Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1556/18.7T8CSC.L1-2
Relator: SUSANA MARIA MESQUITA GONÇALVES
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PRÉDIO RÚSTICO
DIREITO DE PREFERÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: (elaborado pela Relatora, nos termos do artigo 663, n.º 7, do Código de Processo Civil)
I. Em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o artigo 640º, n.ºs 1 e 2, do CPC, impõe ao Recorrente um triplo ónus: Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento; Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa; Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas;
II. Nos termos do artigo 204, n.º 2, do Código Civil, um prédio será considerado como rústico se nele não existir qualquer edifício incorporado com carácter de permanência.
III. O exercício do direito de preferência consagrado no artigo 1380º do Código Civil não pressupõe a efetiva exploração agrícola e/ou florestal do prédio, bastando-se com a sua aptidão para esse efeito.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa os Juízes Desembargadores abaixo identificados:
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I. Relatório:
A (…), B (…), C (…) e D (…)  intentaram a presente ação declarativa de processo comum contra E (…) e mulher, F (…), e G (…) e mulher, H (…), formulando os seguintes pedidos:
a) declarar-se que os Autores são donos e legítimos possuidores do prédio identificados no art. 1.º da p. i.;
b) declarar-se que aos Autores assiste o direito de preferência na compra que do prédio identificado no art. 7.º desta petição foi feita através do documento particular autenticado referido no art. 9.º deste articulado e, consequentemente, a haver para si esse mesmo prédio, pelo preço por que foi vendido e, consequentemente, reconhecer-se o direito de preferência dos Autores na compra do seguinte imóvel, formalizada pelo documento particular autenticado outorgado em 7 de Março de 2017, no escritório do Senhor Solicitador (…), substituindo os 2.º Réus na mesma compra-e-venda aos 1.º Réus e nela passando a ocupar a posição daqueles, assim se declarando transferido para os Autores o direito de propriedade sobre o seguinte imóvel:
- prédio rústico (…), composto por mato e cultura arvense de sequeiro, com a área matricial de 5 552,00 metros quadrados, inscrito na matriz predial rústica sob o art. (…), e descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º (…);
c) ordenar-se o cancelamento de qualquer registo feito e dos que venham a fazer-se após a instauração desta acção com base no mesmo documento particular autenticado;
d) condenar-se os 2.º Réus a entregar imediatamente aos Autores o prédio identificado na precedente alínea b) do pedido”.
Alegam, em súmula, que são donos, em comum e partes iguais, de um prédio rústico com a área de 2.920 m2, composto por terra de cultura arvense e sequeiro, denominado de (…), sito (...).
Até 07.03.2017 os 1.ºs Réus eram donos do prédio rústico sito (…), composto por mato e cultura arvense de sequeiro, com a área de 5.552 m2.
Em 07.03.2017 os 1.ºs Réus, mediante documento particular autenticado, venderam aos 2.º Réus, pelo preço de € 45.000,00, o referido prédio, tendo os 2.ºs Réus registado essa aquisição a seu favor na Conservatória do Registo Predial (…).
Na data da outorga desse documento, o prédio dos Autores confrontava, pelo seu lado sul, com o prédio vendido, numa extensão de cerca de 100 metros, tal como sucede na presente data.
Os 2.ºs Réus não eram, à data do negócio, como ainda não são, proprietários de qualquer outro prédio confinante com o prédio que compraram.
Desde há mais de 10, 20, 30, 40 e mais anos até ao presente, o prédio dos Autores não confrontava, por nenhum dos lados, com a via pública. O acesso ao mesmo só podia fazer-se através do prédio de terceiros, designadamente, através do prédio que os 1.ºs Réus venderam aos 2.ºs Réus. Concretamente, no limite norte desse prédio iniciava-se um caminho que se estendia para o seu interior até desembocar na estrema do prédio dos Autores, na parte em que este confronta com o prédio dos Réus, calcado e trilhado, perfeitamente visível. Desde há mais de 10, 20, 30, 40 e mais anos até ao presente, era por esse caminho que se processava o trânsito de pessoas e bens, a partir da via pública, de e para o prédio dos Autores, a qualquer hora, a pé, de carro de bois e, mais tarde, de trator, designadamente, para fazer a limpeza do terreno, plantações, recolher frutos e cortar e carregar madeira. E os Autores, por si e seus antecessores, desde há mais de 10, 20, 30 40 e mais anos até ao presente, utilizavam o leito desse caminho para acesso ao seu prédio pela indicada forma, sem interrupção, à vista de toda agente, no ânimo de quem exerce um direito próprio e com a convicção de que não prejudicavam ninguém.
Nem os Réus nem alguém por eles deu conhecimento aos Autores da venda, do respetivo preço, das condições de pagamento, da pessoa dos compradores ou de quaisquer outros elementos do contrato, antes ou depois de o mesmo se ter concretizado.
Os Autores tomaram conhecimento da venda em 24.02.2018 mas só tomaram conhecimento das condições da mesma em 07.03.2018.
