Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3581/2003-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
RESOLUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/25/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE A DECISÃO.
Sumário: I- Celebrado contrato-promessa de compra e venda, com prestação de sinal e tradição da coisa prometida vender, a simples mora do devedor confere o direito à resolução do contrato.
II- A declaração resolutiva pode ser meramente tácita, resultando da exigência do sinal em dobro.
III- A prorrogação tácita do prazo inicialmente fixado para o cumprimento da obrigação, sem estipulação de outro, transforma aquela em obrigação pura.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção Cível deste Tribunal da Relação de Lisboa

I- João e mulher, Maria, intentaram acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra Júlio e mulher, Bela, , pedindo a condenação dos RR. a pagarem aos AA. a quantia de 3.065.390$00, sendo 2.800.000400 correspondentes á devolução do sinal em dobro, 59.250$00 ao Registo Provisório de Aquisição, 64.640.$00 ao Registo Provisório de Hipoteca a favor do Banco e 141.500$00 referentes ao imposto de sisa, e ainda os juros de mora até integral pagamento.
Alegam para tanto que AA. e RR. celebraram entre si, em 29-12-1998, um Contrato Promessa de Compra e Venda referente à fracção autónoma correspondente ao andar onde se dão por residentes.
Tendo entregue a título de sinal a quantia de 1.400.000$00, e pago os registos provisórios de aquisição, de hipoteca e o imposto de sisa.
O prazo de 90 dias, acordado para a celebração da escritura de compra e venda findou em 29-03-1999, sem que os RR. alegando dificuldades várias, se dispusessem a celebrar aquela.
Cuja marcação não foi possível até ao presente, face á recusa dos RR.
Tendo assim os AA. perdido o interesse no negócio.
Contestaram os RR., invocando a existência de um ónus de inalienabilidade, com a duração de cinco anos, e termo em 23-10-2000, sobre a fracção em causa, devidamente registado na C.R.Predial respectiva.
E do qual a A. foi informada durante os preliminares do negócio.
Prevendo a cla. 4ª do contrato a prorrogação do prazo inicial até que estejam reunidas todas as condições para celebrar a escritura o que assim acontecerá com a extinção do dito ónus, em 24-10-2000.
Além disso, os RR., em 07-02-1999, a pedido dos AA. entregaram-lhes as chaves da fracção e estes logo foram habitá-la, ali tendo a sua residência permanente.
Posto o que não perderam o interesse no negócio.
Rematam com a improcedência da acção.
O processo seguiu seus termos, com saneamento e condensação, vindo a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente, por não provada, absolvendo os RR. do pedido.
Inconformados recorreram os AA., formulando, nas suas alegações, as conclusões seguintes:
………………………

Contra-alegaram os RR., pugnando pela manutenção do julgado.

II- Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objecto daquele – vd. artºs 684º, n.º 3, 690º, n.º 3, 660º, n.º 2 e 713º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil – são questões propostas à resolução deste Tribunal:
- se  ocorre a nulidade da sentença recorrida, por omissão...e excesso de pronúncia.
- do direito dos AA. às quantias peticionadas.

Considerou-se assente, na primeira instância – com ressalva do suprimento da falta de integralidade da transcrição da cla. 4ª do contrato-promessa, e da especificação de conteúdo relativa ao documento para que se remete em D dos Factos Assentes, ora operados – a factualidade seguinte:
………………………

Não tendo ocorrido impugnação da decisão quanto à matéria de facto, e nada nos autos impondo diversamente, subsiste a mesma.

