Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
18/20.7P9LSB.L2-5
Relator: SANDRA OLIVEIRA PINTO
Descritores: INJÚRIA AGRAVADA
PROVA POR RECONHECIMENTO
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
MEDIDA DA PENA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I–Se o autor do crime é conhecido nos autos, vindo a ser identificado, no decorrer das declarações prestadas por uma testemunha e/ou declarante, como o autor do ilícito, não estamos perante prova por reconhecimento, mas sim testemunhal ou por declarações.

II–Subjacente à decisão de suspensão da execução da pena está um juízo de prognose favorável sobre o futuro comportamento do arguido, ou seja, quando se possa prever – no momento em que essa decisão é tomada – que o mesmo não cometerá futuros crimes.

III–Os factos provados dão conta de um modo de vida desestruturado, sem quaisquer projetos consistentes de inserção social, mantendo-se o arguido regulamente desempregado, acolhendo-se persistentemente ao apoio da sua progenitora – o que, sendo indicador de apoio familiar, também denuncia a desresponsabilização e imaturidade que tem caracterizado todo o percurso de vida do arguido – o que constitui indicador claro da insuficiência de qualquer pena de substituição na salvaguarda do cumprimento das finalidades das penas.

IV–Uma suspensão da execução da pena de prisão em circunstâncias como as que temos em presença, não deixaria de ser percecionada, pelo arguido e pela comunidade, como manifesta impunidade de um comportamento que todos reconhecem como nefasto.

(Sumário da responsabilidade da relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

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I.RELATÓRIO


O arguido AA, filho de BB e de CC, solteiro, nascido em ........1989, em …, residente na ..., foi condenado no processo comum singular nº 18/20.7P9LSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Lisboa – Juiz 13, por sentença datada de 29.11.2023, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181.º, n.º 1 e 184.º, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão.

Inconformado com a referida condenação, veio o arguido interpor recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:
1O Arguido não prestou declarações em sede de julgamento;
2Não foi feita a identificação do arguido, como autor das expressões proferidas, cabalmente e com a segurança e certeza que se impõe;
3A própria testemunha, DD no auto de fls 27 e 28, e em audiência, confessa que não lograram alcançar e deter o suspeito após este ter fugido e que só o reconheceu socorrendo-se da ficha do arguido e da “resenha”, uma vez que o mesmo “era conhecido na 4ª Esquadra”;
4Ora a segurança e a certeza, que se impõe na observância dos direitos e garantias do arguido em processo penal, não se coaduna com esta forma de identificação, que tem formas muito próprias de ser realizada -- artigo 147.º do CPP;
5A condenação do arguido nos termos em que o foi, viola o princípio da presunção da inocência – artigo 32.º n.º 2 da CRP, artigo 6º da CEDH, e artigo 48.º da Carta dos Direitos Fundamentais da UE, pelo que deverá o arguido ser absolvido;
6sem prescindir, não se conforma o arguido com a decisão do Tribunal a quo em não suspender a execução da pena de prisão, 4 meses, em que foi condenado;
7O arguido esteve muito recentemente em meio prisional, em cumprimento de pena por 13 meses consecutivos;
8Os factos pelos quais vem condenado serão em momento anterior ao cumprimento da última pena de prisão efetiva;
9O arguido tem muito presente, à flor da pele diga-se, o sentimento e as consequências de ficar privado da sua liberdade, de ver e conviver com a sua família, com as suas filhas;
10O arguido encontra-se socialmente inserido.
11O MP, em sede de alegações, propôs a suspensão da pena de prisão;
12“Tem-se, nestes termos, de se efetuar um juízo de prognose quanto ao comportamento que o arguido vai adotar se a execução da pena for efetuada em liberdade, juízo esse que se reporta ao momento da decisão e não do cometimento do facto.” (sublinhado nosso);
13Assim, a pena de prisão, de 4 meses, suspensa na sua execução, é ameaça suficiente para o arguido, e acautelará, salvo melhor opinião, as finalidades da punição, nos termos do artigo 50.º e seguintes do CP;
Por todo o exposto, deverá o Venerando Tribunal da Relação, revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que absolva o arguido. Sem prescindir, à cautela, requer-se que a execução da pena de prisão de 4 meses, pela qual vem o arguido condenado, seja suspensa na sua execução, nos termos e para os efeitos do artigo 50.º e seguintes do Código Penal.”
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O recurso foi admitido, por ser tempestivo e legal, com subida imediata, nos autos e efeito suspensivo.

O Ministério Público apresentou resposta, pugnando pela improcedência do recurso, e concluindo:
1–O arguido AA vem interpor recurso da douta sentença que o condenou pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181.º, n.º 1 e 184.º, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de prisão, requerendo a sua absolvição ou se assim não se entender, suspendendo-se a execução da pena de 4 meses e 15 dias de prisão em que aqui foi condenado.
2–Quanto à sua absolvição diremos que em face da prova clara e cabal, traduzida desde logo no depoimento de testemunhas presenciais dos factos que não tiveram qualquer dificuldade em identificar o arguido, não pode deixar de improceder o recurso do arguido nesta parte.
3–E o mesmo se diga quanto à requerida suspensão da execução da pena de 4 meses e 15 dias de prisão aplicada ao arguido, pois que não sendo possível integrar o requisito do juízo de prognose favorável quanto ao seu comportamento futuro (desde logo em face dos seus diversos e variados antecedentes criminais), não restou ao douto Tribunal se não determinar o cumprimento efectivo de tal pena, solução esta com a qual nos conformamos.
Assim, julgando totalmente improcedente o recurso interposto e mantendo a decisão recorrida, V. Ex.as farão a costumada e habitual Justiça.”
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Neste Tribunal, o Exmo Procurador-Geral Adjunto apresentou parecer, acompanhando a resposta apresentada na 1ª instância.

Notificado em conformidade com o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, o arguido não apresentou resposta.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
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II.QUESTÕES A DECIDIR

Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso1.
Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência do recurso com a decisão impugnada – a sentença proferida nos autos – as questões trazidas pelo recorrente prendem-se, por um lado, com a respetiva identificação como autor dos factos apreciados nos autos e, por outro lado, com a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado.

Face aos termos em que foi redigida a motivação do recurso, importa tomar posição quanto ao cumprimento dos requisitos legais para que possa ser apreciado por este Tribunal ad quem.
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III.DA DECISÃO RECORRIDA

Com interesse para a decisão do recurso, consta da sentença recorrida:

II.Dos Factos.

