Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | JORGE ROSAS DE CASTRO | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO TESTEMUNHA VALORAÇÃO DEPOIMENTO PROIBIÇÃO DE PROVA PROIBIÇÃO DE CONTACTOS VIGILÂNCIA ELECTRÓNICA INDEMNIZAÇÃO DANOS NÃO PATRIMONIAIS | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/24/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | 1 – Para que a impugnação ampla da matéria de facto possa proceder, têm de ser identificados meios de prova ou razões objetivas que imponham outra decisão. 2 - A circunstância de uma testemunha estar de relações cortadas com um dos interessados no desfecho da causa não significa que deverá o Tribunal, pronta e forçosamente, desconsiderar de todo a relevância do depoimento, por parcial; e o mesmo se diga na situação inversa, isto é, a existência de uma ligação próxima entre a testemunha e um interessado na decisão não tem de levar o Tribunal, pronta e forçosamente, a concluir que está diante alguém cujo depoimento deva também desconsiderar, por parcial. 3 - Uma particular animosidade ou uma particular proximidade entre a testemunha e um dos interessados na causa constitui razão, sim, para que o Tribunal se revele acrescidamente prudente e cauteloso na valoração dos depoimentos e na exteriorização da sua convicção, mas não mais que isso, pois não ocorre aqui qualquer proibição de prova: o facto de uma pessoa não gostar de alguém ou de ter para com esse alguém uma relação conturbada ou, ao invés, o facto de entre ambos existir uma ligação especialmente próxima, não significa necessariamente que, chamada a depor em audiência e sob juramento, a pessoa vá mentir ou não mereça credibilidade quanto a aspetos concretos sobre os quais haja de pronunciar-se. 4 - Pode até suceder que uma pessoa seja merecedora de credibilidade quando responde sobre as questões concretas em discussão nos autos e não o ser se indagada sobre a personalidade ou modo de ser ou estar habitual da pessoa a quem está especialmente ligada ou em relação a quem apresenta animosidade. 5 – É que uma coisa é o depoimento ter por referência factos concretos, ocorridos em certa data, num certo contexto e de certa forma, cujos contornos se averigua, circunstância em que assiste ao Tribunal um maior poder de delimitação do depoimento dentro de margens de objetividade e suscetíveis de um escrutínio próximo; coisa diversa é quando o depoimento incide sobre aspetos relativamente vagos, ou fora das realidades conhecidas dos autos, ou sobre a personalidade e modo de ser ou estar de alguém, momentos em que a testemunha mais facilmente tenderá para a adjetivação, para a livre opinião pessoal, para uma análise das coisas a partir de um ponto de observação parcial ou distorcida pelos próprios estereótipos e para a afirmação do que, na sua subjetividade, tem por «justo». 6 - Não sendo à partida muito fácil reconhecer credibilidade ao relato de quem assumidamente se encontra de relações cortadas com uma das partes interessadas na causa, mas assentando-se em que não há aqui uma qualquer «proibição de prova», o que se impõe ao Tribunal, em qualquer caso, é o exercício de um dever acrescido de prudência na avaliação da prova. 7 - Não havendo nesta matéria regras matemáticas a respeito da natureza e do quantum desse dever de prudência, a sentença sempre se prestará à crítica: (i) se for percetível que a 1ª Instância ignorara de todo a relação de inimizade verbalizada pela testemunha em causa ou tornada patente pelo modo como o depoimento era prestado – uma eventual atitude passiva deste jaez por parte do Tribunal constituirá indício de que não houve da sua parte a prudência exigível na valoração da prova; e/ou (ii) se for percetível que o depoimento em causa constituiria prova única ou decisiva dos factos em causa – nestas circunstâncias, exigir-se-á a exteriorização na sentença de um exame crítico particularmente intenso. 8 - Aplicando-se a pena acessória de proibição de contactos prevista pelo art.º 152º, nºs 4 e 5 do Código Penal, o Tribunal impõe a sua fiscalização eletrónica, mas apenas se tal se mostrar imprescindível para a proteção da vítima. 9 - À fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais preside a equidade, e esta não é sinónimo de arbitrariedade; antes radica num juízo apoiado em critérios de adequação, de proporção e de ponderação prudente e racional de todas as circunstâncias do caso concreto. 10 – De entre essas circunstâncias figura a situação económica do agente, a qual desempenha em larga medida um papel moderador, no sentido de garantir uma relação de proporcionalidade e justa medida entre, por um lado, a imperatividade de compensar a vítima do sofrimento que lhe foi infligido e, por outro, a necessidade de evitar uma onerosidade económica excessiva para quem lho causou. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acorda-se, em conferência, na 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: 1 – RELATÓRIO Pelo Juízo Local Criminal de Sintra (Juiz 4) foi proferido acórdão em 31 de outubro de 2024 que contém a seguinte parte decisória: «Pelo exposto, julgo a acusação pública procedente, por provada, e em consequência decido: a. Condenar o arguido AA pela prática em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas b) e c), e n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) de prisão, cometido na pessoa da assistente BB. b. Condenar o arguido AA pela prática em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas d) e e), e n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, cometido na pessoa da ofendida CC. c. Ao abrigo do disposto no art.º 77.º e 78.º do C. Penal condenar o arguido AA na pena única de 3 (três) anos de prisão. d. Ao abrigo do disposto no art.º 50.º, n.º 1 e n.º 5 e art.º 52.º, n.º 1, alínea c) e art.º 34.º-B da Lei n.º 112/2009, suspender a execução desta pena por igual período sujeitando-a ao dever do arguido frequentar um programa específico para a prevenção da violência doméstica. e. Condenar o arguido na pena acessória de proibição de contactos com a vítima BB pelo período de 3 (três) anos – art.º 152.º, n.º 4 e 5 do C. Penal – por qualquer meio ou por interposta pessoa. f. Ao abrigo do disposto no art.º 82.º-A do Código de Processo Penal e art.º 16.º, n.º 1 e n.º 2 da Lei n.º 130/2015, de 04.09, arbitrar uma reparação a pagar à vítima CC no valor de € 2.000,00 (dois mil euros), a cujo valor acrescem juros de mora à taxa legal, desde a data do trânsito em julgado da presente decisão e até efectivo e integral cumprimento, em cujo pagamento vai o arguido condenado. g. Condenar o arguido a pagar à assistente BB uma indemnização por danos no valor de € 3000,00 (três mil euros), absolvendo-o do demais contra si peticionado. h. Condenar o arguido no pagamento no pagamento das custas do processo, nas quais se incluem 3 UC de taxa de justiça - art.º 513º do CPP. i. Condenar o arguido nas custas cíveis que sejam devidas, na proporção do seu decaimento - art.º 527.º do CPC.» O Arguido interpôs recurso, finalizando-o com as seguintes conclusões: «1 – Foi o ora Recorrente, AA, condenado como autor material e na forma consumada pela prática de 1 (um) crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas b) e c), e n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) de prisão, cometido na pessoa da assistente BB, pela prática de 1 (um) crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas d) e e), e n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, cometido na pessoa da ofendida CC, sendo, em cúmulo jurídico, o arguido condenado na pena única de 3 (três) anos de prisão. 2) Pena esta suspensa na sua execução por igual período e sujeita ao dever do Recorrente frequentar um programa específico para a prevenção da violência doméstica. 3) e ainda condenado na pena acessória de proibição de contactos com a vítima BB pelo período de 3 (três) anos, por qualquer meio ou por interposta pessoa, nos termos do art.º 152º nº 4 e 5 do CP. Ora, Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, art.º 412º, nº 3 do CPP: 4) Da análise conjugada das declarações e depoimentos o Tribunal a quo valorou de forma diferenciada os depoimentos das testemunhas de acusação em relação aos das testemunhas de defesa, creditando os primeiros e considerando prejudicados os segundos. 5) Efetivamente, considerou credível o depoimento da testemunha DD quando esta referiu ab início estar de relações cortadas com o arguido, o que, per si tem por subjacente uma animosidade patente desta contra a pessoa do arguido ou que esta tem algo contra o arguido. 6) Pelo que deveria ter considerado o mesmo prejudicado à semelhança do que considerou em relação ao depoimento de EE, FF, GG, por entender que estas não gostavam da assistente. 7) Assim, o depoimento da testemunha DD não deveria ter sido valorado, só assim se alcançando uma decisão justa e equitativa quanto à matéria de facto dada como provada. 8) E consequentemente deveriam ser considerados não provados os factos constantes dos números nº 40 a 42. Contudo, 9) Ao considerar prejudicado o depoimento desta testemunha, é a palavra da Assistente, e da filha menor do casal, que vale o que vale dada o forte ascendente que a mãe, ora Assistente, tem sobre a mesma, contra a palavra do Arguido. 10) Pelo que, não sendo as declarações da Assistente e da Ofendida CC, corroboradas por qualquer outra prova, deverão ser dados por não provados todos os factos constantes da matéria provada, impondo-se consequentemente a absolvição do arguido. 11) Por fim, e sem prescindir, atendendo ao depoimento da testemunha HH, cônjuge do arguido que referiu que a Assistente lhe ligava a toda a hora (gravação 11:03 - 11:34), bem como ao despacho proferido pela juiz de instrução em 16/03/2024, e nos termos dos quais “Resultando dos requerimentos apresentados pelo Arguido a 05.07.2023 e a 04.08.2023 que a Ofendida tenta o contacto com o mesmo, e não sendo tal informação contraditada pela mesma, determino a notificação da Ofendida para, de imediato, cessar as tentativas de contacto com o Arguido, por qualquer meio. Notifique, ainda, o Arguido para, caso exista novo contacto por parte da Ofendida, informar de imediato os autos”, deveria o Tribunal a quo ter considerado provadas as tentativas de contacto do arguido por parte da assistente. Da discordância relativamente à aplicação da sanção acessória de proibição de contactos fiscalizada por meios técnicos à distância: 12) Sem pretender negar as necessidades de prevenção geral e especial, o ora Recorrente entende que a aplicação da sanção acessória, no que concerne à vigilância electrónica, é perfeitamente dispensável, desproporcionada e desadequada atendendo ao caso concreto. Senão vejamos 13) Com a saída da Assistente da casa de morada de família, não existe coabitação entre ambos e o ora Recorrente encontra-se sujeito a medida de coação de proibição de contactos com a vítima, com vigilância eletrónica desde 30/05/2023, sem registo de incidentes ou ocorrências, sem nunca transgredir ou prevaricar e sem quaisquer denúncias de incumprimento das medidas a que foi sujeito, e consta do Relatório Social constante dos autos, que o Recorrente, tem cumprido escrupulosamente as regras a que está adstrito e se encontra familiar, social e profissionalmente inserido. 