Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3347/16.0T8OER-A.L1-6
Relator: NUNO LOPES RIBEIRO
Descritores: EXECUÇÃO
PROCESSO ELECTRÓNICO
PROCURAÇÃO FORENSE
FALTA DE CITAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. A intervenção do executado no processo, relevante para os fins do art. 189.º do Código de Processo Civil, pressupõe o conhecimento ou a possibilidade de conhecimento da pendência do processo, bastando para tal a junção de procuração a mandatário judicial, pois tal acto permite presumir que o réu conhece o processo e não arguiu a falta de citação.
II. Não se desconhece jurisprudência no sentido de uma interpretação actualista, em virtude da natureza electrónica da tramitação dos processos.
III. Contudo, a tese tradicional da jurisprudência, no sentido da suficiência da simples junção de procuração a mandatário judicial, para efeitos de sanação da nulidade, assenta no pressuposto de que a parte pode conhecer o processo – directamente ou por intermédio de um advogado – antes ou independentemente da constituição de mandato forense nos autos.
IV. Ora, esse pressuposto tanto se mostra válido num quadro clássico de tramitação em papel como no quadro actual de tramitação electrónica dos processos judiciais, dada a similar garantia de acesso, consulta e obtenção de informação processual que é proporcionada à parte, quer directamente quer por intermédio de um advogado, em ambos os tipos de tramitação.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
           
I. Relatório
A interpôs acção executiva contra B, dando à execução uma livrança, pelo valor exequendo de
Valor Líquido: 25.680,45 €
Valor dependente de simples cálculo aritmético: 83,09 €
Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético: 0,00 €
Total: 25.763,54 €
Ao capital acrescem juros vencidos desde a data da entrada em mora - 15/07/2016 e até 12/08/2016, à taxa legal de 4% e imposto do selo sobre juros o que totaliza a quantia de € 83,09.
A soma do capital e juros e imposto do selo sobre os juros, calculados nos indicados termos até 12/08/2016, perfaz € 25.757,61.
A final, o Agente de Execução deverá contar os juros vencidos e vincendos, até integral e efectivo pagamento, desde 13/08/2016, à taxa legal de 4%, acrescida de imposto de selo sobre juros – tudo nos termos do disposto no n.º 2 do art. 716.º do CPC.
Alega, para fundar a sua pretensão executiva, o seguinte:
1.º - O A sucedeu ao C (que figura como credor no título executivo que serve de base a esta execução), na titularidade da obrigação exequenda e respectivas garantias, por força de deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014 (cfr. art.º 145.º - G n.º 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras e, ainda, certidão permanente – código de acesso: 5702-3835-4874), sendo, assim, parte legítima (activa), na presente execução (cfr. n.º 1 do art.º 53 e n.º 1 do art.º 54.º do NCPC).
2.º - O Exequente é legítimo portador de uma livrança subscrita pelo Executado, nos exactos termos que dela se extraem, no valor de € 25.680,45 (vinte e cinco mil, seiscentos e oitenta euros e quarenta e cinco cêntimos) (cfr. doc. em anexo).
3.º - Vencida em 15/07/2016, a livrança não foi paga pelo Executado apesar de, por diversas vezes, interpelado para o fazer, pelos serviços do Exequente.
4.º - O subscritor encontrava-se obrigado a pagar a livrança à data do seu vencimento, nos termos do art. 28.º da L.U.L.L., aplicável por força do disposto no art. 78.º da mesma convenção.
5.º - Além do indicado capital em dívida, o Executado deve ao Exequente os juros vencidos, contados desde a data da entrada em mora - 15/07/2016 - e vincendos até integral pagamento, à taxa legal em vigor de 4%, acrescidos do imposto do selo sobre os juros à taxa de 4%.
6.º - A Livrança é título executivo bastante, ex vi do disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 703.º do CPC.
7.º - O tribunal é territorialmente competente, por força do disposto no n.º 1 do art. 89.º do CPC.
O executado foi citado editalmente para os termos da execução, sendo afixados editais no dia 6/12/2017 na morada X e publicado em anúncio eletrónico no sitio de internet http://www.citius.mj.pt.
A execução prosseguiu os seus termos, à revelia do executado, até que, em 17/10/2019, o mesmo juntou aos autos procuração forense outorgada a favor de Ilustre Advogado, datada de 25/9/2019.
Em 30/10/2019, o referido Ilustre Mandatário apresentou requerimento aos autos, com o seguinte teor:
B ,Executado nos presentes autos vem junto V.excia expor o seguinte:
Compulsados os autos verifica-se que o Executado foi citado editalmente em 01/03/2018 com a indicação da ultima morada conhecida em X.
