Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
696/23.5SILSB.L1-5
Relator: PAULO BARRETO
Descritores: CONDUÇÃO COM DE TÍTULO DE CONDUÇÃO CASSADO
CONTRAORDENAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/06/2024
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I– A versão anterior da alínea b), do n.º 3, do art.º 130.º, do CE, estipulava que o título de condução é cancelado quando for cassado nos termos do artigo 148.º do presente Código ou do artigo 101.º do Código Penal.

II–O Decreto-Lei n.º 102-B/2020 revogou esta alínea b) e introduziu uma al. d) ao n.º 1, do mesmo art.º 130.º, com a anterior redacção da al. b) do n.º 3, ou seja, a cassação passou do n.º 3 para o n.º1.

III–O Decreto-Lei n.º 102-B/2020 aditou no n.º 4 que os titulares de títulos de condução cassados - caducados ao abrigo da al. d) do n.º 1) – são sujeitos ao exame especial do n.º 2, ou seja, tais títulos de condução podem ser revalidados.

IV–Os titulares de títulos cassados não podem revalidar os títulos de condução antes de decorridos dois anos sobre a efetivação da cassação (art.º 148.º, n.º 11, do CE), mas deve concluir-se que, enquanto os titulares de títulos de condução cassados não caírem na al. c) do n.º 3, do art.º 130.º, cometem uma contraordenação e não um crime.

V–Temos que interpretar o n.º 1, no sentido de só ser contraordenação quando estivermos perante um título de condução ainda passível de revalidação (n.º 1). Se a caducidade for definitiva (n.º 3) é crime.

(Sumário da responsabilidade do relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–Relatório


AA foi condenada, no Juiz 1 do Juízo Local de Pequena Criminalidade de Sintra, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, pela prática de uma contraordenação, prevista e punida nos termos do disposto no artigo 130.º, n.ºs 1 e 7 todos do Código da Estrada, na coima de €550,00 (quinhentos e cinquenta euros).
*

Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:
1.ª- Não pode o Ministério Público conformar-se com a douta sentença proferida nos autos, na qual, após ter procedido à alteração da qualificação jurídica dos factos imputados àquela, o Tribunal a quo decidiu condenar a AA pela prática de uma contraordenação, prevista e punida nos termos do disposto no artigo 130.º, n.ºs 1 e 7, do Código da Estrada, na coima de 550,00€ (quinhentos e cinquenta euros).
2.ª- E não pode tal decisão merecer acolhimento, porquanto a mesma reflecte um erro de julgamento em que laborou o Tribunal a quo e, bem assim, uma errada da interpretação do disposto no artigo 130.º, do Código da Estrada.
3.ª- Com efeito, como se pretende demonstrar, a conduta da arguida preenche a previsão típica do crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido nos termos das disposições conjugadas do artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de Janeiro, 121.º, n.ºs 1 e 4, 123.º e 130.º, do Código da Estrada, que lhe vinha imputado no libelo acusatório.
4.ª- Veio o Tribunal a dar como não provado que “Sabia a Arguida que os seus comportamentos eram proibidos e punidos por lei penal” , sendo que se impõe que, em sentido diverso, tal facto passe a integrar o elenco de factos provados.
5.ª- Pois que, tratando-se de facto atinente ao elemento subjectivo do ilícito que vinha imputado à arguida, o mesmo resulta, desde logo, dos factos objectivos demonstrados nos autos, extraindo--se deles, analisados à luz das regras da lógica e experiência comum, atentas as concretas circunstâncias do caso e, bem assim, dos demais elementos de prova carreados para os autos, como sejam as declarações da arguida (na medida em que a mesma fez uma confissão livre, integral e sem reservas dos factos que lhe vinham imputados na acusação pública), o auto de notícia (que circunstancia em termos de tempo e lugar a conduta da arguida, fazendo menção à cassação da sua carta de condução), o resultado da pesquisa na base de dados do IMT (de onde consta a indicação de que a carta da arguida se mostrava, à data da prática dos factos, cassada) e o registo individual de condutor da arguida (de onde resulta, além de todas as infracções praticadas e datas e sanções ou penas aplicadas, a data da decisão da ANSR que decidiu pela cassação da carta de condução da arguida).
6.ª- Entendeu, todavia, o Tribunal a quo que, em face da redacção do artigo 130.º, do Código da Estrada, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 102-B/2020, de 09 de Dezembro, o exercício da condução por quem tenha sido titular de carta de condução que, entretanto, foi cassada, é agora punido com coima, em virtude da eliminação da referida norma da menção aos “títulos cancelados” que a versão anterior continha e que, por isso, não pode, à luz do quadro normativo actual, considerar-se a cassação da carta como uma causa de caducidade definitiva, passível de punição criminal, nos termos do disposto no n.º 5 da citada norma.
7.ª- Salvo o devido respeito, que é muito, tal interpretação da citada norma legal não é consentânea nem com a letra da lei, nem com o espírito do legislador, nem, tão pouco, com o elemento sistemático da mesma, pois que, ao contrário do que foi considerado pelo Tribunal a quo, a cassação do título de condução continua a configurar uma causa da sua caducidade definitiva, pois que a mesma leva à invalidade do referido título.
8.ª- E isto porque, decorrido o prazo fixado na decisão de cassação, pode o agente habilitar-se a novo título de condução, mas o que foi cassado deixa de ter qualquer validade no nosso sistema jurídico, já que em virtude da decisão de cassação, aquele título não é mais passível de qualquer renovação ou revalidação.
9.ª- Entendemos que a eliminação da alusão ao “cancelamento” que a anterior redacção da norma fazia se refere, tão-só, ao efeito ope legis que, agora, tem o desconto de pontos efectuados na carta do condutor, sendo a cassação uma decisão automática face ao saldo inexistente, revelador da impreparação daquele para o exercício da condução.
10.ª- Não podendo o título cassado ser objecto de qualquer revalidação ou renovação, é manifesto que a caducidade operada pela cassação, nos termos da alínea d), do n.º 1, do artigo 130.º, do Código da Estrada, tem de ser tida como definitiva.
11.ª- A previsão de punibilidade com coima das condutas elencadas no n.º 1, pelo n.º 7 do mencionado normativo não tem a virtualidade de proceder à sua descriminalização, pois que uma conduta pode ser simultaneamente punida como crime e como contraordenação, como resulta, do disposto no artigo 20.º, do Regime-Geral das Contraordenações e Coimas e do artigo 134.º, do Código da Estrada.
12.ª- Considerar que a condução de veículo automóvel por titular de carta de condução cassada é ilícito contraordenacional e não penal leva a uma total subversão do regime legal da cassação dos títulos de condução, consagrado no Código da Estrada e, consequentemente, das finalidades de segurança rodoviária que tal diploma visa proteger, esvaziando, além do mais, o conteúdo da decisão do Presidente da ANSR de cassação do título, sendo ainda incongruente com as elevadas necessidades de prevenção geral que condutas de tal natureza reclamam, incompatíveis com uma protecção de mero ilícito contraordenacional.
13.ª- O crime de condução em habilitação legal, pela prática do qual se pretende a condenação da arguida, é punido com pena de dez a duzentos e quarenta dias de multa ou com pena de um mês a dois anos de prisão.
14.ª- Nos termos do n.º 1, artigo 40.º, do Código Penal, a aplicação de uma pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, isto é, a pena cumpre a função de responder às necessidades de prevenção gerais e especiais que se fazem sentir em cada caso.
15.ª- A punição em concreto terá sempre como limite máximo inultrapassável a culpa do agente, já que esta traduz o nível de censura que ao agente se pode fazer por agir de forma diversa daquela que lhe era exigida e de que era capaz; terá, por sua vez, como limite mínimo, irrenunciável, a pena que se manifesta, no caso concreto imprescindível para se poder dizer que o bem jurídico violado foi, a final, efectivamente protegido e que as expectativas da comunidade nas normas de protecção estão, enfim, restauradas.
16.ª- De acordo com o disposto no n.º 2, do artigo 71.º, do Código Penal, a pena ideal alcançar-se-á, ponderando, ainda, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; o grau de culpa os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime.
17.ª- No caso dos autos há que atender que as necessidades de prevenção geral são elevadíssimas, considerando que o crime pelo qual a arguida foi condenada se insere na criminalidade rodoviária, sendo dos crimes praticados com mais frequência a nível nacional, não se podendo olvidar as consequências nefastas que os mesmos têm na nossa sociedade, sabido como é que o nosso país sofre inúmeras perdas, todos os anos, com a elevada sinistralidade rodoviária, e o elevado número de vítimas (feridos e mortos) nas nossas estradas e, por isso, a comunidade reclama também dos Tribunais uma punição exemplar para os autores deste tipo de crime.
18.ª- Também as necessidades de prevenção especial são muito elevadas, considerando as condenações anteriores, averbadas no certificado de registo criminal da arguida, por crimes da mesma natureza do que está em causa nos autos, sendo que, nem as penas anteriores, nem o facto de as anteriores condenações terem levado à cassação do título, foram suficientes para afastar a arguida da prática de crimes de tal natureza, sendo que, foi, ainda, condenada pela prática de outro crime de condução sem habilitação legal, em momento posterior ao dos factos sub judice.
19.ª- Acresce ainda, a este respeito, que a arguida revela fraca inserção social, familiar e laboral, pelo que é manifesto que a mesma não pode já beneficiar de pena não privativa da liberdade, porquanto a mesma se revelaria absolutamente ineficaz para fazer face às necessidades de punição do caso concreto.
20.ª- Para a determinação da medida concreta da pena, há, então que atender à elevada culpa da arguida, que agiu com dolo directo e, bem assim, à elevada ilicitude dos factos, considerando as concretas circunstâncias em que a arguida os praticou, sendo certo que o que levou à cassação da carta de condução de que era titular foi a reiterada e grave violação das normas estradais, que ditaram a sua inabilitação para conduzir, sendo que, à data da prática dos factos ainda decorria o prazo de dois anos em que estava inibida de se habilitar a novo título de condução.
21.ª- Donde, tendo em consideração todos as circunstâncias enunciadas, a favor e a desfavor do arguido, condenando este Venerando Tribunal a arguida AA em pena de prisão, em medida não inferior a seis meses, fá-lo-á em medida justa e adequada aos factos que supra se elencaram.
22.ª- Cremos que as mesmas circunstâncias permitem também concluir que, em consonância com o disposto no artigo 50.º, do Código Penal, deve a pena de prisão a aplicar à arguida ser suspensa na sua execução, por período não inferior a dezoito meses, mediante regime de prova, a delinear e a supervisionar pela DGRSP e condicionada à frequência de programa de prevenção rodoviária adequado à factualidade em causa.
23.ª- Ao decidir nos termos expostos, o Tribunal a quo violou entre o mais, o disposto nos 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de Janeiro, 130.º, do Código da Estrada e 40.º, 50.º, 70.º e 71.º, do Código Penal.
24.ª- Motivo pelo qual se impõe a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por douto acórdão que altere a matéria de facto, nos termos sobreditos e que, a final, condene a arguida AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido nos termos das disposições conjugadas do artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de Janeiro, 121.º, n.ºs 1 e 4, 123.º, 130.º, n.º 1, alínea n.º d) e n.º 5, todos do Código da Estrada, em pena não inferior a seis meses de prisão, suspensa por período não inferior a dezoito meses, sujeita a regime de prova, a delinear e a supervisionar pela DGRSP e ainda condicionada à frequência de programa de prevenção rodoviária, a ministrar pela DGRSP e direcionada para delinquentes rodoviários.
25.ª- Com o que, só assim, farão Vossas Excelências, como sempre, inteira Justiça.”