14) Pelo que julga o ora Recorrente que a simples ameaça do cumprimento da pena de prisão efectiva em que foi condenado é manifestamente suficiente para evitar que o mesmo volte a delinquir, para além de suficiente para satisfazer as exigências de prevenção geral e especial. 15) Mais, e sem prescindir, a manutenção da sujeição à vigilância eletrónica, não deixa de ter efeitos estigmatizantes, nomeadamente em termos laborais, podendo comprometer a manutenção da integração profissional do Recorrente. Da discordância relativamente às quantias a pagar ás ofendida a título de indemnização e reparação: 16) Foi também o Recorrente condenado a pagar à vítima CC o valor de € 2.000,00 (dois mil euros), que lhe fora arbitrado a título de reparação, e à assistente BB uma indemnização por danos no valor de € 3.000,00 (três mil euros). 17) Ao fixar as quantias a título de indemnização pelos danos não patrimoniais causados, o tribunal deve atender à situação pessoal e económica da vítima, à gravidade das consequências do crime, bem como às condições pessoais do agente, assim como, à sua situação económica e pessoal. 18) Tendo por base esses pressupostos, o ora Recorrente não se conforma com os valores fixados pelo tribunal a quo, a título de reparação às Ofendidas, porquanto o tribunal a quo apenas atendeu efetivamente ao grau da culpabilidade do agente e às lesões sofridas. 19) Mas, não levou em consideração a situação económica do arguido, a qual ressalva-se é modesta. 20) Por outro lado, deveria ainda atender a todas as circunstâncias do caso, nomeadamente apesar de notificada pelo tribunal da aplicação da medida de proibição de contactos e afastamento, a Assistente procurou por diversas vezes contactar e aproximar-se do mesmo (v. despacho da juiz de instrução proferido nos presentes autos em 16/03/2024, e nos termos dos quais” Resultando dos requerimentos apresentados pelo Arguido a 05.07.2023 e a 04.08.2023 que a Ofendida tenta o contacto com o mesmo, e não sendo tal informação contraditada pela mesma, determino a notificação da Ofendida para, de imediato, cessar as tentativas de contacto com o Arguido, por qualquer meio. Notifique, ainda, o Arguido para, caso exista novo contacto por parte da Ofendida, informar de imediato os autos.” e depoimento da testemunha HH cônjuge do arguido que referiu que a Assistente lhe ligava a toda a hora (gravação 11:03 -11:34) 21) Aliás esse comportamento da Assistente é revelador da falta de receio, medo e temor que sente do recorrente, circunstância esta que não pode de modo algum ser desconsiderada na fixação do quantum da indemnização fixada à demandante/Assistente. 22) Pelo exposto, afigura-se excessivo o valor de 3.000,00€ (três mil euros) fixado à Assistente a título de indemnização por danos morais. 23) Por fim, no arbitramento da indemnização devida à sua filha CC deveria o tribunal a quo também ter tido em consideração a situação económica do arguido, o que não fez. 24) E sendo esta condição modesta, figura-se excessivo o valor arbitrado de 2.000,00€ (dois mil euros) Nestes termos, e com o mui Douto suprimento de Vs. Ex.as, deve conceder-se integral provimento ao presente recurso, modificando-se a decisão do Tribunal a quo no sentido de: - Não ser valorado o depoimento da testemunha DD, e consequentemente não serem considerados provados os factos constantes dos números nº 40 a 42. - Ao considerar prejudicado o depoimento desta testemunha, é palavra da Assistente, e da filha menor do casal, que vale o que vale dada o forte ascendente que a mãe, ora Assistente, tem sobre a mesma, contra a palavra do Arguido, pelo que, não sendo as declarações da Assistente e da Ofendida CC, corroboradas por qualquer outra prova, deverão ser dados por não provados todos os factos constantes da matéria provada, impondo-se consequentemente a absolvição do arguido. - Ser considerado provado as tentativas de contacto do arguido por parte da assistente. A pena acessória de proibição de contactar com a Ofendida, não ser submetida a fiscalização por meios técnicos à distância. E, - Os valores fixados a título de reparação às ofendidas, sejam fixadas em quantias inferiores.» O recurso foi admitido com efeito suspensivo e subida imediata nos próprios autos. O Ministério Público respondeu ao recurso, formulando as seguintes conclusões: «A. O arguido AA foi condenado pela prática em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas b) e c), e n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) de prisão, cometido na pessoa da assistente BB e de 1 (um) crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas d) e e), e n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, cometido na pessoa da ofendida CC. Em cúmulo jurídico, o arguido AA foi condenado na pena única de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeitando-a ao dever de o arguido frequentar um programa específico para a prevenção da violência doméstica. B. Foi, igualmente, o arguido AA condenado na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida BB, pelo período de 3 (três) anos (artigo 152°, nºs 4 e 5, do Código Penal), por qualquer meio ou por interposta pessoa. C. Por último, foi arbitrada uma reparação a pagar à vítima CC no valor de € 2.000,00 (dois mil euros), a cujo valor acrescem juros de mora à taxa legal, desde a data do trânsito em julgado da presente decisão e até efectivo e integral cumprimento, em cujo pagamento vai o arguido condenado e ainda ao pagamento à assistente BB uma indemnização por danos no valor de € 3.000,00 (três mil euros), absolvendo-o do demais contra si peticionado. D. O que o recorrente pretende fundamentalmente pôr em crise é o princípio da livre apreciação da prova; na verdade, do que se trata é da discordância do mesmo relativamente ao modo como a prova produzida foi apreciada pelo Tribunal a quo, designadamente, o depoimento das testemunhas DD (que referiu no início do seu depoimento estar de relações cortadas com o arguido), EE, FF e GG. E. Sucede que, mesmo nos casos em que haja gravação da prova (como sucede(u) no caso concreto), o Tribunal da Relação não pode sindicar a valoração das provas, em termos de criticar o tribunal a quo por ter dado prevalência a uma(s) em detrimento de outra(s); F. A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto jamais poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência, visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais e flagrantes erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto; G. Como tal, necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o Tribunal indique os fundamentos suficientes para que se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado, o que foi feito - e bem feito - na sentença recorrida. H. Tendo em conta a prova produzida e a fundamentação do enquadramento fáctico, é manifesto que a sentença recorrida fez uma acertada e ponderada apreciação da prova produzida em audiência de julgamento. I. Na verdade, a “alegada” animosidade da testemunha DD não resultou do seu depoimento, porquanto a mesma “depôs de forma clara e verosímil, revelando ter conhecimento directo dos factos”, porquanto, residiu com arguido e assistente durante algum tempo quando chegou do ... e assistiu a diversas discussões entre os dois. O seu depoimento incidiu sobre as situações concretas a que assistiu e não sobre qualquer problema que possa ter tido com o arguido e que terá conduzido ao corte de relações – ao contrário das mencionadas testemunhas. J. Por outro lado, é patente nos depoimentos de EE e FF, a animosidade, o desagrado e desprezo pela pessoa da assistente, centrando os seus depoimentos nos seus próprios problemas e desentendimentos com a assistente, do que qualquer situação que tenham assistido entre aquela e o arguido. K. Quanto à pena acessória de proibição de contactos (sem fiscalização por equipamentos electrónicos), o tribunal a quo efectuou um correcto juízo de censura global pelo crime praticado pelo arguido e ponderou devidamente os critérios estabelecidos no artigo 71.º, do Código Penal, para determinação da referida pena acessória. L. O tribunal a quo ponderou correctamente o arbitramento de indemnização à menor, CC, bem como a condenação do arguido no pagamento de indemnização à assistente, BB, considerando as lesões sofridas pelas mesmas. M. Assim, sopesados os factos provados e todas as circunstâncias atenuantes e agravantes (devidamente explanadas na sentença recorrida), e globalmente, a culpa do arguido, não nos merece censura a determinação das penas (principal e acessória) em que o arguido foi condenado, pelo Tribunal. N. Tais penas mostram-se inteiramente acertadas e justas, por adequadas, proporcionais e necessárias, ao caso em apreço e mostram-se devidamente sustentadas com os argumentos aduzidos em tal decisão e nos critérios estabelecidos do 71.º, do Código Penal. O. Pelo exposto, a sentença recorrida não merece qualquer censura, não padece de qualquer vício (mormente, aqueles que vêm invocados na peça processual a que se responde), achando-se em absoluta conformidade com a lei. Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão condenatória» Chegados os autos a este Tribunal, a Sra. Procuradora-Geral Adjunta lavrou parecer no sentido da improcedência do recurso, acompanhando a resposta que fora apresentada pela Digna Magistrada do Ministério Público junto da 1ª Instância. Cumprido o preceituado pelo art.º 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, a Assistente veio aos autos aderir à posição sustentada pelo Ministério Público. Os autos foram aos vistos e realizou-se a conferência. * 2 - FUNDAMENTAÇÃO 2.1 Questões a tratar É hoje pacífico, a partir do preceituado pelo n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal (CPP), que são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal de 2ª Instância, sem prejuízo da possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso. A essa luz, o que à partida se encontra em debate reporta-se, em síntese, ao seguinte: i. Impugnação da matéria de facto; ii. Fiscalização eletrónica do cumprimento da pena acessória de proibição de contactos; iii. Medida das quantias de reparação arbitradas. A este enunciado extirpar-se-á, porém, a parte correspondente ao valor de reparação arbitrado à menor CC. Com efeito, tendo-se situado esse valor em € 2.000,00, é ele inferior a metade da alçada do Tribunal Recorrido, face ao disposto no art.