Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
350/2007-2
Relator: MARIA JOSÉ MOURO
Descritores: MÚTUO
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
CAPITALIZAÇÃO DE JUROS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/19/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - Podem as partes convencionar o vencimento imediato e automático das prestações vincendas – que não apenas a exigibilidade imediata a que se reporta o art. 781 do CC – no caso de falta de pagamento pontual, pelo mutuário, de qualquer uma das prestações estipuladas, sem necessidade de interpelação para que todas as prestações do contrato se vencessem.
II - No valor das prestações estão incluídos o capital, os juros do empréstimo, o valor do imposto de selo, bem como os prémios das apólices de seguro, quando foi esse o sentido assumido no contrato celebrado relativamente ao termo «prestação».
III – No caso dos autos é conforme às regras e à prática generalizada do comércio bancário a admissibilidade da capitalização de juros, não tendo aquela de decorrer de convenção posterior ao vencimento dos juros.

(M.J.M.)
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do tribunal da Relação de Lisboa:

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            I - Banco intentou a presente acção declarativa com processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos contra A J A F e F M F da C.
            Alegou o A., em resumo:
No exercício da sua actividade comercial, por contrato escrito datado de 5-7-2002, o A. emprestou ao R. a importância de € 10.000,00, com destino, segundo informação do mesmo, à aquisição de um veículo automóvel de marca Mercedes Benz, com a matrícula.
O empréstimo vencia juros à taxa nominal de 13,38% ao ano. A importância do empréstimo e juros deveria ser paga em 48 prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira em 10-8-2002 e as seguintes no dia 10 dos meses subsequentes. Ficou convencionado que as prestações deviam ser pagas mediante transferência bancária e que a falta de pagamento de uma das prestações implicava o vencimento de todas as outras prestações; acordou-se ainda que, em caso de mora sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada acrescida de 4 pontos percentuais.
 O R. não pagou a 36ª prestação e seguintes. A R. é responsável pelo pagamento das referidas importâncias, porquanto o empréstimo reverteu em proveito comum do casal dos réus, atento o veículo se destinar ao património comum do casal.
Pediu a A. que os RR. sejam condenados, solidariamente, a pagarem-lhe: € 3.624,14 correspondentes à quantia em dívida; a quantia de € 381,38 de juros vencidos até 16-2-2006; a quantia de € 15,26 a título de imposto de selo sobre esses juros; os juros que se vencerem à taxa anual de 17,38%, desde 17-2-06, até integral pagamento; o imposto de selo que sobre os referidos juros recair.
Citados, os RR. não contestaram.
Na sequência foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando os RR solidariamente entre si, a pagarem ao Banco:
a) a importância de 2.230,24 € [(dois mil duzentos e trinta euros e vinte e quatro cêntimos) correspondentes a 8 prestações - 36° a 43°] vencidas e não pagas até 16/02/2006, acrescida de 120,53€ (cento e vinte euros e cinquenta e três cêntimos) de juros vencidos até aquela data e 4,82€ (quatro euros e oitenta e dois cêntimos) de imposto de selo sobre estes juros;
b) os juros que sobre a referida quantia de 2.230,24€ se vencerem à taxa anual de 17,38% desde 17/02/2006 até integral pagamento, bem como o imposto de selo, que à taxa de 4% sobre estes juros recair;
c) a quantia que vier a ser apurada em liquidação de sentença, correspondente às prestações de capital imediatamente vencidas aquando da citação, acrescida de juros de mora à taxa de 17,38%, a que acresce o imposto de selo respectivo, até integral pagamento;
Tendo absolvido os RR. do demais peticionado.
Da sentença apelou o A. concluindo pela seguinte forma a respectiva alegação de recurso:
1. Resulta, pois, que não faz qualquer sentido condenar os R.R., solidariamente entre si, no pagamento ao A. apenas na. importância de € 2.230,24 correspondentes a 8 prestações – 36ª a 43ª  vencidas e não pagas até 16.02.2006, acrescida de € 120,53 de juros vencidos até aquela data e € 4,28 de imposto de selo sobre estes juros, nos juros que sobre a referida quantia de € 2.230,24 se vencerem, à taxa anual de 17,38% desde 1 7.02.2006 até integral pagamento, bem como o imposto de selo, que à taxa de 4% sobre estes juros recair e na quantia que vier a ser apurada em liquidação de sentença referente às prestações de capital imediatamente vencidas aquando da citação, acrescida de juros de mora à taxa de 17,38%, a que acresce o imposto de seio respectivo, até integral pagamento.
