Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
21838/18.7T8LSB-A.L1-6
Relator: GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES
Descritores: PROVA ANTECIPADA
ADMISSIBILIDADE
PERICIA MEDICA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Fora dos casos em que a decisão sobre prova antecipada decorre do dever de gestão processual, ou do requerimento de antecipação de prova verificados os seus requisitos, a produção de prova decorre na fase da instrução.
II. A actividade instrutória orienta-se pelo temas de prova, mas não os tem por objecto, ou seja, a instrução da causa não visa a demonstração de temas, mas sim de factos.
III. É manifesto o equívoco do recorrente quando alude que a perícia terá necessariamente de ser prévia pelo facto de a definição do objecto do litígio e dos temas de prova ficar comprometido “quando sequer os danos objecto de perícia podem estar definidos e ser incluídos no tema de prova”. Ora, são os factos integradores dos alegados danos morais que serão objecto de prova e logo, da instrução, e esta encontrar-se-á balizada pelo tema de prova correspondente e não o inverso.
IV. A antecipação da produção de prova apenas será permitida ao abrigo do disposto no artº 419º e 420º ambos do Código de Processo Civil.
 (Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
J…, solteiro, com o NIF. …, com endereço postal na Praça …, Apartado …, Lisboa, propôs a presente acção declarativa de condenação, sob a forma comum, contra N…, S.A. com sede na … Lisboa, pedindo a condenação da ré a liquidar ao A. as quantias de: “a) 14, 396,98€ a títulos de danos patrimoniais directos obtidos através de sentença judicial proferida no processo n.º ..../....6T2SNT acrescidos de juros legais contados desde 21/10/2014. b) 100.000€ de danos morais por virtude de toda a situação pouco diligente e equívoca do R. para com o A, eivada de manifesta má-fé. E ainda condenado, a proceder à restituição dos documentos em sua posse: a. Da Livrança n. º 50016677300747840, respeitante a caução; b. Da Livrança n. 500166773007407165, relativo a contrato de crédito.”
Invoca em abono da sua pretensão a actuação da ré no âmbito das acções judiciais que invoca, com a alegada nulidade da citação do réu, aqui Autor. Alegando ainda que tal pedido advém da “actuação do Réu, ao intentar junto dos Tribunais em 2012 uma acção e em 2015 intentar acção de execução da sentença ali proferida, e de ambas o A. apenas teve conhecimento em 2016, até porque, estão ambas feridas de uma tramitação processual desencadeada de forma danosa pelo aqui R.”.  No âmbito da indicação da prova veio, além do mais, requerer prova pericial “e que tenha lugar antes da realização de audiência prévia”.
A ré contestou impugnando o alegado por falsidade, e no tocante aos danos morais por inexistir fundamento para os mesmos, concluindo pela improcedência da acção.
No seguimento dos autos, veio com data de 26/05/2022, a ser designada data para a realização de audiência prévia, para os fins previstos no art.º 591º nº1do Código de Processo Civil.
Notificado da marcação de data para realização de audiência prévia, veio o autor dizer que reitera o referido pedido quanto à prova pericial, no sentido de a mesma ser realizada antes da audiência prévia.
Tal pedido foi indefiro por se entender que não foram alegados, nem resultam dos autos, factos que preencham a possibilidade de produção antecipada de prova.
Não se conformando com tal decisão veio o Autor recorrer, concluindo que:
« A. A decisão de que se recorre pura e simplesmente não atende ao estado dos autos quando agenda a Audiência Prévia;
B. Numa fase processual que se encontra por dirimir uma resposta a uma excepção, a junção de documentos na posse da contraparte para o conhecimento do mérito da acção e a realização de prova pericial aos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor;
C. Em suma, não se trata, nem nunca foi alegada a produção antecipada de prova;
D. Mas antes a necessidade de sanear previamente os autos;
E. E evitar a realização de uma diligência onde, inclusive, um dos objectivos é programar, após audição dos mandatários, os actos a realizar na audiência final, estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e designar as respectivas datas;
F. Algo que sequer pode ser levado a cabo com suficiente segurança sem que seja previamente realizada a perícia requerida;
G. Mais acrescendo que sendo outra das finalidades da Audiência Prévia a definição do objecto do litigio e dos temas de prova fica comprometido tal objectivo quando sequer os danos objecto de perícia podem estar definidos e ser incluídos no tema de prova;
H. Do mesmo modo, sobre a excepção arguida pela Ré, prova pericial ou documento na posse da contraparte nenhum despacho versou;
I. Quando o bom saneamento dos autos implicaria que tais questões fossem dirimidas antes da Audiência Prévia;
J. Argumento a fortiori para que tal diligência não ocorra e seja agendada para data posterior;
K. Situação contrária configuraria erro grave que carece de ser suprido e que aqui se requer pelo presente meio.
Deste modo a, apesar de tudo, douta decisão deverá ser revogada e substituída por outra que admitindo o presente recurso ordene a prossecução dos autos com a realização das diligências requeridas antes do agendamento da Audiência Prévia, só assim se fazendo a Costumada Justiça!».
