Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
27935/21.4T8LSB-D.L1-1
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: COMISSÃO DE CREDORES
CONSTITUIÇÃO
CRÉDITOS LABORAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.– Do disposto no art. 67.º do CIRE resulta que, nas hipóteses em que a composição da comissão de credores é fixada pela assembleia de credores, por via de deliberação destes, não é sequer condição necessária para integrar a comissão que todos os membros assumam a qualidade de credores da insolvente (número 2 do referido preceito), ainda que seja obrigatório que um dos membros da comissão represente “os trabalhadores que detenham créditos sobre a empresa”, prevalecendo a vontade dos trabalhadores na escolha ou designação desse membro (número 3 do art. 66.º, ex vi do disposto no número 2 do art. 67.º do CIRE).

2.– Não colhe a interpretação do recorrente da norma contida no art. 66.º, nº3 do CIRE, no sentido de que a mesma só se aplica aos credores que sejam trabalhadores da empresa declarada insolvente, excluindo do seu campo de aplicação os titulares de créditos provenientes de contrato de trabalho (crédito emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação) celebrados com uma sociedade inteiramente dominada por aquela (art. 486.º do CSC).

3.– Não encontramos razões para proceder a essa distinção, pelo menos no que à presente matéria diz respeito (composição da comissão de credores), ponderando os interesses que concorrem para a delimitação do regime fixado para as sociedades em relação de domínio – desde logo, de proteção dos interesses da sociedade dependente e dos seus credores – e considerando ainda que, verificada que se mostre a condição suspensiva – ou seja, cessação do contrato de trabalho entre o trabalhador e a sociedade empregadora (sociedade participada) e, grosso modo, existência de créditos laborais que esta, indevidamente, não pagou, no condicionalismo aludido no art. 334.º do Código do Trabalho –, todos os trabalhadores estão em pé de igualdade, assumindo-se como credores da empresa insolvente, sem prejuízo, obviamente, das diferenças fundadas nas especificidades que cada crédito revestir, com eventuais reflexos em sede de graduação, para o que não releva sequer que o vínculo laboral se tenha estabelecido com a empresa insolvente como empregadora, ou com a empresa participada. Essa é, cremos, a interpretação do disposto no art. 66.º, nº3 que melhor se coaduna à teleologia da norma (art. 9.º, nº1 do Cód. Civil).


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa.
  

I.–RELATÓRIO


Nos presentes autos em que foi declarada a insolvência da sociedade S-NT SGPS, SA, por decisão proferida em 02-12-2021, transitada em julgado, determinou-se ainda, nessa decisão, como segue:
4.-Não se nomeia Comissão de Credores, face à previsível simplicidade da liquidação (art. 66.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas)”.

Em 28-04-2022 proferiu-se despacho determinando a notificação do administrador da insolvência “para, em 10 dias, esclarecer se à luz do art. 75.º pretende se convoque a assembleia de credores para deliberar sobre a constituição de uma Comissão de Credores, uma vez que o Juiz apenas pode nomear tal órgão na sentença que decreta a insolvência – art. 66.º nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”, na sequência do que o administrador da insolvência se pronunciou, tendo o tribunal proferido, em 17-05-2022, despacho com o seguinte teor:
“O Sr. Administrador da Insolvência, requer a convocação de assembleia de credores para deliberar sobre a constituição de uma Comissão de Credores.
Nos termos do disposto no art. 75º nº1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o Juiz pode, a pedido do Administrador da Insolvência, convocar a assembleia de credores.
Analisado o relatório apresentado pelo Sr. Administrador da Insolvência, face às questões ali suscitadas torna-se necessário reunir os credores para se pronunciarem sobre a constituição de uma Comissão de Credores.
Assim, nos termos do disposto no art. 75º, nº1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, entendemos dever convocar uma assembleia de credores para deliberação sobre a constituição de uma Comissão de Credores.
Pelo exposto, designo, para a realização de assembleia de credores, o próximo dia 8 de Junho de 2022 pelas 14.00 horas.
Notifique e publicite”.

Em 08-06-2022 realizou-se a assembleia de credores, tendo sido elaborada ata respetiva, com o seguinte teor:
“No início da diligência, pelo Sr. MC em representação do credor P foi apresentada credencial, que a Mmª Juiz depois de conferir, rubricou e ordenou a sua junção aos autos.

*
Seguidamente, foram reclamados, para efeito de participação na Assembleia, nos termos do disposto no artº.73 nº.1 al. a) do CIRE, os seguintes créditos:
AS - 429.394,03€
Banco E, S.A. - 46.816,84€
D- SI S.A. - 1.003.057,13€
LB - 54.918,75€
P, S.A. - 14.698.627,61€
PP - 266.883,10€
PF - 89.400,00€
TC - 9.787,50€

*
Dada a palavra à assembleia e ao Sr. Administrador de Insolvência para querendo impugnarem os créditos, pelo Il. Mandatário do credor PP foi dito:
“Impugnam-se os créditos dos credores AS, LB, PF e TC porque são trabalhadores da Dm, que é uma empresa participada pela insolvente Sln-Nt e os motivos da impugnação são: A empresa continua a laborar, não existe nenhuma situação de não pagamento de créditos pela Dm aos trabalhadores em causa, face à relação de grupo / domínio no sentido de vir justificar a insolvência da Sln assegurar o pagamento de créditos que não existem como tal.
Quanto aos demais credores, nada a requerer”.

*
Pelo Il. mandatário dos credores AS, LB, PF e TC foi dito que:
“Considero que a impugnação deverá ser considerada improcedente, uma vez que os créditos que foram reclamados pelos meus clientes são condicionais, ou seja, estão dependentes do despedimento, porque eles são trabalhadores da participada Dm e foi assim que foram reconhecidos, e bem, pelo Sr. administrador da insolvência.
Os créditos devem ser reconhecidos, embora sujeitos à condição dos contratos cessarem, mais se requer que seja considerado o direito de voto na presente assembleia
Por outro lado, os credores também impugnam o crédito do credor PP cujos créditos não se encontram reconhecidos judicialmente, uma vez que se encontra pendente uma ação a correr no Tribunal da comarca de Sintra onde se discute essa relação laboral do Sr. PP e a insolvente, como consta da impugnação apresentada pela P, por isso não deverá participar nesta assembleia.