2. Conforme acordado entre as partes, para que todas as prestações do contrato dos autos se vencessem imediatamente - como venceram - apenas era - como o foi - necessário o preenchimento de uma condição, o não pagamento pelo R. de uma das referidas prestações.
3. É, pois, manifesta. a falta de razão do Senhor Juiz na sentença recorrida, que ao julgar, como o fez, parcialmente improcedente e não provada a presente acção, violou o disposto no artigo 781° do Código Civil e ainda o disposto no artigo 560° do Código Civil, nos artigos 5°. 6° e 70 dada pelo Decreto-Lei 83/86, de 6 de Maio, o artigo 1° do Decreto-Lei 32/89, de 25 de Janeiro, o artigo 2° do Decreto-Lei 49/89, de 22 de Fevereiro, nos artigos 1° e 2° do Decreto-Lei 11° 206/95, de 14 de Agosto, e o artigo 30, alínea 1, do Decreto-Lei 298/92, de 31 de Dezembro.
4. Nestes termos, deve ser dado inteiro provimento ao presente recurso de apelação, e, por via dele, substituir-se a sentença recorrida por acórdão que julgue a acção inteiramente procedente a provada, condenando os RR. ora recorridos, solidariamente entre si, na totalidade do pedido formulado, como é de inteira JUSTIÇA.
Não foram produzidas contra alegações.
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II - O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1 - No exercício da então sua actividade comercial, e com destino, segundo informação então prestada pelo R., à aquisição de um veículo automóvel da marca MERCEDES BENZ, modelo VITO 110 2.3 T/30, com a matrícula , a A., por contrato constante de título particular datado de 5 de Julho de 2002 (fls. 10-1 1), concedeu ao dito R. marido crédito directo na importância de 10 000,00;
2 - Nos termos do acordo assim celebrado entre o A. e o referido R., aquela emprestou a este a dita importância de 10 000,00, com juros à taxa nominal de 13,38% ao ano, devendo a importância do empréstimo e os juros referidos, bem como os prémios de seguro de vida, serem pagos, nos termos acordados, em 48 prestações, mensais e sucessivas, com vencimento a primeira em 10 de Agosto de 2002, e as seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes;
3 - De harmonia com o acordado entre as partes, a importância de cada uma das referidas prestações deveria ser paga - conforme ordem irrevogável logo dada pelo referido R. para o seu Banco - mediante transferências bancárias a efectuar, aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações, para conta bancária logo indicada pela ora A. - (doc. fls. 12);
4 - Na falta de pagamento de qualquer das referidas prestações, na data do respectivo vencimento, o Banco podia considerar o contrato rescindido, sendo então imediatamente vencidas todas as obrigações decorrentes para o mutuário do mesmo, exigindo o cumprimento imediato de todos os valores em dívida – Cláusula 11ª.
5- Mais acordaram A. e o referido R. que, em caso de mora, sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada -13,38% - acrescida de 4 pontos percentuais, ou seja, um juro à taxa anual de 17,38%;
6- O R., das prestações referidas, não pagou a 36ª e seguintes, vencida, a primeira, em 10 Jul 2005;
7 - O R. marido não providenciou às transferências bancárias referidas - que não foram feitas - para pagamento das ditas prestações, e nem o dito R., ou quem quer que fosse por ele, as pagou à A;
8 - O valor de cada prestação era de 278,78 €;
9 - A R. mulher apôs a sua assinatura no contrato referido em 1, por debaixo da do R.
10 - Os RR. foram citados para a presente acção em 17 Mar 2006.
A estes acrescem, ainda os seguintes factos, alegados pelo A. e assentes pela falta de impugnação e atento o teor do documento de fls. 10-11:
11 – O A. é uma instituição de crédito.
12 – Do contrato escrito celebrado, subordinada à epígrafe «Mora e Cláusula Penal», consta a seguinte estipulação (cl. 8ª das Condições Gerais):
«a) O Mutuário ficará constituído em mora no caso de não efectuar, aquando do respectivo vencimento, o pagamento de qualquer prestação.
b) A falta de pagamento de uma prestação, na data do respectivo vencimento, implica o vencimento das restantes.
c) Em caso de mora, e sem prejuízo do disposto no número anterior, incidirá sobre o montante em débito, e durante o tempo da mora, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de quatro pontos percentuais, bem como outras despesas decorrentes do incumprimento, nomeadamente uma comissão de gestão por cada prestação em mora».