E apreciando.
II-1- Das nulidades assacadas à sentença. 
Reconduzem os AA. a pretendida omissão de pronúncia à circunstância de, alegadamente, não se haver pronunciado a sentença sobre a confissão feita pelos RR. da impossibilidade de, por culpa sua, a escritura ser celebrada no prazo marcado.
Ora, a estar em causa efectiva confissão, a mesma deveria, e desde logo, ser considerada em sede de fundamentação de facto.
Certo tratar-se aquela  do “reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária”, vd. artº 352º, do Cód. Civil.
E, então, a omissão da inclusão de uma tal factualidade confessada, no elenco dos factos considerados provados, na sentença, nos termos do artº 659º, n.ºs 2 e 3, do Cód. Proc. Civil, integrará  não a nulidade de omissão de pronúncia, mas error in judicando, no que à matéria de facto concerne.
A sobredita nulidade verifica-se em situações outras, a saber, de falta de exame de toda a matéria de facto alegada pelas partes e de análise de todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões.[1]
Dir-se-á, em qualquer caso, que nem um tal erro de julgamento ocorre.
Pois o que os RR. fazem é concluir que “só se encontram reunidas todas as condições para celebrar a escritura quando se verificar a extinção do ónus de inalienabilidade, a qual terá lugar em 24/10/2000...Data a partir da qual os Réus, promitentes vendedores, estão prontos para outorgar na escritura de compra e venda”, vd. artºs 15º e 16º, da contestação.
E o facto que assim sustenta tal conclusão – como visto, a existência do ónus de inalienabilidade, devidamente registado, aliás – foi levado, em sede condensatória, aos “Factos Assentes”, conforme das alíneas F, G, e H daqueles  se alcança.
Não se verificando pois a pretendida omissão de pronúncia.

Também não colhendo o apontado excesso de pronúncia da sentença recorrida, que os AA. pretendem ver traduzido na circunstância de aquela se haver debruçado sobre a não existência de mora por parte dos RR., “quando, na verdade tal questão não foi alegada”.
Pois que, por um lado, não está o juiz sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, embora apenas possa servir-se dos factos articulados pelas partes, vd. artº 664º, do Cód. Proc. Civil.
E a conclusão quanto a não estarem os RR. em mora, é conclusão de direito, extraída, na economia da sentença recorrida, da factualidade alegada pelas partes, e que assim assente considerada foi.
Acresce que são os próprios AA., na sua p.i., a inculcarem a mora dos RR., ao alegarem o termo do prazo para a celebração da escritura “sem que os Réus que alegavam dificuldades várias, se dispusessem a celebrar a referida escritura de compra e venda”, vd. artº 4º daquele articulado...e artº 804º, n.º 2, do Cód. Civil.
Rejeitando os RR. a sua situação de mora na contestação...quando, impugnando “quanto vem alegado nos artºs 3º, 4º... da douta petição inicial”, alegam que “dando cumprimento ao disposto na cláusula quarta do contrato promessa, os Réus pretendem outorgar na escritura do contrato promessa a partir do dia 24/10/2000”, assim sustentando estarem em prazo para outorgar na escritura do contrato prometido.
    

II-2- Do arrogado direito dos AA. às peticionadas quantias.

