Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | INÊS MOURA | ||
Descritores: | NULIDADE PROCESSUAL IMPUGNAÇÃO CRIANÇA PROGENITORES CONFIANÇA COM VISTA A FUTURA ADOPÇÃO INSTITUCIONALIZAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/10/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | Sumário: (art.º 663.º n.º 7 do CPC) 1. A irregularidade concretizada na omissão do tribunal a pronunciar-se sobre um meio de prova requerido, constitui uma nulidade processual que tem de ser invocada ou reclamada em primeira linha, junto do tribunal que a cometeu. Só a decisão que venha a recair sobre a reclamação apresentada pela parte é que é suscetível de ser impugnada por via de recurso. 2. Todos os instrumentos legislativos internacionais e nacionais evidenciam a criança como sujeito de direitos e não como propriedade dos seus pais, em que o seu interesse, proteção e bem estar deve prevalecer, mesmo quando em conflito com a sua família biológica. 3. Não pode deixar de dar-se uma voz autónoma à criança, no sentido da mesma poder exprimir a sua vontade e participar nos processos que lhe dizem respeito, devendo ser levada em conta a sua opinião ou vontade, no que hoje tem acolhimento nos instrumentos legislativos internacionais e nacionais. 4. O afastamento da criança dos progenitores só deve ter lugar em casos extremos, nomeadamente quando estes infringem culposamente os seus deveres fundamentais para com ela, mas também quando se não mostrem com capacidade ou em condições de cumprir aqueles deveres, em seu grave prejuízo, pondo em causa a sua segurança, equilíbrio ou bem estar, representando um risco para o seu são desenvolvimento, apresentando-se como uma necessidade impor esse afastamento. 5. Se é certo que a medida de confiança com vista a futura adoção só deve ser aplicada quando está esgotada a possibilidade de integração da criança na sua família biológica, é também verdade que esta possibilidade tem de ter um mínimo de consistência e tem de corresponder ao interesse da criança, num projeto de vida que lhe permita crescer de forma harmoniosa e equilibrada não sendo absoluto o princípio da prevalência da família biológica. 6. Quando a criança se encontra numa instituição há cerca de um ano e meio, demonstrando necessidade de ter uma família que a ame e dela cuide, com vista ao seu crescimento e desenvolvimento harmonioso, não sendo possível a sua entrega a qualquer um dos progenitores, nem existindo qualquer outro familiar para o efeito, impõe-se viabilizar o mais rapidamente possível o direito que esta criança tem a desenvolver-se no seio de uma família adotiva que lhe forneça as figuras parentais que possa reconhecer e com quem possa identificar-se futuramente. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa I. Relatório O presente processo de promoção e proteção teve início em 22.09.2021 por iniciativa do Ministério Publico, tendo sido intentado a favor de A …, nascida a 17.01.2014, filha de B … e de C …. Alegou, em síntese, que a CPCJ do Funchal teve conhecimento da situação desta criança, através de uma sinalização efetuada pela Linha de Emergência Social. Na ocasião, a A … não se encontrava a frequentar qualquer estabelecimento de ensino, tendo a mãe referido à CPCJ que tinha tentado a integração da filha na escola, mas que não existiam vagas na altura. Contudo, após articulação com as entidades competentes, verificaram que não existia qualquer tentativa de inscrição da criança em estabelecimento de ensino. Em 19.08.2021 foi assinado acordo de promoção e proteção com aplicação da medida de apoio junto dos pais. No âmbito do acompanhamento da medida a mãe foi encaminhada para a realização de algumas ações, designadamente solicitar o apoio ao arrendamento da CMF, regular as responsabilidades parentais da filha, solicitar apoio ao programa Prohabitar e diligenciar pela regularização do abono de família da criança, mas até abril de 2022, não tinha procedido a nenhuma dessas diligências, correndo o risco de perder o apoio económico de que estava a beneficiar, nomeadamente RSI e subsídio para pagamento da renda de casa. Paralelamente, não colaborava com os serviços, não comparecendo, nem atendendo os contatos telefónicos do serviço de ação social, pese embora apresentar rendas em atraso, canalizando os apoios para outras despesas. Em outubro de 2021, o pai de A … foi detido. A 21.04.2023 foi pedida pelo Ministério Publico a aplicação de medida cautelar de Acolhimento Residencial a favor da A …, com fundamento no facto da progenitora comparecer na escola da filha, aparentando estar sob o efeito de estupefacientes; por a A … não comparecer de forma assídua na escola, tendo verbalizado junto da comunidade escolar que não foi à escola por a mãe não ter acordado por ter bebido muito na noite anterior e não conseguir levantar-se; por ser vista com frequência a acompanhar a mãe em bares, que ingeria bebidas alcoólicas e estava sob o efeito de estupefacientes. O acolhimento residencial veio a ser decretado, pelo período de 6 meses. Após a realização do relatório em 26.06.2023, a que alude o artigo 108º nº 3 da LPCJP, foi agendada Conferência de Pais para celebração do acordo a que se refere o artigo 112º da LPCJP. Realizada a Conferência de Pais ambos os pais concordaram com a aplicação da medida proposta, de integração da criança em Centro de Acolhimento, a qual foi aplicada pelo período de 1 ano. O Ministério Publico veio alegar que desde a entrada da menor na CA os progenitores continuam a evidenciar não ter as capacidades parentais para cuidar da filha de forma adequada ao seu desenvolvimento, não tendo ultrapassado as lacunas verificadas, nem revelaram vontade de o fazer. Por fim, alega ainda que não existe família alargada, quer paterna, quer materna capaz de se substituir aos progenitores nos cuidados à menor. A CA junta uma carta em que pede para a criança não ter mais visitas da família biológica, porquanto ela reconhece que os progenitores não apresentam evolução do seu comportamento e que precisa urgentemente de uma família nova, que lhe dê a estabilidade emocional que a família não lhe conseguiu dar. Foi junta documentação relativa ao processo que correu termos na Comissão de Proteção de Menores do Funchal. Foi realizada a instrução, com audição dos progenitores, bem como dos técnicos da instituição de acolhimento, EMAT, com conhecimento da situação. Foram juntos relatórios sociais de avaliação da situação familiar e social da criança e de acompanhamento da medida, com informações sobre a integração da criança e sua evolução na Casa de Acolhimento e informações da psicóloga. Encerrada a instrução, foi dado cumprimento ao disposto no artigo 114º nº 1, da LPCJP, tendo sido nomeados patronos à criança e aos progenitores. O Ministério Publico apresentou alegações escritas e indicou prova, requerendo a aplicação a favor da criança da medida de confiança a instituição, com vista a futura adoção, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 35º nº 1, al. g) e art.º 38º da LPCJP. A Ilustre Patrona da criança apresentou alegações escritas nas quais conclui pela aplicação de uma medida que melhor proteja o projeto de vida da menor, que seja fora da instituição. Foi determinado o prosseguimento dos autos para debate judicial e procedeu-se à realização do mesmo. Já no decurso do debate judicial, que se prolongou por diversas sessões, veio a progenitora a 10.05.2024 requerer a realização de relatório ou informação social de modo a aferir da sua atual situação, alegando que o depoimento das testemunhas versa sobre a factualidade ao longo do tempo, mas não sobre a atualidade. O Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento do requerido, por ser intempestivo. Por despacho de 16.05.2024 a Exm.