1.Factos Provados.
Com relevo para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1)-No dia 26/03/2020, pelas 16h20, o arguido encontrava-se junto ao n.º ..., munido de uma faca com caraterísticas não apuradas e travando-se de razões com um indivíduo não concretamente identificado;
2)-Entretanto, a fim de pôr termo ao incidente em referência e tomar conta da ocorrência, surgiu no local o agente da PSP EE, devidamente identificado e uniformizado como tal, que se encontrava em serviço na embaixada de França a cerca de 10 metros daquele local;
3)-Em tal contexto e perante a aproximação do referido agente da PSP, o arguido dirigiu-se a este dizendo-lhe “boneco, otário do caralho, polícia de merda, a polícia que venha cá buscar-me e que mame no caralho! Você é um cagão! Vai mamar no cu”;
4)-Ao ouvir as referidas expressões, o agente da PSP EE sentiu-se ofendido na sua honra e reputação social e profissional, bem como no brio pelo desempenho das suas funções de agente da ..., tanto mais que tais palavras e condutas foram proferidas/efetuadas pelo arguido em frente de outras pessoas que se encontravam no local;
5)-Ao proferir tais expressões e ao dirigir ao agente da PSP identificado os dizeres descritos em 3), quis e conseguiu o arguido magoar, vexar, humilhar, ofender a honra e consideração como cidadão e pôr em causa a sua competência profissional, por saber ser este agente da autoridade, em pleno desempenho das suas funções e por causa destas;
6)-Tendo-o feito deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que tal conduta era proibida e punida por lei penal;
Mais se provou quanto às condições sociais, familiares e profissionais do arguido que:
7)-Tem o 9.º ano de escolaridade, tendo-o concluído aos 18 anos;
8)-A nível laboral, trabalhou irregularmente e sem vínculo maioritariamente no sector da …, como ...;
9)-Atualmente encontra-se desempregado, sendo apoiado pela progenitora, reformada e beneficiária de uma pensão mensal no valor de € 419, sendo os rendimentos maternos ainda acrescidos do abono da neta no valor de € 370;
10)-Tem uma filha de seis anos de idade que foi alvo de intervenção da CPCJ e, após breve institucionalização, foi entregue aos cuidados da avó paterna, detentora da sua custódia formal, e um filho de um ano de idade;
11)-Atualmente, após ter sido libertado a 02/12/2022, encontra-se a residir com a sua mãe, irmã mais velha, a sua companheira e os seus dois filhos;
12)-A dinâmica intrafamiliar é apresentada com funcional e afetivamente harmoniosa, sendo que a mãe do arguido manifesta-se totalmente apoiante e recetiva em face do seu acolhimento, em meio livre, tendo a mesma constituído um suporte afetivo e funcionalmente consistente junto do mesmo;
13)-O arguido é consumidor de haxixe desde os seus 19 anos de idade;
Relativamente aos seus antecedentes criminais, ficou provado que:
14)-Por sentença datada de 21/03/2006, transitada em julgado a 05/04/2006, proferida no âmbito do proc. n.º 65/06.1SCLSB, foi condenado pela prática, a 21/03/2006, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, do DL n.º 2/98, de 03 de janeiro, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de € 3;
15)-Por acórdão datado de 27/04/2007, transitado em julgado a 14/05/2007, proferido no âmbito do proc. n.º 494/06.0PKLSB, foi condenado pela prática, a 14/05/2006, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão, suspensa por idêntico período;
16)-Por sentença datada de 16/10/2007, transitada em julgado a 03/11/2007, proferida no âmbito do proc. n.º 284/06.0PELSB, foi condenado pela prática, a 01/04/2006, de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de € 3;
17)-Por sentença datada de 27/10/2008, transitada em julgado a 26/11/2008, proferida no âmbito do proc. n.º 513/05.8SGLSB, foi condenado pela prática, a 28/10/2005, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204.º, do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão, suspensa por 1 ano sujeita a regime de prova;
18)-Por sentença datada de 12/01/2009, transitada em julgado a 02/02/2009, proferida no âmbito do proc. n.º 12/09.9SCLSB, foi condenado pela prática, a 10/01/2009, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, do DL n.º 2/98, de 03 de janeiro, na pena de 240 dias de multa à taxa diária de € 5;
19)-Por acórdão datado de 22/01/2009, transitado em julgado a 11/02/2009, proferido no âmbito do proc. n.º 168/06.2SGLSB, foi condenado pela prática, a 27/03/2006, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa por idêntico período sujeita a regime de prova, tendo a suspensão sido revogada por decisão transitada em julgado a 23/01/2012;
20)-Por sentença datada de 13/11/2009, transitada em julgado a 14/12/2009, proferida no âmbito do proc. n.º 57/06.0SHLSB, foi condenado pela prática, a 01/07/2006, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 14 meses de prisão, suspensa com regime de prova por igual período, tendo a suspensão sido revogada por decisão proferida a 03/05/2012;
21)-Por acórdão datado de 14/06/2010, transitado em julgado a 18/10/2010, proferido no âmbito do proc. n.º 3970/08.7TDLSB, foi condenado pela prática, a 26/05/2009, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 e 25.º, al. a), do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de 3 anos de prisão efetiva;
22)-Por sentença datada de 04/02/2014, transitada em julgado a 27/03/2014, proferida no âmbito do proc. n.º 45/14.3SGLSB, foi condenado pela prática, a 18/01/2014, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, do DL n.º 2/98, de 03 de janeiro, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de € 5;
23)-Por sentença datada de 24/06/2014, transitada em julgado a 09/09/2014, proferida no âmbito do proc. n.º 212/14.0PQLSB, foi condenado pela prática, a 19/04/2014, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, do DL n.º 2/98, de 03 de janeiro, na pena de 4 meses de prisão, substituída por 120 horas de trabalho a favor da comunidade;
24)-Por sentença datada de 08/07/2014, transitada em julgado a 23/09/2014, proferida no âmbito do proc. n.º 494/14.7SGLSB, foi condenado pela prática, a 17/06/2014, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, do DL n.º 2/98, de 03 de janeiro, na pena de 6 meses de prisão, suspensa por igual período sujeita ao dever de se inscrever numa escola de condução e de frequentar as aulas teóricas e práticas;
25)-Por sentença datada de 18/12/2014, transitada em julgado a 18/03/2015, proferida no âmbito do proc. n.º 81/14.0SCLSB, foi condenado pela prática, a 28/04/2014, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, do DL n.º 2/98, de 03 de janeiro, na pena de 14 meses de prisão, suspensa por igual período;
26)-Por sentença datada de 02/03/2015, transitada em julgado a 23/04/2015, proferida no âmbito do proc. n.º 22/15.7SGLSB, foi condenado pela prática, a 05/01/2015, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, do DL n.º 2/98, de 03 de janeiro, na pena de 30 períodos de prisão por dias livres;
27)-Por sentença datada de 07/04/2015, transitada em julgado a 20/05/2015, proferida no âmbito do proc. n.º 1041/14.6SGLSB, foi condenado pela prática, a 21/11/2014, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, do DL n.º 2/98, de 03 de janeiro, na pena de 8 meses de prisão, substituídos por 200 dias de multa à taxa diária de € 5;
28)-Por sentença datada de 29/06/2015, transitada em julgado a 14/09/2015, proferida no âmbito do proc. n.º 95/15.2PVLSB, foi condenado pela prática, a 16/02/2015, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, do DL n.º 2/98, de 03 de janeiro, na pena de 12 períodos de prisão por dias livres;
29)-Por sentença datada de 23/11/2015, transitada em julgado a 05/01/2016, proferida no âmbito do proc. n.º 1472/14.1SILSB, foi condenado pela prática, a 07/12/2014, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, do DL n.º 2/98, de 03 de janeiro, na pena de 46 períodos de prisão por dias livres;
30)-Por sentença datada de 03/03/2016, transitada em julgado a 18/03/2016, proferida no âmbito do proc. n.º 151/14.4SXLSB, foi condenado pela prática, a 16/12/2014, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, do DL n.º 2/98, de 03 de janeiro, na pena de 120 horas de trabalho a favor da comunidade;
31)-Por sentença datada de 23/03/2015, transitada em julgado a 29/06/2016, proferida no âmbito do proc. n.º 873/14.0SGLSB, foi condenado pela prática em concurso efeito, a 04/10/2014, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, do DL n.º 2/98, de 03 de janeiro, e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena única de 56 períodos de prisão por dias livres;
32)-Por sentença datada de 20/09/2016, transitada em julgado a 20/10/2016, proferida no âmbito do proc. n.º 53/16.0PCOER, foi condenado pela prática, a 12/01/2016, de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão suspensa por 1 ano, tendo a mesma sido revogada por decisão transitada em julgado a 09/12/2021;
33)-Por sentença datada de 03/07/2020, transitada em julgado a 15/04/2021, proferida no âmbito do proc. n.º 48/18.9SWLSB, foi condenado pela prática, a 11/04/2018, de um crime de furto de uso de veículo, p. e p. pelo artigo 208.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão efetiva;
34)-Por sentença datada de 27/11/2015, transitada em julgado a 30/11/2016, proferida no âmbito do proc. n.º 737/14.7SGLSB, foi condenado pela prática, a 05/09/2014, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, do DL n.º 2/98, de 03 de janeiro, na pena de 1 ano de prisão efetiva;
35)-Por sentença datada de 07/02/2018, transitada em julgado a 12/03/2018, proferida no âmbito do proc. n.º 51/18.9SILSB, foi condenado pela prática, a 20/01/2018, de um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, al. a) e 2, do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão, substituída por 120 horas de trabalho a favor da comunidade;
36)-Por sentença datada de 05/06/2019, transitada em julgado a 08/06/2020, proferida no âmbito do proc. n.º 56/19.2SVLSB, foi condenado pela prática, a 05/05/2019, de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão efetiva;
37)-Por sentença datada de 09/12/2022, transitada em julgado a 28/09/2023, proferida no âmbito do proc. n.º 9/20.8SWLSB, foi condenado pela prática, entre dezembro de 2019 e setembro de 2020, de onze crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, cinco crimes de falsificação ou contrafação de documento agravada, p. e p. pelos artigos 255.º, al. a) e 256.º, n.º 1, al. e) e 3 , do Código Penal, três crimes de burla informática e nas telecomunicações, p. e p. pelo artigo 221.º, n.º 1, do Código Penal, um crime de apropriação ilegítima, p. e p. pelo artigo 209.º, n.º 2, do Código Penal, seis crimes de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, um crime de furto de uso de veículo, p. e p. pelo artigo 208.º, n.º 1, do Código Penal e um crime de recetação, p. e p. pelo artigo 231.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 7 anos e 10 meses de prisão efetiva;
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2.Factos não provados.