A arguida apresentou resposta, concluindo do seguinte modo:
1 Não há nada a censurar na sentença ora proferida.
2– O Tribunal formou a sua convicção com base na apreciação critica da globalidade da prova produzida em audiência de julgamento, à luz das regras da experiência comum e segundo juízos lógico-dedutivos.
3– Considera o tribunal que os factos não integram a prática de crime de condução sem habilitação legal;
4– mas sim, de um mero ilícito contraordenacional, uma vez que a Arguida é titular de carta de condução.
5– A decisão em apreço baseia-se num juízo de certeza.
6– O tribunal recorrido afirma convictamente a matéria dada como provada, e com a qual se concorda.
7– Pelo exposto decidiu bem o tribunal a quo, em qualificar os factos provados como integrantes da contraordenação prevista e punida nos termos do disposto no artº. 130º., nºs. 1 e 7 do Código da Estrada.
8– Nada havendo, pois, a censurar no processo lógico e racional que subjaz à formação da convicção do tribunal.
9– Não se mostra violado qualquer preceito legal nem desrespeitado qualquer direito.
10– Nesta conformidade, negando-se provimento ao recurso e mantendo-se a douta sentença recorrida, será feita justiça.”
*

O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.

Uma vez remetido a este Tribunal, a Exmª Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 23, do CPP:
Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
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IIA)- Factos Provados