ª Juiz relegou para a sessão seguinte da audiência de julgamento a pronúncia sobre o requerido, o que não chegou a fazer. O debate prosseguiu os seus termos com produção de prova e alegações finais. Foi proferido acórdão pelo tribunal de 1ª instância a 17.06.2024 que decidiu: “a). Aplicar a favor da criança – A …, nascida a 17 de janeiro de 2014 – residente na Casa de Acolhimento Fundação ..., a medida de promoção e protecção de confiança a instituição, ou família de acolhimento com vista a futura adoção, mantendo-se a menor sob a guarda da Casa de Acolhimento, ao abrigo do disposto nos artigos 3º nºs 1 e 2 al. c) e f), alínea g) do nº 1 do art. 35º, 38º e 38º A, als a) e b) da LPCJP e 1978º nº 1, al. c) e d) do Código Civil; b). Designar como curador provisório da criança a diretora da Casa de Acolhimento; c). Inibir os progenitores da criança do exercício das responsabilidades parentais – cfr. artigo 1978º A do Código Civil; d). Proibir as visitas por parte da família natural da criança a esta – cf. artigo 62º A nº 6 da LPCJP; e). Determinar que o Serviço de Adoções do ISS comunique aos autos, logo que selecionado o casal adotante (ou a pessoa adotante) para nomeação como curador provisório à menor A …, nascida a 17 de janeiro de 2014 -, ao abrigo do disposto nos artigos 62º A, nºs 2 e 3 da LPCJP.” É com esta decisão que a Progenitora não se conforma e dela vem interpor recurso pedindo a sua revogação, apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que se reproduzem: A) O presente recurso tem como objeto toda a matéria de facto, sem qualquer juízo de censura e de direito, cuja aplicação não reflete, salvo melhor entendimento contrário, a solução constante da sentença proferida nos presentes autos e determinou a aplicação da medida “Confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção”, prevista no art. 35.º, n.º 1, al. g) da LPCJP. B) Os presentes autos foram desencadeados pela sinalização de perigo em que a menor se encontrava, conforme resulta de toda a prova documental junta. C) A infeliz condição frágil da recorrente foi sempre se manifestando e obstou a que tal se concretizasse, sendo conhecidos nos autos os resultados do seu insucesso. D) Porém, o período de maior instabilidade da recorrente, associado à ausência da filha, na presente data, não se verifica o mesmo perigo. E) A recorrente, refez a sua vida, tem uma rede de apoio assente no seu companheiro e inverteu os comportamentos aditivos, há largos meses. F) Progenitora, por requerimento apresentado a 10/05/2024, requereu: informação ou o relatório social; o Tribunal, relegou para a audiência de julgamento a pronúncia sobre o mesmo, o que nunca aconteceu! Conforme resulta do despacho de 16/05/2024, com a ref.ª 55357392, certificada pelo sistema da plataforma CITIUS. G) Conforme resulta dos relatórios da EMAT, a menor beneficiou de um contacto próximo e positivo com uma família, entenda-se, Pessoa Idónea, durante o período do seu acolhimento. H) A recorrente entende que esta Pessoa Idónea deveria ter sido ouvida pelo Tribunal! I) A sua audição poderia, eventualmente, determinar outra decisão, J) Ou permitir a aplicação de outros institutos legais, como seja o apadrinhamento civil K) Não tendo sido realizada, o Tribunal não esgotou todas as possibilidades que permitissem que a menor mantivesse o vínculo com a sua família biológica. L) Pois, o Tribunal não esgotou a sua função de modo a garantir que o superior interessa da menor, não seria junta da sua família (mãe), um pilar fundamental e grande vínculo emocional revelado pela A …, intervindo de forma a que a recorrente (acompanhada até pela EMAT) (re)assumisse os seus deveres para com a filha e que a decisão fosse atual às reais condições da mãe e à ajustada ao perigo que possa merecer uma intervenção. M) Destarte, a decisão, violou o art. 4.º, als. e), f), g) e h), da LPCJP. N) Como tal, a decisão, caso tivessem sido esgotadas todas as soluções: i) Comprovando que, porventura, a recorrente já reúne as condições necessária para prestar os cuidados à sua filha, a aplicação da medida de apoio junto dos pais (mãe), sob a chancela e colaboração da EMAT, conforme art. 35.º, n.º 1, al. a), da LPCJP; ii) Mediante a possibilidade de audição da pessoa idónea, seria a medida da confiança a pessoa idónea, prevista no art. 35.º, n.º 1, al. c), da LPCJ, o que permitira à recorrente e à menor mantear o vínculo familiar e, eventualmente, reingressar no seu agregado familiar (o que mais corresponde à vontade da A …); iii) E finalmente, em torno do circunstancialismo da confiança a pessoa idónea, equacionar o apadrinhamento civil, não como medida de PP, mas como solução legal a ser enquadrada nestes autos. O) Tudo somado, leva-nos a concluir que a decisão poderia (e deveria ter sido diversa) P) Isto sem prejuízo da eventual repetição do julgamento ou Acórdão em sentido diverso que conceda à recorrente a sua rogada derradeira oportunidade. A criança A … veio responder ao recurso através da sua Ilustre Patrona nomeada, pugnando pela sua improcedência. O Ministério Público veio também responder ao recurso, defendendo a confirmação da decisão recorrida, por corresponder ao melhor interesse da criança. II. Questões a decidir São as seguintes as questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine: - da omissão de pronúncia do tribunal sobre o pedido da progenitora para a realização de novo relatório social para averiguação da sua atual situação de vida; - da (in)existência de medidas alternativas e mais adequadas àquela que foi aplicada, como sejam a medida de apoio junto da mãe prevista no art.º 35.º n.º 1 al. a) da LPCJP ou confiança a pessoa idónea prevista no art.º 35.º n.º 1 al. c) do LPCJP. III. Fundamentos de Facto Os factos provados com interesse para a decisão do presente recurso são, para além dos que constam do relatório elaborado, os que foram tidos como assentes no acórdão recorrido, que não foram impugnados pela Recorrente, para os quais se remete, nos termos do art.º 607.º n.º 5 do CPC, por não haver nenhuma alteração a fazer e são os seguintes: 1º. A menor A … nasceu a 17 de janeiro de 2014 e é filha de C … e de B …. 2º A CPCJ do Funchal teve conhecimento da situação desta criança, através de uma sinalização efetuada pela Linha de Emergência Social (LES), acionada no dia 17 de maio de 2021, pela mãe, pois estaria em situação de perigo e sem abrigo. 3º No âmbito da intervenção da LES, mãe e filha foram acolhidas de emergência na … e, posteriormente, em Junho de 2021, com o apoio dos serviços, passaram a residir numa habitação arrendada com o apoio dos serviços. 4º Na ocasião, e apesar de A … estar em idade escolar obrigatória, não se encontrava a frequentar qualquer estabelecimento de ensino. 5º Foi instaurado processo na CPCJ com a tipologia de “Negligência”, mas não foi obtido acordo por parte dos progenitores para a intervenção da mesma. 6º Os pais de A … conheceram-se na Região Autónoma da Madeira em 2009 e, após um ano, iniciaram uma relação amorosa, tendo mantido uma relação durante um período de oito anos, com coabitação, mas sempre com um percurso instável, com várias ruturas e recomeços, e num registo de violência física por parte de C …. 7º A figura paterna teve/tem alguns processos crime, por ofensas à integridade física, posse armas brancas e por situações de violência doméstica a companheiras anteriores e a B …. 8º Em 2012, o filho mais velho de B …, fruto de uma relação anterior, emigrou para o Reino Unido, onde B … trabalhava na área das limpezas e permaneceu durante oito anos. 9º No Reino Unido a relação do casal deteriorou-se, uma vez que, o filho ao ver as agressões de C … contra a mãe, intervinha em sua defesa, tendo ocorrido a rutura da relação do casal em 2017, quando A … tinha apenas três anos de idade. 10º B … e A … regressaram do Reino Unido à RAM, no mês de dezembro de 2020, para gozo de férias, mas devido a constrangimentos e contingências causados pela pandemia COVID-19, esta família monoparental viu-se impedida de regressar ao país onde residia e trabalhava. 11º O pai de A …, C …, esteve também emigrado no Reino Unido, tendo regressado à RAM em agosto de 2020. 12º Viveu cerca de um mês em casa do seu pai, tendo saído devido a um desentendimento mútuo, e ficado em situação de sem-abrigo. 13º Efetuou inscrição, em outubro de 2020 na Associação …, para uso dos balneários e aquisição de alimentação, uma vez que se encontrava em situação de sem abrigo e sem qualquer retaguarda familiar. 14º Segundo um relatório social efetuado pela APP, existia uma ausência de apoio familiar decorrente de conflitos familiares manifestados em comportamentos disfuncionais e violentos recorrentes, devido à forte suspeita de consumo de substâncias psicoativas, por parte de C... 15º Apresentava-se, muitas vezes, com uma atitude arrogante e agressiva, tendo sido muito incorreto e indelicado, para com outros utentes e transeuntes que passavam em frente à instituição, tendo a frequência aos serviços nesta instituição sido suspensos, devido a agressão, com socos na cara, de um utente idoso que se encontrava na fila para aceder ao refeitório. 