*
Dada a palavra ao Il. mandatário do credor PP para se pronunciar sobre a impugnação deduzida, pelo mesmo foi dito:
“A P não impugnou a relação laboral, impugnou o montante dos créditos reclamados.
Em segundo lugar a ação que está a correr termos no tribunal de trabalho de Lisboa neste momento esta perante uma situação de inutilidade superveniente da lide uma vez que aquilo que se pretendia reconhecer não eram quaisquer créditos mas a existência de uma relação laboral, a existência da relação laboral já se encontra sobejamente reconhecida quer em termos de PER quer em termos de processo de insolvência, nomeadamente pela entrega do Sr. administrador da insolvência do mod.1044 para a solicitação de subsidio de desemprego, por parte do trabalhador, uma vez que a partir que a administração da Sln reconhece a existência do trabalhador enquanto tal, verifica-se a inutilidade superveniente da lide do processo que corre no tribunal de trabalho, e a situação da relação laboral encontra-se reconhecida quer em termos de PER, quer em sede de processo de insolvência.”

*
Dada a palavra ao Sr. administrador da Insolvência, pelo mesmo foi dito:
“Quanto às impugnações dos créditos sob condição tal como classificados por mim, os créditos são privilegiados tendo em conta que no meu entendimento se verificam as condições de domínio de grupo, mas com a ressalva de que tal como está colocado na lista do 129º do CIRE, os créditos são reconhecidos como privilegiados, mas sob condição, e a condição terá, obrigatoriamente que vir a ser julgada no futuro, dependendo do que irá acontecer à própria Dm.
Quanto aos créditos do Sr. AS eu reconheci o crédito, uma vez que é administrador de uma e outra, como subordinado, pelo que continuo a pugnar por aquilo que coloquei na lista definitiva de credores.”
Dada a palavra à assembleia, pelos mesmos não houve qualquer manifestação.

*
Neste momento, pela Mmª. Juiz foi proferido o seguinte:

DESPACHO
Relativamente à impugnação dos créditos que foram reconhecidos aos Srs. AS, LB, PF e TC, o fundamento que foi aqui invocado foi o facto de estas pessoas, aqui reconhecidos como credores, não serem trabalhadores da insolvente, mas sim de uma outra sociedade, a Dm, que ainda se encontra em laboração por isso não existem créditos que devam ser aqui considerados. De acordo com a indicação do Sr. administrador na lista, e com os esclarecimentos prestados pelo Il. Mandatário destes credores, efectivamente são trabalhadores de uma sociedade que estará numa relação de domínio ou de grupo para com a insolvente e estes créditos têm como fundamento uma eventual cessação do contrato de trabalho e a responsabilidade que o código do trabalho, no art.334º reconhece, verificando-se esta relação de domínio de grupo.
Os créditos estão reconhecidos como privilegiados atendendo à relação laboral, mas sob condição, ou seja, o pagamento dependerá da existência do crédito e da Dm não o conseguir solver.
Tendo em consideração esta justificação e aquilo que de momento é possível apreender, não vemos razão para que estes créditos não sejam reconhecidos, sob condição porém. Este facto nada altera no que diz respeito ao direito de voto destes credores, com excepção do credor AS na medida em que os créditos foram reconhecidos como subordinados, mantêm-se como subordinados e, como referi no início da assembleia, os créditos subordinados não conferem direito de voto nesta assembleia, apenas em assembleias para discussão e votação de plano de insolvência. Este será o único credor que não tem direito de voto nesta assembleia, aos demais concede-se direito de voto correspondente ao crédito que lhes foi reconhecido nesta lista.
No que diz respeito à impugnação do crédito que foi reconhecido a PP, de acordo com o que consta da lista não há nenhuma razão para entender que este credor não é credor da insolvente, neste caso até nem se suscitam questões de não ser trabalhador da insolvente e de ser trabalhador de uma outra entidade, pelo que não vejo, face aos fundamentos que foram aqui invocados, nenhuma razão para que, para efeito de participação nesta assembleia não lhe ser reconhecido o crédito que consta nesta lista. Portanto, à semelhança da decisão anterior, não vejo razões para proceder a impugnação e, resumidamente, todos os credores cujos créditos foram impugnados, considero que os créditos são de atribuir para efeitos de votação nesta assembleia com excepção, naturalmente, não por esta razão, mas por determinação do art. 73º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o Sr. AS, uma vez que tem créditos considerados subordinados.

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Seguidamente, peao Mmª Juiz foi proferido o seguinte:

DESPACHO
"Declaro constituída a presente assembleia, na qual têm direito de voto os credores presentes que aqui reclamaram créditos e os créditos que aqui foram considerados na sequência das impugnações que foram agora decididas."

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De imediato foi dada a palavra ao Sr. Administrador que apresentou a seguinte proposta de constituição da comissão de credores:
Presidente - P, S.A.
Efetivos:
- PP
- D & Associados
Suplentes: - Banco E - PF

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Posta à votação da assembleia, obteve a seguinte votação: A favor: P e PP
Contra: LB, PF e TC
Abstenção: Banco E

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Seguidamente, pela Mmª Juiz foi proferido o seguinte:

DESPACHO
A proposta não se considera aprovada nos termos do artº 67 nº3 do CIRE que exige a maioria prevista no artº 53 nº1 parte final.

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Neste momento, pela Il. mandatária do credor P foi pedida a palavra e no seu uso apresentou nova proposta de constituição de comissão de credores:
Presidente - P, S.A.
Efetivos:
- PF
- D & Associados
Suplentes:
- Banco E
- PP

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Posta à votação da assembleia, obteve a seguinte votação:
A Favor: P; Banco E; LB; PF e TC.
Contra: PP

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Seguidamente, pela Mmª Juiz foi proferido o seguinte:

DESPACHO
Atenta a votação ora expressa, declaro aprovada a proposta de constituição da comissão de credores apresentada.".

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Neste momento, pelo Il mandatário do credor PP foi pedida a palavra e no seu uso disse:
“O credor quer apresentar uma reclamação, de acordo com o art. 66º nº3, que se refere a trabalhadores. A Mmª Juiz com o poder de fiscalização deverá pronunciar-se sobre esta questão, que é se os trabalhadores referidos no art 66º nº3 são trabalhadores que têm uma relação laboral com a insolvente ou se são credores também aqueles que têm a condição de trabalhadores numa empresa participada que não é a empresa insolvente.”