1.No dia ... de ... de 2023, pelas 14h, na Av. …, em ..., a arguida conduzia o veículo automóvel de marca …, matrícula ..-..-.., sem ser titular da respetiva carta de condução ou qualquer outro tipo de documento que, nos termos da legislação em vigor, a habilitasse a conduzir tal veículo.
2.A arguida apresentou uma carta de condução que havia sido cassada na data ...-...-2021.
3.A arguida conhecia as características do veículo e da via onde conduzia, sabendo que não era no momento possuidora de documento que legalmente a habilitasse a conduzir o veículo e que, nessas condições, lhe estava vedada a sua condução na via pública, o que quis.
4.A arguida agiu de forma voluntária, livre e consciente e tinha capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.
Mais ficou provado que:
5.A Arguida é titular de carta de condução …, que se encontra cassada por subtração total de pontos (processo de cassação n.º ../2021).
Das condições socioeconómicas da Arguida
6.A Arguida é acompanhada no ... em … e …., revelando estar a ultrapassar, com sucesso, uma ….
7.A Arguida é … de profissão no ..., mas encontra-se de baixa prolongada, auferindo uma pensão de cerca de 900 euros mensais.
8.Vive sozinha em casa própria, encontrando-se a pagar um crédito à habitação e um crédito multiusos no valor total aproximado de 400 euros mensais.
9.A Arguida tem os seguintes antecedentes criminais:
i.-Uma condenação no processo 1486/16.7..., por sentença proferida a ........2017 e transitada em julgado a ........2017, por factos praticados a ........2016, tendo sido condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 9,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 5 meses.
ii.-Uma condenação no processo 1689/17.7..., por sentença proferida a ........2018 e transitada em julgado a ........2019, por factos praticados a ........2017, tendo sido condenada pela prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições e um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena única de 130 dias de multa, à taxa diária de €9,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 9 meses.
iii.-Uma condenação no processo 5483/20.0..., por sentença proferida a ........2021 e transitada em julgado a ........2021, por factos praticados em ..., tendo sido condenada pela prática de um crime de desobediência, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de €7,00.
iv.-Uma condenação no processo 133/23.5..., por sentença proferida a ........2023 e transitada em julgado a ........2023, por factos praticados a ........2023, tendo sido condenada pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 18 meses condicionada a regime de prova.
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II–B)- Factos não provados
A.Sabia a Arguida que os seus comportamentos eram proibidos e punidos por lei penal.
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III–Objecto do recurso
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência dos vícios indicados no nº 2 do art. 410º do Cód. Proc. Penal.
São os seguintes os fundamentos do recurso: (i) impugnação da decisão sobre a matéria de facto; (ii) condenação da arguida pelo crime de que vinha acusado.
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IV–Fundamentação

(da impugnação da decisão da matéria de facto)

