Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | PAULO REGISTO | ||
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO PESSOA COLECTIVA RESPONSABILIDADE PRATICA COMERCIAL ENGANOSA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/19/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I - De acordo com o art.º 7.º, n.º 2, do DL n.º 9/2021, de 29-01 (Regime Jurídico das Contra-ordenações Económicas), a imputação de uma contra-ordenação a uma pessoa colectiva não se encontra dependente, exclusivamente, da prática de actos integrantes desse ilícito por parte dos membros de um órgão societário. II - A responsabilidade contra-ordenacional pode também resultar de actos cometidos por trabalhadores (sejam ou não titulares de cargos de direcção ou de chefia), assim como por mandatários ou por representantes, desde que tenham actuado em nome e por conta da pessoa colectiva. III - Por regra, os mandatários ou os representantes não integram a estrutura orgânica da pessoa colectiva (ao contrário do que sucede, v.g., com os administradores, gerentes, directores ou chefes), o que, não obstante, não exclui a responsabilidade contra-ordenacional do ente colectivo, quando aqueles, funcionalmente, actuem em seu nome e no seu interesse. IV - Não se mostra excluída a responsabilidade contra-ordenacional da pessoa colectiva quando os actos delituosos tenham sido praticados por uma colaboradora que trabalhava para uma outra empresa, mas que, funcionalmente, se encontrava ao seu serviço, contactando os seus clientes e propondo alterações contratuais em seu nome e no seu interesse. V - Deve ser considerada “prática comercial enganosa” e, por isso, proibida por lei, o oferecimento de informações falsas ou mesmo a prestação de informações verdadeiras por parte da empresa, desde que induzam ou que sejam susceptíveis de induzir o consumidor em erro, relativamente aos elementos contratuais previstos nas diversas alíneas do art.º 7.º, n.º 1, do DL n.º 57/2008, de 26-03. VI - A empresa incorre em “prática comercial enganosa” quando comunica ao cliente, através de uma operadora, que actuou no seu nome e no seu interesse, que era obrigatória a mudança de cabos de cobre para cabos de fibra óptica no serviço de telefone fixo, com vista a obter a alteração do contrato, quando essa mudança era meramente facultativa. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes que integram a secção da propriedade intelectual, concorrência, regulação e supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa I - RELATÓRIO: A “MEO – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÔES E MULTIMÉDIA, SA”, melhor identificada nos autos, veio interpor recurso da sentença proferida no dia 31-10-2023, pelo Juízo de Concorrência, Regulação e Supervisão – J 2, que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada e que, em consequência, manteve a sua condenação pela prática de 1 (uma) contraordenação negligente, prevista no n.º 1 do art.º 21.º do DL n.º 57/2008, de 26-03, por adoção de uma prática comercial desleal proibida nos termos do n.º 1 do art.º 7.º do mesmo diploma, na coima de €10.000 (dez mil euros); * Na parte final do recurso, a recorrente “MEO – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÔES E MULTIMÉDIA, SA” apresentou as seguintes conclusões: “1. Após a fase processual da defesa no processo de contraordenação, a ANACOM decidiu que a ora Impugnante havia incorrido na prática de um ilícito de mera ordenação social, tendo aplicado uma coima de €10.000 pela prática de contraordenação prevista no art.º 21.º do DL n.º 57/2008, sendo que nem a Recorrente admite ter praticado tal ilícito, nem se conforma com tal decisão. 2. A Mma. Juiz a quo veio a entender que as pessoas colectivas são responsáveis por quaisquer infracções cometidas em actos praticados em seu nome ou por sua conta, pelos seus trabalhadores no exercício das suas funções, bem como pelas infracções cometidas por seus mandatários e representantes em actos praticados em seu nome ou por sua conta, independentemente do distanciamento que esses agentes tenham do centro decisório da pessoa colectiva, o que levou a que considerasse a Recorrente responsável pela infracção de que vem condenada nos autos por negligência. 3. No entanto, não lhe assiste razão, fazendo deste modo a Mma. Juiz a quo uma interpretação em violação do disposto no n.º 2 do art.º 3.º do Regime Quadro das Contraordenações no sector das Comunicações (QCOSC) e n.º 2 do art.º 7.º do RGCO, pois da conjugação desses normativos e da sua aplicação à situação em concreto, a responsabilidade da Recorrente pelo lícito em causa não pode deixar de ser afastada. 4. Com efeito, não lhe poderá ser imputada a prática da contraordenação em causa porquanto não se pode entender que a operadora da empresa contratada estavam a actuar em nome e em representação da Arguida, porquanto não é colaboradora que preste serviços à MEO e não pertence a qualquer órgão societário da mesma, não se podendo considerar que vincula esta de algum modo, porquanto não possui nem capacidade nem poderes de manifestar uma vontade imputável à Arguida. 5. Acontece que a Mma. Juiz a quo vem entender que o modelo de imputação funcional, que considera ter sido adoptado por aqueles normativos, desde logo levaria a Recorrente a incorrer em responsabilidade contraordenacional pelos ilícitos ora em apreço com violação do disposto no DL n.º 57/2008, ilícito esse, que, no entanto, foi praticado, conforme foi dado por provado, por colaboradora afecta a empresa prestadora de serviços a quem a Recorrente contratou os serviços efectuados. 6. O n.º 2 do art.º 7.º do RGCO limita a responsabilidade das pessoas colectivas apenas às contraordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções, sendo que ainda que se possa entender que este preceito terá que ser interpretado extensivamente, tal interpretação extensiva não pode ser excessivamente ampla de modo a incluir todo e qualquer representante da sociedade, mesmo que completamente distanciado dos seus órgãos ou centros de decisão, por tal se encontrar em total desacordo com as regras da interpretação das leis ínsitas no Código Civil! – cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 24/01/2007, Proc. n.º 0643899 e c. da Relação de Guimarães, de 24/09/2018, Proc. n.º 772/18.0T8BRG.1. 7. Mesmo que se entenda que se verifica a uma imputação funcional e não orgânica, no que se acompanha a Mma. Juiz a quo, não se pode pura e simplesmente afastar totalmente a perspectiva orgânica, porque claramente o legislador não o fez nem poderia fazer, sob pena desse modo subverter o carácter e princípios básicos do direito penal, donde não se pode deixar de entender que apenas podem vincular a pessoa colectiva actos praticados pelos seus colaboradores e não por terceiros que não possuam qualquer ligação funcional ou vínculo laboral com essa pessoa colectiva. - Tribunal da Relação de Guimarães, no Proc. n.º 722/18.0T8BRG.G1 de 24.09.201 e Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. n.º 5840/14.0ECLSB.L1-9 de 2019. 8. Destarte, não se pode entender que a operadora pertencente a uma pessoa colectiva legal e funcionalmente distinta da Recorrente, que não é trabalhadora afecta aos quadros da Recorrente, a pode tout court vincular, porquanto não possui nem capacidade nem poderes de manifestar uma vontade imputável à Arguida, nem sequer pertencendo a qualquer órgão societário da mesma. 9. Deste modo, mal andou a Mma. Juiz a quo ao entender que a actuação da operadora em causa em violação do disposto no DL nº 57/2008 e em claro incumprimento das instruções expressas recebidas da Arguida implicaria responsabilidade subjectiva da MEO em termos contraordenacionais pela mesma e condenável a título contraordenacional, tendo assim violado o disposto no n.º 2 do art.º 3.º do QCOSC e n.º 2 do art.º 7.º do RGCO, donde em consequência, não pode deixar a sentença em causa de ser revogada e a Recorrente devidamente absolvida. 10. Essa condenação ora recorrida decorreu de igual modo devido a outro erro de julgamento da Mma. Juiz a quo, que consistiu no alegado facto de ter entendido como não provado que a Recorrente tenha transmitido aos seus prestadores contratados quais as normas legais aplicáveis aos contactos telefónicos e contratações que os seus colaboradores iriam efectuar. 11. A Recorrente há muito que subcontrata o serviço de call center a empresas que têm por objecto social esses serviços, empresas essas legalmente obrigadas ao cumprimento de toda a legislação concernente ao sector de actividade em que actuam, que inclui no seu âmbito de aplicação todas as empresas que actuem e prestem serviços neste sector de actividade. 12. Além disso, a MEO a todo o tempo presta formação e transmite informação aos prestadores de serviços para que estes transmitam aos seus colaboradores sobre todos os produtos e serviços que vão comercializar, bem como da forma como devem efectuar os contactos e as contratações com os seus clientes. 13.E a Recorrente, para ter tal garantia a priori de conhecimento da Lei e regulamentação aplicável por essas entidades e a posteriori de cumprimento dessas estipulações, actua de diversos modos distintos: Contratualmente, fazendo constar dos contratos de prestação de serviços celebrados com essas empresas que as mesmas conhecem e se comprometem a cumprir todas as normais legais e regulamentares e instruções emanadas pela Recorrente com respeito aos serviços que irão prestar; Na prática, possuindo um amplo sistema montado e aplicado de formação e controlo da qualidade dos seus trabalhadores, agentes e prestadores de serviços, de modo a poder se assegurar de que todos conhecem e irão cumprir as normas e especificações técnicas aplicáveis; Efectuando monotorizações aleatórias ao trabalho efectuado pelos seus prestadores contratados, fiscalizando parte das chamadas efectuadas após concretização das mesmas e analisando qualquer comportamento que entendam poder ser desconformes com as instruções veiculadas; Punindo financeiramente o prestador de serviços por qualquer incumprimento ou irregularidade que vier a detectar em qualquer actuação empreendida por algum dos seus colaboradores em desconformidade com as regras e instruções que lhe foram transmitidas. 