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Os Autores procederam ao depósito do preço da venda do imóvel no dia 02.05.2018.
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Citados todos os Réus, vieram os Réus G (…) e mulher (…) contestar.
Defenderam-se por exceção, alegando que o prédio sobre o qual os Autores pretendem exercer a preferência tem natureza urbana, inexistindo no mesmo, há longos anos, qualquer cultura, pelo que não está abrangido pelo direito de preferência invocado pelos Autores.
Quanto ao mais, impugnam, na sua generalidade, os factos invocados pelos Autores.
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Os Autores responderam à exceção deduzida na contestação, pugnando pela sua improcedência.
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Foi dispensada a realização de audiência prévia e proferido despacho saneador.
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Realizou-se a audiência final, após a qual foi proferida sentença, cujo segmento decisório aqui se reproduz:
V - DECISÃO
Nestes termos, julgo a acção procedente, por provada, e, em consequência (…):
a) declaro que os Autores são donos e legítimos possuidores do prédio identificado no art. 1.º da p. i.;
b) declaro que aos Autores assiste o direito de preferência na compra que do prédio identificado no art. 7.º da p.i., que foi efectuada através do documento particular autenticado referido no art. 9.º da p.i. e, em consequência, a haver para si esse mesmo prédio, pelo preço por que foi vendido, reconhecendo-se o direito de preferência dos Autores na compra do seguinte imóvel, formalizada pelo documento particular autenticado outorgado em 7 de Março de 2017, no escritório do Senhor Solicitador (…), substituindo os Réus G (…) e mulher (…), na mesma compra e venda aos Réus E (…) e nela passando a ocupar a posição daqueles.
Assim sendo, declaro transferido para os Autores o direito de propriedade sobre o seguinte imóvel:
- prédio rústico sito em (…), composto por mato e cultura arvense de sequeiro, com a área matricial de 5 552,00 metros quadrados, inscrito na matriz predial rústica sob o art. (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º (…);
c) ordeno o cancelamento de qualquer registo feito e dos que venham a fazer-se após a instauração desta acção com base no mesmo documento particular autenticado;
d) condeno os Réus G (…) e mulher (…) a entregarem imediatamente aos Autores o prédio identificado na alínea b) do pedido.
Custas pelos RR..
Registe e notifique.
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Inconformados com essa decisão, os Réus G (…) e mulher (…), dela vieram interpor recurso, pugnando pela sua revogação e substituição por outra que considere improcedente o pedido formulado pelos Autores.
Formularam, a terminar as respetivas alegações, as seguintes conclusões que se transcrevem:
1. Há notória contradição na apreciação da matéria de facto provada e a matéria de facto considerada não provada Assim:
a) Nos No pontos 11 e 12 , na medida em que considera provado estamos perante um terreno de sequeiro, que não dispõe de rega, sendo composto por cultura arvense e mato;
b) No ponto 21, no que tange à (…) existência, no limite Norte, de um caminho de terra batida, calcado e trilhado, em duro, de feição permanente, perfeitamente visível, com a largura de 0,50 e comprimento de 40 metros (…)
c) Nos pontos 22 a 24, na medida em que considera a douta sentença recorrida que pelo caminho descrito no n.º 21 (alínea b) da presente motivação), há mais de 40 anos, era feito o trânsito de pessoas e bens, quer a pé, de carro de bois e, mais tarde de tractor, para carregar e descarregar madeira, mato e, de um modo geral, todos os bens necessários para a regular exploração do prédio pertencente aos aqui Recorridos
2. No esclarecimento prestado sobre o Relatório Pericial junto aos autos, o Senhor Perito é claro ao afirmar que pelas fotografias aéreas de 1999 e 2019. “(…) na de 1999 estão bem evidentes caminhos pedonais existentes na zona destas duas propriedades e com prova de circulação continuada expressiva, o que já não é visível na mais recente e na actualidade (…)”, referindo-se à fotografia aérea de 2019. (sublinhado e negrito nossos);
3. De acordo com os testemunhos produzidos em Tribunal e com o Relatório Pericial junto aos autos, o terreno dos Recorridos (tal como o dos Recorrentes, diga-se em abono da verdade), encontra-se há anos coberto de mato e de silvas, sendo que as alegadas oliveiras, em número diminuto, dificilmente dariam fruto comestível por falta de tratamento.
4. O ponto 3 da matéria considerada não provada, carece de sentido, na medida em que contraria o relatório pericial, sendo certo que é o próprio Juiz a quo que determina no despacho para que se proceda à perícia, seja avaliada qual a actual utilização dada ao prédio dos autores e qual a sua classificação segundo o PDM em vigor .
5. O Plano Director Municipal (do Concelho de …), tem como suporte a Lei n.º 31/2014 de 30 de Maio, que estabelece no Art.º 74º as categorias de solo urbano e rústico, tendo sido regulamentada pelo Decreto Regulamentar n.º 15/2015, de 19 de Agosto, que determina no Art.º 3º que o regime de uso do solo é estabelecido nos planos territoriais de âmbito municipal e intermunicipal.