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Seguidamente, pela Mmª Juiz foi proferido o seguinte:

DESPACHO
Relativamente à questão suscitada pelo credor PP, aquilo que determina o art. 66º do CIRE é que a comissão de credores deve ser constituída pelo número de membros que a mesma norma prescreve e que a sua escolha deve recair, no caso da presidência, sobre o maior credor e dos restantes membros deve ser assegurada adequada representação das várias classes de credores, excetuados os credores subordinados.
A questão aqui suscitada tem a ver com o facto de o credor considerar que o membro indicado como efetivo na comissão de credores não é efetivamente um trabalhador da empresa, mas sim um trabalhador de uma empresa do grupo e que, portanto, não representa adequadamente, para os termos legais, essa classe de credores da empresa, ou seja, os trabalhadores.
Como começámos por referir, as impugnações dos créditos para efeitos de participação na assembleia valem apenas para esse efeito, mas também devem ser consideradas para os efeitos subsequentes dessa assembleia.
Ora o que está aqui em causa é a existência ou não de uma relação laboral e em que medida é que ela releva para este processo, designadamente para efeitos da constituição de uma comissão de credores.
No caso concreto, no início desta assembleia, na sequência da dedução de uma impugnação começamos por entender que, face aos elementos que constavam dos autos, todos os credores reconhecidos como privilegiados, com fundamento numa relação laboral, se deveriam manter como tal para efeitos desta assembleia.
Sem prejuízo das impugnações que possam ter sido deduzidas no apenso adequado, e que oportunamente serão aí apreciadas e decididas, no que diz respeito a esta assembleia, para os efeitos que para aqui importa, entendemos que todos os credores que foram pelo Sr. administrador reconhecidos como privilegiados, em função da existência de um contrato de trabalho, quer um contrato de trabalho com a Dm, quer um contrato de trabalho directamente com a insolvente, (não sendo este momento para decidir se algum destes existe), qualquer um destes credores deve ser considerado trabalhador para efeito de integrar a classe de credores que aqui importa, e por essa razão não vemos fundamento para entender que a composição da comissão de credores, como foi proposta, e como foi aprovada pela assembleia, não esteja de acordo com os critérios legais, por isso esta deliberação aprovada deve ser a que vale no processo.

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Os membros da comissão de credores, consideram-se desde já empossados, começando a exercer funções a partir deste momento; os membros suplentes só serão chamados caso algum dos efectivos não possa manter a sua posição na comissão de credores.

*
Do antecedente foram logo devidamente notificados todos os presentes.
Nada mais havendo a propor ou decidir pela assembleia, foi 16:05 horas declarada encerrada a diligência.
Para constar se lavrou a presente acta, que depois de lida e achada conforme, vai ser devidamente assinada por via electrónica pela Mmª. Juiz e por via autografa pelo oficial de justiça que a elaborou”.

Não se conformando, PP veio “interpor recurso do despacho que confirmou a deliberação da Assembleia de Credores que elegeu os membros da Comissão de Credores”, recurso que foi admitido por despacho proferido em 25-10-2022 [[1]]; o apelante formula as seguintes conclusões:
A)-O presente recurso tem por objecto a deliberação da Assembleia de Credores realizada em 08 de Junho de 2022 que elegeu os membros da Comissão de Credores e do despacho do Tribunal a quo que, não obstante a reclamação do ora Apelante, confirmou aquela deliberação;
B)- Por efeito de tal deliberação, foi eleito para a Comissão de Credores um membro em representação dos trabalhadores sem que o mesmo tenha sido designado pelos próprios trabalhadores da sociedade insolvente ou pela comissão de trabalhadores, nomeadamente, o Sr. PF (indicado sob o n.º 9 da Lista de Créditos Reconhecidos);
C)- À excepção do ora Apelante, este credor e os demais credores que o Administrador de Insolvência reconheceu com fundamento em créditos laborais (identificados na Lista sob os n.º 1, 6, 9 e 10) não são trabalhadores da insolvente;
D)- São trabalhadores de uma empresa participada da sociedade insolvente, a Dm, cujos créditos foram reconhecidos pelo Administrador de Insolvência como subordinados (no caso do credor indicado em n.º 1 da Lista) e como privilegiados (no caso dos credores indicados em 6, 9 e 10 da Lista);
E)- Todos os créditos referidos na alínea anterior foram reconhecidos sob condição suspensiva, com o fundamento indicado pelo Administrador de Insolvência de que “O reconhecimento do direito de crédito encontra-se dependente da cessação do contrato de trabalho celebrado com a sociedade Dm e de o mesmo não ser pago pela entidade empregadora.”
F)- Portanto, o único credor nos autos que era trabalhador da insolvente e que poderia ter procedido à designação do representante dos trabalhadores que detenham créditos sobre a sociedade insolvente, é o ora Apelante, além de que é o único cujo crédito de natureza laboral não é condicionado.
G)- Perante tal facto, o ora Apelante reclamou oralmente da deliberação da Assembleia de Credores para a Dgma. Juíza do Tribunal a quo, ao abrigo do poder/dever do Tribunal garantir a aplicação correcta da lei, considerando a previsão do art.º 66.º, n.º 3, ex vi art.º 67.º, n.º 2, parte final, ambos do CIRE;
H)- Com efeito, não obstante a Comissão de Credores ter sido constituída pela Assembleia de Credores, é obrigatório assegurar que um dos membros daquele órgão é representante dos trabalhadores;
I)- Este representante, segundo dispõe o n.º 3 do art.º 66.º do CIRE, tem de recair sobre os “…os trabalhadores que detenham créditos sobre a empresa, devendo a sua escolha conformar-se com a designação feita pelos próprios trabalhadores…”;
J)- Ora, além do ora Apelante, os demais credores cujos créditos laborais foram reconhecidos pelo Administrador de Insolvência, não são de trabalhadores da insolvente e estão sob condição, não cumprindo o requisito estabelecido no referido artigo 66.º, n.º 3 do CIRE para efeitos da representação dos trabalhadores na Comissão de Credores, ou seja, “…devendo a sua escolha conformar-se com a designação feita pelos próprios trabalhadores ou pela comissão de trabalhadores, quando esta exista.” (o realçado é nosso);
K)- O Tribunal a quo não acolheu a reclamação do ora Apelante, entendendo que o art.º 66.º, n.º 3 ao referir “trabalhadores” não refere especificamente quem tem uma relação laboral com a insolvente, fundamentando ainda a posição com a remissão para o art.º 334.º do CT;
L)- Não obstante se poder admitir por mera hipótese, sem contudo conceder, o reconhecimento dos créditos dos trabalhadores da Dm na presente insolvência por via do art.º 334.º do CT, o referido normativo apenas estabelece uma extensão de garantia daqueles trabalhadores no pagamento dos seus créditos, mais concretamente, no caso de “…crédito emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencido há mais de três meses, respondem solidariamente o empregador e sociedade que com este se encontre em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo…”.
M)- Tal circunstância não lhes confere, contudo, a qualidade de trabalhadores da insolvente;
N)- Assim, sendo o Apelante o único efectivo trabalhador da insolvente e não existindo uma comissão de trabalhadores, é a ele em exclusivo que lhe cabia a prerrogativa de designar o membro a integrar aquele órgão colectivo em representação dos trabalhadores da sociedade insolvente, devendo a Assembleia de Credores conformar-se com tal designação, como resulta expressamente do art.º 66.º, n.º 3 e 67º nº 2 do CIRE;
O)-Nesse sentido, tendo ora Apelante manifestado expressamente a intenção de integrar a Comissão de Credores, atenta a origem e natureza do seu crédito, é a ele que lhe assiste o direito e tem legitimidade para ocupar e exercer as funções naquele órgão;
P)- A deliberação da Assembleia de Credores, na parte em que elege para a Comissão de Credores um membro representativo dos trabalhadores que não é o ora Apelante, bem como o despacho do Tribunal a quo que confirmou tal deliberação, violam o disposto no art.º 66.º, n.º 3, ex vi art.º 67.º, n.º 2, parte final do CIRE;
Nestes termos, e nos melhores de direito que serão doutamente supridos por V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente e, a decisão aqui recorrida, revogada e substituída por outra que determine a inclusão do ora Apelante como membro da Comissão de Credores em representação dos trabalhadores, conforme conclusões atrás formuladas e suas consequências”.