º 44º, nº 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário, o que significa que não é admissível o recurso, nesta parte – art.º 400º, nº 2 do Código de Processo Penal. * 2.2 Os factos 2.2.1 A sentença recorrida A sentença recorrida tem o seguinte teor quanto aos factos provados e não provados e motivação de facto: «2.1. Matéria de Facto Provada Da audiência de julgamento resultaram provados da acusação pública os seguintes factos: 1. O arguido e BB viveram em comunhão de leito, mesa e habitação, como se de marido e mulher se tratassem entre o mês de ... de 2008 e o dia ...-...-2022. 2. Dessa relação nasceram duas filhas: CC, nascida no dia ...-...-2013 e II, nascida no dia ...-...-2018. 3. No início do relacionamento o casal residiu em Portugal durante cerca de três anos, após o que se mudou para a ..., onde permaneceu cerca de oito meses. 4. Depois, no mês de ... de 2013, o casal voltou a sair de Portugal e foi residir para o .... 5. Entretanto, a partir do dia ...-...-2022, o arguido passou a residir definitivamente em Portugal e BB juntou-se a ele, juntamente com as filhas, a partir do dia ...-...-2022. 6. Pelo menos a partir do dia ...-...-2022, o casal residiu numa habitação sita em ..., e no mês de ... de 2022 mudou-se, e passou a residir na habitação sita na .... 7. Desde o início que a relação entre o casal foi pautada por conflitos e discussões, motivados porque o arguido manifestava ciúmes em relação a BB. 8. Partia-lhe os telemóveis que ela adquiria. 9. Deslocava-se amiúde ao local de trabalho dela. 10. Acusava-a de ter relacionamentos amorosos com vários homens. 11. Apelidava-a de “puta”, “vagabunda”, “piranha” e dizia-lhe, “vou-te tratar como puta! Vieste da favela, vou-te tratar como tal!”. 12. E, em tom de voz sério e grave, dizia-lhe: “Se algumas vez nos separarmos, mato-te”. 13. Durante o primeiro período em que o casal residiu em Portugal, com uma periodicidade de pelo menos duas vezes por semana, no interior da residência comum, o arguido dirigia-se a BB e desferia-lhe estaladas na cara, murros e pontapés nas costelas, nos braços, nas coxas e nas pernas, puxava-lhe o cabelo e agarrava-a pelo pescoço, apertando-o. 14. Como consequência directa e necessária desses comportamentos do arguido, BB ficava com hematomas e escoriações em zonas do corpo que não eram visíveis com roupa vestida. 15. Algumas destas situações foram presenciadas pelas filhas menores. 16. Em data não concretamente apurada, mas situada no final do ano de 2008, da parte da noite, quando residiam em Portugal, em ..., por motivos não concretamente apurados, o arguido desferiu várias pancadas no corpo de BB com um cinto em pele, atingindo-a na zona das costas. 17. Como consequência directa e necessária desse comportamento do arguido, BB ficou com um hematoma roxo nas costas. 18. Noutra ocasião, ocorrida no ano de 2012, pouco tempo antes de terem ido residir para a ..., numa data em que BB foi trabalhar à noite num restaurante, o arguido fechou a porta da entrada da residência comum e colocou um sofá na porta da entrada do quarto, impedindo-a de ali entrar. 19. Quando, cerca das 03h00m, BB chegou à residência, o arguido, irritado com a hora a que ela estava a chegar, começou a gritar com ela, dizendo-lhe: “Estás-me a trair! És uma vagabunda! Isto não é hora de uma mulher chegar a casa!” 20. Depois, o arguido trancou a porta do quarto, partiu a lâmpada do quarto e, em tom de voz sério e grave, dirigiu-se a BB e disse-lhe: “Estás-me a trair e vais pagar por isso!”. 21. O arguido reteve BB trancada dentro do quarto durante o resto da madrugada. 22. Em data não concretamente apurada, mas situada no ano de 2018, quando BB estava grávida de sete meses da filha II, no interior da residência comum, por ciúmes, o arguido, na presença da filha menor comum CC, agarrou BB com força pelo cabelo e arrastou-a até à sala. 23. Após o arguido encostou BB contra a parede. 24. Em data não concretamente apurada, mas situada no ano de 2019, quando residiam no ..., por motivos relacionados com ciúmes, o arguido dirigiu-se a BB e desferiu-lhe uma estalada na cara. 25. Em data não concretamente apurada, mas situada quando se encontravam a residir no ... e quando a filha CC tinha oito anos de idade, por motivos relacionados com o facto de terem ido a um centro comercial e a menor CC ter medo de descer as escadas rolantes, depois de entrarem em casa, o arguido desferiu-lhe duas pancadas com um cinto, atingindo-a na coxa. 26. Como consequência directa e necessária desse comportamento do arguido, a CC ficou com uma marca na coxa. 27. Em data não concretamente apurada, mas situada quando CC tinha nove anos de idade, no interior da residência comum em Portugal, o arguido disse-lhe para colocar roupa na máquina. 28. Então, por ter medo de mexer na máquina de lavar, porque tinha apanhado um choque, CC pediu ao arguido para não a obrigar a fazê-lo. 29. Irritado, o arguido dirigiu-se a CC e desferiu-lhe duas pancadas no corpo com um cinto. 30. No dia ...-...-2022, cerca das 22h30m, quando BB estava na residência comum a ver televisão, o arguido entrou na residência acompanhado da filha CC e, sem autorização de BB, agarrou-lhe no telemóvel. 31. Nessa altura, o arguido, sem autorização e contra a vontade de BB, começou a fazer publicações na página dela do “facebook”, como se fosse ela, escrevendo nomeadamente: “Meu marido tem razão, telemóvel é a desgraça da vida de um casal”. 32. Ao se aperceber desse comportamento do arguido, BB pediu-lhe que parasse de fazer tais publicações. 33. Então, irritado, o arguido dirigiu-se a BB, que na altura se levantava da cama e desferiu-lhe um pontapé nas costas, causando-lhe a queda para o lado oposto da cama em relação àquele em que ela se encontrava. 34. Mais tarde, ainda no mesmo dia, na sequência de confrontos físicos entre BB e JJ, filha dele, o arguido agarrou em BB, colocando o braço dele à volta do pescoço dela, pressionando-o com força e apertando-lhe o pescoço. 35. Como consequência directa e necessária desse comportamento do arguido, BB ficou com falta de ar. 36. Depois, BB fugiu para a via pública e, após nova contenda com JJ, o arguido dirigiu-se novamente a BB e puxou-lhe o cabelo. 37. Como consequência directa e necessária destes comportamentos, BB ficou com ferimentos, marcas de sangue pisado e hematomas no pescoço. 38. Mais tarde, na madrugada já do dia seguinte, cerca das 02h30m, quando BB se encontrava no quarto, deitada de barriga para baixo, em cima da cama, o arguido, sem nada dizer, colocou-se em cima dela e colocou o pénis dentro do ânus dela, que friccionou, ao mesmo tempo que lhe dizia, “vou-te tratar feito puta, é assim que tu gostas!”, e de seguida ejaculou. 39. Enquanto o arguido mantinha tal comportamento, BB pedia-lhe para parar e chorava com dores. 40. Em data não concretamente apurada, mas situada ou no dia ...-...-2022 ou no dia ...-...-2022, BB combinou ver um filme juntamente com a amiga DD e com a família na residência comum. 41. Incomodado com tal combinação, o arguido disse a BB que tinha cinco minutos para entrar no quarto do casal. 42. E porque BB se recusou a fazê-lo, o arguido agarrou em todas as roupas dela e atirou-as pela janela do quarto. 43. Em data não concretamente apurada, mas situada no decurso do mês de ... de 2022, cerca das 07h00m, quando já se encontravam separados, BB deslocou-se à residência do arguido para ver as duas filhas menores comuns. 44. Já dentro da residência, no quarto da filha II, BB colocou-lhe a mão na cabeça e apercebeu-se que a filha estava com febre. 45. Nessa altura, o arguido empurrou BB, que caiu em cima da cama. 46. Após o arguido colocou-se em cima de BB. 47. Entretanto, apareceu a filha menor comum CC que pediu ao arguido para parar de fazer aquilo a BB. 48. No dia ...-...-2022, o arguido ficou na posse da chave suplente do veículo automóvel de BB. 49. No dia ...-...-2022, o arguido, munido com a referida chave suplente do veículo automóvel de BB, deslocou-se junto ao local de trabalho dela, sito em ..., onde se encontrava estacionado o veículo dela. 50. Depois, junto do veículo automóvel de BB, o arguido, sem autorização dela, utilizando a chave suplente do veículo, abriu a porta do mesmo e encheu-o com lixo. 51. No dia ...-...-2022, cerca das 22h10m, o arguido perseguiu BB, e esta com medo dele, no decurso do trajecto que fazia, telefonou à GNR que a aconselhou a deslocar-se ao posto da GNR, o que ela fez. 52. Assim que ela chegou ao posto da GNR, seguida pelo arguido, um Guarda, apercebendo-se que ele tentava subir o passeio para sair do local, deu-lhe ordem de paragem, o que ele acatou. 53. De seguida, o mesmo Guarda mandou-o sair do veículo que ele conduzia e foi efectuado por aquele órgão de polícia criminal exame quantitativo ao álcool, que concluiu que o arguido apresentava uma taxa de álcool no sangue de pelo menos 1,15g/l. 54. O arguido ingere bebidas alcoólicas em excesso o que potenciou a agressividade que dirigiu contra BB. 55. Com as condutas acima descritas o arguido quis e conseguiu ofender BB na sua honra e dignidade, na sua integridade física, sexual e na sua liberdade pessoal, por forma a que esta se sentisse lesada na sua dignidade enquanto ser humano, e pessoa com quem mantinha uma relação análoga à dos cônjuges, o que igualmente conseguiu, bem sabendo que praticando grande parte desses actos no interior da residência comum a privava de qualquer possibilidade de reacção, causando-lhe um profundo sentimento de insegurança, e não se coibindo ainda assim de praticar parte desses actos na presença das filhas do casal, ainda menores, o que quis. 56. O arguido actuou com o propósito alcançado de atingir e lesar o corpo e saúde de BB, sabendo que dessa forma lhe causaria dores e lesões. 57. Sabia o arguido que as expressões dirigidas a BB eram insultuosas e que a ofendiam na sua honra e consideração, o que logrou conseguir. 58. E que as expressões ameaçadoras que lhe dirigiu foram proferidas de forma a provocar-lhe receio e inquietação, o que logrou conseguir. 59. O arguido quis e conseguiu ofender CC, sua filha, ainda menor de idade, na sua dignidade, na sua integridade física, e na sua liberdade pessoal, por forma a que se sentisse lesada na sua dignidade enquanto ser humano e sua filha, o que igualmente conseguiu, bem sabendo que praticando tais actos no interior da residência comum a privava de qualquer possibilidade de reacção, causando-lhes um profundo sentimento de insegurança. 