II-2-1- No contrato-promessa em causa, consignou-se haverem os ali “Segundos Outorgantes”, aqui AA., entregue “um sinal de Esc. 1.400.000$00, do qual os Primeiros Outorgantes conferem integral quitação”.
Posto o que assim expressamente se atribuiu à quantia entregue pelo promitente comprador, o carácter de sinal, presumido aliás nos termos do artº 411º, do Cód. Civil.
Nos termos do disposto no n.º 2 do artº  442º, do mesmo Código, “Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou, ou, se houve tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor, ou o do direito a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objectivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago”.
E, no n.º 3: “ Em qualquer dos casos previstos no número anterior, o contraente não faltoso pode, em alternativa, requerer a execução específica do contrato, nos termos do artº 830º; se o contraente não faltoso optar pelo aumento do valor da coisa ou do direito, como se estabelece no número anterior, pode a outra parte opor-se ao exercício dessa faculdade, oferecendo-se para cumprir a promessa, salvo o disposto no artº 808º”.
No confronto de tais normativos tem a doutrina maioritária, sustentado que o regime de conversão da mora em não cumprimento definitivo, consagrado no artº 808º, n.º 1, do Cód. Civil, não vale para o contrato-promessa em que há sinal e tradição da coisa.
Assim, Antunes Varela, expende que “ A possibilidade de o promitente faltoso retirar a cabeça debaixo do cutelo, mediante o simples oferecimento da realização da prestação prometida, revele que a sanção dura, radical, da indemnização igual ao aumento intercalar do valor ad coisa é aplicável logo que o devedor incorre em mora. E se a solução vale para a sanção do aumento intercalar de valor da coisa, é evidente que o mesmo princípio se deve considerar aplicável à sanção da restituição do sinal em dobro[2].
Referindo Mário Júlio de Almeida Costa que ”... a parte não faltosa, uma vez verificada a mora, pode prevalecer-se das consequências desta ou exercer o direito potestativo de transformá-la, de imediato, em não cumprimento definitivo, sem observância de qualquer dos pressupostos indicados no n.º 1 do artº 808º[3].
 No mesmo sentido indo  a jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal de Justiça, expressa nos seus Acórdãos de 10 de Fevereiro de 1998 e de 21 de Outubro de 2003 [4].
Sufragando-se tal entendimento, e assim na constatação de que a lei efectivamente permite que todas as consequências previstas no artº 442º, n.º 2, actuem em caso de simples mora, sem necessidade de prévia conversão da mesma em cumprimento definitivo.

II-2-2- Tendo-se que a mora, na hipótese legal assim considerada, não implicando automaticamente a resolução, permite contudo que o contraente não faltoso desencadeie imediatamente aquela[5].
E sendo que, como assinala Mário Julio Almeida Costa[6], “A exigência do sinal ou da indemnização actualizada constitui uma declaração tácita de resolução do contrato-promessa (artº 436º, n.º 1)”.
O que aliás corresponde a entendimento já expresso pelo Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de a declaração resolutiva poder inferir-se de “certos factos concludentes”[7].
O já citado artº 436º, n.º 1, do Cód. Civil, adoptando o sistema “declarativo” em matéria de resolução, afasta a necessidade, como princípio geral, de uma intervenção constitutivo-condenatória do tribunal[8].
Sem que isso signifique estar vedado ao titular a exercitação em juízo do direito, estando-se assim “perante um essencial duplo processo de exercício do direito resolutivo[9].
No caso em apreço, não alegam os AA. terem procedido à resolução extrajudicial do contrato em causa, sendo certo que a missiva pelos mesmos remetida aos RR. em 29-04-1999, não contém uma declaração resolutória, remetendo aliás, caso se venha a verificar o condicionalismo nela referenciado, para objecto de “acção judicial”.
Assim, o direito à resolução do contrato em causa, veio ser exercitado pelos AA., através da presente acção, na qual, e como visto, substanciando a mora dos RR., mas invocando também a perda do interesse no negócio e, logo, o incumprimento (definitivo) da obrigação peticionam a “devolução do sinal em dobro”, e, deste modo, implicitamente[10], a declaração de resolução do contrato respectivo.