P S.A. e PF, apresentaram contra-alegações, propugnando pela improcedência do recurso.

PF formula as seguintes conclusões:
A)- O presente recurso só pode ter como objeto a douto despacho do Tribunal a quo que empossou os membros da comissão de credores;
B)- Considera o recorrente que o douto despacho do Tribunal a quo não padece dos vícios que lhe são assacados pelo Recorrente;
C)- A primeira proposta apresentada à assembleia de credores para a composição da comissão de credores, da qual fazia parte o recorrente, não foi aprovada;
D)- A referida votação não foi impugnada pelo recorrente perante o Tribunal a quo, pelo que se conformou com a mesma;
E)- Foi apresentada à assembleia de credores uma nova proposta para a composição da comissão de credores e da qual já não fazia parte o recorrente. Esta proposta teve aprovação por larga maioria dos votos e a concordância do senhor administrador de insolvência;
F)- No seu recurso, para tentar fundamentar uma pretensa ilegalidade, o recorrente pretende alterar a qualificação do crédito do ora recorrido PF;
G)- O crédito do credor PF foi reconhecido pelo senhor administrador como laboral em consequência de ser trabalhador da sociedade Dm que é totalmente participada pela insolvente;
H)- Entre a Dm e a insolvente existe uma relação de grupo por domínio total, nos termos previstos nos artigos 488.º a 491.º do Código das Sociedades Comerciais;
I)- A insolvente é a única titular do capital social da sociedade dominada Dm
J)- O art. 501.º do CSC contém a responsabilidade da sociedade diretora de um grupo formado por contrato de subordinação (arts. 493.º ss.) perante os credores da sociedade subordinada;
K)- O artigo do 334.º do Código do Trabalho (“CT”), dispõe que: “Por crédito emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencido há mais de três meses, respondem solidariamente o empregador e sociedade que com este se encontre em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, nos termos previstos nos artigos 481.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais”;
L)-Existe solidariedade por créditos laborais quando as sociedades em causa se encontram em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, tal como estas são definidas nos artigos 481.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais.
M)- O crédito do recorrido foi reconhecido como privilegiado atendendo à relação laboral e ao domínio de grupo entre as empresas em causa, mas sob condição;
N)- Não corresponde à realidade a tese defendida pelo recorrente de violação do artigo 66.º n.º 3 do CIRE;
O)- O recorrido segue na totalidade a argumentação do Tribunal a quo de que qualquer um destes credores reconhecidos como tendo créditos laborais diretamente da insolvente ou de uma sociedade em domínio deve ser considerado trabalhador para efeito de integrar a classe de credores referente aos trabalhadores;
P)- O recorrente faz uma interpretação restritiva e inaceitável da lei impedindo que os trabalhadores de sociedades dominadas pela insolvente façam parte da comissão de credores;
Q)-A interpretação do recorrente é claramente violadora dos artigos 481.º e 501.º do CSC, 348.º do código de trabalho e 66.º n.º 1 e 3 do CIRE;
R)-As referidas disposições legais pretendem equiparar e proteger os direitos de todos os trabalhadores das sociedades do mesmo grupo societário;
S)- Considera o recorrido que o tribunal a quo decidiu bem ao empossar os membros da comissão de credores que foram aprovados na assembleia de credores.
Termos em que, e nos mais de Direito que Vexas. doutamente suprirão, deve ser negado provimento recurso interposto pelo Recorrente, fazendo-se JUSTIÇA”.

Cumpre apreciar.

