Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MANUEL JOSÉ RAMOS DA FONSECA | ||
Descritores: | DISTRIBUIÇÃO TRAMITAÇÃO ELECTRÓNICA CORREÇÃO DA SENTENÇA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO ERRO DE JULGAMENTO VALORAÇÃO DA PROVA REGRAS DE EXPERIÊNCIA IN DUBIO PRO REO IMPUTAÇÕES GENÉRICAS PROCESSO EQUITATIVO PROVA INDIRETA DEPOIMENTO SINGULAR TESTIS UNUS RESTIS NULLUS CONCURSO DE NORMAS: EFETIVO PRÓPRIO OU PURO REAL OU IDEAL APARENTE IMPRÓPRIO IMPURO OU UNIDADE DE LEI CRIME DE GUERRA ABANDONO GRUPO TERRORISTA MEDIDA DA PENA TRIBUNAL DE RECURSO PENA ACESSÓRIA DE EXPULSÃO MODO DE EXECUÇÃO DA PENA ACESSÓRIA NÃO EXEQUIBILIDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/30/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSOS PENAIS | ||
Decisão: | NÃO PROVIDOS | ||
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Sumário: | I – A circunstância de a norma do art. 213º/4CPC, aplicável ex vi art. 4ºCPP, permitir que a distribuição eletrónica estejam presentes, se assim o entenderem, os mandatários das partes, não tem a significância de para tal os mesmos deverem ser notificados. II – Quando em sede de dispositivo, por esquecimento ou lapso, se omitiu o diploma legal, a solução passa pela integração no âmbito do art. 380.º/1a)/2CPP, tudo a somente determinar simples correção, porque em situação não cabível no art. 379.ºCPP, mas que colide com o art. 374.ºCPP, cabendo ao Tribunal Superior a sua sanação uma vez operado recurso. III – Quer quando opera quadro de ambiguidade - com a significância de ambivalência, pluralidade de sentidos, dúvida -, como é a situação em que os factos provados pelo Tribunal a quo e a qualificação jurídica de reporte sempre conduzem ao crime em causa, nos moldes imputados na acusação e pronúncia, mas o Tribunal a quo o apoda com uma epigrafe desatualizada, quer quando opera mero lapso - com a significância de lapsus calami resultante de gralhas, da omissão ou interposição de palavras, frases ou números, designadamente por menor atenção, pressa ou descuido, que patentemente ficaram por escrever ou surgem fora do contexto - como é a situação de baralhação dos n.ºs da norma aplicável ou de utilização de texto aplicável a decisões similares, mas diferenciadas, é viável, por tal não importar modificação essencial da decisão, a resolução pela via do art. 380.º/1b)/2CPP, cabendo ao Tribunal Superior a sua sanação uma vez operado recurso. IV - Para a delimitação do âmbito da impugnação da matéria de facto pela via ampla – onde se cuida do erro do julgamento (designadamente na avaliação da prova) cuja apreciação não se estreita no texto da decisão, antes se amplia até à análise do que se contém e pode extrair da prova, toda ela documentada, produzida e analisada em audiência - é imprescindível (e não um ónus de natureza puramente secundária ou meramente formal) o cumprimento e indicação do tríplice ónus do art. 412.º/3/4/6CPP: especificação dos concretos pontos de facto tidos por incorretamente julgados; especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; especificação das provas que devem ser renovadas. V - É o próprio ónus de impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto que não pode considerar-se minimamente cumprido quando o recorrente se limite a, de uma forma vaga, genérica, ou simplesmente escudada em convicções muito próprias de leituras subjetivas, sindicar a livre apreciação da prova e por esta via questionar a bondade da decisão proferida sobre matéria de facto. VI – O Tribunal de recurso só pode reapreciar a prova produzida e modificar - nos termos do art. 431.ºb)CPP - a decisão quanto à matéria de facto por erro de julgamento, o qual ocorre quando o Tribunal recorrido considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado. VII - A administração e valoração das provas cabe, em primeira linha, ao Tribunal perante o qual foram produzidas, que apreciará e decidirá sobre a matéria de facto segundo o princípio estabelecido no art. 127.ºCPP: “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente.” VIII – O princípio in dubio pro reo acha-se intimamente ligado ao da livre apreciação da prova - art. 127.ºCPP - do qual constitui faceta, e este último apenas comporta as exceções integradas no princípio da prova legal ou tarifada ou as que derivem de uma apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova produzida e ofensiva das regras da experiência comum. IX - A inicial linha mestra de valoração, e também mais reveladora, resulta da credibilidade conferida ao meio de prova em causa. O que aquela concreta testemunha ou declarante disse não é per se bastante para lhe conferir credibilidade. É dizer, para esta surgir essencial é a imediação e o que da mesma resulta através da forma como se sucedem questões e respostas, os tempos e a forma destas, as reações de quem responde, a consistência do dito, as explicações que emergem para discrepâncias, omissões ou certezas, tudo a imprimir no decisor uma convicção que nem sempre assume uma fácil explicação racional. Num segundo momento, cabe ao julgador valorar o resultado da produção desse meio de prova. Aqui, através dum sempre necessariamente correto raciocínio, têm intervenção as deduções, inferências, aplicação das regras da lógica ou dos princípios da experiência, de conhecimentos científicos, das ciências exatas ou sociais, e quais os resultados que essa análise produz, tudo se podendo reduzir à expressão “regras da experiência”. X - Ao Tribunal Superior cabe, na sindicância do apuramento dos factos realizados em 1.ª instância, e da fundamentação feita na decisão por via deles, analisar o processo de formação da convicção dos julgadores, e concluir, ou não, pela perfeita razoabilidade de se ter dado como provado o que se deu por provado à luz das regras em apreço, as quais são as da normalidade de vida traduzida na experiência comum. XI – Nenhuma regra de direito probatório é violada quando o Tribunal somente valora uma concreta parte do depoimento duma testemunha e não valora o demais da mesma. De facto, pode o Tribunal tão só acreditar numa parte e não na totalidade do depoimento, se, em face dos demais elementos de prova e de acordo com as regras da experiência e da lógica comum tenha como evidenciado que, relativamente a certos factos, ou a testemunha assume um posicionamento interessado ou o seu depoimento está em contradição com outras provas ou até todas as provas não permitem, per se, a formação duma segura convicção. XII - Não descurando a coragem e a afronta ao perigo que um concreto depoimento testemunhal possa evidenciar, certo é que tal não inverte as regras inerentes à valoração de prova em processo penal: tais circunstâncias vividas pelas testemunhas não só não as dota duma maior credibilidade como, no inverso, não a diminui. XIII – A dúvida do Tribunal - justificada e justificável – tanto pode radicar na não credibilidade do depoimento da testemunhas, como na ausência dum depoimento no sentido de que os Arguidos sejam concretos intervenientes nos imputados factos. XIV – Sob pena de violação das linhas mínimas do principio do contraditório e da legalidade inerentes ao processo equitativo, na dimensão de “justo processo” - fair trial; due process – carece de relevância jurídico-penal o recurso a expressões vagas, imprecisas, nebulosas e obscuras, sem qualquer especificação das condutas em que se concretizam as imputações – “factos” – de caráter genérico, conclusivo, abrangente e/ou difuso em que não se indica o lugar, nem o tempo, nem a motivação, nem o grau de participação, nem as circunstâncias relevantes, mas um conjunto fáctico não concretizado. É dizer, um “facto” dessa índole mais não é do que um não facto. XV – Cumpre a delimitação de suficiência, como patamar mínimo de viabilidade de garantia de contraditório, a indicação dos factos imputados na acusação que, não obstante se estar perante um quadro situado num período de tempo sem data especificada - mas ainda assim delimitada em balizas concretas, as quais permitem localizar e identificar a referência mínima do concreto episódio - permite a afirmação da existência duma “singularidade” e, como tal, o comando de “a narração, ainda que sintética (….) incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática” contido no art. 283.º/3b)CPP. XVI – A prova do facto típico e ilícito juspenalmente pertinente tanto pode resultar de uma perceção imediata, decorrente dos sentidos, como derivar de ilações que o julgador retira de meras circunstâncias conhecidas em função de um raciocínio lógico assente nas regras da experiência comum – a denominada prova indireta. XVII – Não se mostrando vigente o princípio testis unus, testis nullus, se o testemunho único e singular for credível, à luz das regras da experiência, o mesmo assim pode ser valorado e fundamento de convicção. XVIII - Se, face às normas concreta e efetivamente aplicáveis, vários tipos legais se encontrarem preenchidos pelo comportamento global haverá concurso, mas não necessariamente concurso efetivo ou puro. Este pode não existir se se verificar que à pluralidade de normas efetivamente aplicáveis corresponde apesar dela, um sentido jurídico-social de ilicitude material dominante, verificando-se então um concurso aparente ou impuro. XIX – O conceito de crime de guerra, densificado no âmbito da secção II da L31/2004-22julho, entre ao art.s 10.º e 16.º, visa a tutela do bem jurídico próprio que é a comunidade internacional e, como tal, ultrapassa os bens jurídicos individuais ínsitos - tais quais a vida, a integridade física ou a liberdade -, assim correspondendo à necessidade de tipificar determinadas condutas que violam valores que a comunidade internacional reconhece como essenciais ao seu desenvolvimento. XX - Quando, na execução do crime de guerra contra as pessoas, a violência usada integra também a privação de movimentos, privação esta que é o meio utilizado para conseguir a pretendida agressão e que logo cessa uma vez a mesma consumada, a violação do bem jurídico inerente à comunidade internacional, aqui particularizado no pessoal inerente à privação da liberdade, fica consumida pela específica construção inerente à execução da violação do bem jurídico inerente à integridade física e psíquica, enquanto atuação complexa. XXI – O conceito de “o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir consideravelmente o perigo por ela provocado ou auxiliar concretamente na recolha das provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis” determinante da aplicação de especial atenuação de pena ou de dispensa de pena, com relação às infrações relacionadas com um grupo terrorista, como definido na L52/2003-22agosto, não se verifica perante situações inerentes à especificidade atuacional das células adormecidas e à sua ligação como último local de recobro do “lobo solitário”, antes exigindo concretos e voluntários atos de colaboração para a descoberta da verdade e/ou que conduzam a desmantelamento do grupo terrorista. XXII – A intervenção do Tribunal Superior em sede de recurso sobre a medida concreta da pena deve ser parcimoniosa e respeitar a zona de liberdade do julgador em primeira Instância ao fixar o quantum da pena, desde que se situe entre os limites que satisfazem as necessidades de prevenção (o mínimo necessário à salvaguarda das expectativas comunitárias e o máximo balizado pela culpa do agente), não ocorra violação das regras da experiência comum ou manifesta desproporção na pena aplicada, ou afastamento relevante das medidas das penas que vêm sendo fixadas pelos Tribunais de recurso para casos similares (aqui recorrendo à base da noção civilista contida no art. 8.º/3CC, onde se pode ler que “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”). XXIII - Dentro dos limites anuídos pela prevenção geral positiva ou de integração (tutela das expectativas da comunidade na manutenção da validade da norma violada) - entre o ponto ótimo - que nunca deve ultrapassar o limite máximo de pena adequado à culpa, mas que não tem obrigatoriamente com ele coincidir - e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos podem e devem atuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar em último termo, a medida da pena. XXIV - A aplicação de pena acessória de expulsão gera específica alteração ao nível da execução da pena principal, um vez que face à lei vigente - art.s 188.º-A/C CEPMPL -, todo o regime regra de liberdade condicional cede perante o regime de execução da pena acessória de expulsão, operando um tratamento completamente diferenciado, desde logo pelos marcos temporais nos quais ao juiz de execução das penas, sem prejuízo das situações de antecipação – onde os requisitos são diferenciados -, tão só cabe ordenar a execução dessa pena acessória de expulsão, independentemente de consentimento do condenado e independentemente de limite temporal mínimo de execução de pena. XXV – Nas situações em que opere “absoluta impossibilidade de fazer cumprir a pena acessória de expulsão, o estrangeiro tem de cumprir a pena principal” e, como tal “não é abusiva, nem consequentemente ilegal a manutenção da privação da liberdade do condenado à ordem do processo” para além dos limites supra referidos, com o limite - obviamente do máximo de pena de prisão, como pena principal, sujeito ao regime de execução normal. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes, em conferência, na 5.ª Secção Penal do Tribunal da Relação de Lisboa: I – QUESTÃO PRÉVIA Invocando que só agora consultou os autos, sumariando os mesmos após 3setembro2024, vem o Arguido dizer que os mesmos padecem de nulidade, que tenta identificar, ou assim não se entendendo, de irregularidade. Reporta tal situação à sua não notificação no sentido de que nos autos operaria segunda distribuição. Concedido pelo Sr. Juiz Desembargador, em turno, a possibilidade ao Ministério Público de se pronunciar, limitou-se este a Visto. Decidindo. Refere o art. 213º/4CPC aplicável ex vi art. 4ºCPP que a distribuição é eletrónica e é presidida por um Juiz, designado pelo presidente do respetivo tribunal e secretariado por um oficial de justiça, com a assistência obrigatória do Ministério Público e, caso seja possível por parte da Ordem dos Advogados, de um advogado designado por esta ordem profissional, todos em sistema de rotatividade diária, podendo estar presentes, se assim o entenderem, os mandatários das partes. Diz-nos o art. 16.º/3 a 6 Portaria 280/2013-26agosto, na redação introduzida pela Portaria 86/2023- 27março, que: 3 - A distribuição eletrónica é efetuada uma vez por dia, nos dias úteis, em horário fixo a definir pelo presidente do tribunal, sem prejuízo da realização de distribuições extraordinárias quando a urgência do processo o justifique. 4 - A distribuição eletrónica é efetuada por tribunal, exceto no caso dos tribunais de comarca, em que é efetuada por núcleo. 