14. Destarte, a Recorrente tudo fez para assegurar que os operadores do prestador de serviços em causa – a Intelcia - executam e garantem, na execução das suas funções, o cumprimento das normas legais e das especificações e instruções que lhe são comunicadas pela Recorrente. 15. Nestes termos, jamais poderia a Recorrente ter dado instruções para que os operadores dessas empresas pudessem deliberada, intencionalmente e em seu nome incumprir todas as normas legais e regulamentares que lhe foram transmitidas e que legal e contratualmente se comprometeram a cumprir! 16. Pelo que resulta manifesto que se a operadora Márcia Lopes efectuou um contacto e transmitiu ao cliente informações que não correspondiam àquelas instruções recebidas e com as obrigações legais que bem sabiam estar obrigada a cumprir, tal apenas pode ter ocorrido sem conhecimento ou conivência da Recorrente – ou seja, verifica-se que essa operadora actuou, na situação concreta dos autos, de forma contrária às ordens e instruções recebidas da Recorrente, pelo que logo afastada das suas funções, como se deu por provado. 17. O art.º 3.º da LQCOSC, muito semelhante ao art.º 11.º, n.º 6, do CP, prevê uma exceção da imputação à pessoa coletiva “quando o agente actue contra ordens ou instruções expressas daquela”. 18. A Recorrente transmite aos seus prestadores de serviços todas as instruções e informação expressa sobre a obrigatoriedade de serem observados nos contactos contratações a efectuar, todas as instruções recebida e a cumprir todas as normais legais em vigor, de modo a que procedam de acordo com os mesmos, factos estes que são do pleno conhecimento da Recorrida, e que foram dados como provados, donde a Recorrente desconhece e sendo claramente contrário a tais instruções quaisquer actuações que possam eventualmente ser por aqueles operadores empreendidas que contrariem as instruções e informações que especificamente lhes foram transmitidas pela MEO - o que ocorreu in casu. 19. A Recorrente transmitiu aos seus prestadores de serviços instruções expressas sobre os contactos a efectuar, desconhecendo e sendo claramente contrário a tais instruções quaisquer actuações que possam eventualmente ser por aqueles tomadas que contrariem as instruções e informações que claramente lhes foram transmitidas pela Recorrente, sendo que não consegue evitar de modo universal a violação dessas regras por esses técnicos quando os mesmos actuam de forma diversa das formações e instruções que receberam e da legislação que se obrigaram a cumprir! 20. Deste modo, a violação dos normativos por essas empresas terceiras contratadas não pode ser considerada uma violação da Lei pela Recorrente, muito menos a título de imputação subjectiva, pelo que não poderia imputar-se os factos descritos nos autos à Recorrente, pois resultou provado que não os praticou e que foram perpetrados por uma operadora de uma empresa prestadora de serviços contratada pela Recorrente em claro desrespeito da formação e instruções recebidas desta. 21. Pelo que mal, andou a Mma. Juiz a quo ao ter entendido que não se verificava nos autos a causa de exclusão de responsabilidade de pessoas colectivas constante do art.º 3.º da referida QCOSC, que determina que essa responsabilidade é excluída quando o colaborador ou actuante em nome ou por conta da pessoa colectiva actue contra ordens ou instruções expressas daquela. 22. A Mma. Juiz a quo veio a entender que a Recorrente agiu de foram livre e consciente, pois conhecia as nomas legais e regulares aplicáveis, e por tal facto, entendeu que a Recorrente não praticou organicamente a actuação que consubstancia os factos ilícitos, que foram praticados por terceiros, mas que ainda permitiu negligentemente que tal infração fosse cometida por violação de deveres de cuidado, mas mal andou ao assim ter entendido, pois a Recorrente tudo fez para assegurar que os instaladores executem e garantam, na execução das suas funções, o cumprimento das normas legais e instruções em causa. 23. Assim, in casu, deverá considerar-se que não era exigível outro comportamento da Recorrente, que, para além de todo o trabalho de formação preparatória que concede aos seus prestadores de serviços, possui os mecanismos necessários e eficazes de controlo que antecedam eventuais problemas causados pela empresas prestadoras de serviços e também mecanismos posteriores de controle e correcção de situações que venha a detectar, de modo a que sejam em todo o momento cumpridas as determinações legais aplicáveis. 24. Deste modo, mal andou a Mma. Juiz a quo ao ter entendido que a Recorrente não deu instruções específicas à operadora em causa que tenham sido por esta deliberadamente incumpridas, pois, tal como provado, procedeu com o cuidado a que, nas circunstâncias, estava obrigada e era capaz e viável, não lhe sendo não era exigível outro comportamento na situação in casu. 25. Resulta evidente que se a operadora do prestador de serviços, que necessariamente não pertence à estrutura da Recorrente mas sim foi por esta contratadas para a execução de tais serviços, tendo instruções concretas resultantes quer da Lei quer do contrato no sentido de terem de executar esses contratos e contratações de acordo com essa lei e todo os regulamentos aplicáveis, não o fez, não manifestou com tal actuação a vontade deliberada da Recorrente e sim um claro desrespeito pelas instruções recebidas desta, e como tal, contrárias à sua vontade. - Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13/07/2023, Proc. n.º 940/20.0T9FNC.L1-5. 26. Nestes termos, mal andou a Mma. Juiz a quo ao entender que a Recorrente adoptou as condutas violadoras nas normas descritas, e que o fez de forma livre e consciente e que optou por realizar tais infracções, pois ficou claramente demonstrados que a Recorrente nunca deu instruções para que as instalações fossem efetuadas em incumprimento das normas legais, antes pelo contrário que esses instaladores foram instruídos expressamente para que essas normas fossem, sempre e em qualquer circunstância, cumpridas. 27. E se assim é, verifica-se in casu a causa de exclusão de responsabilidade da pessoa colectiva prevista no n.º 3 do art.º 3.º da Lei nº 99/2009, e no art.º 7.º RGCO, consubstanciada no facto de os comitentes terem actuado em desconformidade com as instruções recebidas da Recorrente). 28. Assim, mal andou a Mma. Juiz a quo ao ter entendido de modo diverso, tendo efectuado uma incorrecta aplicação da Lei e condenando a Recorrente pelos factos em causa nos autos, o que claramente esta em incumprimento da Lei, devendo a sentença ser substituída por outra que considere ter havido pela operadora do prestador de serviços incumprimento das instruções recebidas da Recorrente, e, como tal, na sua atuação não representou a vontade desta, conduzindo, assim, à sua absolvição. 29. Nestes termos, entende a Recorrente que não poderia ter sido condenada pela prática da contraordenação em que vem condenada, uma vez que não se verificava a prática dos identificados ilícitos p. e p. no DL 57/2008 e muito menos que existisse consciência de ilicitude na sua, pois inexiste os elementos objectivos e subjectivos do tipo contraordenacional em causa. 30. Assim, a douta sentença ora recorrida decidiu no sentido da improcedência da impugnação por, por um lado, não ter valorado devidamente os factos que obtiveram prova, e efectuada uma incorreta valoração jurídico-legal das normas aplicáveis, sendo que efectuada tal correcta valoração, as conclusões de Direito a retirar terão que ser forçosamente outras, ou seja, as supra explanadas, que conduziriam necessariamente à procedência do recurso e à absolvição da coima em que foi condenada. 31.Pelo exposto se conclui que nunca houve nem qualquer intenção, nem qualquer conformação da MEO com a prática de qualquer actuação delituosa, porquanto nunca houve intenção de violar a Lei, nem se admite que a Recorrente tenha violado os deveres legais que se lhe impunham nem que existiu qualquer intenção de o fazer, ainda que através de terceiro contratado para o efeito. 32.Neste contexto, em que se verifica não existiu cabal demonstração de contraordenação com os elementos legais que a caracteriza, pois se a prova produzida tivesse sido devidamente apreciada não haveria lugar sequer à imputação da arguida de qualquer ilícito, a ora Recorrente não se conforma com a coima aplicada, pois não tendo existido o elemento "culpa", nunca a MEO poderia ter merecido a aplicação de qualquer sanção de tipo coima. 33. A responsabilidade da Recorrente pelo ilícito em causa sempre seria indirecta, uma vez que não foram praticadas por colaborador da Recorrente nem por prestador que expresse a vontade desta, uma vez que actuou contra as instruções e ordens dessa recebida na execução desses trabalhos. 34. Vem a Mma. Juiz a quo entender que se verifica o elemento subjectivo da contraordenação em causa por a Recorrente ter omitido os deveres de cuidado que lhe competiam por entender que deveria ter evitado por não ter meios capazes de fiscalização que a operadora do prestador de serviços tivesse empreendido conduta que levasse à violação de proibições legais, sendo que não se compreende como pode assim entender a Mma. a quo, quando bem se sabe que a MEO transmite aos seus prestadores de serviços a totalidade das regras legais e de procedimento que quer ver cumpridas e executiva diversas actuações de monotorização da actuação desses prestadores exactamente para evitar que sejam empreendidos procedimentos distintos dessas instruções que lhes foram veiculadas. 35. A responsabilidade penal ou contraordenacional das pessoas colectivas depende necessariamente da imputação de uma reteimada acção à pessoa colectiva e da existência de culpa do agente, donde importaria avalizar o grau da ilicitude do comportamento da Recorrente e ponderar se a actuação desta violou de facto o disposto no DL n.º 57/2008, sendo que, diversamente do afirmado pelo tribunal a quo, não há imputação nem gravidade objectiva. 