Com interesse para a boa decisão da causa não resultaram provados os seguintes factos:
a)-Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 2), surgiram no local inúmeros agentes da PSP de Lisboa;
b)-De seguida o agente da PSP EE deu-lhe ordem para que largasse a faca que exibia na sua mão, não tendo o arguido acatado-a;
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Os demais artigos constantes da acusação não constam do elenco dos factos provados nem dos não provados por se ter entendido que continham matéria repetitiva ou irrelevante.
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3.Motivação da matéria de facto

A convicção do Tribunal assentou na análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento, inclusive do teor dos documentos constantes dos autos, prova esta concatenada entre si e apreciada ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127.º, do Código de Processo Penal.
Tendo em conta que a motivação dos factos da sentença deverá passar pela indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, explicitar-se-á o processo de formação de convicção do julgador.
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Uma vez que o arguido exerceu o seu direito ao silêncio, não tendo pretendido prestar quaisquer declarações, o Tribunal não pôde contar com o seu contributo para o apuramento da verdade material, fundando a sua convicção nos documentos juntos aos autos e nos depoimentos de EE, ofendido no caso dos autos, e de FF, vizinha do arguido que assistiu ao incidente, que, salvo as ressalvas infra indicadas, mereceram credibilidade por os seus depoimentos terem sido prestados de forma serena, assertiva, coerente e desinteressada.

O ofendido, situando no tempo e no espaço, explicou que visualizou o arguido a descer a rua da esperança a “berrar”, apercebendo-se que se encontrava a discutir com alguém. De seguida deu um pontapé na porta n.º 178 e entrou dentro do prédio, tendo do mesmo saído com uma faca na mão, estilo militar, tendo continuado a discutir com o terceiro indivíduo que entretanto chegou ao local. De seguida, e para cessar o conflito, vestindo-se com a farda profissional, aproximou-se do arguido que de seguida lhe disse, do que se recorda, “otário, boneco, a polícia que venha cá e me mame no caralho”.

Tal, conjugado com o depoimento da testemunha FF que, pese embora não se recordasse dos termos concretos utilizados pelo arguido, qualificou os seus dizeres como injuriosos, e com o teor do auto de notícia do qual resulta o local e a data dos factos, assim como o teor das expressões utilizadas pelo arguido, permitiu dar como provada a factualidade assente em 1 a 4 porquanto dúvidas não há que (i) as mesmas foram proferidas nos termos dados como provados; (ii) que foram dirigidas ao ofendido tendo em conta a circunstância de ambas as testemunhas não colocarem o terceiro indivíduo nas proximidades – o ofendido referiu não ter a certeza se o mesmo já se encontrava mais afastado ou se já não estava presente de todo e a testemunha FF disse que já tinha abandonado o local – e a própria escolha das expressões utilizadas nas quais fez referência à profissão daquele; e (iii) que ofenderam a sua honra e reputação social e profissional pois, tendo em conta o seu teor, aludindo especificamente à própria profissão do ofendido, são objetivamente aptas para o efeito.

Relativamente aos elementos subjetivos do tipo e aos factos relativos à culpa e consciência da ilicitude (factos provados n.º 5 e 6), deram-se os mesmos como provados por recurso às regras da experiência comum. Ora, dúvidas não há que o arguido tinha conhecimento que estava a proferir expressões capazes de ofender a honra e consideração de um terceiro pois é percetível para um cidadão médio, que se presume ser o arguido, que o são pois são objetivamente aptas para o efeito, e assim quis atuar, bem sabendo que este era um agente da PSP porque, além do mesmo estar uniformizado, utilizou precisamente esse facto nas escolhas das palavras utilizadas.

Para dar como provada a factualidade relativa à situação social, familiar e profissional do arguido (factos assentes em 7 a 13), teve-se em conta o teor do relatório social redigido pela DGRSP.

Por fim, no que aos factos relativos aos seus antecedentes criminais diz respeito (factos provados n.º 14 a 36), foi dado como assente com base no seu certificado do registo criminal.
*

Já no que aos factos não provados em a) e b) diz respeito, a decisão do Tribunal resultou de, sobre os mesmos, não ter sido produzida qualquer prova.
(…)

2.Das consequências jurídicas do crime

2.1.-Da escolha e determinação da medida concreta da pena
Qualificados juridicamente os factos e operada a respetiva subsunção aos preceitos incriminadores, importa proceder à escolha, determinação e medida da pena a aplicar.

Com a aplicação de uma pena, como consequência da prática de um ilícito criminal, visa-se, de acordo com o artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, “a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, ainda que tais finalidades estejam sempre limitadas pela sua culpa.

Esta proteção de bens jurídicos implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo primordialmente para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva). A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial positiva, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida. Por fim, a eficácia dissuasora que a pena tem para o concreto agente do crime reporta-se à prevenção especial negativa – cfr. Ac. TRC de 13/12/2017 (Orlando Gonçalves), proc. n.º 357/14.6 TAMGR.C1, in dgsi.pt.

2.1.1.-Da escolha da pena

Uma vez que os artigos 181.º, n.º 1 e 184.º, do Código Penal preveem uma pena alternativa, impõe o artigo 70.º, do Código Penal que se dê preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 40.º, do Código Penal). Conseguinte, na escolha da pena, só devem intervir razões preventivas.

Atendendo à factualidade provada, considera-se insuficiente para acautelar as exigências de prevenção gerais e especiais sentidas no caso a aplicação de pena de multa.

Assim é, pois, nos crimes de injúria, em especial quando cometido contra agentes da PSP no exercício das suas funções, como o agora em consideração, as exigências de prevenção geral são significativas tendo em conta a frequência com que são cometidos crimes de idêntica natureza na área desta comarca e a falta de consciência para a gravidade dos mesmos.

Também as exigências de prevenção especial são elevadas, tendo em conta que, com apenas 34 anos de idade, o arguido já foi condenado pela prática de um variado leque de crimes de distinta natureza – furtos, roubos, condução sem habilitação legal, tráfico de estupefacientes, desobediência, detenção de arma proibida, entre muitos outros –, num total de 24 vezes, 21 transitadas em julgado antes da prática dos factos, uma proferida também anteriormente e apenas duas transitadas em julgado após os mesmos mas por factos cometidos na sua maioria em momento anterior, tendo-lhe sido aplicadas: penas de multa; de prisão substituída por multa, por trabalho a favor da comunidade e suspensa; e de prisão efetiva.

Ora, mesmo com as referidas condenações e o efetivo cumprimento de penas de prisão, o arguido voltou a delinquir, praticando os factos dos autos, o que demonstra que nem a pena de prisão efetiva foi suficiente para o persuadir de praticar de novos ilícitos, não sendo, evidentemente, a pena de multa suficiente para o efeito.

2.1.2.- Da medida da pena

Uma vez decidida a aplicação de uma pena de prisão, importa agora fixar a sua medida concreta.

Estatuem os artigos 181.º, n.º 1 e 184.º, do Código Penal, conjugados com o artigo 41.º, n.º 1, do Código Penal, que a moldura penal abstrata do crime em apreço é de 1 mês e quinze dias a 4 meses e 15 dias de prisão.

