Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MICAELA SOUSA | ||
Descritores: | CONTRATO DE ALUGUER AFIXAÇÃO DE PUBLICIDADE OUTDOORS REGIME GERAL DA LOCAÇÃO NORMAS NÃO APLICÁVEIS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/28/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1 - O contrato mediante o qual as partes acordam no gozo de duas estruturas de outdoors para afixação de publicidade, mediante uma retribuição mensal deve ser qualificado como contrato de aluguer, a que se aplica o regime geral da locação. 2 – As normas dos artigos 1054º, 1055º e 1056º do Código Civil que regem sobre a renovação do contrato, a oposição à renovação e a renovação de facto têm como campo de aplicação o arrendamento, não sendo aplicáveis ao aluguer. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I – RELATÓRIO A , com domicílio à Rua Infante D. Henrique, Quinta das Laranjeiras - Fernão Ferro, Seixal deduziu procedimento injuntivo contra B, com domicílio à Avenida da Boavista, Porto solicitando a notificação desta para proceder ao pagamento da quantia de 6.642,00€ a título de capital, €466,21 a título de juros de mora e €102,00 relativos a taxa de justiça paga. Alegou, muito em síntese, o seguinte: Ø A ré contratou à autora a prestação de serviços no âmbito da actividade por esta desenvolvida de publicidade exterior, nomeadamente outdoors, painéis publicitários e impressão digital e outros, tendo celebrado o contrato n.º 1321, com início em 1 de dezembro de 2018 e termo em 30 de novembro de 2019, com renovações sucessivas e automáticas por iguais períodos e nas condições nele previstas; Ø No âmbito desse contrato foram emitidas diversas facturas, no valor de 553,50€ cada uma, tendo a requerida sido interpelada para as pagar, o que não fez, estando em dívida a quantia de 6 642,00 €, a que acrescem os juros de mora. No preenchimento do requerimento de injunção a requerente consignou à frente da indagação “Obrigação emergente de transacção comercial?” a expressão “Sim”. A requerida deduziu oposição em que aduziu o seguinte (cf. Ref. Elect. 31385814): => Nega que entre as partes tenha sido celebrado o contrato n.º 1321, tendo apenas existido uma relação comercial, que foi revogada unilateralmente pela requerida, em 13 de Novembro de 2020, com efeitos a 30 de Novembro de 2020, conforme lhe era permitido; => A requerida devolveu as facturas emitidas posteriormente a esta data; => Impugna o demais alegado na petição inicial, referindo desconhecer o contrato alegado e as condições que nele teriam sido vertidas, aditando que o único contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes foi contratualizado via email, em 8 Novembro de 2018, onde o designer da B refere que confirma a proposta de outdoors, tendo em 9 de Novembro de 2018 o Sr. BM, funcionário da requerente, pedido o nome, NIF e morada da empresa para facturar o serviço adjudicado, contrato já concluído; => A requerida deixou de explorar o estabelecimento comercial SPAR Ermidas do Sado, local onde a publicidade se encontrava instalada, pelo que deixou de ter interesse nos serviços contratados, nada sendo devido a esse título. Pugna, assim, pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido. Em 16 de Fevereiro de 2022 foi proferido despacho que convidou a requerente a apresentar requerimento de aperfeiçoamento em que concretizasse as prestações acordadas entre as partes, a sua duração, a forma de fixação do preço dos serviços prestados, os concretos serviços prestados e a forma de pagamento acordada, convite a que aquela acedeu, em 25 de Fevereiro de 2022, tendo alegado que o contrato n.º 1321, constitui um contrato de aluguer mensal de duas estruturas de outdoor na dimensão 8x3m, que deu lugar à emissão das facturas peticionadas, enviadas à requerida, que as não pagou; mais referiu que apesar de não terem assinado contrato, este foi enviado à requerida, que respondeu através de email a aceitar o serviço e a indicar a data do seu início; o prazo de denúncia é de 60 dias antes do fim do contrato, sendo que este se renovou automaticamente. Concluiu como no requerimento inicial e pediu também a condenação da requerida como litigante de má fé, porquanto aceitou as condições do serviço peticionado e vem alegar que não celebrou o contrato (cf. Ref. Elect. 413136449 e 31807710). Por requerimento de 9 de Março de 2022 a requerida sustentou que a requerente não sanou as imprecisões apontadas no despacho de 16 de Fevereiro de 2022, refutou que tenha celebrado o contrato indicado e impugnou o documento junto como documento n.º 2, reiterando que denunciou a relação comercial estabelecida e a que se reporta a mensagem de correio eletrónico de 8 de Novembro de 2018, única estabelecida com a autora; mais impugnou o pedido de condenação como litigante de má fé (cf. Ref. Elect. 31918240). Realizada a audiência final, em 7 de Julho de 2022 foi proferida sentença que julgou a acção procedente e condenou a ré a pagar à autora o valor de 6 642,00 € (seis mil seiscentos e quarenta e dois euros), acrescido de juros de mora, à taxa comercial, contados desde o dia seguinte da data de vencimento de cada uma das facturas descritas em 8. da matéria de facto provada, até efectivo e integral pagamento, absolvendo-a do pedido de condenação por litigância de má fé (cf. Ref. Elect. 417102161). Inconformada com tal decisão, a ré, em 3 de Outubro de 2022, interpôs o presente recurso concluindo as respectivas alegações do seguinte modo (cf. Ref. Elect. 33753455): A. A douta sentença de fls. não poderá manter-se, porquanto se sustenta em conclusões que, no entender desta, são infundamentadas, e até mesmo contraditórias com a prova produzida nos autos, quer documentalmente, quer através das testemunhas em sede de Audiência de Julgamento e consubstancia uma solução que viola os preceitos legais e os princípios jurídicos aplicáveis, afigurando-se como injusta e não rigorosa. DA NULIDADE DA SENTENÇA B. A Sentença do Tribunal a quo condenou a Ré / Recorrente num objeto diverso daquele que foi pedido pela Autora/Recorrida na sua Petição Inicial (requerimento de injunção). C. Na sua Petição Inicial (requerimento de injunção) a Autora refere que foi celebrado o Contrato n.º 1321 entre as Partes, com início em 01 de dezembro de 2018 e termo em 30 de novembro de 2018, pelo qual foram contratados diversos serviços pela Ré à Autora, afirmando que foram emitidas diversas faturas que não terão sido pagas pela Ré (assunto a que se voltará) referentes ao Contrato n.º 1321, pelo qual foram contratados diversos serviços. D. Na sua Petição Inicial aperfeiçoada, após Despacho do Tribunal a quo que concluiu pela insuficiência e imprecisões na exposição dos factos no requerimento inicial, a Autora manteve a tese da contratação do Contrato n.º 1321, pugnando, mais uma vez, pelo pagamento das faturas referente a este Contrato. E. Para decidir pela condenação no pagamento das faturas que a Autora alegou estarem em falta, a sua sustentação, o Tribunal teria que residir na existência e celebração do Contrato n.º 1321 entre as Partes – que desde sempre foi impugnado pela Ré / Recorrente. F. apenas após dar como provado o Contrato n.º 1321, o douto Tribunal a quo, se assim o entendesse, poderia condenar a Ré, como fez – na condenação pelas faturas emitidas pela Autora. G. na Sentença ora recorrida é dado como não provada a celebração do Contrato n.º 1321 – que sustentava o pedido da Autora, não obstante, e de forma incompreensível, ao mesmo tempo que, o Tribunal a quo reconhece a existência de um outro Contrato que não o alegado pela Autora (o n.º 1321), condena a Ré no pagamento de faturas que surgem na sequência desse mesmo Contrato n.º 1321.! H. O Tribunal a quo não poderá conhecer de outras questões que não aquelas que lhe são colocadas pelas Partes, com ênfase, principalmente, na causa de pedir tendo em consideração a forma como a Autora formulou o seu pedido – o pagamento das faturas com base num Contrato específico, o n.º 1321, no entanto conheceu de questões que não lhe foram colocadas, como a existência de um outro Contrato entre as Partes, que não foi alegado pela Autora, e ao qual qualificou de locação – algo que as Partes também não o fizeram – e com base neste “novo Contrato” condenou a Ré a pagar faturas relativas a um outro Contrato! I. A decisão do Tribunal a quo abrange matéria distinta daquela que lhe foi pedida para julgar, violando, com a sentença ora recorrida, o n.º 1 do artigo 609.º e a alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º, ambos do CPC. J. O Tribunal da Relação de Évora, em Acórdão datado de 19/12/2019 e relatado pelo Exmo. Sr. Desembargador Vítor Sequinho (disponível in dgsi.pt) julgou que “Alegando o autor, como causa de pedir, a celebração de um contrato de compra e venda com o réu e o incumprimento parcial da obrigação de pagamento o preço por parte deste, se não se provar a celebração daquele contrato (…), está vedado, ao tribunal, condenar o réu no pagamento da quantia peticionada (…)” (sublinhado ora aposto). K. Decidindo, por isso, claramente em objeto diverso do pedido, motivo pelo qual deverá ser a sentença a quo considerada nula. DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO: L. Na sentença de que ora se recorre, entendeu o Meritíssimo Juiz a quo ignorar os factos sobre os quais depuseram as testemunhas havendo contradição entre factos provados e factos não provados, ou simplesmente impossibilidade de dar como provados factos que foram dados como provados. DOS FACTOS PROVADOS M. Nos termos do artigo 640.º do CPC, a Recorrente insurge-se, também, contra a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida. Na douta sentença objeto do presente recurso, foram considerados como provados os seguintes factos: […] FACTOS PROVADOS N. Tendo estabelecido como factos não provados: FACTOS NÃO PROVADOS […] O. A Recorrente concorda com os factos provados 1, 2, 6, 7 e 8 da sentença do douto Tribunal a quo, e com os factos não provados A e B, não podendo, no entanto, concordar com os factos provados 3, 4 e 5 porquanto tais factos provados, salvo o devido respeito, não se coadunam com os meios probatórios constantes do processo, nomeadamente da gravação da audiência de julgamento (prova testemunhal), conforme se irá demonstrar nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, assim como com a prova documental. Ponto de facto 3 dado como provado: P. O Tribunal a quo deu como facto provado que “No âmbito da actividade prestada pela requerente, em Novembro de 2018, a requerida contratou com aquela, pelo período de um ano, o aluguer de duas estruturas de outdoor na dimensão 8x 3 m, na zona de Ermidas do Sado, com serviço de colocação dos outdoors, pelo valor de 553,50€ mensais.” – v. ponto 3. da secção II “FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO” da sentença. Q. Ao considerar tal facto como provado, implica, desde logo, quatro premissas: 1) que tenha sido contratado o serviço por um prazo certo de um ano; 2) que o serviço se tenha iniciado em novembro de 2018; 3) tenha sido acordado um prazo de renovação; 4) que tenha sido contratado um aluguer. R. A Autora invoca e baseia toda a sua ação, conforme resulta da Petição Inicial – injunção – e na Petição aperfeiçoada (que mais não é do que a cópia do requerimento de injunção) na prestação de serviços no âmbito do contrato n.º 1321, com início em 1 de dezembro de 2018 e termo em 30 de novembro de 2019, conforme infra transcrito: “No âmbito da actividade prestada pela Requerente, a Sociedade com o NIPC 506175812, B, com sede na Avenida da Boavista, Porto contratou diversos serviços, os quais foram devidamente prestados pela aqui requerente”. “Entre as partes foi celebrado contrato n.