36. Resulta de tudo o exposto que a conduta da Recorrente, a ser punível – o que não se aceita - não corresponde ao comportamento consciente necessário para qualificar o comportamento como violador do DL nº 57/2008, donde resulta que o valor da condenação é excessivo.” * A “AUTORIDADE NACIONAL DE COMUNICAÇÕES” veio responder, conforme requerimento que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, no qual sustentou, em síntese, que o recurso deverá ser julgado improcedente e que deverá ser mantida a sentença recorrida. Apresentou, nessa resposta, as seguintes conclusões: “1.ª A imputação da responsabilidade contraordenacional à pessoa coletiva resulta de se considerar autor quem tiver violado, quer por ação, quer por omissão, a proibição legal ou o dever jurídico cuja violação a lei sanciona com contraordenação, solução esta que é coerente com o facto de no direito contraordenacional a ilicitude não assentar numa censura ético-jurídica, mas sim na efetiva violação de um dever legal que cabe à pessoa coletiva cumprir, e não a qualquer pessoa individual, só podendo, por isso, ser punido por essa violação o ente coletivo. 2.ª No Direito das Contraordenações, o critério de delimitação da autoria neste tipo de ilícito não é do domínio do facto, mas sim o da titularidade do dever, conduzindo, em regra, este conceito extensivo de autoria à responsabilização da entidade sobre a qual recai o dever, sempre que se tenha verificado o resultado que aquela estava legalmente incumbida de evitar. 3.ª Nos termos do n.º 2 do art.º 7.º do RJCE – regime legal aplicável ao caso em apreço –, as pessoas coletivas são responsáveis pelas infrações cometidas em atos praticados em seu nome ou por sua conta, pelos seus trabalhadores, desde que atuem no exercício das suas funções ou por causa delas. 4.ª Não releva para a imputação da contraordenação económica grave à pessoa coletiva o vínculo jurídico que a Recorrente tem com a empresa que, efetivamente, é a entidade empregadora (nos termos do direito laboral) da pessoa singular que aqui exercia funções para a Recorrente, agindo em seu nome, conta e representação. 5.ª O que é necessário e essencial para se aferir da imputação da responsabilidade às pessoas coletivas é que os trabalhadores, no exercício das suas funções, tenham agido em nome ou por conta da sociedade arguida, sendo o conceito de trabalhador utilizado no sentido lato, ou seja, incluindo todos os trabalhadores, agentes, prestadores de serviços, trabalhadores temporários e quaisquer outros que, em virtude das suas funções, ajam por conta ou em nome e representação da Recorrente, independentemente na natureza do vínculo laboral ou jurídico. 6.ª No caso sub judice, a colaboradora da Recorrente, aquando da prática dos factos ilícitos, se encontrava no exercício das respetivas funções, agindo, portanto, em nome e representação da MEO, não havendo dúvidas que é esta empresa contraordenacionalmente responsável pelos atos por si praticados. 7.ª Se assim não fosse, existiria uma verdadeira impunidade de atos ilícitos, porquanto, como se sabe, grande parte das empresas recorrem à contratação de outras entidades, através de diferentes vínculos jurídicos, para o exercício das funções necessárias à prossecução do seu objeto social e, evidentemente, que a imputação de eventual responsabilidade não fica limitada à existência de um vínculo jurídico direto com a sociedade arguida e o atuante, bastando que os colaboradores exerçam as funções em nome ou por conta daquela. 8.ª O facto de a pessoa singular que atuou por conta da Recorrente não ter um vínculo laboral com a MEO, mas sim com uma entidade terceira não afasta a responsabilidade contraordenacional da Recorrente, responsabilidade decorrente de factos praticados por uma pessoa singular que, independentemente da natureza do vínculo jurídico-laboral que tinha com a empresa, exercia as suas funções em nome e por conta da MEO. 9.ª Determina o n.º 1 do art.º 75.º do RGCO que, no âmbito de recurso de contraordenação, o Tribunal da Relação apenas conhece da matéria de direito, não havendo, assim, possibilidade de recurso sobre a decisão de facto, sem prejuízo da existência de vícios da sentença, os quais devem ser manifestos e aferidos pelo texto da decisão recorrida, sem necessidade de recurso a outros meios, conforme prevê o n.º 2 do art.º 410.º do CPP. 10.ª O erro notório na apreciação da prova – vício que tem de resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, tratando-se, portanto, de um vício intrínseco da decisão que, por isso, quanto a ele, terá de ser autossuficiente; 11.ª Não pode ser confundido com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida e a convicção que o Tribunal a quo firmou sobre os factos, através da valoração da prova, valoração que aquele Tribunal é livre de fazer, em harmonia com o preceituado no art.º 127.º do CPP. 12.ª Percorrendo a Sentença Recorrida, não se vislumbra qualquer vício de erro notório na apreciação da prova, nem qualquer outro, verificando-se, antes, uma discordância da Recorrente face aos factos dados como provados quanto à falta de emissão de ordens e instruções expressas e direta e quanto ao elemento subjetivo pelo Tribunal a quo, discordância essa que não poderá ser apreciada pelo Tribunal ad quem conforme dispõe o n.º 1 do art.º 75.º do RGCO. 13.ª O Tribunal a quo fez uma correta aplicação dos critérios relevantes para a determinação das coimas, sendo a coima única aplicada justa, proporcional e adequada”. * Por seu turno, o MINISTÉRIO PÚBLICO, junto do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, também apresentou resposta ao recurso interposto pela recorrente “MEO – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÔES E MULTIMÉDIA, SA”, na qual apresentou as seguintes conclusões: “1ª Os factos provados não suportam a tese da irresponsabilidade da conduta da arguida por via da atuação de colaboradora afeta a empresa terceira. 2ª A mera alegação de erro de julgamento da matéria de facto, por a sentença ter considerado não provado que a arguida tivesse «transmitido aos seus prestadores contratados quais as normas legais aplicáveis aos contactos telefónicos e contratações que os seus colaboradores iriam efectuar» é insuscetível de ser reexaminada pelo tribunal ad quem - art.º 75.º, n.º 1 do RCCO. 3ª A informação e a formação que foram prestadas pela arguida às empresas contratadas para prestar o serviço de informação aos assinantes - factos provados 34 a 38 -, é insuscetível de afastar quer o nexo de imputação, quer o juízo de culpa, que ligam à arguida os concretos comportamentos dados como provados nos pontos 2 a 20. 4ª Sem prejuízo de outro entendimento, dada tratar-se de um exercício de ponderação judicial, considero adequada, por proporcionada, a aplicação à arguida da coima de € 10 000.” * O Senhor Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal da Relação de Lisboa, emitiu parecer em que se pronuncia pela improcedência do recurso interposto e pela manutenção da sentença proferida pelo tribunal a quo. * Mostrando-se colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. * II – FUNDAMENTAÇÃO: a) Factos provados: A primeira instância considerou como provados os seguintes factos: “1. Em 09.08.2021, a Recorrente prestava, há cerca de 50 anos, a (…), de 89 anos de idade — assinante consumidora com o número de cliente (…) —, o serviço de telefone fixo através da rede de cobre; 2. No dia 09.08.2021, às 17h31, (…), filho da assinante, foi contactado, através de chamada telefónica proveniente do número (…), por uma colaboradora da Recorrente que pretendia falar com a assinante (…); 3. Tendo a colaboradora da Recorrente sido informada que a assinante, devido à sua avançada idade, já não tratava de assuntos relacionados com o serviço de telefone fixo, sendo (…) o responsável por tal matéria; 4. De seguida, a colaboradora da Recorrente informou o filho da assinante que a MEO andava a substituir "cabos de cobre por cabos de fibra óptica" tendo-lhe proposto tal alteração, bastando, para o efeito, aceitar "um novo plano tarifário"; 5. Em resposta, o filho da assinante informou a colaboradora da Recorrente que a sua mãe, titular do contrato e utilizadora do serviço de telefone fixo, não gostava de mudanças e pretendia que tudo ficasse como estava; 6. Na sequência da recusa da proposta apresentada, a colaboradora da Recorrente disse ao filho da assinante que "a mudança de cabo era obrigatória"; 7. Perante tal informação, e após uma conversa de largos minutos, sentida pelo filho da assinante como pressionante, este acabou por aceitar a proposta apresentada; 8. Nesse momento, a colaboradora da Recorrente informou o filho da assinante de que tinha de desligar, mas que logo de seguida lhe iria ligar de outro número para que a chamada ficasse gravada; 9. Poucos minutos depois, às 17h42, o filho da assinante foi contactado pela mesma colaboradora da Recorrente, através de chamada telefónica proveniente do número (…), tendo (…) confirmado o que tinha falado no anterior telefonema 10. Nesse contacto, ficou agendada, para o dia 12.08.2021, a deslocação dos técnicos para substituição do cabo de cobre por cabo de fibra óptica; 11. Posteriormente, ainda no dia 09.08.2021, o filho da assinante recebeu, por e-mail, as Condições de Adesão, mas, após uma leitura atenta do seu conteúdo, sentiu-se enganado, visto que, durante a conversa telefónica, não tinha sido informado do período de fidelização associado às novas condições (24 meses) e da existência de um serviço de televisão, que a sua mãe não desejava; 12. No dia 09.08.2021, o filho da assinante ligou para os dois n.º utilizados pela colaboradora da Recorrente para o contactar, mas ninguém atendeu; 13. Às 21h16 do mesmo dia, o filho da assinante ligou para o 16 200 – n.º de apoio ao cliente -, tendo explicado a uma colaboradora da Recorrente a situação acima descrita e informado que pretendia cancelar o novo contrato, mantendo o que estava em vigor e "anular a deslocação do técnico”; 14. Tendo a colaboradora da Arguida informado que tinha procedido à anulação solicitada; 15. Na sequência desse contacto, o filho da assinante respondeu "Não F54157314" ao e-mail enviado pela Arguida, referido no facto provado 11.º; 16. Em 10.08.2021, às 13h13, o filho da assinante foi novamente contactado, através de chamada proveniente do n.