para a parte que praticou essa desconformidade, nem qualquer preclusão de direito processual dela.».
22.–Em sentido próximo, cfr. Ac. da RL de 18/02/2010, proc. nº 6/09, Relator Desembargador Luís Correia Mendonça e da RG de 11/05/2010, proc. nº 5834/09, Relator Desembargador Pereira da Rocha, ambos disponíveis em www.dgsi.pt: «Tal não obsta a que a parte, tomando conhecimento de divergência resultante de lapso entre a identificação das partes constantes do formulário ou da petição inicial, possa vir requerer ao juiz a correcção do lapso material, nos termos do art.249º do Código Civil, aplicável aos articulados, como há muito vem sendo aceite pela doutrina e pela jurisprudência.».

23.–E conclui: «Ora se assim é, por identidade de razão se deve entender que o juiz, verificando existir desconformidade entre o teor do formulário e a peça processual junta em anexo, em que se revele do contexto desta que houve lapso material no preenchimento do formulário, deve admitir a rectificação do lapso ou erro material, nos termos do art.249º do Código Civil e ordenar o prosseguimento dos autos em conformidade. Qualquer outra interpretação imporia um excessivo prejuízo para as partes, contrario ao espírito de simplificação e desburocratização do processo que a implantação do CITIUS visou permitir.».
24.–A Recorrente não impugnou a veracidade de nenhum dos factos invocados pelo Recorrido em justificação do ocorrido, sem se justificar no justo impedimento por aqui não ser aplicável, dai ter o Tribunal a quo concluído e bem: «Verifica-se que o ficheiro pdf da contestação tem como data de criação o dia 29.09.2021, a 6-10-2021 o R. identificou a peça processual como contestação, e efetuou o pagamento da taxa de justiça devida (DUC 702280078550068) no dia 02.10.2021. Resulta, do exposto, que a falta de junção da contestação a 6-10-2021 se tratou de mero lapso do Ilustre Mandatário do R., motivo pelo qual se entende dever ser admitida a contestação.».
25.–O Tribunal a quo considerou, e bem, ter existido um lapso manifesto que careceria de ser considerado, sob pena de a não admissão da contestação comprovadamente atempada implicar «para o R. a confissão dos factos articulados na p.i. (art. 567º, n.º 1 do CPC), quando é certo que este os veio impugnar, colocando-o numa posição processual que lhe é claramente prejudicial, violando-se o princípio de que o processo deve ser equitativo para ambas as partes.».
26.–Bem este esteve, igualmente, o Tribunal a quo a sustentar a sua decisão no princípio de que o processo deve ser equitativo para ambas as partes “que impõe o equilíbrio entre as partes ao longo de todo o processo, na perspectiva dos meios processuais de que dispõem para apresentar e fazer vingar as respectivas teses e que exige a identidade de faculdades e meios de defesa processuais.”
27.–O processo equitativo (art. 20º, nº 4, da Constituição da República) deve entender-se, segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, “não só como um processo justo na sua conformação legislativa (exigência de um procedimento legislativo devido na conformação do processo), mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais” (Constituição da República Portuguesa anotada, vol. I, 4ª ed., 2007, p. 415).
28.–A não admissão de uma contestação decorrente do lapso de denominação de um ficheiro e upload desse ficheiro para a plataforma citius, o qual se expressamente denominou de contestação, pagando-se antecipadamente a respetiva taxa de justiça, ofende claramente o direito do Recorrido a que a causa seja decidida mediante processo equitativo, sendo que o facto não é culposamente imputável à parte.