Ora o Executado desde 10/04/2017 que reside na R. Y, conforme documento que se junta (Doc n°l).
Deveria ter a sra Agente de Execução, antes de recorrer á citação edital, verificar junto dada AT ou Seg. Social, qual a última morada do executado , tal como o fez para a penhora confirmando a atual morada.
Se o tivesse feito teria constatado que o Executado já em Março de 2018 residia na atual morada
É pois .nula a citação nos termos do art 191°do CPCpelo que se requer a V. Excia se digne mandar proceder á citação do executado para Execução , na atual morada, e assim não prejudicar a defesa do citado.
Realizadas diligências, em 13/12/2019, foi proferido despacho com o seguinte teor:
Veio o Executado arguir a nulidade da sua citação, nos termos do artigo 191.º do Código de Processo Civil, por o mesmo ter sido citado editalmente quando reside desde 10/04/2017, na morada Rua Y.
Em resposta, veio a Sra. Agente de Execução esclarecer:
“- A ora signatária tentou em 09.09.2016, a citação do executado na morada que consta do requerimento executivo, a saber X, tendo a carta sido devolvida com a aposição postal de "objecto não reclamado", "Não atendeu" (vide Doc. 1);
- Posteriormente e somente para efeitos de citação prévia, foram efectuadas pesquisas junto das bases de dados para apurar a morada actualizada do executado, tendo resultado das mesmas uma só morada, a saber X (vide Docs. 2 a 5);
- Foi tentada em 27.09.2016, a citação na referida morada por via postal, tendo a mesma sido devolvida com a aposição postal " objecto não reclamado", "não atendeu" (docs.6 e7);
- Face a nova frustração, foi delegada no colega D a citação por contacto pessoal do executado em ambas as moradas já tentadas via postal, a do requerimento executivo e a resultante das pesquisas efectuadas, tendo as diligências sido frustradas, conforme certidão negativa de citação que se junta (vide Doc. 8);
- Foi em 26.10.2016, foi requerida aos autos autorização para a citação edital do executado, tendo sido a Agente de Execução notificada posteriormente do provimento em vigor;
- Em 19.12.2016, foi efectuada delegação de afixação de edital de citação prévia, delegação essa que devido a questões/falha informática não foi detectada pelo AE delegado, tendo sido feita nova delegação em 24.10.2017.
- A afixação referida foi concretizada em 06.12.2017, na ultima morada conhecida e à qual o AE se deslocou a morada constante do requerimento executivo (vide Doc. 11).”
Cumpre apreciar e decidir.
Desde logo, cumpre referir que, estando em causa uma situação de uso indevido da citação edital, a consequência não é a nulidade da citação nos termos previstos no artigo 191.º e seguintes do Código de Processo Civil, mas sim a de falta de citação, conforme expressamente consagrado no artigo 188.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil.
Sendo uma situação de falta de citação, a verificar-se a mesma, a sua arguição pelo Executado é extemporânea e encontra-se a mesma sanada, uma vez que nos termos do disposto no artigo 189.º do Código de Processo Civil tal nulidade terá de ser arguida aquando da primeira intervenção processual do citado. Compulsados os autos, constata-se que a primeira intervenção processual por parte do Executado ocorreu em 17/10/2019, com a junção de procuração forense, e que a arguição da nulidade só veio a ocorrer por requerimento de 30/10/2019.
De qualquer modo, mesmo que assim não se entendesse, os factos alegados pelo Executado são manifestamente insuficientes para se concluir pela utilização indevida da citação edital, já que o mesmo apenas indica a morada que tem desde 10/04/2017, sendo certo que as diligências tendentes ao apuramento do seu paradeiro à sua citação pessoal ocorreram nos anos de 2015 e 2016.
Por fim, ainda se dirá que, compulsados os autos, foram realizadas todas as diligências adequadas ao apuramento do paradeiro do Executado, previstas nos artigos 228.º e seguintes do Código de Processo Civil.
Pelo que improcede a arguição de nulidade de citação.
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Inconformado, o executado interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
1- Vem o presente Recurso interposto da douto despacho proferido no Proc0 3347/16.0 T80ER, que corre pelo Juizo de Execução-Juiz 1 -Oeiras, da Comarca de Lisboa Oeste,
2- 0 Recorrente soube em finais de Outubro de 2019 da existência da presente execução e só após compulsar os autos verificou que tinha sido citado editalmente.-
3- A ultima busca à base de dados por parte do Sr.Agente de Execução terá ocorrido em Outubro de 2016 quando a citação edital foi requerida em 27.10.2017 ou seja uma ano depois.