º (…), pela mesma colaboradora da Recorrente, que o havia contactado, por duas vezes, no dia 09.08.2021, a qual pretendia saber o motivo do cancelamento do novo contrato; 17. Após o filho da assinante explicar as razões que o levaram a contactar o serviço de apoio ao cliente da Recorrente para solicitar o cancelamento, a dita colaboradora informou-o que "perante a não aceitação da proposta, teriam de cortar a linha", ficando a assinante sem telefone, "porque a ANACOM não permitia que os cabos de cobre continuassem a ser utilizados"; 18. Perante tal informação e após ter conversado, com a sua mãe, sobre as hipóteses que tinha (aceitar o novo contrato ou ficar sem serviço de telefone fixo devido à regra da ANACOM), o filho da assinante aceitou a proposta que já tinha sido apresentada pela colaboradora da Arguida; 19. Tendo sido novamente informado pela colaboradora da Arguida que "ia desligar e ligar de outro número para que essa aceitação ficasse gravada"; 20. A nova chamada, proveniente do n.º (…), foi recebida pelo filho da assinante às 13h34, tendo este confirmado a aceitação da proposta; 21. A deslocação dos técnicos para substituição do cabo de cobre por cabo de fibra óptica ficou agendada para a data que já tinha sido indicada inicialmente - 12.08.2021, entre as 8h00 e as 10h00; 22. A Arguida é uma empresa de grande dimensão que exerce há vários anos a actividade de prestação de serviços de comunicações electrónicas, conhecendo não só as normas legais que regulam a sua actividade, como também as obrigações a que se encontra sujeita e as proibições que impendem sobre si, designadamente as que respeitam à informação a prestar aos assinantes consumidores, quer antes, quer durante, e até mesmo após a celebração de contrato de prestação de serviços de comunicações electrónicas; 23. E sabe também que qualquer afirmação, acção, omissão ou conduta por si adoptada que viole tais obrigações ou que seja proibida consubstancia a prática de contra-ordenações. 24. Concretamente, a Arguida sabe que lhe está vedada, nas relações com consumidores, a adopção de práticas comerciais enganosas; 25. Sabendo, por sua vez, que é enganosa a prática comercial que contenha informação falsa ou que, mesmo sendo factualmente correcta, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral, induza ou seja susceptível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transacção que, de outro modo, não tomaria; 26. Não obstante o conhecimento do regime aplicável às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores, ocorridas antes, durante ou após a celebração de um contrato de prestação de serviços de comunicações electrónicas, a Arguida prestou as informações dadas como provadas ao filho da assinante consumidora (ou seja, que "a mudança de cabo era obrigatória", que para substituir "cabos de cobre por cabos de fibra óptica" bastava, para o efeito, aceitar "um novo plano tarifário" e que "perante a não aceitação da proposta, teriam de cortar a linha", ficando a assinante sem telefone, "porque a ANACOM não permitia que os cabos de cobre continuassem a ser utilizados"), que a conduziu a celebrar um novo contrato com um período de fidelização associado e que incluía o serviço de televisão de que a cliente não precisava, sendo que, caso tal informação não tivesse sido prestada, esse contrato não teria sido celebrado; 27. A alteração da rede de cobre para fibra não era obrigatória e caso o filho da assinante não aceitasse a proposta efectuada pela colaboradora da Recorrente, a MEO não teria de “cortar a linha" e deixar a assinante sem telefone por a ANACOM ter imposto que cessasse a utilização dos cabos de cobre; 28. Ao não ter adoptado todas as medidas necessárias no sentido de obstar a que a sua colaboradora, que actuava em seu nome e representação, adoptasse comportamentos violadores das normas legais aplicáveis, a Arguida omitiu os deveres de cuidado que lhe competiam e de que era efectivamente capaz relativos à observância da diligência profissional por parte dos seus colaboradores, bem sabendo que a conduta poderia levar à violação de proibições legais, mas com tal não se conformando; 29. No ano de 2020 a Arguida teve um resultado líquido no montante de 32.818.319 euros, um 430 volume de negócios de 2.044.864.387 euros e um número médio de 5.168 trabalhadores; 30. Em 31.12.2020, a Arguida tinha ao seu serviço 5.096 trabalhadores; 31. Por respeito ao ano de 2021, a Recorrente apresentou vendas e serviços no valor de €2.112.704.721, um resultado líquido do período negativo em €221.246.011, 434 empregando 4.453 trabalhadores; 32. A Arguida foi anteriormente condenada por infracção do mesmo tipo; 33. A Recorrente Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, S. A. (antes PT – Comunicações, S. A. e TMN – Telecomunicações Móveis Nacionais, S.A.) foi Arguida nos seguintes processos de recurso de impugnação judicial, tendo sido condenada por este Tribunal, conforme cópias das sentenças e acórdãos introduzidas no citius em 06.04.2022, as quais se consideram integralmente reproduzidas, com decisão transitada nas seguintes datas: - 10/16.6YUSTR, transitado em julgado em 17/06/2016; - 100/14.0YUSTR, transitado em julgado em 11/12/2014; - 106/12.3YUSTR, transitado em julgado em 30/01/2015; - 11/20.0YUSTR, transitado em julgado em 12/06/2020; - 112/21.7YUSTR, transitado em julgado em 20/12/2021; - 114/12.4YUSTR, transitado em julgado em 03/12/2013; - 115/12.2YUSTR, transitado em julgado em 19/03/2014; - 116/18.7YUSTR, transitado em julgado em 10/07/2018; - 118/12.7YUSTR, transitado em julgado em 31/01/2014; - 124/18.8YUSTR, transitado em julgado em 27/07/2020; - 137/18.0YUSTR, transitado em julgado em 28/09/2018; - 144/14.1YUSTR, transitado em julgado em 16/09/2014; - 158/13.9YUSTR, transitado em julgado em 28/05/2014 - 16/17.8YUSTR, transitado em julgado em 21/03/2017; - 161/13.9YUSTR, transitado em julgado em 29/10/2014; - 162/13.7YUSTR, transitado em julgado em 22/05/2015; - 167/18.1YUSTR, transitado em julgado em 05/04/2019; - 18/19.0YUSTR, transitado em julgado em 17/10/2019; - 183/20.3YUSTR, transitado em julgado em 18/03/2021; - 188/14.3YUSTR, transitado em julgado em 19/12/2014; - 189/16.7YUSTR, transitado em julgado em 06/04/2017; - 196/14.4YUSTR, transitado em julgado em 08/01/2015; - 21/20.7YUSTR, transitado em julgado em 02/10/2020; - 217/17.9YUSTR, transitado em julgado em 10/01/2019; - 242/13.9YUSTR, transitado em julgado em 03/02/2014 - 243/10.9TYLSB, transitado em julgado em 03/12/2015; - 25/12.3YQSTR, transitado em julgado em 11/09/2012; - 251/19.4YUSTR, transitado em julgado em 23/03/2020; - 279/14.0YUSTR, transitado em julgado em 12/06/2015; - 283/20.0YUSTR, transitado em julgado em 09/11/2020; - 29/15.4YUSTR, transitado em julgado em 28/04/2015; - 293/14.6YUSTR, transitado em julgado em 14/09/2017; - 294/14.4YUSTR, transitado em julgado em 25/09/2015; - 295/18.3YUSTR, transitado em julgado em 12/01/2019; - 3/14.8YUSTR, transitado em julgado em 06/03/2015; - 3/18.9YUSTR, transitado em julgado em 27/03/2018; - 31/17.1Y4LSB, transitado em julgado em 09/03/2018; - 327/13.1YUSTR, transitado em julgado em 22/05/2015; - 335/14.5YUSTR, transitado em julgado em 09/09/2015; - 340/14.1YUSTR, transitado em julgado em 10/03/2017; - 343/18.7YUSTR, transitado em julgado em 12/12/2019; - 346/16.6YUSTR, transitado em julgado em 05/05/2017; - 347/16.4YUSTR, transitado em julgado em 07/07/2017; - 423/17.6YUSTR, transitado em julgado em 08/06/2018; - 51/18.9YUSTR, transitado em julgado em 24/04/2018; - 60/12.1YQSTR, transitado em julgado em 08/03/2013; - 61/12.0YUSTR, transitado em julgado em 18/03/2014; - 62/12.8YUSTR, transitado em julgado em 17/01/2014; - 80/18.2YUSTR, transitado em julgado em 28/09/2018; - 82/12.2YQSTR, transitado em julgado em 10/09/2013; - 87/20.0YUSTR, transitado em julgado em 10/09/2021; - 89/15.8YUSTR, transitado em julgado em 14/01/2016; - 91/20.8YUSTR, transitado em julgado em 06/01/2021; - 93/20.4YUSTR, transitado em julgado em 10/07/2020; - 99/22.9YUSTR, transitado em julgado em 13/01/2023. 34. A colaboradora da Recorrente que encetou os contactos aludidos nos factos provados n.ºs 2, 9 e 16 era trabalhadora de um prestador de serviços que presta serviços de call center à MEO, inexistindo qualquer vínculo laboral entre a mesma e a Recorrente; 35. As forças de vendas da MEO, bem como as linhas de apoio ao cliente, nomeadamente as destinadas à informação sobre as alterações de rede - portal web e contact center - foram objecto de acções de formação e foram-lhes fornecidos materiais e guias para conhecimento de todas as questões relacionadas com a mesma, bem como receberam indicações da MEO como proceder com os seus clientes relativamente a tal produto; 36. A Impugnante contrata empresas externas de call center fazendo constar dos contratos a garantia que as mesmas são conhecedoras das regras legais e regulamentares aplicáveis aos serviços que irão prestar e que se responsabilizam contratualmente a cumprir; 37. Os operadores da empresa contratada para a prestação dos serviços recebem formação por parte da Impugnante, disponibilizando esta documentos com indicações e manuais de procedimentos emanados desta com indicação dos procedimentos a adoptar em vista ao cumprimento legal as suas funções; 38. Após a situação ocorrida, a Recorrente exigiu que a colaboradora fosse afastada das funções anteriormente desempenhadas.” Para além dos que acima ficaram descritos, o tribunal de primeira instância não considerou como provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa. b) Enquadramento jurídico dos factos: O recurso em processo de contra-ordenação deve seguir a tramitação dos recursos em processo penal, com excepção das especialidades que resultem do Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas, aprovado pelo DL n.º 433/82, de 27-10, na redacção que lhe foi introduzida pelo DL n.º 244/95, de 14-09. Dentro dessas especialidades, de acordo com o disposto no art.º 75.º, n.º 1, do DL n.º 433/82, de 27-10, importa anotar que nos processos de contra-ordenação, os tribunais de segunda instância conhecem apenas, por regra, de matéria de direito, funcionado enquanto tribunais de revista. Deste modo, o art.