29.–Pode ler-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo n.º 590/14.0T8VCT-B.G1, de 01.10.2015: «acrescenta o n.º 2 do art. 146º C.P. Civil que deve o juiz admitir, a requerimento da parte, o suprimento ou a correcção de vícios ou omissões puramente formais de actos praticados, desde que a falta não deva imputar-se a dolo ou a culpa grave e o suprimento ou a correcção não implique prejuízo relevante para o regular andamento da causa.».
30.–E continua afirmando: «a falta de apresentação de uma contestação fora do prazo implica, por regra, as consequências da revelia (reconhecimento dos factos articulados pelo autor). Por este motivo, o Tribunal da Relação de Lisboa (cfr. Ac. de 28.04.2009, disponível em www.dgsi.pt) alertou que não se pode adoptar um critério que abra a porta a todos os desleixos e que desculpe todas as imprevidências pois que isso seria a negação e subversão de toda a disciplina processual relativa a prazos.».
31.–Mas reconhecendo: «Mas, por outro lado, não se deve cair no extremo oposto, fechando-se a porta a todos os obstáculos que possam surgir à prática atempada dos actos. Isto é, há que encontrar o justo equilíbrio entre as duas tendências opostas.».
32.–A lei processual, com introdução desta norma, prossegue uma das concretizações do proclamado primado da substância sobre a forma e do justo equilíbrio que deve ser alcançado com a aplicação dos princípios que regem o processo civil.
33.–A boa fé deve reger a atuação das partes em juízo, foi em cumprimento deste princípio que o Recorrido atuou, esclareceu e provou que o ato era atempado não fosse um mero erro informático e aqui deve entrar neste raciocínio, por via da do princípio do processo equitativo, o justo equilíbrio entre as posições acima plasmadas, deve prevalecer a substância deve a forma, bem como não se pode aplicar cegamente a regra do prazo perentório, sem contextualizar os fatos que levaram à sua alegada prática não atempada.
34.–A decisão objeto do presente recurso respeita, assim, os princípios de confiança, da colaboração e da igualdade das partes e sobretudo do primado da substância sobre a forma.
35.–Já se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.º 16955/15.8T8LSB.L2-8, 08.02.2018 que: «a filosofia subjacente ao Código de Processo Civil – concretizada por diversos modos em várias disposições legais – visa assegurar, sempre que possível, a prevalência do fundo sobre a forma, pretendendo que o processo e a respectiva tramitação possam ter a maleabilidade necessária para que possa funcionar como um instrumento (e não como um obstáculo) para alcançar a verdade material e a concretização dos direitos das partes.».
36.–A admissão da contestação foi, pois, a expressão máxima do princípio da adequação formal, como princípio basilar do processo civil que rompe com o intransponível regime da legalidade das formas, o princípio em causa visa a justa composição do litígio, que sempre terá que ser alcançada com “respeito integral pelos princípios essenciais estruturantes do processo civil”, nomeadamente os da igualdade das partes e do contraditório (Carlos Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, 2.ª edição, 2004, Almedina, pág. 261 a 264).
37.–A decisão que a Recorrente reclama consubstanciaria uma clamorosa ofensa à tutela jurisdicional efetiva.
38.–Da boa fé na atuação processual do Recorrido, da alegação e prova de factos que justificaram a ocorrência, juntamente com princípios de economia e boa gestão processual, igualdade das partes, equilíbrio processual, princípios da confiança e adequação formal, sustentam à saciedade à decisão objeto do presente recurso.
Nestes termos e nos demais de Direito que serão doutamente supridos por V. Exas., Venerandos Desembargadores, deve o presente recurso ser julgado improcedente pelos fundamentos atrás expostos.”
*

A factualidade com relevo para o conhecimento do objeto do presente recurso é a constante do relatório que antecede.

Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635º e 639º do NCPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº3 do NCPC).

Assim, a questão a decidir consiste em aferir se ocorre apresentação extemporânea da contestação determinante do seu desentranhamento.

A apelante pugna pela revogação do despacho recorrido por, no seu entendimento, a falta de junção da contestação no respetivo prazo não constituir mero lapso atendível ou legalmente enquadrado e por ter existido negligência do mandatário, o que exclui o justo impedimento.

O prazo para apresentação da contestação terminava em 06/10/2021. Nesta data foi entregue, através do sistema eletrónico, formulário de junção de contestação. Todavia, anexo a esse formulário foi junto aos autos um requerimento para junção de documentos.

A contestação apenas veio a ser apresentada em 04/11/2021, no circunstancialismo acima descrito.

O R. invocou a existência de erro na anexação de ficheiro informático, tendo alegado que ao pretender fazer o upload da contestação efetuou o upload de requerimento para junção de documentos anexos à contestação.

O prazo para apresentação da contestação é perentório, a significar que o seu decurso preclude a prática do ato, salvo justo impedimento (artº 139º, nºs 3 a 5 do CPC).