º 1321, com início em 1 de dezembro de 2018 e termo em 30 de novembro de 2019, com renovações sucessivas e automáticas por iguais períodos e nas condições nele previstas”. S. O Tribunal a quo, em 16 de Fevereiro de 2022, por Despacho com a referência 413136449 determinou, inclusive, que a Petição Inicial padecia de insuficiências e imprecisões na exposição da matéria de facto alegada, nomeadamente omitindo a alegação dos aspetos mais relevantes do Contrato celebrado entre as Partes, nomeadamente, as prestações acordadas entre as Partes, a sua duração, a forma de fixação do preço dos serviços prestados, os concretos serviços prestados à Requerida e a forma de pagamento acordada, sendo tais factos os que fundamentam a causa de pedir invocada. T. A própria Autora nas suas peças processuais afirma ter sido celebrado um contrato prevendo a prestação de diversos e com início em Dezembro de 2018. U. Refere a Autora que o Contrato dado como não provado tinha sido celebrado pelo prazo de 1 ano, com renovações sucessivas e automáticas por iguais períodos, não existindo Contrato não pode ser dado como provado o prazo de contratação como expresso no ponto 3 dos factos provados. V. A douta sentença refere que o facto 3) dos factos provados decorreu do teor dos depoimentos testemunhais de VM (funcionária da Autora) e de JB (funcionária da Ré), considerando que quanto a estas prestações contratuais a que as Partes se vincularam, o Tribunal entendeu que os testemunhos foram unânimes, tendo os seus depoimentos se complementado, o que não se pode concordar! W. No que concerne à concreta data de celebração do contrato, o Tribunal não conseguiu concretizar a data em que as Partes terão chegado a acordo quanto às prestações contratuais a que se vincularam, mas não teve dúvidas de que o contrato (que não o invocado na Petição Inicial) terá sido contratado em Novembro de 2018 (atentas as datas dos e-mails trocados por AC e BM (juntos a fls. 12 e ss). X. Ou seja, o Tribunal a quo consegue afirmar a duração de um putativo Contrato, a sua duração, quando se operaram as renovações, mas não consegue indicar quando terá começado! Y. Na douta Sentença recorrida é dado como provado que o Contrato terá sido iniciado em novembro de 2018, quando, quer nas peças processuais da Autora, como no testemunho da colaboradora da Autora é unanimemente referido que os serviços começaram a ser prestados em dezembro de 2018 – como aliás, resulta das faturas juntas em sede de audiência, que se iniciam em dezembro de 2018, não tendo sido cobrado qualquer valor referente a novembro de 2018. Z. Analisando os testemunhos produzidos em sede de Audiência de Julgamento, cumpre primeiro referir que a testemunha da Autora, VM, tal como o nome indica, é filha do dono e gerente da Autora, pelo que o seu testemunho está naturalmente condicionado, não sendo naturalmente imparcial, pois tem interesse na causa, e não poderá ser valorado como prova, resultando igualmente que a testemunha não teve qualquer intervenção na contratação com a Ré, pelo que todo o seu testemunho é inócuo, não passando de testemunho indireto e não poderá ser sequer valorado, sendo que, como a própria testemunhou, a sua intervenção direta foi, única e exclusivamente, relacionada com a faturação (e o seu processamento) e a receção da denúncia do Contrato. AA. A única coisa que pode ser apreciado é que não foi celebrado o Contrato que é peticionado na Petição Inicial, sendo desconhecidas as contraprestações acordadas, para além do que consta dos e-mails trocados por AC e BM (juntos a fls. 12 e ss). BB. Isto mesmo se retira transcrevendo as declarações prestadas pela testemunha da Autora, a Senhora VM, prestadas no dia 28 de junho de 2022 [todas retiradas do ficheiro com o nome “20220628142456_20325058_2871182”, quando questionada pelo mandatário da Ré sobre qual a sua intervenção direta na contratação do serviço entre Autora e Ré, a mesma perguntada pela intervenção neste cliente responde que: Advogado da Ré: Em concreto qual a sua intervenção direta? Resposta da Testemunha: “A nível de faturação sou eu que faço sempre os processamentos de toda a facturação (…) O que aconteceu é que quando o cliente – a B – pretendeu fazer a rescisão foi para mim que me enviou” (início minuto 10:12 – e fim minuto 10:52), respondendo posteriormente como não tendo tido nenhuma intervenção na fase de inicial/de negociação do Contrato (início minuto 11:00 – e fim minuto 11:07) Pergunta do Advogado da Ré: Na elaboração de qualquer contrato que possa ter existido a senhora não teve qualquer intervenção? Resposta da testemunha: exatamente, apenas na faturação. CC. Destas declarações retiram-se conclusões significativas: (i) a testemunha não teve qualquer participação na contratação entre as Partes; (ii) a testemunha não assistiu às negociações nem as conhecia; (iii) a testemunha não consegue afirmar, com certeza, o que foi negociado e acordado entre as Partes, nomeadamente a duração do Contrato. DD. Concretamente quanto à duração do Contrato, a testemunha VM, quando questionada sobre o que sabia deste Contrato em específico, deu uma resposta vaga, sem precisar o caso concreto, apenas remetendo à política habitual da Autora: Testemunha VM: “há clientes que podem contratualizar durante três meses e serem renováveis por esse período, há outros que podem ser seis…até ao anual. Neste caso julgo que seria mesmo anual o contrato porque ele chegou a ser renovado automaticamente” (início minuto 03:57 – e fim minuto 04:14) EE. A convicção da testemunha que não participou na contratação de que o Contrato teria uma duração inicial de um ano baseia-se num “julgo que seria mesmo anual… porque chegou a ser renovado automaticamente”, não se percebendo, com o devido respeito, onde nesta afirmação se retira que a testemunha sequer tinha alguma segurança quando afirma que o Contrato teria a duração de 1 ano, quando não foi negociado com a mesma. FF. De igual forma um contrato celebrado por um mês, três meses ou seis meses renova-se automaticamente e daí não se retira qual a sua duração inicial. GG. Até porque o prazo de renovação não tem que ser, necessariamente, igual ao prazo de duração do contrato que lhe é subjacente. HH. Ainda assim, para o Tribunal a quo o facto provado n.º 3) foi dado como provado decorrente do teor do depoimento desta testemunha cujo testemunho aliás foi, no entender do Tribunal “unânime” face ao testemunho prestado pela testemunha da Ré JB, que também não participou na contratação. questionada pela Exma. Sra. Juiz sobre se sabia a duração do Contrato a testemunha respondeu claramente: Testemunha JB: “não, não sei, não faço ideia” (cfr. ficheiro com o nome “20220628145827_20325058_2871182”, início minuto 13:48 – e fim minuto 13:53), o que foi reforçado posteriormente quando questionada sobre se sabia por quanto tempo havia sido adjudicado o serviço e a existência de renovações, ao que respondeu “Não tenho conhecimento” (início minuto 14:12 – e fim minuto 14:19) Em suma, a testemunha da Autora “julgava” que o contrato teria a duração inicial de um ano “porque renovou” e a testemunha da Ré afirmou não ter qualquer conhecimento sobre a duração do Contrato. II. No entanto, para o douto Tribunal a quo estes testemunhos “foram unânimes, tendo os seus depoimentos se complementado” dando como provada a duração de um ano, o que não se pode aceitar, porquanto não é feita qualquer prova séria e segura desse facto. JJ. O Tribunal a quo refere que o Contrato foi acordado por dois funcionários, um da Autora e outro da Ré, que não foram ouvidos: pelo que não pode depois dar como provado: “apenas se tendo provado que as partes contrataram o que ficou descrito no ponto 3) da matéria de facto provada – negociação essa que foi realizada entre dois funcionários um da Autora e outro da Ré, que não foram inquiridos em sede de audiência de discussão e julgamento, sendo impossível concluir o ponto 3 dos factos provados”. KK.O próprio Tribunal admite que apenas estes poderiam provar o que foi acordado entre as Partes, nomeadamente o prazo, para depois dar como provado um facto que refere não poder dar como provado, e que de forma alguma os testemunhos produzidos em sede de Audiência de Julgamento o suportam! LL. A prova existente nos autos é contrária ao facto dado como provado, visto que nenhuma das testemunhas consegue afirmar, com segurança, qual a duração inicial do Contrato. MM. Pelo que, deverá dar-se como não provado que “em novembro de 2018, a requerida contratou com aquela, pelo período de um ano”. Ponto de facto 4 dado como provado: NN. Estabeleceu o Tribunal como facto provado que “a Requerente procedeu à impressão e colocação dos outdoors (com imagem fornecida pela requerida) nas duas estruturas alugadas, em Novembro de 2018.” – v. ponto 4. Da secção II “FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO” da sentença. OO. Ao considerar tal facto como provado, implica, que o Contrato tenha iniciado em novembro de 2018, quando a própria Autora refere, na sua Petição Inicial que teria iniciado em dezembro de 2018.Uma coisa é ser dado como provado quando foi celebrado, outra é quando o mesmo se iniciou e certamente que não foi em novembro de 2018! PP. Assim, a prova existente nos autos, assim como o alegado pela Autora e afirmado pela testemunha da própria Autora é contrária ao facto provado, não podendo o tribunal a quo sustentar tal facto, levando-o a dar tal facto como provado. QQ. Conforme resultou de prova documental, através das faturas juntas em Audiência de Julgamento, a primeira fatura que surge relacionada com os serviços prestados pela Autora à Ré é de dezembro de 2018, relacionada com esse exato mês, inexistindo qualquer cobrança de valores referentes a novembro de 2018, porquanto, nesse mês, não existia qualquer relação contratual entre as Partes, nem foi prestado qualquer serviço, sendo que os serviços prestados pela Autora à Ré apenas se iniciaram em dezembro de 2018. RR. não foi contratado o aluguer de duas estruturas, mas sim a prestação de um serviço que incluía a colocação de duas publicidades em dois outdoors, pelo que, deverá dar-se como provado que “A Requerente procedeu à impressão e colocação dos outdoors (com imagem fornecida pela requerida) nas duas estruturas, em dezembro de 2018”. Ponto de facto 5 dado como provado: SS. Estabeleceu o Tribunal como facto provado que “Em Novembro de 2019 o contrato referido em 3) manteve-se por mais um ano, tendo a requerente mantido os outdoors referidos em 4) nas duas estruturas de outdoor na dimensão 8x 3 m, e a requerida continuou a pagar-lhe mensalmente o valor de 553,50€. “ TT. Uma vez que não pode ser dado como provado que o Contrato tinha uma periodicidade anual, pelos motivos já transcritos supra, deverá ficar como provado que “o contrato referido em 3) iniciou em dezembro de 2018 e manteve- se até 30 de novembro de 2020, data em que a Ré denunciou o contrato para o seu termo. DOS FACTOS NÃO PROVADOS UU. Da douta sentença resultaram como factos não provados os constantes das alíneas A e B da secção II “Factos não provados” da sentença, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. VV. O facto de ser dado como não provada a existência do Contrato n.º 1321, alegado como existente pela Autora e pelo qual esta reclamava o incumprimento da Ré, invalida toda a procedência da ação intentada pela Autora, porquanto a causa de pedir da mesma é baseada na existência do referido Contrato, tendo as referidas faturas sido emitidas ao abrigo e pelas condições do mesmo. WW. Ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal a quo, refere que “do teor dos depoimentos testemunhais de VM (funcionária da Autora) e de JB (funcionária da Ré), que quanto a estas prestações contratuais, a que as Partes se vincularam, foram unânimes, tendo os seus depoimentos se complementado”, o que não se pode aceitar, no entanto “o Tribunal não conseguiu concretizar a data em que as Partes terão chegado a acordo quanto às prestações contratuais a que se vincularam”. XX. quanto às prestações contratuais acordadas refere que a “negociação essa que foi realizada entre dois funcionários um da Autora e outro da Ré, que não foram inquiridos em sede de audiência de discussão e julgamento”. Assim era impossível ao Tribunal determinar quais as prestações acordadas e não pode ser dado como provado que o Contrato foi celebrado por um prazo de 1 ano. YY. no caso concreto, conforme demonstrado nenhum dos intervenientes da celebração do Contrato testemunhou, resultando dos testemunhos prestados que nenhuma das testemunhas interveio na negociação nem sabe o que lá foi discutido, nem nenhuma das testemunhas arroladas conseguiu afirmar, com certeza e segurança, a duração do Contrato. Nestes termos, nunca poderia o Tribunal a quo, por convicção, ter retirado a conclusão de que o Contrato tinha sido celebrado por 1 ano. IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO ZZ. A Recorrente não pode concordar, nem conformar-se com o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo, nem com a sua condenação. AAA. Conforme já supra exposto, por Despacho com a referencia 413136449 o Tribunal a quo determinou que a Petição Inicial (requerimento de injunção) padecia de insuficiências e imprecisões na exposição da matéria de facto alegada, nomeadamente omitindo a alegação dos aspetos mais relevantes do Contrato celebrado entre as Partes, nomeadamente, as prestações acordadas, a sua duração, a forma de fixação do preço dos serviços prestados, os concretos serviços prestados à Ré a forma de pagamento acordada, sendo tais factos os que fundamentam a causa de pedir invocada (ainda que defeituosamente). BBB. Por requerimento de 25 de fevereiro de 2022, a Autora reitera toda a exposição efetuada no Requerimento de Injunção, ou seja, salvo melhor opinião, a Autora, no seu aperfeiçoamento, até ao artigo 14.º, não sana as insuficiências e imprecisões, relegando alguns dos factos para um alegado Contrato que nunca foi celebrado. CCC. Na sua Petição Aperfeiçoada, a Autora limita-se a repetir, na íntegra e sem quaisquer desenvolvimentos, os argumentos esgrimidos no seu Requerimento Inicial de Injunção, decidido pelo Tribunal como insuficiente. DDD. Por esta razão, não se entende como pôde o Tribunal entender que, por um lado, a Petição Inicial padecia de insuficiências e imprecisões na exposição da matéria de facto alegada, nomeadamente omitindo a alegação dos aspetos mais relevantes do Contrato celebrado entre as Partes, e, por outro lado, condenar a Ré com base nesses mesmos factos insuficientes e imprecisos, que, aliás, suportavam a existência de um Contrato que foi dado como não provado. EEE. Assim, deveria a Ré ser absolvida, desde logo, do pedido. Da qualificação jurídica da relação entre as Partes e a sua cessação, FFF. Na Petição Inicial a Autora refere expressamente que “no âmbito da actividade prestada pela Requerente, a Sociedade com o NIPC 506175812, B, com sede na Avenida da Boavista, Porto contratou diversos serviços, os quais foram devidamente prestados pela aqui requerente”. GGG. Tratando-se de uma prestação de serviços, como a Autora bem o refere, nas suas “duas Petições Iniciais”, a revogação unilateral do Contrato de prestação de serviços é consentida pela lei, face ao preceituado no artigo 1170.º do Código Civil (adiante, CC), aplicável por via do disposto no artigo 1156.º do CC. HHH. A Ré revogou livre e unilateralmente, de acordo com a lei, o Contrato de prestação de serviços existente entre as Partes, cessando o mesmo a sua vigência em dia 30 de novembro de 2020, não estando mais as Partes obrigadas ao seu cumprimento após essa data. III. A revogação de um contrato de prestação de serviços é livremente exercida por qualquer das partes (cf. artigo 1170.º do CC), efetuada por simples declaração à Parte contrária, não carecendo de ser confirmada ou ratificada por sentença judicial, nem de aceitação pela parte do destinatário para a produção dos seus efeitos, tornando-se eficaz logo que chegue ao poder do destinatário ou seja dele conhecida, pelo que é forçoso concluir que a revogação do Contrato operou em 30 de novembro de 2020, data em que cessou a prestação de serviços de publicidade que a Autora prestava à Ré. JJJ. A Autora não poderia continuar a prestar quaisquer serviços, e se continuou após a receção da denúncia do Contrato pela Ré, a si devem ser imputados os custos que teve com essa prestação, porquanto a Ré foi peremptória ao afirmar que não pretendia mais aqueles serviços. KKK. Tendo o contrato findado, a Autora fundamenta toda a ação assente num pressuposto fáctico que não se verifica, o de que o Contrato de prestação de serviços continuava em vigor e que, por isso, a Ré estaria obrigada a cumpri-lo, realizando a prestação pecuniária contratualmente estipulada, o que não se pode aceitar. LLL. No limite, e apenas por uma questão de raciocínio jurídico, a Autora poderia peticionar pela quebra do Contrato pela Ré, o que mesmo assim não se aceita, mas nunca pela existência de um Contrato que havia sido denunciado. MMM. Em suma, deve dar-se como provado que entre as Partes foi celebrado um Contrato de Prestação de Serviços, com início em dezembro de 2018 e termo em 30 de novembro de 2020, após denúncia eficaz por parte da Ré, deixando a Autora de estar obrigada à prestação dos serviços, e se o fez, a si devem ser imputados esses custos. Mesmo que assim não se entenda, o que apenas por dever de patrocínio se concebe, NNN. Admitindo, o que não se aceita, que a relação jurídica entre as Partes era subsumível às regras da locação, como entendeu o Tribunal a quo (art.ºs 1022.º e ss do CC), a denúncia pela Ré sempre iria operar, ou seja, neste caso, após a denúncia pela Ré, caso se concluísse pelo desrespeito por algum eventual período de pré-aviso – o que não se concorda – a consequência por esse incumprimento sempre deveria ser o pagamento correspondente ao período em falta do pré-aviso e nunca o pagamento correspondente ao período em falta até ao termo do Contrato! OOO. É clara a lei e a jurisprudência quando refere que a inobservância da antecedência da denúncia não obsta à cessação do contrato, mas obriga ao pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta. PPP. A título exemplificativo veja-se no regime do arrendamento (que difere da locação apenas por estarem em causas bens imóveis, em detrimento de bens móveis) o artigo 1098.º n.º 6 do CC, pelo qual a oposição a inobservância do período de pré-aviso não obsta à cessação do contrato, mas impõe, apenas, o pagamento dos montantes correspondentes ao período de pré-aviso em falta. QQQ. A denúncia, ainda que exercida com desrespeito pelo período de pré-aviso, terá sempre efeitos extintivos da relação contratual entre as Partes – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 17/04/2012 e relatado pelo Exmo. Sr. Desembargador Barateiro Martins (disponível in dgsi.pt), no mesmo sentido andou o Tribunal da Relação de Lisboa, mais recentemente, em Acórdão datado de 23/23/2021, relatado pelo Exmo. Sr. Desembargador Luís Filipe Sousa (disponível in dgsi.pt) “Tal como se indicou a propósito da ilicitude da denúncia, a resolução exercida de modo ilícito, por via de regra, produz de imediato o efeito extintivo (…)”. RRR. Pelo que, mesmo que se conclua que a Ré/Recorrente não respeitou um qualquer prazo de pré-aviso (o que não se aceita), não poderá ser condenada no pagamento correspondente a um ano (prazo não estabelecido e não provado nem documentalmente nem testemunhalmente) de prestações de serviços, quando havia denunciado eficazmente o Contrato. Quanto à duração do Contrato, SSS. Seguindo o raciocínio jurídico seguido pelo Tribunal, com o qual não se concorda, as Partes terão celebrado um Contrato de locação e, sem quaisquer factos ou testemunhos que o suportassem, o Contrato teria a duração inicial de um ano, com início em novembro de 2018. TTT. Ora, quanto ao início em novembro de 2018 já a Ré deixou exposto supra que tal não corresponde à verdade, porquanto os serviços começaram a ser prestados apenas em dezembro de 2018, data de início do Contrato. UUU. Já quanto à duração do mesmo, na falta de Contrato escrito de um putativo contrato de locação, a lei possui critérios supletivos para determinar a sua duração. VVV. Nos termos do artigo 1026.º do CC, na falta de estipulação, entende-se que o prazo de duração do Contrato é igual à unidade de tempo a que corresponde a retribuição fixada, porquanto dúvidas não restam que foi fixada uma retribuição mensal pelo serviço/aluguer – como resulta, desde logo, das faturas mensais emitidas pela Autora à Ré. WWW. o critério do prazo supletivo do artigo 1026.º do CC, não poderia ser dado como provado um prazo de 1 ano, sem qualquer suporte, mas sim que o putativo Contrato de locação teria uma duração mensal, e renovar-se-ia mensalmente. XXX. A sua duração e renovações mensais não obsta a que o Contrato dure 1 ou mais anos, como afirmado pela testemunha da Autora, desde que não seja denunciado, renovar-se-á eternamente, obtendo uma duração indeterminada, até que uma das Partes o faça cessar. YYY. Tendo o Contrato (com duração e renovações mensais) sido denunciado no dia 13 de novembro de 2020 para 30 de novembro de 2020, o mesmo cumpriu o prazo exigido para a denúncia, tanto mais que é suficiente avisar com um terço do prazo (10 dias) de duração inicial (30 dias) do contrato ou da sua renovação (30 dias), tratando-se de prazo inferior a três meses (contrato mensal), de acordo com a alínea d) do n.º 1 do artigo 1055.º do CC. ZZZ. mesmo entendendo-se como sendo um contrato de locação, a denúncia/oposição sempre teria operado, não podendo o Autor rejeitar a denúncia e a mesma só operar no ano seguinte, tanto mais que, mesmo que fosse incumprido o prazo de pré-aviso, sempre seria devida a indemnização pela falta do pré-aviso, se a mesma tivesse sido peticionada nos autos, o que não foi. AAAA. não poderia a Ré ser condenada no pagamento de rendas mensais de um Contrato de denunciou eficaz e atempadamente. Termina pedindo a declaração de nulidade da sentença e a sua substituição por outra que absolva a ré do pedido. Em 10 de Janeiro de 2023 foi proferido despacho que admitiu o presente recurso de apelação, com efeito meramente devolutivo (cf. Ref. Elect. 421779117). Remetidos os autos a esta Relação verificou-se que em 9 de Fevereiro de 2023 veio a autora/recorrida apresentar contra-alegações suscitando a falta de conclusões, por as apresentadas constituírem apenas a reprodução das alegações e, no mais, pugnando pela improcedência do recurso (cf. Ref. Elect. 619062). Por requerimento de 22 de Fevereiro de 2023, a ré/recorrente veio suscitar a extemporaneidade das contra-alegações, requerendo o seu desentranhamento (cf. Ref. Elect. 620985). Em 16 de Março de 2023 ora relatora proferiu despacho em que considerou a apresentação das contra-alegações extemporânea, dando-as por ineficazes (cf. Ref. Elect. 19771754). * II – OBJECTO DO RECURSO Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil[1], é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95. Assim, perante as conclusões da alegação da ré/recorrente há que apreciar as seguintes questões: a) A nulidade da sentença; b) A impugnação da matéria de facto; c) A obrigação da ré proceder ao pagamento da quantia reclamada no contexto da relação contratual vertida nos autos. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. * III - FUNDAMENTAÇÃO 3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO Na primeira instância foram considerados provados os seguintes factos: 1. A autora é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de publicidade exterior, nomeadamente outdoors, painéis publicitários e impressão digital, entre outros. 2. A ré é uma sociedade comercial que se dedica ao comércio a retalho em supermercados e hipermercados, entre outros. 3. No âmbito da actividade prestada pela requerente, em Novembro de 2018, a requerida contratou com aquela, pelo período de um ano, o aluguer de duas estruturas de outdoor na dimensão 8x 3 m, na zona de Ermidas do Sado, com serviço de colocação dos outdoors, pelo valor de 553,50 € mensais. 4. A requerente procedeu à impressão e colocação dos outdoors (com imagem fornecida pela requerida) nas duas estruturas alugadas, em Novembro de 2018. 5. Em Novembro de 2019 o contrato referido em 3. manteve-se por mais um ano, tendo a requerente mantido os outdoors referidos em 4. nas duas estruturas de outdoor na dimensão 8x 3 m, e a requerida continuou a pagar-lhe mensalmente o valor de 553,50 €. 6. Em 13 de Novembro de 2020, a requerida enviou à requerente uma missiva, recebida pela autora em 16/11/2020, onde lhe comunicava a “denúncia do contrato” com efeitos a partir de 30 de Novembro de 2020. 