16º Nessa sequência o progenitor foi encaminhado para o …, mas continuou com os mesmos comportamentos (postura bastante agressiva, posse de armas brancas e uso das mesmas para se impor junto dos restantes utentes e técnicos, provocava frequentemente distúrbios quando contrariado, desafiava os técnicos, consumia e traficava droga), o que levou também a ser suspenso de frequentar aquela instituição. 17º Inicialmente, C … mantinha contacto regular com a filha e passava algumas horas consigo sem supervisão da mãe, na via-pública ou no jardim. 18º Porém, a partir de agosto de 2021, os convívios de A … com o pai passaram a ser realizados com supervisão de B …, por esta considerar que C … não proporcionava as condições de segurança para estar sozinho com a filha, por ser muito violento e instável emocionalmente. 19º Ademais, constava que o pai mantinha uma relação de confidente com a filha, contando-lhe tudo o que se passava na sua vida, desvalorizando que este tipo de conversas pudesse refletir negativamente na estabilidade emocional de A …. 20º No ano letivo de 2020/2021, a menor A … não esteve integrada em nenhum estabelecimento de ensino na RAM. 21º Quando questionada sobre o facto de A … não estar integrada num estabelecimento de ensino da região, B … referiu à CPCJ que tinha tentado a integração da filha na escola, mas que não existiam vagas na altura. Contudo, após articulação com as entidades competentes, verificaram que não existia qualquer tentativa de inscrição da criança em estabelecimento de ensino. 22º Foi assinado acordo de promoção e proteção a 19.08.2021, com aplicação da medida de apoio junto dos pais. 23º No âmbito do acompanhamento da medida, B … foi encaminhada para a realização de algumas ações, designadamente solicitar o apoio ao arrendamento da CMF, regular as responsabilidades parentais da filha, solicitar apoio ao programa Prohabitar e diligenciar pela regularização do abono de família da criança. 24º Contudo, em Abril de 2022, não tinha ainda procedido a nenhum desses encaminhamentos, correndo o risco de perder o apoio económico de que estava a beneficiar, nomeadamente RSI e subsídio para pagamento da renda de casa. 25º Paralelamente, não colaborou com os serviços, não comparecendo, nem atendendo os contatos telefónicos do serviço de ação social, pese embora apresentar rendas em atraso, canalizando os apoios para outras despesas. 26º Entretanto, em Outubro de 2021, o pai de A … foi detido, situação que interferiu negativamente na estabilidade emocional desta, começando a evidenciar grande desmotivação e desinteresse académico, revelando grande tristeza, sendo frequente o seu cansaço e sono no período escolar, indicando que as rotinas do sono não estavam a ser cumpridas de forma adequada. 27º Durante o 2º período escolar a progenitora compareceu na escola para buscar A …, aparentando estar sob o efeito de estupefacientes. 28º Para além disso, A … não comparecia de forma assídua na escola, tendo verbalizado junto da comunidade escolar que não foi à escola por a mãe não ter acordado por ter bebido muito na noite anterior e não conseguir se levantar. 29º No dia 19 de abril de 2022, A … não compareceu na escola, tendo sido vista com a mãe num bar junto ao Mercado dos Lavradores, por volta das 07H00, estando a mãe a beber uma cerveja. 30º No dia seguinte, A … apresentou-se na escola com a roupa suja, com intenso odor a tabaco, olheirenta e sonolenta, tendo referido não ter dormido devido ao barulho existente no exterior da habitação. 31º Aliás, durante as férias da Páscoa de 2022, a criança foi vista com muita frequência a acompanhar a mãe em bares situados na zona velha do Funchal, estando aquela a beber bebidas alcoólicas e sob o efeito de estupefacientes, tendo ocorrido uma situação durante a noite em que a criança foi vista a chorar, referindo ter fome e desejar ir para casa. 32º A …, desde que chegou à RAM, não tinha feito ainda nenhuma consulta médica e, mesmo após o encaminhamento pelos serviços para marcação dessas consultas, tal não foi feito. 33º A 20 de abril de 2022, D …, primo de B …, informou a EMAT de que esta não se encontrava bem, nem capaz de manter uma conversação e cuidar de A …, por se encontrar desorganizada por efeito de consumos de estupefacientes. 34º Outros familiares, designadamente um irmão de B …, assim como elementos da comunidade, mencionaram os consumos de bebidas alcoólicas e produtos estupefacientes desta, assim como suspeitas de estar envolvida na prática de prostituição. 35º Referiram, ainda, a negligência nos cuidados prestados à criança, e a necessidade urgente de a proteger, uma vez que não havia retaguarda familiar para a acolher e proteger. 36º Em consequência do agravamento da situação de perigo em que A … se encontrava, em 20 de abril de 2022, foi acolhida em cama de emergência na Fundação ..., e no dia seguinte, aplicada, a título cautelar, a medida de acolhimento residencial naquela instituição. 37º A mãe não acompanhou a A … no seu acolhimento, tendo apenas entrado em contato telefónico com a CA no dia seguinte, mas não lhe foi permitido falar com a filha por apresentar um discurso confuso, com lapsos de memória e choro compulsivo. 38º Foi agendado uma entrevista com a mãe no dia 27 de abril de 2022 na CA, mas a mesma faltou justificando-se que tinha dado inicio a tratamento para a depressão que a terá deixado indisposta/fragilizada. 39º O tio materno, E …, contatou a CA para questionar o bem estar de A … e manifestar interesse em estabelecer convívios com a mesma, mas não manifestou disponibilidade para se constituir como alternativa ao acolhimento residencial da mesma. 40º No dia 3 de maio de 2022 a progenitora compareceu na CA e referiu estar a fazer tratamento farmacológico para a depressão, dando também conhecimento da necessidade de internamento para desabituação de consumo de bebidas alcoólicas. 41º Após um convívio lúdico com A …, esta despediu-se da mãe sem qualquer manifestação de choro ou tristeza. 42º Quando deu entrada na CA, A … apresentava a roupa suja (interior e exterior), com buracos e mau cheiro. 43º Nos primeiros dias recusava-se a tirar a roupa interior para tomar banho, verbalizando “a minha mãe diz que as meninas só tomam banho com as cuecas “. 44º A … exibia pediculose significativa. 45º Apresentava-se como uma criança com poucas regras e limites. 46º Denotou desconhecimento e rejeição por alguns alimentos e ausência de horários de refeição e de sono, bem como receio do escuro e de estar sozinha no quarto. 47º Na fase inicial de adaptação, A … revelou um comportamento desafiante (ao ignorar as solicitações e orientações dos adultos) e na resolução dos conflitos tendia a recorrer à agressividade, conduta que foi progressivamente alterando, integrou-se nas regras e rotinas da CA 48º Foram agendados convívios presenciais com a progenitora e companheiro, e com o irmão uterino, F …, nos quais, apesar de inicialmente terem serem assíduos, as interações eram meramente lúdicas e com pouca resposta afetiva por parte da progenitora. 49º A pedido da A …, foram estabelecidos contatos telefónicos semanais por videochamada com o pai, revelando A … muita satisfação com tais contatos. 50º A … revelava grande ansiedade em relação à realização dos convívios e contatos telefónicos, questionando a CA sobre o dia e a hora dos mesmos e possíveis alterações, sendo que após os mesmos necessitava de um momento para estabilizar a nível emocional e retomar as rotinas. 51º Ao longo do acolhimento, a progenitora foi delegando os cuidados da filha à CA, não questionando sobre as suas necessidades ou evoluções, revelando-se focada no seu percurso laboral e inflexível para concretização de momentos na CA para avaliar e delinear uma intervenção ajustada ás suas necessidades e desenho do projeto de vida de A …. 52º O irmão uterino, F …, verbalizou interesse em constituir-se como alternativa ao acolhimento de A …, mas apresenta muitas fragilidades na vida, ao nível habitacional, laboral e relacional (faz questão de não se cruzar com a mãe nas visitas a A …). 53º Entretanto, a progenitora acabou por reconhecer as problemáticas e vulnerabilidades que motivaram o acolhimento de A … e começou a estabelecer uma relação de proximidade com a CA e EMAT, tendo integrado o Programa de promoção de competências parentais, constando-se uma maior investimento e adequação na relação maternofilial e funcionamento parental e que se refletiu no aumento de convívios (com pernoitas ao fim de semana) e no melhor equilíbrio emocional da criança. 