º 74.º, n.º 4, do DL n.º 433/82, de 27-10, remete para o regime jurídico dos recursos que se mostra vertido no Livro IX do CPP. Como decorre do disposto nos arts. 402.º, 403.º e 412.º, todos do CPP, as conclusões do recorrente delimitam o recurso apresentado, estando vedado ao tribunal hierarquicamente superior àquele que proferiu a decisão recorrida conhecer de questões ou de matérias que não tenham sido suscitadas, com excepção daquelas que sejam de conhecimento oficioso. Isto significa compete ao sujeito processual, que se mostra inconformado com a decisão judicial, indicar, nas conclusões do recurso, que segmento ou que segmentos decisórios pretende ver reapreciado(s), delimitando o recurso quanto aos seus sujeitos e/ou quanto ao seu objecto. A delimitação (objectiva e/ou subjectiva) do recurso condiciona a intervenção do tribunal hierarquicamente superior, que se deve cingir à apreciação e à decisão das matérias indicadas pela parte recorrente, com excepção de eventuais questões que se revelem de conhecimento oficioso. Está vedado ao tribunal de recurso proceder a uma reapreciação de questões que não tenham sido suscitadas e, por consequência, os seus poderes de cognição encontram-se delimitados pelo recurso interposto pelo sujeito processual, sem prejuízo daquelas que se revelem de conhecimento oficioso. Os recursos não se destinam a proceder a um novo julgamento de todo o objecto da causa, antes visam a reapreciação de questões anteriormente decididas, mediante o impulso processual do sujeito que se mostre afectado pela decisão. No caso vertente, a recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” começa por contestar a sua condenação pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 7.º, n.º 1 e 21.º, n.º 1, do DL n.º 57/2008, de 26-03 (prática desleal proibida), para tanto alegando, em suma, que o art.º 7.º, n.º 2, do DL n.º 433/82, de 27-10, ainda que interpretado extensivamente, não pode incluir todo e qualquer representante da sociedade, mesmo que completamente distanciado dos seus órgãos ou centros de decisão. Acrescentou ainda que a operadora que contactou com o cliente pertencia a uma empresa contratada, que não era colaboradora e que não integrava qualquer órgão societário da “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA”, pelo que a sentença recorrida violou o disposto no art.º 7.º, n.º 2, do DL n.º 433/82, de 27-10 e no art.º 3.º, n.º 2, da Lei n.º 99/2009, de 04-09. A “Autoridade Nacional das Comunicações” veio responder ao recurso, sustentando, a este propósito, que, no presente caso, aplica-se o regime jurídico das contra-ordenações económicas, aprovado pelo DL n.º 9/2021, de 09-01, mais particularmente o seu art.º 7.º, n.º 2, no qual se estabelece que “(…) as pessoas colectivas (…) são responsáveis pelas infracções cometidas em actos praticados em seu nome ou por sua conta, pelos (…) seus trabalhadores, desde que actuem no exercício das suas funções ou por causa delas (…)”. Por seu turno, o Ministério Público veio sustentar que os factos provados não suportam a tese da irresponsabilidade da conduta da recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” por via da actuação de uma colaboradora que estava afecta a uma empresa terceira. Deste modo, importa, em primeiro lugar, apurar qual o regime jurídico que deve ser aplicado à contra-ordenação imputada à recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA”, não obstante não se vislumbrarem diferenças decorrentes da aplicação, quer do art.º 3.º, n.º 2, da Lei n.º 99/2009, quer do art.º 7.º, n.º 2, do DL n.º 9/2021, ou, quer ainda do art.º 7.º, n.º 2, do DL n.º 433/82, que, como se sabe, estabelece o regime geral da responsabilidade das pessoas colectivas pela prática de contra-ordenações. Conforme decorre do disposto no art.º 7.º, n.º 3, do CC (“a lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador”), que delimita o campo de aplicação das leis, o regime jurídico decorrente do art.º 7.º, n.º 2, do DL n.º 433/82, enquanto regime geral aplicável a todos os ilícitos de mera ordenação social, não derroga, nem se sobrepõe, por regra, aos regimes especiais vigentes a respeito de contra-ordenações de determinada natureza. De acordo com o regime jurídico previsto pelo art.º 7.º, n.º 2, do DL n.º 433/82, importa deixar assinalado, a respeito da responsabilidade das pessoas colectivas, que estas respondem, em termos gerais, “(…) pelas contra-ordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções (…)”. Este dispositivo levanta, desde logo, uma dificuldade interpretativa relacionada com a delimitação do conceito de “órgão” para efeitos de determinação da responsabilidade contra-ordenacional da pessoa colectiva. Podia levantar-se a dúvida quanto a saber se a pessoa colectiva somente responde pela prática de ilícitos de mera ordenação social que foram cometidos pelos seus “órgãos”, no sentido próprio do termo, enquanto centro individual ou colegial de decisão ou de expressão da vontade da pessoa colectiva, ou se, ao invés, a sua responsabilidade também se estende a contra-ordenações cometidas por trabalhadores, mandatários ou representantes, que, funcionalmente, estejam afectos ao ente colectivo. Afigura-se que este dispositivo consagrou um modelo da imputação funcional em que a responsabilidade da pessoa colectiva pela prática dos ilícitos de mera ordenação social abrange os comportamentos de todos aqueles que tenham actuado em seu nome e no seu interesse, sejam eles administradores, gerentes, trabalhadores, mandatários ou representantes. Deste modo, a pessoa colectiva deve ser sancionada pela prática de uma contra-ordenação quando se prove que os factos integrantes desse ilícito foram determinados ou executados pelos seus corpos sociais, funcionários, mandatários ou representantes, actuando em seu nome e no seu interesse. Isto significa que a pessoa colectiva não responderá pela prática da contra-ordenação quando se demonstre que alguma dessas pessoas agiu no seu interesse próprio ou que violou ordens ou instruções expressas que lhe foram transmitidas pelos responsáveis da pessoa colectiva. Aliás, a Procuradoria-Geral da República, através do Parecer n.º 11/2013, votado na sessão de 10-07-2013 do Conselho Consultivo (acessível em www.dgsi.pt), pronunciou-se, a este respeito, nos seguintes termos: “O preceito do n.º 2 do art.º 7.º do Regime Geral das Contraordenações deve ser interpretado extensivamente, como, aliás, tem sido feito pela jurisprudência, incluindo do Tribunal Constitucional, de modo a incluir os trabalhadores, os administradores e gerentes e os mandatários ou representantes da pessoa coletiva ou equiparada, desde que atuem no exercício das suas funções ou por causa delas. A responsabilidade contraordenacional das pessoas coletivas assenta numa imputação direta e autónoma, quer o fundamento dessa responsabilidade se encontre num “defeito estrutural da organização empresarial” (…) ou “culpa autónoma por défice de organização”, quer pela imputação a uma pessoa singular funcionalmente ligada à pessoa coletiva, mas que não precisa de ser identificada nem individualizada (…)”. O Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República acrescenta ainda: “A imputação da infração à pessoa coletiva resulta de se considerar autor desta o sujeito que tiver violado (por ação ou por omissão) a proibição legal ou o dever jurídico cuja violação a lei comina com contraordenação, solução que é coerente com o facto de no Direito contraordenacional a ilicitude não assentar numa censura ético-jurídica mas sim na violação de um dever legal (…)”. Seja como for, in casu, importa atender ao regime especial previsto pelo art.º 7.º, n.º 2, do DL n.º 9/2021, de 29-01 (“Regime Jurídico das Contra-ordenações Económicas”): “(…) As pessoas coletivas (…) são responsáveis pelas infracções cometidas em actos praticados, em seu nome ou por sua conta, pelos titulares dos seus órgãos sociais, pelos titulares dos cargos de direção e chefia e pelos seus trabalhadores, desde que actuem no exercício das suas funções ou por causa delas, bem como pelas infracções cometidas por mandatários e representantes, em actos praticados em seu nome ou por sua conta (…)”. Deste modo, concorda-se com a decisão recorrida e também com as alegações de recurso apresentadas pela “Autoridade Nacional das Comunicações” quando sustentam ser esse o dispositivo a aplicar, in casu, para apurar da responsabilidade contra-ordenacional da pessoa colectiva, em vez do disposto no art.º 3.º, n.º 2, da Lei n.º 99/2009, de 04-09 (“Regime Jurídico das Contra-ordenações do Sector das Comunicações”), conforme invoca a “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” no recurso interposto. O ilícito de mera ordenação social que se mostra imputado à recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” constitui uma contra-ordenação económica, de acordo com as disposições conjugadas dos arts. 7.º, n.º 1 e 21.º, n.º 1, do DL n.º 57/2008, de 26-03, diploma este que prevê o regime jurídico das práticas comerciais desleais das empresas para com os consumidores. Muito embora a “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” seja uma empresa da área das comunicações, o delito que lhe é imputado, no âmbito do presente processo, não consubstancia a prática de uma contra-ordenação desta natureza, antes se enquadra na lisura que se exige a todas as empresas, em termos gerais, na prática comercial com os consumidores. Independentemente do que acima se deixou exposto, o texto do art.º 3.º, n.º 2, da Lei n.º 99/2009 (“As pessoas colectivas referidas no número anterior são responsáveis pelas infracções cometidas em actos praticados em seu nome ou por sua conta, pelos titulares dos seus órgãos sociais, pelos titulares dos cargos de direcção e chefia e pelos seus trabalhadores no exercício das suas funções, bem como pelas infracções cometidas por seus mandatários e representantes, em actos praticados em seu nome ou por sua conta”) em pouco ou nada diverge do preceito aplicável (art.º 7.º, n.º 2, do DL n.º 9/2021). De acordo com o disposto no art.º 7.º, n.º 2, do DL n.º 9/2021 (como, aliás, de acordo com o art.º 3.º, n.