7. Após ter recebido a missiva referida em 6., a requerente não aceitou a denúncia do contrato e manteve os outdoors referidos em 4. nas duas estruturas de outdoor na dimensão 8x 3 m, por mais um ano. 8. E procedeu à emissão das seguintes facturas no valor de 553,50 €, cada uma: - N/Factura 34097 01.12.2020, vencida em 31.12.2020 - N/Factura 34152 01.01.2021, vencida em 31.01.2021 - N/Factura 34198 01.02.2021, vencida em 03.03.2021 - N/Factura 34257 01.03.2021, vencida em 31.03.2021 - N/Factura 34326 01.04.2021, vencida em 01.05.2021 - N/Factura 34390 01.05.2021, vencida em 31.05.2021 - N/Factura 34448 01.06.2021, vencida em 01.07.2021 - N/Factura 34518 01.07.2021, vencida em 31.07.2021 - N/Factura 34588 01.08.2021, vencida em 31.08.2021 - N/Factura 34639 01.09.2021, vencida em 01.10.2021 - N/Factura 34755 01.10.2021, vencida em 31.10.2021 - N/Factura 34801 01.11.2021, vencida em 01.12.2021 * O Tribunal a quo deu como não provado o seguinte: A) Entre a autora e a ré foi celebrado o contrato n.º 1321, junto aos autos a fls. 42, e que se dá por integralmente reproduzido. B) Que a requerida tivesse procedido ao pagamento das facturas descritas em 8.. * 3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO Questão prévia Conforme se retira do art.º 639º, n.º 1 do CPC, a lei demanda que o recorrente condense em conclusões os fundamentos pelos quais pede a revogação, modificação ou anulação da decisão. Nas conclusões são vertidas as questões de facto e de direito que devem ser apreciadas com vista ao resultado pretendido. Correspondem, com as devidas distâncias, no dizer de António Abrantes Geraldes, na economia do requerimento de interposição de recurso, ao pedido que deve integrar a petição inicial – cf. op. cit., pág. 131. Para além disso, as conclusões têm a função de delimitação do objecto do recurso (cf. art. 635º, n.º 3 do CPC), devendo revestir a forma de proposições sintéticas, enunciando cada um dos pontos descritos nas alíneas do n.º 2 do art.º 639º do CPC, com descrição dos passos fundamentais que devem conduzir a um resultado distinto do encontrado na decisão recorrida. No entanto, muitas vezes as conclusões são deficientes (quando não retratam todas as questões abordadas na motivação ou são contraditórias com o que consta desta, nela não têm reflexo ou são incongruentes com as premissas indicadas), obscuras (quando são ininteligíveis, não se percebendo o raciocínio percorrido pelo recorrente), complexas (quando não cumprem a exigência de sintetização) ou omitem as especificações referidas no n.º 2 do art.º 639º do CPC. Nestas situações, o n.º 3 do art.º 639º do CPC permite ao relator convidar o recorrente a completar, esclarecer ou sintetizar as conclusões sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afectada. A prolação deste despacho depende do juízo sobre a maior ou menor gravidade das irregularidades ou incorrecções e a necessidade efectiva de uma nova peça processual que respeite os requisitos legais. As conclusões vertidas pela recorrente no seu requerimento de interposição de recurso não podem deixar de ser consideradas prolixas e, sobremaneira, em muitos pontos, repetitivas, incluindo até passagens dos depoimentos das testemunhas convocados para a reapreciação da decisão sob a matéria de facto, traduzindo-se quase num exercício de mera reprodução do corpo da alegação. Não obstante a evidente prolixidade e falta de sintetização das conclusões apresentadas, tendo em atenção o facto de este processo já ter sido objecto de redistribuição e, mais do que isso, a circunstância de, ainda que com um esforço acrescido, ser possível discernir as questões suscitadas, optou-se por não emitir despacho no sentido da correcção das apontadas irregularidades, sem prejuízo de se impor aqui acentuar a necessidade de cabal cumprimento do estatuído no art.º 639º do CPC. * 3.2.1. Da Nulidade da Sentença prevista no art.º 615º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Civil A recorrente sustenta que a decisão recorrida a condenou num objecto diverso daquele foi pedido, porquanto a autora alegou a celebração com a ré do contrato n.º 1321, no âmbito do qual foram emitidas diversas facturas, que não foram pagas, tese que manteve aquando da apresentação do aperfeiçoamento da petição inicial, causa de pedir que foi convocada na sentença, pelo que esta apenas poderia condenar a ré no pagamento das facturas emitidas se tivesse sido dado como provada a celebração do contrato n.º 1321, o que não sucedeu, pois que se reconheceu a existência de um outro contrato que não o alegado, condenando no pagamento das facturas emitidas no âmbito daquele. Conclui que o tribunal a quo não podia conhecer de questão que não lhe foi colocada, ou seja, a existência de um outro contrato entre as partes. A senhora juíza a quo proferiu despacho admitindo o recurso interposto[2], mas não se pronunciou sobre a arguida nulidade, como se lhe impunha, atento o disposto nos art.ºs 641º, n.º 1 e 617º do CPC. A omissão de despacho do juiz a quo sobre as nulidades arguidas não determina necessariamente a remessa dos autos à 1ª instância para tal efeito, cabendo ao relator apreciar se essa intervenção se mostra ou não indispensável – cf. António Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 149. Tendo presente a natureza da questão suscitada e o enquadramento que deve merecer, não se justifica a baixa do processo para a pronúncia em falta, passando-se desde já ao conhecimento da suscitada nulidade. Nos termos da alínea e) do n.º 1 do 615º do CPC, a sentença é nula quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, ou seja, quando não observe os limites impostos pelo art.º 609º, n.º 1 daquele diploma legal. O princípio do dispositivo, desde logo consagrado no n.º 1 do art.º 3º do CPC, repercute-se na configuração do objecto do processo, mediante a dedução do pedido e da alegação da matéria de facto que serve de fundamento à acção ou à defesa, circunscrevendo o âmbito da decisão final, ou seja, são as partes que ao recorrerem à instância judicial delimitam o objecto do processo, devendo a sentença conter-se nesse objecto. Assim, “o pedido delimita os poderes do juiz, já que este não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir, embora sem prejuízo da aplicação da jurisprudência constante do Assento n.º 4/95 - “o conhecimento oficioso da nulidade de um negócio jurídico não impede que o tribunal condene o réu a restituir o que tenha recebido, se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais” - e do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 3/01 - “tendo o autor, em acção de impugnação pauliana, pedido a declaração de nulidade ou a anulação do acto jurídico impugnado, tratando-se de erro na qualificação jurídica do efeito pretendido, que é a ineficácia do acto em relação ao autor (n.º 1 do art.º 616º do CC), o juiz deve corrigir oficiosamente tal erro e declarar tal ineficácia, como permitido pelo art.º 664º do CPC [de 1961]”)” – cf. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, pág. 17. É, pois, através do pedido que as partes delimitam o thema decidendum, solicitando a tutela pretendida, pelo que a sentença tem de se inserir no âmbito do pedido e da causa de pedir, não podendo o juiz condenar em quantidade superior ou em objecto diverso daquilo que foi pedido. Quanto ao sentido da norma do actual art.º 615º, n.º 1, e), do CPC, mantêm-se válidas as palavras de Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra 1984, pp. 67-68: “O juiz não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pelas partes; na decisão que proferir sobre essas questões, não pode ultrapassar, nem em quantidade, nem em qualidade, os limites constantes do pedido formulado pelas partes. […] Também não pode condenar em objecto diverso do que se pediu, isto é, não pode modificar a qualidade do pedido. Se o autor pediu que o réu fosse condenado a pagar determinada quantia, não pode o juiz condená-lo a entregar coisa certa; se o autor pediu a entrega de coisa certa, não pode a sentença condenar o réu a prestar um facto; se o pedido respeita à entrega de uma casa, não pode o juiz condenar o réu a entregar um prédio rústico, ou a entregar casa diferente daquela que o autor pediu; se o autor pediu a prestação de determinado facto (a construção dum muro, por hipótese), não pode a sentença condenar na prestação doutro facto (na abertura duma mina, por exemplo).” Sobre esta questão, escreve Manuel Tomé Gomes, in Da Sentença Cível, in O novo processo civil, caderno V, p. 370-372[3]: “Também no que respeita à fixação ou condenação em objecto diferente do pedido se tem suscitado dúvidas sobre o alcance prático deste limite, em particular nos casos em que a solução passa por uma qualificação jurídica diversa da sustentada pelo autor ou reconvinte. É o que acontece quando, por exemplo, o autor pede a resolução de um contrato com fundamento em incumprimento, mas em que se verifica que o contrato em crise é nulo por falta de forma; ou quando, por exemplo, o autor instaura uma ação de impugnação pauliana, concluindo, erradamente, pela invalidade (nulidade ou anulabilidade) do negócio impugnado, sendo que o efeito adequado é o da ineficácia relativa, à luz do disposto no artigo 616º, n.º 1 e 4 do CC. Será que o tribunal poderá, na primeira hipótese, declarar a nulidade do contrato e decretar a respetiva consequência restituitória, ao abrigo do disposto nos artigos 286º e 289º do CC, e, na segunda hipótese, decretar a ineficácia do negócio impugnado, dando ainda provimento à pretensão do autor? A solução desta questão pressupõe, antes de mais, a interpretação do pedido e o entendimento de que este consiste no efeito prático-jurídico pretendido e não tanto na coloração jurídica que lhe é dada pelo autor. Na verdade, é unânime a doutrina de que o tribunal não está adstrito à qualificação jurídica dada pelas partes, já que, à luz do disposto no artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. Assim sendo, se a situação se reconduzir a um mero erro de qualificação jurídica na formulação do pedido, aferido em função do contexto da pretensão, parece que nada obsta a que o tribunal decrete o efeito prático pretendido, ainda que com fundamento em base jurídica diversa. Quando muito, importará ouvir previamente as partes sobre a solução divergente, na medida em que tal se mostre necessário a evitar uma decisão-surpresa, nos termos do nº 3 do artigo 3º do Código de Processo Civil.” Na situação sub judice, a causa de pedir invocada pela autora assentou na celebração de um contrato com a ré para colocação de publicidade em dois outdoors, mediante o pagamento de uma retribuição mensal, alegando a autora que as condições acordadas entre as partes se reconduziam às constantes do contrato n.º 1321, sobremaneira no que diz respeito à sua duração e prazo de pré-aviso para oposição à sua renovação. No entanto, a própria ré, em sede de contestação, tendo refutado a celebração daquele concreto contrato n.º 1321, não deixou de reconhecer a existência de uma relação negocial entre as partes, com idêntica natureza das prestações acordadas – colocação de outdoors em duas estruturas, mediante retribuição -, mas sem reconhecer a estipulação do prazo alegado ou as condições vertidas em tal documento designado como contrato n.º 1321. Na verdade, a sentença recorrida considerou não provada a celebração do mencionado contrato n.º 1321, mas não deixou de reconhecer a celebração da apontada relação negocial, com a amplitude vertida nos pontos 3. a 5. da matéria de facto provada, acabando por condenar no pagamento dos exactos valores peticionados pela autora e vertidos nas facturas emitidas e descritas no ponto 8. do elenco factual apurado. Do confronto entre o peticionado e o segmento dispositivo da decisão recorrida e sob uma perspetiva estritamente quantitativa, emerge uma total coincidência entre aquilo que foi pedido e o âmbito da condenação, pois que o valor do capital em dívida e em cujo pagamento a ré foi condenada, coincide com o total dos montantes inscritos nas facturas e cuja liquidação foi solicitada, pelo que a condenação não foi para além daquilo que foi pedido. Mas importa ainda apurar se existiu condenação em objecto diferente do pedido. Ora, afastando uma visão estritamente formalista da questão, atendendo aos efeitos prático-jurídicos visados pela autora, não se pode deixar de reconhecer que a condenação se ateve ao objecto do litígio, tal como foi por esta delineado, ou seja, a celebração de um contrato, com determinadas obrigações para a autora e para a ré, que se deu como provado, apenas se negando a celebração de um contrato identificado com o n.