54º Paralelamente, B … integrou o acompanhamento clínico disponibilizado para a cessação do seu consumo de álcool no Centro da Saúde …, aderindo às consultas, bem como à medição prescrita. 55º Porém, passado algum tempo, começou a verbalizar dificuldade em gerir o grau de exigência, de responsabilização e inflexibilidade da entidade patronal na cedência de tempos de saída antecipada para comparecer aos convívios com a filha e/ou de folga. 56º Tendo sido confrontada com outros fatores de stress, como a hospitalização da mãe, ausência de apoio familiar, rutura da relação amorosa, maior participação na vida da filha e conflitos no local de trabalho. 57º De 7 a 14 de Maio de 2023, período em que B … se responsabilizou pelo cuidado integral das necessidades e compromissos de A …, verbalizou na CA perplexidade e perturbação pelos comportamentos manifestados pela criança durante esse período (energia, atitudes de agressividade na escola, etc.), sem conseguir perspetivar-se no futuro a assumir uma responsabilidade equilibrada ao nível parental. 58º Este aumento da exigência parental, associada às restantes situações de stress, culminaram num comportamento autodestrutivo (ingestão de medicação com álcool), tendo solicitado a intervenção dos serviços de saúde de urgência com a intenção de efetivar o seu internamento na Casa de Saúde que acabou por não se concretizar depois da avaliação do serviço de urgência do hospital. 59º Após este episódio frustrado, e face à manutenção do mal estar, a 18 de maio, B … contatou uma linha de apoio psicológico que a encaminhou para observação, acabando por ser concretizado o seu internamento na Casa de Saúde … onde permaneceu durante uma semana. 60º Devido às suspeitas de consumos alcoólicos e à situação de saúde mental de B …, os convívios materno filiais passaram a ser novamente supervisionados na CA. 61º Muitos convívios foram cancelados pela progenitora alegando mal estar psicoemocional que influi de forma negativa nas suas rotinas (não confeciona refeições, diz não conseguir sair da cama). 62º De 15 de agosto de 2023 a 21 de setembro de 2023 não efetuou qualquer convívio alegando motivos laborais. 63º Desde 29 de Setembro de 2023 que não comparece na CA para efetuar convívios com a filha, encontrando-se desde essa data em paradeiro desconhecido. 64º Em 19 de Outubro de 2023 a EMAT teve conhecimento através de familiares maternos de A … que a mãe encontrava-se novamente numa fase de desorganização pessoal e que era vista na companhia de indivíduos associados aos consumos de estupefacientes, nomeadamente “ Bloom”. 65º Esta ausência da mãe e acolhimento prolongado, causaram uma enorme desorganização e instabilidade em A …. 66º A criança exibe falta de competências ao nível social, não sendo bem aceite no grupo de pares (é posta de parte pelas outras crianças, a sua presença é indesejada). 67º Mantem-se em estado de alerta, num mecanismo de ataque-defesa, defendendo-se através de comportamentos agressivos quando perceciona alguma situação que lhe possa causar perigo ou desvantagem. 68º Tem perceção de que o seu comportamento é indesejado, tendo severas consequências na sua auto-estima por não se conseguir adequar e ajustar ao que é socialmente aceite. 69º Apresenta medos intensos, como estar sozinha, medo do escuro, tendo recentemente verbalizado que não raras vezes ficaria sozinha em casa à noite enquanto a mãe saía, alegando que ia fazer compras e já voltava. 70º Apresenta sinais de uma vinculação desorganizada, reagindo às ausências da progenitora de forma também desorganizada (chora compulsivamente, bate o pé, isola-se). 71º Para além disso, B … tem um passado e história de vida pautado por grande vulnerabilidade pessoal, familiar e social. 72º Relata uma infância marcada por vivências traumáticas, desde negligência a maus tratos decorrentes da exposição a consumo abusivo de álcool por parta da mãe, violência doméstica, bem como alegado abuso sexual por parte do marido da avó. 73º B … foi mãe pela primeira vez aos 16 anos, ficando a criança aos cuidados da sua avó e, posteriormente, acolhido no EVM devido a estar exposto a comportamentos de consumo abusivo de álcool do marido desta, e de violência doméstica. 74º O progenitor encontra-se detido e abarca um percurso de vida desviante e, enquanto em liberdade não foi responsivo às necessidades da filha A …. 75º Aliás, tem mais filhos de outras companheiras, todos eles atualmente em acolhimento residencial. 76º Não obstante o acompanhamento próximo durante a execução da medida, e decorridos mais de 20 meses de acolhimento, as vulnerabilidades identificadas nos progenitores de A … agravaram-se com as sucessivas recaídas de comportamentos de adição da mãe e, nos últimos meses, de completo abandono e desinteresse pelo percurso de vida da filha. 77º Como se disse, ambos os progenitores continuam a apresentar vulnerabilidades ao nível da instabilidade emocional e comportamental e comportamentos aditivos. 78º Tais vulnerabilidades evidenciam caraterísticas de cronicidade, sendo imprevisível qualquer mudança em tempo útil para A …. 79º Acontece que, até à data, nenhum familiar se disponibilizou e evidenciou ter condições para apoiar a menor A …. 80º Do relatório médico apresentado pela Dra I …, medica pedopsiquiatra, que acompanha a menor resulta o seguinte “A menina A …, nascida a 23/07/2009, atualmente com 10 anos de idade, tem vindo a ser seguida em consultas de Pedopsiquiatria, na Clínica Médica …, desde o dia 22 de junho de 2023. Desde essa data e até ao presente momento, foi observada em três consultas de Pedopsiquiatria (22 de junho de 2023, 24 de janeiro de 2024 e 16 de março de 2024). À data da primeira consulta, realizada em junho de 2023, a A … apresentava alterações no sono, com impacto negativo na sua vitalidade e comportamento. Nesta altura, foi realizado o diagnóstico de Perturbação de Adaptação, e foram recomendadas as seguintes intervenções: 1) psicoterapia com psicóloga assistente, para ajudar na regulação emocional 2) psicoeducação sobre estratégias de higiene do sono e início da toma do suplemento de melatonina, ao deitar. A segunda consulta de Pedopsiquiatria ocorreu, já este ano, a 24 de janeiro de 2024, e a A … veio acompanhada pela técnica da instituição, a Dra. G …. Foi relatado que a mãe da A … tinha deixado de visitar a menor e que a A … tinha tido a iniciativa de escrever uma carta ao Tribunal, a solicitar a suspensão da visita dos progenitores (pai e mãe), devido ao sofrimento causado pelas visitas irregulares e inconsistentes destes. Também me foi comunicado que nessa carta, dirigida ao Tribunal, partilhou o seu desejo e vontade de ter uma família nova. Durante a consulta, foi possível observar que a A … apresentava tristeza no olhar, humor deprimido, insónia, fadiga, falta de apetite, falta de prazer e alguns episódios de ansiedade, um quadro compatível com uma perturbação emocional. Assim, da observação direta realizada à criança e com o suporte das informações colaterais, fornecidas pela Dra. G …, foi possível apurar que a A … apresenta os seguintes diagnósticos, segundo critérios da classificação diagnóstica DSM-5: Perturbação Depressiva Major Perturbação Reativa da Vinculação No plano terapêutico apresentado, e discutido com a Dr. a G …, foi recomendado: Iniciar psicofarmacoterapia com sertralina 50 mg (anti-depressivo); Manutenção da psicoterapia realizada pela psicóloga assistente; Consulta de reavaliação após 3 semanas -1 mês (16 de março 2024); Definição do projeto de De salientar que a literatura cientifica demonstra que a falta de consistência nas visitas e contacto regular com os menores em instituições podem ter consequências negativas no seu desenvolvimento emocional e psicológico. Mais especificamente podem causar: ansiedade, confusão e angústia emocional, sensação de abandono e rejeição, risco de desenvolvimento de problemas de comportamento, como agressividade e dificuldades de ajuste social, diminuição da autoconfiança, autoestima e da identidade da criança. A A … apresenta estas dificuldades e é imprescindível a definição do seu projeto de vida, de forma a não perpetuar este sofrimento. Em relação ao pedido de opinião médica sobre a estabilidade emocional da A … que confira ou não participação ativa da mesma no seu projeto de vida em sede de Tribunal, apresento as seguintes considerações: 1. A A … tem 10 anos de idade, e é uma testemunha vulnerável, quer pela sua tenra idade, quer por apresentar perturbações emocionais, supra-mencionadas neste relatório. 