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III – 1 - Face ao teor das conclusões da alegação do apelante - conclusões que definem o objecto do recurso, consoante decorre dos arts. 684, nº 3 e 690, nº 1 do CPC – verificamos que a questão que essencialmente se coloca é a de se e face às disposições legais aplicáveis o A. pode obter dos RR. o valor correspondente ao montante global das prestações acordadas que por estes não foram pagas, incluindo, para além do capital mutuado, os juros remuneratórios, bem como obter, ainda, os pretendidos juros moratórios à taxa anual convencionada de 17,38%(13,38% + 4%).
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III – 2 - Na sentença recorrida entendeu-se que as prestações vencidas a partir da citação (44ª e seguintes) apenas podem reportar ao capital, acrescendo ao valor correspondente àquelas prestações os juros de mora convencionados (à taxa anual de 17,38%). Considerou-se, no percurso que levou àquela conclusão, que o art. 781 do CC tem «a ver apenas com o capital e não com os juros, não determinando o vencimento antecipado de prestação de juros», só se vencendo a obrigação de juros á medida que o tempo a faz nascer, que o A. não exerceu o direito potestativo de exigir dos RR. o imediato pagamento de todas as prestações restantes, de acordo com o preceituado no aludido art. 781 do CC e não estar demonstrada a existência de convenção posterior ao vencimento no sentido da capitalização dos juros.
Vejamos.
Correia das Neves ([1]) definia genericamente os juros como sendo «um rendimento ou remuneração de uma obrigação de capital (previamente cedido ou devido a outro título), vencível pelo simples decurso do tempo, e que varia em função do valor do capital, da taxa ou cifra de remuneração e do tempo de privação, enquadráveis na categoria conceitual mais ampla dos frutos civis». Poderiam os juros surgir com carácter remuneratório, retributivo, como contraprestação onerosa pela disponibilidade do capital ou como simples indemnização ou reparação de perdas e danos pela mora no cumprimento de uma obrigação; assim, o juro convencionado como paga de um empréstimo será remuneratório, mas o devido pela não restituição do capital no momento próprio já é moratório.
No caso que nos ocupa celebraram as partes um contrato de crédito ao consumo, previsto no art. 2 do dl 359/91, de 21-9, sob a forma de mútuo. O A. entregou ao R. a importância de € 10.000,00 e este obrigou-se a restituir-lhe aquela quantia, acrescida da remuneração respectiva, em 48 prestações mensais e sucessivas, incluindo o valor daquelas prestações estipuladas (cada uma no montante de 278,78 €) quer os valores referentes à amortização do empréstimo quer, designadamente, os valores referentes aos juros remuneratórios fixados.
Lembremos que de acordo com o art. 6, nº1 do citado dl 359/91, de 21-9, «o contrato de crédito deve ser reduzido a escrito e assinado pelos contraentes, sendo obrigatoriamente entregue um exemplar ao consumidor no momento da sua assinatura», referindo o nº 3 que «o contrato de crédito que tenha por objecto o financiamento da aquisição de bens ou serviços mediante pagamento de prestações deve indicar ainda: … d) O valor total das prestações, entendendo-se como tal a soma de todos os pagamentos que o consumidor deva efectuar nos termos do contrato …».
Ficou provado que das 48 prestações convencionadas o R. não pagou a 36ª e seguintes.
Dispõe o art. 781 do CC: «Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas». Tem-se entendido, contudo, que o imediato vencimento especificamente referido neste artigo corresponde, apenas, à imediata exigibilidade e não que o prazo de pagamento de todas as prestações seja o da primeira prestação que faltou.
Como refere Antunes Varela ([2]) o credor fica «com o direito de exigir a realização, não apenas da prestação a que o devedor faltou, mas de todas as prestações restantes, cujo prazo ainda não se tenha vencido.
Assim se deve interpretar o texto do artigo 781º, e não no sentido de que, vencendo-se imediatamente, ex-vi legis, as prestações restantes, o devedor comece desde esse momento a responder pelos danos moratórios.
O vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda se não vencera constitui um benefício que a lei concede – mas não impõe – ao credor, não prescindindo consequentemente da interpelação do devedor».
Sucede, porém, que o artigo em referência corresponde a uma disposição supletiva que não a uma norma imperativa, podendo as partes no contrato afastá-la livremente ao abrigo da regra da liberdade contratual consagrada no art. 405 do CC. Poderão, pois, as partes convencionar o vencimento automático das prestações vincendas – que não apenas a exigibilidade imediata a que se reporta o art. 781 do CC – no caso de não realização de uma das prestações previstas.