Por esse motivo a apelante entende que a situação em apreço apenas poderia ter acolhimento na figura do justo impedimento, concluindo pelo seu afastamento, dado ter decorrido de negligência do mandatário.

O recorrido, na contra-alegação, veio expressamente alegar que não invocou o justo impedimento,estando vedado o recurso à figura jurídica do justo impedimento, prevista no art. 140º do Código de Processo Civil”; mais defendendo que se trata de erro ou desconformidade a resolver nos termos do artº 7º, nº 2 da Portaria 280/2013 e artº 146º do CPC.

Estabelece o artº 132º do CPC que o processo tem natureza eletrónica, sendo constituído por informação estruturada constante do sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais e por documentos eletrónicos (nº 1); e que a tramitação dos processos, incluindo a prática de atos escritos, é efetuada no sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais, nos termos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça (nº 2).

A Portaria nº 280/2013, de 26/08, veio regular vários aspetos da tramitação eletrónica dos processos judiciais, dela decorrendo designadamente que “a apresentação de peças processuais é efetuada através do preenchimento de formulários disponibilizados no endereço eletrónico referido no artigo anterior, aos quais se anexam ficheiros com a restante informação legalmente exigida, conteúdo material da peça processual e demais informação que o mandatário considere relevante e que não se enquadre em nenhum campo dos formulários (artº 4º, nº 1, al. a); e de forma individualizada, os documentos que devem acompanhar a peça processual (artº 4º, nº 1, al. b); a informação inserida nos formulários é refletida num documento que, juntamente com os ficheiros anexos referidos na alínea a) do número anterior, faz parte, para todos os efeitos, da peça processual” (artº 4º, nº 2).

Dispõe o artº 7º deste diploma:
“(…) 2-Em caso de desconformidade entre o conteúdo dos formulários e o conteúdo dos ficheiros anexos, prevalece a informação constante dos formulários, ainda que estes não se encontrem preenchidos.
3-O disposto no número anterior não prejudica a possibilidade de a mesma ser corrigida, a requerimento da parte, sem prejuízo de a questão poder ser suscitada oficiosamente.(…)”
A desconformidade prevista nesta norma não tutela a situação do erro informático de anexação de ficheiro (em que se anexou um requerimento quando se pretendia anexar a contestação). Abrange apenas a desconformidade entre o conteúdo do formulário e o conteúdo do ficheiro, o que pressupõe que o ficheiro anexado é aquele que se pretendia juntar, apenas existindo desconformidade entre os respetivos conteúdos. Constitui exemplo desta desconformidade a identificação de partes ou de testemunhas, de modo diverso no formulário e no ficheiro anexado. Nesta situação prevalece a informação constante do formulário, sem prejuízo da sua correção pela parte.