Isto visto.
II-2-3- Importa agora, em ordem ao apuramento da verificação de simples mora, ou incumprimento definitivo, de banda dos RR., determinar o efectivo alcance da cláusula 4ª do contrato-promessa.
Na qual se dispõe que: “ O prazo para a celebração da escritura de compra e venda será de 90 dias, prorrogáveis, a contar da data da assinatura do presente contrato, devendo esta ser realizada logo que estejam reunidas todas as condições para o fazer”.
Pretendem os AA. que “a reunião das condições para celebração da escritura depois do prazo inicialmente fixado”, se aplicava apenas aos promitentes compradores, na circunstância de para estes se prever uma penalização, na cláusula 5ª.
Certo não estar determinada a vontade real das partes, impor-se-á recorrer , para a fixação do sentido da referida cláusula 4ª, às regras interpretativas do artº 236º, n.º 1, 237º e 238º, n.º 1, todos do Cód. Civil.
Nos termos do disposto no artº 236º n.º 1, do Cód. Civil, “a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”.
Acolhe-se em tal norma, a teoria, objectivista, da impressão do declaratário[11].
De acordo com a qual nas interpretações das declarações de vontade serão atendíveis “todos os coeficientes ou elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição do declaratário efectivo, teria tomado em conta”[12] -[13].
Sendo porém que tratando-se como se trata de um negócio formal, e desconhecendo-se a vontade real das partes, não valerá a declaração, em qualquer caso, com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto, ainda que imperfeitamente expresso, vd. artº 238º, do Cód. Civil.
Ora, e assim partindo necessariamente do texto do clausulado, temos que estabelecido foi para a celebração da escritura de compra e venda, um prazo inicial de 90 dias,...e a prorrogabilidade deste,...com a ressalva, porém, de aquela dever ser celebrada (“realizada”),  “logo que estejam reunidas todas as condições para o fazer”.
Quer dizer, retira-se ao prazo estipulado qualquer essencialidade, na medida em que se prevê desde logo a sua prorrogabilidade.
E, por outro lado, prevê-se, afinal, que a prorrogação corresponda ao período de tempo necessário para “reunir todas as condições” para a celebração da escritura de compra e venda.
Certo que tratando-se como se trata, o contrato em causa, de contrato-promessa bilateral, ambos os contraentes são reciprocamente credores e devedores da prestação de facto em que se traduz a celebração do contrato definitivo, presumindo-se assim que tal prazo foi estabelecido a favor de ambos, vd. artº 799º, do Cód. Civil.
E tanto mais que nem houve qualquer estipulação relativa à definição do contraente a quem incumbiria a marcação da escritura de compra e venda.
Não tendo o disposto na cláusula 5ª do mesmo contrato o alcance de confinar a possibilidade de prorrogação do prazo, à hipótese de necessidade daquela, para reunir “todas as condições”, apenas por parte dos AA..
Pois que uma cláusula penal moratória, como assim é o caso, nunca poderia operar em período de “prorrogação” de prazo para o cumprimento, assim por natureza excluidor de situação de mora, (vd. artº 804º, n.º 2, do Cód. Civil ).
Dir-se-á que o sentido possível e útil para tal cláusula 5ª, será o de dispor para situação em que, após os 90 dias iniciais, estando já reunidas as condições necessárias à celebração da escritura, a mesma não tivesse lugar por acto ou omissão dos AA..
Ao deixarem de cumprir, no tal prazo inicial previsto, os contraentes tacitamente actuaram a possibilidade convencionada de prorrogação do dito prazo inicial [14].
Claramente pressuposta na missiva dirigida pelos AA. aos RR., datada de 29-04-1999, referida supra em 4 da matéria de facto, e como também subjaz à defesa assumida pelos RR. na sua contestação.
Assim, a celebração do contrato prometido, inicialmente reportada a um prazo determinado, transformou-se em obrigação sem prazo, ou obrigação pura, apenas exigível com a necessária interpelação, vd. artºs 777º, n.º 1, e 805º, n.º 1, ambos do Cód. Civil [15].
Sendo que tal interpelação ocorreu, por via da sobredita missiva dos AA., em que os mesmos claramente dirigem aos RR. uma exigência de aprazamento da escritura respectiva, ou, em qualquer caso, de sinalização de data em que se encontrarão disponíveis para a celebração daquela.
Decorrido o prazo concedido em tal missiva para o assinalado efeito, sem  tal conduta positiva de banda dos RR. ter tido lugar – o que aqueles claramente assumem – sempre caberia concluir terem os mesmos incorrido em mora cfr. artº 804º, cit. artº 805º, n.º 1, e 799º, do Cód. Civil.
Pois que ao directo retardamento da prestação devida, é assimilável a objectivada recusa de colaboração do devedor, indispensável para que aquela tenha lugar em data a aprazar na consideração da disponibilidade do próprio devedor [16].