º 2, da Lei n.º 99/2009 ou de acordo com o art.º 7.º, n.º 2, do DL n.º 433/82), ao contrário do que sustenta a “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA”, a imputação de uma contra-ordenação a uma pessoa colectiva não se encontra dependente, exclusivamente, da prática de actos integrantes desse ilícito por parte de membros de órgão societário. A responsabilidade contra-ordenacional da pessoa colectiva pode também decorrer de actos cometidos por trabalhadores (sejam ou não titulares de cargos de direcção ou de chefia), assim como por mandatários ou representantes, desde que tenham actuado em seu nome e por sua conta. De igual modo, a imputação de uma contra-ordenação económica à pessoa colectiva não se encontra dependente da vigência de um contrato de trabalho (art.º 1152.º do CC), que vincule a empresa e o agente, ainda que seja de pressupor a sua existência relativamente aos trabalhadores em geral e também, em particular, aos titulares de cargos de direcção e de chefia. Como se viu, o art.º 7.º, n.º 2, do DL n.º 9/2021, de 29-01, também abrange as infracções que tenham sido cometidas por “mandatários” ou por “representantes”, desde que os actos que integrem o ilícito de mera ordenação social tenham sido praticados em nome ou por conta da pessoa colectiva. De acordo com o art.º 1157.º do CC, o mandato constitui um “contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra”, no âmbito deste negócio jurídico, o mandatário pode fazer-se substituir por outrem ou servir-se de auxiliares para a execução da tarefa (art.º 1165.º) e ocorre um mandato com representação quando o mandatário tiver recebido poderes para agir em nome do mandante (art.º 1178.º do CC). Desde modo, verifica-se que a imputação de uma contra-ordenação económica à pessoa colectiva não se encontra dependente da existência de um “vínculo laboral”, decorrente da celebração de um contrato entre a empresa e o agente, caracterizado pelo exercício de poderes de autoridade e de direcção por parte do empregador, na medida em que o mencionado dispositivo abre a porta a outras realidades contratuais que também responsabilizam a pessoa colectiva em nome da qual os actos delituosos tenham sido praticados. No caso vertente, com relevância para a apreciação desta questão, resultou provado que uma colaboradora informou o filho da assinante que a “(…) MEO andava a substituir «cabos de cobre por cabos de fibra óptica» (…)”, que propôs-lhe uma alteração contratual, que, para o efeito, bastava aceitar “(…) «um novo plano tarifário» (…)”, que a “(…) colaboradora da Recorrente que encetou os contactos (…) era trabalhadora de um prestador de serviços (…) e que não existia “(…) qualquer vínculo laboral entre a mesma e a Recorrente (…)” – vide, máxime, arts. 2.º, 3.º, 4.º e 34.º da matéria de facto provada. Muito embora a matéria de facto provada não permita uma perfeita caracterização dos negócios jurídicos celebrados entre a recorrente e a outra empresa, assim como do contrato estabelecido com a colaboradora em causa, afigura-se incontestável que “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” concedeu poderes, para em seu nome e para no seu interesse, proceder-se à renegociação dos contratos de comunicações dos seus clientes que ainda estavam servidos por cabos de cobre e que a empresa mandatária recorreu aos serviços de uma sua colaboradora para executar essa tarefa. Ainda que a colaboradora não tivesse qualquer vínculo contratual e que não integrasse a estrutura orgânica da recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA”, encontrava-se, funcionalmente, ao seu serviço, conforme decorre da matéria de facto provada, contactando os seus clientes e propondo alterações contratuais em seu nome e no seu interesse. Por regra, os mandatários ou os representantes não integram a estrutura orgânica da pessoa colectiva (ao contrário do que sucede, v.g., com os administradores, gerentes, directores ou chefes), o que, não obstante, não exclui a responsabilidade contra-ordenacional do ente colectivo, quando aqueles, funcionalmente, actuem em seu nome e no seu interesse. Isto significa que não se mostra excluída a responsabilidade contra-ordenacional da pessoa colectiva quando os actos tenham sido praticados por uma colaboradora que trabalhava para uma outra empresa, mas que, funcionalmente, se encontrava ao seu serviço, contactando os seus clientes e propondo alterações contratuais em seu nome e no seu interesse. Como se viu, o art.º 7.º, n.º 2, do DL n.º 9/2021, de 29-01, afirma que as pessoas colectivas são responsáveis pelas infracções cometidas por “mandatários” e “representantes”, desde que os actos tenham sido praticados em seu nome ou por sua conta, o que, in casu, incontestavelmente sucedeu. Deste modo, não merece procedência a alegação apresentada pela recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” quando afirma que não lhe pode ser assacada a prática da contra-ordenação em causa, por a operadora da empresa por si contratada não integrar os seus órgãos societários e por não ter consigo qualquer ligação ou vínculo laboral. Em face do exposto, improcede o recurso apresentado pela recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” na parte em que defende que a decisão recorrida violou o disposto no art.º 7.º, n.º 2, do DL n.º 433/82, de 27-10 e no art.º 3.º, n.º 2, da Lei n.º 99/2009, de 04-09, por a operadora da empresa por si contratada não integrar os seus órgãos societários e por não ter consigo qualquer ligação ou vínculo laboral. Prosseguindo: Seguidamente, a “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” veio alegar que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, por ter considerado como não provado que tenha transmitido aos prestadores por si contratados quais as normas legais aplicáveis aos contactos telefónicos. Acrescentou ainda, a este propósito, que a operadora, caso tenha transmitido ao cliente informações contrárias às obrigações legais, actuou ao arrepio das ordens e das instruções que por si foram transmitidas. Nas respostas que apresentaram, quer a “Autoridade Nacional das Comunicações”, quer o Ministério Público, vieram alegar que essa matéria é insusceptível de reapreciada por parte deste tribunal de recurso, que, nos recursos de contra-ordenação, somente conhece matéria de direito. Vejamos então: Os tribunais da relação assumem a natureza de tribunais de revista nos recursos de contra-ordenação, pelo que, de acordo com o disposto no art.º 75.º, n.º 1, do DL n.º 433/82, apenas conhecem matéria de direito, sem prejuízo da apreciação dos vícios do art.º 410.º, n.º 2, do CPP. Nada impede este tribunal de segunda instância de apreciar, mesmo que oficiosamente, os mencionados vícios da decisão recorrida, não obstante os seus poderes de cognição se mostrarem restritos a matéria de direito. De acordo com disposto no art.º 410.º, n.º 2, als. a), b) e c), do CPP, aplicável ex vi do art.º 41.º, n.º 1, do DL n.º 433/82, de 27-10, “(…) mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: (…) a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) o erro notório na apreciação da prova”. Os vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do CPP, devem resultar do próprio “texto da decisão recorrida”, ainda que conjugada com as regras da experiência comum, ou seja, independentemente da apreciação que foi realizada pelo tribunal a quo da prova produzida em audiência de julgamento. Tratam-se de vícios da própria decisão, em si mesmo considerada, que se diferenciam de erros de julgamento, que servem de fundamento à apresentação de recurso da matéria de facto, com base em errada apreciação da prova produzida em audiência, nos termos do art.º 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP. Nestes casos, pede-se ao tribunal de recurso que proceda a uma reapreciação da prova que foi produzida em sede de audiência de julgamento, por forma a que seja alterada a matéria de facto provada e/ou não provada, que o recorrente entende ter sido mal julgada pelo tribunal a quo. Por seu turno, o recurso apresentado nos termos do disposto no art.º 410.º, n.º 2, do CPP, deve assentar na própria decisão, avaliada de per si, sem recorrer à prova produzida e sem apreciar as conclusões que dela foram retiradas no âmbito do julgamento da matéria de facto. Os vícios que fundamentam a apresentação deste recurso encontram-se taxativamente enumerados nas três alíneas do n.º 2 do art.º 410.º do CPP e traduzem-se, grosso modo, em faltarem factos indispensáveis à decisão, em ocorrerem contradições insanáveis ou em existirem erros manifestos na apreciação da prova, percepcionados através da simples leitura da decisão, ainda que conjugada com as regras da experiencia comum, mas sem necessidade de se proceder à reapreciação da prova produzida em audiência. Como decorre expressamente do normativo, os vícios do n.º 2 do art.º 410.º do CPP, todos eles relativos ao julgamento da matéria de facto, têm de resultar do próprio texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, seja quando ocorra insuficiência para a decisão da matéria de facto (al. a) ), seja quando a fundamentação da matéria de facto comporte, em si mesma, graves e insupríveis contradições ou quando essa fundamentação se mostre inconciliável com a decisão sobre os factos provados ou sobre os factos não provados (al. b) ), seja ainda quando a prova produzida foi apreciada de uma forma ilógica, arbitrária ou insustentável, na perspectiva do homem médio, quando os factos provados ou não provados se apresentem manifestamente incompatíveis com a prova que foi produzida em sede de audiência de julgamento (al. c) ). Como se deixou assinalado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-10-2008, Proc. n.º 1051/07.0GAFAF (www.dgsi.pt): “(…) o recurso da matéria de facto tem em vista questionar o passo que se deu da prova produzida aos factos dados por assentes e/ou o passo que se deu destes à decisão. No primeiro caso, o recorrente deverá impugnar a matéria de facto devido ao confronto entre a prova que se fez e o que se considerou provado, lançando mão do disposto no n.º 3 do art.º 412.º do CPP, e podendo mesmo ser pedida a renovação de prova; no segundo, invocar um dos vícios do n.