5 - O tribunal publica a hora da distribuição ordinária na área de serviços digitais dos tribunais, acessível no endereço eletrónico https://tribunais.org.pt. 6 - Os intervenientes nas distribuições, incluindo nas extraordinárias, são designados do seguinte modo: a) O presidente do tribunal designa um juiz para presidir e um substituto, para os casos em que aquele se encontre impedido; b) O magistrado do Ministério Público coordenador ou o magistrado do Ministério Público que assegure a coordenação do Ministério Público nos tribunais superiores designa um magistrado do Ministério Público para assistir e um substituto, para os casos em que aquele se encontre impedido; c) O administrador judiciário ou o secretário do tribunal superior designa um oficial de justiça para secretariar e um substituto, para os casos em que aquele se encontre impedido; d) A Ordem dos Advogados pode designar um advogado para assistir e um substituto, para os casos em que aquele se encontre impedido. Diz-nos o art. 217.ºCPC que em caso de impedimento é efetuada segunda distribuição. Por último, consta do art. 204.º/5 CPC aplicável ex vi art. 4ºCPP que Os mandatários judiciais têm acesso à ata das operações de distribuição dos processos referentes às partes que patrocinam, podendo, a todo o tempo, requerer uma fotocópia ou certidão da mesma, a qual deve ser emitida nos termos do artigo 170.º Na certeza de que quanto ao ato de distribuição e de segunda distribuição se aplica a norma do art. 205.º/1CPC, ex vi art. 4.ºCPP, não resultando do requerido que ora esteja em causa uma situação de reclamação da própria distribuição ou segunda distribuição, então só pode estar, eventualmente, em causa a sua necessidade e, perante esta, a prévia publicitação da mesma. Realizado a 16agosto2024 o ato de distribuição dos autos, os quais assumem natureza urgente, como 1.ª Adjunta constava a Sr.ª Juíza Desembargadora DD e como 2.ª Adjunta constava a Sr.ª Juíza Desembargadora EE. O ato de distribuição foi presidido por Juiz Desembargador, na presença de Procurador-Geral Adjunto e nenhum representante da Ordem dos Advogados compareceu. O ato de distribuição foi publicitado nos termos legais. É consabido que, por regra, o Tribunal Superior que é o Tribunal da Relação funciona como Tribunal Coletivo. E daí a necessidade de serem sorteados 3 Juízes Desembargadores. A Sr.ª Juíza Desembargadora DD teve intervenção, como relatora, no âmbito do apenso E, onde foi proferido Acórdão a 11outubro2022. Trata-se, pois, de decisão constante dos presentes autos, notificada e transitada, e como tal forçosamente do conhecimento do Arguido, ao menos pela simples consulta do histórico. A Sr.ª Juíza Desembargadora EE foi nomeada Inspetora Judicial por deliberação do Conselho Superior da Magistratura – Deliberação ...24, publicada no Diário da República 150/2024, Série II de 5agosto2024. Trata-se, pois, de ato publicitado no Diário da República e como tal inequivocamente do conhecimento do Arguido. O Arguido, a 20agosto2024 teve intervenção nos autos – ref. ...08. Nessa data forçosamente que o Arguido já sabia que a Sr.ª Juíza Desembargadora DD se mostraria impedida e que por dever de ofício tal declararia, à luz dos art.s 40.º/1a)d) e 41.º/1CPP, do mesmo modo que sabia que face à nomeação em comissão de serviço ordinária, de natureza judicial, não poderia a Sr.ª Juíza Desembargadora EE intervir nos autos. É dizer, sabia o Arguido que forçoso seria o operar do art. 217.ºCPC. E, por isso mesmo não faz sentido que nestes autos se tenha que dar conhecimento ao Arguido de que as situações em causa geravam a necessidade de segunda distribuição quanto às Juízas Desembargadoras Adjuntas, uma vez que se por um lado o mesmo já tinha que tal conhecer, por outro lado igualmente o mesmo sabe que a regra é a de composição coletiva, com 3 Juízes Desembargadores no Tribunal da Relação, e daí que sempre que tal não se mantenha seja necessário proceder à segunda distribuição. Cessa por aqui a razão de qualquer notificação quanto à necessidade de dar a conhecer o que conhecido já era do Arguido, ato processual que se praticado fosse mais não era do que a prática de ato inútil, como tal proibido por lei. No mais, dir-se-á que certamente quando o Arguido invoca o art. 6.ºCEDH, não se poderá estar a referir nem sobre a objetividade da necessidade de segunda distribuição, muito menos sobre a razão à mesma subjacente. E daí que não se vislumbre, e muito menos o Arguido explique, do que e para o que queria ser notificado, uma vez que nenhuma posição lhe cabia, à luz do teor de lei, tomar. Certamente que não pretenderá o Arguido que face aos impedimentos objetivos e legais constantes dos autos, que eram forçosamente do seu conhecimento, e sobre os quais quando já havia intervindo nos autos nada dissera, o mesmo tivesse, ou pudesse, algo agora dizer. Se o queria ter feito, pois podia tê-lo feito, que o tivesse feito a 20agosto2024, ainda que nada se vislumbre o que pudesse fazer e em que sentido útil aos autos o pudesse fazer. Surge, então, a subsequente invocação do Arguido, qual seja a de que os despachos a ordenarem a segunda distribuição lhe fossem notificados. Da leitura das normas supra decorre inequivocamente que não impõe, nem a Lei nem a Portaria em causa que a regulamenta – e também não o impõe qualquer outra disposição legal - que o Arguido seja notificado da data da respetiva segunda distribuição, ou seja convocados para a ela assistir, pelo que a omissão desse ato não pode gerar qualquer nulidade ou irregularidade. No mais os atos de segunda distribuição foram presididos por Juiz Desembargador, na presença de Magistrado do Ministério Público e nenhum representante da Ordem dos Advogados compareceu. Os atos de segunda distribuição foram publicitados nos termos legais. Consequentemente nenhum contraditório exigível e justificado se mostra ferido, nenhuma violação de exigência de justiça equitativa pode ser assacada. Resta, por último firmar que o invocado art. 120.º/2d)CPP não tem cabimento no presente momento dos autos. É que a fase é a de recurso e, como tal, não é de inquérito nem de instrução. No mais, não se vislumbra como a situação em causa, em si mesma ou de per se constitua uma omissão de diligência a reputar como essencial para a descoberta da verdade. Termos em que, por absoluta carência de fundamentação, improcede, in totum, o requerimento em causa, sendo que igualmente não se verifica qualquer desrespeito dos comandos constitucionais do art. 18.º, 20.º/4 e 32.º/5CRP. II- RELATÓRIO 1.1. Decisão recorrida Mediante Acórdão, datado e depositado a 18janeiro2024 (ref.s ...80 e ...03), após comunicação de alteração de qualificação jurídica para os efeitos do art. 358.º/1/3CPP, sem oposição (ata de 18janeiro2024 – ref. ...02), foram: 1 - o Arguido AA (que também usa AA, AA, AA, AA, AA, AA) condenado: a) na pena de 10 (dez) anos meses de prisão, pela prática, como coautor material, de 1 (um) crime de adesão a organização terrorista internacional, p.p. pelos art.s 2.º/1a)/2; 3.º, 4.º/1/10 e 8.º/1 da Lei52/2003-22agosto (com as alterações e aditamentos introduzidos através da Lei59/2007-4setembro, da Lei25/2008-5junho e da Lei17/2011-3maio); b) na pena acessória de expulsão do território nacional, pelo período de 10 (dez) anos, nos termos conjugados dos art.s 34.º/1-DL15/93-22janeiro (Legislação de combate à droga), 134.º/1a)f); 140.º/2 e 151º/1 da Lei23/2007-4julho (Lei de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional) (na redação da Lei29/2012-9agosto); 2 - o Arguido BB condenado: (que também usa BB, BB, BB, BB, BB, BB, BB) condenado: a) na pena de 10 (dez) anos de prisão, pela prática, como coautor material, de 1 (um) crime de adesão a organização terrorista internacional, p.p. pelos art.s 2.º/1a)/2; 3.º, 4.º/1/10 e 8.º/1 da Lei52/2003-22agosto (Lei de combate ao terrorismo) (com as alterações e aditamentos introduzidos através da Lei59/2007-4setembro, da Lei25/2008-5junho e da Lei17/2011-3maio); b) na pena de 12 (doze) anos de prisão, pela prática, como autor material, de 1 (um) crime de guerra, p.p. pelos art. 10.º/b)d)i) da Lei31/2004-22julho (Lei penal relativa às violações do direito internacional humanitário) (com as alterações e aditamentos introduzidos através da Lei 59/2007-4setembro e da Lei11/2019-7fevereiro) (vítima FF); c) na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses [16 (dezasseis meses)] de prisão, pela prática, como autor material, de 1 (um) crime de ameaça agravada, p.p. pelos art. 153.º/1; 155.º/1a)c) do Código Penal (doravante CP); d) em cúmulo jurídico, na pena única de 16 (dezasseis) anos de prisão; e) na pena acessória de expulsão do território nacional, pelo período de 10 (dez) anos, nos termos conjugados dos art.s 34.º/1-DL15/93-22janeiro (Legislação de combate à droga), 134.º/1a)f); 140.º/2 e 151º/1 da Lei23/2007-4julho (Lei de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional) (na redação da Lei29/2012-9agosto). 1.2. Recursos Inconformados com o referido Acórdão, do mesmo e junto do Tribunal a quo foram interpostos recursos pelo: 1.2.1. Ministério Público - com entrada a 29abril2024 (ref. ...36), definindo como objeto do mesmo (cfr. fls. 148 dessa peça processual, ao nível da conclusão 7) sendo que (SIC, com exceção da formatação do texto, da responsabilidade do Relator, o que vale para todas as demais situações de idêntica natureza) “a) Quanto a ambos os arguidos, parte da matéria de facto não provada que levou à absolvição de ambos os arguidos de crimes de guerra (factos de que foram vítimas GG, a mulher HH, duas filhas II e JJ e o menor KK em casa, GG e LL junto à loja, e LL à chegada à prisão em Mossul); b) A condenação, por um crime de guerra em concurso aparente com outro crime de guerra, em vez de condenação, em concurso efectivo, por dois crimes de guerra (factos de que foi vítima FF) e, por fim; c) O quantum da pena de ambos os arguidos.” motivando-o e delimitando-o no objeto com as conclusões que se transcrevem (particularmente desprovidas da síntese exigível, em lata medida simples cópia da motivação, que só não se mandaram aperfeiçoar por ser, ainda assim, compreensível a final pretensão formulada em sede dos autos, os quais até revestem natureza urgente): “Acusação/Pronúncia 1) Nestes autos, foram os arguidos os arguidos BB e AA acusados e pronunciados pela prática, em co-autoria, sob a forma consumada e em concurso efectivo, nos seguintes termos: a) O arguido BB: 1) 1 (um) crime de Organizações Terroristas (adesão a organização terrorista), p. e p. pelos artigos 1º, 2º, nº 1, a), b), c), d), f) e nº 2, 3º, nº 1 e 2, da Lei nº 52/2003, de 22 de Agosto, na redacção da Lei nº 17/2011, de 03/05. 2) 5 (cinco) crimes de guerra contra as pessoas, p. e p. pelos art.ºs 2º b), 10º, nº 1 g) e 9º g) da Lei nº 31/2004, de 22 de Julho e art.º 3º a) e c) comum às Convenções de Genebra, em co-autoria com AA; (factos ocorridos na casa de GG no segundo dia de manhã, em Mossul, Iraque, sendo vítimas o próprio GG, a mulher HH, duas filhas II e JJ e o menor KK); 3) 1 (um) crime de guerra contra as pessoas, p. e p. pelos art.ºs 2º b), 10º nº 1 d), da Lei nº 31/2004, de 22 de Julho e art.º 3º a) e c) comum às Convenções de Genebra; (factos ocorridos à chegada à prisão, em Mossul, Iraque, sendo vítima LL); 4) 1 (um) crime de guerra contra as pessoas, p. e p. pelos art.ºs 2º b), 10º i) da Lei nº 31/2004, de 22 de Julho e art.º 3º a) e c) comum às Convenções de Genebra, em co-autoria com AA; (factos ocorridos à chegada à prisão em Mossul, Iraque, sendo vítima LL); 5) 1 (um) crime de guerra contra as pessoas, p. e p. pelos art.ºs 2º b), 10º, nº 1 i), da Lei nº 31/2004, de 22 de Julho e art.º 3º a) e c) comum às Convenções de Genebra; (factos de que é vítima FF;) 6) 1 (um) crime de guerra contra as pessoas, p. e p. pelos art.ºs 2º b), 10º nº 1 d), da Lei nº 31/2004, de 22 de Julho e art.º 3º a) e c) comum às Convenções de Genebra; (factos de que é vítima FF); 7) 1 (um) crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art.º 347º, nº 1 do C.P; (factos ocorridos nas instalações do Gabinete de Asilos e Refugiados, no SEF). b) O arguido AA: 1) 1 (um) crime de Organizações Terroristas (adesão a organização terrorista), p. e p. pelos artigos 1º, 2º, nº 1, a), b), c), d), f) e nº 2, 3º, nº 1 e 2, da Lei nº 52/2003, de 22 de Agosto, na redacção da Lei nº 17/2011, de 03/05. 2) 5 (cinco) crimes de guerra contra as pessoas, p. e p. pelos art.ºs 2º b), 10º, nº 1 g) e 9º g) da Lei nº 31/2004, de 22 de Julho e art.º 3º a) e c) comum às Convenções de Genebra, em co-autoria com BB – (factos ocorridos na casa de GG no segundo dia de manhã, em Mossul, Iraque, sendo vítimas o próprio GG, a mulher HH, duas filhas II e JJ e o menor KK); 3) 1 (um) crime de guerra contra as pessoas, p. e p. pelos art.ºs 2º b), 10º nº 1 d), da Lei nº 31/2004, de 22 de Julho e art.º 3º a) e c) comum às Convenções de Genebra; (factos ocorridos junto à loja, em Mossul, Iraque, sendo vítima LL); 4) 1 (um) crime de guerra contra as pessoas, p. e p. pelos art.ºs 2º b), 10º, nº 1 g) e 9º g), da Lei nº 31/2004, de 22 de Julho e art.º 3º a) e c) comum às Convenções de Genebra; ( factos ocorridos junto à loja, em Mossul, Iraque, sendo vítima GG); 5) 1 (um) crime de guerra contra as pessoas, p. e p. pelos art.ºs 2º b), 10º, nº 1 i), da Lei nº 31/2004, de 22 de Julho e art.º 3º a) e c) comum às Convenções de Genebra, em co-autoria com BB – (factos ocorridos junto à loja, em Mossul, Iraque, sendo vítima LL); 2) Os factos integradores destes crimes estão descritos na Acusação e na Pronúncia, para cujo teor se remete, abstendo-nos de aqui os reproduzir; Alteração da Qualificação Jurídica 3) Por ter sido requerido, (com excepção da parte relativa ao crime de resistência e coacção sobre funcionário) pelo Ministério Público, na Audiência de Discussão e Julgamento de dia 18.01.2024, foi proferido um despacho pela MMA Juiz Presidente de comunicação aos arguidos de alteração da qualificação jurídica diversa da Acusação/Pronúncia, tendo sido exarado em acta; 4) A Ex.ma Juiz comunicou, assim, aos arguidos que: Arguido BB: Na Acusação lê-se: 2) 5 (cinco) crimes de guerra contra as pessoas, p. e p. pelos art.ºs 2º b), 10º, nº 1 g) e 9º g) da Lei nº 31/2004, de 22 de Julho e art.º 3º a) e c) comum às Convenções de Genebra, em co-autoria com AA, em concurso aparente com 5 (cinco) crimes de terrorismo internacional, p. e p. pelo art.º 2º, nº 1 a), 3º, nº 1 e 5º, nº 1, da Lei nº 52/2003, de 22 de Agosto, na redacção da Lei nº 17/2011, de 03/05, por sua vez em concurso aparente com 5 (cinco) crimes de coacção agravada, p. e p. pelo art.ºs 154º, nº 1 e 155º, nº 1 a) sendo um deles agravado, também, pelo art.º 155, n.º 1 b) (menor de idade) todos do Código Penal – factos ocorridos na casa de GG no segundo dia de manhã, em Mossul, Iraque, sendo vítimas o próprio GG, a mulher HH, duas filhas II e JJ e o menor KK. Deve alterar-se para: 2) 5 (cinco) crimes de guerra contra as pessoas, p. e p. pelos art.