º 1321, porquanto, como reconhecido pelas partes, não chegou a ser por elas assinado. A apreciação fáctica da decisão manteve-se dentro dos limites delineados pela autora e em sede de apreciação jurídica foi feito o seu enquadramento no tipo de contrato que se teve por pertinente, conduzindo à condenação precisamente daquilo que fora pedido pela autora, ainda que esta não tenha logrado demonstrar a celebração formal do contrato. Tal entendimento encontra, aliás, inteira correspondência com os termos em que, na contestação, a própria ré, aqui recorrente, interpretou o pedido e a causa de pedir deduzidos, admitindo o negócio em causa e invocando, aliás, a sua cessação por revogação unilateral (cf. artigos 28º a 31º da oposição), ou seja, em suma, reconhecendo a existência de uma relação negocial relativa, precisamente, à colocação de publicidade em outdoors, ainda que não reconhecendo a sua regulação contratual pelo vertido no mencionado documento que titula o alegado contrato n.º 1321. Significa isto que a ré defendeu-se, precisamente, face à causa de pedir deduzida e conferiu-se uma outra veste, deduzindo impugnação motivada, cuja alegação foi, em parte, reconhecida na decisão, pelo que ao apreciar sob essa perspectiva o pedido, para a qual a própria ré alertou, não se pode deixar de considerar que a sentença se manteve dentro do objecto do litígio. Trata-se, aliás, de uma situação que se pode considerar próxima da consignada no art.º 186º, n.ºs 2, a) e 3 do CPC, onde se evita a ineptidão da petição inicial quando o réu, apesar de a arguir, revela tê-la interpretado convenientemente, em clara prevalência das razões de substância em prejuízo das formais, e em obediência ao princípio da economia processual, evitando-se a duplicação de processos – cf. neste sentido, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 633/15.0T8VCT.G1.S1 e de 18-01-2018, processo n.º 1005/12.4TBVPZ.P1.S1[4]. Serve isto para dizer que nenhum sentido teria, em abono da resolução do dissídio entre as partes e da obtenção de uma justiça célere e eficaz, interpretar a delimitação do objecto do litígio com base numa visão tão formalista e estrita da causa de pedir e do pedido, pelo que não ocorre, como é evidente, a apontada nulidade. Improcede, assim, este segmento do recurso. * 3.2.2. Da Impugnação da Matéria de Facto Estabelece o art.º 662º, n.º 1 do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa. Ao assim dispor, pretendeu o legislador que a Relação fizesse novo julgamento da matéria de facto, fosse à procura da sua própria convicção e, assim, se assegurasse o duplo grau de jurisdição em relação à matéria de facto – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6-12-2016, processo n.º 437/11.0TBBGC.G1.S1. Dispõe o art.º 640º, n.º 1 do CPC: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.” À luz do normativo transcrito afere-se que, em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões. Fundando-se a impugnação em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados (existem três tipos de meios de prova: os que constam do próprio processo – documentos ou confissões reduzidas a escrito -; os que nele ficaram registados por escrito – depoimentos antecipadamente prestados ou prestados por carta, mas que não foi possível gravar -; os que foram oralmente produzidos perante o tribunal ou por carta e que ficaram gravados em sistema áudio ou vídeo), o recorrente deve especificar, na motivação, aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos. O recorrente deve consignar, na motivação do recurso, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, o que se exige no contexto do ónus de alegação, de modo a evitar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente. De notar que a exigência de síntese final exerce a função de confrontar o recorrido com o ónus de contra-alegação, no exercício do contraditório, evitando a formação de dúvidas sobre o que realmente pretende o recorrente – cf. António Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 142, nota 228. No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-05-2016, proferido no processo n. 1393/08.7YXLSB.L1-7 refere-se: “É ao impugnante que cumpre convencer o Tribunal de recurso que a primeira instância violou as regras de direito probatório aquando da apreciação dos meios de prova. Não basta uma mera contraposição de meios de prova (ainda que não constantes dos indicados na fundamentação do tribunal): é necessário que a parte que recorre proceda, ela própria, a uma análise crítica da apreciação do tribunal a quo, demonstrando em que pontos o Tribunal se afastou do juízo imposto pelas regras legais, dos princípios, das regras da racionalidade e da lógica ou da experiência comum.” A recorrente convoca para reapreciação os factos vertidos nos pontos 3., 4. e 5. da matéria de facto provada, indicando as razões pelas quais entende que não foi feita a respectiva prova, desde logo face à circunstância de não ter sido dado como provado que as partes hajam celebrado o contrato n.º 1321 e efectuando a apreciação da prova testemunhal produzida para concluir que esta não é bastante para confirmar tais factos, pelo que se impõe proceder à análise da prova testemunhal e/ou documental que convoca, no confronto com a restante prova produzida, para verificar se a factualidade impugnada deveria merecer decisão em consonância com o preconizado pela apelante, ou se, ao invés, aquela não merece censura, atenta a fundamentação aduzida pelo Tribunal a quo. Importa, contudo, realçar que enquanto a primeira instância toma contacto directo com a prova, nomeadamente os depoimentos e declarações de parte, e os depoimentos das testemunhas, com a inerente possibilidade de avaliar elementos de comunicação não-verbais como a postura corporal, as expressões faciais, os gestos, os olhares, as reacções perante as demais pessoas presentes na sala de audiências, a Relação apenas tem acesso ao registo áudio dos depoimentos, ficando, pois, privada de todos esses elementos não-verbais da comunicação que tantas vezes se revelam importantes para a apreciação dos referidos meios de prova. Atente-se, antes de se avançar que, tal como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-06-2018, processo n.º 18613/16.7T8LSB.L1-2: “[…] no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual, o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a Lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial. De harmonia com este princípio, que se contrapõe ao princípio da prova legal, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, apenas cedendo este princípio perante situações de prova legal, nomeadamente nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, documentos particulares e por presunções legais. Nos termos do disposto, especificamente, no artigo 396.º do C.C. e do princípio geral enunciado no artigo 607º, nº 5 do CPC, o depoimento testemunhal é um meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador, o qual deverá avaliá-lo em conformidade com as impressões recolhidas da sua audição ou leitura e com a convicção que delas resultou no seu espírito, de acordo com as regras de experiência – v. sobre o conteúdo e limites deste princípio, Miguel Teixeira de Sousa, A livre apreciação da prova em processo Civil, Scientia Iuridica, tomo XXXIII (1984), 115 e seg. A valoração da prova, nomeadamente a testemunhal, deve ser efectuada segundo um critério de probabilidade lógica, através da confirmação lógica da factualidade em apreciação a partir da análise e ponderação da prova disponibilizada – cfr. a este propósito Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 435-436. É certo que, com a prova de um facto, não se pode obter a absoluta certeza da verificação desse facto, atenta a precariedade dos meios de conhecimento da realidade. Mas, para convencer o julgador, em face das circunstâncias concretas, e das regras de experiência, basta um elevado grau da sua veracidade ou, ao menos, que essa realidade seja mais provável que a ausência dela. Ademais, há que considerar que a reapreciação da matéria de facto visa apreciar pontos concretos da matéria de facto, por regra, com base em determinados depoimentos que são indicados pelo recorrente. Porém, a convicção probatória, sendo um processo intuitivo que assenta na totalidade da prova, implica a valoração de todo o acervo probatório a que o tribunal recorrido teve acesso – v. neste sentido, Ac. STJ de 24.01.2012 (P 1156/2002.L1.S1).” Releva ainda a circunstância de se manterem em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, sabendo-se que o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, de tal modo que a Relação só deve lançar mão dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Procedendo a Relação à audição efectiva da prova gravada, deverá alterar a matéria de facto provada quando conclua, com a necessária segurança, no sentido de os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontarem em direcção diversa daquela que foi encontrada pela 1ª instância – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16-11-2017, processo n.º 216/14.2T8EPS.G1 – “O que se acaba de dizer encontra sustentação na expressão “imporem decisão diversa” enunciada no n.º 1 do art. 662º, bem como na ratio e no elemento teleológico desta norma. Assim, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte.” Ponto 3. dos Factos Provados O Tribunal recorrido deu como provado o seguinte: 3. No âmbito da actividade prestada pela requerente, em Novembro de 2018, a requerida contratou com aquela, pelo período de um ano, o aluguer de duas estruturas de outdoor, na dimensão 8x3m, na zona de Ermidas do Sado, com serviço de colocação dos outdoors, pelo valor de 553,50 € mensais. O que fundamentou nos seguintes termos: “O facto 3) decorreu do teor dos depoimentos testemunhais de VM (funcionária da Autora) e de JB (funcionária da Ré), que quanto a estas prestações contratuais, a que as partes se vincularam, foram unânimes, tendo os seus depoimentos se complementado. No que concerne à concreta data de celebração do contrato, o tribunal não conseguiu concretizar a data em que as partes terão chegado a acordo quanto às prestações contratuais a que se vincularam, mas não teve dúvidas de que o contrato terá sido concluído em Novembro de 2018 (atentas as datas dos e-mails trocados por AC e BM (juntos a fls. 12 e ss).” Tendo aduzido ainda, a propósito do facto dado como não provado sob a alínea A), o seguinte: “Não se provou o facto A), em virtude de não ter sido junto aos autos nenhum contrato com o n.º 1321, mas apenas uma minuta de contrato n.º 1321 (a fls. 42), que não se encontra assinada por nenhuma das partes (e, como tal, não se poderá falar em contrato). Por outro lado, não se fez prova que as partes tivessem negociado e contratualizado, ainda que verbalmente, ou por –email, as concretas cláusulas que se encontram apostas na minuta n.º 1321 (não sendo suficiente, para tal desiderato, o depoimento da testemunha VM, ao referir que “todos os contratos são feitos assim”), apenas se tendo provado que as partes contrataram o que ficou descrito no ponto 3) da matéria de facto provada – negociação essa que foi realizada entre dois funcionários, um da Autora e outro da Ré, que não foram inquiridos em sede de audiência de discussão e julgamento.” A ré/recorrente discorda desta apreciação argumentando que, não existindo um contrato assinado entre as partes, nem tendo sido subscrito o documento que titula o contrato n.