Determina o artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal que se deverá atender à culpa do agente e às exigências de prevenção geral e especial, tomando em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do elemento do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido. A função desempenhada por cada um destes critérios é definida à luz da teoria da moldura da prevenção, que é a que melhor se adequa às intenções do legislador penal. Logo, em primeiro lugar dever-se-á achar uma moldura de prevenção geral positiva para a qual se terá de atender à medida da necessidade da tutela de bens jurídicos. Em seguida, dever-se-á atender às exigências de prevenção especial para se determinar a concreta medida da pena dentro da referida moldura preventiva, tendo como limite máximo o da culpa – cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – Parte Geral, II, As consequências jurídicas do Crime, Coimbra Editora, p. 229 a 231.

Resulta do artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal que o Tribunal deverá atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor ou contra o agente, elencando exemplificativamente algumas.

Como referido, as exigências de prevenção geral que se fazem sentir nos autos são elevadas.

Entende-se que a ilicitude é alta tendo em conta as concretas expressões utilizadas pelo arguido – “boneco, otário do caralho, polícia de merda, a polícia que venha cá buscar-me e que mame no caralho! Você é um cagão! Vai mamar no cu” –, que foram variadas e de um grau lesivo significativo, e o facto de ter atuado munido de uma faca e após o ofendido ter, no exercício das suas funções, tentado colocar termo a uma altercação entre aquele e um terceiro indivíduo não identificado.

Tendo em conta que o dolo é direto, modalidade mais grave do dolo, existe um forte desígnio criminoso.

Por fim, quanto às necessidades de prevenção especial, crê-se que são elevadas tendo em conta a desinserção profissional do arguido – que ao longo dos anos apenas trabalhou irregularmente e sem vínculo como ...e atualmente se encontra desempregado – e o seu persistente currículo delinquente – pois, desde que atingiu a imputabilidade, tem sofrido diversas condenações pela prática de crimes de diversa natureza, tendo a primeira ocorrido precisamente aos 16 anos de idade, tendo-lhe sido aplicadas tanto penas de multa como penas de prisão, sendo estas tanto privativas como não privativas da liberdade, tendo já averbadas no seu certificado criminal, com apenas 33 anos, 24 condenações. Destas, 21 transitaram em julgado antes da prática dos factos, uma foi proferida antes mas transitou cerca de dois meses depois e as outras duas, pese embora proferidas posteriormente, certo é que os factos sobre os quais incidem são, na sua generalidade, anteriores aos dos autos –, ainda que ligeiramente mitigado pela sua inserção familiar, contando com o apoio da sua progenitora.

Por tudo o referido, entende-se a culpa como elevada, a ilicitude como alta e as exigências de prevenção especial como elevadas, o que, ponderando todos os factos descritos, faz com que se entenda ser adequada e proporcional a aplicação de uma pena de 4 meses de prisão.

2.2.Da pena de substituição

Atendendo à pena concretamente fixada – 4 meses de prisão –, impõe-se que se proceda à ponderação da aplicação de uma pena de substituição da prisão de entre as elencadas na lei.

O legislador estabeleceu como critério geral o da preferência da pena não privativa da liberdade, desde que verificados os seus pressupostos formais de aplicação, sempre que tal realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ou seja, as exigências preventivas. Está em causa um poder-dever do Tribunal, que tem de substituir a pena privativa da liberdade por uma não privativa sempre que verificados os pressupostos para o efeito.

Pensa-se que é de afastar a substituição da pena de prisão por multa, abstratamente aplicável porquanto a pena em concreto aplicada é inferior a um ano, nos termos do artigo 45.º, n.º 1, do Código Penal, por não ser suficiente para acautelar as exigências preventivas que se fazem sentir no caso dos autos, que, como referido, são elevadas. E assim se entende uma vez que nem a condenação em penas de prisão, mesmo efetivas, permitiram ao arguido conformar a suas conduta conforme o direito e o impediram de voltar a praticar factos típicos, sendo evidente que o arguido detém uma personalidade delinquente e adversa ao correto viver em sociedade, sendo irrelevante para o efeito o facto de, relativamente a este tipo de crime, ser primário. Aliás, o facto de constar do seu certificado de registo criminal diversas condenações pela prática de diferentes crimes que protegem bens jurídicos distintos apenas evidencia mais esta sua personalidade contrária ao direito.

No que à prestação de trabalho a favor da comunidade respeita, prevista nos artigos 58.º e 59.º, do Código Penal, deve ser aplicada sempre que tenha sido aplicada pena de prisão não superior a dois anos, realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e o condenado o aceite – artigo 58.º, n.º 1 e 5, do Código Penal. Esta consiste, como resulta do n.º 2 do referido preceito, “na prestação de serviços gratuitos ao Estado, a outras pessoas coletivas de direito público ou a entidades privadas cujos fins o tribunal considere de interesse para a comunidade.” Pelos motivos supramencionados, também se julga que a mesma é insuficiente para acautelar as exigências preventivas que se fazem sentir e, por isso, não pode ser aplicada.

Por fim, quanto à suspensão da execução da pena de prisão, regulada nos artigos 50.º a 57.º, do Código Penal, esta deve ser aplicada sempre que a pena concretamente aplicada não seja superior a cinco anos (pressuposto formal) e a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias em que o mesmo foi cometido permitam concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (pressuposto material). Tem-se, nestes termos, de se efetuar um juízo de prognose quanto ao comportamento que o arguido vai adotar se a execução da pena for efetuada em liberdade, juízo esse que se reporta ao momento da decisão e não do cometimento do facto.

Entende-se que os seus antecedentes criminais supra analisados, em especial o facto de (i) o arguido ter iniciado o contacto com o sistema penal logo aos 16 anos, mantendo-o com alguma frequência porquanto atualmente, com 34 anos, já sofreu 24 condenações; (ii) os crimes praticados, ainda que maioritariamente consistam em condução sem habilitação legal e em ilícitos contra o património, serem de natureza variada o que demonstra a completa indiferença do arguido pelo direito penal na sua globalidade; e, por fim, (iii) já ter sofrido penas privativas da liberdade, seja por a suspensão da pena de prisão ter sido revogada – o que demonstra que tal não é suficiente para o manter com uma postura conforme ao direito – seja por a mesma ter sido ab initio afastada; não permitem formular um juízo de prognose favorável no sentido de a ameaça com a possibilidade de ser privado de liberdade ser suficiente para acautelar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal) porquanto nem o cumprimento efetivo de penas de prisão o foi.

Ademais, o efeito dessocializador da prisão que se pretende evitar com a opção por penas não privativas da liberdade não é, no caso concreto, já alcançável pois o arguido já ingressou efetivamente no meio prisional.

O exposto vale mutatis mutandis para a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, abstratamente aplicável tendo em conta que a pena concreta aplicada é inferior a 2 anos – cfr. artigo 43.º, n.º 1, al. a), do Código Penal –, pois entende-se, nos mesmos moldes supramencionados, que tal não permite alcançar de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena, e é de aplicação atual impossível dada a reclusão do arguido.”
*

IV.FUNDAMENTAÇÃO

IV.1.DA (IN)VALIDADE IDENTIFICAÇÃO DO ARGUIDO

Sem associar à sua alegação qualquer concreto vício da decisão, sustenta o recorrente que a sua identificação, enquanto autor das expressões reproduzidas nos factos dados como provados, não foi efetuada de forma cabal e com a segurança e certeza que se impõe. Conclui que “a segurança e a certeza, que se impõe na observância dos direitos e garantias do arguido em processo penal, não se coaduna com esta forma de identificação, que tem formas muito próprias de ser realizada - artigo 147.º do CPP” e que “a condenação do arguido nos termos em que o foi, viola o princípio da presunção da inocência – artigo 32.º n.º 2 da CRP, artigo 6º da CEDH, e artigo 48.º da Carta dos Direitos Fundamentais da UE”.

Face a tal alegação, pode, com alguma generosidade, inferir-se que o recorrente pretende invocar a nulidade da sentença, por assentar em prova inválida, decorrente do incumprimento das formalidades do reconhecimento previsto no artigo 147º do Código de Processo Penal.

Não tem razão, porém.