60. Mais sabia que tinha o dever de respeitar a sua filha, pessoa particularmente indefesa, em razão da idade, e em razão da dependência económica a que estava sujeita em relação àquele, e que ao tratá-la do modo supra descrito, obrigando-a inclusivamente a assistir a agressões que perpetrava contra a mãe dela, a impedia de ter um crescimento saudável e harmonioso, o que quis ao actuar da forma descrita 61. O arguido actuou com o propósito alcançado de atingir e lesar o corpo e saúde da filha CC, sabendo que dessa forma lhe causaria dores e lesões no corpo. 62. O arguido actuou sempre com intenção de maltratar física e psiquicamente BB e CC, o que de facto veio a conseguir. 63. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal. Do Pedido de Indemnização Cível: 64. A assistente sentiu-se humilhada e angustiada. 65. Com a ida para a casa abrigo a assistente perdeu o emprego e todos os seus bens. Mais se provou quanto aos antecedentes criminais e situação do arguido que: 66. O arguido à data do surgimento do presente processo, integrava o agregado constituído pela ofendida e pelas filhas comuns, ainda menores de idade, tendo ainda o arguido mais três filhos de anterior relação com quem mantinha contacto regular, encontrando-se duas filhas em Portugal. 67. Na atualidade o arguido encontra-se a residir com o cônjuge e a filha menor desta, na morada dos autos, habitação arrendada em nome do mesmo, relação que dura há cerca de um ano, tendo o casal contraído matrimónio em ...de 2024, sendo o relacionamento descrito como gratificante por ambos. 68. O arguido assinala um matrimónio, que durou cerca de 12 anos, e de onde nasceram três filhos, tendo terminado por desgaste da relação. Posteriormente, AA e ofendida iniciaram e mantiveram relacionamento durante cerca de 14 anos, o qual terminou em ... de 2022, decorrente das dinâmicas disfuncionais entre ambos. 69. A ofendida saiu de casa em ...de 2022, deixando as filhas menores ao cuidado do arguido, tendo regressado cerca de um mês depois, acabando o casal por se separar definitivamente, altura em que a ofendida e filhas foram acolhidas em casa abrigo. 70. Em termos profissionais, mantém atividade laboral na área dos mármores, com vínculo contratual desde ... de 2023. 71. O percurso laboral do arguido apresenta-se estável, assinalando-se maioritariamente a existência de execução de tarefas indiferenciadas de longa duração, no ... e em Portugal, por vezes, sem vínculo contratual. 72. No contexto escolar, o percurso de AA refere que adquiriu o 1º ano do 2º Grau, no ..., o qual equivale à escolaridade mínima obrigatória em Portugal. 73. O arguido encontra-se a cumprir de forma adequada a medida de coação imposta pelo Tribunal. 74. O arguido não possui antecedentes criminais. 2.2. Factos não provados a. o arguido proibia-a de falar com outras pessoas, nomeadamente com amigos e com familiares dela. b. proibia-a de fazer atendimento ao público. c. Depois de lhe bater, o arguido dirigia-se a BB e, em tom de voz sério e grave, dizia-lhe que caso ela contasse a alguém ou apresentasse queixa contra ele que a matava. d. O arguido bateu na assistente com a fivela do cinto. e. Por várias vezes, no interior da residência comum, o arguido dirigiu-se à filha CC e disse-lhe: “Você é uma péssima filha! Você não me ama!”, entristecendo-a. f. Depois, o arguido desligou a internet e a televisão, retirando os respectivos cabos, assustando BB e as duas filhas menores comuns. g. No dia ...-...-2022, cerca das 15h00m, no interior da residência comum, o arguido, com ciúmes, dirigiu-se a BB, que na altura estava a falar ao telemóvel, agarrou-a pelo pescoço, arranhando-o, tentou retirar-lhe o telemóvel. h. E, munido com a referida chave, o arguido, sem o consentimento dela, colocou um telemóvel da filha mais velha comum, com uma bateria de reserva, dentro do porta-bagagens do veículo dela, que serviu de localizador. i. Com esse telemóvel dentro do porta-bagagens do carro de BB, o arguido passou a controlar todos os movimentos dela e a segui-la, o que fez até ela ser acolhida em Vaga de Emergência para integrar Casa Abrigo. j. Com uma periodicidade diária e até BB ser acolhida em vaga de emergência, o arguido seguia BB aos locais para onde ela se deslocava. k. A assistente teve de fugir de casa e ir viver para uma casa abrigo. 2.3. Motivação da Decisão de Facto “A convicção do tribunal é formada, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos. O juiz deve ter uma atitude crítica de “avaliação da credibilidade do depoimento” não sendo uma mera caixa receptora de tudo o que a testemunha disser, sem indicar razão de ciência do seu pretenso “saber” (Ac. de 17.01.94, do 2º Juízo Criminal de Lisboa, Pº 363/93, 1ª sec, in "SubJudice" nº 6-91). Documentalmente louvou-se o Tribunal nos autos de participação que permitem o enquadramento espácio temporal dos factos, certificado de registo criminal do arguido, relatório social e demais prova documental carreada para os autos. O arguido prestou declarações à matéria dos autos tendo, em suma, negado a prática dos factos pelos quais é acusado, declarando que era a assistente que dele tinha ciúmes, atribuído as acusações desta a uma vingança. Mais referiu que viviam uma vida boa, tendo a assistente por diversas vezes realizado declarações públicas do amor que por ele nutria, exemplificando com as festas de aniversário ocorridas em 2010 e 2014 (vídeos exibidos em audiência de julgamento). Das declarações para memória futura reproduzidas de BB resulta uma realidade bem diversa. Uma realidade de uma vivência turbulenta, repleta de agressões e injúrias, as quais foi suportando por amar o arguido e porque depois das agressões “ele dizia que a amava” e ela “achava que ele ia mudar”. Aliás o que ocorre em quase todas as situações de violência doméstica, uma crença na mudança que é alimentada pelo amor, quase inexplicável, que é sentido. A assistente prestou declarações de forma concretizada e contextualizada, mencionando os episódios ocorridos no ... e em Portugal, referindo mesmo que a situação se apaziguou durante um período, mas que voltou a piorar quando regressam para Portugal no ano de 2022. Esta vivência é confirmada pelas declarações da filha do arguido e da assistente, CC, a qual apesar do manifesto nervosismo e ansiedade, respondeu com clareza e assertividade quanto aos factos que guardava na memória. Não teve dúvidas em referir que o arguido ingeria bebidas alcoólicas com frequência, e que “eles brigam quando ele bebe demais”, afirmando que as brigas entre os pais eram frequentes, tendo presenciado algumas agressões perpetradas pelo pai, que descreveu. Conseguiu concretizar situações ocorridas no ... e em Portugal, mesmo quanto aos factos a si atinentes, referindo com tristeza que o arguido lhe bateu com cinto porque não colocou a máquina a lavar, tentando desvalorizar o comportamento deste dizendo que ficou “só com umas marquinhas”. Ficou patente nas declarações da menor a dualidade que sentia, reflexo da consciência que depunha contra o seu pai, por quem nutre afetos, mas sem que tal circunstância lhe retire credibilidade, antes pelo contrário. A versão trazida a juízo pela assistente (e ofendida menor igualmente), e na qual o Tribunal acreditou, foi corroborada pelo depoimento das testemunhas ouvidas: - DD, amiga do casal, atualmente de relações cortadas com o arguido, que viveu em casa destes a partir de ... de ... de 2022 quando chegou do ..., e que nos declarou ter presenciado várias discussões entre o arguido e a assistente, acusações desta “ter outros homens”, atribuições de “vagabunda”, “safada”, agressões físicas, ameaças, as quais eram temperadas porque “ela amava ele” e “queria lutar pelo casamento”, como referiu. Esta testemunha confirmou os factos que se provam sob os números 40, 41 e 42. Depôs de forma calma e verosímil, revelando ter conhecimento direto dos factos. - KK, militar da GNR, que conhece o arguido e a ofendida de uma situação ocorrida no exercício das suas funções, tendo confirmado os factos que se provam sob os números 51, 52 e 53. Descreveu que a assistente parou o carro no meio da rua e que estava muito “assustada, a gritar”, o que é correspondente à descrição feita pela assistente. Prestou um depoimento isento, pelo que foi valorado pelo Tribunal. - LL, amiga da assistente, e que relatou ao Tribunal que viu a assistente com marcas no corpo mas que ela “não admitia” que eram fruto da atuação do arguido, tendo, contudo, um dia acabado por lhe confessar o que se passava, tendo-a encaminhado para a GNR para apresentar queixa. Declarou que nunca viu as agressões, mas que viu as marcas no corpo da assistente. Confirmou os factos que se provam sob os números 49 e 50. Prestou um depoimento claro, não existindo motivo para o desacreditar, tratando-se de uma testemunha que acompanhou (ainda que não diretamente) ao longo de um período de tempo a relação entre o arguido e assistente. Quanto a esta temática dos factos provados n.