II.–FUNDAMENTOS DE FACTO
Relevam as vicissitudes processuais supra relatadas e ainda o seguinte circunstancialismo, que se dá por assente ponderando os elementos que resultam do processo de insolvência e apensos respetivos:
1.–O administrador de insolvência apresentou, em 21-02-2022, a lista a que alude o artigo 129.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, reconhecendo os créditos de:
- AS, no montante global de 429.394,03€, indicando, como “fundamento”, que se tratam de “créditos laborais”, quanto à natureza do crédito, que se tratam de créditos “subordinados (sob condição)”; que, quanto ao valor de 389.225,47€ “o reconhecimento do direito de crédito encontra-se dependente da cessação do contrato de trabalho celebrado com a sociedade Dm SA, e de o mesmo não ser pago pela entidade empregadora” e, quanto ao valor de 40.168,56€, “a subsistência do direito de crédito encontra-se dependente do não pagamento do montante reconhecido no âmbito do processo de insolvência da entidade patronal G SGPS SA processo nº 23449/15.0T8LSB a correr termos na Comarca de Lisboa, Juízo de Comércio de Lisboa-Juiz 7” [[2]];    
- LB, no montante global de 54.918,75€, indicando, como “fundamento”, que se tratam de “créditos laborais”, quanto à natureza do crédito, que se trata de crédito “privilegiado (sob condição)” e que “o reconhecimento do direito de crédito encontra-se dependente da cessação do contrato de trabalho celebrado com a sociedade Dm SA, e de o mesmo não ser pago pela entidade empregadora”; mais indica, sob a epígrafe “Garantias e privilégios”, como segue: “Art.º 333.º do Código do Trabalho e art. 748.º do Código Civil”;
- PP, no montante global de 266.883,10€, indicando, como “fundamento”, que se tratam de “créditos laborais”, quanto à natureza do crédito, que se trata de crédito “privilegiado”; mais indica, sob a epígrafe “Garantias e privilégios”, como segue: “Art.º 333.º do Código do Trabalho e art. 748.º do Código Civil”;
- PF, no montante global de 89.400,00€, indicando, como “fundamento”, que se tratam de “créditos laborais”, quanto à natureza do crédito, que se trata de crédito “privilegiado (sob condição)” e que “o reconhecimento do direito de crédito encontra-se dependente da cessação do contrato de trabalho celebrado com a sociedade Dm SA, e de o mesmo não ser pago pela entidade empregadora”; mais indica, sob a epígrafe “Garantias e privilégios”, como segue: “Art.º 333.º do Código do Trabalho e art. 748.º do Código Civil”;
- TC no montante global de 9.787,00€, indicando, como “fundamento”, que se tratam de “créditos laborais”, quanto à natureza do crédito, que se trata de crédito “privilegiado (sob condição)” e que “o reconhecimento do direito de crédito encontra-se dependente da cessação do contrato de trabalho celebrado com a sociedade Dm SA, e de o mesmo não ser pago pela entidade empregadora”; mais indica, sob a epígrafe “Garantias e privilégios”, como segue: “Art.º 333.º do Código do Trabalho e art. 748.º do Código Civil”.

2.–Mais indicando que os aludidos credores reclamaram os seus créditos, juntando com essa lista as respetivas reclamações.

3.–O apelante apresentou impugnação à lista de créditos reconhecidos tendo por objeto, nomeadamente, os créditos de AS, LB, PF e TC, concluindo que estes “carecem de legitimidade e suporte legal, pelo que não deverão ser reconhecidos”, devendo ser “retirados” da lista.

4.–P SA apresentou impugnação à lista de créditos reconhecidos, tendo por objeto AS, LB, PF, TC e o apelante, “por inexistência de fundamentação legal e factual para o seu reconhecimento” e ainda, quanto ao apelante, para o caso de assim se não entender, “ser o mesmo reconhecido como subordinado, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 48.º, nº1, alínea a), e 49.º, nº2, alínea c) ambos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”.

5.–A devedora/insolvente tem por objeto a “gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indireta do exercício de atividades económicas”, conforme certidão da CR Comercial junta com a petição inicial do processo de revitalização (apenso A).

6.–Consta do Relatório do Conselho de administração da devedora, apresentado com o requerimento inicial do processo aludido, como segue:
“No final do exercício de 2018, a Empresa apresenta um valor de investimentos financeiros de aproximadamente 7820 milhares de Euros, no capital de uma participada, Dm- SA (“Dm”) que atua no sector das Tecnologias de Informação”.

7.–Em 01-04-2021, no aludido processo e na sequência do despacho proferido em 31-03-2021, a devedora apresentou requerimento com o seguinte teor:
“SLN – SGPS, Devedora nos autos supramencionados, tendo sido notificada do Despacho de 31/03/2021, vem expor e requerer a V. Exa. o seguinte:
1.–pesar do uso da expressão “principal ativo”, a Devedora é apenas proprietária de 75.000 (setenta e cinco mil) ações, no valor nominal de € 1,00 (um euro) cada ação, correspondente à totalidade do capital social da sociedade anónima Dm S.A., matriculada na conservatória do registo comercial sob o número único de matrícula e de pessoa coletiva, com sede social na Praça (…) Lisboa, com o código postal 1700-036 Lisboa.
2.–As supramencionadas ações estão avaliadas no balanço da sociedade, referente a 31/12/2019, no valor de € 933.417,00 (novecentos e trinta e três mil, quatrocentos e dezassete euros)
TERMOS EM QUE, DEVEM OS AUTOS PROSSEGUIR OS SEUS NORMAIS TRÂMITES, REQUERENDO-SE O PETICIONADO EM SEDE DE PETIÇÃO INICIAL”.

8.–Conforme parecer do administrador da insolvência apresentado no processo de revitalização, foram nesses autos reclamados créditos no valor de 15.344.579,00€ e “o principal ativo da devedora consiste na participação que detém sobre a sociedade denominada Dm- SA”.
Mais indicando que o plano de recuperação não foi aprovado pela maioria dos credores, considerando o administrador da insolvência que a sociedade está em situação de insolvência, promovendo a apensação do processo de recuperação aos autos de insolvência.

9.–Conforme auto de apreensão constante do apenso B, o administrador da insolvência procedeu, em 26-01-2022, à apreensão de 75.000 ações nominativas da referida sociedade Dm (cfr. ainda a certidão da CR Comercial aí junta alusiva a tal sociedade).

10.–O administrador da insolvência procedeu à publicação do anúncio para venda de “100% das ações da sociedade Dm SA” , com o capital social de 75.000,00€, ou seja, 75.000 ações, com o valor nominal de 1,00€, sendo o Valor mínimo de venda de 799.633,61€ e o Valor base de 940.745,42€ - cfr. requerimento de 03-11-2022 no apenso E; conforme informação prestada pelo administrador da insolvência em 12-01-2023 a diligência de venda agendada para o dia 07-12-2022 foi dada sem efeito pela inexistência de propostas, do que foi informada a Comissão de credores.