Como refere Germano Marques da Silva2, “o reconhecimento é um meio de prova que consiste na confirmação de uma percepção sensorial anterior, ou seja, consiste em estabelecer a identidade entre uma percepção sensorial anterior e outra actual da pessoa que procede ao acto.

Nas palavras de Santos Cabral, “Estamos perante a prova de reconhecimento quando não esteja identificado o agente do crime em relação a alguém previamente identificado, investigado e assumido como sujeito processual”3.

Se o autor do crime é conhecido nos autos, vindo a ser identificado, no decorrer das declarações prestadas por uma testemunha e/ou declarante, como o autor do ilícito, não estamos perante prova por reconhecimento, mas sim testemunhal ou por declarações.

Pronunciando-se a propósito da questão que aqui nos traz, decidiu o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 425/20054, “[…], o reconhecimento, enquanto reconstrução e evocação de uma experiência sensitiva passada, implica uma analepse interior do sujeito activo do reconhecimento e uma projecção, temporalmente desfasada, de um retrato anterior.

Ora, nesse quadro, só se garantirá um mínimo de objectividade sindicável se o juiz puder estabelecer um confronto "contraditório" com base nos elementos que resultem da exteriorização dessa memória passada revivida em juízo, sendo que o controlo dessa evocação será sempre reforçado quando se dirija ao momento temporalmente relevante da aquisição da percepção.

Assim sendo, não deve, congruentemente, ter-se juridicamente por asséptica a ordem de cumprimento dos requisitos constantes do artigo 147º, relegando-se para um plano subsidiário o reconhecimento entre outras pessoas (previsto no n.º 2), dado que este, isolado de per se, apenas tem como factor de controlo a existência de outras possíveis escolhas (nisto se esgotando a (im)possibilidade de "contra-prova"), não se podendo por ele avaliar, inter alia, as características da pessoa a reconhecer ao tempo da aquisição da "informação" e confrontar o sujeito activo do reconhecimento com esses dados, de molde a garantir um convencimento mínimo da correspondência do reconhecido à pessoa a reconhecer.

Além do mais, como já se aflorou, as razões essenciais, que, do ponto de vista legislativo, concorrem para a modelação normativa deste específico meio probatório, não deixam, também, de concorrer para justificar a pertinência dos mencionados critérios.

De facto, tais cautelas apenas se compreendem num ambiente de dúvida e de incerteza quanto à imputação subjectiva, situações para as quais o reconhecimento está finalisticamente preordenado.
Por isso, este meio de prova não pode confundir-se, na sua essência, com a prova testemunhal e com o juízo de imputação subjectiva que neste domínio seja efectuado.

Não há dúvida de que entre a "prova por reconhecimento" e a "prova testemunhal" existem diversos "pontos de contacto" (cf. Nicola Triggiani, "La ricognizione personale: struttura ed efficacia", cit., p. 775 e Massimo Ceresa Gastaldo, "La ricognizione personale "attiva" all’esame della Corte Costituzionale: facoltà di astenzione o incompatibilità del coimputato", in Rivista italiana di diritto e procedura penale, 1, 1995, p. 264).

Desde logo, pode dizer-se que um testemunho, enquanto "juízo" de imputação fáctica, implica sempre um "reconhecimento" de um determinado sujeito – recte, uma individualização concretizadora ou um acto de identificação directa [cf. Nicola Triggiani, "La ricognizione personale: struttura ed efficacia", cit., p. 773, n. 173; v. também Daniela Vigoni, "La ricognizione personale", cit., p. 183; Giovanni Conso/Vittorio Grevi, Commentario breve al Nuovo Codice di Procedura Penale, Pádua, 1994, pp. 213 e ss.; Tommaso Rafaraci, "Ricognizione informale dell'imputato e (pretesa) fungibilità delle forme probatorie" – nota a Cass. sez. II pen. 28 febbraio 1997 – in Cassazione Penale, n.º 6, 1998, pp. 1739-1747].

Contudo, não podem olvidar-se as diferenças qualitativo-funcionais entre estes dois domínios probatórios.

Desde logo, importa ter presente o pressuposto específico – que autonomiza o reconhecimento e o erige como meio de prova – traduzido num inequívoco juízo de necessidade, direccionado, como se disse, ao esclarecimento de uma situação de incerteza subjectiva, em termos de a ele se recorrer apenas "quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa" (v. Alberto Medina de Seiça, "Legalidade da prova e reconhecimentos "atípicos" em processo penal..., cit., p. 1413).

E se este juízo permite distinguir a valoração autónoma deste meio de prova daqueloutra relativa à prova testemunhal qua tale, também não é menos verdade que, por ele, se devem circunscrever à esfera da prova testemunhal os "reconhecimentos testemunhais", onde não se autonomize e onde não releve a necessidade de esclarecimento de uma qualquer situação de incerteza quanto à autoria dos factos e à identificação do agente.
De facto, a identificação subjacente a um depoimento testemunhal esgota a sua eficácia – e a possibilidade de o juiz o valorar – no âmbito de um meio probatório não direccionado ao reconhecimento de uma pessoa e, assim, qualquer "individualização" ou "reconhecimento" – em sentido impróprio, diga-se – que aí se faça não pode deixar de ter como pressuposto uma situação de determinação subjectiva, e, por isso, só poderá ser valorada dentro da esfera probatória de onde emerge – a prova testemunhal –, não lhe podendo ser reconhecido um valor probatório autónomo e separado.

Ou seja, por outras palavras, não estando implicada na produção e valoração deste meio de prova uma necessidade de se afastar uma situação de incerteza quanto à identificação de um sujeito, a funcionalidade e a finalidade inerentes a um acto de "reconhecimento" – de imputação – que se produza neste contexto terá sempre uma função exógena da que é cumprida pelo reconhecimento em sentido próprio – v. g. aferir da credibilidade e consistência do depoimento –, não podendo aquele ser autonomamente valorado para responder às situações onde se justifique a autonomização de um verdadeiro acto de reconhecimento.
[…]
Se a testemunha que depõe em audiência de julgamento, tendo na sua frente certa pessoa na posição de arguido, lhe assaca a prática de certos factos, contextualizados espácio-temporalmente, a questão posta ao tribunal não é a de saber qual é a pessoa, dentre várias, a quem os factos constantes da pronúncia podem ser atribuídos, que corresponde à representação recognitiva e mnemónica retida pela testemunha, mas a de saber se a imputação feita nesse depoimento a essa concreta pessoa é ou não credível, segundo o princípio da livre apreciação da prova testemunhal.

Em causa não está, pois, saber qual é a identidade da pessoa que corresponde à imagem que a testemunha sensorizou como sendo o autor dos factos que relata, mas sim a de saber se a subjectivação que faz relativamente ao arguido se revela capaz, dentro da apreciação crítica de todas as provas produzidas em julgamento, de fundar a convicção do tribunal.

Assim sendo, nada impede o Tribunal de "confrontar" uma testemunha com um determinado sujeito para aferir da consistência do juízo de imputação de factos quando não seja necessário proceder ao reconhecimento da pessoa, circunstância em que não haverá um autêntico reconhecimento, dissociado do relato da testemunha, e em que a individualização efectuada – não tem o valor de algo que não é: o de um reconhecimento da pessoa do arguido como correspondendo ao retrato mnemónico gravado na memória da testemunha e de cuja equivalência o tribunal, dentro do processo de apreciação crítica das provas, saia convencido.

Diferente – mas que não ocorreu nos autos – é a situação processual que ocorre quando, pressuposta que seja a necessidade de reconhecimento da pessoa, tida como possível autora dos factos, se coloca o identificante na posição de ter precisar, entre várias pessoas colocadas anonimamente na sua presença, quem é que corresponde ao retrato mnemónico por ele retido.

Aqui desenvolve-se um específico meio de conhecimento de factos – meio de prova – cujo fim é apenas o de apurar a identidade da pessoa que corresponde àquele retrato.

Só neste caso é que, no plano da conformação dos meios legais de prova, o reconhecimento, tem um valor autónomo de prova, não sendo legítimo fundir tal valor probatório no domínio da prova testemunhal para, (in)dependentemente disso, libertar a prova por reconhecimento das amarras credenciadoras da sua adequada obtenção, mesmo que produzido em julgamento.