6. É com base e em obediência aos critérios definidos nos referidos diplomas que surge o PDM de Cascais, publicado em Diário da República, 2ª Série, n.º 124, de 29 de Junho de 2015, através do aviso n.º 7212-B/2015.
7. Sendo que é em obediência aos critérios estabelecidos nos diversos diplomas que o terreno pertencente aos Recorrentes vem integrado no capítulo destinado aos solos urbanos, mais concretamente no ponto 5.2.2.1.5.2 – Espaço Verde Protecção e Conservação.
8. Todos os factos supra descritos encontram-se mencionados e documentados nos autos, e são, diga-se, do conhecimento oficioso do Tribunal a quo por se tratar de diplomas legais, que o mesmo não pode ignorar.
9. De acordo com a orientação consolidada na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a distinção entre prédio rústico e urbano deve assentar, numa avaliação casuística, tendo subjacente o critério base de destinação ou afectação económica.
10. Tendo em conta que a razão de ser do direito de preferência atribuído aos proprietários de prédios rústicos confinantes, nos termos do Art.º 1380º, n.º 1, do Código Civil, radica no propósito do legislador de propiciar o emparcelamento de terrenos com área inferior à unidade de cultura, com vista a alcançar-se uma exploração agrícola tecnicamente rentável, a fim de evitar a proliferação do minifúndio, considerado incompatível com um aproveitamento fundiário eficiente.
11. Assim, o Art.º 1380º, n.º 1 do Código Civil vincula o exercício do direito de preferência à efectiva exploração dos terrenos rústicos para fins de cultura florestal e/ou agrícola, não se bastando com o facto de serem aptos para cultura
12. Não demonstrando os Preferentes aqui Recorridos e donos do prédio confinante o exercício de qualquer actividade agrícola e/ou florestal pelo menos desde o óbito do doador, em Dezembro de 2010, como lhes competia, tendo ainda em conta a classificação inserida no PDM de Cascais nos solos urbanos como Espaço Verde Protecção e Conservação, outro entendimento não pode haver que não seja o de classificar o prédio como urbano
13. Resulta, também, do depoimento das testemunhas oferecidas pelos Recorridos que o prédio se encontra sem aproveitamento há largos anos, pelo menos desde o óbito de M (…), ocorrido há mais de doze anos.
14. Consequentemente, deve a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que considere improcedente o pedido de preferência formulado pelos Autores, aqui Recorridos, com as legais consequências.
15. Devem ainda os autos baixar ao Tribunal a quo para determinação do direito de servidão de passagem e respectiva localização.
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Os Autores apresentaram contra-alegações, formulando as seguintes conclusões, na parte em que nesta sede releva:
2. Não foi cumprido o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão da matéria de facto, previsto no art. 640.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil, o que implica a rejeição dessa parte do recurso.
3. Face à classificação contida no art. 204.º, n.º 2 do Cód. Civil, os prédios de Autores e Réus devem ser classificados como rústicos.
4. O Regulamento do PDM de (…) é irrelevante para a classificação de tais prédios como rústico e, ainda que assim não fosse, esse instrumento de gestão territorial só vem confirmar a natureza rústica dos prédios em questão, face à utilidade dos mesmos que aí é admitida.
5. São pressupostos do direito real de preferência atribuído pelo art. 1380.º do Cód. Civil: a) que tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio com área inferior à unidade de cultura; b) que o preferente seja dono de prédio confinante com o prédio alienado; c) que o prédio do proprietário que se apresenta a preferir tenha área inferior à unidade de cultura; d) que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante.
6. Mostrando-se tais pressupostos cumpridos no caso em apreço, tal como se alcança da decisão da matéria de facto, a douta sentença recorrida não poderá merecer censura.
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O recurso foi admitido.
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Foram os autos remetidos a este Tribunal e colhidos os vistos legais.
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II. Questões a Decidir:
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC) –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber:
 - Se a impugnação da decisão sobre a matéria de facto efetuada no presente recurso deve ser rejeitada, por inobservância dos requisitos legais previstos no artigo 640 do CPC;
Caso se conclua pela sua não rejeição,
- Se a matéria de facto considerada como provada nos pontos 11., 12., 21, e 22. a 24. e como não provada no ponto 3., deve ou não ser alterada e em que sentido;
- Se o prédio dos Autores deve ser classificado como prédio urbano e, em consequência, se a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que declare a ação improcedente;
- Se os autos devem baixar ao Tribunal a quo para determinação do direito de servidão de passagem e respetiva localização.
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III. Fundamentação:
Na sentença recorrida foram considerados como provados os seguintes factos:
1 - Os Autores têm registado a seu favor, em comum e partes iguais, do prédio rústico, com a área matricial de 2 920,00 metros quadrados, composto por terra de cultura arvense e sequeiro, denominado de (…), sito (…), inscrito na matriz predial rústica da freguesia de (…) sob o art. (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º (…).