ºs 2º b), 10º, nº 1 b), d) e l) da Lei nº 31/2004, de 22 de Julho e art.º 3º a) e c) comum às Convenções de Genebra, em co-autoria com AA, em concurso aparente com 5 (cinco) crimes de terrorismo internacional, p. e p. pelo art.º 2º, nº 1 a), 3º, nº 1 e 5º, nº 1, da Lei nº 52/2003, de 22 de Agosto, na redacção da Lei nº 17/2011, de 03/05, por sua vez em concurso aparente com 5 (cinco) crimes de coacção agravada, p. e p. pelo art.ºs 154º, nº 1 e 155º, nº 1 a) sendo um deles agravado, também, pelo art.º 155, bº 1 b) (menor de idade) todos do Código Penal – factos ocorridos na casa de GG no segundo dia de manhã, em Mossul, Iraque, sendo vítimas o próprio GG, a mulher HH, duas filhas II e JJ e o menor KK; Na Acusação lê-se: 4) 1 (um) crime de guerra contra as pessoas, p. e p. pelos art.ºs 2º b), 10º i) da Lei nº 31/2004, de 22 de Julho e art.º 3º a) e c) comum às Convenções de Genebra, em co-autoria com AA, em concurso aparente com 1 (um) crime de terrorismo internacional, p. e p. pelos art.º 2º, nº 1 a), 3º, nº 1 e 5º, nº 1, da Lei nº 52/2003, de 22 de Agosto, na redacção da Lei nº 17/2011, de 03/05, por sua vez em concurso aparente com 1 (um) crime de sequestro agravado, p. e p. pelo art.º 158º, nº 1 e 2 b) do Código – factos ocorridos à chegada à prisão em Mossul, Iraque, sendo vítima LL; Deve alterar-se para: 4) 1 (um) crime de guerra contra as pessoas, p. e p. pelos art.ºs 2º b), 10º nº 1 i) da Lei nº 31/2004, de 22 de Julho e art.º 3º a) e c) comum às Convenções de Genebra, em coautoria com AA, em concurso aparente com 1 (um) crime de terrorismo internacional, p. e p. pelos art.º 2º, nº 1 a), 3º, nº 1 e 5º, nº 1, da Lei nº 52/2003, de 22 de Agosto, na redacção da Lei nº 17/2011, de 03/05, por sua vez em concurso aparente com 1 (um) crime de sequestro agravado, p. e p. pelo art.º 158º, nº 1 e 2 b) do Código – factos ocorridos à chegada à prisão em Mossul, Iraque, sendo vítima LL; Na Acusação lê-se: 7). 1 (um) crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art.º 347º, nº 1 do C.P., em concurso aparente com 1 (um) crime de coacção agravada, na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 154º, nº 1 e 2, 155º, nº 1 a) e c) e 132 nº 2 l) e 23º, nº 2 do C.P. – factos ocorridos nas instalações do Gabinete de Asilos e Refugiados, no SEF. Deve alterar-se para: 7) 1 (um) crime de ameaça agravada, p.e.p. no n.º 1 do artigo 153.º do Código Penal e n.º 1 do artigo 155.º do mesmo diploma legal. Arguido AA: Na Acusação lê-se: 2) 5 (cinco) crimes de guerra contra as pessoas, p. e p. pelos art.ºs 2º b), 10º, nº 1 g) e 9º g) da Lei nº 31/2004, de 22 de Julho e art.º 3º a) e c) comum às Convenções de Genebra, em co-autoria com BB em concurso aparente com 5 (cinco) crimes de terrorismo internacional, p. e p. pelo 2º, nº 1 a), 3º, nº 1 e 5º, nº 1, da Lei nº 52/2003, de 22 de Agosto, na redacção da Lei nº 17/2011, de 03/05, por sua vez em concurso aparente com 5 (cinco) crimes de coacção agravada, p. e p. pelo art.ºs 154º, nº 1 e 155º, nº 1 a) sendo um deles agravado, também, pelo art.º 155, bº 1 b) (menor de idade) todos do Código Penal – factos ocorridos na casa de GG no segundo dia de manhã, em Mossul, Iraque, sendo vítimas o próprio GG, a mulher HH, duas filhas II e JJ e o menor KK; Deve alterar-se para: 2) 5 (cinco) crimes de guerra contra as pessoas, p. e p. pelos art.ºs 2º b), 10º, nº 1 b), d) e l) da Lei nº 31/2004, de 22 de Julho e art.º 3º a) e c) comum às Convenções de Genebra, em co-autoria com BB em concurso aparente com 5 (cinco) crimes de terrorismo internacional, p. e p. pelo 2º, nº 1 a), 3º, nº 1 e 5º, nº 1, da Lei nº 52/2003, de 22 de Agosto, na redacção da Lei nº 17/2011, de 03/05, por sua vez em concurso aparente com 5 (cinco) crimes de coacção agravada, p. e p. pelo art.ºs 154º, nº 1 e 155º, nº 1 a) sendo um deles agravado, também, pelo art.º 155, bº 1 b) (menor de idade) todos do Código Penal – factos ocorridos na casa de GG no segundo dia de manhã, em Mossul, Iraque, sendo vítimas o próprio GG, a mulher HH, duas filhas II e JJ e o menor KK; Na Acusação lê-se: 4) 1 (um) crime de guerra contra as pessoas, p. e p. pelos art.ºs 2º b), 10º, nº 1 g) e 9º g), da Lei nº 31/2004, de 22 de Julho e art.º 3º a) e c) comum às Convenções de Genebra, em concurso aparente com 1 (um) crime de terrorismo internacional, p. e p. pelo art.º 2º, nº 1 a), 3º, nº 1 e 5º, nº 1, da Lei nº 52/2003, de 22 de Agosto, na redacção da Lei nº 17/2011, de 03/05, por sua vez em concurso aparente com 1 (um) crime de coacção agravada, p. e p. pelo art.ºs 154º, nº 1 e 155º, nº 1 a) todos do Código Penal – factos ocorridos junto à loja, em Mossul, Iraque, sendo vítima GG; Deve alterar-se para: 4) 1 (um) crime de guerra contra as pessoas, p. e p. pelos art.ºs 2º b), 10º, nº 1 b), d) e l) da Lei nº 31/2004, de 22 de Julho e art.º 3º a) e c) comum às Convenções de Genebra, em concurso aparente com 1 (um) crime de terrorismo internacional, p. e p. pelo art.º 2º, nº 1 a), 3º, nº 1 e 5º, nº 1, da Lei nº 52/2003, de 22 de Agosto, na redacção da Lei nº 17/2011, de 03/05, por sua vez em concurso aparente com 1 (um) crime de coacção agravada, p. e p. pelo art.ºs 154º, nº 1 e 155º, nº 1 a) todos do Código Penal – factos ocorridos junto à loja, em Mossul, Iraque, sendo vítima GG; 5) Os Mandatários dos arguidos nada tiveram a opor à alteração da qualificação e disseram prescindir do prazo de vista; Acórdão 6) Foi proferido Acórdão nos seguintes termos (na parte ora relevante): a) Condenar o arguido BB, pela prática do crime de adesão a organização terrorista internacional, p. e p., nos artigos 2.º n.º 1 alínea a) e n.º 2, 3.º, 4.º n.º 1 e n.º 10 e 8.º n.º 1 da Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto (com as alterações e aditamentos introduzidos através da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, da Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho e da Lei n.º 17/2011, de 3 de Maio) a pena de 10 (dez) anos de prisão. b) Pela prática de um crime de guerra, p. e p. pelo artº 10º, als. b) d) e i), tendo como vítima FF a pena de 12 (doze) anos de prisão. c) Pela prática de um crime de ameaça agravada, p.e p. pelo art. 153° n° 1 e 155° n° 1 als. a) e c) a pena de 16 (dezasseis) meses de prisão. d) Em cúmulo jurídico de penas condená-lo na pena única de 16 (dezasseis) anos de prisão - artº 77º do C.P. e) Absolver o arguido BB da prática dos crimes de guerra contra p. e p. pelo artigo 10.º, las. b), d), i) e l) relativamente às vítimas GG, HH, II, JJ e KK; LL; GG; f) Condenar o arguido AA, pela prática do crime de adesão a organização terrorista internacional, p. e p., nos artigos 2.º n.º 1 alínea a) e n.º 2, 3.º, 4.º n.º 1 e n.º 10 e 8.º n.º 1 da Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto (com as alterações e aditamentos introduzidos através da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, da Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho e da Lei n.º 17/2011, de 3 de Maio) a pena de 10 (dez) anos de prisão. g) Absolver o arguido AA da prática dos crimes de guerra contra p. e p. pelo artigo 10.º, las. b), d), i) e l) relativamente às vítimas GG, HH, II, JJ e KK; LL; GG; Objecto do Recurso 7) O Objecto do Recurso do Ministério Público é: a) Quanto a ambos os arguidos, parte da matéria de facto não provada que levou à absolvição de ambos os arguidos de crimes de guerra (factos de que foram vítimas GG, a mulher HH, duas filhas II e JJ e o menor KK em casa, GG e LL junto à loja, e LL à chegada à prisão em Mossul); b) A condenação, por um crime de guerra em concurso aparente com outro crime de guerra, em vez de condenação, em concurso efectivo, por dois crimes de guerra (factos de que foi vítima FF) e, por fim; c) O quantum da pena de ambos os arguidos. 8) O presente Recurso impugna, assim, relativamente ao artigo que antecede, quanto à alínea a), a matéria de facto e, quanto às alíneas b) e c), a matéria de direito; Razões da discordância do Ministério Público Impugnação da Matéria de facto (factos de que foram vítimas GG, a mulher HH, duas filhas II e JJ e o menor KK em casa, GG e LL junto à loja, e LL à chegada à prisão em Mossul: 9) No Acórdão foram considerados NÃO PROVADOS os seguintes factos com relevância, nesta parte (negrito nosso), INCORRECTAMENTE JULGADOS, E QUE POR ISSO SE IMPUGNA, pois decorrem de um ERRO e INCONGRUÊNCIA NA INTERPRETAÇÃO DAS DECLARAÇÕES DAS VÍTIMAS LL e GG e de uma exigência totalmente desfasada e incompreensível das mesmas, vários anos e uma guerra volvidos, como se verá, mais precisamente: a) BB e AA e um quarto indivíduo não identificado, foram a casa de LL, à sua procura, pois queriam dar cumprimento à ordem de detenção emitida pelo Tribunal da Sharia. b) Que nesse dia BB e AA traziam uma metralhadora ..., cada um. c) BB e AA entraram no interior da casa, empurrando a porta sem autorização do seu proprietário. d) Mal entraram, na sala de estar, AA deram ordem aos presentes para se sentarem a um canto, no chão. e) De seguida, AA apontou as armas na direcção de todos os presentes sentados no chão. f) BB ficou a empunhar a sua arma junto à porta da cozinha. g) No interior da habitação, BB e AA partiram, atirando para o chão, objectos que ali encontraram, designadamente antiguidades, cristais, relógios, jarras russas e chinesas, uma televisão de plasma e fotografias emolduradas, sob o pretexto de se tratar de objectos proibidos. h) AA bateu na cabeça de LL i) Que AA apelidou LL de descrente, infiel, apostata, renegado (rafida), indigno, sem moral, proxeneta, corrupto, por passar informações. j) Que quando LL entrou nas instalações do Tribunal da Sharia, em comunhão de esforços e intenção com BB, de forma não apurada, CC voltou a bater em LL, enquanto BB empunhava a metralhadora na direcção deste, dando protecção ao seu irmão e forçando LL, mais uma vez, a suportar tal actuação sem qualquer reacção, pelo medo que lhe infligia. k) Os arguidos praticaram os actos atrás descritos contra as vítimas GG, a mulher HH, duas filhas II e JJ e o menor, filho de LL, KK, em comunhão de esforços e intentos com o seu irmão CC e um quarto indivíduo, com a intenção de os constranger e intimidar provocando-lhes medo de poderem vir a ser mortos, e de, através dessa acção, compelir GG, contra a sua vontade, a entregar os documentos dos membros da família que, em comunhão de esforços e intentos com o seu irmão CC, haviam exigido, como, efectivamente, vieram a alcançar e, ainda, compelir os restantes membros da família, face ao medo assim provocado, a suportarem aquela actuação sem qualquer reacção. l) AA e BB, este em conjugação de esforços com o seu irmão CC, pretenderam castigar e punir fisicamente causando dores, sofrimento, sequelas e lesões supra descritas à vítima LL o que previram e conseguiram, com intenção de o intimidar, assim como a todos os presentes, designadamente ao seu pai GG. m) AA praticou os actos atrás descritos contra a vítima, GG, em comunhão de esforços e intentos com o seu irmão CC e com mais dois indivíduos, com a intenção de o intimidar provocando-lhe medo de morte e de, através desse medo, compelir GG a suportar a detenção do seu filho sem qualquer reacção. n) AA estava ciente de que a sua actuação conjunta com o seu irmão CC, mediante o uso de armas com disposição de dispararem contra as pessoas que eventualmente lhes pretendessem opor qualquer resistência, era idónea a fazer com que GG temesse pela sua vida e pela vida do seu filho e, bem assim, condicionar-lhe a liberdade de acção, determinação e paz individual, quebrando, desta forma, a vontade de lhes opor resistência e levando a que a vítima GG, pelo medo de morte causado, nada fizesse no sentido de evitar que levassem o seu filho, contra a vontade de ambos, o que conseguiram e representaram. o) AA bem sabia que ao proferir as expressões que proferiu a LL ofendia a sua dignidade, honra e consideração e, mesmo assim, quis fazê-lo. p) Os arguidos agiram intencionalmente na execução de um plano comum, e que foram renovando, de prender e manter presa, contra a sua vontade, a vítima LL, bem sabendo que, dessa forma, lhe retiravam a liberdade de locomoção e de vontade, tendo agido assim com intenção de o intimidar, de intimidar todos os elementos da sua família, assim como a todos os que se encontravam presos nas mesmas circunstâncias e a população de Mossul que viesse, em geral, a ter disso conhecimento. q) Que na loja onde se encontrava LL, CC, AA e os outros dois indivíduos apontaram as armas em direcção a LL, ao seu pai GG e a outros dois indivíduos não identificados que se encontravam junto à entrada da loja. 10) O Colectivo fundamentou a sua decisão com os argumentos que reproduzimos textualmente no corpo da motivação do presente Recurso, no que diz respeito à análise e valoração das declarações para memória futura das vítimas LL e GG, da sua acareação, da testemunha da UNITAD MM, das testemunhas NN, OO e da vítima FF que damos por reproduzidos, para não sobrecarregar as presentes Conclusões; 11) Quanto aos pontos da matéria de facto dados como não provados, temos por inequívoco que a prova produzida em sede de Declarações para Memória futura (Apenso DMF – 2 Volumes) que foram gravadas, em áudio e em vídeo, das vítimas LL e GG e das testemunhas OO e FF, conjugada com a prova documental constante dos autos, designadamente a cópia do processo-crime do Iraque (Apenso D), donde constam as declarações das vítimas LL e GG e os documentos originais do Estado Islâmico juntos pelas vítimas, através da UNITAD, impunha que se desse os mesmos como PROVADOS – e não como não provados; 12) Ficámos, salvo o devido respeito, com a percepção de que as vítimas foram, para o Colectivo, credíveis numas partes, com o seu depoimento totalmente valorizado e noutras partes já não, sem que tenha havido qualquer razão para essa diferença de apreciação; 13) Por outro lado, transparece-nos, salvo o devido respeito, que não foi efectuado um esforço de interpretação do que as vítimas queriam dizer verdadeiramente, sendo que só foram consideradas confusas algumas partes do seu depoimento, partes esse que permitiriam, precisamente, na eventualidade de serem consideradas provadas, condenar os arguidos por outros crimes de guerra; 14) Como, também, não se entende como os depoimentos das vítimas foram credíveis para considerar todos os factos provados em relação ao irmão não acusado CC, mas pouco credíveis quanto aos arguidos, nos factos em que actuavam, precisamente, em co-autoria com aquele; 15) Foi exigido, salvo o devido respeito, um decalque nas declarações de ambas as vítimas descabido, injustificado e descontextualizado, quer no tempo, quer no espaço, num contexto de trauma e de guerra; 16) As pequenas diferenças entre o pai e o filho ficaram esclarecidas aquando da acareação e são totalmente justificáveis face aos anos que passaram e à emoção que sentiram ao depor, sobretudo da vítima GG que já tem uma idade mais avançada; 17) Realizar as Declarações para Memória