º 2 do art.º 410.º do CPP. Neste caso, o vício há-de resultar da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e tanto pode incidir sobre a relação entre a prova efectivamente produzida e o que se considerou provado (al. c) do n.º 2 do art.º 410.º), como sobre a relação entre o que se considerou provado e o que se decidiu (als. a) e b) do n.º 2 do art.º 410.º). Quando o recorrente alega, por referência ao art.º 410.º, n.º 2, do CPP, vícios da decisão recorrida, mas fora das condições previstas nesse normativo, limita-se a impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos, em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecendo a regra da livre apreciação da prova inserta no art.º 127.º do CPP”. No caso vertente, estando este tribunal de recurso legalmente impedido de proceder à reapreciação da prova produzida no decurso da audiência de julgamento, de acordo com o disposto no art.º 75.º, n.º 1, do DL n.º 433/82, não existe qualquer fundamento para que venha a considerar como demonstrados os factos indicados no recurso, muito em particular que a operadora da empresa prestadora de serviços tenha actuado contra ordens ou contra instruções expressas da “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA”. Nem tão-pouco se podem alterar os factos fixados pelo tribunal a quo, com vista a que seja dado como provado que a “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” tudo fez para assegurar que os operadores do prestador de serviço garantiram, na execução das suas funções, o cumprimento das normas legais e das instruções que lhe foram comunicadas. Acresce que este tribunal de recurso não vislumbra que a sentença recorrida, avaliada de per si e sem recorrer à prova produzida na audiência, padeça de algum dos vícios previstos pelo art.º 410.º, n.º 2, do CPP, susceptíveis de determinar a revogação da decisão ou o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do disposto no art.º 426.º do CPP. Aliás, a recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” muito embora demonstre o seu inconformismo perante a decisão proferida pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, contestando a matéria de facto que foi considerada provada e não provada, não lhe aponta, em concreto, nenhum dos mencionados vícios do art.º 410.º, n.º 2, do CPP. Independentemente da bondade daquilo que foi decidido, que não pode ser sindicado nesta sede, não se verifica, do texto da sentença recorrida, que existam contradições entre os factos, da fundamentação ou desta com a matéria de facto (provada e não provada), nem tão-pouco ressalta que o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão tenha apreciado a prova com notória ou com flagrante violação das regras da experiência comum. Por exemplo, a sentença refere que “(…) a Arguida omitiu os deveres de cuidado que lhe competiam e de que era efectivamente capaz relativos à observância da diligência profissional por parte dos seus colaboradores, bem sabendo que a conduta poderia levar à violação de proibições legais, mas com tal não se conformando (…)” – vide art.º 28.º da matéria de facto provado. A sentença deixa exposto na fundamentação, em conformidade com o quadro factual traçado, que “(…) o agente singular utilizado por si na prossecução dessa obrigação e que a Recorrente anuiu que assim prosseguisse (vide que é a Recorrente que invoca que estabeleceu contrato com terceiro para a prossecução de deveres que legalmente lhe estão incumbidos), independentemente de por si contratado, não cumpriu o dever, não obstante a singeleza da obrigação imposta, de fácil adimplemento (…)”. Acrescenta-se, de seguida, que “(…) só se compreende a ausência de cumprimento da obrigação de não faltar à verdade por, pelo menos, descuido, negligência do agente singular contratado, que agiu sem observar a prudência e diligência a que estava obrigado e de que era capaz. Nesta conformidade, a Recorrente, por intermédio de quem contratou para prosseguir a sua actividade, omitiu a prudência que o exercício do comércio onde se insere exige, com desrespeito pelas regras legais, que conhecia e tinha obrigação de conhecer e de observar, de modo a evitar um resultado que não poderia deixar de prever (…)”. Do que se deixa exposto resulta que não existem fundamentos para que este tribunal de recurso proceda à alteração do quadro factual (provado e não provado) traçado pelo tribunal de primeira instância, conforme pretende a recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA”. Prosseguindo: De seguida, importa averiguar se os factos apurados integram (ou não) a prática da contra-ordenação económica, na forma negligente, p. e p. pelos arts. 7.º, n.º 1 e 21.º, n.º 1, do DL n.º 57/2008, de 26-03. O DL n.º 57/2008, de 26-03, consagra o regime jurídico aplicável às práticas desleais das empresas para com os consumidores de bens ou de serviços. Da análise deste regime jurídico ressalta que o legislador teve em mente a defesa do consumidor ao prever a proibição de prática comerciais desleais, no âmbito de transacções comerciais de bens ou de serviços, ao mesmo tempo em que tipificou as contra-ordenações resultantes dessas violações. Todavia, para além da tutela dos direitos do consumidor, este diploma legal, ainda que reflexamente, protege o regular funcionamento do mercado, na medida em que, ao sancionar as práticas comerciais consideradas desleais, permite que as empresas possam concorrer no mercado, de modo leal, umas com as outras. No preâmbulo do DL n.º 57/2008, de 26-03, deixou-se escrito a respeito dos interesses jurídicos subjacentes que este diploma “(…) estabelece uma proibição geral única das práticas comerciais desleais que distorcem o comportamento económico dos consumidores e aplica-se às práticas comerciais desleais, incluindo a publicidade desleal, que prejudicam directamente os interesses económicos dos consumidores e indirectamente os interesses económicos de concorrentes legítimos”. Por isso, este diploma acolhe respaldo no art.º 60.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, que, sob a epígrafe “direitos dos consumidores”, estabelece que “(…) os consumidores têm direito à qualidade dos bens e serviços consumidos, à formação e à informação, à protecção da saúde, da segurança e dos seus interesses económicos, bem como à reparação de danos (…)”. Após proibir, no art.º 4.º do DL n.º 57/2008, de 26-03, “as práticas comerciais desleais”, o legislador ocupa-se, de seguida, com a delimitação deste conceito indeterminado, quer em termos gerais (art.º 5.º), quer em termos especiais (máxime arts. 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 11.º e 12.º deste diploma legal). O art.º 5.º, n.º 1, do DL n.º 57/2008, dispõe que é desleal, em termos gerais, “qualquer prática comercial desconforme à diligência profissional, que distorça ou seja susceptível de distorcer de maneira substancial o comportamento económico do consumidor seu destinatário ou que afecte este relativamente a certo bem ou serviço”. Este dispositivo deve ser conjugado com as definições constantes do art.º 3.º, muito em particular com as alíneas d), e) e h), que esclarecem o que se deve entender por “prática comercial da empresa”, por “distorcer substancialmente o comportamento económico dos consumidores” e ainda por “diligência profissional”. De seguida, o legislador indica diversas “práticas comerciais desleais”. Este diploma legal, logo no art.º 6.º prevê que “(…) são desleais em especial (…) as práticas comerciais susceptíveis de distorcer substancialmente o comportamento económico de um único grupo, claramente identificável, de consumidores particularmente vulneráveis, em razão da sua doença mental ou física, idade ou credulidade (…) “, mas também as “práticas comerciais enganosas e agressivas”. As acções enganosas (arts. 7.º e 8.º), as omissões enganosas (art.º 9.º) e os comportamentos comerciais agressivos (arts. 11.º e 12.º deste diploma) constituem casos exemplificativos de práticas desleais que são proibidas pelo legislador. O art.º 7.º, n.º 1, do DL n.º 57/2008, sob a epígrafe “acções enganosas”, dispõe que “(…) é enganosa a prática comercial que contenha informações falsas ou que, mesmo sendo factualmente correctas, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral, induza ou seja susceptível de induzir em erro o consumidor em relação a um ou mais dos elementos a seguir enumerados e que, em ambos os casos, conduz ou é susceptível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transacção que este não teria tomado de outro modo (…)”. Nas diversas alíneas deste dispositivo são enumerados os elementos contratuais determinantes para a ocorrência de uma prática comercial enganosa, tais como aqueles que dizem respeito à natureza do bem ou do serviço, às suas características (incluindo a disponibilidade, a composição, os riscos que apresenta, os acessórios, a assistência pós-venda ou o modo de fabrico,), o preço ou a forma de cálculo do preço ou à necessidade de reparação do bem. Deste modo, é considerada “prática comercial enganosa” e, por isso, proibida por lei, o oferecimento de informações falsas ou mesmo a prestação de informações verdadeiras por parte da empresa, desde que induzam ou que sejam susceptíveis de induzir o consumidor em erro, relativamente aos elementos contratuais previstos nas diversas alíneas do art.º 7.º, n.º 1, do DL n.º 57/2008 (v.g. natureza ou características do bem ou do serviço prestado, preço ou forma de cálculo do preço, necessidade da substituição ou de reparação do bem). Perante o enquadramento factual, não subsistem quaisquer dúvidas que a recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” incorreu numa “prática comercial enganosa”, ao comunicar ao cliente, através de uma operadora, que actuou no seu nome e no seu interesse, que era obrigatória a mudança de cabos de cobre para cabos de fibra óptica no serviço de telefone fixo, com vista a obter uma alteração do contrato celebrado. Essa informação deve ser considerada falsa, na medida em que, ao contrário daquilo que foi transmitido telefonicamente, a mudança dos cabos era facultativa e os cabos de cobre podiam continuar a ser utilizados. Deste modo, mostrando-se preenchidos todos os requisitos previstos pelo art.