In casu, como se relatou, não foi efectuado pelas testemunhas qualquer acto processual autónomo do da prestação do seu depoimento que esteja legalmente funcionalizado para poder dar a conhecer se, entre várias pessoas de identidade desconhecida, entre as quais o arguido se contaria, a imagem mnemónica retida pelo identificante incidiria sobre este.

Em rectas contas, não se trata de situação que se ajuste ao meio de prova conformado no art.º 147º do CPP, designado de reconhecimento, mas simplesmente de uma atribuição dos factos expostos no depoimento da testemunha a certa pessoa ou pessoas, sendo de notar que na dinâmica dos acontecimentos podem estar “em cena” não só o arguido (possível sujeito passivo do reconhecimento) mas também outras pessoas intervenientes no processo, como ofendidos e outras testemunhas.

Tal imputação integra-se, assim, no meio de prova testemunhal, tendo o valor probatório que legalmente lhe está atribuído (livre apreciação).

A circunstância de o tribunal, ao fundamentar a sua convicção, cindir, na valoração do meio de prova testemunhal, o momento de imputação do da ponderação do depoimento, na sua totalidade, e em conjugação com os demais meios de prova, não equivale a atribuir a essa imputação um valor autónomo de prova, correspondendo antes a uma atitude de fazer realçar os diferentes aspectos do depoimento que se revelaram decisivos, dentro da apreciação crítica das provas, para a formação da sua convicção.

De qualquer modo, a circunstância de a realidade processualmente acontecida haver sido subsumida pelo acórdão recorrido a um certo entendimento do art.º 147º do CPP – simpliciter, o de o acto da testemunha não estar sujeito ao cumprimento de todas as regras consubstanciadoras dos standards mínimos legais que suportam a fiabilidade daquele meio de prova – não constitui óbice a que o Tribunal Constitucional possa conhecer se a substancialidade do meio impropriamente denominado de reconhecimento e qualificado dentro de tal preceito legal, mas em rigor correspondente a prova testemunhal, ofende o princípio da plenitude das garantias de defesa consagrado no art.º 32º, n.º 1, da Constituição.

Ora, vigorando na fase da audiência de julgamento, na sua plenitude, o princípio do contraditório, não pode deixar de entender-se que o arguido pode questionar todos os elementos de facto que sejam evidenciados pela testemunha como razão de ciência da imputação feita ao arguido, bem como a correcção da sua prognose recognitiva.

E visto nesta dimensão, o impropriamente denominado acto de “reconhecimento” não viola a referida norma constitucional ou qualquer outra.”

Com tais fundamentos, decidiu o Tribunal Constitucional não julgar inconstitucional o 147º, nos 1 e 2, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual quando, em audiência de julgamento, a testemunha, na prestação do seu depoimento, imputa os factos que relata ao arguido, a identificação do arguido efectuada nesse depoimento não está sujeita às formalidades estabelecidas em tal preceito.

O entendimento exposto pelo Tribunal Constitucional merece a nossa inteira adesão, como tem, aliás, merecido a adesão da generalidade da jurisprudência, mesmo depois das alterações legislativas introduzidas pela Lei nº 48/2007, de 29 de agosto5.

Esta é também a solução preconizada por Tiago Caiado Milheiro6 que, a propósito, escreve: “A alteração ao código de processo penal de 2007 não afasta a possibilidade de uma testemunha identificar o arguido, mas sim, caso se opte por a obtenção de uma prova por reconhecimento, a necessidade de respeitar o formalismo processual previsto naquele normativo.

Ou seja, caso o tribunal se decida pela relevância de tal prova, a mesma deverá ser efectuada em audiência com estrito respeito do disposto no art. 147.º do CPP, sob pena de não se poder valorado o reconhecimento7.

Diversamente é a situação em que uma testemunha refere que o arguido é o autor do ilícito, sendo que tais declarações deverão ser valoradas ao abrigo do art. 127.º do CPP8.

Na verdade, existem um conjunto de circunstâncias que conferem maior ou menor credibilidade a um testemunho: o facto de conhecer o arguido antes do ilícito, ou, se assim não for, o modo como descreve o arguido, as condições em que o viu ou como o viu, tudo elementos para serem expostos na motivação de facto e que podem ser ou não suficientes para convencer o tribunal9.

Com esta posição, após a alteração ao código de processo penal, veja-se ac. da RL, de 30.10.2008 10 11, que se sumariou da seguinte forma “I- A identificação produzida em audiência de julgamento não é mais do que a revelação da percepção da testemunha, dentro do espírito da prova testemunhal, ou seja dentro da forma e da dinâmica em que se está a produzir a prova, não se tratando, obviamente, de prova proibida e não se encontrando sujeita à disciplina do art. 147 do CPP. 2- O procedimento adoptado é correcto, porquanto o que foi valorizado foi o depoimento da testemunha, apreciado nos termos do artigo 127.º do Cód. Proc. Penal, e não a «prova por reconhecimento» a que alude o artigo 147.º do mesmo diploma. 3- Não existe qualquer obstáculo legal a que o reconhecimento se faça por videoconferência.

Ora, face ao que evola dos autos, é manifesto que não estamos perante um reconhecimento em sentido próprio – o regulado e definido pelo artigo 147º do Código de Processo Penal – mas ante testemunhas que não tiveram dúvidas em identificar o arguido como autor dos factos descritos na acusação, v.g. EE e FF, como, de forma clara e inequívoca, dá conta a fundamentação da decisão de facto constante da sentença recorrida, que relevou tais contributos em conformidade com o princípio da livre apreciação da prova, decorrente do artigo 127º do Código de Processo Penal, tendo considerado tais relatos credíveis e conformes com as regras de experiência comum.

Note-se que, tendo os depoimentos em questão sido prestados em audiência de julgamento, foram os mesmos sujeitos a amplo contraditório, não havendo motivo para que não fossem valorados pelo Tribunal a quo.

Inexiste, pois, a pretendida nulidade da prova.

Não tendo o recorrente impugnado a decisão relativa à matéria de facto em conformidade com o disposto no artigo 412º, nº 3 do Código de Processo Penal, não pode este Tribunal apreciar amplamente a prova produzida, apenas podendo examinar o texto da decisão.

Neste âmbito, dispõe o artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal que, Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova (…)”. (sublinhado nosso)

A indagação de tais vícios, por parte do tribunal ad quem, é uma tarefa puramente jurídica, de matéria de direito, já que mais nenhuma outra prova é necessária para que se possa concluir pela eventual existência ou não dos mesmos. Mais não constitui tal tarefa de indagação do que a aplicação da norma adjetiva em causa às circunstâncias concretas da decisão em recurso. Como anota Pereira Madeira12, “É a lei quem o inculca com clareza ao impor que o vício resulte do texto da decisão recorrida, apenas e só, eventualmente com recurso às regras de experiência comum. Por isso, fica excluída da previsão do preceito toda a tarefa de apreciação e ou valoração da prova produzida, em audiência ou fora dela, nomeadamente a valoração de depoimentos, mesmo que objecto de gravação, documentos ou outro tipo de provas, tarefa reservada para o conhecimento do recurso em matéria de facto.”

Todavia, lida atentamente a decisão recorrida, não vemos que na mesma se tenha cometido algum daqueles vícios – designadamente, que a matéria de facto provada seja insuficiente para a decisão, que seja evidente a existência de factos que ficaram por apurar ou que tenha sido extraída da matéria de facto qualquer conclusão patentemente errada, ilógica ou arbitrária.

Nenhuma alteração há, por isso, a introduzir na matéria de facto considerada assente.

O recorrente alegou, no entanto, que, face à prova produzida, o Tribunal deveria ter permanecido na dúvida quanto aos factos ocorridos, o que imporia a respetiva absolvição, em obediência ao princípio in dubio pro reo.

Ora, a propósito do princípio in dubio pro reo13, há a dizer que o que dele resulta é que quando o tribunal fica na dúvida quanto à ocorrência de determinado facto, deve daí retirar a consequência jurídica que mais beneficie o arguido, quer na instrução, quer no julgamento.