Futura em árabe foi uma tarefa extremamente difícil, dada a necessidade de tradução, a distância física, a diferença horária e cultural que levavam, por exemplo, à dificuldade de respostas directas às questões que eram efectuadas, de que foi uma pequeníssima amostra a inquirição as testemunhas de defesa. Foi a primeira vez em Portugal que tais diligências foram efectuadas, com uma enorme dificuldade que não pode ser esquecida. E foi a segunda vez no mundo, com a Finlândia!; 18) Tinha sido importante o Colectivo ter assistido às filmagens das declarações, pedimo-lo aquando das alegações, pelo que se ousa sugerir que os Ex.mos Srs. Desembargadores o façam, para perceberem a emoção com que as vítimas depuseram, a forma espontânea com que esclareceram os factos e a forma indignada e até ofendida como reagiam, por exemplo, quando lhes era perguntado se foram do Daesh, quando se pretendia, com essa pergunta, demonstrar, com a resposta, que a adesão ao Estado Islâmico era um acto dependente da vontade de cada um; 19) A vítima GG respondeu assim: Como? Se o DAESH são grupos de malfeitores, são terroristas. Não posso aderir ao terrorismo. Mataram dois dos meus irmãos: um oficial da aviação e o outro comerciante. Mataram a minha irmã, membro do Conselho Regional, com os filhos. Dispararam contra mim, tenho 4 balas no peito. Como é que posso aderir? Que pergunta é essa? – (Cf. fls. 4722 VOL 16 ou fls. 58 Apenso 1DMF);~ 20) Chamamos a atenção que estas vítimas e testemunhas não têm qualquer interesse nos autos que não seja o de verem ser feita Justiça e, para isso, submeteram-se a prestar declarações perante o Tribunal de Mossul e perante o Tribunal português com todas as dificuldades, passando por controlos militares, com dificuldades de locomoção e pondo em causa a sua segurança e o Acórdão reconheceu precisamente essa isenção; 21) A testemunha MM, Team Leader da UNITAD, que abordou primeiramente vítimas, confirmou que estas estavam a falar a verdade, sem qualquer dúvida, e o Acórdão reconheceu esse facto; 22) Aceitaram, inclusive, que a sua identificação fosse revelada apesar de serem testemunhas especialmente vulneráveis de terrorismo, face às exigências, quanto a nós desproporcionadas, da Lei de Protecção de Testemunhas portuguesa que assim o exige; 23) Chama-se a atenção para a grande coragem que as vítimas e as testemunhas tiveram ao depor. A família dos arguidos, para além de abastada, o que foi confirmado pela testemunha PP, QQ e pelo cunhado dos arguidos, é uma família de elite, ligada ao ex-Presidente do Iraque Saddam Hussein, tal como o arguido BB reconheceu (cf. artº 599 Factos Provados e fls. 245 do Acórdão), e a uma faccção do poder que existiu e ainda tem forte expressão no Iraque (cf. fls 122, 123 e 128 do Acórdão); 24) Não podemos esquecer as ameaças de familiares dos arguidos descritas nos vários relatórios da UNITAD e nas declarações de algumas testemunhas – cf. 3750 a 3752 e tradução a fls. 3753 a 3758, 5403 e 5404 e tradução a 5405 e 5406 e 5754 a 5756 e tradução a fls. 5757 a 5761 e testemunha MM referido a fls. 131 do Acórdão; 25) As testemunhas referiram, várias vezes, sentir medo de serem mortas, inclusivamente em Portugal, no caso da testemunha L, tendo referido que se corria risco de vida em Mossul, não fazia sentido correr em Portugal; 26) Por outro lado, o Estado Islâmico ainda não acabou, não obstante a queda do Califado; 27) A testemunha MM referiu, várias vezes, como resulta do Acórdão, que as testemunhas e vítimas temem que o Estado Islâmico volte ao Iraque e que se vingue de quem denunciou os seus membros; 28) Podemos dizer, com toda a segurança, que as vítimas e testemunhas correram e correm risco de morte; 29) Por outro lado, para corroborarem os seus depoimentos, as vítimas LL e GG tiveram o cuidado de remeter aos autos documentos importantes, como os documentos originais do Estado Islâmico a seguir descritos (Apenso D) que comprovam a veracidade dos factos que relataram relativamente à exigência de pagamento do ouro; 30) Poder-se-ia alegar, que a vítima LL não foi ao hospital, que não houve fotografias das lesões, não há marcas das chicotadas, mas, como ficou profusamente demonstrado pelas Declarações para Memória Futura, quem era torturado pelo Estado Islâmico, não podia após ir ao hospital receber tratamento, porque o Estado Islâmico controlava todas as áreas da Administração e não permitia que fosse assegurado esse tratamento a quem tinha torturado, tal como consta dos art.ºs 262º e 265º dos factos dados como provados; 31) Por outro lado, o uso de telemóveis, para poder tirar fotografias, era proibido e motivo de condenação à morte, obviamente, porqueo Estado Islâmico não queria que a população comunicasse com o exterior; 32) Os Tribunais da Sharia não eram verdadeiros Tribunais, os Juízes eram membros do Estado Islãmico. Não havia Defensores, nem Polícia para receber queixas; 33) Não se pode fazer uma total equiparação para a realidade actual e para a exigência, por exemplo, de exames médicos, de prova fotográfica, de provas periciais…; 34) Essas dificuldades não podem determinar a impunidade dos autores dos factos, dos arguidos! Essas dificuldades traziam, sim, ao Colectivo, e agora aos Ex.mos Srs. Desembargadores dificuldades acrescidas na apreciação dos factos e da prova, porque o processo é de excepcional complexidade, como de excepcional complexidade é a tarefa dos Julgadores!; 35) Importa, sim, aferir, sobretudo, a credibilidade das vítimas e o seu depoimento, sujeitas à livre apreciação da prova, vítimas e testemunhas que são especialmente vulneráveis de terrorimo, com um estatuto especial; 36) Ora, segundo as conclusões recentes, de 4.12.2023, do Conselho da União Europeia sobre a melhoria do apoio e do reconhecimento das vítimas do terrorismo, os Estados Membros devem promover políticas para reconhecer as vítimas do terrorismo para que aqueles que perderam a vida ou sofreram lesões físicas ou psicológivas ou tiveram a sua liberdade sacrificada em consequência do fanatismo terrorista não sejam esquecidos, sendo que essas políticas podem também ser utilizadas como instrumento para prevenir a radicalização violenta; 37) E esse reconhecimento deve passar também pelos processos onde têm intervenção e onde têm a coragem de depor; 38) Prescreve o Acórdão do TRC de 17.03.2022, do Desembargador Paulo Guerra, em Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (dgsi.pt), que «em delitos sexuais em quesão vítimas crianças, é normal a vítima revelar grandes inibições e dificuldade em relatar os factos, quer pelo esforço que, certamente, fez ao longo do tempo para arredar da memória os abusos de que foi vítima, quer pelas reacções emocionais que sua memória lhe provocava, quer pelo prejuízo que dos mesmos resulta para a sua auto-imagem.Todas estas condicionantes contribuem de forma decisiva para que as referidas declarações contenham imprecisões, contradições, omissões e inconsistências, de tal forma que estranho seria que não padecessem dessas características. De tais imprecisões, contradições, omissões e inconsistências não resulta, por si só, que a criança mentiu. É certo que essas imprecisões, contradições, omissões e inconsistências fragilizam o valor indiciário de tais depoimentos, mas não mais do que isso, tanto mais que podem existir ouros indícios que corroborem a essencialidade e o núcleo central; 39) As vítimas de crimes sexuais e de violência doméstica e, talvez, de tráfico de pessoas, talvez sejam, no panorama nacional, as mais semelhantes com as vítimas de terrorismo, atentas as emoções e sentimentos de terror envolvidos; 40) A maior prova da veracidade dos factos trazidos aos autos pelas vítimas, GG e LL, é que os seus depoimentos não correspondem a uma cópia exemplar um do outro, apesar de corresponderem, no essencial, conforme ficou demonstrado na sua acareação, (ainda que a acareação parta de um pressuposto errado como referiremos); 41) Se as suas versões fossem deliberadamente concertadas, seguramente teriam decorado e ensaiado bem uma versão exactamente igual, para a trazer ao Tribunal; 42) E assim o Tribunal tinha acreditado totalmente nas suas versões ensaiadas, pois diria, salvo o devido respeito, que eram totalmente compatíveis…; 43) Isso não aconteceu, nada combinaram, porque ambos viveram, efectivamente, o que se passou, com os olhos, ouvidos e emoções de cada um, factos muito traumáticos que ocorreram há 6/7 anos, sendo que a testemunha GG já tem uma idade avançada, co o referimos; 44) E dessas nuances deveria o Tribunal, não ter concluído pela sua inveracidade, mas, a contrario concluir pela sua credibilidade total, pela sua veracidade e total espontaneidade, e não só por uma credibilidade parcial; 45) Também, que as testemunhas NN, OO e a vítima FF descrevem, de forma compatível, o que foi vivenciado por LL e pela sua família, tendo o primeiro presenciados os factos que ocorreram na casa e na loja, o que veio a dar consistência às declarações das vítimas; 46) Não ficou provada a existência de qualquer relacionamento prévio ou qualquer motivação para se sujeitarem a depor e para a versão dos factos que apresentaram, sendo certo que resultou NÃO PROVADO, (no ponto r), fls. 115 do Acórdão) que LL e o pai GG, ambos testemunhas de acusação, pertencem a família que teve antiga e grave contenda com a família A...; 47) Ou seja, não ficou provada qualquer motivação para que LL e GG tenham imputado os factos que foram considerados NÃO PROVADOS aos arguidos, salvo a sua vontade de que os Tribunais portugueses fizessem Justiça, o que, ainda, não veio a acontecer…; 48) Note-se que a maioria das testemunhas foi fiscalizada pela Al Hisbah e descrevem, com todo o pormenor, factos extremamente semelhantes aos descritos pelas vítimas GG e LL, designadamente os sequestros, a condução às instalações da Al Hisbah, o mesmo local e a actuação no interior da Al Hisbah, o que contribui para a veracidade dos factos descritos pelas vítimas; 49) Foram enviados aos autos, através da resposta da UNITAD à Carta Rogatória (cf. Apenso CR1 e D), documentos que corroboram as declarações das vítimas, designadamente cópias do processo judicial de natureza criminal que corre termos no Iraque, no Tribunal de Terrorismo de Mossul, analisados, em Julgamento, pela testemunha Inspector RR; 50) O processo judicial iraquiano corre termos na secção de foragidos (vide fls. 24 apenso D). 51) Foram obtidas cópias certificadas das queixas das vítimas e das declarações que foram tomadas, sob juramento, perante um Juiz de Instrução do Tribunal de Investigação em assuntos de Terrorismo, em Mossul, Iraque; 52) Foram obtidas, também, cópias dos Mandados de Detenção nacionais Iraquianos emitidos para os dois arguidos e para o irmão CC e, ainda, de um documento onde estão referidos os nomes dos pais dos arguidos, dos arguidos e de todos os seus irmãos; 53) O Juiz de instrução iraquiano, para além de ter atestado a fidedignidade das cópias remetidas, referiu que o Conselho Superior da Magistratura iraquiana autorizou a UNITAD a partilhar os documentos com o processo português; 54) Estes documentos comprovam que as vítimas apresentaram queixa no Tribunal de Terrorismo de Mossul, pelos mesmos factos que vieram a relatar ao Tribunal português; 55) Foram, também, enviados aos autos, documentos originais do Estado Islâmico, recebidos em resposta à CR1 – Apenso D, analisados, em julgamento, pela testemunha Inspector SS; 56) Trata-se de documentos originais do Estado Islâmico (cf. declarações testemunha MM) que comprovam a veracidade das declarações das vítimas LL e GG, do casamento de LL e do conflito que opunha a sua família e a de TT, pai da mulher de LL – (cf. art.ºs 273 a 279 dos Factos Provados); 57) Comprovam que, após queixa de TT, LL foi condenado pelo Tribunal do Estado Islâmico a entregar ouro, sob pena de ser novamente preso; 58) Trata-se de uma declaração de compromisso, (fls. 53 do Apenso D) datada de 09.12.2015, emitida pelo Departamento de Justiça e Queixas do Tribunal Islâmico em Mossul e assinada por LL, que por esse documento se compromete a entregar ao tribunal: - Ouro, no valor de cinco meticais (e não pesos), em 16.12.2015; - Ouro, no valor de 10 meticais (e não pesos), em 09.02.2016; - Ouro, no valor de 10 meticais, (e não pesos) em 09.04.2016; ou seja a cerca de 106,25 gramas de ouro, uma vez que cada metical correspondia a 4,25 g de ouro – cf. fls. 59 do Apenso D; A Fls. 47 do Apenso D consta o recibo de quitação da entrega de 25gr (0,88 Oz) em 17/12/2015, no valor, à data de 853,18 EUR; A Fls. 49 do Apenso D consta o recibo de quitação da entrega de 25gr (0,88 Oz) em 09/02/2016, no valor, à data de 1061,4 EUR. A Fls. 55 do Apenso D consta o recibo de quitação da entrega de 25gr (0,88 Oz) em 27/02/2016, no valor, à data de 982,08 EUR. A Fls. 57 do Apenso D consta o recibo de quitação da entrega de 45gr (1,59 Oz) em 09/04/2016, no valor, à data de 1734,6 EUR. Sofreu, por conseguinte, um prejuízo de 4.631,26 EUR (6.002.731,00 IQD – dinares iraquianos), ou seja, entregou, no total,120 gramas de ouro ao Estado Islâmico, um pouco mais do que se comprometeu a entregar, porventura por moratória, porque não respeitou as datas e quantidades individuais previstas de entrega. A fls. 51 do Apenso D encontra-se a notificação de LL, para comparecer no Tribunal na qualidade de arguido, a 27.02.2016, uma das datas em que procedeu a entrega de ouro. A fls. 45 do Apenso D (cf em inglês a fls. 59) encontra-se o contrato de casamento entre LL e a filha de TT, no qual está estipulado que, em caso de divórcio, as duas partes concordaram num dote de 50 meticais de ouro, o que corresponderia a 212,5 gramas de ouro, ou seja quase o dobro do que foi entregue por LL, não tendo qualquer relação com este valor entregue por LL como arguido após a queixa de TT; 59) Estes factos, trazidos aos autos pelas vítimas LL e GG, foram todos considerados PROVADOS pelo Tribunal, ou seja, nesta parte, mereceram credibilidade e credibilizam todos os demais factos referidos pelas vítimas; 60) Damos por reproduzidas as passagens das Declarações para Memória Futura das vítimas e testemunhas que constam do Apenso DMF (2 volumes) que devem ser apreciadas por Vªs Ex.as e que citámos atrás, no Corpo da motivação do recurso, para não pesarmos excessivamente as Conclusões; 61) No que diz respeito às vítimas LL e GG, primeira a ser traduzidas, consta do texto da Tradutora quer a tradução que foi feita oralmente, aquando da diligência, quer a real tradução de tudo o que foi dito feita, por escrito, posteriormente; 62) A opção da Tradutora dificulta a leitura, mas demonstra, por exemplo, que o que levou à acareação do pai e do filho, uma suposta alteração do depoimento do pai no decurso da diligência, resulta de um lapso da tradução oral efectuada na diligência; 63) Os depoimentos das restantes testemunhas e vítimas foram traduzidas integralmente por escrito, não ficando mencionada a tradução que foi feita oralmente, pois dificultava a leitura; 64) Pela leitura das declarações do filho e do pai, é forçoso concluir que as vítimas LL e GG referem, INSISTENTEMENTE, desde o início do seu depoimento, que, na altura dos factos, não sabiam quem eram os arguidos AA e BB, no sentido de NÃO SABEREM A SUA IDENTIDADE, só tendo sabido quem eram quando, já depois da libertação, foram a casa do sogro, primeiro quando o LL estava detido, no caso da vítima GG e 10 dias depois da libertação, no caso da vítima LL, e viram os três irmãos lá, tal e qual o Tribunal considerou PROVADO no art.