º 7.º, n.º 1, do DL n.º 57/2008, para que se possa considerar enganosa a prática comercial da empresa, concorda-se com a decisão recorrida quando afirma que a recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” “(…) preencheu todos os elementos objetivos da contraordenação imputada pois uma colaboradora sua, em seu nome e representação, transmitiu ao assinante DM uma informação falsa sobre a disponibilidade dos serviços em sua casa que o levou a tomar uma decisão de transação que de outro modo não teria tomado (…)”. O mesmo se diga sobre o elemento subjectivo da contra-ordenação. Em face do exposto, por os poderes de cognição deste tribunal de recurso se mostrarem restritos a matéria de direito, por não se vislumbrar a ocorrência de qualquer um dos vícios previstos pelo art.º 410.º, n.º 2, do CPP e por ser possível imputar a infracção em causa à pessoa colectiva, confirma-se a decisão recorrida na parte em que condenou a recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” pela prática de uma contra-ordenação negligente p. e p. pelos arts. 7.º, n.º 1 e 21.º, n.º 1, do DL n.º 57/2008. Mais: A recorrente veio também alegar que, caso não venha a ser absolvida da prática da contra-ordenação em causa, ocorrerá uma violação dos princípios constitucionais da legalidade e da tipicidade. Estabelece o art.º 29.º, n.º 1, da Constituição, sob a epigrafe “aplicação da lei criminal”, que “(…) Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou a omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior (…)”. Como primeira nota, importa referir que o princípio da legalidade encontra-se consagrado no mencionado dispositivo a respeito do direito criminal, muito embora seja de admitir a sua aplicação às contra-ordenacões, atendendo a que estes ilícitos também possuem natureza sancionatória. O Tribunal Constitucional, muito embora admita a sua aplicação aos ilícitos de mera ordenação social, tem vindo a afirmar, de forma repetida, que o princípio da legalidade (nullum crime sine lege) não se apresenta, nesses casos, com o mesmo rigor do que no direito criminal (vide, neste sentido, entre outros, os acórdãos n.ºs 78/2013, 466/2012, 397/2012 e 41/2004). Conforme se deixou consignado no acórdão n.º 78/2013 do Tribunal Constitucional, proferido no dia 31-01-2013, a respeito do mencionado princípio da legalidade: “(…) Não se pode afirmar que as exigências deste princípio valham no direito de mera ordenação social com o mesmo rigor que no direito criminal. Aliás, nem sequer existe no art.º 29.º da Constituição, que se refere às garantias substantivas do direito criminal, um preceito semelhante àquele que existe no art.º 32.º, a respeito das garantias processuais, alargando-as, com as necessárias adaptações, a todos os outros processos sancionatórios (art.º 32.º, n.º 10). Contudo, sendo o ilícito de mera ordenação social sancionado com uma coima, a qual tem repercussões ablativas no património do infrator, também aqui se devem respeitar os princípios necessariamente vigentes num Estado de direito democrático (art.º 2.º da Constituição), como os da segurança jurídica, da proteção da confiança e da separação de poderes (…)”. Por outro lado, resulta do citado art.º 29.º, n.º 1, da Constituição, que deve ser, única e exclusivamente, a “lei” (ou um decreto-lei sob autorização legislativa - vide art.º 165.º, n.º 1, als. c) e d), da Constituição, onde se enumeram as matérias que integram a reserva relativa da Assembleia da República) a tipificar as condutas que constituem um ilícito criminal (ou um ilícito de mera ordenação social), com exclusão de outras fontes de direito. Também como forma de garantia perante actos arbitrários, o art.º 29.º, n.º 1, da Constituição, só admite a condenação de um cidadão pela prática de um ilícito criminal desde que exista uma lei prévia a tipificar esse comportamento (nullum crime sine lege praevia), ou seja, exige-se uma lei vigente à data dos factos que são susceptíveis de integrar a prática do crime. Considera-se que, num Estado de Direito, o cidadão deve estar inteirado dos comportamentos que configuram matéria criminal (ou contra-ordenacional), por forma a que consiga pautar a sua conduta e para que não venha a ser surpreendido, de forma arbitrária, por normas incriminadoras que não estavam em vigor no momento da prática dos factos. O fundamento ético da punição por parte do Estado depende do prévio anúncio aos cidadãos dos comportamentos que devem ser sancionados. “(…) A ninguém pode ser aplicada uma pena ou uma medida de segurança, se o facto tiver sido praticado antes da entrada em vigor da lei que veio qualificar tal facto como crime. Isto vale, tanto para a hipótese em que o facto em causa nem sequer era considerado ilícito (seja civil, disciplinar ou contra-ordenacional) como para a hipótese em que o facto praticado era considerado ilícito (p. ex., contra-ordenacional), no momento em que foi praticado, mas não ilícito criminal (…)” – vide “Constituição Portuguesa Anotada”, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Tomo I, 2.ª Edição, pág. 670. No caso vertente, considera-se que os princípios da legalidade e da tipicidade não foram postos em causa pela decisão recorrida e que a condenação da “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” assentou em lei prévia que foi integrada pelos factos que lhe foram imputados. De igual modo, entende-se que a interpretação normativa realizada pelo tribunal a quo respeita e não extravasa o dispositivo tipificador da contra-ordenação imputada à recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA”, nele encontrando pleno enquadramento. Deste modo, improcede, também nesta parte, o recurso interposto. Prosseguindo: Por último, veio requerer que seja alterada a coima em que foi condenada, que considera ser desproporcional e que defende não se coadunar com o grau de culpa, nem tão-pouco com a gravidade da infracção em causa. Conforme deixa assinalado a decisão recorrida (e que, aliás, não se mostra impugnado pela recorrente), a contra-ordenação em causa é cominada, em abstracto, com coima a fixar entre €6.000 a €12.000, nos termos do disposto nos arts. 8.º, n.º 2, 18.º, al. b), e 19.º, n.ºs 1 e 2, DL n.º 9/2021, de 29-01, ex vi art.º 21.º, n.ºs 1 e 7, do DL n.º 57/2008, de 29-03. De acordo com o disposto no art.º 20.º do DL n.º 9/2021, de 29-01, “(…) a determinação da medida da coima deve atender à gravidade da contraordenação, à culpa do agente, à sua situação económica e ao benefício económico obtido com a prática do facto ilícito (…)”. Por seu turno, o art.º 18.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 433/82, de 27-10, manda considerar, em termos gerais, na determinação da medida da coima a aplicar ao agente, à gravidade da contra-ordenação cometida, à medida da culpa, à sua situação económica e ao benefício económico que foi obtido com a prática da infracção. Como primeira nota importa assinalar que se fazem sentir particulares necessidades de prevenção especial, na medida em que a “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” apresenta numerosos antecedentes decorrentes da prática de ilícitos de mera ordenação social. Isto significa que as anteriores condenações pela prática dessas contra-ordenações não serviram de advertência suficiente para determinar a “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” ao cumprimento escrupuloso do regime jurídico decorrente do DL n.º 57/2008, de 29-03. Os relevantes antecedentes contra-ordenacionais, por si só, levam este tribunal a afastar a pretendida redução do montante da coima aplicada e a considerar como infundado o recurso interposto pela empresa recorrente. Por outro lado, o delito em causa denota gravidade, levando em consideração os interesses jurídicos subjacentes, que se prendem, como se viu, com a defesa dos consumidores perante práticas comerciais desleais. Acresce que, em 2020, a recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” apresentou um volume de negócios de €2.044.864.387 e teve um resultado líquido de exercício que ascendeu a €32.818.319. Deste modo, nenhuma censura merece a decisão recorrida, que se afigura ter fixado o montante da coima aplicado à “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” com respeito pelos critérios legais. Reproduzem-se, com as necessárias adaptações, os ensinamentos do Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, sobre a tarefa de determinação da medida da pena em processo penal. Conforme se deixou escrito no Acórdão de 14-07-2010, proferido no âmbito do Proc. n.º 149/07.9JELSB.E1.S1 (acessível em www.dgsi.pt), no seguimento de jurisprudência há muito firmada, a este propósito, pelo Supremo Tribunal de Justiça: “(…) no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada (…)”. In casu, não se vislumbra que o tribunal recorrido tenha infringido, muito menos, de forma grosseira, os critérios legais atinentes à operação de determinação da medida da coima, sobretudo os limites intransponíveis da culpa e as exigências de prevenção geral e especial, que justifiquem uma intervenção correctiva por parte deste tribunal, com o intuito da coima ser fixada em montante inferior. Improcede também, nesta parte, o recurso interposto. III – DECISÃO: Em face do exposto, acordam os juízes que integram a secção da propriedade intelectual, concorrência, regulação e supervisão deste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente o recurso interposto e, em consequência, confirmam a sentença proferida pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão – J 3, que condenou a recorrente “Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” pela prática de uma contra-ordenação, na forma negligente, p. e p. pelos arts. 7.º, n.º 1 e 21.º, n.º 1, do DL n.º 57/2008, de 26-03, na coima de €10.000 (dez mil euros); Custas a cargo da recorrente, fixando-se em 3 UCs. a taxa de justiça devida (art.º 513.º, n.ºs 1 e 3, do CPP, em conjugação com o art.º 8.º, n.º 9, do RCP e com a Tabela III anexa a este diploma legal). Lisboa, 19 de Junho de 2024 Paulo Registo Bernardino Tavares Alexandre Au-Yong Oliveira |