Ora, uma das cláusulas do contrato escrito a que se reportam os autos (a cl. 8ª, subordinada à epígrafe «Mora e Cláusula Penal») tinha o seguinte teor:
«a) O Mutuário ficará constituído em mora no caso de não efectuar, aquando do respectivo vencimento, o pagamento de qualquer prestação.
b) A falta de pagamento de uma prestação, na data do respectivo vencimento, implica o vencimento das restantes.
c) Em caso de mora, e sem prejuízo do disposto no número anterior, incidirá sobre o montante em débito, e durante o tempo da mora, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de quatro pontos percentuais, bem como outras despesas decorrentes do incumprimento, nomeadamente uma comissão de gestão por cada prestação em mora».
Do teor do texto da cláusula em referência afigura-se ser de retirar que as partes convencionaram o vencimento imediato e automático das prestações vincendas para o caso de falta de pagamento pontual, pelo mutuário, de qualquer uma das prestações estipuladas, sem necessidade de interpelação para que todas as prestações do contrato se vencessem ([3]), nada inculcando que pretendessem repetir o decorrente do art. 781 do CC com a interpretação acima mencionada. Da sequência e interligação das várias alíneas deriva ter sido consignado que o R. ficaria constituído em mora face ao não pagamento de qualquer das prestações, abrangendo a mora todas as prestações em dívida (que, nessa perspectiva se venciam) e tendo a mora como consequência a aplicação da cláusula penal ajustada.
Deste modo encontram-se vencidas desde 10 de Julho de 2005 a 36ª prestação e as seguintes (ao todo 12 prestações, uma vez que eram 48 as estipuladas).
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III – 3 - Perspectiva diferente a considerar é a de se nas prestações vencidas nos termos acima apontados há que diferenciar o valor correspondente aos juros remuneratórios convencionados, valor esse a não incluir.
Como vimos, na alínea b) da cl. 8ª estipula-se que a falta de pagamento de uma prestação, na data do respectivo vencimento, implica o vencimento das restantes.
Que interpretação dar àquela expressão «prestação»?
Saliente-se, uma vez mais, que não estamos propriamente no âmbito do disposto no art. 781 do CC (que as partes podiam afastar sem que assim infligissem qualquer norma imperativa).
Ora, no contrato celebrado, cada uma das prestações convencionadas, mensalmente devidas atenta a prevista duração daquele, no valor unitário de 278,78 €, incluía, também, o montante correspondente aos juros remuneratórios, o que, aliás, se mostra em consonância com a já citada disposição do art. 6, nº3-d) do dl 359/91.
Foi esse o sentido assumido naquele contrato relativamente ao termo «prestação», não se vislumbrando nas suas cláusulas elementos que possam permitir um outro entendimento.
Quando na alínea a) da cl. 8ª das Condições Gerais é mencionada a não efectivação, quando do respectivo vencimento, de qualquer prestação é à prestação no montante de € 278,78 referida nas Cláusulas Específicas que aquela se reporta; obviamente que na alínea b) da mesma cl. 8ª a expressão «prestação» não pode ter outro sentido que não aquele.
O que as partes quiseram foi que nas prestações vencidas por falta de pagamento de uma delas, para além do capital, se incluíssem os juros remuneratórios e os demais acréscimos – não tendo sido apurados quaisquer outros elementos é isso que decorre do texto do contrato escrito, sendo, aliás, consentâneo com o disposto no art. 238 do CC. Não se dispondo de quaisquer elementos adicionais é esta a interpretação que melhor corresponde ao texto do contrato: estipulam-se 48 prestações  no valor de  € 278,78  e convenciona-se que a falta de pagamento de uma dessas prestações implica o vencimento de todas as restantes (no valor convencionado).
As cláusulas contratuais são, pois, em nosso entender, bem claras no sentido de que a falta de pagamento de uma prestação, na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes e de que no valor das prestações estão incluídos o capital, os juros do empréstimo, o valor do imposto de selo, bem como os prémios das apólices de seguro.
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III – 4 - Outro aspecto da questão é o referente à validade do assim clausulado – ou seja de se incluir nos valores em dívida o correspondente a juros remuneratórios e sobre esses valores incidirem, ainda, os juros moratórios.
Há que sublinhar, antes de prosseguirmos, que se de acordo com o art. 1147 ([4]) do CC – e em termos semelhantes no art. 9 do dl 359/91, de 21-9 ([5]) - em situações de cumprimento antecipado da obrigação de restituição do capital mutuado, recairá sobre o mutuário a obrigação de satisfazer os juros, apesar da redução do período de indisponibilidade do capital para o mutuante, nada justificaria que em situações de não cumprimento das obrigações do mutuário – como é o caso dos autos – este ficasse numa situação mais vantajosa ([6]).