O artº 146º do CPC, sob a epígrafe “suprimento de deficiências formais de atos das partes” estabelece que:
1-É admissível a retificação de erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da peça processual apresentada.
2-Deve ainda o juiz admitir, a requerimento da parte, o suprimento ou a correção de vícios ou omissões puramente formais de atos praticados, desde que a falta não deva imputar-se a dolo ou culpa grave e o suprimento ou a correção não implique prejuízo relevante para o regular andamento da causa.”
O erro de cálculo ou de escrita é suscetível de retificação nos termos da norma do nº 1 (em moldes idênticos ao que já ocorria, antes da entrada em vigor do novo CPC, por recurso ao disposto no artº 249º do CC, ex vi do artº 295 do mesmo diploma) desde que se revele no próprio contexto da peça processual, isto é, pelo seu teor ou pelo teor de peças ou documento com que tenha conexão [1] (por exemplo, indicação de um processo diferente ou de um juízo ou tribunal diferente daquele onde se encontrava pendente o processo). Não é este o caso que nos ocupa.
O nº 2 deste preceito admite o suprimento ou correção de vícios ou omissões puramente formais – ou seja, a contrario, estão excluídos os vícios ou omissões substanciais, materiais.
São, ainda, requisitos da retificação, nos termos do nº 2, a falta não imputável a dolo ou culpa grave; o suprimento ou correção não implicar prejuízo relevante para o regular andamento da causa.
Este preceito “não permite superar o efeito de suprimento de algum ónus que impenda sobre as partes, visando tão só permitir a correção de aspetos meramente formais de ato que tenha sido tempestivamente praticado.” [2]
“A segunda categoria que o artigo contempla é a dos ‘vícios ou omissões puramente formais’: há uma omissão ou uma ininteligibilidade, total ou parcial, da vontade expressa por escrito, em razão de um impedimento técnico. Dito de outro modo, uma divergência entre a vontade declarada e a vontade real causada pelo próprio corpus mechanicum de comunicação do ato, e não pela vontade da parte, como é o caso dos erros materiais do nº 1. (…) Trata-se de gralhas, truncagens, omissões e incompletudes, originadas em qualquer momento do ciclo de edição e apresentação do texto do ato processual escrito: na composição, impressão, anexação, apresentação e transmissão, seja em suporte de papel, seja em suporte informático.” [3]
Dito de outra forma, afigura-se-nos inaceitável, a coberto desta norma e com fundamento em erro informático de anexação de ficheiro, introduzir num processo um articulado novo, findo o prazo perentório para a sua apresentação, em relação ao qual – porque antes inexistente nos autos - nenhum vício ou omissão se podia pretender retificar.  Insiste-se, o preceito visa retificação de atos praticados. Nada havia a retificar em relação a contestação que não havia sido (tempestivamente) apresentada. Diferente seria se o erro informático consistisse em apresentação da contestação incompleta (falta de alguma página) [4], alegações de recurso sem a parte das conclusões e remate final  [5], etc.
A admissão da contestação apresentada em 04/11/2021, com fundamento na retificação de erro, consiste na admissão de articulado de contestação, apresentado pela primeira vez quando já estava expirado o prazo para a sua prática.
A lei apenas admite a prática de ato, cujo prazo seja perentório, depois do seu termo nos casos excecionais dos artºs 139º, nº 5 (até 3 dias úteis seguintes) e 139º, nº 4 e 140º do CPC (justo impedimento).
Independentemente da relevância probatória da reprodução no texto do requerimento, junto em 16/11/2021, dos prints supostamente comprovativos das propriedades dos ficheiros e data da sua criação, era no requerimento de 04/11/2021, em que juntou a contestação e alegou lapso anterior, que o R. devia ter junto prova do invocado. A data de criação de um ficheiro não pode por si comprovar que esse ficheiro constituía a contestação apresentada cerca de um mês depois – o ficheiro informático depois de criado pode sofrer não só pequenas alterações, como alterações radicais.
E nunca o recorrido concretizou em que consistiu o lapso de anexação do ficheiro, limitando-se a alegar ter ocorrido uma troca.

Como se refere no Ac. desta Relação de 25/09/2018, disponível em www.dgsi.pt, proferido em caso idêntico, “não podemos senão deixar de considerar que tal ocorrência se deveu a desatenção do apresentante da contestação, que não cuidou de assegurar que carregava o ficheiro devido, que não pré-visualizou a peça a enviar e sequer confirmou a diversa extensão do mesmo”.
Do formulário entregue em 06/10/2021 consta que a “contestação” que se propunha anexar tem 1 página e do formulário que efetivamente anexou a contestação, entregue em 04/11/2021, consta ter esta peça processual 21 páginas, pelo que, ainda que se admitisse a integração deste erro informático de anexação de ficheiro na norma do nº 2 do artº 146º do CPC, sempre se imporia concluir que tal erro se deveu a culpa grave do mandatário do R., a excluir a admissibilidade da requerida retificação. [6]
Não sendo a apresentação da contestação, depois de expirado o respetivo prazo, enquadrável na retificação de erro, nos termos do artº 146º do CPC impõe-se analisar se a mesma é possível ao abrigo do justo impedimento – como alega a apelante, pese embora contra tal se insurja o apelado.