III–FUNDAMENTOS DE DIREITO

1.–Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635.º e 639.º do CPC – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5.º, nº3 do mesmo diploma.
No caso, ponderando as conclusões de recurso, impõe-se apreciar da regularidade da composição da comissão de credores, em face do disposto nos arts. 66.º e 67.º do CIRE, diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem, tendo em conta que o despacho recorrido é, necessariamente, o que apreciou da reclamação apresentada pelo ora apelante na assembleia, depois de fixada por maioria a composição da comissão de credores, na sequência da segunda proposta apresentada e votada favoravelmente, reclamação que o tribunal não atendeu, configurando o despacho proferido verdadeiro indeferimento da pretensão aí formulada pelo ora apelante (cfr. o art. 78.º).

2.–Basicamente, o apelante questiona a constituição da comissão de credores, nos termos aprovados pela assembleia e que o tribunal aceitou, invocando que o apelante é o único trabalhador da insolvente, pelo que só este podia fazer parte dessa comissão, como era sua vontade, concluindo que foi violado o disposto no art. 63.º n.º 3, aplicável por força do disposto no artigo 67.º.
Os preceitos legais convocados e diretamente pertinentes à resolução do caso são os art.s 66.º[[3]] e 67.º [[4]], impondo-se distinguir os casos em que a comissão de credores é designada pelo juiz, daqueles em que a comissão de credores é escolhida pela assembleia de credores, como aqui aconteceu.
No primeiro caso, resulta do disposto no art. 66.º que o juiz, quando fixa a composição da comissão de credores, deve indicar como presidente o maior credor da insolvente [[5]], deve assegurar que os membros da comissão representem as várias classes de créditos, à exceção dos créditos subordinados (cfr. os arts. 47.º e 48.º) e que os trabalhadores estejam especificamente representados por um dos membros da comissão  [[6]][[7]].Como se referiu no acórdão do STJ de 02-05-2002, com pertinência ainda que no âmbito do antigo art. 41 do CPEREF, “[r]esulta desta disposição que na composição da comissão de credores deve o julgador ter em conta, por um lado, os interesses dos credores, e, por outro, o bom funcionamento deste órgão. Assim, o facto de ser credor, mesmo importante, não dá ao interessado o direito de, por esse facto, integrar a comissão de credores: importa averiguar se essa integração é imposta por uma adequada representação das várias classes de credores ou se existem conflitos de interesses susceptíveis de afectarem o bom desempenho da missão que àquele órgão compete” [[8]].
Diversamente, do disposto no art. 67.º resulta que, nas hipóteses em que a composição da comissão de credores é fixada pela assembleia de credores, por via de deliberação destes, como aqui se aprecia – cfr. o que supra se expôs no relatório  –, não é sequer condição necessária para integrar a comissão que todos os membros assumam a qualidade de credores da insolvente (número 2 do art. 67.º) [[9]] [[10]], ainda que seja obrigatório que um dos membros da comissão represente “os trabalhadores que detenham créditos sobre a empresa”, prevalecendo a vontade dos trabalhadores na escolha ou designação desse membro (número 3 do art. 66.º, ex vi do disposto no número 2 do art. 67.º), valendo a deliberação que obtenha a aprovação da maioria dos votantes e dos votos emitidos, não sendo consideradas as abstenções (número 1 do art. 53.º, ex vi do disposto no número 3 do art. 67.º).
No caso, como se retira da ata aludida, ocorreu uma votação entre os credores presentes e que compõem a assembleia e a proposta que mereceu apoio maioritário foi a acolhida e homologada pelo tribunal, tendo sido rejeitada a primeira proposta apresentada para a composição da comissão, exatamente aquela que integrava o apelante, sendo evidente a inviabilidade prática e objetiva de o apelante figurar como membro da comissão de credores em face do desenrolar da assembleia: a escolha dos membros da comissão de credores é feita na sequência de eleição, tratando-se de uma decisão colegial, uma deliberação sujeita ao escrutínio da maioria, tendo a maioria dos credores recusado integrar o apelante na comissão de credores.
Alega o apelante que o credor nomeado pela assembleia em representação dos trabalhadores não é trabalhador da insolvente, sendo trabalhador de uma sociedade participada, o mesmo acontecendo com outros credores (LB, PF e TC) assim questionando a sua eleição como membro da comissão de credores.
Vejamos.
As sociedades gestoras de participações sociais “têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas” (art. 1.º, nº1, Dec. Lei 495/88 de 30-12).
Como resulta da factualidade assente, a devedora (SGPS, constituída em sociedade anónima), detém uma participação de 100% na sociedade Dm SA – assumindo todos os intervenientes que não se trata de participação ocasional – pelo que estamos perante um modelo societário da SGPS com domínio total da sociedade participada (art. 486.º do Código das Sociedades Comerciais)
A lista dos credores cujos créditos foram reconhecidos pelo administrador da insolvência não se mostra estabilizada, porquanto foram apresentadas várias impugnações, ainda não decididas no apenso respetivo, de verificação do passivo, acentuando-se que essa indefinição se verifica também relativamente ao crédito do ora apelante – cfr. a factualidade dada por assente –, não se vislumbrando razões para, nesse contexto, tratar de maneira diferente o apelante e os demais credores que foram, todos, enquadrados pelo administrador da insolvência na classe dos créditos sobre a insolvência privilegiados, que têm por fonte uma relação laboral, isto é, como créditos reclamados por trabalhadores [[11]] [[12]].
O administrador da insolvência reconheceu alguns créditos de trabalhadores de uma sociedade participada da insolvente, que os reclamaram no presente processo, classificando-os como créditos “sob condição”, sendo que, atendendo à configuração dos créditos apresentada pelos titulares respetivos e aceite pelo administrador da insolvência, se tratam de créditos sob condição suspensiva, entendidos como aqueles cuja constituição se encontra sujeita à verificação de um acontecimento futuro e incerto (art. 50.º, nº1).
Assim, numa análise perfunctória, única compatível com a fase em que o processo se encontra, verificam-se os pressupostos a que alude o art. 334.º do Código do Trabalho, respondendo a SGPS, solidariamente, pelos créditos emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencidos há mais de três meses, pelos quais seja responsável a sociedade participada, esta na qualidade de entidade empregadora, salientando-se que a decisão do tribunal, proferida na assembleia de credores, que declarou “constituída a presente assembleia, na qual têm direito de voto os credores presentes que aqui reclamaram créditos e os créditos que aqui foram considerados na sequência das impugnações que foram agora decididas” é irrecorrível (art. 73.º, nº5).
O apelante interpreta a norma contida no art. 66.º, nº3 no sentido de que a mesma só se aplica aos credores que sejam trabalhadores da empresa declarada insolvente, excluindo do seu campo de aplicação os titulares de créditos provenientes de contrato de trabalho (créditos emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação) celebrados com uma sociedade inteiramente dominada por aquela e relativamente à qual a empresa insolvente se apresenta também como responsável pelo seu pagamento, a par da sociedade dominada, no contexto supra referido; isto é, seria requisito de nomeação como membro da comissão de credores, como representante dos trabalhadores, a existência de um vínculo laboral entre este e a empresa insolvente, não servindo, para esse efeito, que esse vínculo seja com uma empresa participada.
Ora, não encontramos razões para proceder a essa distinção, pelo menos no que à presente matéria diz respeito (composição da comissão de credores), ponderando os interesses que concorrem para a delimitação do regime fixado para as sociedades em relação de domínio – desde logo, de proteção dos interesses da sociedade dependente e dos seus credores [[13]] – e considerando ainda que, verificada que se mostre a condição suspensiva – ou seja, cessação do contrato de trabalho entre o trabalhador e a sociedade empregadora (sociedade participada) e, grosso modo,  existência de créditos laborais que esta, indevidamente, não pagou, no condicionalismo aludido no art. 334.º do Código do Trabalho –, todos os trabalhadores estão em pé de igualdade, assumindo-se como credores da empresa insolvente, sem prejuízo, obviamente, das diferenças fundadas nas especificidades que cada crédito revestir, com eventuais reflexos em sede de graduação, para o que não releva sequer que o vínculo laboral se tenha estabelecido com a empresa insolvente como empregadora, ou com a empresa participada. Essa é, cremos, a interpretação do disposto no art. 66.º, nº3 que melhor se coaduna à teleologia da norma (art. 9.º, nº1 do Cód. Civil) [[14]].
Assim sendo, não se evidenciando qualquer irregularidade na convocação e funcionamento da assembleia, salvaguardada que se mostra a maioria legalmente exigida para a aprovação da deliberação em causa, conclui-se que os argumentos invocados pelo apelante, em face do referido regime legal, não procedem.