Não foram apresentadas contra alegações.
Admitido o recurso e colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
Questão a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa saber no caso concreto:
- Se é de admitir a realização de perícia médica requerida na petição inicial previamente à realização da audiência prévia.
                                                           *
II. Fundamentação:
Além dos factos ou actos processuais referidos e datados no relatório que antecede, haverá ainda que considerar que:
- No âmbito da petição inicial e relativamente ao valor peticionado a título de danos morais alegou o Autor, além do mais, o seguinte:
“85º Por outro lado, o Autor, encontrando-se em situação de carência económica, viu a sua estabilidade física e social afectadas.
86º O Autor, em virtude de toda esta factualidade, tem sofrido danos não patrimoniais que correspondem aos seguintes padecimentos: cefaleias, dores de cabeça, distúrbios do sono, tonturas e vertigens, formigueiros, perda de memória e alteração na visão, provavelmente provenientes de stress pós-traumático, provocado pela factualidade exaustivamente enunciada na presente P.I. (…)
89º a actuação do Réu, ao intentar junto dos Tribunais em 2012 uma acção e em 2015 intentar acção de execução da sentença ali proferida, e de ambas o A. apenas teve conhecimento em 2016, até porque, estão ambas feridas de uma tramitação processual desencadeada de forma danosa pelo aqui R. através do Processo n.º ..../....6T2SNT e da sentença nele obtida, através de citação em morada deliberada e propositadamente indicada pelo aqui R. apesar de ter conhecimento da morada correcta e indicada anos antes pelo A. o que levou a uma citação edital de J… e que deu origem ao processo executivo n.º ..../....7T8SN,. E ainda,
90º acrescendo a não Devolução das duas livranças assinadas sem qualquer preenchimento ( identificadas supra) aliada á negação em proceder a uma demonstração da existência de qualquer divida, conforme solicitado á Dra. A…, resultaram para o A. danos patrimoniais.
91ºEstes comportamentos, acima descritos, de ordem administrativa do BES/NOVO BANCO inadmissíveis, numa entidade financeira com a sua estrutura, a saber, lapsos, rectificações, exigências de pagamentos de alegadas dívidas com valores falhos de justificação, os supervenientes prejuízos com penhoras de bens obtidas através de uma sentença sobre valores de dividas inexistentes causaram também, danos não patrimoniais.
92.ºDeste modo, cabe ao Réu a obrigação de indemnizar o Autor pelos danos por este sofridos, nos termos do art.º 483.º do Cód. Civil.
93ºOs danos patrimoniais ascendem a 14.396,98€
94º Pelos danos não patrimoniais, deverá o Réu ser condenado no pagamento, de quantia não inferior a 100.000,00€.”.
- Na petição inicial foi apresentada prova, sendo que quanto à prova pericial se requereu o seguinte:”5. Para melhor prova dos danos não patrimoniais, que seja realizada peritagem destinada a verificar os padecimentos físicos de que o Autor passou a padecer perante todo o elencado (cefaleias, dores de cabeça, distúrbios do sono, tonturas e vertigens, formigueiros, perda de memória e alteração na visão), bem como que a mesma seja realizada no Centro Hospitalar Lisboa Norte, EPE, Neurologia, sendo os exames clínicos acompanhados de relatório clínico da especialidade, requerendo-se igualmente a nomeação de perito em neurologia para análise do exame realizado, e que tenha lugar antes da realização de audiência prévia.”.
- Designada audiência prévia, veio o Autor juntar, a 7/6/2022, requerimento nos seguintes termos:
“1. Decorre da Petição Inicial intentada em 02/10/2018 que, a final, se requereu para melhor prova dos danos não patrimoniais, que seja realizada peritagem destinada a verificar os padecimentos físicos de que o Autor passou a padecer perante todo o elencado (cefaleias, dores de cabeça, distúrbios do sono, tonturas e vertigens, formigueiros, perda de memória e alteração na visão), bem como que a mesma seja realizada no Centro Hospitalar Lisboa Norte, EPE, Neurologia, sendo os exames clínicos acompanhados de relatório clínico da especialidade, requerendo-se igualmente a nomeação de perito em neurologia para análise do exame realizado, e que tenha lugar antes da realização de audiência prévia.