4.Nessa data já o executado residia na atual morada há cerca de 6 meses, pelo que se fosse efetuada nova busca, como deveria ter sido cf. Art° 236 do C.P.Civil, o Executado teria sido devidamente citado e assim concedida a hipótese de defesa o que não aconteceu por falta de cumprimento dos pressupostos processuais.
5- 0 Recorrente logo na sua 1o intervenção na execução argui a nulidade da citação por falta de cumprimento dos referidos pressupostos, o que veio a ser indeferido pelo Mmo. Juiz “a quo” com o argumento de que para além de extemporânea a arguição da nulidade o que deveria ter sido arguido seria a falta de citação.
6- 0 Recorrente não concorda com o douto despacho porque efetivamente arguiu a nulidade na sua 1o intervenção no processo e porque em seu entender a arguição da nulidade tem cabimento porque a citação é nula porque não obedeceu aos requesitos devidos.
Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis requer-se a V.Exa. se proceda à revogação do despacho do Mmo. Juiz “a quo” que indefere o pedido de nulidade de citação do Executado pela via edital, devendo proceder-se à citação do Executado pelas vias normais nomeadamente postal ou pessoal para a atual morada para que este possa exercer o seu direito de defesa, fazendo-se Justiça.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.
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II. Objecto e delimitação do recurso
Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece, sob pena de indeferimento do recurso.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:
- Tempestividade da arguição da falta de citação
- Verificação dos pressupostos para a citação edital do executado.
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III. Os factos
Consideram-se provados os factos supra enunciados, que fluem do processo.
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IV. O mérito do recurso
- Tempestividade da arguição da falta de citação
A citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender – art. 219.º, n.º 1, do Código de Processo Civil – visando assegurar a plena realização do princípio do contraditório, com consagração constitucional nos arts. 2.º e 20.º, n.º 1, da Constituição da República.
A lei distingue a falta de citação da nulidade da citação.
Haverá falta de citação – art. 188.º, n.º 1, do Código de Processo Civil – quando: (a) o acto tenha sido completamente omitido; (b) tenha havido erro de identidade do citado; (c) se tenha empregado indevidamente a citação edital; (d) se mostre que foi efectuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste tratando-se de pessoa colectiva ou sociedade; ou (e) quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável, como decorre da letra da lei.
Pode ser invocada em qualquer estado do processo, enquanto não dever considerar-se sanada – art.º 198.º, n.º 1 do mesmo Código.
Quanto à mera nulidade da citação, ocorre quando na sua realização não hajam sido observadas as formalidades prescritas na lei, devendo ser arguida no prazo indicado para a contestação ou, sendo a citação edital ou não tendo sido indicado prazo para a defesa, na primeira intervenção do citado no processo – art. 191.º, n.ºs 1 e 2, da lei adjectiva que vimos citando.
O art. 189.º do Código de Processo Civil determina que a falta de citação considera-se sanada se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a nulidade – norma que o recorrente parece esquecer e que decide o destino do recurso.
Alberto dos Reis escreveu que o réu, não tendo sido citado, não é obrigado a intervir no processo, podendo arguir essa nulidade em qualquer altura: «o réu, tendo conhecimento de que contra ele corre um processo em que não foi citado, ou intervém nele na altura em que se encontra ou argui a falta da sua citação», ficando a falta «sanada se o réu a não arguir logo, isto é, no preciso momento em que, pela 1ª vez, intervém no processo.» - in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, pág. 447.
Para Lebre de Freitas, «não faria sentido que o réu ou o Ministério Público interviesse no processo sem arguir a falta de citação e esta mantivesse o efeito de nulidade. Ao intervir no processo, o réu ou o Ministério Público tem, ou pode logo ter, pleno conhecimento do processado, pelo que, optando pela não arguição da falta, não pode deixar de se presumir iuris et de iure que dela não quer, porque não precisa, prevalecer-se.» - in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3.ª ed., pág. 369.
A intervenção do executado no processo, relevante para os fins do art. 189.º do Código de Processo Civil, pressupõe o conhecimento, ou a possibilidade de conhecimento, da pendência do processo, sendo entendimento tradicional que bastaria para tal a junção de procuração a mandatário judicial, pois tal acto permitiria presumir que o réu conhece o processo e não arguiu a falta de citação.