E tal mora também se teria por verificada, em qualquer caso, considerando-se a circunstância de os RR. haverem celebrado o contrato-promessa respectivo em 29-12-1998, quando ainda era plenamente vigente um ónus de inalienabilidade da fracção prometida vender, pelo prazo de cinco anos, contados de 23-10-1995, e assim com termo em 23-10-2000.
Pois que a prorrogabilidade do prazo inicial de 90 dias, não estava seguramente prevista em função do compasso de espera necessário à extinção do aludido ónus de inalienabilidade.
O que seria absolutamente incongruente com a estipulação do próprio prazo inicial de 90 dias.
Num tal caso, as partes teriam naturalmente previsto a celebração do contrato prometido, em prazo fixo, com termo final necessariamente posterior a 23-10-2000.
Ou seja...teriam contemplado a celebração do contrato prometido...pelo menos um ano e vinte e dois meses depois da celebração do contrato-promessa.
Que não no prazo de 90 dias (com termo em 28 de Março de 1999) ...embora prorrogáveis (mas não, seguramente, por mais  570 dias !!!).
Assim, a prorrogação tacitamente acordada, dirigida à “reunião de todas as condições para a realização da escritura”, sempre  teria de se haver por insubsistente, tratando-se, o obstáculo à celebração da escritura, afinal, e como assim assumem os RR., da vigência do tal ónus.
Circunstância apenas àqueles respeitante, sem que os mesmos hajam ilidido a legal presunção de culpa.

Quanto ao incumprimento definitivo de banda dos RR., não indispensável, como visto, à fundamentação do direito à resolução do contrato promessa e à restituição em dobro do sinal – tendo havido, como foi o caso, tradição da coisa prometida vender – sempre se dirá ter-se o mesmo por não verificado.
E assim, por isso que, não sendo equacionável a perda objectiva do interesse dos AA. na prestação, também a interpelação consubstanciada na missiva de folhas 9, não se pode considerar admonitória, para efeitos do disposto no artº 808º, n.º 1, do Cód. Civil, por isso que, nela se não opera, explicitamente, a cominação de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não ocorrer o cumprimento dentro desse prazo[17].

II-2-4- Verificada a mora dos RR. e os pressupostos da resolução do contrato –promessa, assim exercitanda, definido resulta, nos termos já assinalados, o direito dos AA. a haverem dos RR. o dobro da quantia entregue a título de sinal.
Que não já os quantitativos correspondentes ao despendido com os registos provisórios de aquisição, de hipoteca a favor do Banco e com a Sisa.
Pois que, assim havendo os AA. optado pela restituição do sinal em dobro, não há lugar, na ausência de estipulação em contrário, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, ex vi do artº 442º, n.º 4, do Cód. Civil.
Assinalando-se, no que à Sisa paga respeita, que, resolvido o contrato-promessa, é tudo uma questão de requererem os AA. a devolução daquela junto da Repartição de Finanças respectiva. 
Não lhes assistindo, também, o direito a haverem juros de mora sobre aquela quantia - sinal em dobro.
Isto sem que se desconheça a corrente jurisprudencial, que julgamos maioritária, no sentido da exigibilidade de juros sobre o montante indemnizatório correspondente ao dobro do sinal, em hipótese de retardamento no pagamento de tal quantia, após interpelação.[18]
Mas desde que se entenda , como assim foi o caso, pressupor o direito a tal indemnização, a  resolução do contrato promessa, e sendo que o contraente adimplente optou, in casu, por recorrer à via judicial para exercitação do direito à resolução, assim operando aquela através da tal  intervenção constitutivo-condenatória do tribunal, não é verificável, aquando da prolação de decisão declarando resolvido o contrato-promessa, situação de mora de banda dos RR., no que ao pagamento da dita indemnização respeita.
 