2 - Adquiriram-no por o mesmo lhes ter sido deixado, em legado, por M (…), nos termos que constam do testamento que se juntaram aos autos.
3 - Os Autores registaram essa aquisição a seu favor, através da Ap. (…), de 25/03/2011.
4 - Por si e seus antepossuidores, os Autores estão na posse desse prédio há mais de 1, 5, 10, 20, 30, 40 e mais anos, que assim detêm materialmente, vigiando-o, fazendo limpeza, roçando e cortando o mato, cortando madeira, pagando as contribuições e impostos, dele retirando todas as utilidades e frutos que é susceptível de produzir ou proporcionar e, de um modo geral, praticando todos os actos correspondentes ao exercício do direito de propriedade, como um direito próprio, pleno e exclusivo.
5 - Sempre praticando todos esses actos, desde então até ao presente, sem qualquer interrupção temporal, à vista, com conhecimento e aceitação de toda a gente, sem oposição de ninguém, com o ânimo de quem exerce, como um direito próprio, todos os poderes correspondentes ao direito de propriedade e no convencimento e certeza de, que assim actuando, nunca estiveram nem estão a prejudicar ninguém.
6 - Até 7 de Março de 2017, o primeiro e a segunda Réus tinham registado a seu favor o prédio rústico sito (…), composto por mato e cultura arvense de sequeiro, com a área matricial de 5 552,00 metros quadrados, inscrito na matriz predial rústica sob o art. (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º (…).
7 - Em 7 de Março de 2017, no escritório do Senhor Solicitador (…), os 1.º e 2ª Réus outorgaram documento particular autenticado através do qual declararam vender aos 3.º e 4ª Réus, pelo preço global de € 45 000,00, o prédio identificado no precedente art. 7.º da p.i..
8 - Os 3º e 4ª Réus registaram essa aquisição a seu favor na Conservatória do Registo Predial de (…), através da Ap. (…), de 09/03/2017.
9 - Do teor registral do prédio identificado no art. 7.º da p.i. consta que o mesmo tem a área de 5 552,00 metros quadrados.
10 - Do seu teor matricial e registral, consta que o prédio dos Autores indicado no art. 1.º da p.i. tem uma área de 2 920,00 metros quadrados.
11 - Em 7 de Março de 2017, tal como na presente data, o prédio identificado no art. 1.º da p.i. era composto por terra de cultura arvense de sequeiro e não dispunha de rega, estando dependente das condições climatéricas para assegurar a rega das plantações nele existentes.
12 - Na data da sua compra pelos 3º e 4ª Réus, o prédio identificado no art. 7.º da p.i. era composto por terreno de mato e cultura arvense de sequeiro, não dispunha de água de rega e estava dependente das condições climatéricas para assegurar a rega das plantações aí existentes.
13 - Na data de outorga do negócio referido no art. 9.º da p.i., o prédio dos Autores identificado no art. 1.º da p.i. confrontava, pelo seu lado Sul, com o prédio identificado no art. 7.º da mesma p.i., ou seja, a estrema ou linha divisória do lado Sul do prédio dos Autores coincidia, em parte, com a estrema ou linha divisória do lado Norte do prédio indicado no art. 7.º da p.i., não havendo qualquer espaço físico que os separasse um do outro.
14 - E a estrema ou linha divisória do lado Norte do prédio identificado no art. 7.º da p.i., por sua vez, coincidia com parte da estrema ou linha divisória do lado Sul do prédio dos Autores indicado no art. 1.º da p.i., não havendo qualquer espaço físico que os separasse um do outro.
15 - Assim sucedia numa extensão de aproximadamente 100,00 (cem) metros, tal como sucede na presente data.
16 - Os 3º e 4ª Réus não eram, à data da celebração do negócio referido no art. 9.º da p.i., proprietários de qualquer outro prédio confinante com o prédio referido no art. 7.º do mesmo articulado.
17 - Desde há mais de 10, 20, 30, 40 e mais anos até ao presente, e, logo em 7 de Março de 2017, o prédio dos Autores não confrontava, por nenhum dos lados, com a via pública.
18 - E era absolutamente encravado, pois o acesso ao mesmo só podia fazer-se através do prédio de terceiros, designadamente, através do prédio dos Réus indicado no art. 7.º da p.i..
19 - O ponto do prédio dos Autores mais próximo da via pública era o seu limite Nascente, porém o prédio dos Autores, junto ao seu limite Nascente, era e é separado da via pública por um curso de água, com uma largura não inferior a 1,50 metros, o que impossibilitava o acesso à via pública, junto ao limite Nascente do prédio dos Autores.
20 - O acesso da via pública ao prédio dos Autores fazia-se através do prédio dos Réus.