ºs 231 a 233º e 268º a 272º; 65) Há um nítido ERRO de JULGAMENTO do Tribunal ao referir CONFUSÃO, que julga a favor dos arguidos, nas declarações das vítimas, quando, afinal, DÁ COMO PROVADO, que a vítima GG só vem a conhecer a identidade dos arguidos quando o filho estava detido!; 66) É totalmente incompreensível que o Tribunal diga que o Mais se diga que a circunstância de a testemunha GG (pai de LL) ter referido a propósito do mesmo episódio que o indivíduo de nome CC estava acompanhado de BB e AA NÃO FOI VALORADO, tendo em conta que, à data dos factos não os conhecia; 67) Como queria o Tribunal que a vítima GG dissesse que tinham estado presentes? A vítima GG não os conhecia. 68) Conheceu-os precisamente nesse dia, tal como o Tribunal considerou provado: VINDO A TOMAR CONHECIMENTO DA SUA IDENTIDADE, DESIGNADAMENTE QUE ERAM BB E AA E QUE ERAM IRMÃOS (art. 233º); 69) O Tribunal concluiu que Aliás, esta testemunha (GG) refere que só os conheceu quando se dirigiu a casa do sogro do filho, após a detenção deste, com vista a resolver a situação entre famílias (ocasião em que CC, BB e AA estariam na mesma casa), sendo certo que o filho LL, que já os conhecia anteriormente, não referiu a presença dos mesmos; 70) Esta conclusão é errada!; 71) LL só veio a saber quem eram, aquando da segunda reunião, 10 dias depois da sua libertação, tal como explicou insistentemente!; 72) O Tribunal também refere que: (…) é forçoso concluir que, em tal data, já a testemunha LL estava em condições de conhecer os arguidos BB e AA. Assim, não obstante a testemunha LL, em sede de acareação, ter referido que AA afinal estava no episódio em que foi levado da loja de relógios, o Tribunal não o valorou, na medida em que o seu depoimento nos parece confuso nessa parte; 73) O Tribunal, de facto, confundiu-se, mas não foi por as declarações das vítimas terem sido confusas; 74) De facto, por erro de tradução oral, não havia aparentemente a referência por parte da vítima GG a BB, no início das suas declarações, o que se veio a esclarecer com a tradução integral; 75) Mas o que se apurou, com a tradução integral, foi que a vítima GG imputou os factos ao arguido BB desde o início das suas declarações!; 76) Assim, ao contrário do que é erradamente referido aquando da acareação pelo MMO JUIZ de Instrução, (e que resulta, como referimos, de um lapso na tradução oral da diligência que foi depois corrigida na tradução integral por escrito a que o MMO JUIZ foi alheio) e que pode ser constatado pela leitura da tradução integral das DMF da vítima GG, este tinha referido, logo no início da diligência de DMF, que «Depois, deu-nos um prazo até ao dia seguinte. No dia seguinte, veio à procura do LL. Vieram a casa o CC, o AA e o BB», imputando aos três irmãos os factos relativos à ida a sua casa. 77) Com o desenrolar da inquirição, aparentemente, deixou de referir o arguido BB como tendo ido à sua casa, para, logo que percebeu o lapso do seu depoimento ou do entendimento por parte do Tribunal português, o corrigir; 78) Basta a leitura das declarações para se perceber que estava convencido que se estava a referir ao arguido BB, tal como tinha referido logo no início, não podendo tal ser sequer valorizável como alterações do seu depoimento, uma vez que é totalmente perceptível que assim não se passou; 79) E se esse juízo é admissível por parte do Juiz de Instrução, pois não tinha tido, ainda, acesso à tradução integral de tal depoimento, não é admissível para o Tribunal do Julgamento que teve acesso à tradução integral!; 80) Os depoimentos das duas vítimas demonstram rigor, nunca imputando de forma genérica e sem critério, todos os factos possíveis aos arguidos e seria muito fácil terem-no feito. Veja-se o referido pela vítima GG, a fls. 4726 VOL 16 ou 60 Apenso 1DMF; T - Não me lembro ao certo. Não me lembro ao certo. Eu jurei e tenho de dizer a verdade; 81) Por outro lado, no contexto da prática de todos os factos, é totalmente verosímil que os arguidos tenham agido da forma como lhe foi imputada na Acusação, uma vez que, tal como foi considerado PROVADO pelo Acórdão, eram considerados gente de TT; 82) Por outro lado, ainda, o Acórdão considerou PROVADO também, nos seguintes art.ºs, entre muitos outros que: 31. Os arguidos passaram a usar o traje afegão, ou traje Kandahari. 63. AA passou, também, por vezes, a acompanhar os seus irmãos, CC e BB, nas acções que levavam a cabo ao serviço do Estado Islâmico 67. Por vezes, BB trazia consigo uma arma da marca ... alojada num coldre à cintura ou no ombro, num coldre vestido pelas costas. 68. De outras vezes, BB trazia consigo uma metralhadora ... ou .... 69. À semelhança do seu irmão, por vezes, AA trazia consigo, à vista de terceiros, uma metralhadora .... 202. (…) e entregou a escritura da sua casa que, entretanto, obteve, a BB, a AA e a CC, conforme lhe tinha sido ordenado; 203. Naquele momento, BB, AA e CC vestiam o traje afegão; 83) Face a estes artºs e aos demais acima citados (artºs 5 a 111º), concluímos que o Tribunal considerou PROVADO que CC, BB e AA actuavam juntos em nome do Estado Islâmico de que todos faziam parte, portando armas e vestindo o traje afegão, 84) Ou seja as actuações imputadas aos arguidos relativamente à família B..., no fundo, inseriam-se no dia-a-dia dos arguidos, em Mossul, com especial influência do irmão CC, conforme ficou deveras provado! 85) Não há qualquer justificação plausível, qualquer fundamento para que o Tribunal tenha considerado credíveis TODAS as declarações das vítimas, considerando provados TODOS os factos, com tantos pormenores, quanto a CC e mesmo quanto aos arguidos e depois, nos factos concretos que permitem a condenação dos arguidos por outros crimes, essas declarações sejam consideradas confusas e não mereçam credibilidade, justificando, de uma forma muito leve, a absolvição dos arguidos, nessa parte; 86) Não pode o TRIBUNAL considerar credíveis quase na totalidade as suas declarações, para, de repente, apesar de explicado insistentemente pelas vítimas a diferença entre conhecer de vista e conhecer a identidade e o que queriam dizer com isso, deixar de considerar credíveis ou confusas noutras partes; 87) Não há qualquer fundamento para que se considere que CC tenha praticado todos os factos que resultam provados, designadamente que tenha, com os demais indivíduos, batido na cabeça de LL (artº. 174) e lhe tenham infligido golpes com as metralhadoras no corpo (art. 175º) e o tenha levado para a Al Hisba (180 a 183º), chamando-lhe vários nomes ofensivos no caminho (184º), que se considere PROVADO que o arguido BB esteve na Al Hisba, à chegada, munido de uma metralhadora atrás de CC, mas que, DE REPENTE, SEM QUALQUER JUSTIFICAÇÃO PARA QUE AS DECLARAÇÕES DE LL DEIXASSEM NESSE MOMENTO DE SER CREDÍVEIS, se considere NÃO PROVADO Que quando LL entrou nas instalações do Tribunal da Sharia, em comunhão de esforços e intenção com BB, de forma não apurada, CC VOLTOU A BATER EM LL, ENQUANTO BB EMPUNHAVA A METRALHADORA NA DIRECÇÃO DESTE, dando protecção ao seu irmão e forçando LL, mais uma vez, a suportar tal actuação sem qualquer reacção, pelo medo que lhe infligia; 88) Qual a razão para se considerar credível e PROVADO que BB esteve na Al Hisba com uma metralhadora atrás de CC, por um lado, mas que CC, ao contrário de todas as outras vezes que foram consideradas credíveis, nesse momento, não bateu em LL e que BB, que tinha uma metralhadora, afinal não deu protecção ao irmão, uma vez que era sua vontade bater em LL?; 89) E porque razão, considerando-se provado que BB esteve no interior da Al Hisba, com uma metralhadora e com o irmão CC que tinha levado detido LL, o Tribunal absolveu o arguido BB do crime de guerra de privação da liberdade de LL? 90) BB era membro do Estado Islâmico, portava uma metralhadora, sabia que LL estava detido contra a sua vontade, nas instalações da Al Hisba, nada fez para o libertar, como foi absolvido desse crime de guerra?; 91) Verifica-se, também, aqui um ERRO NO JULGAMENTO, uma vez que a actuação de BB privou LL da sua liberdade. 92) Não se compreende, assim, que o Tribunal, nesta parte, se limite a afirmar que LL apenas imputa a presença de BB nas instalações da Al Hisba… 93) É, também, totalmente incompreensível que o Tribunal refira que: Como efeito, a testemunha LL refere, expressamente, uma primeira situação, após denúncia do sogro ao Daesh, em que apenas teve contacto com o indivíduo de nome CC – situação em que este se deslocou a sua casa, o confrontou com o telemóvel e esteve consigo na rua a conversar. Nesta situação nunca refere a presença dos arguidos BB e AA – únicos sujeitos cujo apuramento de factos com relevância criminal cumpre apurar no âmbito do presente processo. No mesmo sentido prestou depoimento a testemunha GG (pai), o qual mencionou que a primeira vez que o indivíduo CC foi a sua casa foi sozinho, sem mencionar a intervenção dos arguidos destes autos; 94) Deste trecho, parece o Tribunal querer justificar que nenhuma das vítimas refere a presença de BB e AA no primeiro dia em casa, como abonando a favor dos arguidos…; 95) Ora, naturalmente, nenhuma das vítimas referiu a presença dos arguidos no primeiro dia, nem Acusação imputou factos aos arguidos no primeiro dia; 96) Qual a relevância deste trecho perguntamos? Salvo o devido respeito, nenhuma! A não ser sublinhar, fora de contexto, que os arguidos NÃO praticaram factos no primeiro dia, o que os abonaria, sendo certo que tal não lhes foi imputado!; 97) Não obstante o erro na tradução oral, como referido, a acareação entre o pai e o filho foi efectuada, 98) As declarações das vítimas, em sede de acareação, que não foram valorizadas pelo Tribunal, foram no mesmo sentido das declarações já prestadas anteriormente e insistentemente esclarecidas pelas vítimas; 99) Para além das declarações das vítimas e da sua acareação, importa, atentar nas declarações de outras três testemunhas, designadamente OO, NN e FF que corroboram os factos esclarecidos pelas vítimas; 100) A testemunha OO refere um episódio, em pleno domínio do Califado (não na altura das declarações), em que a vítima LL lhe identifica os arguidos como tendo tido participação nos factos de que foi vítima, respondendo com todo o rigor, não imputando, de forma genérica, os factos aos arguidos; 101) As declarações da testemunha NN vêm corroborar os factos da detenção e a presença da vítima GG aquando da sua prática, o que, aliás, consta dos factos dados como provados; 102) FF é vítima do arguido BB e é testemunha dos factos de que foi vítima LL; 103) O Tribunal deu-lhe total credibilidade quanto aos factos de que se queixou; 104) É incompreensível que as suas declarações, mais uma vez, não tenham sido consideradas credíveis ou valorizadas na parte em que referiu que LL, após a sua detenção, lhe identificou o arguido BB como tendo tido participação nos factos contra si; 105) Por outro lado, é importante levar em conta que, antes das Declarações para Memória Futura, perante o Tribunal português, já antes, perante o Tribunal de Assuntos de Terrorismos de Nineveh, em 07.12.2020, quer a Vítima LL, quer a vítima GG, tinham prestado depoimento imputando a CC, BB e a AA a prática dos factos, declarações que, juntamente com outras, levaram à emissão de Mandados de Detenção pelo Juiz iraquiano – cf. Apenso D, fls. 22 e 25; 106) Com relevância, em termos de prova indiciária, foram consideradas não provadas as versões trazidas aos autos pelos arguidos para justificar a queixa apresentada por GG e LL, designadamente a existência de uma contenda antiga entre famílias; 107) O motivo da contenda, segundo os arguidos, teria sido o facto de CC, em 1997 ou 1998, ou seja quando tinha 13 ou 14 anos, ter violado a vítima LL, quando este teria 8 ou 9 anos, tendo sido detido; 108) A vítima GG ter-se-ia recusado a que o mesmo fosse submetido a um exame pericial, tendo retirado a queixa, sendo, agora, a queixa uma vingança pelo ocorrido orquestrada pelas vítimas LL e GG, envolvendo todas as restantes testemunhas (algumas sem qualquer relação entre si) e envolvendo contrapartidas de pagamentos de dinheiro; 109) Por outro lado, também argumentaram que o arguido BB teve uma relação amorosa com UU, mulher de LL, de 2013 a princípio de 2015, sendo certo que o casamento de UU e LL foi em Outubro de 2014; 110) Esqueceram-se os arguidos que, se antes do Estado Islâmico, já era totalmente proibida uma relação com uma mulher casada, durante o Estado Islâmico era punida com pena de morte, não havendo qualquer liberdade, nem moral, nem de movimentos, para esse efeito; 111) A relevância destes factos, que foram considerados não provados, face ao teor do art.º r) dos FACTOS NÃO PROVADOS, é a de demonstrar a necessidade que os arguidos tiveram de inventar justificações sem qualquer plausibilidade para conseguirem afastar a versão dos factos trazida pelas vítimas - r) LL e o Pai, ambos testemunhas de acusação, pertencem a família que teve antiga e grave contenda com a família A.... (NÃO PROVADO); 112) Uma última nota ainda, agora quanto ao princípio in dubio pro reo invocado pelo Tribunal para fundamentar a ora impugnada decisão absolutória: como já referido, as razões e os elementos probatórios que deixámos apontados impunham que o Tribunal, de acordo com as regras da lógica e da experiência, concluísse, sem margem para dúvidas, estarem provados os factos acima enunciados que deu como não provados; 113) E porque nada permite concluir que o Tribunal recorrido devesse ter dúvidas sobre algum ou alguns deles – e muito menos dúvidas insanáveis! -, é óbvio que não podia, no caso em apreço, invocar o princípio in dubio pro reo para absolver os arguidos; 114) Em conclusão, nesta parte, o Acórdão Recorrido, por manifesto e grosseiro ERRO DE JULGAMENTO, violou o art. 127º do CPP, que lhe impunha que, pela sua coerência, e segundo as regras da lógica e da experiência, atribuísse credibilidade aos depoimentos que desvalorizou, nos termos acima apontados, e desse como provados os factos que deu como não provados, acima referidos; Qualificação Jurídica dos factos que devem ser dados como provados 115) A serem dados como PROVADOS os pontos de facto dados como NÃO PROVADOS acima enunciados (alíneas a) a q)), entendemos que os mesmos, conjugados com os demais já dados como provados, integram, para além do mais, a prática dos crimes de guerra que foram imputados a ambos os arguidos com as alterações decorrentes da alteração da qualificação jurídica antes enunciada, designadamente: O arguido BB: 2) 5 (cinco) crimes de guerra contra as pessoas, p. e p. pelos art.