2. Não apresenta a estabilidade emocional necessária para participação ativa, o que poderá comprometer a sua capacidade de comunicar de forma clara e coerente sobre o seu projeto de vida. 3. Mesmo com preparação e apoio para compreender o processo judicial, num ambiente seguro e acolhedor, não recomendo o seu testemunho, em sede de Tribunal. Desejo desta forma que o Tribunal decida pelo melhor interesse da A … e estou disponível para qualquer informação adicional ou colaboração que entendam necessária. Funchal, 27 de março de 2024” 81º Da informação realizada aquando do acompanhamento psicológico efetuado pela Dra H …, acerca aquando da Audição da menor A …, realizada em espaço cedido pela PJ do Funchal no dia 28 de Maio de 2024, resulta o seguinte “A … aparenta ser uma menina ponderada, consciente, observadora e atenta ao que o seu coração lhe diz. É uma criança viva, perspicaz e que facilmente estabelece uma relação interpessoal com um adulto, de forma assertiva. A M. compreende a importância do momento para a definição do seu Projeto de Vida, o que a leva a estar mais ansiosa no início do seu testemunho. Sente uma certa “culpa” por estar a verbalizar que necessita de uma nova família, mas já está desesperançada e cansada de esperar que a sua dinâmica familiar mude, verbalizando no Roll-playing com a família de madeira “é sempre esta zaragata em casa”, colocando o seu boneco num sofá á parte e depois junto da figura paterna. Refere que não está zangada com os seus pais biológicos, pois “eles são assim”, percebendo que dificilmente vão mudar de comportamento. Manifesta sinais de ansiedade face às figuras parentais (tem memórias dos acontecimentos anteriores traumáticos), que lhe provocam desequilíbrio emocional, privação do sono contínuo e sofrimento (tristeza profunda), compulsando os comportamentos autolesivos reportados no relatório de Pedopsiquiatria. Revelou que não pretende cortar laços com a sua família biológica, referenciando situações positivas com os seus irmãos. Revela, igualmente, algum medo e falta de confiança no ser humano, pois “os adultos nem sempre têm tempo ou aparecem quando estamos À ESPERA DELES”. Tem um projeto de vida positivo definido.” IV. Razões de Direito - da omissão de pronúncia do tribunal sobre o pedido da progenitora para a realização de novo relatório social para averiguação da sua atual situação de vida Alega a Recorrente que solicitou ao tribunal que fosse elaborado uma informação ou relatório social sobre a sua atual situação, tendo o tribunal remetido para mais tarde a decisão sobre o requerido, o que não veio a fazer. Verifica-se, na verdade, uma omissão por parte do tribunal a quo, quando deixa de dar resposta ao pedido da progenitora relativo à produção de nova prova. A situação contra a qual a Recorrente aqui se insurge é prévia à prolação do acórdão de que recorre, dirigindo-se à atuação da juiz de 1ª instância que prosseguiu com o debate judicial, que veio a prolongar-se por outras sessões, sem dar resposta ao requerido. A falta de pronúncia do tribunal sobre aquele requerimento probatório configura uma nulidade processual ou de procedimento, suscetível de integrar a previsão do art.º 195.º n.º 1 do CPC norma geral sobre a nulidade dos atos que prevê: “Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”. A reclamação de uma nulidade processual tem, por regra, de ser feita junto do tribunal que alegadamente a cometeu, nos termos do art.º 199.º do CPC e só da decisão que venha a ser proferida sobre a mesma é que poderá caber recurso. Tal como nos diz Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, pág. 21-22: “Importa, pois, distinguir as nulidades de procedimento das nulidades de julgamento, uma vez que, nos termos do art. 615.º, n.º 4, quando as nulidades se reportem à sentença e decorram de qualquer dos vícios assinalados nas als. b) a e) do n.º 1, a sua invocação deve ser feita em sede de recurso, restringindo-se a sua reclamação para o próprio juiz quando se trate de decisão irrecorrível. A ocorrência de nulidades processuais pode derivar da omissão de acto que a lei prescreva ou da prática de acto que a lei não admita, ou admita sob forma diversa da que foi executada. Sem embargo dos casos em que as nulidades são de conhecimento oficioso, devem ser arguidas pelos interessados perante o juiz (arts. 196º e 197º). É a decisão que vier a ser proferida que pode ser impugnada por via recursória.” O recurso constitui uma forma de impugnação das decisões judiciais, conforme decorre do disposto no art.º 627.º n.º 1 do CPC e tem por isso em vista a alteração da decisão proferida pelo tribunal recorrido e não a tomada de posição sobre questões novas que anteriormente não foram suscitadas pelas partes e objeto de apreciação. É jurisprudência pacífica, que os recursos visam o reexame, por parte do tribunal superior, de questões anteriormente apreciadas e decididas pelo tribunal a quo, e não a pronúncia sobre questões novas- vd. neste sentido, entre outros, Acórdão do TRL de 14-02-2013, no proc. 285482/11.6YIPRT.L1-2 in www.dgsi.pt De acordo com o regime geral das nulidades processuais, estas devem, em regra, ser arguidas perante o tribunal que as cometeu, apenas cabendo recurso da decisão que venha a incidir sobre o seu conhecimento. Excecionalmente, porém, quando a nulidade é cometida a coberto da decisão, podendo influir no exame ou decisão da causa, pode entender-se que a própria decisão acaba por assumir essa mesma nulidade, caso em que pode ser diretamente arguida em sede de recurso, entendimento que temos vindo a seguir – vd. apenas a título de exemplo, os Acórdãos do STJ de 23-06-2016 no proc. 1937/15.8T8BCL.S1 e de 22-02-2017 no proc. 5384/15.3T8GMR.G1.S1 ambos in www.dgsi.pt No caso, não estamos, perante uma nulidade cometida a coberto da própria decisão, antes se reportando a um procedimento prévio - um requerimento probatório apresentado pela progenitora, cujo decisão foi relegada para mais tarde e que certamente por lapso, não chegou a ocorrer. Acontece que o debate judicial prosseguiu os seus termos, com outras sessões, sem que a progenitora tenha suscitado junto do tribunal a quo a irregularidade cometida, o que estava obrigada a fazer, reclamando da tal falta de pronúncia para o próprio juiz, nos termos do regime geral da arguição das nulidades processuais na previsão do art.º 199.º n.º 1 do CPC. A progenitora não invocou a irregularidade de procedimento em causa antes do encerramento da instrução, sendo certo que proferiu as suas alegações quando finda a produção de prova, sem ter suscitado a falta de pronúncia do tribunal sobre o que havia requerido, tendo ficado sanada, sendo extemporâneo que venha agora fazê-lo em sede de recurso. De qualquer modo, salienta-se telegraficamente que: (i) o requerimento probatório apresentado é extemporâneo, na medida em que já previamente havia sido dada à progenitora a possibilidade de apresentar as suas alegações e requerer a prova que tivesse por conveniente; (ii) o tribunal não deixaria de determinar tal diligência probatória se tivesse a mesma como necessária à boa decisão da causa, o que sempre poderia fazer oficiosamente e em qualquer altura, nos termos do disposto no art.º 986.º n.º 2 do CPC, já que estamos num âmbito de um processo de jurisdição voluntária; (iii) não se vê que a diligência probatória requerida pudesse vir a ter influência na decisão, na medida em que, contrariamente ao que a progenitora refere, a sua atual situação de vida atual não é só por si o determinante, mais relevando o que tem sido todo o seu percurso anterior, pelo que se afigura que tal se traduziria numa diligência inútil, ainda que viesse a apontar para o facto que a mesma pretende demonstrar: que tem agora o apoio de um companheiro e que reverteu os seus comportamentos aditivos. - da (in)existência de medidas alternativas e mais adequadas àquela que foi aplicada, como sejam a medida de apoio junto da mãe prevista no art.º 35.º n.º 1 al. a) da LPCJP ou confiança a pessoa idónea prevista no art.º 35.º n.º 1 al. c) do LPCJP Alega a Recorrente que, ficando comprovado que a mesma reúne as condições necessárias para prestar os cuidados à sua filha, deve ser aplicada a medida de apoio junto da mãe, prevista no art.º 35.º n.º 1 al. a) da LPCJP, e sempre deve equacionar-se a possibilidade da medida de confiança a pessoa idónea, nos termos do art.º 35.º n.