21 - Concretamente, no limite Norte desse prédio dos Réus, existia um caminho, em terra batida, calcado e trilhado, em duro, de feição permanente, perfeitamente visível, com largura de 0,50 e comprimento de 40,00 metros, que se iniciava no limite Norte do prédio dos Réus e se estendia para o seu interior, no sentido Norte-Sul, depois de 40,00 metros a circular sempre no interior do prédio dos Réus, esse caminho flectia para o sentido Poente-Nascente, ao longo de uma distância de 9,00 metros, até desembocar na estrema do prédio dos Autores indicado no art. 1.º da petição inicial, na parte em que este confronta com o prédio dos Réus.
22 - Desde há mais de 10, 20, 30, 40 e mais anos até ao presente, logo em 7 de Março de 2017, era por esse caminho que se processava o trânsito de pessoas e bens, a partir da via pública, de e para o prédio dos Autores identificado no art. 1.º da p.i..
23 - O que sempre foi feito a qualquer hora do dia ou da noite, quer a pé, quer de carro de bois e, mais tarde, de tractor, sempre que era necessário fazer limpeza do terreno, fazer plantações, recolher frutos e cortar e carregar madeira.
24 - Designadamente, para carregar e descarregar madeira, mato e, de um modo geral, todos os bens necessários para a regular exploração do prédio, identificado no art. 1.º da p.i., e para acesso ao mesmo.
25 - Por si e seus antecessores, os Autores, desde há mais de 10, 20, 30 40 e mais anos até ao presente e, concretamente, na data da venda aos 3º e 4ª Réus do prédio indicado no art. 7.º da p.i., utilizavam o leito desse caminho para acesso ao prédio que é seu, pela indicada forma, sem qualquer interrupção, à vista, com conhecimento e aceitação de toda agente, no ânimo de quem exerce um direito próprio e com a convicção e certeza de que, assim actuando, não prejudicavam ninguém.
26 - Nem os Réus, nem alguém por eles, deu conhecimento aos Autores da venda do prédio identificado em 7º da p.i, do respectivo preço, das condições de pagamento, da pessoa dos compradores ou de quaisquer outros elementos do contrato, antes ou depois de o mesmo se ter concretizado.
27 – Não foi demonstrado nos autos que os demais proprietários de terrenos confinantes estejam interessados na aquisição do prédio rústico em causa, ou no exercício do direito de preferência, não tendo manifestado qualquer interesse, até à presente data.
28 - Os AA. tomaram conhecimento de que teria ocorrido a venda referida no art. 9.º da p.i. em 24 de Fevereiro de 2018.
29 - Os Autores residem no concelho de Viana do Castelo e em 24 de Fevereiro de 2018, deslocaram-se ao prédio identificado no art. 1.º da p.i., a fim de levar a cabo trabalhos de limpeza de mato.
30 - Quando chegaram ao local, os Autores constataram que os 3º e 4ª Réus tinham vedado o prédio deles, em todo o seu perímetro, obstando, desse modo, ao acesso ao prédio dos Autores através do caminho de servidão descrito em parte prévia desta petição.
31 - Para além disso, constataram os Autores que o 3º e 4ª Réus tinham levado a cabo movimentação de terras no prédio deles, eliminando os vestígios do caminho de servidão previamente existente.
32 - Nessa data, os Autores tentaram apurar, junto de vizinhos, quem tinha levado a cabo tais actos.
33 - E foi nessa data que os Autores tomaram conhecimento de que o prédio identificado no art. 7.º da p.i. tinha sido vendido aos 3º e 4ª Réus.
34 - Por essa altura, uma vez que os Réus obstruíram a passagem sobre o caminho de servidão acima referido, os Autores solicitaram a presença no local de agentes da Polícia de Segurança Pública , os quais, tendo-se deslocado ao local, procederam à elaboração de auto de notícia ou expediente similar.
35 - Em 27 de Fevereiro de 2018, os Autores, através de mandatário, expediram a comunicação aos RR. e estes, em resposta, através de “representante”, remeteram ao mandatário dos Autores a comunicação que consta de fls. 36 destes autos..
36 – Ao AA. só tomaram conhecimento das condições da aquisição, pelos 3º e 4ª Réus, do prédio identificado no art. 7.º da p.i., em 7 de Março de 2018, data da requisição da fotocópia simples que consta de fls. 37.
37 - Os Autores fizeram o depósito autónomo do preço dessa venda, do custo da respectiva escritura, dos encargos fiscais (IMT e Imposto de Selo) e do custo do registo.
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Na sentença recorrida foram considerados como não provados os seguintes factos:
Não se mostra provado que:
1 - Na data da venda acima referida, quer o prédio registado a favor dos AA., quer o prédio descrito no artº7º da p.i., se destinassem à plantação de oliveiras.
2 – Os 3º e 4ª RR. tenham destruído e removido dezenas de oliveiras, nem que dezenas de oliveiras se encontrassem implantadas junto ao limite Sul do prédio dos Autores, na parte em que confronta com o prédio dos Réus.