º 1321, não podia ter sido dado como provado o prazo de contratação tal como consta deste ponto 3., tanto mais que o tribunal recorrido afirmou não ter sido possível apurar a data em que as partes acordaram, e que não pode ter sido em Novembro de 2018 quando, conforme referido pela testemunha arrolada pela autora, os serviços começaram a ser prestados em Dezembro de 2018, como resulta das facturas. Mais coloca em crise a credibilidade do depoimento da testemunha VM, por ser filha de um dos donos da sociedade autora, pelo que estava naturalmente condicionada pelo seu interesse na causa, para além de não ter tido qualquer intervenção na contratação estabelecida com a ré, sendo a sua actuação apenas relacionada com a facturação, não tendo afirmado com certeza o que foi negociado e acordado entre as partes, nem tendo afirmado, em concreto, o seu prazo de duração (conforme se retira da passagem do seu depoimento ao minuto 10.12 e seguintes); mais referiu que a testemunha JB nada revelou conhecer quanto à duração do contrato (passagem ao minuto 13:48 e seguintes do seu depoimento). Conclui no sentido de dever ser dado como não provado que “em Novembro de 2018, a requeria contratou com aquela, pelo período de um ano”. Após audição das testemunhas e análise da prova documental junta aos autos, no confronto com a posição que as próprias partes tomaram em sede de articulados, resulta evidente que não foi subscrito qualquer documento que titule o contrato ou relação negocial estabelecida entre as partes. No seu articulado de aperfeiçoamento do requerimento injuntivo, de 25 de Fevereiro de 2022[5], a autora reconheceu que as partes não assinaram o documento que juntou como documento n.º 2 e que alega corresponder ao contrato de aluguer de dois outdoors, com o número 1321, sustentando, porém, que a ré respondeu com a mensagem de correio electrónico de 8 de Novembro de 2018 (cf. documento n.º 5 junto com o requerimento), a aceitar o serviço e a indicar a data do seu início, pelo que tinha conhecimento das condições do contrato. Sucede que a testemunha VM, filha de um dos titulares da sociedade autora, onde exerce funções de chefe de serviços, desde 2011, descreveu o documento n.º 2 em causa – intitulado “Contrato”, com indicação, numa caixa à direita, colocada sob a designação da empresa autora, do número 1321 e data de 12-11-2018 – como uma minuta de contrato, com cláusulas contratuais gerais previstas para todos os clientes, mais asseverando que todo o procedimento é sempre por escrito, ou seja, a minuta é enviada ao cliente, por escrito e é junto ao respectivo processo – cf. minuto 3.13 e seguintes do seu depoimento. Na caixa principal desse documento, sob a designação “Descrição” figura a referência a “custos de aluguer mensal de 2 outdoors na dimensão 8x3m” e sob a designação “Produto” a referência “Spar Ermidas 2019”, com o preço final mensal de 553,50 €. Na parte final do documento consta o seguinte: Como é evidente, este documento não foi subscrito por qualquer das partes. Por outro lado, a própria testemunha não teve dúvidas em referir que as condições nele vertidas são pré-estabelecidas, pré-determinadas pela autora, não existindo qualquer negociação específica com o cliente, sendo destinadas a todo e qualquer cliente que solicitem este tipo de serviço, esclarecendo que o único aspecto que poderá diferir de cliente para cliente é o relativo ao período inicial contratualizado, sendo para uns de três meses, renováveis, outros de seis meses e até um período anual – cf. minuto 3.59 e seguintes do seu depoimento. Acrescentou ainda que, neste caso, “julgo que seria mesmo o anual, porque ele chegou a ser renovado automaticamente”, referindo que o contrato foi enviado à ré, mas não sabia dizer se esta o teria assinado, referindo até que esta era uma situação que costumava suceder, ou seja, os clientes não enviarem o documento assinado, embora fossem cumprindo as prestações, reconhecendo alguma inércia neste procedimento - cf. minuto 4.10 e seguintes do seu depoimento. Apesar de a testemunha referir, por terem sido enviadas as imagens e os pagamentos terem sido efectuados, partiram do princípio que o contrato estava activo, que até se renovou, porque esteve em vigor mais de um ano e que a própria ré mencionou o seu número na carta de rescisão (cf. minuto 5:50 e seguintes do seu depoimento), a instâncias do ilustre mandatário da ré não deixou de efectuar afirmações que afastam a relevância dessa convicção da autora, quer porque a testemunha claramente não teve intervenção directa na negociação - que foi promovida pelo comercial BM, aliás seu marido, mas que já não labora na empresa, e que foi quem fez a angariação do cliente -, quer porque não se recordava como o pedido foi efectuado, nem de quem partiu a iniciativa da negociação (se por parte do comercial ou do cliente), referindo que diria respeito a dois outdoors, mas sem certezas quanto a esse ponto, aditando ainda que aquilo de que tem conhecimento é a base dos termos do contrato, a existência de um período contratualizado inicial e a renovação automática, com um período de pré-aviso de 60 dias – cf. minuto 5:50 do seu depoimento. Significa isto que a testemunha não asseverou de modo algum qualquer conhecimento directo e real dos termos em que decorreram as negociações e daquilo que foi acertado entre as partes, partindo apenas de uma mera presunção de que o contrato teria sido renovado, porque durou mais de um ano, o que é manifestamente insuficiente para se afirmar, como se fez sob o ponto 3. da matéria de facto provada, que a ré contratou o aluguer de duas estruturas de outdoor, pelo período de um ano. Atente-se ademais que a testemunha VM ainda aduziu, mais à frente no seu depoimento, não ter sido este o documento (o documento n.º 2 junto com o requerimento de aperfeiçoamento) que foi enviado para a ré, porquanto afirmou: “este aqui não é o contrato… não foi o que seguiu para o cliente… este é o que fica nos nossos registos internos, que tem o número da primeira factura em cima” – cf. minuto 18:30 e seguintes do seu depoimento. Ora, se a testemunha nem consegue afirmar que este documento foi aquele que foi enviado para o cliente – ou outro idêntico a este –, como se pode retirar qualquer conclusão no sentido de que a ré aceitou um prazo de duração inicial do contrato pelo período de um ano, quando aquela não esteve presente nas negociações, não sabe o que foi acertado entre as partes e não dispõe de qualquer contrato subscrito pela ré? Não é possível. Acresce que, a presunção que a própria testemunha diz ter formulado, com base no pagamento das prestações pela ré e na mensagem de correio electrónico de 8 de Novembro de 2018, não encontra suporte factual que a sustente, porquanto nesta mensagem[6] - que se desconhece se constitui resposta ao envio da proposta junta aos autos -, AC - referido pela testemunha JB, que exerce as funções de controlo operacional, na empresa B, que integra o mesmo grupo empresarial da ré, como a pessoa que pediu os orçamentos para os dois outdoors para loja (cf. minuto 4:16 e seguintes do seu depoimento) - refere confirmar a proposta, mas pede um esclarecimento sobre a diferença da A para a B, sem que se perceba a que se reporta, isto é, se existiram duas propostas – uma A e outra B – ou se diz respeito a qualquer outra coisa, sendo que não consta qualquer comunicação por parte da autora a prestar tal esclarecimento – tal como reconheceu a testemunha VM -, o que implica que nem sequer seja possível identificar qual a proposta concretamente aceite. Por outro lado, ao contrário do que consta da fundamentação aduzida pela 1ª instância, não se vislumbra, após audição integral da prova testemunhal produzida, como afirmar que as testemunhas foram unânimes quanto às prestações contratuais a que as partes se vincularam, pois que apenas coincidiram quanto ao facto de ter existido uma relação comercial entre elas a propósito do aluguer de outdoors (que a testemunha JB nem soube asseverar se um ou dois), sendo que, quanto ao mais, designadamente, quanto ao prazo do contrato, nenhuma coincidência existiu, porquanto a testemunha JB referiu que todos os contratos têm de passar pelo departamento jurídico, sendo depois assinados pela administração e acrescentou que, normalmente, é ela quem elabora tais documentos, afirmando que por si não passou nenhum contrato, como aquele que se discute nestes autos e ainda que, se viesse um contrato para ser assinado, seria enviado para si, que depois encaminharia para o departamento jurídico e concluiu que, neste caso, não tem nenhum tipo de contrato – cf. minuto 5:12 e seguintes do seu depoimento. A instâncias do ilustre mandatário da autora não deixou de explicar que tem conhecimento que foi pedida a proposta dos outdoors, que o serviço foi adjudicado e que sabiam o valor, pelo que, chegadas as facturas, estas seguiam logo para a contabilidade, referindo não ter conhecimento de nenhum outro serviço deste género contratado, desconhecendo como funcionam outros contratos similares; mais disse desconhecer exactamente os termos ou condições acordadas, referindo acreditar que a autora tenha feito a parte da impressão e a colocação da imagem no espaço e que facturavam mensalmente o aluguer, que começou em 2018 e a que puseram termo em 2020, através de carta – cf. minutos 8: e seguintes; 11:00 e seguintes e 13:30 e seguintes do seu depoimento. Do conjunto destes depoimentos e prova documental é possível, pois, afirmar, que a requerida contratou junto da requerente e no âmbito da actividade desta, o aluguer de duas estruturas de outdoor na dimensão 8x3m, na zona de Ermidas do Saldo, com serviço de colocação da imagem, sendo o custo mensal dessa utilização de 553,50€, sendo que esta teve início pelo menos em Dezembro de 2018, o que se afere quer pela circunstância da troca de mensagens para a celebração do negócio ter tido lugar entre 8 e 12 de Novembro de 2018, quer em face da primeira factura emitida, que data de 1 de Dezembro de 2018 – cf. documento n.º 5 junto com a oposição[7] e a conta corrente atinente à relação comercial entre a autora e a ré, que integra o documento n.º 4 junto com o requerimento de aperfeiçoamento[8]. Já quanto ao período da sua duração inicial ou subsequentes, nada foi concretamente apurado, sendo de realçar que a aplicabilidade das cláusulas pré-estabelecidas vertidas na apontada minuta não pode aqui ser reconhecida, porque não resultou demonstrada a adesão por parte da ré que, desde logo, não a subscreveu, nem aderiu ao que nela consta, sendo certo que, admitindo-se que tais cláusulas se integrem no âmbito de previsão do art.º 1º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, que aprovou o Regime das Cláusulas Contratuais Gerais[9], sempre teriam de ser comunicadas na íntegra à ré, enquanto aderente, de modo adequado, competindo à autora o ónus da prova dessa comunicação adequada e efectiva (cf. art.º 5º do RCCG), para o que não basta a simples disposição, por parte do aderente (consumidor), do conteúdo das cláusulas contratuais gerais, para que tal dever se considere como correcta e legalmente cumprido, sendo que tal prova não foi aqui efectuada – cf. neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26-06-2018, processo n.