º 1 al. c), ouvindo-se a pessoa idónea, de modo a permitir que a criança mantenha o seu vínculo familiar, podendo equacionar-se uma situação de apadrinhamento civil. A Convenção Sobre os Direitos da Criança, de 20 de novembro de 1989, retificada por Portugal e publicada no DR. de 12/09/1990 estabelece no seu art.º 3.º n.º 1, que todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primeiramente em conta o interesse superior da criança. De acordo com o art.º 9.º de tal Convenção, a criança não será separada dos seus pais contra a vontade destes, a menos que a separação se mostre necessária, no seu interesse superior; o art.º 20.º acrescenta que no seu superior interesse a criança tem o direito a proteção alternativa, que pode incluir a adoção. Tais princípios encontram eco na Constituição da República Portuguesa, que no art.º 36.º prevê que todos têm o direito a constituir família, tendo os pais, o direito e o dever de educação e de manutenção dos filhos, não podendo os filhos ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles. Neste seguimento, o art.º 69.º da CRP estabelece que as crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, devendo o Estado assegurar especial proteção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal. A Lei n.º 147/99 de 1 de setembro, chamada Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo vem concretizar os requisitos e formas de intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo, dispondo logo no seu art.º 3.º n.º 1 que a mesma tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento. A intervenção tem sempre de obedecer aos princípios orientadores previstos no art.º 4.º de tal diploma, do qual se destaca logo na al. a) o superior interesse da criança; na al. e) a proporcionalidade e atualidade da intervenção que aponta para o sentido da intervenção mínima, necessária e adequada a afastar a situação de perigo; na al. f) a responsabilidade parental, no sentido de que a intervenção deve ser efetuada de modo a que os pais assumam os seus deveres para com a criança ou o jovem; na al. g) a continuidade das relações psicológicas profundas, de modo a garantir à criança a continuidade de uma vinculação securizante; na al. h) o princípio da prevalência da família, no sentido em que deve ser dada prevalência às medidas que integrem a criança em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável, em detrimento da sua colocação institucional. De tudo isto ressalta a evidência da criança como sujeito de direitos e não como propriedade dos seus pais, em que o seu interesse, proteção e bem estar deve prevalecer, mesmo quando em conflito com a sua família biológica, não podendo também deixar de dar-se uma voz autónoma à criança, no sentido da mesma poder exprimir a sua vontade e participar nos processos que lhe dizem respeito, devendo ser levada em conta a sua opinião ou vontade, no que hoje tem acolhimento nos instrumentos legislativos internacionais e nacionais, sendo disso exemplo o art.º 12.º da Convenção sobre os Direitos da Criança já enunciada ou os art.º 4.º e 5.º da Lei 141/2015 de 8 de setembro - Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aplicável aos processos de promoção e proteção por força do art.º 84.º da LPCJP. Finalmente importa ter em conta o art.º 1978.º do C.Civil que se refere à medida de confiança com vista a futura adoção, medida cuja aplicação vem prevista no art.º 35.º n.º 1 g) da LPCJP e que foi a escolhida pelo tribunal a quo para aplicar a favor da A …. O art.º 1978.º n.º 1 do C.Civil dispõe que, com vista a futura adoção, o tribunal pode confiar o menor a casal, a pessoa singular ou a instituição, quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva de qualquer das situações previstas nas alíneas a) a e). A al. c) visa a situação em que os pais abandonaram a criança; a al. d) contempla a situação dos pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança; a al. e) prevê a circunstância dos pais da criança acolhida por um particular ou por uma instituição tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e continuidade daqueles vínculos, durante pelo menos os três meses que precederam o pedido de confiança. Por seu tuno, o n.º 2 deste mesmo artigo dispõe que: “Na verificação das situações previstas no número anterior o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança.” Discutindo-se o que pode corresponder ao superior interesse da criança, desde logo tem de considerar-se que toda a criança tem direito a um desenvolvimento normal e equilibrado, quer em termos físicos quer psíquicos. Como nos diz o Acórdão do TRC de 27-04-2017 no proc. 268/12.0TBMGL.C2 in www.dgsi.pt: “O “interesse superior da criança”, enquanto conceito jurídico indeterminado carece de preenchimento valorativo, cuja concretização deve ter por referência os princípios constitucionais, como o direito da criança à protecção da sociedade e do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral ( art.69 nº1 da CRP ), reclamando uma análise sistémica e interdisciplinar da situação concreta de cada criança, na sua individualidade própria e envolvência.” Ensinam Rui Epifânio e António Farinha, in OTM Contributo para uma Visão Interdisciplinar do Direito de Menores e de Família, pág. 326 e 327: “É o interesse da criança que deve pautar a decisão, sendo que esse interesse prende-se com uma série de factores atinentes à situação concreta do menor que deve ser analisados à luz do sistema de referências que hoje vigora na nossa sociedade, sobre as suas necessidades, as condições, materiais, sociais, morais e psicológicas adequadas ao seu desenvolvimento estável e equilibrado e ao seu bem estar material e moral.” Daqui decorre que o afastamento da criança dos progenitores só deve ter lugar em casos extremos, nomeadamente quando estes não cumprem com os seus deveres fundamentais para com os filhos e põem em causa a sua segurança, equilíbrio ou bem estar, representando um risco para o seu são desenvolvimento, apresentando-se como uma necessidade impor esse afastamento. Isso pode verificar-se, quando nos deparamos com uma situação em que os pais infringem culposamente os deveres para com o filho, com prejuízo deste, mas também quando se não mostrem em condições de cumprir aqueles deveres. Só em certas situações graves e no interesse e proteção da criança, poderá afastar-se a mesma dos progenitores. Feita esta muito breve resenha pelo ordenamento jurídico, importa passar à avaliação do caso concreto, à luz do que se expôs, a partir dos factos que resultaram provados que não foram impugnados pela Recorrente. Estamos perante uma criança que tem 10 anos de idade, que está desde 20 de abril de 2022 em contexto institucional e privada de uma família. Os pais de A … mantiveram um relacionamento afetivo durante um período de oito anos, com coabitação, mas sempre com um percurso instável, com várias ruturas e recomeços, num registo de violência física por parte de C …. Começando por avaliar a situação do pai, constata-se que o mesmo teve/tem alguns processos crime, por ofensas à integridade física, posse armas brancas e por situações de violência doméstica a companheiras anteriores e a B …. Por desentendimentos com o seu pai, em casa de quem vivia, ficou em situação de sem abrigo por não ter outro apoio familiar, com forte suspeita de consumo de substâncias psicoativas. Inicialmente, mantinha contacto regular com a filha, que passava algumas horas consigo, na via-pública ou no jardim, convívios que passaram a ser na presença da mãe que considerava não haver condições de segurança para aquele estar sozinho com a filha, por ser muito violento e instável emocionalmente. À data em que a A … teve acolhimento institucional, o pai encontrava-se preso, tendo sido detido em outubro de 2021. A pedido da criança, a mesma mantinha contactos telefónicos semanais com o pai, após os quais precisava de um momento para estabilizar emocionalmente. O pai da A … tem mais filhos de outras companheiras, todos em acolhimento residencial e os factos que resultaram apurados não mostram que o mesmo tenha em algum momento assumido as suas responsabilidades para com ela, antes revelando um percurso de vida desviante, não se apresentando como uma alternativa de apoio num projeto de vida da criança. Já quanto à mãe da A …, os factos mostram à evidência uma mãe que, há vários anos e não obstante os apoios que lhe têm vindo a ser dados, não tem sido capaz de assegurar o seu bem estar e segurança, não deixando de constatar-se ter sido ela