ºs 49 e 50 foi ouvida a testemunha MM, amiga do arguido, e que nos referiu ter visto num dia no ano de ... o arguido a colocar dentro de uma viatura cinzenta um saco com roupas e uns pneus, tendo momentos depois chegado a assistente que começou a discutir com o arguido. Continua referindo que quem levou o carro foi a “D. NN”. Depoimento sem grande nexo, não se percebendo quando surge a “D. NN”, não se sabendo qual o motivo da discussão (dizendo a testemunha que se afastou e não ouviu nada), nem sequer porque é que ali ficou. Referiu que conheceu o arguido nesse dia e que a ele se dirigiu para saber “de uma casa para morar” e depois fica por ali no meio de uma briga entre duas pessoas que não conhece… Pela defesa foram ouvidas as seguintes testemunhas: - OO, amigo do arguido, frequentou a casa do casal por duas ou três vezes, mais no ano de 2012, nunca tendo visto agressões, injúrias, marcas, referindo que a assistente era “bruta com as crianças” não conseguindo concretizar esta sua afirmação. - PP, amiga do arguido e da assistente, e que declarou que nunca viu nada de estranho, que eram um casal normal, que a assistente nunca com ela desabafou, tendo acabado por admitir que também não era uma amiga íntima. - EE, filha do arguido, que relatou o início da relação de namoro entre o pai e a assistente, situando-a ainda durante o casamento daquele com a sua mãe. Afirmou que quando veio morar para Portugal foi viver “ao lado” do arguido, nunca tendo ouvido ou visto nada de anormal. Das suas declarações e expressões ficou patente que não nutre qualquer sentimento positivo pela assistente, pelo que, o Tribunal crê que este depoimento está assim prejudicado. - HH, esposa atual do arguido, nada sabia, como seria natural, sobre o que se passou durante a relação do arguido e da assistente, declarando apenas que esta ligava-lhe “a toda a hora”, que dificultou o exercício das responsabilidades parentais pelo arguido, afirmando que a assistente “proibiu as filhas de chamar o pai de pai”. Descreveu um fim de relação azedo e conturbado. - QQ, vizinha do arguido durante o período em que este viveu em ..., e que referiu que nunca ouviu nada de anormal e que o arguido é uma pessoa tranquila e não conflituosa, nada sabendo sobre o que em concreto se passava dentro da casa do arguido e da assistente. - RR, vizinha de ..., afirmou que a filha do arguido CC é a melhor amiga da sua filha e que esta lhe relatou que a sua amiga estava muito triste e que sofria com a separação dos pais. Disse que ouviu a assistente gritar com a filha e que ficou “muito revoltada”. Mais afirmou que o arguido é uma pessoa calma e prestável e a assistente é uma pessoa descontrolada. Porém, dos factos que se passavam dentro de casa do casal nada sabia, não conseguindo precisar sequer o contexto das suas afirmações, ou seja, a assistente gritou com a filha porque, em que contexto, o que foi dito… - SS, ex-cunhada do arguido, declarou que tinha pouca convivência com o casal, mas que não tem nada contra a assistente, apesar de a achar “um pouco mentirosa”. Mais declarou que “ouvia-a dizer que o AA lhe batia” mas que “nunca viu nada”. - FF, vizinha do arguido no ..., e que nos relatou que era a assistente que batia no arguido e que lhe chamava nomes, não sabendo, porém, concretizar esses nomes. Esta realidade nem o arguido trouxe aos autos… Foi um depoimento descabido e comprometido com a tentativa de defender o arguido das acusações da assistente, pessoa de quem claramente não gosta. - GG, que foi vizinha do arguido e da assistente durante 6 anos no ..., e que referiu que o arguido é uma pessoa prestável e amável, e que a assistente “começou a inventar fofocas” e afastou-se. Nada sabia sobre a vida do casal, sendo notório que não gosta da assistente, dizendo mesmo que “tinha problemas com todos os vizinhos”. - TT, padrasto e amigo do arguido no ..., referiu que não mantinha com ele contato diário, nada sabendo sobre o que se passava na casa dele, adiantando apenas que a assistente era uma pessoa difícil e complicada, ao contrário do arguido que é pessoa muito estimada. - UU, ex-cunhado do arguido, que vivem com o casal durante um período de tempo num anexo, afirmando que não havia brigas, sempre tiveram uma boa relação, o arguido é pessoa estimada e a assistente é uma pessoa complicada. Em suma, das testemunhas ouvidas pela defesa nenhuma frequentava assiduamente a casa do casal, nada sabendo sobre a vivência diária do casal. Nenhuma das testemunhas ouvidas conseguiu abalar a convicção, já descrita, quanto ao depoimento da assistente e da sua filha, CC. Nestes autos julgam-se factos e não personalidades. A assistente pode ter um feitio difícil, complicado, ser conflituosa…, mas isso não retira a ilicitude dos atos do arguido. Isso não justifica que ele tenha atuado como o fez, contra a pessoa que com ele dividia a vida e a quem devia um especial dever de respeito. Quanto às alegadas tentativas de contacto por parte da assistente ao arguido, que não resultam comprovadas (sendo que, por exemplo, no print do WhatsApp junto apenas aparece um nome BB com uma fotografia que o tribunal não consegue identificar se é ou não a assistente), o certo é que não esqueçamos que as pessoas são seres complexos, com sentimentos e pensamentos por vezes difíceis de explicar e até inexplicáveis, mas que nada disso retira a ilicitude dos factos praticados pelo arguido, poderá até aflorar a existência de uma dependência emocional não incomum nas vítimas de violência doméstica. Quanto ao elemento subjectivo, ele decorre dos factos objectivos dados como provados, não existindo dúvidas que ao arguido era exigida conduta diversa.» * 2. Conhecendo do recurso (quanto aos factos) § 1 Considerações preliminares É sabido que as Relações podem conhecer de facto e de direito (art.º 428º do Código de Processo Penal – todas as normas doravante citadas sem indicação do diploma a que se referem devem ser reportadas a este diploma). Assiste portanto aos sujeitos processuais o direito de recurso para a Relação em matéria de facto e/ou de direito, o que representa, no que especificamente respeita ao arguido, a concretização de uma das garantias de defesa a que alude o art.º 32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e que encontra ainda expressão direta no art.º 2º do Protocolo Adicional nº 7 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH). Não se trata, porém, de um direito absoluto, seja no sentido em que pode a lei prever a irrecorribilidade de certas decisões, seja no sentido em que, em caso de recorribilidade, pode o exercício do direito de recurso estar legalmente sujeito a condicionamentos e requisitos próprios [Acs. do TC nºs 390/04 e 377/03, www.tribunalconstitucional.pt ; cfr. ainda Germano Marques da Silva e Henrique Salinas, in Constituição Portuguesa Anotada (org. Jorge Miranda e Rui Medeiros), tomo I, 2ª edição, Coimbra Editora (2010), pgs. 715 e sgs]. A definição das margens de irrecorribilidade e, onde o recurso for admissível, dos requisitos a observar pelo recorrente para o exercício legítimo e regular do direito de recurso, constitui tarefa em que o legislador goza de uma ampla margem de apreciação; ponto é que tais requisitos e limites tenham subjacente uma finalidade legítima e não afetem a substância do direito [Acs. do TEDH Y.B. v. Russia, nº 71155/17, de 20/07/2021 (§ 40) e Rostovtsev v. Ukraine, nº 2728/16, de 25/07/2017 (§ 27), in https://hudoc.echr.coe.int/#{%22documentcollectionid2%22:[%22GRANDCHAMBER%22,%22CHAMBER%22]}]. Adentro o sistema de recursos existente no Código de Processo Penal, é consabido que a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: (i) através do âmbito dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, os quais terão de resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou mediante o recurso às regras da experiência comum, e integrar-se nos casos estritos para que aponta a norma (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; ou erro notório na apreciação da prova); ou (ii) através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se reporta o artigo 412.º, nºs 3, 4 e 6, do referido diploma legal, circunstância em que o que está em debate são os erros na apreciação da prova que vão já além do texto da decisão, estendendo-se ao que pode extrair-se de toda a prova produzida, sempre tendo presentes os limites fornecidos pelo recorrente em obediência ao ónus de especificação imposto por aqueles nºs 3 e 4. Neste último domínio - da chamada impugnação ampla da matéria de facto - o que se procura é uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente aos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, através da avaliação (ou reavaliação) das provas que, em seu entender, imponham decisão diversa da recorrida (cfr. Ac. do STJ de 31.05.2007, relatado por Simas Santos, in www.dgsi.pt – todos os acórdãos doravante citados sem indicação da fonte de pesquisa deverão ser reportados a este sítio). Convém, todavia, ter presente que o reexame da matéria de facto não visa a realização de um novo julgamento, mas apenas sindicar aquele que foi efetuado, despistando e sanando os eventuais erros procedimentais ou decisórios cometidos e que tenham sido devidamente suscitados em recurso. No objeto do recurso não está, pois, contida uma reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos concretos pontos de facto que o recorrente especifique como incorretamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se tais pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os que forem indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (cfr. Ac. do STJ de 10/01/2007, relatado por Henriques Gaspar). Daí que esse reexame esteja sujeito a este ónus de impugnação, sendo através do mesmo que se fixam os pontos da controvérsia e possibilita-se o seu conhecimento pela Relação. O legislador pretende que o recorrente identifique claramente os erros de julgamento que aponta à decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, indicando os pontos que reputa incorretamente julgados na decisão proferida e os meios probatórios que sustentam a sua censura (cf. sobre toda esta matéria vide ainda o Ac. da RE de 02/02/2016, relatado por Fernando Ribeiro Cardoso); sendo que, quando as provas hajam sido gravadas, essa especificação deve fazer-se por referência ao consignado na ata da audiência de julgamento, devendo ser identificadas concretamente as passagens em que se funda a impugnação, como exigido pelo art.º 412º, nº 4. Por razões que se prendem em particular com a ausência de imediação e de oralidade, o poder de apreciação do Tribunal de recurso não é equivalente, insista-se, a um segundo julgamento, não podendo pois esperar-se que aí seja encetada uma alteração da matéria de facto provada apenas por ser possível uma outra análise da prova; essa alteração deverá ocorrer apenas se a análise da prova o impuser, como decorre do art.º 412.º, n.º 3, alíneas b) e c) do Código de Processo Penal, o que significa que não basta contrapor-se à convicção do julgador uma outra convicção diferente, para provocar uma modificação na decisão de facto, sendo necessário demonstrar-se que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados é, pelo menos, desprovida de razoabilidade (cfr. sobre esta matéria, entre tantos outros, os Acs. da RL de 10.10.2007 e da RE de 1.04.2008, relatados por Carlos de Almeida e Ribeiro Cardoso, respetivamente; sobre a não imperatividade constitucional de um sistema de «segundo julgamento», vide o Ac. do TC n.º 59/2006, in www.tribunalconstitucional.pt). § 2 O caso concreto No seu recurso, o Arguido situa a impugnação que faz da matéria de facto no contexto do art.