3 – O Regulamento do Plano Director Municipal de (…) (RPDM) tenha incluído ambos aos prédios dos autos na estrutura ecológica urbana e muito menos que tenha sido alterada a sua natureza rústica.
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IV. Mérito do Recurso:
- Se a impugnação da decisão sobre a matéria de facto efetuada no presente recurso deve ser rejeitada, por inobservância dos requisitos legais previstos no artigo 640 do CPC.
Para a impugnação da matéria de facto deve a parte observar os requisitos legais previstos no artigo 640º do CPC, incluindo a formulação de conclusões, pois são estas que delimitam o objeto do recurso.
Preceitua o artigo 640º, n.ºs 1 e 2, do CPC:
1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”. 
Como se lê no Acórdão do STJ de 01.10.2015, processo n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt:
Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão” (cfr., também, sobre esta matéria, Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, pág. 465 e que, nesta parte, se mantém atual).
Diz-se também no Acórdão do STJ de 19.02.2015, processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, acessível em www.dgsi.pt, que:
“(...), a exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto.
Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, serve sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no nº 1 do artigo 662º do CPC.
É, pois, em vista dessa função, no tocante à decisão de facto, que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afetada, nos termos do artigo 640º, nº 1, proémio, e nº 2, alínea a), do CPC.
Não sofre, pois, qualquer dúvida que a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº 1 do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada”.
A interpretação da alínea c), do n.º 1, do artigo 640º do CPC, é-nos dada de forma exemplar por Abrantes Geraldes (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª Edição, pág. 156), podendo ler-se a este propósito que:
O Recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem no reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente”.
Com este novo regime, em contraposição com o anterior, pretendeu-se que fosse rejeitada a admissibilidade de recursos em que as partes se insurgem em abstrato contra a decisão da matéria de facto.
Nessa medida, o recorrente tem que especificar os exatos pontos que foram, no seu entender, erradamente decididos e indicar, também com precisão, o que entende que se dê como provado.
A imposição de tais indicações precisas ao recorrente, visou impedir “recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, restringindo-se a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.” (cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 153).
Também por esses motivos, o recorrente, além de ter que assinalar os pontos de facto que considera incorretamente julgados e indicar expressamente a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre esses pontos, tem igualmente que especificar os meios de prova constantes do processo que determinam decisão diversa quanto a cada um dos factos (cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág.155).
Assim, quanto a cada um dos factos que pretende obter diferente decisão da tomada na sentença, tem o recorrente que, com detalhe, indicar os meios de prova deficientemente valorados, criticar os mesmos e, discriminadamente, concluir pela resposta que deveria ter sido dada, evitando-se assim que sejam apresentados recursos inconsequentes, e sem fundamentação que possa ser apreciada e analisada.
A este ónus de impugnação, soma-se um outro não menos importante, que é o ónus de conclusão, previsto no artigo 639.º, n.º 1, do CPC, onde se lê que “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.
Este ónus de conclusão para além de visar a síntese das razões que estão subjacentes à interposição do recurso, visa também a definição do seu objeto.
Como se refere no sumário do Acórdão do STJ de 16.05.2018, processo n.º 2833/16.7T8VFX.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt:
“I - Sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também e sobretudo as definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente indicar nelas, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença, aqueles cuja alteração pretende e o sentido e termos dessa alteração.
II - Por menor exigência formal que se adote relativamente ao cumprimento dos ónus do art. 640º do CPC e em especial dos estabelecidos nas suas alíneas a) e c) do nº 1, sempre se imporá que seja feito de forma a não obrigar o tribunal ad quem a substituir-se ao recorrente na concretização do objeto do recurso.
III - Tendo o recorrente nas conclusões se limitado a consignar a globalidade da matéria de facto que entende provada mas sem indicar, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença e que impugna, os que pretende que sejam alterados, eliminados ou acrescentados à factualidade provada, não cumpriu o estabelecido no art. 640º, nº 1, als. a) e c) do CPC, devendo o recurso ser liminarmente rejeitado nessa parte.”
Assim, pretende-se que o recorrente indique de forma resumida, através de proposições sintéticas, os fundamentos de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão, para que seja possível delimitar o objeto do recurso de forma clara, inteligível, concludente e rigorosa (neste sentido, veja-se ainda o Acórdão do STJ de 18.06.2013, processo n.º 483/08.0TBLNH.L1.S1, disponível no mesmo sítio).
Revertendo para a situação dos autos, vemos que nos mesmos os Apelantes impugnam a factualidade contida nos pontos 11., 12., 21., 22., 23. e 24. do elenco de factos provados e no ponto 3. do elenco de factos não provados.