Mas, para que a dúvida seja relevante para este efeito, há de ser uma dúvida razoável, uma dúvida fundada em razões adequadas e não qualquer dúvida (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, p. 205)14.

Como se ponderou no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 10.01.201815, “a certeza judicial não se confunde com a certeza absoluta, física ou matemática, sendo antes uma certeza empírica, moral, histórica.

O princípio in dubio pro reo constitui um princípio de direito relativo à apreciação da prova/decisão da matéria de facto, estando umbilicalmente ligado, limitando-o, ao princípio da livre apreciação – a livre apreciação exige a convicção para lá da dúvida razoável; e o princípio «in dubio pro reo» impede (limita) a formação da convicção em caso de dúvida razoável. A dúvida razoável, que determina a impossibilidade de convicção do tribunal sobre a realidade de um facto, distingue-se da dúvida ligeira, meramente possível, hipotética. Só a dúvida séria se impõe à íntima convicção. Esta deve ser, pois, argumentada, coerente, razoável. De onde que o tribunal de recurso só poderá censurar o uso feito desse princípio (in dubio) se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida e que, face a esse estado escolheu a tese desfavorável ao arguidocfr. acórdão do STJ de 2/5/1996, CJ/STJ, tomo II/96, pp. 177. Ou quando, após a análise crítica, motivada e exaustiva de todos os meios de prova validamente produzidos e a sua valoração em conformidade com os critérios legais, é de concluir que subsistem duas ou mais perspetivas probatórias igualmente verosímeis e razoáveis, havendo então que decidir por aquela que favorece o réu.”

Sublinhamos, a este respeito, que a seleção da perspetiva probatória que favorece o acusado só se impõe quando, esgotadas todas as operações de análise e confronto de toda a prova produzida perante o julgador, apreciada conjugadamente entre si e em conformidade com as máximas de experiência, a lógica geralmente aceite e o normal acontecer das coisas, subsista mais do que uma possibilidade de igual verosimilhança e razoabilidade.

A violação deste princípio tem sempre que ser aferida em concreto, porque só em concreto pode acontecer que, no final da produção da prova, no tribunal permaneça alguma dúvida importante e séria sobre o ato externo e a culpabilidade do arguido.

Assim, só haverá violação do mencionado princípio quando, perante uma dúvida inultrapassável sobre factos essenciais para a decisão da causa, venha o julgador a decidir em desfavor do arguido. Tal não ocorreu, manifestamente, no caso dos autos, mostrando-se a factualidade julgada provada estribada em prova produzida em julgamento e em consonância com essa prova. Não vislumbramos na sentença recorrida, quer na matéria de facto julgada provada, quer na sua fundamentação, que, ao fazer esta opção fáctica, o Tribunal a quo tivesse tido qualquer hesitação quanto à valoração da prova, não se vislumbrando também que, na concreta situação dos autos, devesse ter tido qualquer dúvida.

A argumentação do recorrente a este respeito assenta, apenas, na sua opinião acerca da prova, que não pode sobrepor-se à convicção, isenta e imparcial, formada pelo Tribunal a quo.

Assim, mostrando-se a opção fáctica feita pelo Tribunal a quo baseada em prova produzida em julgamento e à qual o Tribunal atribuiu credibilidade e verosimilhança, nenhum reparo merece a decisão recorrida, sendo evidente que o recorrente não indicou prova que obrigasse a decisão diferente da adotada.

Deste modo, sendo os factos dados como provados na sentença recorrida conclusões lógicas da prova produzida em audiência e plausíveis face a essas provas, a convicção assim formada pelo julgador não pode ser censurada, sob pena de violação do princípio da livre apreciação da prova.

Consequentemente, inexistindo qualquer erro de julgamento ou qualquer violação do princípio in dubio pro reo, impõe-se manter a matéria de facto nos precisos termos fixados pela 1ª instância.
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Fixada a matéria de facto nos termos constantes da decisão recorrida, não oferece dúvida o respetivo enquadramento jurídico-penal, contra o qual, de resto, o arguido não se insurgiu – não cabendo a este Tribunal ad quem introduzir qualquer alteração a tal título.
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IV.2.DA (NÃO) SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO

Reclama o recorrente a substituição da pena de prisão que lhe foi aplicada por pena suspensa na sua execução, alegando estar socialmente inserido e aditando que “tem muito presente, à flor da pele diga-se, o sentimento e as consequências de ficar privado da sua liberdade, de ver e conviver com a sua família, com as suas filhas”.

Vejamos.

O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – artigo 50º, nº 1, do Código Penal.

Como se ponderou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.02.202116, “Para a aplicação da suspensão da execução da pena (artigo 50.º, do CP), a lei define um requisito objectivo (condenação em pena de prisão não superior a 5 anos) e estabelece pressupostos subjectivos, determinados por finalidades político-criminais – os que permitam concluir pelo afastamento futuro do delinquente da prática de novos crimes, através da sua capacidade de se reintegrar socialmente.

Trata-se, de alcançar a socialização, prevenindo a reincidência.

Assim, sempre que o julgador puder formular um juízo de prognose favorável, à luz de considerações de prevenção especial sobre a possibilidade de ressocialização do arguido, deverá deixar de decretar a execução da pena.

Estão em causa, não considerações sobre a culpa, mas prognósticos acerca das exigências mínimas de prevenção.

Pretende-se, como sublinha, com incontornável autoridade, o Professor Figueiredo Dias, «o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer correcção, melhora ou – ainda menos – metanóia das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É, em suma, como se exprime Zipf, uma questão de legalidade e não de moralidade que aqui está em causa. Ou como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o conteúdo mínimo da ideia de socialização, traduzida na prevenção da reincidência».

Depois de se optar por uma pena detentiva, à luz das considerações e com os critérios legais sobre-expostos, importa, pois, determinar se existe a esperança fundada de que a socialização em liberdade pode ser alcançada, a partir de razões fundadas e sérias que levem a acreditar na capacidade do delinquente para a auto-prevenção do cometimento de novos crimes, devendo negar-se a suspensão sempre que, fundadamente, seja de duvidar dessa capacidade.

Nos termos prevenidos no artigo 50.º, do CP, a averiguação de tal capacidade deve ser feita em concreto, através da análise da personalidade do arguido, das suas condições de vida, da conduta que manteve antes e depois do facto e das circunstâncias em que o praticou.

Se, dessa análise, resultar que é possível esperar que a ameaça da pena de prisão e a censura do facto são idóneos a permitir a formulação do referido juízo de confiança na capacidade do arguido para não cometer novos crimes, deverá ser decretada a suspensão da execução da pena.”

Assim, subjacente à decisão de suspensão da execução da pena está um juízo de prognose favorável sobre o futuro comportamento do arguido, ou seja, quando se possa prever – no momento em que essa decisão é tomada – que o mesmo não cometerá futuros crimes.

No caso, tendo sido fixada uma pena de 4 meses de prisão (portanto, não superior a 5 anos de prisão), é, em abstrato, admissível a aplicação daquela pena de substituição.

O Tribunal a quo entendeu, no entanto, que, “o facto de (i) o arguido ter iniciado o contacto com o sistema penal logo aos 16 anos, mantendo-o com alguma frequência porquanto atualmente, com 34 anos, já sofreu 24 condenações; (ii) os crimes praticados, ainda que maioritariamente consistam em condução sem habilitação legal e em ilícitos contra o património, serem de natureza variada o que demonstra a completa indiferença do arguido pelo direito penal na sua globalidade; e, por fim, (iii) já ter sofrido penas privativas da liberdade, seja por a suspensão da pena de prisão ter sido revogada – o que demonstra que tal não é suficiente para o manter com uma postura conforme ao direito – seja por a mesma ter sido ab initio afastada; não permitem formular um juízo de prognose favorável no sentido de a ameaça com a possibilidade de ser privado de liberdade ser suficiente para acautelar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal) porquanto nem o cumprimento efetivo de penas de prisão o foi.

Ademais, o efeito dessocializador da prisão que se pretende evitar com a opção por penas não privativas da liberdade não é, no caso concreto, já alcançável pois o arguido já ingressou efetivamente no meio prisional”.