Neste sentido, cfr. os Acórdãos da Relação do Porto de 25/11/2013 (Proc. 192/12.6TBBAO-B.P1), da Relação de Évora de 16/04/2015 (Proc. 401/10.6TBETZ.E1), da Relação de Lisboa de 20/04/2015 (Proc. 564/14.1TVLSB.L1-2) e da Relação de Guimarães de 01/02/2018 (Proc. 1501/16.4T8BGC.G1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
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Alguma jurisprudência mais recente tem caminhado em sentido mais restritivo, defendendo-se uma interpretação actualista, em virtude da natureza electrónica da tramitação dos processos.
No pressuposto de que se tornou necessária a consulta electrónica dos processos, que não estaria ao alcance de todos os cidadãos, tem sido entendido que a simples junção de procuração se mostra insuficiente, enquanto facto presuntivo do conhecimento do processo.
Veja-se, nesse sentido, os Acórdãos da Relação de Guimarães, de 10/7/2018 e de Évora, de 13/11/2016, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, citando-se este último:
Tendo presente a realidade social, económica e a própria evolução tecnológica, inclusivamente na dimensão do acesso ao direito através do recurso a ferramentas informáticas, de acordo com os cânones de uma boa interpretação, estando a hermenêutica actualista legitimada pelo Código Civil e pela Teoria do Direito, o julgador tem de tomar em consideração as circunstância de tempo e de modo em que a lei deve ser aplicada e, como corolário lógico, no domínio da Tramitação Electrónica dos Processos Judiciais preconizada pela Portaria nº280/2013, de 26/08, não é legítima a conclusão que a simples apresentação de uma procuração, que é condição de acesso ao sistema electrónico e constitui pressuposto de qualquer actuação processual futura, implica a sanação de eventual falta de citação de uma das partes e preclude a hipótese de suscitar a competente nulidade.
Veja-se, também e desta Relação de Lisboa, o Acórdão de 5/11/2019, também disponível em www.dgsi.pt:
Na tramitação dos processos em suporte de papel, afigura-se adequado concluir que a simples junção de procuração a mandatário judicial seria suficiente para pôr termo à revelia absoluta, constituindo intervenção processual que faz pressupor o conhecimento do processo, de modo a presumir-se que o réu prescindiu conscientemente de arguir a falta de citação([4]).
No entanto, a realidade processual é hoje diversa e, apesar da presente execução ter sido instaurada em 2005, a mesma encontra-se sujeita a tramitação eletrónica de acordo com a Portaria nº 280/2013, de 26.8 (que entrou em vigor em 1.9.2013).
Veja-se que a citação edital eletrónica do aqui executado terá ocorrido em 29.6.2016 (cfr. fls. 29 deste Apenso), e a procuração forense foi junta aos autos em 22.2.2018.
Ora, estabelece o art. 27 da referida Portaria nº 280/2013, na redação então vigente conferida pela Portaria nº 170/2017, de 25.5, que: “1- A consulta de processos por parte de advogados e solicitadores é efetuada:
a) Relativamente à informação processual, incluindo as peças e os documentos, existentes em suporte eletrónico, através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, com base no número identificador do processo; ou
b) Junto da secretaria.
2 - O acesso ao sistema informático de suporte à atividade dos tribunais para efeitos de consulta de processos requer o prévio registo dos advogados e solicitadores, nos termos do n.º 2 do artigo 5.º
3 - À consulta eletrónica de processos aplicam-se as restrições de acesso e consulta legalmente previstas.”
Por sua vez, nos termos do art. 5, nº 2, da mesma Portaria, o registo e a gestão de acessos ao sistema informático, designadamente por advogados, são realizados pela entidade responsável pela gestão de acessos ao sistema informático, com base na informação transmitida pela Ordem dos Advogados, respeitante à validade e às vicissitudes da inscrição junto da mesma.
Assim, ainda que exista um processo físico em suporte de papel, o acesso à tramitação eletrónica do mesmo – indispensável a uma análise completa e detalhada do processo – implicará a junção de uma procuração forense que, nessa medida, constitui, em si mesma, o pressuposto de qualquer intervenção nos autos.
Deste modo, subscrevemos, no essencial, o entendimento seguido na mais recente jurisprudência([5]), no sentido de que a intervenção relevante da parte na causa, designadamente para os efeitos previstos no art. 189 do C.P.C., pressupõe um acesso ao processo eletrónico que a mera junção de procuração forense a mandatário judicial hoje não garante.
Ou seja, não deverá, no atual quadro normativo, considerar-se que a simples junção da procuração forense afasta a possibilidade de ulterior arguição de vício de nulidade por falta de citação. Pelo menos nos 10 dias subsequentes (cfr. art. 149 do C.P.C.).