2. Todavia, sobre tal pedido não recaiu qualquer despacho por parte de V. Exa. até à data presente.
3. Ora, atendendo a que os autos já se encontram munidos das certidões requeridas, e a fim de evitar mais delongas até à fase de de Julgamento, urge uma vez mais requerer que o Tribunal tome posição quanto ao pedido de prova pericial de aferição dos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor, evitando-se que tal aconteça após a diligência já agendada e atrase indefinidamente a fase de Julgamento.
4. Cumprindo ao Autor, pela sua parte, tudo fazer e antecipar pela celeridade do presente processo cujo inicio remonta já a 2018.
5. Devendo as perícias ocorrer antes da diligencia aprazada para ser tida em conta no decurso da mesma.
6. O que se requer pela bom andamento da justiça e melhor aplicação da lei.”.
- Por despacho datado de 21/06/2022, decidiu-se que: «Em sede de requerimento de prova, formulado na petição inicial, pediu o autor: “Para melhor prova dos danos não patrimoniais, que seja realizada peritagem destinada a verificar os padecimentos físicos de que o Autor passou a padecer perante todo o elencado (cefaleias, dores de cabeça, distúrbios do sono, tonturas e vertigens, formigueiros, perda de memória e alteração na visão), bem como que a mesma seja realizada no Centro Hospitalar Lisboa Norte, EPE, Neurologia, sendo os exames clínicos acompanhados de relatório clínico da especialidade, requerendo-se igualmente a nomeação de perito em neurologia para análise do exame realizado, e que tenha lugar antes da realização de audiência prévia.”
Notificado da marcação de data para realização de audiência prévia, veio o autor reiterar tal pedido (…). Apreciando e decidindo, há que dizer que a requerida produção de prova pericial antes da realização de audiência prévia constitui uma antecipação da fase instrutória do processo, apenas prevista e permitida nos casos previstos no art.º 419º do CPC. Atento o teor de tal norma, a prova poderá realizar-se antecipadamente havendo justo receio de vir a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos factos por meio de perícia. No caso, o autor não alegou nem justificou tal justo receio, como exige o nº1 do art.º420º do CPC.
Face ao exposto, e porque não foram alegados nem resultam evidentes dos autos a verificação dos pressupostos que permitam deferir a produção antecipada de prova, é a mesma indeferida.».
*
III. O Direito:
No âmbito destes autos discute-se a possibilidade de a prova requerida ser produzida antecipadamente, ou neste caso, quer previamente ao saneamento dos autos, quer ainda à fixação do objecto do litígio e temas de prova.
Importa desde já referir que o objecto do recurso se cinge ao despacho que indeferiu a realização da perícia previamente à realização da audiência prévia, único despacho susceptível de recurso autónomo nos termos do artº 644º nº2 al d) do Código de Processo Civil. Logo, em nada releva a invocação nas suas conclusões H. e I. no sentido de não ter sido apreciada a excepção arguida pela Ré, ou o requerido quanto à junção de documento na posse da contraparte. Pois tais questões manifestamente fazem parte do escopo da audiência prévia nos termos constantes do artº 591º do Código de Processo Civil, bem como o disposto no artº 595º nº 1 a) para o qual remete o preceito anterior na sua alínea d).
Acresce que sendo tais decisões proferidas ou convocadas ao abrigo do princípio da gestão processual, tendo em vista a simplificação ou agilização processual, seriam as mesmas insusceptíveis de recurso nos termos do artº 630º nº 2 do Código de Processo Civil.
Donde, fora dos casos em que a decisão sobre prova antecipada decorre do dever de gestão processual a produção de prova decorre na fase da instrução, sendo que esta tem por objecto os factos necessitados de prova – cf. artº 410º do Código de Processo Civil. É certo que tal preceito estabelece que a instrução tem “por objecto os temas de prova enunciados”, expressão não isenta de críticas perante o que se entende com tal expressão no âmbito do Código de Processo Civil. Pois a actividade instrutória orienta-se pelo temas de prova, mas não os tem por objecto, ou seja, a instrução da causa não visa a demonstração de temas, mas sim de factos. Como bem evidenciam Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro “os temas de prova não são meras descrições de factos controvertidos (…). O objecto da instrução não é a afirmação do facto, mas sim o facto afirmado” ( in “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, pág. 361), o que se retira de sentido útil de tal preceito é a abrangência de tal fórmula, sujeitando-se a instrução  a todos os factos carecidos de prova, pelo que se visam os factos controvertidos ( não aceites) ou necessitados de prova ( em sentido estrito, isto é, os factos aceites, mas sujeitos a prova tabelada).