Dispõe o artº 140º, nº 1 do C.P.C. que:
1-Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato.
2-A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.
3-É do conhecimento oficioso a verificação do impedimento quando o evento a que se refere o n.º 1 constitua facto notório, nos termos do n.º 1 do artigo 412.º, e seja previsível a impossibilidade da prática do ato dentro do prazo.”
São requisitos cumulativos do justo impedimento: que o evento não seja imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários; que determine a impossibilidade de praticar em tempo o ato; que este seja praticado logo que cesse o impedimento, com imediata alegação e indicação da prova.
“A jurisprudência tem defendido que só o evento que impeça em absoluto a prática atempada do ato pode ser considerado “justo impedimento”, excluindo-se a simples dificuldade da realização daquele. (…)
O preenchimento do conceito de justo impedimento demanda tato e circunspeção. Há que manter o justo equilíbrio entre duas tendências opostas: abrir-se o caminho a todas as incúrias e imprevidências; fechar-se a porta a todos ou a quase todos os obstáculos e impedimentos. Todas as contas feitas, o que deve exigir-se às partes e seus mandatários é que procedam com a diligência normal; não é razoável exigir-se às partes ou aos seus mandatários que entrem em linha de conta com factos e circunstâncias excecionais.” [7]
1.–A figura do justo impedimento, que legitima a prática do ato depois de decorrido o prazo respetivo, encontra-se regulada e tem sido interpretada pelos tribunais de modo muito cauteloso, a fim de contrariar o seu uso abusivo que se revelaria prejudicial aos interesses da segurança e da celeridade. A experiência aconselha que tal mecanismo seja reservado para situações que verdadeiramente o justifiquem, desconsiderando, para além dos argumentos artificiosos, eventos imputáveis à própria parte ou aos seus representantes e que sejam reveladores de negligência ou da falta de diligência devida.
2.–Com tal regime pretende-se evitar que, a pretexto de qualquer evento, pudesse ser perturbada a marcha processual ou, mais do que isso, pudessem ser afetados atos já praticados, tanto mais que sempre restaria uma larga margem de incerteza quanto à sua imputabilidade, na medida em que tais eventos ocorrem na esfera particular do sujeito envolvido, tornando difícil o seu escrutínio (cf. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anot., vol. I, 3ª ed., pp. 273-278).
3.–Em lugar de assentar na imprevisibilidade e na impossibilidade de prática do ato, como já esteve previsto, o instituto está agora centrado na ideia da culpabilidade das partes, dos seus representantes ou dos mandatários, aqui se incluindo também as pessoas que desempenham funções acessórias (…).” [8]

Como já nos pronunciámos, o erro de anexação do ficheiro informático da contestação deveu-se a conduta negligente do apresentante, pois a alegada troca de ficheiros (juntando um requerimento com documentos em vez da contestação), na falta de concretização, apenas a desatenção daquele se pode dever, uma vez que se lhe impunha uma atuação diligente, de molde a assegurar que carregava o ficheiro pretendido, que verificasse após a anexação, nomeadamente tendo em conta a sua diversa extensão.

A circunstância invocada não constitui evento não imputável à parte ou seu representante, impeditiva da prática atempada do ato.

Nestas circunstâncias impunha-se a rejeição da contestação, por extemporaneidade.

Como se refere no Ac. STJ de 07/10/2020, www.dgsi.pt, “o estabelecimento de regras formais e a previsão de efeitos preclusivos constituem marcas específicas do sistema processual civil”, não sendo possível derrogá-los por recurso ao princípio da adequação formal (artº 547º do CPC).

Pelo exposto, decide-se julgar procedente a apelação e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que não admita a contestação, por extemporânea, e determine o seu desentranhamento.
Custas do recurso a cargo do apelado.



Lisboa, 7 de abril de 2022


Teresa Sandiães
Octávio Diogo
Cristina Lourenço


[1]Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires Sousa, CPC Anotado, vol I, pág. 186
[2]A. Geraldes, P. Pimenta e L. Sousa, ob. citada, pág. 186
[3]Rui Pinto, CPC Anotado, vol. I, pág. 283
[4]Neste sentido, cfr. Ac. RG de 01/01/2015, www.dgsi.pt
[5]Neste sentido, cfr. Ac. STJ de 07/10/2020, www.dgsi.pt
[6]Neste sentido v. Ac. RE de 22/10/2015, www.dgsi.pt
[7]Ac. da Relação de Coimbra de 20/04/2018, www.dgsi.pt
[8]A. Geraldes, P. Pimenta, e L. Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 175