O Tribunal a quo fundamentou do seguinte modo a sua convicção quanto à matéria de facto:
“ A formação da convicção do Tribunal teve por base a apreciação crítica da globalidade da prova produzida em audiência de julgamento, à luz das regras da experiência comum e segundo juízos lógico-dedutivos.
Relativamente às circunstâncias de tempo, lugar e modo, o Tribunal louvou-se na confissão livre, integral e sem reservas da Arguida.
O Tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade relativa à carta de condução da Arguida, mencionada no ponto 5 dos factos provados, com base no Registo Individual do Condutor junto aos autos.
No que respeita às condições socioeconómicas, atendeu o tribunal, de igual modo, às declarações da Arguida, que se mostraram sinceras e honestas.
Relativamente aos antecedentes criminais da Arguida, teve o Tribunal em consideração o certificado do registo criminal junto aos autos, bem como a listagem de processos pendentes e informação constante no sistema informático de apoio aos tribunais.
No que concerne à matéria de facto não provada, entendeu-a dessa forma o Tribunal por considerar que a conduta da Arguida não é punida criminalmente, mas sim em termos contraordenacionais.
Por todo o exposto, formou o Tribunal a sua convicção.”
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Importa ainda reproduzir a motivação de direito do tribunal recorrido:
“Dispõe o artigo 130.º do Código da Estrada, na redação em vigor, dada pelo Decreto-Lei n.º 102-B/2020, de 09/12, que:
1 - O título de condução caduca se:
a)- Não for revalidado, nos termos fixados no RHLC, quanto às categorias abrangidas pela necessidade de revalidação, salvo se o respetivo titular demonstrar ter sido titular de documento idêntico e válido durante esse período;
b)- O seu titular não se submeter ou reprovar na avaliação médica ou psicológica, no exame de condução ou em qualquer das suas provas, determinados ao abrigo dos n.os 1 e 5 do artigo anterior;
c)- Se encontrar em regime probatório e o seu titular for condenado, por sentença judicial transitada em julgado ou decisão administrativa definitiva, pela prática de crime ligado ao exercício da condução, de uma contraordenação muito grave ou de segunda contraordenação grave;
d)- For cassado nos termos do artigo 148.º do presente Código ou do artigo 101.º do Código Penal;
e)- O condutor falecer.
2–A revalidação de título de condução caducado fica sujeita à aprovação do seu titular em exame especial de condução, cujo conteúdo e características são fixados no RHLC, sempre que:
a)- A causa de caducidade prevista na alínea a) do número anterior tenha ocorrido há mais de dois anos e há menos de cinco anos, com exceção da revalidação dos títulos das categorias AM, A1, A2, A, B1, B e BE cujos titulares não tenham completado 50 anos;
b)- A causa de caducidade seja a falta ou reprovação no exame de condução ou em qualquer das suas provas determinadas ao abrigo dos n.os 1 e 5 do artigo anterior;
c)- A causa de caducidade seja a falta ou reprovação na avaliação médica ou psicológica, determinada ao abrigo dos n.os 1 e 5 do artigo anterior e o título se encontre caducado há mais de um ano.
3– O título de condução caducado não pode ser renovado quando:
a)- [Revogada.]
b)- [Revogada.]
c)- O titular reprove, pela segunda vez, em qualquer das provas do exame especial de condução a que for submetido;
d)- Tenham decorrido mais de dez anos sobre a data em que deveria ter sido renovado.
4– São ainda sujeitos ao exame especial previsto no n.º 2:
a)- Os titulares de títulos de condução caducados ao abrigo das alíneas c) e d) do n.º 1;
b)- Os titulares do título caducado há mais de cinco anos.
5–Os titulares de título de condução caducado consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido, sendo-lhes aplicável o regime probatório previsto no artigo 122.º caso venham a obter novo título de condução.
6– [Revogado.]
7– Quem conduzir veículo com título caducado, nos termos previstos no n.º 1, é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600”.
A questão que se coloca nos presentes autos é a de saber se a condução de veículo com título de condução cassado configura um crime de condução sem habilitação legal, nos termos do artigo 3.º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de janeiro ex vi n.º 5 do artigo 130.º e artigo 121.º, ambos do Código da Estrada, ou se configura uma contraordenação rodoviária nos termos do n.º 7 do referido artigo 130.º.
Pese embora exista, ainda, escassa jurisprudência publicada relativamente a esta questão, face à relativa novidade da alteração legislativa, a verdade é que a jurisprudência maioritária (se não mesmo a totalidade) considera que a condução de veículo automóvel com título de condução cassado configura um crime de condução sem habilitação legal.
Assim, reproduzimos a linha argumentativa do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13-09-2022, processo n.º 20/22.4GDPTM.E1, disponível em www.dgsi.pt (igualmente neste sentido Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 06-02-2023, processo n.º 117/22.0GBVVD.G1 e de 05-12-2022, processo n.º 87/21.2GBVVD.G1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt): “Este arguido não tem a carta simplesmente caducada, mas, ainda, cassada significando ser a mesma inválida para conduzir. Sendo certo que enquanto não decorrerem os dois anos fixados na decisão administrativa, nem sequer poderá obter novo título, pois para o efeito terá de se sujeitar à realização de exame especial sem o qual a carta permanece caducada e inválida. O resultado interpretativo dado pelo recorrente conduziria na prática a equiparar a cassação a uma inexistência jurídica, quando na realidade o título para além da caducidade não é válido para a condução, pois o arguido está expressamente proibido de conduzir. É verdade que a solução encontrada pelo legislador ao prever no seu n.º 7 uma remissão em bloco para o n.º 1 do artigo 130.º do CE (onde estão incluídas situações tão diversas como a revalidação do título em sentido estrito, a da cassação e a do próprio falecimento do condutor), aplicando a situações tão dispares o mesmo regime da falta de habilitação legal e consequentemente da punição simultaneamente como crime e contraordenação, parece surgir como incongruente (caso de falecimento) e até excessivo (situação de revalidação). Julgamos, todavia, que a situação de caducidade por cassação não é equiparável à simples caducidade por falta de revalidação do título onde não está em causa a penalização por desconto de quaisquer pontos por cometimento de contraordenações graves, muito graves e de crimes rodoviários, conforme se defende no Acórdão da Relação de Lisboa de 22.3.2022, proferido no Processo 533/21.5PCLRS.L1-5 relatado por Sandra Pinto. Para as situações de revalidação do título o legislador distinguiu entre a caducidade definitiva e não definitiva como resulta do preâmbulo do DL n.º 102-B/2020 de 9.12 onde se afirma “São introduzidas alterações ao regime de caducidade dos títulos de condução, não só quanto às regras que permitem que condutores que deixaram caducar os seus títulos possam reavê-los, ainda que condicionados à realização de provas de exame ou à frequência de ação de formação, como também à previsão da caducidade definitiva dos títulos de condução nas situações tipificadas na lei.” (sublinhado e negrito nosso).
Considera assim, aquele douto Tribunal, que a situação de cassação de carta é equiparável à de caducidade definita do título de condução, justificando assim a condenação por crime de condução sem habilitação legal.
Salvo o devido respeito, não podemos concordar com tal interpretação.