Referem para o efeito que “há notória contradição na apreciação da matéria de facto”, querendo com isso dizer, se bem entendemos, que a matéria de facto em causa e que acima assinalamos está em contradição com a prova produzida. Concretamente, no que aos pontos da matéria de facto provada impugnada se refere, consideram que os mesmos estão em contradição com o teor do relatório pericial, com o esclarecimento (escrito) prestado pelo Sr. Perito e com os depoimentos prestados pelas testemunhas (…), (…), (…), (…), (…), (…) e (…); e, no que ao ponto da matéria de facto não provada impugnada concerne, consideram que o mesmo contraria o relatório pericial e o próprio teor do PDM do concelho de (…).
Ora, pese embora os Apelantes identifiquem os pontos da matéria de facto provada e não provada impugnados, a verdade é que não indicam a decisão que, no seu entender, deve ser proferida quanto a cada um deles. Também na identificação dos meios de prova com base nos quais impugna os pontos da matéria de facto provada acima assinalados, os Apelantes referem os depoimentos de várias testemunhas sem que, no entanto, estando em causa depoimentos gravados, indiquem as passagens da gravação em que alicerçam o seu recurso, muito menos procedem à transcrição dos excertos desses depoimentos que consideram relevantes.
Na medida do exposto, conclui-se que os Apelantes não observaram o disposto no artigo 640, n.º 1, c) e n.º 2, a), do CPC, motivo pelo qual se rejeita o recurso interposto no que à impugnação da matéria de facto se refere.
Em tais circunstâncias, resulta prejudicado o conhecimento da segunda das questões a decidir.
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- Se o prédio dos Autores deve ser classificado como prédio urbano e, em consequência, se a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que declare a ação improcedente.
O art.º 1380, n.º 1, do Código Civil (doravante apenas CC), determina que “Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante.
Para que seja reconhecido o direito de preferência é assim necessário que se verifiquem os seguintes pressupostos:
- que tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio com área inferior à unidade de cultura;
- que o preferente seja dono de prédio confinante alienado;
- que o prédio do proprietário que se apresenta a preferir tenha área inferior à unidade de cultura;
- que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante.
(cfr. nesse sentido Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. III, 2ª edição, em anotação ao artigo 1380º do CC).
Obviamente que constituindo esses pressupostos elementos constitutivos do direito de preferência invocado pelos Autores, assiste a estes últimos, nos termos do artigo 342º, n.º 1, do CC, o ónus de alegação e prova de tais factos.
Cumpre salientar que, apesar de o artigo 1380º do CC não exigir, para o exercício do direito de preferência, a existência de uma identidade de culturas nos prédios confinantes - o Acórdão de Unificação de Jurisprudência do STJ de 18.03.1986 decidiu que “o direito de preferência conferido pelo artº 1380º do código civil não depende da afinidade ou identidade de culturas nos prédios confinantes” -, a verdade é que o legislador, ao aludir, no citado normativo, a “terrenos”, teve em mente a confinância de terrenos rústicos, pois que como por todos é reconhecido, para efeitos do direito de preferência atribuído pelo artigo 1380º do CC é essencial que estejam em equação terrenos aptos para cultura.
E compreende-se que assim seja, pois como referem Pires de Lima e Antunes Varela (Ob. Cit., em anotação ao mesmo artigo), no âmbito do artigo 1380º do CC tem o legislador por desiderato fomentar o emparcelamento de terrenos a minifundiários, criando objetivamente as condições que, sob o ponto de vista económico, se consideram imprescindíveis à constituição de explorações agrícolas tecnicamente rendíveis, ou, dito de uma outra forma, pretende-se tão só evitar a dispersão da propriedade rústica através do emparcelamento.
Na situação dos autos os Réus/Apelantes defendem, precisamente, que o prédio dos Autores deve ser classificado como prédio urbano e não rústico, não lhes assistindo, por isso, o direito de preferência previsto no artigo 1380º do CC. 
O artigo 204, n.º 2, do CC, define prédio rústico como “uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica” e prédio urbano como “qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro.
Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, Volume I, Tomo II, 1ª edição, pág. 123, diz-nos que segundo a noção do Código Civil “o prédio rústico é o terreno, ainda que com construções, desde que estas não tenham autonomia económica e o urbano um edifício com o logradouro.
Também Pires de Lima e Antunes Varela (Ob. Cit., vol. I, em anotação ao artigo 204º) dizem que “Edifício incorporado no solo é aquele que se encontra unido ou ligado ao solo, fixado nele com carácter de permanência, por alicerces, colunas, estacas ou qualquer outro meio. Não são, pois, prédios urbanos, as casas desmontáveis.” Ou seja, para que possa qualificar-se como urbano ou seu componente, torna-se necessário que o prédio tenha um edifício incorporado com carácter de permanência.
Se no prédio não existe qualquer edifício incorporado com carácter de permanência, o prédio tem-se por rústico.
Na mesma linha, veja-se o Acórdão da RL de 15.06.2023, processo n.º 6833/21.7T8SNT.L1-6, disponível em www.dgsi.pt, no qual se refere que “Um imóvel sem qualquer construção não levanta quaisquer dúvidas quanto à sua qualificação como rústico à luz do código civil.