Sucede que sendo o A. uma instituição de crédito, está o mesmo sujeito ao regime do dl 344/78, de 17-11, não lhe sendo aplicáveis as limitações decorrentes dos arts. 102 do C. Com. e 1146 do CC.
Consoante resulta do art. 560, nº 1, do CC em princípio é proibido o anatocismo, isto é que um crédito de juros vença, por sua vez, um juro, o que abrange a capitalização dos juros.
Porém, tal proibição não é absoluta, não sendo aplicável, nomeadamente, se essa prática fizer parte das regras ou usos particulares do comércio – designadamente do comércio bancário.
Enquadrando-se a situação dos autos no regime do dl 344/78, de 17-11, no âmbito do qual se exclui a disciplina do art. 560 do CC, poderá existir capitalização de juros a partir de um período igual ou superior a três meses, como decorre do art. 5, nº 6, daquele diploma legal (na redacção que lhe foi dada pelo dl 204/87, de 16-5).
Efectivamente é conforme às regras e à prática generalizada do comércio bancário, não condicionado às restrições acima aludidas, a admissibilidade da capitalização de juros (desde que a partir do período supra referido).
Refira-se que a capitalização não terá de decorrer de convenção posterior ao vencimento dos juros – isto assim é a partir da redacção que ao art. 5 do dl 344/78 de 17-11, foi dada pelo dl 83/86, de 6-5. Trata-se, aliás, de regra ou uso particular do comércio que afasta a exigência de convenção posterior ao vencimento dos juros resultante do art. 560 do CC (cfr. os nºs 1 e 3).
Não podemos esquecer, também, o elevado risco que este tipo de contratos implica para o mutuante e a relevância assumida pelo tempo de duração do contrato e a correspectiva remuneração do capital mutuado, atenta a actividade deste.
Poderá, pois, o A. obter a indemnização moratória convencionada a título de cláusula penal, correspondente à taxa de juros contratuais fixada acrescida de 4 pontos percentuais, a incidir sobre o valor global das prestações em dívida (prestações em que já estavam contabilizados os valores referentes aos juros remuneratórios).
                                                           *
IV – Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando parcialmente a sentença recorrida, pelo que os RR. são condenados no pedido formulado pelo A. - condenação dos RR. a pagarem-lhe € 3.624,14 (três mil, seiscentos e vinte e quatro euros e catorze cêntimos) correspondentes às prestações vencidas, € 381,38 (trezentos e oitenta e um euros) de juros vencidos até 16-2-2006, € 15,26 (quinze euros e vinte e seis cêntimos) a título de imposto de selo sobre esses juros, bem como os juros que se vencerem à taxa anual de 17,38%, desde 17-2-06, até integral pagamento sobre aquela quantia de € 3.624,14 e o imposto de selo que sobre os referidos juros recair.
Custas pelos Apelados.
                                                           *
Lisboa, 19 de Abril de 2007

            Maria José Mouro
             Neto Neves
Isabel Canadas

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[1]              «Manual dos Juros», 3ª edição, pags. 23 e  28-29.
[2]              «Das Obrigações em Geral», vol. II, pag. 53 (3ª edição).
[3]              Ver, a propósito, o acórdão do STJ de 21-11-2006, ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, proc. 06A3420.
[4]              No qual se dispõe que «no mútuo oneroso o prazo presume-se estipulado a favor de ambas as partes, mas o mutuário pode antecipar o pagamento, desde que satisfaça os juros por inteiro».
[5]              Dispondo o nº 1 deste artigo que «o consumidor tem o direito a cumprir antecipadamente, parcial ou totalmente, o contrato de crédito, sendo-lhe calculado o valor do pagamento antecipado do montante em dívida com base numa taxa de actualização que corresponderá a uma percentagem mínima de 90% da taxa de juros em vigor no momento da antecipação para o contrato em causa».
[6]              A propósito, dizem Pires de Lima e Antunes Varela, «Código Civil Anotado», II vol., pag. 610, em anotação ao art. 1147, que «o direito conferido ao mutuário de antecipar o pagamento, desde que satisfaça os juros por inteiro, harmoniza-se com o que acaba de ser dito acerca do interesse do mutuante. Desde que tal interesse reside na frutificação da coisa mutuada, os seus direitos ficam assegurados, se o mutuário satisfizer os juros por inteiro. O mutuante pode mesmo ter um lucro, se colocar, de novo, os capitais a juro; dificilmente terá um prejuízo».