Vejamos:

A versão anterior do artigo 130.º do Código da Estrada,
1–O título de condução caduca-se:
a)- Não for revalidado, nos termos fixados no RHLC, quanto às categorias abrangidas pela necessidade de revalidação, salvo se o respetivo titular demonstrar ter sido titular de documento idêntico e válido durante esse período;
b)- O seu titular não se submeter ou reprovar na avaliação médica ou psicológica, no exame de condução ou em qualquer das suas provas, determinados ao abrigo dos n.os 1 e 5 do artigo anterior.
2– A revalidação de título de condução caducado fica sujeita à aprovação do seu titular em exame especial de condução, cujo conteúdo e características são fixados no RHLC, sempre que:
a)- A causa de caducidade prevista na alínea a) do número anterior tenha ocorrido há mais de dois anos, com exceção da revalidação dos títulos das categorias AM, A1, A2, A, B1, B e BE cujos titulares não tenham completado 50 anos;
b)- A causa de caducidade seja a falta ou reprovação no exame de condução ou em qualquer das suas provas determinadas ao abrigo dos n.os 1 e 5 do artigo anterior.
c)- A causa de caducidade seja a falta ou reprovação na avaliação médica ou psicológica, determinada ao abrigo dos n.os 1 e 5 do artigo anterior e o título se encontre caducado há mais de um ano.
3– O título de condução é cancelado quando:
a)-Se encontrar em regime probatório e o seu titular for condenado, por sentença judicial ou decisão administrativa transitadas em julgado, pela prática de crime ligado ao exercício da condução, de uma contraordenação muito grave ou de segunda contraordenação grave;
b)-For cassado nos termos do artigo 148.º do presente Código ou do artigo 101.º do Código Penal;
4– Anterior à entrada em vigor da redação dada pelo Decreto-Lei n.º 102-B/2020, de 09/12.
c)- O titular reprove, pela segunda vez, no exame especial de condução a que for submetido nos termos do n.º 2;
d)- Tenha caducado há mais de cinco anos sem que tenha sido revalidado e o titular não seja portador de idêntico documento de condução válido.
4– São ainda sujeitos ao exame especial previsto no n.º 2 os titulares de títulos de condução cancelados ao abrigo das alíneas a) e b) do número anterior que queiram obter novo título de condução.
5– Os titulares de título de condução cancelados consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido.
6– Ao novo título de condução obtido após cancelamento de um anterior é aplicável o regime probatório previsto no artigo 122.º 7 - Quem conduzir veículo com título caducado é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600”.
Era claro o normativo anterior, ao estabelecer uma distinção entre títulos caducados (n.º 1) e títulos cancelados (n.º 3). Enquanto os primeiros eram sancionados com coima (nos termos do n.º 7), já estes últimos, considerados caducados definitivamente, eram sancionados com a pena correspondente ao crime de condução sem habilitação legal, por remissão do n.º 5.
Uma vez que o título cassado era considerado cancelado, nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 130.º do Código da Estrada, a condução com título de condução cassado era considerada condução sem habilitação legal e, por isso, punível nos termos do artigo 3.º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de janeiro.
Contudo, a alteração legislativa do Decreto-Lei n.º 102-B/2020, de 9 de dezembro tudo mudou, eliminando o cancelamento de títulos de condução do artigo 130.º do Código da Estrada, mantendo apenas a caducidade dos títulos de condução.
No entanto, tal alteração não se limitou à eliminação referida, inovando em distinção relevante para a apreciação da questão que agora nos ocupa.
Com efeito, na atual redação, a cassação de título não é mais equiparada a reprovação, pela segunda vez, em exame especial de condução nem ao prazo de 10 anos sobre a data em que o título devesse ter sido renovado, constituindo agora uma causa de caducidade nos termos do n.º 1.º do normativo em apreço, isto é, foi retirada do n.º 3 do artigo 130.º do Código da Estrada e deslocada para o n.º 1 do referido normativo.
Destarte, salvo melhor opinião, ao sancionar com coima as situações previstas no n.º 1, o legislador efetivamente pretendeu sancionar as situações de cassação de título de condução como contraordenação. Interpretação diversa seria distinguir onde a lei não distingue.
Por outro lado, a denominada “caducidade definitiva” (anterior cancelamento) mantém a sua referência no n.º 3 do artigo 130.º do Código da Estrada. Ora, se o legislador pretendesse equiparar a cassação do título de condução à “caducidade definitiva”, não teria deslocado a atual alínea d) do n.º 1 do artigo 130.º do seu lugar original no n.º 3 do normativo, evitando assim que a situação de cassação fosse abrangida pelo n.º 7 do referido artigo.
Contudo, não foi esta a opção legislativa.
Acresce que a alteração legislativa do Decreto-Lei n.º 102-B/2020, de 9 de dezembro harmonizou o Código da Estrada com o Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir.
De facto, na redação anterior, previa-se 4 situações de cancelamento: i)- condenação em regime probatório; ii)- cassação do título; iii)- segunda reprovação em exame especial; iv)- caducidade do título há mais de 5 anos.
No entanto, nos termos do anterior n.º 4 do artigo 130.º do Código da Estrada, nas duas primeiras situações supra referidas, o titular podia sujeitar-se a exame especial para obter novo título de condução.
Hodiernamente, o legislador consagrou, nos n.ºs 1, 2 e 4 do artigo 130.º do Código da Estrada, as situações de caducidade do título de condução que permitem ainda a obtenção ou revalidação de nova carta através de exame especial, reservando o n.º 3 do referido artigo para os casos de “caducidade definitiva”, isto é, situações que não permitem, de todo, a renovação ou revalidação do título.
Finalmente, uma aplicação tout court do n.º 5 do artigo 130.º do Código da Estrada aos casos de caducidade esvaziaria por completo o n.º 7 do mesmo artigo, solução incompatível com o disposto no artigo 9.º do Código Civil.
Destarte, da articulação destes n.ºs 1, 3, 5 e 7, na atual redação do artigo 130.º do Código, resulta que o legislador quis punir a condução com título caducado (nomeadamente as situações previstas no n.º 2 e 4) como mero ilícito contraordenacional, na medida em que tais condutores já anteriormente se submeteram a exames escritos e práticos, alcançando a respetiva aprovação, que lhes permitiu obter um título de condução, e podem revalidar o título, sujeitando-se a um exame especial, reservando a equiparação a não habilitação legal do n.º 5 para os casos ditos de “caducidade definitiva” (anteriormente apelidada de cancelamento), numa solução que, refira-se, não difere de sobremaneira da solução da redação anterior.
Assim, face à descrição efetuada na acusação e à prova produzida, entende o Tribunal que se devem qualificar os factos provados como integrantes da contraordenação prevista e punida nos termos do disposto no artigo 130.º, n.ºs 1 e 7, do Código da Estrada.
Inexistem, pois, dúvidas de que a conduta da Arguida é, agora, qualificada como contraordenação.”
*