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Temos para nós que se há-de tratar desta questão com equilíbrio.
Por um lado, postula a garantia constitucional do direito ao acesso aos Tribunais (art. 20º da Constituição da República), que sempre deverá orientar a decisão do caso concreto.
Por outro, não se acompanha o entendimento que o acesso aos processos judiciais tramitados de forma electronica mereçam tratamento diferenciado, na medida em que tal raciocínio pressupõe que o acesso aos mesmos é feito exclusivamente de forma electrónica e por mandatário judicial.
Esquece esta tese, salvo melhor opinião, que o legislador previu expressamente no art. 27º-A da referida Portaria nº 280/2013, na versão resultante da Portaria n.º 267/2018, de 20 de Setembro, a consulta directa dos processos electrónicos, pelas partes (encontrando-se já prevista a consulta directa dos processos executivos desde Maio de 2017):
Artigo 27.º-A
Consulta de processos pelas partes e por quem revele interesse atendível
1 - A consulta pelas partes dos processos nos tribunais judiciais efetua-se na Área de Serviços Digitais dos Tribunais, acessível no endereço eletrónico https://tribunais.org.pt, mediante autenticação prévia com recurso ao certificado digital de autenticação integrado no cartão do cidadão ou à chave móvel digital, podendo ser utilizado para o efeito o Sistema de Certificação de Atributos Profissionais associado a estes, e processa-se de acordo com os procedimentos e instruções constantes daquele endereço eletrónico.
2 - O acesso à área reservada do endereço eletrónico referido no número anterior pode ser efetuado também, em computadores existentes para o efeito nos tribunais, através de código de acesso, válido por 4 horas, emitido por qualquer secretaria de um tribunal judicial ou administrativo e fiscal, após confirmação presencial da identidade do requerente e, quando aplicável, dos seus poderes de representação.
3 - Não se encontram disponíveis para consulta por via eletrónica os processos executivos que, devendo ter agente de execução designado que não seja oficial de justiça, não tenham agente de execução distribuído ou este se encontre impedido, temporária ou definitivamente, de os tramitar.
4 - No âmbito da consulta de processos executivos com agente de execução designado que não seja oficial de justiça, o agente de execução pode disponibilizar informações complementares sobre o estado do processo.
5 - A consulta de processo por quem nisso revele interesse atendível efetua-se nos termos previstos nos n.os 1 e 2, sendo o processo disponibilizado na área reservada do referido endereço eletrónico apenas após apreciação do tribunal ou da secretaria, consoante os casos, e pelo período de 10 dias.
6 - Aplica-se à consulta eletrónica de processos nos termos do presente artigo o disposto no n.º 3 do artigo anterior.
À possibilidade da consulta electrónica de processos, acresce a possibilidade de consulta do suporte em papel, dos processos executivos, junto da própria secretaria e a obrigação legal que incumbe às secretarias judiciais de prestação de informação precisa sobre o estado dos processos às respectivas partes, nos termos em geral permitidos pela Lei Processual Civil (art. 162º, nºs 2 e 4 e 164º, nº2, c), do Código respectivo).
Ou seja, a tese tradicional da jurisprudência, no sentido da suficiência da simples junção de procuração a mandatário judicial, para efeitos de sanação da nulidade, assenta no pressuposto de que a parte pode conhecer o processo – directamente ou por intermédio de um advogado – antes ou independentemente da constituição de mandato forense nos autos.
Ora, esse pressuposto tanto se mostra válido num quadro clássico de tramitação em papel como no quadro actual de tramitação electrónica dos processos judiciais, dada a similar garantia de acesso, consulta e obtenção de informação processual, que é proporcionada à parte, quer directamente quer por intermédio de um advogado, em ambos os tipos de tramitação.
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No caso dos autos, ocorreu a junção de procuração forense pelo executado em 17/10/2019, sem que fosse de imediato arguida a falta de citação.
Tal intervenção é relevante para efeitos de considerar sanada a eventual nulidade de falta de citação, na linha do entendimento jurídico ora exposto.
Daí a improcedência total da presente apelação, resultando prejudicada a apreciação dos pressupostos para a citação edital do executado, pois que a eventual nulidade sempre se encontra sanada.
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V. Decisão                                              
Pelo exposto, decide-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se na íntegra o despacho proferido na primeira instância, em 13/12/2019.
Custas pelo apelante.
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Lisboa, 8 de Outubro de 2020
Nuno Lopes Ribeiro
Gabriela de Fátima Marques
Adeodato Brotas