º 46369/17.9YIPRT.C1. Procede, assim, a presente impugnação, pelo que o ponto 3. da matéria de facto provada passará a ter a seguinte redacção: 3. No âmbito da actividade prestada pela requerente, a requerida, no decurso do mês de Novembro de 2018, contratou com a primeira a utilização de duas estruturas de outdoor, na dimensão 8x3m, na zona de Ermidas do Sado, mediante a retribuição mensal de 553,50€, com prévio serviço de impressão e colocação da imagem nesses espaços. Passará a integrar a matéria de facto não provada a seguinte nova alínea: C) – A contratação referida em 3. foi pelo período de um ano. Ponto 4. dos Factos Provados O Tribunal recorrido deu como provado o seguinte: 4. A Requerente procedeu à impressão e colocação dos outdoors (com imagem fornecida pela requerida) nas duas estruturas alugadas, em Novembro de 2018. O que fundamentou nos seguintes termos: “O facto 4) decorreu do teor do depoimento testemunhal de VM, funcionária da Autora, tendo o mesmo sido corroborado pelo e-mail de AC (Head designer da Ré em Novembro de 2018), onde o mesmo dá nota da imagem que teria de enviar a BM (funcionário da Autora) para colocarem nos outdoors alugados.” A recorrente insurge-se contra o vertido neste ponto, na parte em que dá como provado que a impressão e colocação ocorreu em Novembro de 2018, quando a própria autora refere no requerimento injuntivo que o contrato se iniciou em 1 de Dezembro de 2018, tanto mais que a primeira factura que surge relacionada é de Dezembro de 2018, não existindo cobrança de valores em Novembro de 2018 e, bem assim, contra a alusão ao aluguer de duas estruturas, estando antes em causa um serviço que incluía a colocação de duas publicidades em dois outdoors, propondo que a redacção do ponto 4. passe a ser a seguinte: “A requerente procedeu à impressão e colocação dos outdoors (com imagem fornecida pela requerida), nas duas estruturas, em Dezembro de 2018.” Em conformidade com os depoimentos atrás analisados e tendo em conta, como acima se referiu, que a primeira factura de que há conhecimento data de Dezembro de 2018, conforme documento n.º 4 junto com o articulado de aperfeiçoamento, que integra o extracto de conta corrente da ré, enquanto cliente da autora, a que acresce a circunstância de ser esta última quem, desde o requerimento injuntivo, afirma que o contrato teve início em 1 de Dezembro de 2018 (cf. ponto 3. do requerimento injuntivo, posteriormente reafirmado no artigo 4º do articulado de aperfeiçoamento), importa proceder à correcção da aludida menção. De igual modo, porque a referência a “aluguer” assume notoriamente conotação jurídica, embora tal expressão seja corrente também na linguagem comum, porque tal contende com a qualificação do negócio celebrado entre as partes, cumpre suprimir tal referência. Como é sabido, nem sempre é fácil distinguir entre o que é matéria de facto e matéria de direito, sendo, contudo, consensual, na doutrina e na jurisprudência, que, para efeitos processuais, tudo o que respeita ao apuramento de ocorrências da vida real é questão de facto e é questão de direito tudo o que diz respeito à interpretação e aplicação da lei. Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-05-2009, processo n.º 08S3441: “No âmbito da matéria de facto, processualmente relevante, inserem-se todos os acontecimentos concretos da vida, reais ou hipotéticos, que sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis: os acontecimentos externos (realidades do mundo exterior) e os acontecimentos internos (realidades psíquicas ou emocionais do indivíduo), sendo indiferente que o respectivo conhecimento se atinja directamente pelos sentidos ou se alcance através das regras da experiência (juízos empíricos) […] No mesmo âmbito da matéria de facto, como realidades susceptíveis de averiguação e demonstração, se incluem os juízos qualificativos de fenómenos naturais ou provocados por pessoas, desde que, envolvendo embora uma apreciação segundo as regras da experiência, não decorram da interpretação e aplicação de regras de direito e não contenham, em si, uma valoração jurídica que, de algum modo, represente o sentido da solução final do litígio.”[10] De modo a expurgar a matéria de facto de referências que confiram, à partida, uma determinada valoração jurídica à realidade fáctica apurada, a redacção do ponto 4. passará a ser a seguinte: 4. Em conformidade com o acordado e referido em 3., a requerente procedeu à impressão e colocação dos outdoors (com imagem fornecida pela requerida) nas respectivas estruturas, com início, pelo menos, em Dezembro de 2018. Ponto 5. dos Factos Provados A 1ª instância considerou provado o seguinte: 5. Em Novembro de 2019 o contrato referido em 3) manteve-se por mais um ano, tendo a requerente mantido os outdoors referidos em 4) nas duas estruturas de outdoor na dimensão 8x 3 m, e a requerida continuou a pagar-lhe mensalmente o valor de 553,50€. Cuja convicção explicou da seguinte forma: “O facto 5) decorreu, igualmente, do teor do depoimento testemunhal de VM, funcionária da Autora, corroborado (quanto às partes em que foi concretamente questionada sobre estes factos) por JB, funcionária da Ré.” Entende a recorrente que, uma vez que não pode ser dado como provado que o contrato tinha uma periodicidade anual, deve ser dado como provado apenas o seguinte: “O contrato referido em 3) iniciou em Dezembro de 2018 e manteve-se até 30 de Novembro de 2020, data em que a ré denunciou o contrato para o seu termo.” Como decorre do atrás explanado e face à procedência da impugnação incidente sobre o ponto 3. dos factos provados, não resultou demonstrado que o contrato tenha sido celebrado pelo período de um ano, não tendo sido produzida qualquer prova nesse sentido ou no sentido de que em algum momento, entre Dezembro de 2018 e Novembro de 2020, tenha existido um qualquer acordo no sentido de uma renovação do contrato pelo período de um ano, sabendo-se apenas que a utilização das estruturas e colocação dos outdoors se manteve ainda durante os anos de 2019 e 2020, sendo que em 13 de Novembro de 2020, a ré enviou uma carta à autora, onde comunicava a denúncia do contrato, com efeitos a partir de 30 de Novembro de 2020, o que esta não aceitou, mantendo os outdoors e emitindo as facturas descritas no ponto 8.. Quanto ao depoimento da testemunha VM decorre já do atrás expendido, que em parte alguma esta se revelou suficientemente conhecedora das negociações e dos termos em que o contrato vigorou, pelo que tal depoimento é manifestamente insuficiente para sustentar uma qualquer convicção no sentido da renovação anual descrita no ponto 5.. Certo é que a testemunha afirmou que achava que o período inicial contratualizado teria sido por um ano, até porque teria sido renovado automaticamente, mas, como acima se analisou, tal afirmação é destituída de conhecimento concreto das condições acertadas com a ré, sendo que aquilo que se pode considerar é que, de facto, o contrato vigorou durante mais de um ano, mas isso não significa que tenham existido renovações anuais. Assim, a redacção do ponto 5. passará a ser a seguinte: 5. A autora manteve os outdoors referidos em 4. e a ré procedeu ao pagamento da retribuição acordada, pelo menos até Novembro de 2020. Procede, pois, a impugnação da matéria de facto. * Considerando as alterações introduzidas à matéria de facto, os factos provados e não provados a considerar são os seguintes: 1. A autora é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de publicidade exterior, nomeadamente outdoors, painéis publicitários e impressão digital, entre outros. 2. A ré é uma sociedade comercial que se dedica ao comércio a retalho em supermercados e hipermercados, entre outros. 3. No âmbito da actividade prestada pela requerente, a requerida, no decurso do mês de Novembro de 2018, contratou com a primeira a utilização de duas estruturas de outdoor, na dimensão 8x3m, na zona de Ermidas do Sado, mediante a retribuição mensal de 553,50€, com prévio serviço de impressão e colocação da imagem nesses espaços. 4. Em conformidade com o acordado e referido em 3., a requerente procedeu à impressão e colocação dos outdoors (com imagem fornecida pela requerida) nas respectivas estruturas, com início, pelo menos, em Dezembro de 2018. 5. A autora manteve os outdoors referidos em 4. e a ré procedeu ao pagamento da retribuição acordada, pelo menos até Novembro de 2020. 6. Em 13 de Novembro de 2020, a requerida enviou à requerente uma missiva, recebida por esta em 16/11/2020, onde lhe comunicava a “denúncia do contrato” com efeitos a partir de 30 de Novembro de 2020. 7. Após ter recebido a missiva referida em 6., a requerente não aceitou a denúncia do contrato e manteve os outdoors referidos em 4. nas duas estruturas de outdoor na dimensão 8x3 m, por mais um ano. 8. E procedeu à emissão das seguintes facturas no valor de 553,50€, cada uma: - N/Factura 34097 01.12.2020, vencida em 31.12.2020 - N/Factura 34152 01.01.2021, vencida em 31.01.2021 - N/Factura 34198 01.02.2021, vencida em 03.03.2021 - N/Factura 34257 01.03.2021, vencida em 31.03.2021 - N/Factura 34326 01.04.2021, vencida em 01.05.2021 - N/Factura 34390 01.05.2021, vencida em 31.05.2021 - N/Factura 34448 01.06.2021, vencida em 01.07.2021 - N/Factura 34518 01.07.2021, vencida em 31.07.2021 - N/Factura 34588 01.08.2021, vencida em 31.08.2021 - N/Factura 34639 01.09.2021, vencida em 01.10.2021 - N/Factura 34755 01.10.2021, vencida em 31.10.2021 - N/Factura 34801 01.11.2021, vencida em 01.12.2021 * O Tribunal a quo deu como não provado o seguinte: A) Entre a Autora e a Ré foi celebrado o contrato n.º 1321, junto aos autos a fls. 42, e que se dá por integralmente reproduzido. B) Que a requerida tivesse procedido ao pagamento das facturas descritas em 8.. C) A contratação referida em 3. foi pelo período de um ano. * 3.2.3. Da obrigação de pagamento da retribuição pela utilização dos outdoors no período situado entre Dezembro de 2020 a Novembro de 2021 Com base nos factos que deu como provados, o Tribunal recorrido condenou a ré no pagamento da quantia peticionada, considerando que estava em causa um contrato de aluguer de dois outdoors, pelo período de um ano, pelo que tal contrato se renovara, por mais um ano, nos termos do disposto no art.º 1054º do Código Civil, sendo que, em Novembro de 2020, já contava com dois anos de vigência, pelo que entendeu que a oposição à renovação deveria ter observado a antecedência mínima de 60 dias em relação ao fim do prazo da última renovação operada, de acordo com o disposto no art.º 1055º, n.ºs 1, b) e 2 do Código Civil; não tendo tal antecedência sido respeitada, considerou que o contrato apenas se extinguiu em Novembro de 2021 e que a ré estava obrigada a pagar as retribuições devidas relativas a esse período. A ré/apelante discorda da qualificação jurídica efectuada pela 1ª instância, entendendo que está em causa um contrato de prestação de serviços, cuja revogação unilateral é consentida pelo art.º 1170º do Código Civil, que ocorreu em 30 de Novembro de 2020, data em que cessou a prestação de serviços de publicidade, nada mais havendo a pagar a partir de então. Mais refere que, mesmo a admitir-se que o contrato está sujeito ao regime da locação, sempre a denúncia teria de operar e, quando muito, teria de pagar a retribuição apenas relativamente ao período de pré-aviso em falta, mas, ainda assim, considerando que apenas se pode admitir a duração mensal do contrato, a denúncia teria tido lugar em devido tempo. Ao contrário do sustentado pela apelante, não se pode deixar de concordar com a senhora juíza a quo quanto à qualificação do contrato como de aluguer de coisa móvel. Com efeito, tal como decorre do ponto 3. da matéria de facto apurada, resultou demonstrado que a ré contratou junto da autora a utilização de duas estruturas de outdoor, na dimensão 8x3m, na zona de Ermidas do Sado, por cuja utilização se obrigou a pagar a retribuição mensal de 553,50€. Certo é que resultou apurado que, previamente a essa utilização dos outdoors mediante pagamento de retribuição, foi efectuado um serviço de impressão e colocação da imagem nesses espaços, mas nada se apurou quanto ao valor da respectiva remuneração, não tendo sido esclarecido se o respectivo preço estaria contemplado em cada uma das prestações mensais, o que, porém, não se afigura plausível, porquanto se trata de uma prestação que se esgota naquele momento (a impressão da imagem e colocação), sendo que o que perdura ao longo do tempo é a sua manutenção no espaço e a utilização deste. O art.º 1022º do Código Civil define a locação como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição. É um contrato consensual em que devem reunir-se quatro elementos: uma coisa corpórea, proporcionar o gozo, temporariamente e mediante retribuição. Não dispondo o Código Civil directamente sobre as coisas que podem ser objecto de locação, retira-se dos preceitos gerais constantes dos art.ºs 202º a 216º, que serão coisas corpóreas, que devem estar no comércio e ser não-fungíveis (art.