Tal labor tem necessariamente lugar após a audiência prévia, pois é nesta que se fixam os temas de prova – cf. artº 591º nº 1 alínea f) do Código de Processo Civil, e estes orientam a base instrutória, ainda que sejam os factos que os compõem que carecem de prova.
Aqui chegados é manifesto o equívoco do recorrente quando alude que a perícia terá necessariamente de ser prévia pelo facto de a definição do objecto do litigio e dos temas de prova ficar comprometido “quando sequer os danos objecto de perícia podem estar definidos e ser incluídos no tema de prova”. Ora, são os factos integradores dos alegados danos morais que serão objecto de prova e logo, da instrução, e esta encontrar-se-á balizada pelo tema de prova correspondente e não o inverso, como parece defender o recorrente ao arrepio das mais elementares regras processuais. Donde, a antecipação de prova apenas pode neste caso ter na sua génese o disposto no artº 419º do Código de Processo Civil.
Com efeito, enquadrado no Título V “Da instrução do Processo” do Livro II “Do Processo em Geral” do CPC, capítulo I (Disposições Gerais), preceitua o artigo 419º do CPC: “Havendo justo receio de vir a tornar-se impossível ou muito difícil o depoimento de certas pessoas ou a verificação de certos factos por meio de perícia ou inspeção, pode o depoimento, a perícia ou a inspeção realizar-se antecipadamente e até antes de ser proposta a ação.”.
Por sua vez na regulação da forma de tal antecipação prevê-se no artº 420º do Código de Processo Civil que o requerente da prova antecipada justifica sumariamente a necessidade da antecipação, menciona com precisão os factos sobre que há de recair.
Tal como deste normativo se infere, visou o legislador através do mesmo salvaguardar a possibilidade de produzir prova quando a espera pelo momento processual próprio para o efeito coloque em risco a demonstração dos factos que da mesma serão objecto. Seja por que então tal prova será impossível de produzir, seja por que se tornará muito difícil, essencial é que se verifique o periculum in mora para a produção da prova.
Assim, tal como entendeu o Tribunal recorrido a antecipação da produção de prova apenas será permitida ao abrigo do disposto no artº 419º e 420º ambos do Código de Processo Civil.
A decisão recorrida indeferiu o pedido do Autor no sentido de ser efectuada prova pericial para apurar os padecimentos físicos de que o Autor passou a sofrer perante todo o elencado no articulado como sendo cefaleias, dores de cabeça, distúrbios do sono, tonturas e vertigens, formigueiros, perda de memória e alteração na visão. Visando tal apuramento a aferição dos alegados danos morais sofridos que o mesmo computa no valor de 100.000€. O indeferimento fundamentou-se no seguinte:«(…) há que dizer que a requerida produção de prova pericial antes da realização de audiência prévia constitui uma antecipação da fase instrutória do processo, apenas prevista e permitida nos casos previstos no art.º 419º do CPC. Atento o teor de tal norma, a prova poderá realizar-se antecipadamente havendo justo receio de vir a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos factos por meio de perícia. No caso, o autor não alegou nem justificou tal justo receio, como exige o nº1 do art.º420º do CPC. Face ao exposto, e porque não foram alegados nem resultam evidentes dos autos a verificação dos pressupostos que permitam deferir a produção antecipada de prova, é a mesma indeferida». Nada nos permite concluir diferentemente do Tribunal recorrido, sendo de confirmar tal juízo.
Na verdade como bem se decidiu e sumariou na decisão proferida no Acórdão da Relação de Coimbra de 6/11/2007 ( proc. nº 1439/07.6TBFIG.CL, in www.dgsi.pt): 1) A produção antecipada de prova tem a sua razão de ser no receio de que a mesma possa tornar-se impossível ou muito difícil, caso não seja produzida de imediato. 2) Tal receio tem que apresentar-se com foros de seriedade, apontando para um perigo efectivo e palpável e não ser apenas uma mera possibilidade. 3) A forma de aquilatar de tal perigosidade são os seus indícios patentes e as regras de senso comum, baseadas no conhecimento da vida e das expectativas procedimentais, tendo em linha de conta as peculiaridades de cada caso concreto. 4) Se assim não fosse, acabaria por tornar-se vulgar aquilo que só excepcionalmente deve permitir-se, com a consequente anarquia processual daí adveniente.