º 412º, nº 3 do Código de Processo Penal, ou seja, no contexto da chamada impugnação ampla da matéria de facto. Vejamos então. Quanto aos factos dados como provados sob os pontos 40 a 42, defende-se no recurso, em síntese, que o Tribunal de 1ª Instância valorou o depoimento da testemunha DD, apesar de esta ter dito que estava de relações cortadas com o Arguido; e ao contrário, já não valorou o depoimento das testemunhas de defesa, e nomeadamente das testemunhas EE, FF e GG, por entender que estas não eram merecedoras de credibilidade por não gostarem da Assistente. Conclui então o Arguido que o depoimento da testemunha DD não deveria ter sido valorado, só assim se alcançando uma decisão justa e equitativa quanto à matéria de facto dada como provada, assim se dando como não provados os factos nºs 40 a 42. Mais se diz no recurso que, ao considerar-se prejudicado o depoimento daquela testemunha DD, o que resta, quanto aos demais factos, é a palavra da Assistente e da filha menor do casal, que «vale o que vale dado o forte ascendente que a mãe, ora Assistente, tem sobre a mesma», contra a palavra do Arguido, pelo que, não sendo as declarações da Assistente e da Ofendida CC corroboradas por qualquer outra prova, deverão ser dados como não provados todos os factos constantes da matéria provada. Ora, cumpre recordar o que atrás dissemos: não compete ao Tribunal da Relação substituir a convicção do Tribunal de 1ª Instância por outra em tese também possível; a mexida nos factos provados ou não provados, para que possa ter lugar nesta instância recursal, tem que basear-se na explicitação de prova que imponha solução diversa, o que não vemos suceder aqui. O Arguido, em boa verdade e no fim de contas, o que nos diz, de essencial, é que a 1ª Instância apoiou a sua convicção nos depoimentos ou declarações a, b e c, mas não devia, pois esses depoimentos ou declarações não merecem credibilidade. Não vemos com facilidade como pudesse ter sucesso uma impugnação ampla da matéria de facto com esta abordagem: a 1ª Instância expôs a sua convicção; para a rebater, no contexto, insista-se, de uma impugnação ampla da matéria de facto, o Arguido teria que identificar meios de prova ou razões objetivas que impusessem outra decisão, no fundo pela demonstração de que aquela convicção exteriorizada na sentença está errada. O que o Arguido diz é que não podia a 1ª Instância ter valorado o depoimento da testemunha DD porque esta se encontra de relações cortadas consigo, da mesma forma que não valorou o depoimento de testemunhas de defesa por terem mostrado que não gostavam da Assistente. Importa notar que a circunstância de uma testemunha estar de relações cortadas com um dos interessados no desfecho da causa não significa que deva o Tribunal, pronta e forçosamente, desconsiderar de todo a relevância do depoimento, por parcial. O mesmo se diga ao contrário, isto é: a existência de uma ligação próxima entre a testemunha e um interessado na decisão não deve levar o Tribunal, pronta e forçosamente, a considerar que está diante alguém cujo depoimento deve desconsiderar, por parcial. Uma particular animosidade ou uma particular proximidade entre a testemunha e um dos interessados na causa constitui razão, sim, para que o Tribunal se revele acrescidamente prudente e cauteloso na valoração dos depoimentos e na exteriorização da sua convicção, mas não mais que isso, pois não ocorre aqui qualquer proibição de prova. O facto de uma pessoa não gostar de alguém ou de ter para com esse alguém uma relação conturbada ou, ao invés, o facto de entre ambos existir uma ligação especialmente próxima, não significa necessariamente que, chamada a depor em audiência e sob juramento, a pessoa vá mentir ou não mereça credibilidade quanto a aspetos concretos sobre os quais haja de pronunciar-se. Aliás, pode até suceder que uma pessoa seja merecedora de credibilidade quando responde sobre as questões concretas em discussão nos autos e não o ser se indagada sobre a personalidade ou modo de ser ou estar habitual da pessoa a quem está especialmente ligada ou em relação a quem apresenta animosidade. E este é um dado importante: uma coisa é o depoimento ter por referência factos concretos, ocorridos em certa data, num certo contexto e de certa forma, cujos contornos se averigua, circunstância em que assiste ao Tribunal um maior poder de delimitação do depoimento dentro de margens de objetividade e suscetíveis de um escrutínio próximo; coisa diversa é quando o depoimento incide sobre aspetos relativamente vagos, ou fora das realidades conhecidas dos autos, ou sobre a personalidade e modo de ser ou estar de alguém, momentos em que a testemunha mais facilmente tenderá para a adjetivação, para a livre opinião pessoal, para uma análise das coisas a partir de um ponto de observação parcial ou distorcida pelos próprios estereótipos e para a afirmação do que, na sua subjetividade, tem por «justo». No caso concreto e para o que aqui releva, enquanto a testemunha DD depôs sobre um concreto episódio, as testemunhas de defesa a que o Arguido se refere depuseram num plano mais genérico ou a respeito das suas impressões sobre a Assistente, o que situa os depoimentos de uma e de outros, logo à partida, em registos muito distintos e não comparáveis. Em todo o caso, sempre se acrescente ainda uma outra camada de análise. Vista em toda a sua amplitude, a objeção que o Arguido dirige à posição assumida pela 1ª Instância em matéria de facto, e em particular em relação aos factos nºs 40 a 42, é de uma natureza fronteira com algo diverso da impugnação ampla da matéria de facto, e que se prende com uma certa falta de coerência equitativa e lógica do critério de aferição da prova da sentença recorrida: se o Tribunal considera que há animosidade ou inimizade por parte da testemunha DD para com o Arguido, então, sustenta este, não se percebe como vem a aceitar como credível o depoimento dessa testemunha, quando, do mesmo passo, desconsidera os depoimentos de várias testemunhas de defesa, por estas não gostarem da Assistente – se não valora estes, não podia ter valorado aquele. Postas as coisas nesta perspetiva, o problema aproxima-se da problemática do dever de fundamentação das sentenças, em especial na dimensão do exame crítico da prova, cuja eventual inobservância acarreta a nulidade da sentença [arts. 374º, nº 2 e 379º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Penal]. É que, havendo depoimentos contraditórios sobre um mesmo facto, ou havendo depoimentos que padeçam de um mesmo tipo de fragilidade, não pode com efeito o tribunal optar por um em detrimento dos demais sem o explicar; ou, dito de outro modo, se o tribunal encontra uma mesma objeção quanto à credibilidade de todas as testemunhas, tem que decorrer da economia da decisão porque é que essa objeção o leva a afastar alguns depoimentos e não outro(s). Não prestar essa explicação torna a decisão insuscetível de, sequer em tese, convencer os seus destinatários ou a comunidade, dificultando ou mesmo impedindo o exercício prático e efetivo do direito de recurso e dificultando ou mesmo impedindo a operatividade própria de um segundo grau de jurisdição. Mas aí mesmo reside a vulnerabilidade central da argumentação do Arguido nesta matéria: é que, como vimos atrás, não temos depoimentos que se situem rigorosamente no mesmo plano de observação da realidade. O que temos, insista-se, é um depoimento que incidiu sobre a factualidade específica dada como provada sob os pontos 40. a 42., e vários outros que incidiram sobre a personalidade ou modo de ser e de estar da Assistente, em geral ou em outras ocasiões, o que é coisa diferente e não comparável, aceitando-se como razoável que a 1ª Instância se tenha persuadido da credibilidade do relato contido naquele primeiro depoimento na medida em que o mesmo se encontra radicado em factos concretos em análise nos autos. Conceda-se, em todo o caso, que não é à partida muito fácil reconhecer credibilidade ao relato de quem se encontra de relações cortadas com uma das partes interessadas na causa. Assente que não há aqui uma qualquer «proibição de prova», o que se impõe ao tribunal é, em qualquer caso, um dever acrescido de prudência. Não há nesta matéria regras matemáticas a respeito da natureza e do quantum daquele dever de prudência e do correspondente poder de supervisão que o Tribunal da Relação aqui pode exercer em sede de recurso. Sem pretender esgotar o ponto, dir-se-á que a sentença prestar-se-ia à crítica, por insuficiente exame crítico da prova: i. se fosse percetível que a 1ª Instância ignorara de todo a relação de inimizade verbalizada pela testemunha em causa ou tornada patente exuberante pelo modo como o depoimento era prestado – uma eventual atitude passiva deste jaez por parte do Tribunal constituiria indício de que não houvera a prudência exigível na valoração da prova; e/ou ii. se fosse percetível que o depoimento em causa constituíra prova única ou decisiva dos factos em causa – nestas circunstâncias, exigir-se-ia a exteriorização na sentença de um exame crítico acrescidamente intenso. Ora, nem um, nem outro destes casos aqui se verifica. Percebe-se da leitura da motivação de facto que a Sra. Juíza deu-se conta e não ignorou a inimizade em apreço, aquando da leitura crítica da prova que encetou, concluindo no fundo que (apesar daquela inimizade) a testemunha «depôs de forma calma e verosímil, revelando ter conhecimento direto dos factos»; como se percebe ainda que o depoimento em causa não foi a única prova considerada, nem há sinal de que tenha sido decisiva, antes surgindo como um dos elementos ponderados, abertamente associado às declarações da própria Assistente, desde logo, cuja credibilidade está por sua vez fundada, entre o mais, em outros elementos externos coadjuvantes, também mencionados ao longo da motivação de facto. Repare-se que, para além das declarações da Assistente, a 1ª Instância apoiou a sua convicção nas declarações da menor, filha da Assistente e do Arguido, que este último desconsidera com a referência vaga, conclusiva e infundamentada a que «vale o que vale, dado o ascendente da Assistente»; e repare-se que as declarações da Assistente e da menor, em si mesmas, são já meios de prova com particular importância dentro do universo de que se cuida, em que, pela sua natureza, não há frequentemente testemunhas externas ao agregado familiar - mesmo pessoas que vivam nas proximidades podem, por variadas razões ou circunstâncias, não atentar em sinais do que se passa no interior de habitações alheias. E por outro lado, convocou ainda a 1ª Instância, para além do testemunho de DD, outros pontos de apoio à sua convicção quanto à prova, que aqui recordamos: «A versão trazida a juízo pela assistente (e ofendida menor igualmente), e na qual o Tribunal acreditou, foi corroborada pelo depoimento das testemunhas ouvidas: (…) - KK, militar da GNR, que conhece o arguido e a ofendida de uma situação ocorrida no exercício das suas funções, tendo confirmado os factos que se provam sob os números 51, 52 e 53. Descreveu que a assistente parou o carro no meio da rua e que estava muito “assustada, a