Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2085/13.3TBBRR-A.L1-6
Relator: ANA LUCINDA CABRAL
Descritores: RECURSO
PRAZO
PRESUNÇÃO JURIS TANTUM
INDICAÇÃO DE PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: INDEFERIDA
Sumário: A parte que pretenda ilidir a presunção de que a notificação postal se efetuou no terceiro dia posterior ao do registo, deve fazê-lo no momento em que pratica o ato fora do prazo fixado em função da data da notificação presumida.
(AAC)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

Acordam em conferência

I –C…, SARL veio, nos termos do nº 3 do artigo 652º do novo Código de Processo Civil (NCPC), requerer que sobre o despacho que apreciou a reclamação de indeferimento do recurso recaia acórdão.

Alega, em síntese, que a interpretação do despacho conduz a interpretações injustas e inconstitucionais, encurtando o prazo do recurso, violando o princípio da igualdade (artigo 13º) e o princípio do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva (artigo 20º).

Realizada a conferência, conclui-se que interpretação efectuada não viola os princípios fundamentais da igualdade e do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva pois estes princípios estão concretizados na lei ordinária, máxime nas leis de processo que sempre estabeleceram prazos premptórios, disciplinadores, de caducidade ou de prescrição sem que alguma vez se tenham considerado que isso viola tais princípios.

Na verdade, e como se relatou, sempre a Reclamante podia ter ilidido a presunção da notificação no momento da prática do acto.

Nestes termos, profere-se acórdão.

“I –C…, SARL, Ré, nos autos em epígrafe, tendo sido notificada do despacho de não admissão de recurso por intempestivo, dele veio reclamar, nos termos do disposto no art. 643º do C.P.C., aprovado pela Lei n.º 41/2013 de 26 de junho, alegando que:

Interpôs recurso em 27/01/2014 da sentença proferida em 05/12/2013 e, por despacho de 24/02/2014, foi entendido que o recurso foi interposto fora de prazo. De acordo com o aludido despacho a sentença foi enviada à Ré em 05/12/2013, presumindo-se que esta foi notificada em 09/12/2013, sendo que, nos termos do art. 638º, nº1 do CPC, o prazo para interposição do recurso é de 30 dias contados da notificação da decisão. Assim, “o referido prazo terminou em 21.01.2014 (férias judiciais entre 22/12/2013 e 03/01/2014), podendo o ato ser praticado num dos três dias úteis subsequentes, ou seja, até 24/01/2014

Contudo, a presunção do nº 1 do artigo 249º do CPC é uma presunção juris tantum, ou seja, que pode ser ilidível mediante prova em contrário.

No caso, a recorrente apenas foi notificada da sentença no dia 11/12/2013, conforme resulta da pesquisa na base de dados dos CTT´s constante do documento que junta sob o nº 1.

O prazo terminou, pois, em 23/01/2014, podendo ainda o acto ser praticado num dos três dias úteis subsequentes, ou seja, até ao dia 28/01/2014.

A recorrente apresentou as suas alegações no 2º dia de multa, ou seja, em 27/01/2013.

A Autora, S…, SA, apresentou resposta, dizendo que os factos agora alegados pela reclamante deviam ter sido alegados no momento da interposição do recurso, sendo que nesse sentido se pronunciaram já as instâncias superiores – Ac. da RC, Apelação nº 26/12.1TTGRD-C1 e Ac. do STJ Processo nº 05B4290.

Caso assim não se entenda e a admitir-se a justificação da notificação tardia, a Ré praticou o acto não no segundo dia, mas sim no terceiro dia, uma vez que o prazo com multa terminaria a 27/01/2013 e não a 28/1/2013 pelo que a multa não estará correcta.

II – Ocorrências processuais relevantes.

O despacho que rejeitou o recurso, consta de fls. 13 e 14:

Em 27/01/2014 a R. interpôs, ad cautelam, recurso da sentença proferida em 5/12/2013 (e não em 05/11/2013 como, por lapso manifesto consta do final da mesma e cuja rectificação se determina – art. 614º, nº 1, do CPC), que julgou procedente o pedido formulado.

Compulsados os autos verifica-se que:

- A sentença foi notificada à R. em 5/12/2013 – cfr. Ref.ª 6313416

Tal notificação presume-se ter ocorrido em 09.12.2013 –art. 249º, nºs 1,3,5, do CPC.

Ora, nos termos do art. 638º, nº1 do CPC, o prazo para interposição do recurso é de 30 dias contados da notificação da decisão. I

In casu, o referido prazo terminou em 21.01.2014 (férias judiciais entre 22/12/2013 e 03/01/2014), podendo o ato ser praticado num dos três dias úteis subsequentes, ou seja, até 24/01/2014:

Assim sendo, por intempestivo, não admito o recurso de Apelação interposto pela Ré, a fls. 79.”

A Reclamante apresentou o recurso em causa em 27/01/2014 com a menção de que o prazo havia terminado em 23 de Janeiro e pedindo a admissão do comprovativo do pagamento da multa (art. 145º).

A carta para notificação da sentença foi entregue à ora reclamante em 11/12/2013 (doc. 1 junto com a reclamação).

III – Decidindo.