Assim, a possibilidade de antecipação concedida, isto é a produção de prova antes do momento processual em que normalmente se produziria, é concebível quando estiver em risco a conservação da fonte da prova (impossibilidade) ou a facilidade de a produzir (grande dificuldade).
Tal produção antecipada de prova era inserida por Calamandrei na categoria de procedimentos cautelares, pois tem em comum com estes a falta de autonomia, a natureza incidental e o periculum in mora ( cf. Abrantes Geraldes in “Temas da Reforma de Processo Civil” vol. III, pág. 74-87). Porém, ao contrário do que acontece nos procedimentos cautelares não pressupõe o deferimento deste procedimento a alegação e demonstração da probabilidade séria da existência do direito (que para aqueles é exigida – vide artigo 368º do CPC), mas tão só do periculum in mora aferido pela prova que se pretende produzir ( José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in CPC Anotado, 2º volume, em anotação ao artigo 419º do Código de Processo Civil, pág. 231). Mas dada a forma prevista no preceito aludido sempre terá de existir a prova sumaria do periculum in mora, não é, portanto, exigido um juízo de certeza, mas apenas de probabilidade ou verosimilhança de que a fonte da prova venha a perder-se ou que a produção da prova se torne muito difícil ( cf. Alberto dos Reis in “Código de Processo Civil Anotado2, vol. III, pág. 337). Abrantes Geraldes ( in ob. e loc. cit.) diferencia ainda este incidente dos procedimentos cautelares pela ausência de provisoriedade, uma vez que recolhida a prova esta tem o mesmo valor que aquela que seja produzida no momento processual apropriado.
Aferir da verificação do alegado periculum in mora terá de ser feito com recurso às regras da experiência e senso comum ( cfr. Ac. TRC supra citado; sobre o requisito específico do receio de impossibilidade ou dificuldade de realização da prova Ac. TRP de 30/05/2013, nº de processo 313/08.3TBGDM.P1).
No que concerne à prova pericial, que pressupõe a realização de um exame antes da formulação de um juízo técnico, a sua realização antecipada pode efectivamente constituir a única via para lhe conferir utilidade, mas sempre tendo em conta o risco ou desaparecimento do objecto da perícia, pois o periculum in mora não será reportado ao direito que se pretende discutir na acção de que é instrumental, mas antes à iniciativa da prova de factos relevantes para a sua apreciação ( cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa in “Código de Processo Civil Anotado” vol. I, pág.494 ).
O Autor situa o conhecimento dos factos, que alegadamente sustentam a indemnização por danos morais, em 2016, a perícia médica requerida tem em vista aferir dos padecimentos do mesmo, logo, inexiste o requisito essencial de desaparecimento ou dificuldade major de realização de tal prova exigido pelo incidente de produção antecipada de prova.
Não pode o recorrente pretender que tal se justifique por uma questão de celeridade processual, pois será com base nos factos que integram os temas de prova que incidirá a instrução, ou seja, a prova. Ora, esta pressupõe que os temas se encontrem fixados, ou pelo menos que sobre o objecto da perícia já tenha recaído despacho liminar de pertinência e se tenha dado a possibilidade e contraditório, este sim princípio fundamental do nosso Código de Processo Civil. Com efeito, mesmo perante um incidente de produção antecipada de prova os tramites processuais serão os previstos nos artº 467º e ss do Código de Processo Civil, logo, a par da indicação do seu objecto a quem indica tal meio de prova ( artº 475º ), haverá ainda que aferir da sua admissibilidade (artº 476º 1ª parte), facultar o contraditório ( artº 476º nº 1 2ª parte ) e por fim ordenar a mesma.
Nada invocou o recorrente que justifique a ausência de tal tramitação, ou ainda em concreto o que justificaria a antecipação.
 De tudo o exposto é manifesta a improcedência da apelação, confirmando-se a decisão recorrida que indeferiu a produção antecipada da prova pericial.
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IV. Decisão:
Por todo o exposto, Acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo Autor e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas pelo apelante.
Registe e notifique.

Lisboa, 9 de Fevereiro de 2023
Gabriela de Fátima Marques
Adeodato Brotas
Vera Antunes