E não é qualquer construção no prédio que permite qualificá-lo como urbano. As construções que não tenham autonomia económica não mudam a natureza do prédio rústico: um armazém para guardar material ou alfaias agrícolas, sementes ou material de lavoura, um estábulo, um cercado de animais, ou dormitório para trabalhadores, não tem autonomia funcional e, por isso, não dão origem a um prédio urbano. Do mesmo modo, “…não basta assentar uma construção, mesmo com autonomia económica, sobre o imóvel. O nº 2 do art.º 204º fala em incorporação, o que sugere uma ligação material ao solo. O nº 3 do mesmo artigo dispõe no mesmo sentido. Acrescentando o “carácter de permanência”. Uma casa pré-fabricada, assente meramente no solo, uma tenda, uma barraca de madeira, não transformam um prédio rústico em prédio urbano” (José Alberto Vieira, Direitos Reais, 3ª edição, pág. 159).
Feito este enquadramento e revertendo para a concreta situação dos autos, vemos que nos mesmos resultou provado que o prédio dos Autores, está descrito na CRP de (…) como prédio rústico, com a área de 2.920 m2, composto por terra de cultura arvense e sequeiro e inscrito na matriz predial rústica da freguesia de (…).
Resulta igualmente que a 07.03.2017 – data em que foi outorgado o documento particular autenticado através do qual foi formalizada a compra e venda do prédio sobre o qual os Autores pretendem exercer o direito de preferência na venda –, tal como na presente data, o prédio dos Autores era composto por terra de cultura arvense de sequeiro e não dispunha de rega, estando dependente das condições climatéricas para assegurar a rega das plantações nele existentes.
Perante tal factualidade, considerando a definição do citado artigo 204, n.º 2, do CC, o prédio dos Autores é um prédio rústico.
Referem os Réus, em defesa da sua posição, que os Autores não lograram demonstrar o exercício de qualquer atividade agrícola e/ou florestal nesse prédio pelo menos desde o óbito do doador, em dezembro de 2010, o que, aliado ao facto de 52% da área do prédio estar inserida, de acordo com o PDM em vigor para o concelho de (…), em “Espaço Verde de Recreio e Produção”, permite concluir pela sua classificação como prédio urbano.
Afirmam os Réus, como vimos, que os Autores não lograram demonstrar o exercício de qualquer atividade agrícola e/ou florestal nesse prédio. Mas será que tinham que o fazer?
Entendemos que não.
O artigo 1380, n.º 1, do CC, não estabelece como pressuposto do direito de preferência a efetiva exploração agrícola ou florestal dos prédios confinantes. Esse normativo não distingue entre terrenos confinantes meramente aptos para o desenvolvimento de atividade agrícola e/ou exploração florestal e entre terrenos confinantes que são efetivamente utilizados para o desenvolvimento daquelas atividades.
Tendo presente o objetivo visado com o direito de preferência consagrado no artigo 1380º do CC, e que é o de fomentar o emparcelamento de terrenos a minifundiários, criando objetivamente condições que, do ponto de vista económico, se consideram imprescindíveis à constituição de explorações agrícolas tecnicamente rendíveis, vemos que a lei, no artigo 1376º do CC, relativo à proibição de fracionamento de prédios rústicos, também se refere a “terrenos aptos para cultura” e não a terrenos efetivamente cultivados. 
Concluímos, assim, que o exercício do direito de preferência não pressupõe a efetiva exploração agrícola e/ou florestal do prédio, bastando a sua aptidão para esse efeito e, como tal, os Autores não tinham que fazer prova da mesma.
Quanto ao argumento de que 52% da área do prédio dos Autores está inserida, de acordo com o PDM em vigor para o concelho de (…), em “Espaço Verde de Recreio e Produção”, para além desse facto não figurar entre a factualidade considerada como provada, a verdade é que mesmo que aí figurasse, por si só o mesmo nunca permitiria concluir pela natureza urbana do prédio dos Autores.
E muito menos permitiria concluir pelo preenchimento da exceção prevista no artigo 1381º, a), 2ª parte, do CC, pois em ponto algum da contestação os Réus alegam que o prédio dos Autores “se destine a algum fim que não seja a cultura”. Note-se que o ónus da alegação e prova desse facto, constituindo matéria de exceção, competia aos Réus, em conformidade com o disposto no artigo 342º, n.º 2, do CC.
Em face do que ficou exposto, conclui-se pela total improcedência do recurso.
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- Se os autos devem baixar ao Tribunal a quo para determinação do direito de servidão de passagem e respetiva localização.
Quanto a essa questão, cumpre apenas referir que inexiste fundamento para o efeito, uma vez que não foi formulado qualquer pedido que contemple essa matéria.
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V. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o coletivo desta 2ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa abaixo identificados em julgar improcedente o recurso, confirmando-se, em consequência, a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
Registe.
Notifique.
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Lisboa, 23/05/2024

Susana Mesquita Gonçalves
Paulo Fernandes da Silva
José Manuel Monteiro Correia