Dispõe o nº 1 do artigo 249.ºdo CPC que “Se a parte não tiver constituído mandatário, as notificações são feitas por carta registada, dirigida para a sua residência ou sede ou para o domicílio escolhido para o efeito de as receber, presumindo-se feita no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando o não seja.”

“A notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para a residência ou a sede da parte ou para o domicílio escolhido para o efeito de a receber; nesse caso, ou no de a carta não ter sido entregue por ausência do destinatário, juntar-se-á ao processo o sobrescrito, presumindo-se a notificação feita no dia a que se refere a parte final do número anterior.”

As normas deste artigo 249º correspondem, em parte, ao artigo 255º do CPC e ao nº 4 do artigo 254 do CPC de 1961.

No âmbito deste código consigna a jurisprudência que com vista à consideração da notificação presumida, a lei estabelece a dilação de três dias sobre a data do registo da carta, tempo durante a qual considera, com suficiente margem de segurança, um eventual atraso nos serviços do correio.

Exige, porém, que a notificação ocorra num dia útil, o terceiro posterior ao do registo ou o primeiro dia útil seguinte, em termos de o epílogo do prazo, para efeito de presunção da notificação coincidir com um dia normal de distribuição domiciliária de correspondência.

 A lei considerou normal, por isso presumiu, até prova em contrário, que a notificação se efectua no terceiro dia posterior ao do registo no correio, ou seja, provado o facto base da presunção, a expedição da carta sob registo no correio dirigida a determinada pessoa, fica assente o facto desconhecido de a carta lhe ter sido entregue no terceiro dia útil posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte (artigos 349º e 350º do Código Civil).

A prova em contrário visa demonstrar que a carta de notificação não foi entregue ao notificando ou o foi em dia posterior à presumida por razões que lhe não sejam imputáveis

Com o incidente de prova em contrário do que resulta da base da presunção, não se justifica a prática de algum acto fora de prazo, mas apura-se diverso momento de início de contagem de um prazo para a prática de determinado acto processual, para se concluir que o foi no prazo para o efeito legalmente previsto. É ao notificando que incumbe demonstrar em juízo, com vista à determinação do início do prazo para a prática do acto processual por ele pretendido, que a notificação ocorreu em data posterior à presumida por razões que lhe não sejam imputáveis. (vide Ac. do STJ, Proc. nº 07B3024, de 11-10-2007, in www.dgsi.pt).

O Acórdão da Relação de Évora, Proc. nº 1505/05-2, de 14-07-2005 in www.dgsi.pt, registou: ”Ora, como muito bem se pondera no despacho recorrido, por força do disposto no artº 254º, nº 3 do CPC, as notificações postais presumem-se efectuadas no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.

Face a tal presunção legal, competia à Requerente, ora Recorrente, demonstrar que a notificação da sentença lhe foi efectivamente remetida em 14 de Fevereiro de 2005, como sustenta nas suas alegações, e não em 10 de Fevereiro de 2005, como consta do ofício de notificação cujo duplicado constitui fls. 9 destes autos, e é reafirmada pela Secção de Processos do Tribunal em termo de conclusão de fls. 60 destes autos de Agravo em Separado.

 Não logrou fazê-lo, pelo que, face à presunção legal acima referida, o requerimento de interposição de recurso da sentença proferida, entrou fora do prazo legal, na medida em que a notificação considera-se feita em 14 de Fevereiro de 2005 e não em 17 de Fevereiro de 2005.”

Portanto, a lei permite que a presunção de notificação acima mencionada seja ilidida, pois está em causa uma presunção relativa ou juris tantum.

A questão que se coloca aqui é a de saber em que momento deve ser feita a prova em contrário.

O sentido que vem sendo propugnado na jurisprudência é o de que o onerado com essa presunção para que possa tentar ilidi-la, necessita de fazê-lo no momento em que pratica o acto, caso este tenha sido praticado fora do prazo fixado em função da data da notificação presumida.

A questão que se coloca é a de saber qual o momento em que deve ser satisfeito o ónus que impende sobre o mandatário de ilidir a presunção de notificação.

 A resposta não poder ser outra senão aquela que foi dada pelas instâncias, ou seja, a de que tal momento é aquele em que o mesmo mandatário pratica o acto, se o fizer já fora do prazo fixado pela data da notificação presumida.

 Com efeito, se assim não fosse, ficava o tribunal impedido de decidir, ou quanto à admissão ou rejeição imediata das alegações, ou quanto à produção de eventual prova que se mostrasse necessária para demonstrar a notificação tardia.”- Acórdão do STJ, Proc. nº 05B4290, de 21/2/06, in www.dgsi.pt, mencionado pela Reclamada na sua resposta.

Perante este quadro normativo e interpretativo, temos de assentar em que a Reclamante para ilidir a presunção de notificação da sentença de que recorre teria de provar, no momento em que interpôs o recurso, que foi notificada da sentença em data posterior à que resulta da presunção.

Não o tendo feito, foi pertinente o despacho que rejeitou o recurso por extemporaneidade.

Assim, e sem mais considerações, delibera-se confirmar a decisão de rejeição do recurso, indeferindo-se a reclamação.

Custas pelo Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 2 Ucs.“

Lisboa, 9 de Julho de 2014

Ana Lucinda Cabral

Maria de Deus Correia

 Maria Teresa Pardal