ºs 2º b), 10º, nº 1 b), d) e l) da Lei nº 31/2004, de 22 de Julho e art.º 3º a) e c) comum às Convenções de Genebra, em co-autoria com AA, (factos ocorridos na casa de GG no segundo dia de manhã, em Mossul, Iraque, sendo vítimas o próprio GG, a mulher HH, duas filhas II e JJ e o menor KK;) 3) 1 (um) crime de guerra contra as pessoas, p. e p. pelos art.ºs 2º b), 10º nº 1 d), da Lei nº 31/2004, de 22 de Julho e art.º 3º a) e c) comum às Convenções de Genebra, (factos ocorridos à chegada à prisão, em Mossul, Iraque, sendo vítima LL); 4) 1 (um) crime de guerra contra as pessoas, p. e p. pelos art.ºs 2º b), 10º, nº 1 i) da Lei nº 31/2004, de 22 de Julho e art.º 3º a) e c) comum às Convenções de Genebra, em co-autoria com AA, (factos ocorridos à chegada à prisão em Mossul, Iraque, sendo vítima LL); O arguido AA: 2) 5 (cinco) crimes de guerra contra as pessoas, p. e p. pelos art.ºs 2º b), 10º, nº 1 b), d) e l) da Lei nº 31/2004, de 22 de Julho e art.º 3º a) e c) comum às Convenções de Genebra, em co-autoria com BB (factos ocorridos na casa de GG no segundo dia de manhã, em Mossul, Iraque, sendo vítimas o próprio GG, a mulher HH, duas filhas II e JJ e o menor KK); 3) 1 (um) crime de guerra contra as pessoas, p. e p. pelos art.ºs 2º b), 10º nº 1 d), da Lei nº 31/2004, de 22 de Julho e art.º 3º a) e c) comum às Convenções de Genebra, (factos ocorridos junto à loja, em Mossul, Iraque, sendo vítima LL;) 4) 1 (um) crime de guerra contra as pessoas, p. e p. pelos art.ºs 2º b), 10º, nº 1 b), d) e l) da Lei nº 31/2004, de 22 de Julho e art.º 3º a) e c) comum às Convenções de Genebra, (factos ocorridos junto à loja, em Mossul, Iraque, sendo vítima GG); 5) 1 (um) crime de guerra contra as pessoas, p. e p. pelos art.ºs 2º b), 10º, nº 1 i), da Lei nº 31/2004, de 22 de Julho e art.º 3º a) e c) comum às Convenções de Genebra, em co-autoria com BB, (factos ocorridos junto à loja, em Mossul, Iraque, sendo vítima LL); 116) Em conclusão, deve conceder-se provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogado o acórdão recorrido, que deverá ser substituído por outro que, apreciando e valorando adequadamente as concretas provas postas à disposição do Tribunal e acima apontadas, dê como provados também os factos acima apontados sob as alíneas a) a q), que foram dados como não provados, e, em consequência, condene os arguidos pela prática dos crimes de guerra acima mencionados, nas penas parcelares de 14 anos de prisão por cada crime de guerra no que tange o arguido BB e 13 anos e seis meses por cada crime de guerra, no que diz respeito ao arguido AA, conforme se explanará no ponto Impugnação do Quantum das Penas; Impugnação da matéria de direito 117) Com relevância, nesta parte, importa considerar os seguintes FACTOS PROVADOS do art.º 280º ao art-º 336º do Acórdão; 118) Na fundamentação o Tribunal referiu, singelamente, que (sublinhado nosso): Pelo que atingiu a vítima FF com um tratamento cruel ao chicoteá-lo – artº 10º, al. b) referido atos que causaram grande sofrimento por ofensa à integridade física ou à saúde - alínea d) do referido artº 10º e com uma atuação ultraje a dignidade da pessoa, em particular por meio de tratamentos humilhantes, tanto mais que foram presenciados por outras pessoas no local - artº 10, al. l) e ao privá-lo da sua liberdade (alínea i), punidos como um único crime, uma vez que se tratou de uma actuação única no tempo, com sequência de actos interligados com vista à prática de uma “punição” (na óptica do arguido), sendo a privação da liberdade meio usado para a tortura em frente de demais cidadãos que à hora saíam do local de oração; Razões da dicordância quanto ao Acórdão recorrido 119) Ora tal conclusão enferma, salvo o devido respeito, de UM GRAVE ERRO DE DIREITO; 120) Refere o Colectivo que se tratou de uma actuação única no tempo, o que, salvo o devido respeito, não é verdade. Tratou-se de uma sucessão de factos: em primeiro lugar, a privação de liberdade, com a condução da vítima, à força, num veículo, juntamente com outras 12 vítimas, para lugar alheio à vontade da mesma. Posteriormente, ali chegados, o arguido chicoteou a vítima; 121) Ou seja, a privação de liberdade não foi só no período em que o arguido chicoteou a vítima; 122) O arguido primeiro privou a vítima da liberdade, consumando-se, nesse momento, um crime de guerra e só após, chegados a lugar diferente, chicoteou-a; 123) Os factos têm necessariamente autonomia e devem ser punidos em concurso efectivo, pois para além de se tratar de uma sucessão de factos, reflectem diferentes resoluções e intenções criminosas do arguido e afectam sucessivamente bens jurídicos pessoais diferentes: a liberdade e a integridade física; 124) A subtracção da liberdade ambulatória da vítima vai para além da estritamente necessária subtracção da liberdade necessária para a ofensa à integridade física; 125) O crime de guerra de subtração da liberdade ambulatória não foi o crime meio para a prática do crime de guerra de ofensa à integridade física, uma vez que esta podia ter sido praticada no local onde a vítima estava; 126) Nesse caso, a subtracção da liberdade teria sido a necessária à ofensa à integridade física e por ela consumida; 127) O arguido foi para além do necessário para a prática da ofensa à integridade física – com este sentido cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20.11.2008, Processo 08P0581, Relator Conselheiro Souto de Moura, em www.dgsi.pt; 128) Neste Acórdão, sobre concurso efectivo entre sequestro e roubo, mas cuja doutrina é aqui aplicável, é referido que a jurisprudência que se tem fixado, neste STJ, sobre a questão, e que se poderia sintetizar na ideia, segundo a qual, o concurso efectivo entre o crime de sequestro (…) e o de roubo (ou violação), surge sempre que a privação da liberdade ambulatória da vítima está para além do estritamente necessário à subtracção (ou prática do outro crime em concurso). Ocorre concurso aparente, sob a forma de consumpção, quando o crime de sequestro parece como crime meio, ao serviço da prática do outro, designadamente de roubo, desde que o agente não vá para além do que era necessário para levar a cabo o crime fim. (…) Por outro lado, como se aponta nos acórdãos recorridos, as subtracções podiam ter ocorrido logo no local da primeira abordagem, sem obrigarem as vítimas a irem para o dito local das antenas e, mesmo depois de aí estarem, os arguidos não precisavam de ter mantido as vítimas presas, estando o CC mesmo amarrado, durante todo o tempo decorrido (bem mais de uma hora) até à sua libertação; 129) Adaptando a doutrina do Acórdão aos factos dados como provados, designadamente ao art. 335 - Desde o momento em que BB e VV obrigaram FF a entrar no veículo, durante a oração do pôr-do-sol, até ao momento da libertação, durante a oração do fim do dia, decorreram cerca de duas horas, período de tempo em que não teve liberdade de locomoção, nem de expressão da vontade – é forçoso concluir que o arguido praticou DOIS CRIMES DE GUERRA, em concurso efectivo e não só um crime de guerra, em concurso aparente, uma vez que revela que a intenção, ou desígnio criminoso do arguido foi para lá da mera ofensa à intregridade física e da privação de liberdade estritamente necessária a esse fim; 130) Se a intenção fosse unicamente desferir à vítima 33 chicotadas, podia tê-lo efectuado no local onde a mesma se encontrava, não sendo necessário fazê-la deslocar, à força, para outro local, tendo-a privado da liberdade durante cerca de duas horas; 131) A privação da liberdade ultrapassou, totalmente, a privação da liberdade necessária para que a vítima suportasse 33 chicotadas; 132) Importa atentar, para o efeito, no que refere o artº 30º, nº1 do CP, designadamente que O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente; 133) De facto, existem situações em que o agente ultrapassa a fronteira da instrumentalidade e, para além do necessário à realização do crime-fim, prossegue na conduta lesiva do bem jurídico tutelado pelo crime-meio, tal como foi, também, reconhecido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20.04.2008, Processo 07P3331, Relator Conselheiro Soreto de Barros, www.dgsi.pt, a propósito do concurso efectivo que verificou existir entre o crime de sequestro e o crime de ofensas à integridade física, numa situação em que sob a ameaça de uma pistola, e fazendo-se acompanhar de um indivíduo não identificado, o recorrente forçou a ofendida a sair de casa e a entrar num veículo, em que a transportou para um pinhal, onde lhe desferiu um murro num olho e lhe apontou aquela arma, estando a assistente amarrada nos braços e nas pernas; Qualificação Jurídica dos factos dados como provados 134) O Estado Islâmico cumpre os critérios, de acordo com o Direito Internacional Humanitário, como parte de um conflito armado não internacional, no Iraque e na Síria, actuando como grupo armado não estatal organizado; 135) As partes de um conflito armado não internacional são obrigadas a aplicar e a aderir ao Direito Internacional Humanitário que define regras aplicáveis em tempos de conflitos armados, com o objectivo de proteger as pessoas que não participaram ou deixaram de participar das hostilidades e restringir os meios e métodos de guerra; 136) O artº 3º comum às Convenções de Genebra protege precisamente essas pessoas no Iraque, durante o Califado do Estado Islâmico; 137) O art.º 3º comum às Convenções de Genebra estipula normas fundamentais que são inderrogáveis, normas essenciais condensadas, aplicáveis aos conflitos de natureza não internacional; 138) Determina, entre o mais, o tratamento humano para todos os indivíduos em poder do inimigo, sem nenhuma distinção adversa. Proíbe especialmente os assassinatos, as mutilações, as torturas, os tratamentos cruéis, humilhantes e degradantes; tomada de reféns e julgamentos parciais; 139) Nos crimes de guerra em causa os bens jurídicos protegidos são a liberdade, a integridade física e a dignidade pessoal de pessoas protegidas pelo Direito Internacional e por isso o legislador confere-lhes uma exponencial protecção; 140) Prescreve o art.º 10º, nº 1 i) da Lei nº 31/2004, de 22 de Julho que: Quem, no quadro de um conflito armado de carácter internacional ou conflito armado de carácter não internacional, contra pessoa protegida pelo direito internacional humanitário, praticar: i) Deportação ou transferência, ou a privação ilegal de liberdade é punido com pena de prisão de 10 a 25 anos; 141) Por sua vez, o art.º 10º, nº 1 d) da Lei nº 31/2004, de 22 de Julho que: Quem, no quadro de um conflito armado de carácter internacional ou conflito armado de carácter não internacional, contra pessoa protegida pelo direito internacional humanitário, praticar: d) Actos que causem grande sofrimento ou ofensas graves à integridade física ou à saúde é punido com pena de prisão de 10 a 25 anos; 142) O legislador optou, na adaptação da legislação portuguesa ao Estatuto do Tribunal Penal Internacional, nas várias alíneas do art.º 10º, tipificar os vários crimes de guerra que protegem as pessoas reconhecidas pelo direito internacional humanitário, crimes com bens jurídicos protegidos diferentes; 143) A cada alínea corresponde um diferente crime de guerra, tutelando diferentes bens jurídicos protegidos, crimes de guerra que podem ser imputados, necessariamente, em concurso efectivo, sob pena de incongruência do próprio sistema penal português visto como um todo; 144) Ora, aos dois crimes de guerra aqui em causa aplicam-se, mutatis mutandi, as mesmas regras, acima referidas, que regem os crimes comuns de sequestro e ofensa à integridade física ou tortura; 145) Por todas as razões expostas, o Acórdão recorrido violou o disposto nos art.ºs 30º, nº 1 do CP e nos art.ºs 2º b), 10º, nº 1 i) e d), da Lei nº 31/2004, de 22 de Julho e art.º 3º a) e c) comum às Convenções de Genebra,que tipificam, prevêem e punem os referidos crimes de guerra; 146) Assim, deve, também aqui, conceder-se provimento ao presente Recurso e, em consequência, ser revogado o acórdão recorrido, nesta parte, que deverá ser substituído por outro que, condene o arguido BB pela prática, em autoria material E EM CONCURSO EFECTIVO (e não em concurso aparente), de: 5) - 1 (um) crime de guerra contra as pessoas, p. e p. pelos art.ºs 2º b), 10º, nº 1 i), da Lei nº 31/2004, de 22 de Julho e art.º 3º a) e c) comum às Convenções de Genebra; 6) 1 (um) crime de guerra contra as pessoas, p. e p. pelos art.ºs 2º b), 10º nº 1 d), da Lei nº 31/2004, de 22 de Julho e art.º 3º a) e c) comum às Convenções de Genebra; A medida da pena a aplicar aos arguidos em caso de provimento do recurso 147) Dando por reproduzido, relativamente à medida da pena a aplicar aos arguidos em caso de provimento do recurso no ponto Impugnação do Quantum das Penas (de seguida), consideramos que ao arguido BB deve ser aplicada mais uma pena parcelar de 14 anos de prisão POR CADA UM DESTES DOIS CRIMES DE GUERRA; Impugnação do Quantum das Penas Na eventualidade de não provimento do restante Recurso, mais concretamente se não merecer provimento a impugnação da matéria de facto e de direito 148) Ao arguido BB, o Tribunal condenou: - Pela prática do crime de adesão a organização terrorista, p. e p., nos artigos 2.º n.º 1 alínea a) e n.º 2, 3.º, 4.º n.º 1 e n.º 10 e 8.º n.º 1 da Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto (com as alterações e aditamentos introduzidos através da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, da Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho e da Lei n.º 17/2011, de 3 de Maio) na pena de 10 (dez) anos de prisão; - Pela prática de um crime de guerra, p. e p. pelo artº 10º, als. b) d) e i), tendo como vítima FF a pena de 12 (doze) anos de prisão. - Pela prática de um crime de ameaça agravada, p.e p. pelo art. 153° n° 1 e 155° n° 1 als. a) e c) a pena de 16 (dezasseis) meses de prisão; em cúmulo jurídico, fixar em dezasseis anos de prisão; 149) Ao arguido AA,o Tribunal condenou: - Pela prática do crime de adesão a organização terrorista, p. e p., nos artigos 2.º n.º 1 alínea a) e n.º 2, 3.º, 4.º n.º 1 e n.º 10 e 8.º n.º 1 da Lei n.º52/2003, de 22 de Agosto na pena de 10 (dez ) anos de prisão; Razões da nossa discordância 150) CONCORDA-SE com o Acórdão nos seguintes pontos, por não merecerem qualquer reparo: - Enumeração das regras e procedimento a seguir no cálculo da determinação da pena; - Medidas abstractas das penas em cada tipo de crime; - Escolha de pena de prisão no caso do crime de ameaça; - Ilicitude agravada; - Grau de culpa acima do limite médio da moldura abstracta para ambos os arguidos. - Exigências de prevenção especial quanto a ambos os arguidos; 151) No entanto, nestas operações de cálculo de determinação da pena, para ambos os arguidos, verifica-se uma total OMISSÃO DO ACÓRDÃO e, por via dela, uma violação do art.