gritar”, o que é correspondente à descrição feita pela assistente. Prestou um depoimento isento, pelo que foi valorado pelo Tribunal. - LL, amiga da assistente, e que relatou ao Tribunal que viu a assistente com marcas no corpo mas que ela “não admitia” que eram fruto da atuação do arguido, tendo, contudo, um dia acabado por lhe confessar o que se passava, tendo-a encaminhado para a GNR para apresentar queixa. Declarou que nunca viu as agressões, mas que viu as marcas no corpo da assistente. Confirmou os factos que se provam sob os números 49 e 50. Prestou um depoimento claro, não existindo motivo para o desacreditar, tratando-se de uma testemunha que acompanhou (ainda que não diretamente) ao longo de um período de tempo a relação entre o arguido e assistente.» Por fim, sempre se diga ainda, neste capítulo, que a sentença recorrida, para além de esclarecer os elementos de prova em que se baseou e porquê para dar os factos como provados que deu, não deixou também de esclarecer as razões pelas quais desconsiderou a relevância das testemunhas a que o Arguido se refere. Quanto à testemunha EE, lê-se na sentença que «das suas declarações e expressões ficou patente que não nutre qualquer sentimento positivo pela assistente, pelo que, o Tribunal crê que este depoimento está assim prejudicado»; quanto à testemunha FF, que «[prestou] um depoimento descabido e comprometido com a tentativa de defender o arguido das acusações da assistente, pessoa de quem claramente não gosta»; e quanto à testemunha GG, que «nada sabia sobre a vida do casal, sendo notório que não gosta da assistente, dizendo mesmo que “tinha problemas com todos os vizinhos”». Percebe-se então, quanto a estas testemunhas, que a Sra. Juíza não se limitou a constatar a existência de uma animosidade para com a Assistente; constatou ainda que essa animosidade se repercutiu na prestação dos depoimentos, o que constitui algo de substancialmente comprometedor da credibilidade dos mesmos. Em suma, não vemos invocadas provas, passagens de prova ou razões que justifiquem dirigir algum tipo de censura à posição firmada pelo Tribunal de 1ª Instância quanto aos factos que enumerou como provados. * Mostra-se ainda o Arguido inconformado pelo facto de a 1ª Instância ter dado «por não provadas as tentativas de contacto do arguido por parte da assistente». Lê-se na sentença recorrida, com efeito, uma passagem da motivação de facto em que consta o seguinte, que aqui recordamos: «Quanto às alegadas tentativas de contacto por parte da assistente ao arguido, que não resultam comprovadas (sendo que, por exemplo, no print do WhatsApp junto apenas aparece um nome BB com uma fotografia que o tribunal não consegue identificar se é ou não a assistente), o certo é que não esqueçamos que as pessoas são seres complexos, com sentimentos e pensamentos por vezes difíceis de explicar e até inexplicáveis, mas que nada disso retira a ilicitude dos factos praticados pelo arguido, poderá até aflorar a existência de uma dependência emocional não incomum nas vítimas de violência doméstica.» E fundamenta então o Arguido a sua posição dizendo o seguinte: «(…) atendendo ao depoimento da testemunha HH, cônjuge do arguido que referiu que a Assistente lhe ligava a toda a hora (gravação 11:03 - 11:34), bem como ao despacho proferido pela juiz de instrução em 16/03/2024, e nos termos dos quais “Resultando dos requerimentos apresentados pelo Arguido a 05.07.2023 e a 04.08.2023 que a Ofendida tenta o contacto com o mesmo, e não sendo tal informação contraditada pela mesma, determino a notificação da Ofendida para, de imediato, cessar as tentativas de contacto com o Arguido, por qualquer meio. Notifique, ainda, o Arguido para, caso exista novo contacto por parte da Ofendida, informar de imediato os autos”, deveria o Tribunal a quo ter considerado provadas as tentativas de contacto do arguido por parte da assistente.» Cumpre apreciar, começando por constatar isto: no enunciado dos factos não provados não consta referência a quaisquer tentativas de contacto da Assistente ao Arguido. Aliás, essas tentativas [por sms, whatsApp, telefone, mail?/duas, três, vinte, cem vezes?/em que data(s) ou em que período(s)?/no caso de mensagens, de que teor?] não haviam sido alegadas na contestação, na qual o Arguido, em termos de alegação fáctica, apenas ofereceu «o merecimento dos autos e tudo o que se provar em audiência de julgamento a seu favor» (cfr. referência eletrónica nº 25229794). E nem mesmo no recurso que interpôs se mostra(m) alegado(s) o(s) facto(s) concreto(s) que o Recorrente entende que devia(m) ser dado(s) como provado(s) e sobre o(s) qual(ais) haveria de debruçar-se este Tribunal da Relação, em jeito de escrutínio da posição assumida pela 1ª Instância. Dito isto, resta concluir pela insubsistência do recurso, nesta matéria, por falta de objeto. Terá a Sra. Juíza sentido necessidade de fazer na motivação de facto a referência, que deixámos transcrita, à falta de prova das «tentativas de contacto», porventura no intuito de tocar um ponto que terá sido em algum momento aludido na audiência de julgamento, em ordem a não deixar por apreciar nada que pudesse vir a ser entendido como relevante para o desfecho da causa, evitando assim uma hipotética invocação de «omissão de pronúncia». Mas a partir do momento em que no recurso interposto não vemos densificado esse facto numa alegação concreta, não há fundamento legal para que esta Relação, por sua iniciativa, faça uma incursão a toda a prova produzida e resgate dela a especificação, por sua escolha e ponderação, de factos inovatórios. * Face ao que vimos de dizer, mostra-se fechada a matéria de facto: não será introduzida qualquer alteração à matéria de facto que vem dada como provada e não provada na sentença recorrida. * 2.3 O Direito 1. A subsunção dos factos ao Direito A sentença recorrida considerou que os factos integravam a prática, pelo Arguido, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas b) e c), e n.º 2, alínea a), do Código Penal, cometido na pessoa da assistente BB pelo qual lhe aplicou uma pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) de prisão; e de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas d) e e), e n.º 2, alínea a), do Código Penal, cometido na pessoa da ofendida CC na pena de 2 (dois) anos de prisão; e fixou a pena única em 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeitando-a ao dever de o arguido frequentar um programa específico para a prevenção da violência doméstica. No recurso que interpôs, não questiona o Arguido a subsunção dos factos ao tipo legal de crime, nos termos fixados em 1ª Instância, como não questiona também as penas parcelares e única aplicadas, matérias que consequentemente estão excluídas do objeto do recurso. 2. A pena acessória Diz o Arguido que nada tem a opor à proibição de contactos com a ofendida, mas defende que é perfeitamente dispensável, porque desproporcionada e desadequada, a fiscalização dessa medida por meios eletrónicos. Sustenta, para tanto, que se encontra sujeito à medida de coação de proibição de contactos com a vítima, com vigilância eletrónica, desde ... de ... de 2023, sem registo de qualquer transgressão da sua parte; e acrescenta que é primário, que se encontra social e profissionalmente integrado e que a sua sujeição à vigilância eletrónica tem efeitos estigmatizantes e pode até comprometer a sua integração profissional. Conclui que a simples ameaça do cumprimento da pena de prisão é suficiente e suscetível de satisfazer as exigências de prevenção geral e especial. Vejamos. Não questiona então e no fundo o Arguido a aplicação da pena acessória de proibição de contactos; questiona, sim, e apenas, a necessidade, adequação e proporcionalidade do emprego de mecanismos de vigilância eletrónica para fiscalizar o cumprimento de uma tal pena acessória. Sucede que a sentença recorrida não determinou o uso de tais mecanismos: limitou-se a aplicar a pena acessória de proibição de contactos com a vítima. Repare-se no que consta da sentença recorrida, em dada parte da fundamentação de direito: «6. DAS PENAS ACESSÓRIAS Requereu o Ministério Público a aplicação ao arguido da pena de proibição de contactos com a ofendida. A condenação pela prática do crime de violência doméstica pode acarretar a aplicação da pena acessória de proibição de contacto com a vítima, pelo período de seis meses a 5 anos, nela se incluindo o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento pode ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, nos termos dos artigos 152º, nº 4 e 5 do Código Penal. Considerando a pena que se aplica, entende-se proporcional a aplicação da pena acessória de proibição de contactos com a vítima por igual período da pena principal aplicada, por forma a garantir o êxito da pena que se aplica.» Considerou-se em tal passagem, em suma, ainda que de forma sumária, que o cumprimento da pena acessória «pode ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância» e não que «deve [em concreto] ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância». E congruentemente com uma tal passagem, a sentença recorrida não vem a conter, no seu dispositivo, qualquer específica menção ao uso de mecanismos eletrónicos; aí se lê apenas o seguinte: «e) Condenar o arguido na pena acessória de proibição de contactos com a vítima BB pelo período de 3 (três) anos – art.º 152.º, n.º 4 e 5 do C. Penal – por qualquer meio ou por interposta pessoa.» Daí resulta o que parece ser uma leitura do art.º 152º, nº 5 (parte final) do Código Penal que se afasta um pouco do seu sentido literal, no qual se lê, recorde-se, que o cumprimento da pena acessória «deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância»; com isso acolhendo aparentemente uma interpretação do preceito em congruência com o que consta do art.º 35º, nº 1 da Lei nº 112/2009, de 16/09: «o tribunal, com vista à aplicação das medidas e penas previstas nos artigos 52º e 152º do Código Penal (…) deve, sempre que tal se mostre imprescindível para a proteção da vítima, determinar que o cumprimento daquelas medidas seja fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância». Ora, este «deve, sempre que…» pode na verdade ser compreendido com o sentido de que, aplicando-se a pena acessória de proibição de contactos prevista pelo art.º 152º, nºs 4 e 5 do Código Penal, o tribunal impõe a fiscalização eletrónica, mas apenas se tal se mostrar imprescindível para a proteção da vítima (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, 5ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, 2022, pg. 671). Não terá, pois, sido esse o caso dos autos, já que, seja na fundamentação da sentença recorrida, seja no dispositivo, nada consta que permita concluir que a Sra. Juíza tenha considerado presente uma tal imprescindibilidade e que tenha determinado a apontada fiscalização eletrónica. Em suma, o recurso mostra-se destituído de objeto. 