*
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a decisão recorrida.
Custas pelo apelante (art. 527.º, nº1 do CPC).
Notifique.



Lisboa, 07-02-2023



Isabel Fonseca
Fátima Reis Silva
Amélia Sofia Rebelo




[1]Despacho com o seguinte teor:
“PP veio apresentar alegações de recurso que “tem por objecto a deliberação da Assembleia de Credores realizada em 08 de Junho de 2022 que elegeu os membros da Comissão de Credores e do despacho do Tribunal a quo que, não obstante a reclamação do ora Apelante, confirmou aquela deliberação”.
Antes de mais se diga que, à luz do art.627º n.º1 do Código de Processo Civil “As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recurso.”
Já o art.630º delimita, pela negativa, a admissibilidade de recurso.
Da análise de ambas as normas, aplicáveis ex vi art.17º do CIRE, resulta que apenas decisões ou despachos são recorríveis e não também, como pretende o recorrente a deliberação da assembleia de credores.
Assim sendo, no que a esta respeita, não é admissível o recurso, sendo apenas admissível a impugnação do despacho que considerou a deliberação aprovada.
Adicionalmente o recorrente contesta “o despacho do Tribunal a quo que, não obstante a reclamação do ora Apelante, confirmou aquela deliberação”.
Suscitam-se-nos dúvidas quanto o despacho que o recorrente pretende pôr em crise, se o despacho que declara aprovada a deliberação se o despacho subsequente, sendo que face às alegações de recurso pensamos que está em causa o despacho, subsequente à votação da proposta de constituição da Comissão de Credores e ao apuramento do resultado da votação, em que o tribunal se pronuncia sobre a concreta a Composição da Comissão de Credores questionada pelo recorrente.
Nesta medida e naturalmente, sem prejuízo do que venha a ser o entendimento do tribunal de recurso, por legal, tempestivo e interposto por quem tem legitimidade, admito o recurso interposto, que é de apelação, a subir imediatamente, em separado, com efeito meramente devolutivo (arts. 627º, nº1, 631º, nº1, 637º, 638º n.º1, 639º n.º1 e 644º, nº2, al. h), todos do CPC e 14º, nº5 do CIRE).
Notifique. 
*
Forme o apenso de recurso, para tanto desentranhando as alegações e contra-alegações de recurso.
* 
Notifique o recorrente e os credores que apresentaram contra-alegações para darem cumprimento ao disposto no art.646º n.º1 do CPC e elabore certidão contendo tais peças.
Após conclua no apenso”.

[2]AS foi indicado na sentença que declarou a insolvência da sociedade como um dos seus administradores, com fixação de residência. 

[3]Artigo 66.º
Nomeação da comissão de credores pelo juiz
1-Anteriormente à primeira assembleia de credores, designadamente na própria sentença de declaração da insolvência, o juiz nomeia uma comissão de credores composta por três ou cinco membros e dois suplentes, devendo o encargo da presidência recair de preferência sobre o maior credor da empresa e a escolha dos restantes assegurar a adequada representação das várias classes de credores, com excepção dos credores subordinados.
2-O juiz pode não proceder à nomeação prevista no número anterior quando o considere justificado, em atenção à exígua dimensão da massa insolvente, à simplicidade da liquidação ou ao reduzido número de credores da insolvência.
3-Para efeitos do disposto no n.º 1, um dos membros da comissão representa os trabalhadores que detenham créditos sobre a empresa, devendo a sua escolha conformar-se com a designação feita pelos próprios trabalhadores ou pela comissão de trabalhadores, quando esta exista.
4-Os membros da comissão de credores podem ser pessoas singulares ou colectivas; quando a escolha recaia em pessoa colectiva, compete a esta designar o seu representante, mediante procuração ou credencial subscrita por quem a obriga.
5- O Estado e as instituições de segurança social só podem ser nomeados para a presidência da comissão de credores desde que se encontre nos autos despacho, do membro do Governo com supervisão sobre as entidades em causa, a autorizar o exercício da função e a indicar o representante.