A questão da decisão da matéria de facto entronca com a matéria de direito.

Vejamos.

O Decreto-Lei n.º102-B/2020, de 09.12, que veio alterar o art.º 130.º, do Código da Estrada, diz no seu preâmbulo: “São introduzidas alterações ao regime de caducidade dos títulos de condução, não só quanto às regras que permitem que condutores que deixaram caducar os seus títulos possam reavê-los, ainda que condicionados à realização de provas de exame ou à frequência de ação de formação, como também à previsão da caducidade definitiva dos títulos de condução nas situações tipificadas na lei”.
A versão anterior da alínea b), do n.º 3, do art.º 130.º, do CE, estipulava que o título de condução é cancelado quando for cassado nos termos do artigo 148.º do presente Código ou do artigo 101.º do Código Penal.
O Decreto-Lei n.º 102-B/2020 revogou esta alínea b).
E introduziu uma al. d) ao n.º 1, do mesmo art.º 130.º, com a anterior redacção da al. b) do n.º 3, ou seja, a cassação passou do n.º 3 para o n.º1.
E o n.º 7, do art.º 130.º, do Código da Estrada, determina: Quem conduzir veículo com título caducado, nos termos previstos no n.º 1, é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro).
A cassação é, assim, punida com coima.
Acresce que aquele Decreto-Lei n.º 102-B/2020 trouxe mais alterações. Para além da já vista passagem da cassação do n.º 3 para o n.º 1, aditou no n.º 4 que os titulares de títulos de condução cassados - caducados ao abrigo da al. d) do n.º 1) – são sujeitos ao exame especial do n.º 2, ou seja, tais títulos de condução podem ser revalidados.
É certo que os titulares de títulos cassados não podem revalidar os títulos de condução antes de decorridos dois anos sobre a efetivação da cassação (art.º 148.º, n.º 11, do CE), mas deve concluir-se que, enquanto os titulares de títulos de condução cassados não caírem na al. c) do n.º 3, do art.º 130.º, cometem uma contraordenação e não um crime.
E nem se diga que nas situações do n.º 1, há condenação por coima e por crime. Seria absolutamente contraditório. Uma titular que reprove, pela segunda vez, em qualquer das provas do exame especial de condução a que for submetido ou que tenham decorrido mais de dez anos sobre a data em que deveria ter renovado o título, é apenas condenado por um crime. Mas se a caducidade for a do n.º 1, ainda admitindo a revalidação do título, seria condenado pelo crime e por coima. Não faz sentido. As situações do n.º 3 são mais graves porque os títulos já não podem ser revalidados.
Temos que interpretar o n.º 1, no sentido de só ser contraordenação quando estivermos perante um título de condução ainda passível de revalidação (n.º 1). Se a caducidade for definitiva (n.º 3) é crime.
Concordamos que o legislador não é claro. Por exemplo, não faz sentido deixar no n.º 1, do art.º, 130.º, mais concretamente na al. d), alguém que já faleceu, situação que, à vista de todos, é impeditiva de revalidar o título de condução. Como também reconhecemos que o n.º 11, do art.º 148.º, fala em não ser concedido novo título de condução a quem tenha sido cassado.
Todavia, não obstante, decidir de outra forma à que aqui propomos – e que foi a seguida pelo tribunal a quo – seria contra legem, o que está vedado ao julgador.
E assim se nega provimento ao recurso, confirmando o bem decidido no tribunal a quo.
*