2.3.3 As quantias arbitradas às ofendidas Não se conforma o Arguido com as quantias de indemnização e reparação fixadas pela sentença recorrida, que tem por excessivas. Considera ele que a 1ª Instância considerou para a fixação dos valores o grau de culpabilidade do agente e as lesões sofridas, mas já não a sua modesta situação económica, como se impunha que tivesse feito. Acrescenta ainda que devia ter a 1ª Instância considerado que a Assistente não revela ter «receio, medo e temor» do Arguido, face aos contactos que com ele tentou estabelecer. Cumpre apreciar o recurso, na parte correspondente à indemnização fixada quanto à Assistente (e não já quanto ao valor de reparação arbitrado à menor CC, atenta a inadmissibilidade do recurso, nessa parte). Não põe o Arguido em causa a condenação propriamente dita a pagar a indemnização; questiona é o montante fixado, que considera excessivo. Vejamos então. A sentença recorrida condenou o Arguido a pagar à Assistente BB uma indemnização no valor de € 3.000,00. E fundamentou esse segmento decisório nos seguintes termos: «5. DO ARBITRAMENTO DE INDEMNIZAÇÃO REPARATÓRIA/PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL Determina o art.º 82.º-A do C. Processo Penal que: “1 - Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham. 2 - No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório. 3 - A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em acção que venha a conhecer de pedido civil de indemnização.” Uma vez que foi formulado pedido de indemnização cível pela assistente competirá apenas ao Tribunal sobre ele se pronunciar, não havendo lugar ao arbitramento de reparação quanto à assistente, mas tão-somente quanto à ofendida CC. De acordo com o princípio da adesão, previsto no art.º 71º do Código de Processo Penal, “o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado nos casos previstos na lei”, mais precisamente, no art.º 72º do Código de Processo Penal. O art.º 129º do Código Penal dispõe que a apreciação do pedido indemnizatório por perdas e danos causados por crime é efectuada de acordo com a lei civil. Assim, cumpre analisar os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos e verificar se, in casu, os mesmos se encontram preenchidos. Há, assim, que atender ao disposto no art.º 483º, n.º 1 do Código Civil, que regula os casos de responsabilidade civil extra - contratual por factos ilícitos. Este normativo determina que: “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. São pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos: a) A existência de um facto voluntário; b) E ilícito do agente; c) A ocorrência de um dano; d) A existência de um nexo de causalidade entre o dano e o facto; e) E, por último, a culpa do agente. No que concerne aos danos patrimoniais, estes são o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado: despesas e prejuízos causados pelo dano real. Abrange tanto o dano emergente - prejuízos causados em bens ou direitos já existentes à data da lesão - como o lucro cessante - benefícios que o lesado deixou de obter, mas a que ainda não tinha direito à data da lesão. Determina o n.º 1, do artigo 496º, do mesmo diploma legal, que: “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”. Os danos morais, ou prejuízos de natureza não patrimonial, correspondem ao chamado pretium doloris, ou ressarcimento da angústia, da dor física, da doença, ou do abalo psíquico-emocional resultante de uma situação de luto. A natureza compensatória da indemnização a arbitrar pressupõe que se tenha em conta não só o grau de culpabilidade do agente e a situação económica deste e do lesado, mas também, as demais circunstâncias do caso entre as quais se contam a gravidade do dano causado – a intensidade e duração da dor física ou psíquica, ou dos sentimentos negativos provocados – sob pena de se pôr em causa a sua seriedade e o respeito devido a quem o sofreu. Vejamos os factos: a) O arguido agiu de forma voluntária quando actuou da forma descrita nos factos que se dão como provados; b) Com a sua actuação atingiu a integridade física e psíquica das vítimas; c) Verificou-se a ocorrência de danos; d) Existe um nexo de causalidade entre o dano e o facto, pois não fora o facto o dano não ocorreria (causalidade adequada). e) A actuação do arguido é culposa. A culpa traduz-se num juízo ético-jurídico de censura dirigido àquele que praticou o acto lesivo, na medida em que, de acordo com a sua capacidade e as circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter actuado em conformidade com o Direito. Considerando as lesões sofridas pelos demandantes, não existem dúvidas que estes sofreram danos não patrimoniais imputáveis ao facto ilícito praticado e que merecem a tutela do direito (cfr. art.º 496.º, n.º 1 do Código Civil]. Assim, atentos os factos que se dão como provados e a objectiva gravidade de cada um deles, julga-se justificada a fixação da indemnização no valor de € 3.000,00 (três mil euros) quanto à assistente (…), improcedendo o demais peticionado. Assiste ainda aos lesados o direito a receber juros moratórios, relativamente aos valores arbitrados a título de danos não patrimoniais, contabilizados a partir da data da decisão, mercê da sua fixação de acordo com a equidade, compreendendo uma “avaliação reportada à data da decisão”, como definido pela Jurisprudência 4/2002 (DR I-A de 27.06.2002).» Aqui chegados, afigura-se-nos que a 1ª Instância enunciou com acerto o regime legal aplicável nesta matéria; e deu-lhe concretização no caso concreto em termos que, podendo ter assumido contornos um pouco mais explicativos, conceda-se, não deixa de cumprir suficientemente os deveres de fundamentação e ponderação dos fatores atendíveis. Repare-se nesta frase que consta da sentença recorrida e que verdadeiramente condensa o enunciado dos critérios que o Tribunal de 1ª Instância considerou serem os relevantes: «a natureza compensatória da indemnização a arbitrar pressupõe que se tenha em conta não só o grau de culpabilidade do agente e a situação económica deste e do lesado, mas também, as demais circunstâncias do caso entre as quais se contam a gravidade do dano causado – a intensidade e duração da dor física ou psíquica, ou dos sentimentos negativos provocados – sob pena de se pôr em causa a sua seriedade e o respeito devido a quem o sofreu.» (sublinhado nosso). Percebe-se portanto que a sentença recorrida assume que à fixação do valor indemnizatório preside a equidade e que esta não é sinónimo de arbitrariedade, radicando antes num juízo apoiado em critérios de adequação, de proporção e de ponderação prudente e racional de todas as circunstâncias do caso concreto, e nomeadamente a situação económica do agente (entre tantos outros, vide o Ac. da RP de 10/10/2024, relatado por Ana Vieira, in www.dgsi.pt; e vide ainda Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume I, 4ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, pg. 501). É certo que mais adiante no texto da decisão fica a perceção de que a 1ª Instância conferiu primazia à análise dos factos ilícitos perpetrados pelo Arguido e às suas consequências sobre a esfera da vítima. Mas em boa verdade esses são, com efeito, os aspetos centrais e de partida a atentar: a situação económica dos intervenientes e nomeadamente do Arguido desempenha aqui em larga medida um papel moderador, no sentido de garantir uma certa proporcionalidade aquando da quantificação do valor cuja obrigação de pagamento sobre aquele se fará incidir, e uma relação de justa medida entre, por um lado, a imperatividade de compensar a vítima do sofrimento que lhes foi infligido e, por outro, a necessidade de evitar uma onerosidade económica para o Arguido que fosse excessiva. Em todo o caso, esse papel moderador, ainda que de forma limitada, surge implicitamente afirmado na fundamentação da sentença recorrida, seja quando aí se faz alusão ao critério da «situação económica do agente», seja quando, a final, considera «justificada» a fixação do valor para que aponta. E na verdade, não vemos que dos factos resulte qualquer desajuste entre o valor arbitrado e aquilo que se apurou da situação económica do Arguido (já considerada ainda a obrigação de reparação fixada quanto à menor CC). Por outro lado, quanto à alegação de que a Assistente não revelava temor do Arguido, face às tentativas de contacto que com ele estabeleceu, é necessário ter em conta que essas tentativas de contacto não resultam dos factos dados como provados, face ao que atrás concluímos. De todo o modo, ainda que tivessem resultado provadas essas tentativas de contacto, daí e sem mais não resultaria necessariamente que pudéssemos inferir a ausência de temor por parte da Assistente em relação ao Arguido; a sentença recorrida contém aliás uma passagem que nos permitimos aqui recordar, embora com o risco de alguma, se bem que inofensiva, descontextualização: «(…) não esqueçamos que as pessoas são seres complexos, com sentimentos e pensamentos por vezes difíceis de explicar e até inexplicáveis, mas que nada disso retira a ilicitude dos factos praticados pelo arguido, poderá até aflorar a existência de uma dependência emocional não incomum nas vítimas de violência doméstica.» Em suma, não se vê que tenha havido exagero por parte da 1ª Instância na fixação da quantia para que apontou, sendo certo, acrescente-se, que é de recusar uma abordagem miserabilista na reparação do sofrimento causado, que em boa verdade desrespeitaria o direito das vítimas à reparação em si mesma. De resto, basta percorrer os olhos pelos factos enunciados como provados, sob uma luz empática para com o sofrimento da vítima, para se perceber quão deslocado é o inconformismo que o Arguido revela a propósito do valor arbitrado. * 3 – DISPOSITIVO Pelo exposto, acorda-se: 3.1 Em não admitir o recurso, na parte correspondente ao valor de reparação arbitrado à menor CC; 3.2 Em negar, no mais, provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida. * Custas pelo Arguido, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) unidades de conta [arts. 513º, nºs 1 e 3 e 514º, nº 1 do Código de Processo Penal, e 8º, nº 9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III a este anexa]. Registe e notifique. Lisboa, 24 de abril de 2025 Os Juízes Desembargadores (processado pelo Relator e por todos revisto) Jorge Rosas de Castro Rosa Maria Cardoso Saraiva Paula Cristina Bizarro |