Não vemos que tal avaliação se mostre desajustada da realidade que aqui enfrentamos.

As exigências de prevenção geral quanto a este tipo de criminalidade são significativas, tendo em conta a frequência com que é praticado este tipo de crime, visando especificamente agentes da autoridade, e a erosão do tecido social que os mesmos representam.

Os propósitos preventivos de estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada, reclamam, pois, uma intervenção forte do direito penal sancionatório, por forma a que a aplicação da pena responda às necessidades de tutela dos bens jurídicos, assegurando a manutenção, apesar da violação da norma, da confiança comunitária na prevalência do direito.

Por outro lado, não se podem desprezar as necessidades de prevenção especial, atento o passado criminal do arguido, assumindo particular relevo que já foi alvo de repetidas intervenções do sistema sancionatório penal e, até à data, permaneceu insensível à censura que lhe foi dirigida, denunciando de forma exuberante a impossibilidade da formulação de um prognóstico favorável quanto ao seu comportamento futuro.

Não se evidencia, no contexto de vida do recorrente, que existam condições mínimas para crer que a censura da condenação e a ameaça da execução da pena possam surtir qualquer efeito no afastamento do mesmo da prática de crimes no futuro. Na verdade, os factos provados dão conta de um modo de vida desestruturado, sem quaisquer projetos consistentes de inserção social, mantendo-se o arguido regulamente desempregado, acolhendo-se persistentemente ao apoio da sua progenitora – o que, sendo indicador de apoio familiar, também denuncia a desresponsabilização e imaturidade que tem caracterizado todo o percurso de vida do arguido17 – o que constitui indicador claro da insuficiência de qualquer pena de substituição na salvaguarda do cumprimento das finalidades das penas.

Uma suspensão da execução da pena de prisão em circunstâncias como as que temos em presença, não deixaria de ser percecionada, pelo arguido e pela comunidade, como manifesta impunidade de um comportamento que todos reconhecem como nefasto. Com efeito, «nenhum ordenamento jurídico suporta pôr-se em causa a si mesmo, sob pena de deixar de existir enquanto tal. A sociedade tolera uma certa «perda» de efeito preventivo geral – isto é conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição. Já não tolera a sua ineficácia»18.

Motivos que chegam para manter a condenação do arguido em prisão efetiva, nenhuma censura merecendo a decisão recorrida neste aspeto.

O recurso improcede na totalidade.
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V.DECISÃO

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso interposto por AA, confirmando-se a sentença recorrida nos seus precisos termos.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.
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Lisboa, 07 de maio de 2024



(texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)


Sandra Oliveira Pinto
(Juíza Desembargadora Relatora)
Sandra Ferreira
(Juíza Desembargadora Adjunta)
Carlos Espírito Santo
(Juiz Desembargador Adjunto)


1.Cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 9ª ed., 2020, págs. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007, Processo nº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412.º, n.º 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»
2.Curso de Processo Penal, II volume, Lisboa, 1999, pág. 174.
3.Código de Processo Penal Comentado, Almedina (2014), pág. 614.
4.De 25.08.2005, Processo n.º 452/05, 2.ª Secção, Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues, acessível em www.tribunalconstitucional.pt.
5.Cf., entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23.11.2011, no processo nº 20/09.0GALLE.E1.S1, Relator: Conselheiro Arménio Sottomayor (sumário), do Tribunal da Relação de Coimbra de 26.10.2011, no processo nº 179/10.3GBVNO.C1, Relator: Desembargador Paulo Guerra, de 18.06.2014, no processo nº 26/09.9GASPS.C1, Relator: Desembargador Calvário Antunes, e de 10.09.2014, no processo nº 1440/08.2TACBR.C1, Relatora: Desembargadora Alcina da Costa Ribeiro, do Tribunal da Relação do Porto de 20.05.2015, no processo nº 198/12.5GAVFR.P1, Relator: Desembargador Alves Duarte, e de 13.09.2017, no processo nº 1075/13.8PBMTS.P1, Relator: Desembargador Luís Coimbra, do Tribunal da Relação de Évora de 06.02.2018, no processo nº 164/16.1GBLLE.E1, Relator: Desembargador Gomes de Sousa (bem como a jurisprudência nos mesmos citada), todos acessíveis em www.dgsi.pt
6.“Breve Excurso pela Prova Penal na Jurisprudência Nacional” in Revista Julgar, nº 18, 2012, págs. 45-46.
7.Repare-se que, caso se entenda que a presença do(s) arguido(s) pode condicionar o reconhecimento em audiência, nada impede que a testemunha efectue o reconhecimento em instalações próprias para o efeito, aplicando-se analogicamente o art. 352.º, n.º 1, al. a), do CPP, sendo que, como é óbvio, e aplicando analogicamente tal art. deverá dar-se conhecimento da diligência ao arguido na audiência (não obstante o seu Defensor ter estado presente nesta) para, querendo, exercer o seu contraditório, conforme arts. 352.º, n.º 2, e 332.º, n.º 7, do CPP (em alguns tribunais as salas de audiência estão preparadas para tal. Noutros existe salas de reconhecimento. Se nenhuma das situações se verificar normalmente terá que se usar as instalações policiais).
8.Ac. da RC, processo n.º 94/08.0GCLSA.C1, de 30.11.2011, relator Vasques Osório: “Quando em audiência de julgamento, uma testemunha relata os actos que viu o arguido praticar, não está a proceder ao reconhecimento deste, mas unicamente a prestar depoimento, a valorar apenas, no âmbito da prova testemunhal, não fazendo sentido, neste contexto, invocar a inobservância das regras impostas no art. 147.º do CPP, como forma de invalidar a prova testemunhal produzida.”
9.Verificando-se os pressupostos do depoimento testemunhal por videoconferência a identificação do arguido pode ser por este meio, sendo que poderá ser útil em situações em que as testemunhas estejam receosas, já que através deste meio, estando a televisão “virada” para juízes, MP e advogados, o arguido e a testemunha não se vêem.
10.Relator: Rui Rangel, processo n.º 7066/2008-9.
11.No mesmo sentido ac. da RG, processo n.º 26/06.0GBPVL.G1, de 29.06.2009, ac. da RP, processo n.º 1001/03.2JAPRT.P1, de 17.03.2010, ac. da RC, processo n.º. 209/09.1PBFIG.C1, de 10.11.2010, e processo n.º 231/08.5GBTMR.C1, da RC, de 4.05.2011, ac. da RL, processo n.º 518/08.7PLLSB.L1-5, de 14.02.2010.
12.Código de Processo Penal Comentado, 3ª ed. revista, Almedina, 2021, pág. 1291.
13.“A presunção de inocência é identificada por muitos autores como princípio in dubio pro reo, no sentido de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido. A dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado todo o esforço para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado já que a condenação significaria a consagração de um ónus de prova a seu cargo, baseado na prévia admissão da sua responsabilidade, ou seja, o princípio contrário ao da presunção de inocência.” (Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, I, 5ª ed., 2008, págs. 83 e 84).
14.Sobre as possibilidades de aplicação do princípio in dubio pro reo, vd. o importante acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.05.2009, no processo nº 09P0484, Relator: Conselheiro Raul Borges, em www.dgsi.pt.
15.No processo nº 63/07.8TELSB-3, Relator: Desembargador Nuno Coelho, acessível em www.dgsi.pt.
16.No processo nº 381/16.4GAMMC.C1.S1, Relator: Conselheiro António Clemente Lima, acessível em www.dgsi.pt
17.Não por acaso, o relatório social elaborado pela DGRSP a solicitação do Tribunal, e elencado na decisão como meio de prova, conclui que “[o arguido] AA aparenta com base na sua trajetória criminal, propensão por um pensamento marcado por alguma imaturidade, imediatista, autocentrado e marcado pela impulsividade, com dificuldades no domínio do pensamento crítico, da capacidade reflexiva e alternativa, nomeadamente, na antevisão dos resultados finais dos seus atos, quando confrontado com períodos instáveis, na sua trajetória de vida pessoal”.
18.Cf. Costa Andrade, RLJ, 134º, pág. 76.