º 71º, nº 1 e 3 do CP; 152) No Acordão, quando está ainda a analisar em abstracto, é referido, e muito bem que medida concreta da pena a aplicar, situada entre um máximo ditado pela culpa e o mínimo reclamado pelas exigências de prevenção geral positiva; 153) No entanto, na determinação em concreto, a ponderação das exigências de Prevenção Geral, como mínimo exigido para a defesa do Ordenamento Jurídico e para a satisfação das expectativas da comunidade, foi totalmente esquecida, nem sequer referida ou ponderada; 154) E por via desse total ESQUECIMENTO, o tribunal violou o referido art. 71º, nº 1 e 3 do CP; 155) Ora, as exigências de Prevenção Geral SÃO MUITO ELEVADAS; 156) Em pleno Califado do Estado Islâmico, o Conselho de Segurança das Nações Unidas afirmou, na Resolução n.º 2249/2015, transcrita no art.º 103º da Acusação/Pronúncia, que: 157) (…) o terrorismo (…) constitui uma das ameaças mais sérias à paz e segurança internacionais e que quaisquer actos de terrorismo são criminosos e injustificáveis, independentemente das suas motivações (…).; Reafirmou que os responsáveis por cometer ou que são de outra forma responsáveis por actos terroristas, violações do direito internacional humanitário ou violações ou abusos dos direitos humanos devem ser responsabilizados; Exortou os Estados-Membros que têm capacidade para o fazer a tomarem todas as medidas necessárias, em conformidade com o direito internacional, em particular com a Carta das Nações Unidas, bem como direitos humanos internacionais, dos refugiados e direito humanitário, (…) a redobrarem e coordenarem os seus esforços para prevenir e reprimir actos terroristas cometidos especificamente pelo (…) Daesh; 158) Os presentes autos são, de facto, uma séria e importante manifestação do exercício da repressão exercida pelo Estado Português, na assumpção de uma verdadeira responsabilidade perante a comunidade internacional, uma vez que os arguidos se encontravam em território português; 159) O Califado acabou, mas o grau de ameaça na Europa, e também em Portugal, aumentou; 160) O terrorismo representa uma ameça muito difusa e universal; 161) A ameaça evoluiu, progressivamente, e passou a incluir células e grupos cada vez mais pequenos, estabelecidos na Europa, assim como agentes isolados que actuam de forma mais informal e imprevisível, planeando ataques mesmo com orientações muito vagas, o que torna a prevenção criminal do terrorismo ainda mais difícil; 162) Veja-se o exemplo da célula adormecida de Ripoll, a que pertencia Younes Abouyaaqoub, autor do ataque terrorista que matou 16 (dezasseis) pessoas em La Rambla, Barcelona, em Agosto de 2017: Younes, com uma aparência totalmente ocidentalizada, descrito como tímido, bom aluno e fanático por carros e futebol, também, participou num vídeo de propaganda do EI, com características de realização semelhantes àquele em que participou o arguido AA (alta qualidade de resolução vídeo e áudio, produção profissional, presença da bandeira do Estado Islâmico num dos cantos, clip acompanhado de um nasheed como música de fundo), difundido pela organização em Janeiro de 2020. Cf- ...: 163) Nesse vídeo, com fotogramas, a fls. 6073 do Relatório Final da Polícia Judiciária, perguntava-se retoricamente: Oh Andaluzia, pensas que nos esquecemos de ti? Por Allah, não esquecemos Sê paciente porque não és espanhola ou portuguesa; 164) Também, no vídeo publicado pelo Estado Islâmico da Província da África Ocidental - «The generation of empowerment, na página 5, do nº 322 da Revista Semanal do EI Al Naba, publicada no dia 22.01.2022 há uma referência a Al-Andalus (Península Ibéria): Não há como libertar os prisioneiros, recuperar a Mesquita Al-Aqsa (em Jerusalém), as Duas Mesquiatas Sagradas, (de Meca e de Mdina), conquistar Roma e o Al-Andalus, sem ser através da Jihad; 165) Recentemente, as autoridades alemãs adoptaram operações contraterroristas, em 21 e 29.11.23, com a detenção de indíviduos por suspeita de planeamento de ataques terroristas contra mercados de Natal; 166) Actualmente, face à guerra que opõe a Organização Terrorista HAMAS a Israel, os países ocidentais que qualificam o HAMAS como Organização Terrroista, são um alvo directamente a atingir pelo Estado Islâmico; 167) No último ataque terrorista conhecido, junto à Torre Eiffel, que resultou na morte de um turista ..., em 02.12.23, o seu autor, WW, após jurar fidelidade ao actual Califa do Estado Islâmico, XX, num vídeo que gravou uns momentos antes, disse: França é cúmplice de Israel; 168) A 14.12.2023 sete terroristas jihadistas foram detidos na Alemanha, Dinamarca e Países Baixos por prepararem um ataque terrorista a Judeus. Vários dos suspeitos tinham ligações ao HAMAS; 169) O Estado Islâmico reivindicou o atentado terrorista, no Irão, em Janeiro de 2024, que matou 84 pessoas durante uma homenagem ao General YY e deixou um aviso sério ao Ocidente, através do seu porta-voz ZZ, instando a ataques terroristas nas ruas de Washington, Paris, Londres, Roma e países dos ateus aliados de Israel; 170) Na sequência do recente atentado terrorista que matou 137 pessoas, em Moscovo, em Março de 2024, reivindicado pelo Estado Islâmico da Província de khorasan, filial do Estado Islâmico mais capacitada e violenta, vários países, como França, Itália e Espanha, elevaram a vigilância; 171) No recente ataque do Irão a Israel, em Abril de 2024, foi deixado um sério aviso contra os apoiantes de Israel: uma resposta sem precedentes; 172) Portugal não é um país à parte no que diz respeito à ameça terrorista e, por esse motivo, o grau de ameça terrorista em Portugal foi, pelo Sistema de Segurança Interna, elevado em Outubro de 2023; 173) É muito importante que quem tenha real intenção de praticar um atentado terrorista em Portugal tenha séria consciência de que a Justiça portuguesa reprime e pune exemplar e veementemente a adesão a Organizações terroristas e a prática de actos terroristas; 174) As exigências de prevenção geral, quanto ao crime de adesão a organização terrorista, SÃO MUITO ELEVADAS; 175) As exigências de prevenção geral quanto aos crimes de guerra SÃO ELEVADAS, pois exigem um palco específico de conflito armado não internacional e, por isso, não é uma prevenção difusa, mas específica, apesar de, neste momento, os palcos de conflitos jihadistas aumentaram subtancialmente com o conflito do Médio Oriente; 176) Portugal nunca sofreu nenhum atentado terrorista de matriz jihadista, o que, repetindo o já referido por nós aquando do Recurso para o STJ, no processo-crime com o NUIPC 5/2013.1JBLSB, é, também, fruto do trabalho muito qualificado e persistente da Unidade Nacional Contra-Terrorismo da Polícia Judiciária, de que a Investigação dos presentes autos é um exemplo; 177) Neste processo-crime com o NUIPC 5/2013.1JBLSB conhecido por Jihadistas portugueses, a recurso do Ministério Público, numa condenação por crime de apoio a organização terrorista Estado Islâmico, apesar de com a mesma pena abstracta, considerando, também, a elevada prevenção especial e prevenção geral, o Supremo Tribunal de Justiça elevou a pena de prisão para 10 anos de prisão - https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/76f992303588848580258885004691c0?OpenDocument; 178) Ora, neste momento as exigências de prevenção geral são muito mais elevadas ainda, podendo-se mesmo dizer que nunca estiveram tão elevadas como actualmente; 179) É incoerente os Tribunais portugueses condenarem a 10 anos de prisão o crime de apoio a organização terrorista e, igualmente, a 10 anos de prisão o crime de adesão a organização terrorista; 180) Apoiar o Estado Islâmico é menos grave do que aderir ao Estado islâmico, logo a ilicitude é menor; 181) As exigências de prevenção especial, também, são menores no crime de apoio, pois o prognóstico de reinserção é maior no mero apoio do que para quem aderiu e está ideologicamente comprometido com a Organização Terrorista; 182) Os Tribunais não devem condenar de forma incoerente e desintegrada: o Supremo Tribunal de Justiça, a recurso do Ministério Público, no referido processo, condenou a 10 anos de prisão um arguido condenado por crime de apoio ao Estado Islâmico, logo com uma ilicitude menor, com exigências menores de prevenção especial e geral; 183) A Comunidade não percebe, e também os próprios arguidos, de um e de outro processo, que num caso seja condenado com pena de prisão de 10 anos e no outro, mais grave, com exigências de prevenção especial e geral mais graves, seja condenado na mesma pena; 184) A expectactiva comunitária não se satisfaz, assim, com as penas parcelares de 10 anos e 12 anos, a que acrescerá a pena de 16 meses de prisão que não impugnamos; 185) Assim, face ao acima referido, por razões que se prendem com a coerência da resposta dos Tribunais portugueses vistos como um todo, face às exigências elevadas de prevenção especial para cada arguido, muito elevadas e elevadas exigências de prevenção geral, respectivamente, elevado grau de ilicitute e grau de culpa acima do limite médio da moldura abstracta - consideramos adequadas as seguintes penas parcelares: - 13 anos de prisão para o arguido BB, quanto ao crime de adesão a organização terrorista; - 12 anos e seis meses para o arguido AA (por haver uma ligeira diferença, para menos, ao nível da Prevenção Especial, por força da sua inserção na comunidade que o Acórdão, apesar de reconhecer, não reflectiu na pena), quanto ao crime de adesão a organização terrorista; - 14 anos de prisão para o arguido BB, quanto ao crime de guerra (note-se que o meio seria 17,5 anos de prisão, ou seja estamos a indicar uma pena substancialmente abaixo do meio!) ; - 16 meses de prisão para o arguido BB quanto ao crime de ameaça agravada, que não se impugna; 186) Em cúmulo jurídico, quanto ao arguido BB, a pena deverá ser fixada, assim, nos termos do art. 77º, nº 2 do CP, entre 14 anos e 25 anos, sendo que atendendo aos referidos critérios deverá ser fixada pena à volta dos 20 anos de prisão; 187) É absolutamente essencial que a Justiça não seja benevolente e transmita aos cidadãos uma imagem de inadmissibilidade total da prática de crimes desta natureza, assumindo verdadeiramente o compromisso de Portugal perante a União Europeia, na investigação e julgamento de crimes de terrorismo; 188) Em conformidade, deverá esse Venerando Tribunal, alterando o Acórdão recorrido, subir os quantuns das penas, tendo em conta as circunstâncias que referimos; Na eventualidade de provimento do Recurso, mais concretamente se merecer provimento a impugnação da matéria de facto e de direito 189) Na eventualidade da procedência do recurso, quanto à impugnação da matéria de facto e quanto à matéria de direito, damos por reproduzidos todas as considerações que efectuámos atrás; 190) Consideramos assim adequadas as seguintes penas parcelares para o arguido BB: - 1 (um) crime de Organizações Terroristas (adesão a organização terrorista) – 13 anos de prisão; - 5 (cinco) crimes de guerra contra as pessoas - 14 anos de prisão por cada crime (note-se, mais uma vez, que o meio seria 17,5 anos de prisão, ou seja estamos a indicar uma pena substancialmente abaixo do meio!); - 1 (um) crime de guerra contra as pessoas - 14 anos de prisão; - 1 (um) crime de guerra contra as pessoas - 14 anos de prisão; - 1 (um) crime de guerra contra as pessoas – 14 anos de prisão; - 1 (um) crime de guerra contra as pessoas - 14 anos de prisão; - 1 (um) crime ameaça agravada – 16 meses de prisão; 191) E, em cúmulo jurídico, quanto ao arguido BB, a pena deverá ser fixada, nos termos do art. 77º, nº 2 do CP, entre 14 e 25 anos, concretamente perto da pena máxima, face ao número de crimes que devem ser considerados provados e à sua gravidade; 192) Consideramos assim adequadas as seguintes penas parcelares para o arguido AA: - 1 (um) crime de Organizações Terroristas (adesão a organização terrorista) – 12 anos e seis meses de prisão; - 5 (cinco) crimes de guerra contra as pessoas- 13 anos e seis meses por cada crime (note-se, mais uma vez, que o meio seria 17,5 anos de prisão, ou seja estamos a indicar uma pena substancialmente abaixo do meio!); - 1 (um) crime de guerra contra as pessoas - 13 anos e seis meses; - 1 (um) crime de guerra contra as pessoas - 13 anos e seis meses; - 1 (um) crime de guerra contra as pessoas - 13 anos e seis meses; 193) Em cúmulo jurídico, quanto ao arguido AA, a pena deverá ser fixada, nos termos do art. 77º, nº 2 do CP, entre 13 e seis meses e 25 anos, concretamente à volta dos 22/23 anos de prisão, face ao número de crimes que devem ser considerados provados e à sua gravidade; 194) A diferença quanto ao arguido BB, como referido, prende-se por haver uma ligeira diferença ao nível da Prevenção Especial, por força da sua inserção na comunidade que o Acórdão, apesar de reconhecer, não reflectiu na pena; 195) Em conformidade, deverá esse Venerando Tribunal, alterando o Acórdão recorrido, subir os quantuns das penas, tendo em conta as circunstâncias referidas. V. Ex.as, porém, e como sempre, farão JUSTIÇA!“ 1.2.2. Arguido AA - com entrada a 29abril2024 (ref. ...97), definindo como objeto do mesmo (cfr. fls. 3 dessa peça processual): (SIC…idem) “a) Impugnação da matéria de facto; b) Do crime de adesão a organização terrorista; c) Da não punição / da atenuação especial da pena / da moldura da pena; d) Da pena acessória de expulsão;” motivando-o e delimitando-o no objeto com as conclusões que se transcrevem (particularmente desprovidas da síntese exigível, em lata medida simples cópia da motivação, que só não se mandaram aperfeiçoar por ser, ainda assim, compreensível a final pretensão formulada em sede dos autos, os quais até revestem natureza urgente): “A) I A única prova que sustenta a imputação ao arguido a prática de um crime de 1 (um) crime de adesão a Organizações Terroristas 1.º, 2.º, 1, b), c), d), f) e n.º 2, 3.º, 1 e 2 da Lei 52/2003, de 22.08, com as alterações que lhe foram introduzidas, atualmente prevista pelo artº 3º, nº1, al. b) com as alterações introduzidas pela Lei n.