V–Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso, declarando-o totalmente improcedente.
Sem custas.



Lisboa, 06 de Fevereiro de 2024



Paulo Barreto
Manuel Sequeira
Luísa Alvoeiro (vota vencido nos termos que se segue):
Voto vencido por considerar que a condutora cometeu o crime de condução sem habilitação legal por se encontrar desprovida de título de condução, tendo que obter novo título, nos termos do art. 130º, nº 5 do CPenal, no seguimento de posição já anteriormente assumida no Acórdão deste TRL de 14.12.2023, Proc. nº 1098/21.3GCALM.L1 (e para cujo teor remetemos integralmente).
Com efeito, a condutora, dispondo de título de condução definitivo, perdeu a totalidade dos pontos e viu, por via disso, cassado esse título (art. 148º, nº 1 e 4 al. c) do C. Estrada), o que sucedeu em consequência da prática de infrações reveladoras da impreparação para o exercício da condução, aferida com base no histórico de condução.
Note-se que, nos temos do art. 148º, nº 1, al. a) e b) do C. Estrada, só as contraordenações graves e muito graves determinam a perda de pontos, com maior ênfase as contraordenações que se traduzam em manobras e comportamentos particularmente perigosos para a segurança da circulação rodoviária.
Por outro lado, só os crimes puníveis com pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, nos termos do art. 69º do C. Penal, isto é, aqueles crimes que são reveladores de violação grosseira das regras de cuidado na condução automóvel, implicam a perda de pontos.
Na redação anterior às alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 102-B/2020, de 09.12, a cassação determinava o cancelamento do respetivo título de condução (art. 130º, nº 3, al. b) do C. Estrada resultante do Decreto-Lei nº 114/94, de 03.05). Atualmente, eliminou-se a tal menção ao cancelamento no nº 3 do art. 130º do C. Estrada e a cassação determina a caducidade do respetivo título de condução (art. 130º, nº 1, al. d) do C. Estrada), o que entendemos traduzir-se mais em alterações formais e de procedimento do que em modificações substanciais do regime legal.
Entendemos que esta caducidade tem os mesmos efeitos que tinha o anteriormente previsto cancelamento do título, traduzindo-se numa caducidade definitiva por não ser possível a renovação ou revalidação do título de condução (estando o seu titular obrigado a obter novo título de condução – art. 130º, nº 1, al.s c), d) e e) e nº 3, als. c) e d) do C. Estrada), reservando-se a punição meramente contraordenacional para os casos de caducidade provisória, previstos no nº 1, als. a) e b) do art. 130º do C. Estrada, em que ainda está ao alcance do titular do título de condução caducado proceder à sua revalidação ou renovação (o que não passa pela obtenção de um novo título).
Nos casos de cassação do título de condução, deixou de existir título e o titular de título de condução caducado decorrente de cassação tem de se submeter a novas provas, teórica e prática, e ainda, em acumulação, a uma formação específica, como resulta do disposto no nº 4, a) do art. 130º do C. Estrada, em conjugação com o preceituado no art. 37º, nº 1, al. b) do RHLC.
Por outro lado, o teor do nº 7 do mencionado preceito legal não tem a virtualidade de proceder à sua descriminalização, pois que uma conduta pode ser simultaneamente punida como crime e como contraordenação, tal como recorre do disposto no artigo 20º do Regime-Geral das Contraordenações e Coimas e do art. 134º do C. Estrada.