própria também uma vítima de negligência e violência, com uma história de vida pautada por grande vulnerabilidade pessoal, familiar e social. No que se refere ao seu comportamento enquanto mãe, constata-se que, tendo regressado à RAM, não integrou ou tentou integrar a filha em nenhum estabelecido de ensino no ano letivo 2020/2021; a partir de agosto de 2021, não obstante ter-se comprometido com o acordo de promoção que aplicou a medida de apoio junto dos pais e ter sido encaminhada designadamente para solicitar o apoio ao arrendamento da CMF, regular as responsabilidades parentais da filha, solicitar apoio ao programa Prohabitar e diligenciar pela regularização do abono de família da criança, em abril de 2022, não tinha ainda procedido a nenhum desses encaminhamentos, correndo o risco de perder o apoio económico de que estava a beneficiar, nomeadamente RSI e subsídio para pagamento da renda de casa; a par disso, não colaborava com os serviços, não comparecendo, nem atendendo os contatos telefónicos e apresentava rendas em atraso, por canalizar aquele apoio para outras despesas. Já a A …, após integrada em estabelecimento escolar, revelava grande desmotivação, tristeza e desinteresse académico, sendo frequente o seu cansaço e sono no período escolar, sendo que a progenitora aparentava estar sob o efeito de estupefacientes quando a ia buscar à escola. A criança não comparecia de forma assídua na escola, onde se apresentava com a roupa suja, com intenso odor a tabaco, olheirenta e sonolenta e era vista com a mãe nos bares à noite, estando esta a beber bebidas alcoólicas e sob o efeito de estupefacientes. Mesmo os familiares da progenitora chamavam a atenção para a sua situação desorganizada, com a ingestão de bebidas alcoólicas e consumo de estupefacientes. A mãe da A …, não obstante ter sido encaminhada pelos serviços para marcação de uma consulta médica para a filha, não o fez, revelando uma negligência na prestação de cuidados de saúde à criança. Em 20 de abril de 2022 quando a filha foi acolhida em cama de emergência na Fundação ..., a mãe não acompanhou a A … no seu acolhimento, tendo apenas entrado em contato telefónico com a CA no dia seguinte e foi agendado uma entrevista à qual a mesma faltou, justificando-se dizendo que tinha dado início a tratamento para a depressão que a deixou indisposta/fragilizada, tendo comparecido no dia 3 de maio de 2022, referindo estar a fazer tratamento farmacológico para a depressão e dando conhecimento da necessidade de internamento para desabituação de consumo de bebidas alcoólicas. Após um convívio lúdico com A …, esta despediu-se da mãe sem qualquer manifestação de choro ou tristeza. Quando deu entrada na CA, A … apresentava a roupa suja, com buracos e mau cheiro, exibia pediculose significativa e apresentava-se como uma criança com poucas regras e limites, denotando desconhecimento e rejeição por alguns alimentos, ausência de horários de refeição e de sono, bem como receio do escuro e de estar sozinha no quarto. No início do acolhimento da filha, que a progenitora aceitou, reconhecendo os problemas e as vulnerabilidade que o motivaram, a mesma começou a colaborar com os serviços sociais tendo integrado o Programa de promoção de competências parentais, constatando-se um maior investimento e adequação na relação maternofilial e funcionamento parental e que se refletiu no aumento de convívios, com pernoitas ao fim de semana, e no melhor equilíbrio emocional da criança, tendo integrado também o acompanhamento clínico para a cessação do consumo de álcool, aderindo às consultas, bem como à medição prescrita. Porém, passado algum tempo, a mãe começou a verbalizar dificuldade em gerir o grau de exigência, de responsabilização, invocando a inflexibilidade da entidade patronal na cedência de tempos de saída antecipada para comparecer aos convívios com a filha e/ou de folga e foi delegando os cuidados da filha à CA, não questionando sobre as suas necessidades ou evoluções. De 7 a 14 de Maio de 2023, período em que a progenitora se responsabilizou pelo cuidado integral das necessidades e compromissos de A …, verbalizou na CA perplexidade e perturbação pelos comportamentos manifestados pela criança durante esse período, sem conseguir perspetivar-se no futuro a assumir uma responsabilidade equilibrada ao nível parental. Este aumento da exigência parental, associada às restantes situações de stress, culminaram num comportamento autodestrutivo da progenitora, com ingestão de medicação com álcool, tendo solicitado a intervenção dos serviços de saúde de urgência com a intenção de efetivar o seu internamento na Casa de Saúde, tendo mais tarde, na solicitação de apoio psicológico, sido internada na Casa de Saúde … onde permaneceu durante uma semana. Devido às suspeitas de consumos alcoólicos e à situação de saúde mental de B …, os convívios com a A … passaram a ser novamente supervisionados na CA, tendo muitos sido cancelados pela progenitora alegando mal estar psicoemocional que influi de forma negativa nas suas rotinas - não confeciona refeições, diz não conseguir sair da cama -, sendo que de 15 de agosto de 2023 a 21 de setembro de 2023 não efetuou qualquer convívio alegando motivos laborais, e desde 29 de setembro de 2023 que não comparece na CA para ver a filha, tendo ficado a partir dessa data em paradeiro desconhecido, tendo chegado ao conhecimento dos serviços, através de familiares maternos da A … que a mãe encontrava-se novamente numa fase de desorganização pessoal e que era vista na companhia de indivíduos associados aos consumos de estupefacientes. Esta ausência da mãe e acolhimento prolongado, causaram uma enorme desorganização e instabilidade emocional na A …, criança que apresenta medos intensos, como estar sozinha, medo do escuro, apresentando sinais de uma vinculação desorganizada, resultando do relatório da médica pedopsiquiatra o diagnóstico de “Perturbação Depressiva Major” e “Perturbação Reativa de Vinculação. Do acompanhamento psicológico realizado a 28 de maio de 2024, resulta que a A … evidencia o desejo e vontade de uma nova família, com um sentimento de ansiedade e de culpa relativamente aos seus pais, reconhecendo que “eles são assim” e percebendo que já não vão mudar de comportamento, não tendo confiança neles, porque nem sempre aparecem. Na sequência da sua audição pelo tribunal, consta a dada altura do acórdão: “Aliás, da audição da menor em tribunal, resultou que se trata de uma criança que psicologicamente e emocionalmente se encontra preparada e disposta a encontrar uma família que a queira, porque é isso que ela mais quer. Apesar de mostrar que existe vinculação com a sua família biológica, a A … consegue verbalizar que deixou de acreditar na capacidade dos seus pais se organizarem para a receber e ajudar no seu crescimento e equilíbrio emocional.” Esta mãe não só não foi capaz de assumir os seus deveres parentais, prestar a assistência necessária à sua filha, como ela própria, ainda que porventura involuntariamente, atentas as suas próprias debilidades, a agrediu na sua saúde - integridade psicológica, constatando-se que se encontram seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios de uma relação de filiação, como consequência dos comportamentos da mãe. E não terá sido por falta de oportunidades que lhe foram dadas para se organizar, com os mais diversos apoios, quer económicos, quer sociais, quer médico e psicológico, evidenciando os factos provados, que pelo menos por duas vezes essa tentativa foi feita de forma muito consistente – a primeira quando da aplicação da medida de apoio junto da mãe a favor da A …; a segunda já com a criança em acolhimento institucional, situação com a qual a mãe parece ter-se conformado, evidenciando grandes dificuldades, senão mesmo incapacidade, que ela própria reconheceu, quando chamada a assumir os seus deveres de mãe. O princípio da prevalência da família biológica não é absoluto, e tem sempre de avaliar-se, de acordo com o superior interesse da criança se a família é capaz de lhe proporcionar as condições mínimas necessárias ao seu desenvolvimento integral, segurança e bem estar, num projeto de vida que permita à criança crescer de forma harmoniosa e equilibrada, o que no caso em presença avaliamos que não possa ocorrer agora com uma residência junto dos progenitores e designadamente junto da Requerente. De tudo isto resulta que a medida de apoio junto da mãe que a Recorrente vem propor que seja novamente aplicada a favor