.III- Nestes termos, acordam em julgar a apelação parcialmente procedente, revogando a sentença recorrida,____________________________
declarando resolvido o contrato-promessa em questão, e condenando os RR. no pagamento aos AA. da quantia de € 13 966,34/2.800.000$00,_____________
absolvendo-os do mais pedido.

Custas nesta Relação e na primeira instância, na proporção de  91% para os RR. e de 9% para os AA..

      
      Lisboa, 2004-03-25
                                   
                                           ( Ezagüy Martins )                                   
                                             (Graça Amaral)                                       
                                           ( Afonso Henrique )
______________________________________________________________

[1] Assim, Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, 2ª ed., LEX, 1997, pág. 220.
[2] In “Sobre o Contrato-Promessa”, 2ª Edição, Coimbra Editora, 1989, pág. 149
[3] In “Contrato-Promessa, Uma Síntese do Regime Actual”, Separata da ROA, Ano 50, I, 1990, pág. 60. Podendo ainda ver-se, neste sentido, Meneses Cordeiro, “A Excepção do Cumprimento do Contrato-Promessa”, na Tribuna da Justiça”, n.º 27, pág. 5, e Manuel Henrique Mesquita, in “Obrigações Reais e Ónus Reais”, pág., 233, nota 160.
[4] In CJAcSTJ, Ano VI, Tomo I, págs. 63-65, e Ano XI, tomo I, págs. 44-47. 
[5] Cfr. cit. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-10-2003.
[6] In op. et loc. cit. supra.
[7] Vd. Acórdão de 28-11-75, in BMJ 251º;172, citado por José Carlos Brandão Proença, in “A Resolução do Contrato no Direito Civil”, Coimbra, 1982, págs. 164-165, nota 436, admitindo embora a possível menor correcção de tal entendimento, no caso concreto.
[8] Vd. José Carlos Brandão Proença, in op. cit. pág.163-164.
[9] Idem. Pág. 167-168.
[10] Quanto à admissibilidade do pedido implícito, vd., v.g., o acórdão desta Relação de 24-04-1997, in C.J., Ano XXII, tomo 2, pág. 128, e o acórdão da Relação do Porto de 08-11-2001, proc. n.º 0131367, in www.dgsi.pt/jtrp.nsf. 
[11] Vd. Menezes Cordeiro, in op. cit. supra, pág. 483.
[12] Apud Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 1980, pág. 421.
[13] Importa ter presente, a propósito, que “não obstante o Código tacitamente embora, ter sempre em vista prevalente o paradigma contratual omite pelo menos uma parte muito significativa das declarações contratuais: aquelas em que há declaração comum, sem se poder distinguir a declaração de um e de outro...Nessa altura há uma declaração comum em que nenhum deles assume o papel de declarante ou de declaratário. Exige-se portanto uma moldagem muito especial dos princípios da interpretação”, vd. Oliveira Ascensão, in Direito Civil-Teoria Geral, 2ª ed., Coimbra Editora, págs. 183-184.
[14] Neste sentido, veja-se o Acórdão da Relação do Porto, de 01-04-2003, proc.º n.º 0320650, in www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3.
[15] Veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22-06-1989, proc. n.º 077497, in www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[16] Quanto à hipótese diversa, mas afim, da expressa recusa do devedor em cumprir, equiparando-a ao incumprimento definitivo, veja-se A. Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. II, 7ª ed., págs. 92, e 107, nota 1, e Mário Júlio de Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, 9ª ed., pág. 942, nota 2. 
[17] Vd., quanto aos elementos da interpelação admonitória, João Calvão da Silva, in  “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, Coimbra, 1987, pág. 127.
[18] Neste sentido, e entre tantos outros, vejam-se os Acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 12-01-1994, in CJAcSTJ, Ano II, tomo I, págs. 31-33, e da Relação do Porto, de 31-10-1989, in BMJ 390º; 460.