[4]Artigo 67.º
Intervenção da assembleia de credores
1- A assembleia de credores pode prescindir da existência da comissão de credores, substituir quaisquer dos membros ou suplentes da comissão nomeada pelo juiz, eleger dois membros adicionais, e, se o juiz não a tiver constituído, criar ela mesma uma comissão, composta por três, cinco ou sete membros e dois suplentes, designar o presidente e alterar, a todo o momento, a respectiva composição, independentemente da existência de justa causa.
2- Os membros da comissão de credores eleitos pela assembleia não têm de ser credores, e, na sua escolha, tal como na designação do presidente, a assembleia não está vinculada à observância dos critérios previstos no n.º 1 do artigo anterior, devendo apenas respeitar o critério imposto pelo n.º 3 do mesmo artigo.
3- As deliberações da assembleia de credores mencionadas no n.º 1 devem ser tomadas pela maioria exigida no n.º 1 do artigo 53.º, excepto tratando-se da destituição de membro por justa causa.

[5]Com algumas especificidades no caso do maior credor ser o Estado e a Segurança Social (cfr. o número 5 do art. 66.º).

[6]Nos termos do art. 415.º do Cód. do Trabalho (“[p]rincípios gerais relativos a comissões, subcomissões e comissões coordenadoras”), “[o]s trabalhadores têm direito de criar, em cada empresa, uma comissão de trabalhadores para defesa dos seus interesses e exercício dos direitos previstos na Constituição e na lei” (nº1), podendo “ser criadas subcomissões de trabalhadores em estabelecimentos da empresa geograficamente dispersos” (nº2); nos termos do nº3 “[q]ualquer trabalhador da empresa, independentemente da idade ou função, tem o direito de participar na constituição das estruturas previstas nos números anteriores e na aprovação dos respectivos estatutos, bem como o direito de eleger e ser eleito”

[7]Cfr. o nº3 do art. 66.º; Carvalho Fernandes e João Labareda defendem que, na hipótese “de mais de metade dos trabalhadores do insolvente se pronunciar em sentido distinto do da comissão, indicando pessoa diferente dela, parece razoável concluir que o juiz não deve então privilegiar a indicação da comissão” (in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2015, Lisboa: Quid Juris, p.368).
     
[8]Processo: 02B1047 (Relator: Moitinho de Almeida), acessível in www.dgsi.pt, como todos os demais arestos a que se fizer referência

[9]Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, “[p]articularmente relevante é o facto de, nas opções que tem, a assembleia não estar condicionada nem limitada pelos critérios definidos no artigo 66.º, nº1, relativamente à qualidade dos membros e à sua representatividade, diferentemente do que sucede com a nomeação pelo juiz. (…) Em contrapartida, para lá de não estarem obrigados a obedecer a requisitos de representatividade, os credores não têm sequer de compor a comissão com recurso exclusivo – ou mesmo maioritário – a quem seja titular de créditos sobre a insolvência” (obr. cit. pp. 371-372).             

[10]Cfr. o acórdão do TRL de 27-04-2017, processo: 450-13.2TYLSB-H.L1-6 (Relator: Carlos Marinho), assim sumariado:
“Não estabelecendo o legislador critérios equilibrantes definidores da composição da comissão de credores, admitindo mesmo que quem não seja credor da insolvência (logo tendencialmente desprovido de interesses individuais a igualizar) componha o órgão em apreço, não está em causa a regra constitucional que manda tratar como igual aquilo que o é na essência e estatuto”.

[11]O que pode suscitar dificuldades se o processo não comportar os elementos necessários para aferição da sua existência. Cfr. Alexandre de Soveral Martins, 2021, Um Curso de Direito da Insolvência, Volume I, Coimbra: Almedina, p. 335 e nota 126.  

[12]Salienta-se que a devedora, quando se apresentou em processo de revitalização, declarou não ter qualquer trabalhador ao seu serviço – cfr. o documento junto com o requerimento inicial, documento “elaborado nos termos da alínea i) do nº1 do artigo 24.º do CIRE”.

[13]“Conforme aponta a doutrina mais autorizada, o preenchimento do conceito de influência dominante não pode ser alheio aos interesses visados pelas normas que o consagram (sendo até discutido se, mesmo dentro do direito das sociedades, ele não terá uma geometria variável). Por isso se fala, a este propósito, de um “conceito funcional”.
Mas qual a função das normas que dependem, para o preenchimento da sua hipótese, do conceito de influência dominante? Noutros ordenamentos, a resposta parece estar na proteção dos interesses da sociedade dependente, dos seus demais sócios e dos seus credores, contra os prejuízos que lhe possam ser causados pela sociedade dominante. Tais preocupações são essencialmente as que parecem ter servido de fundamento à criação pelo legislador português de regras especiais para as relações de coligação entre as sociedades. Por isso se diz que o direito português dos grupos, assim como o alemão, é, “fundamentalmente, um direito de defesa contra abusos (…): visa acautelar os interesses dos sócios minoritários das sociedades dominadas e dos credores destas” (Coutinho de Abreu, 2014, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, vol. VII, pp. 80-81). 

[14]“O elemento teleológico respeita à finalidade da lei: através deste elemento procura determinar-se quais os objectivos que a lei pode prosseguir. O elemento teleológico distingue-se do elemento histórico pelo seguinte: enquanto o elemento histórico procura a justificação para a produção da lei, o elemento teleológico procura encontrar a finalidade que justifica a vigência da lei. O elemento teleológico visa responder à pergunta “para que é que serve a lei?”. Este elemento impõe que o intérprete procure descobrir a ratio legis, estando-lhe vedado – pelo menos como ponto de partida – o entendimento de que a fonte não prossegue a realização de nenhuns fins (Miguel Teixeira de Sousa, 2013, Introdução ao Direito, Coimbra: Almedina, pp. 366-367).