da filha não corresponde seguramente ao interesse da criança, nem se mostra adequada a afastar a situação de risco em que a mesma se encontra. Como se refere no Acórdão do TRL de 05-11-2015 no proc. 6368/13 in www.dgsi.pt : “Sendo certo que os vínculos afetivos que obstam à aplicação da medida sob análise são os “próprios da filiação”: não basta que haja relação afetiva entre pais e filhos, é necessário - demonstrar esse amor de forma objetiva e constante, de molde que a própria criança encare o progenitor como referência com as referidas caraterísticas. Pais são aqueles que cuidam dos filhos no dia a dia, são aqueles que cuidam da segurança, da saúde física e do bem estar emocional das crianças, assumindo na íntegra essa responsabilidade”. A construção de uma qualquer relação afetiva exige relacionamento efetivo e regular. Como refere Ana Teresa Leal, in A Tutela Cível do Superior Interesse da Criança, Tomo I, CEJ 2014, pág. 377, no ebook disponível em www.cej.mj.pt : “A vinculação afetiva constrói-se no dia-a-dia. Entre os pais e as crianças tem de existir uma proximidade física que possibilite um entrosamento e uma interligação afetiva real e consistente.” Pugna ainda a Recorrente, nas suas alegações de recurso, para que a criança seja entregue a pessoa idónea, eventualmente com uma medida de apadrinhamento civil, referindo que durante o acolhimento a mesma teve contacto com uma pessoa idónea e que tal não foi ponderado. Acontece que esta solução, para além de nunca ter sido anteriormente proposta como alternativa pela progenitora, surge completamente desligada do contexto da criança, na medida em que não consta que a pessoa idónea com quem a A … terá passado alguns momentos durante o acolhimento institucional, tenha manifestado interesse em acolher a criança, integrando-a no seu agregado familiar, não tendo sido esse o objetivo quando iniciados os contactos. Para além de ser uma solução nova que a Recorrente apresenta agora sem qualquer consistência, a mesma permitiria à A … manter o contacto com a sua família biológica, o que os factos evidenciam que tem sido um fator de grande perturbação emocional e ansiedade para a mesma, que lhe tem feito mais mal do que bem, com as falsas expectativas que lhe têm vindo a ser criadas pela mãe, afigurando-se que podia ser uma solução que iria ao encontro do interesse da progenitora, mas não da criança. A A … tem 10 anos de idade, mais de um ano e meio passado em contexto institucional e não pode nem deve manter-se institucionalizada, sendo que o pai que está preso, não constitui uma alternativa para a mesma e a mãe não tem as condições, competências necessárias ou capacidade para a acolher e para lhe proporcionar o amor e segurança necessários ao seu desenvolvimento harmonioso, quando além do mais durante todo este tempo não quis ou não soube criar tais condições, não obstante todos os apoios que teve, que os factos provados evidenciam, até no âmbito das anteriores medidas de promoção e proteção aplicadas a favor da criança; não há quaisquer elementos concretos e consistentes que possam levar à conclusão que era agora que isso iria acontecer, quando no passado isso não se verificou. Podemos assim concluir que não existe proximidade nem envolvimento emocional gratificante entre a criança e os seus pais, estando comprometidos os vínculos afetivos próprios de uma relação de filiação. Nenhum destes pais consegue oferecer condições para acolher a sua filha e assegurar o seu bem estar e desenvolvimento integral, oferecendo-lhe a família a que ela tem direito. Se é certo que a medida de confiança com vista a futura adoção só deve ser aplicada quando está esgotada a possibilidade de integração da criança na sua família biológica, é também verdade que esta possibilidade tem de ter um mínimo de consistência e tem de corresponder ao interesse da criança. O princípio da prevalência da família biológica não é absoluto, e tem sempre de avaliar-se, de acordo com o superior interesse da criança se a família sanguínea é capaz de lhe proporcionar as condições mínimas necessárias ao seu desenvolvimento integral, segurança e bem estar, num projeto de vida que permita à criança crescer de forma harmoniosa e equilibrada, salientando-se que a mesma está agora com 10 anos de idade, estando assim objetivamente a esgotar-se o tempo em que pode vir a ter sucesso num projeto de vida de integração familiar, como é seu direito, fora da família biológica. Como evidencia o Acórdão do TRC de 27-04-2017 no proc. 268/12.0TBMGL.C2 in www.dgsi.pt : “O princípio da prevalência da família, enquanto princípio orientador de intervenção, impõe que seja dada prevalência às medidas que integrem a criança ou o jovem na sua família ou promovam a sua adopção, ou seja, as executadas no “meio natural de vida “ (arts.4º g) e 35 nº3 da Lei nº147/99 ). Isto porque toda a criança tem o direito fundamental a ser educada e a desenvolver-se no seio de uma família, de preferência a sua (biológica) (arts.36, 67 da CRP, art.7 nº1 da Convenção). Contudo, a prevalência da família biológica pressupõe que esta reúna o mínimo de condições para garantir um desenvolvimento pleno da criança e necessariamente que, num juízo de prognose póstuma, se evidencie que a situação de perigo, objectivamente criada, não se voltará a repetir, e, por conseguinte, a preferência só é justificável na medida em que, no confronto com outra medida alternativa do meio natural de vida, como a confiança a pessoa seleccionada para adopção, se revele a mais adequada ao superior interesse da criança.” No caso em presença, os factos concretos não revelam, contrariamente ao que pretende a Recorrente, que é no âmbito da sua família biológica, designadamente junto de si, que a A … poderá encontrar alguém capaz de a amar, de cuidar dela e de a ajudar no seu crescimento emocional e integração social. Pelo contrário, deles decorre que o superior interesse da criança impõe que se encontre uma alternativa familiar para esta criança, mesmo fora da sua família biológica. Há que ter em consideração o disposto no art.º 1978.º n.º 2 C.Civil que estipula que o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança na verificação das situações previstas no número anterior. Para além disso, importa referir, a confiança assente no conceito de adoção constitui mecanismo de proteção das crianças desprovidas de um meio familiar normal que permite a constituição ou reconstituição de vínculos em tudo semelhantes aos que resultam da filiação biológica, centrando-se na defesa e promoção do interesse da criança e possuindo essencial relevância no contexto dos complexos processos de desenvolvimento social e psicológico próprios da formação da autonomia individual (cf. Preâmbulo do Dec.-Lei 120/98, de 8-5). Nesta linha, a confiança judicial, tem como primeira finalidade a defesa da criança e visa evitar que se prolonguem situações em que este sofre as carências derivadas da ausência de uma relação familiar com um mínimo de qualidade. A A … encontra-se numa instituição há cerca de um ano e meio, demonstrando necessidade de ter uma família que a ame e dela cuide, com vista ao seu crescimento e desenvolvimento harmonioso, não sendo possível a sua entrega a qualquer um dos progenitores, nem existindo qualquer outro familiar para o efeito, pelo que se impõe viabilizar o mais rapidamente possível o direito que esta criança tem a desenvolver-se no seio de uma família adotiva que lhe forneça as figuras parentais que possa reconhecer e com quem possa identificar-se futuramente. Em face do que se expôs, não se vislumbra que a decisão sob recurso tenha violado qualquer um dos princípios orientadores da intervenção previstos no art.º 4.º da LPCJP, designadamente nas al. e), f), g) e h). Perante o que ficou demonstrado conclui-se que estão verificados os pressupostos previstos art.º 1978.º n.º 1 d) do C.Civil o que fundamenta a confiança da criança a instituição com vista a futura adoção, dispensando-se o consentimento dos progenitores o que decorre do princípio do superior interesse da criança e do princípio da prevalência da família, não havendo por isso reparo a fazer à decisão sob recurso que se confirma. V. Decisão: Em face do exposto, julga-se improcedente o recurso interposto pela Recorrente, confirmando-se o acórdão recorrido. Custas pela Recorrente por ter ficado vencida- art.º 527.º n.º 1 e 2 do CPC. Notifique. * Lisboa, 10 de outubro de 2024 Inês Moura João Paulo Raposo Paulo Fernandes da Silva |