ºs 207º), não-consumíveis (208º) e presentes (211º). Refere António Menezes Coreiro, que “a locação pode respeitar a uma parte da coisa ou a uma utilidade limitada (envolvendo apenas o uso ou parte dele e/ou, eventualmente, uma parcela da fruição), proporcionada pela mesma coisa. Assim, é possível e frequente a locação de um telhado ou de parte dele, apenas para efeitos de afixação de publicidade, bem como a locação de uma jóia, tão-só para exposição ou de um traje, para uma cerimónia”, concluindo que cabe às partes definir o âmbito de cada concreta locação - cf. Tratado de Direito Civil, XI – Contratos em Especial (1ª parte), 2019, pág. 686. O gozo abrange o uso e a fruição. O uso envolve uma utilização da coisa, sem danificar a sua forma ou a sua substância, de acordo com as características do objecto; a fruição traduz o aproveitamento produtivo da coisa, sempre sem atingir as referidas forma e substância. O art.º 1023º do Código Civil distingue entre arrendamento e aluguer, conforme a locação se reporte a imóveis ou a móveis, sendo que a categoria das primeiras é conferida por uma enumeração que consta do art.º 204º e a das segundas, por exclusão de partes (cf. art.º 205º, n.º 1), sendo que são ainda consideradas imóveis as partes integrantes dos prédios rústicos e urbanos (cf. alínea e) do art.º 204º), esclarecendo o n.º 3 do referido art.º 204º, que é parte integrante toda a coisa móvel ligada materialmente ao prédio com carácter de permanência, o que para alguma doutrina significa que haja ligação funcional entre a coisa móvel e o prédio – cf. Rui Pinto Duarte, Código Civil Anotado, Ana Prata (Coord.), Volume I 2ª Edição Revista e Atualizada, pág. 289. Estando em causa, como é o caso, o gozo de duas estruturas de outdoors, ou seja, tomada esta como uma designação para um meio publicitário exterior, construído por módulos, com estrutura, por regra, metálica, a que é acoplado um painel e que pode assumir diversas dimensões, sendo colocado em locais de grande visibilidade, como à beira da estrada, não se pode deixar de reconhecer que não se está perante uma coisa ligada materialmente ao prédio onde está instalado, com carácter de permanência, podendo ser retirado, desmontado e colocado noutro local. Assim, o gozo das duas estruturas mencionadas nos autos, mediante retribuição mensal, deve ser reconduzido a um contrato de aluguer. Não estando previsto um regime especial para o aluguer, tem de se lhe aplicar apenas o regime geral da locação – cf. neste sentido, António Menezes Cordeiro, op. cit., pág. 688. Na decisão recorrida considerou-se que na ponderação da eventual caducidade do contrato por via do fim do prazo estipulado (cf. alínea a) do art.º 1051º do Código Civil), haveria que conjugar os normativos vertidos nos art.ºs 1054º e seguintes do Código Civil, no que concerne à renovação e à oposição à renovação do arrendamento, o que se apreciou no pressuposto da prova da celebração do contrato pelo prazo de um ano. Sucede que face à procedência da impugnação da matéria de facto e não tendo resultado demonstrado que o aluguer foi celebrado pelo prazo de um ano, nem tendo sido apurado qualquer outro acordo das partes quanto à duração do contrato, há que recorrer à norma do art.º 1026º do Código Civil e aplicar o prazo supletivo, ou seja, deve entender-se que o prazo de duração do contrato é igual à unidade de tempo a que corresponde a retribuição fixada, ou seja, no caso presente, a duração de um mês. Como se referiu, essencial ao contrato de locação é que seja temporário. As partes fixam livremente o respectivo prazo, com o limite previsto no art.º 1025º do Código Civil e, como sucede in casu, na falta de estipulação, o prazo é igual à unidade de tempo a que corresponda a retribuição fixada. Findo o prazo estipulado ou estabelecido por lei, ocorre a caducidade da locação, nos termos do art.º 1051º, a) do Código Civil. A caducidade provoca a extinção automática do contrato, em consequência da verificação do evento a que a lei associa tal consequência, o que ocorre com o decurso do prazo do contrato. Não obstante, verificada a caducidade do contrato pelo decurso do prazo, as partes podem pretender a sua continuação, daí que o art.º 1054º do Código Civil preveja a sua renovação. Com efeito, era comum considerar-se o arrendamento como uma fonte de relações duradouras, pelo que, ainda que celebrado formalmente por prazos relativamente curtos, a intenção comum das partes seria a de o fazer perdurar no tempo, o que justificou o esquema das renovações automáticas. A forma de impedir a renovação, findo o prazo, será a oposição à renovação prevista no art.º 1055º do Código Civil. Todavia, importa realçar que na situação sub judice está em causa um contrato de aluguer e não de arrendamento. Atente-se na norma do art.º 1054º, n.º 1 do Código Civil: “Findo o prazo do arrendamento, o contrato renova-se por períodos sucessivos se nenhuma das partes se tiver oposto à renovação no tempo e pela forma convencionados ou designados na lei.” Decorre, pois, da letra da lei, que a norma se reporta exclusivamente ao arrendamento, e não também ao aluguer, embora se encontre prevista na parte geral da locação. Portanto, o âmbito de aplicação do art.º 1054º do Código Civil é o do arrendamento comum, quando este caduque pelo decurso do prazo, não se aplicando ao aluguer, assim como não se lhe aplica o disposto no art.º 1055º do mesmo diploma legal. Como tal, findo o prazo do contrato de aluguer, o contrato cessa definitivamente – cf. neste sentido, António Menezes Cordeiro, op. cit., pág. 839; Elsa Sequeira Santos, Código Civil Anotado, Ana Prata (Coord.), Volume I 2ª Edição Revista e Atualizada, pág. 1319; José Alberto González, Código Civil Anotado, Volume III – Contratos em Especial, 2014, pág. 224. Mantendo-se o locatário na posse da coisa com o consentimento do locador, há que determinar, conforme o circunstancialismo apurado, se se está perante mera tolerância (cf. art.º 1253º, b) do Código Civil), se se verificou uma nova locação ou se surge um comodato (cf. art.º 1129º do Código Civil). Nada se provando a não ser o conhecimento aquiescente: há tolerância, com detenção nomine alieno, que pode cessar a todo o tempo – cf. António Menezes Cordeiro, op. cit., pág. 839. Atendendo à factualidade apurada e tendo-se reconhecido que o prazo do contrato de aluguer, na falta de estipulação das partes, foi de um mês, findo este, verificou-se a sua caducidade, pelo decurso do prazo. No entanto, resultou também demonstrado, que a autora manteve os outdoors referidos em 4. e a ré procedeu ao pagamento da retribuição acordada, pelo menos até Novembro de 2020, o que revela a aquiescência das partes na manutenção da relação contratual acordada, sendo possível admitir que terão querido sucessivamente manter aquela locação, nos termos acordados. Não sendo aqui aplicável a renovação automática a que alude o art.º 1054º do Código Civil e não colhendo também aplicação a renovação de facto prevista no art.º 1056º do referido diploma legal, que respeita exclusivamente ao arrendamento[11], quer se entenda que se está perante uma mera tolerância e que, por essa razão, a locação podia cessar a todo o tempo, quer se considere que as partes quiseram manter a relação contratual de aluguer, nos termos acordados, cuja intenção se manifestava mensalmente mediante a continuação da imagem nos outdoors e o pagamento da retribuição da sua utilização, sempre se terá de reconhecer que nada obstava a que a ré comunicasse a sua intenção de pôr fim a tal locação, como fez, através da comunicação de 13 de Novembro de 2020. Com efeito, considerando que o aluguer se manteve para além do prazo inicial de um mês, através do comportamento tácito das partes, mas sem que se tenha apurado, em termos factuais, uma intenção clara de renovar ou celebrar um novo contrato a cada mês que se sucedia, há que reconhecer que qualquer uma das partes podia pôr termo a essa relação a qualquer momento. Mesmo que se admita que os factos apurados permitem concluir que as partes quiseram, mensalmente, celebrar um novo contrato de aluguer, este sempre teria a duração de um mês, pelo que ao comunicar, a 13 de Novembro de 2020, que pretendia cessar o contrato a partir do dia 30 de Novembro de 2020, a ré comunicou a cessação, que sempre ocorreria por força da caducidade decorrente do decurso do prazo, pelo que a partir do final desse mês, não estava a autora autorizada a cobrar a retribuição devida pela manutenção dos outdoors, porquanto se os manteve fê-lo contra a vontade da ré, que legitimamente comunicou a cessação do contrato de aluguer. Importa, assim, concluir que a quantia peticionada pela autora a título de retribuição pela manutenção dos outdoors até Novembro de 2021, não lhe é devida, pelo que procede a presente apelação, com a necessária revogação da decisão recorrida, na parte em que condenou a ré no pagamento da quantia de 6.642,00€, acrescida de juros de mora, pedido do qual deve ser absolvida. * Das Custas De acordo com o disposto no art.º 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. Nos termos do art.º 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria. A recorrente obteve integral provimento quanto à pretensão que trouxe a juízo, pelo que as custas (na vertente de custas de parte) deverão ficar a cargo da autora/apelada. De igual modo, em face do ora decidido, impõe-se alterar a condenação em custas em 1ª instância, cuja responsabilidade deverá ser atribuída à autora – cf. António Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 282 – “O resultado obtido no recurso de apelação pode determinar ainda uma modificação da decisão sobre custas que tenha sido proferida no tribunal a quo.” * IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar procedente a apelação e, em consequência: a. revogar a decisão recorrida na parte em que condenou a ré B no pagamento à autora da quantia de 6.642,00€, acrescida de juros de mora, à taxa comercial, absolvendo-a do pedido. Custas a cargo da apelada. * Lisboa, 28 de Março de 2023[12] Micaela Marisa da Silva Sousa Cristina Silva Maximiano Alexandra Castro Rocha _______________________________________________________ [1] Adiante designado pela sigla CPC. [2] Cf. Ref. Elect. 421779117. [3] E-book publicado pelo Centro de Estudos Judiciários, jan. 2014, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/CadernoV_NCPC_Textos_Jurisprudencia.pdf. [4] Acessível na Base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt, onde se encontram disponíveis todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem. [5] Com a Ref. Elect. 31807710. [6] Documento n.º 5 junto com o aperfeiçoamento do requerimento de injunção com a Ref. Elect. 31807710. [7] Cf. Ref. Elect. 412192895. [8] Cf. Ref. Elect. 31807710. [9] Adiante designado pela sigla RCCG. [10] Não se desconhecendo, contudo, a possibilidade de se afirmarem juízos que densifiquem e concretizem uma realidade de facto, conforme se retira do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-09-2017, relatora Fernanda Isabel Pereira, processo n.º 659/12.6TVLSB.L1-S1; no mesmo sentido, o Prof. Miguel Teixeira de Sousa, sustenta que a “chamada «proibição dos factos conclusivos» não tem hoje nenhuma justificação no plano da legislação processual civil; – cf. Matéria de facto; julgamento; “factos conclusivos”, Jurisprudência (785) 6-02-2018, acessível em Blog do IPPC https://blogippc.blogspot.com/search?q=jurisprud%C3%AAncia+%28785%29. No entanto, fá-lo referindo que tal como os temas de prova “não têm de (e, aliás, nem podem, nem devem) ser enunciados fora de qualquer enquadramento jurídico, também a resposta do tribunal à prova realizada pela parte não tem de ser juridicamente asséptica ou neutra” dando como exemplo que “sob pena de se cair num inaceitável formalismo, não pode constituir motivo de censura que o tribunal, depois de considerar provados determinados factos que consubstanciam a violação de deveres de cuidado, conclua que está demonstrada a negligência da parte”, o que revela que a afirmação de factos já com certa conotação jurídico-valorativa dependerá, contudo, da prova de factos que a suportem – cf. Jurisprudência (784) 5-02-2018, no referido Blog. [11] Cf. neste sentido, Elsa Sequeira Santos, op. cit., pág. 1321. [12] Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página. |