º 2/2023, de 16/01, reside no depoimento das testemunhas ouvidas para memória futura. II A circunstância dos factos em apreciação nos presentes autos terem sido cometidos, alegadamente, no Iraque, há mais de 8 (oito) anos, e assentarem única e exclusivamente em prova testemunhal, como á frente melhor analisaremos, contraditória entre si, deveria merecer no entendimento do Recorrente uma especial atenção. III Não se pode condenar um cidadão numa pena gravíssima de 10 (dez) anos de prisão com a ligeireza que se condenou nos presentes autos!!! IV Entre os anos de 2017 e 2021 o Arguido esteve sobre investigação em Portugal, vigiado e controlado 24 horas por dia, alvo de dezenas de vigilâncias, nunca, em momento algum, foi recolhido um indício, por mais ténue que fosse, de que o Arguido tivesse aderido ou pertencido ao Estado Islâmico. V O facto de algum irmão do Recorrente ter pertencido ao Estado Islâmico, no período em que o Recorrente vivia em Mossul, não pode, em momento algum, ser confundido com a adesão do Arguido a essa mesma Organização. VI O facto do Arguido, na cidade onde vivia, Mossul, ser visto na companhia de um irmão, que alegadamente havia aderido ao Estado Islâmico não permite que se retire a conclusão de que o Arguido aderiu ao Estado islâmico. VII Resulta da matéria de facto dada como provada que o Arguido é homossexual e ateu, o que é inconciliável com a adesão ao Estado islâmico, pontos 735 a 737, 745 e 747 da matéria de facto dada como provada. VIII O Recorrente não é Salafista, Ortodoxo ou Muçulmano, definindo-se como não crente. Não pertence ou pertenceu a qualquer organização de cunho terrorista, nomeadamente o Daesh ou Estado Islâmico; IX Não prestou apoio de que que forma fosse a nenhuma organização terrorista, nomeadamente ao Daesh ou a qualquer outra com esta ou outras relacionadas. Nunca recebeu ordens de quem quer que fosse relacionado com o Daesh, Estado Islâmico ou qualquer outra organização terrorista; X Não comunga ou apoia de quaisquer princípios ou ideias que defendam ou propagem a violência. XI Não consultou, pesquisou, leu, anotou, divulgou ou deteve quaisquer obras, escritos ou esquiços sobre a radicalização islâmica pretérita, presente ou futura; XII O Recorrente impugna os seguintes factos, os quais deveriam, em relação ao Recorrente ter sido dados como NÃO PROVADOS: 21, 22, 24, 28, 29, 30, 31, 40, 47, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 69, 75, 79, 80, 95, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 105, 106, 107, 108, 167, 202, 203, 402, 403, 404, 685, 686, 687, 689, 690, 691, 692, 693, 694, 698, 703. 21. Os arguidos foram, logo após o seu regresso a Mossul, recrutados pelo irmão CC para fazerem parte da organização Estado Islâmico, como seus membros efectivos. 22. O que veio a acontecer desde o seu regresso a Mossul até terem saído de Mossul. … 24. O que CC fez, ao recomendar os seus irmãos, ora arguidos, para passarem a ser membros do Estado Islâmico. … 28. A partir do seu regresso a Mossul, os arguidos passaram a ser membros do Estado Islâmico, integrando livre e voluntariamente a sua estrutura e os respetivos Departamentos, em nome de quem passaram a actuar, de acordo com objetivos, recebendo, em troca, proteção e privilégios. 29. Mediante a influência e o recrutamento do seu irmão CC, BB e AA passaram, assim, a ocupar posições ao serviço do Estado Islâmico. 30. Os arguidos passaram a exercer funções, no Estado Islâmico, no bairro ..., em Mossul, onde viviam, precisamente na área compreendida entre a rua 11 e a rua 17, onde o seu irmão CC era Emir da Al Amniyah. 31. Os arguidos passaram a usar o traje afegão, ou traje Kandahari. … 40. Em data não apurada do ano de 2014, após o seu regresso a Mossul, os arguidos juraram fidelidade ao Estado Islâmico, através do anúncio de Al bay’at (juramento de fidelidade). … 47. Em 2014, em data não concretamente apurada, após jurar fidelidade ao Estado Islâmico, AA foi admitido num curso/treino para combatentes, com a duração de cerca de 50 dias. … 58. Por razões não apuradas, AA viria a sair do curso para combatente, cerca de 30 dias depois do seu início, regressando a Mossul. 59. Todavia, após a sua saída do curso, AA continuou a usar o traje afegão, como membro do Estado Islâmico que era. 60. Não obstante ter saído do curso, AA, beneficiando da influência e protecção do seu irmão CC, Emir da Al Amniyah, passou, também, a exercer funções na Al Amniyah. 61. Com efeito, AA começou a exercer funções no Serviço de Proibição de Viagem, que tratava do imobiliário e era responsável pela obtenção dos documentos dos infractores, com o objectivo de impedir a sua saída do território controlado, como atrás referido. 62. Este serviço tinha instalações na Universidade de Mossul, ocupada pelo Estado Islâmico. 63. AA passou, também, por vezes, a acompanhar os seus irmãos, CC e BB, nas acções que levavam a cabo ao serviço do Estado Islâmico. 64. Quando acompanhava os seus irmãos, AA actuava, também, ao serviço do Estado Islâmico. … 69. À semelhança do seu irmão, por vezes, AA trazia consigo, à vista de terceiros, uma metralhadora .... … 75. Por vezes, AA e CC, por pertencerem à Al Amniyah, acompanhavam BB nessas acções de fiscalização. … 79. Assim, nessas acções de fiscalização, BB, (directamente ou determinando os demais membros da patrulha que comandava) AA e CC, como membros do Estado Islâmico, mandavam parar os indivíduos que, depois, abordavam, para aferir a altura das calças dos homens, o tamanho da barba, verificar se fumavam cigarros, se bebiam bebidas alcoólicas, se os homens e as mulheres andavam juntos na rua, o tamanho do véu das mulheres, entre outros motivos de infracções à lei da Sharia. 80. Para além disso, BB, AA e CC, como membros do Estado Islâmico, no exercício das funções que lhes foram atribuídas, fiscalizavam se os homens e mulheres mantinham relações de adultério, se eram homossexuais, se cumpriam as orações em grupo, se consumiam pornografia, se pagavam a Zakat (esmola, imposto religioso), entre outros. … 95. Em data não concretamente apurada de 2015, AA, no âmbito de uma acção de fiscalização semelhante às atrás referidas, na rotunda ..., abordou uma mulher que passava apeada e deu-lhe uma ordem para baixar o véu. 96. De outra vez, fiscalizou um civil que passava, na mesma rotunda, por causa do tabaco, tenho-lhe retirado o mesmo e ficado com ele. 97. Por várias vezes, AA dirigiu-se às lojas junto à referida rotunda, ordenando aos comerciantes e trabalhadores que as fechassem e para se dirigirem para as Mesquitas, pois estava na hora das orações. 98. Pelo menos uma vez, em 2014 ou 2015, AA saiu do interior do restaurante ..., situado junto à rotunda com o mesmo nome, e entrou num veículo da marca ..., modelo ..., sem qualquer inscrição, com os vidros escurecidos e sem matrícula, pertença da Al Amniyah. 99. Por vezes, AA, enquanto membro da Al Amniyah, no exercício das suas funções, circulava a pé ou sentava-se nos bancos do jardim, vestido como os demais civis, na rotunda ... junto ao ponto de informação ali existente, a observar os seus concidadãos, com o intuito de recolher informação útil à organização, designadamente detectar infracções e infractores. 100. Em 2014 e 2015, BB e AA frequentaram, várias vezes, os pontos de informação acima referidos, do bairro .... 101. AA e BB frequentaram, várias vezes, em número concreto não apurado, o ponto de informação existente na rotunda ... rodeados de vários outros membros do Estado Islâmico, em número, pelo menos, de dez de cada vez. 102. Naqueles momentos, AA, BB e os outros membros do Estado Islâmico que os acompanhavam, vestiam, frequentemente, o traje afegão e traziam armas visíveis. … 105. Pelo menos uma vez, durante a ocupação de Mossul, na rotunda ..., no bairro ..., BB saiu do interior de um veículo da Al Hisbah, da marca ..., modelo ..., levando, na mão, um suporte digital contendo uma gravação com uma publicação do Estado Islâmico e dirigiu-se ao interior da estrutura móvel de apoio ao ponto de informação ali existente. 106. Naquele momento, AA acompanhava BB. 107. Passado pouco tempo, os civis juntaram-se e disseram que estava a ser exibido um novo conteúdo do Estado Islâmico. 108. Só os membros do Estado Islâmico podiam aceder ao interior dessa estrutura móvel de apoio aos pontos de informação. … 167. Depois de ter saído do curso militar, AA, ao serviço do Estado Islâmico, tratava, também, do imobiliário e era responsável pela obtenção dos documentos dos infractores. … 202. Em data não concretamemente apurada mas após a reunião em casa do sogro do LL, enquanto este se encontrava preso, GG dirigiu-se à rotunda ..., no bairro ..., ao ponto de informação ali existente e entregou a escritura da sua casa que, entretanto, obteve, a BB, a AA e a CC, conforme lhe tinha sido ordenado, tendo-o feito contra a sua vontade, uma vez mais, com receio do que a Al Hisbah poderia fazer ao seu filho. 203. Naquele momento, BB, AA e CC vestiam o traje afegão. … 402. Por outro lado, como atrás referido, em 2015, em Mossul, quando se encontrava na zona da rotunda ..., no bairro ..., AA celebrou a Libertação de Al Ramadi (assim chamada pelos membros do Estado Islâmico), ou seja, a libertação da cidade de Al Ramadi do poder do Governo iraquiano, em 2015. 403. AA, visivelmente contente, celebrou, vestido com o traje afegão, com um turbante na cabeça, trazendo uma arma visível, juntamente, com mais sete ou oito membros do Estado Islâmico, todos vestidos com o traje afegão e armados. 404. AA foi entrevistado, naquele momento, por outros membros do Estado Islâmico e elogiou aquela organização terrorista, no que foi filmado pelos respectivos membros e gritou Allahu Akbar!, ou seja, Alá é grande! 685. Os arguidos tinham plena consciência das funções que iriam desempenhar e desempenharam, porque assim o quiseram, efectivamente, na estrutura daquela organização terrorista. 686. Ao integrarem a estrutura do Estado Islâmico, os arguidos sabiam perfeitamente o que lhes competia levar a cabo e que as suas acções teriam como objectivo a prática dos crimes compreendidos no escopo daquela organização terrorista, designadamente sabiam que iriam compactuar com a mesma e, na medida da sua participação, iriam contribuir para que a organização se fortalecesse naquele território, mantivesse o domínio e a subjugação da população, intimidando-a pelo medo que provocava. 687. Assim, em nome e representação da organização terrorista a que aderiram livremente, e em cujo nome, interesse e escopo actuaram, efectivamente, os arguidos em conjugação de esforços, praticaram os factos supra descritos, cometendo intencionalmente actos e actividades que prejudicaram a integridade e a independência do Estado Iraquiano, em primeiro lugar, e, de todos os Estados Ocidentais, em segundo, subvertendo o funcionamento das respectivas instituições. 688. Os arguidos promoveram intencionalmente o objectivo final do Estado Islâmico, no contexto dos seus deveres oficiais enquanto seus funcionários, designadamente da Polícia Religiosa Al Hisbah e do Serviço de Inteligência / Departamento de Segurança Al Almniyah, integrados no aparelho do autoproclamado Estado Islâmico. 689. Os arguidos quiseram as consequências dos seus actos, enquanto membros da referida organização terrorista. 690. O arguido AA actuou, também, intencionalmente como mujahidin de media, contribuíndo intencionalmente para a divulgação do conhecimento do Estado Islâmico e dos seus feitos, sabendo que estava a contribuir para o sistema de propaganda daquela organização terrorista, tornando os ideais do Estado Islâmico acessíveis a um público mais amplo, resultado que queria como seu. 691. Sabiam os arguidos que estavam a contribuir para o propósito do Estado Islâmico de subjugar a população, demonstrando a sua supremacia e preparando outros mentalmente para participar na luta por ele levada a cabo, enquadrando-se na sua estratégia mediática. 692. Os arguidos conheciam as circunstâncias reais do conflito armado não internacional que opunha o Estado Islâmico às forças da coligação liderada pelos EUA, as partes do conflito, a sua intensidade e organização. 693. Sabiam os arguidos que actuaram no contexto de um conflito armado não internacional. 694. Sabiam que a implementação dos objectivos do Estado Islâmico pressupunha a comissão de crimes de guerra, designadamente atrocidades e crimes cometidos contra os habitantes dos territórios ocupados. … 698. Os arguidos bem sabiam que todos os factos que praticaram, atrás descritos, eram susceptíveis de intimidar e subjugar a população do bairro ... em geral e as vítimas em particular, resultado que quiseram alcançar com a sua prática. … 703. Agiram os arguidos sempre livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida a nível nacional e internacional. XIII O Tribunal a quo deu como provados os referidos factos única e exclusivamente com fundamento no depoimento das testemunhas ouvidas para memória futura. XIV Em relação ao Recorrente, com fundamento nos depoimentos prestados nunca poderiam ter sido dados como provados os pontos que acima se referem. XV No que ao depoimento das testemunhas LL e GG, sobre uma alegada intervenção do Recorrente, o Tribunal a quo concluiu que: Analisando criticamente estas declarações (do pai e do filho), ficamos com duvidas relativamente à intervenção dos arguidos BB e AA nos factos relativos ao LL. Verifica-se da prova produzida a propósito, com maior relevância das declarações do próprio LL e do seu pai GG, que as mesmas não se mostram suficientes para corroborar a totalidade dos factos dados como indicados na acusação/pronúncia. Como efeito, a testemunha LL refere, expressamente, uma primeira situação, após denúncia do sogro ao Daesh, em que apenas teve contacto com o indivíduo de nome CC – situação em que este se deslocou a sua casa, o confrontou com o telemóvel e esteve consigo na rua a conversar. Nesta situação nunca refere a presença dos arguidos BB e AA – únicos sujeitos cujo apuramento de factos com relevância criminal cumpre apurar no âmbito do presente processo. No mesmo sentido prestou depoimento a testemunha GG (pai), o qual mencionou que a primeira vez que o indivíduo CC foi a sua casa foi sozinho, sem mencionar a intervenção dos arguidos destes autos. … Note-se que, mais uma vez não refere a presença dos arguidos BB e AA como tendo tido qualquer intervenção em tal episódio. Aliás, a referida testemunha LL refere, expressamente, que desconhece a identidade dos indivíduos que acompanharam CC nesse episódio. Note-se que, à data de tal episódio, já a testemunha LL conhecia os arguidos, pois que, o mesmo refere que os conheceu no bairro ..., bairro onde residia o seu sogro, tendo começado a frequentar o referido bairro, depois da queda de Mossul, altura em que o começou a frequentar em virtude de ter pedido em noivado aquela que viria a tornar-se sua esposa e que morava em frente à casa dos arguidos. Aliás a propósito, a testemunha LL refere que foi nessas circunstâncias que começou a frequentar aquela zona e ver BB e AA por lá (cfr. fls. 4611 das declarações para memória futura prestadas por esta testemunha). Face a tal, uma vez que os factos passados na loja de relógios (situação em que LL foi levado para a al Hishba) já se passaram depois de esta testemunha estar casada e, aliás, na decorrência de o sogro lhe ter feito imputações de infidelidade, é forçoso concluir que, em tal data, já a testemunha LL estava em condições de conhecer os arguidos BB e AA. Assim, não obstante a testemunha LL, em sede de acareação, ter referido que AA afinal estava no episódio em que foi levado da loja de relógios, o Tribunal não o valorou, na medida em que o seu depoimento nos parece confuso nessa parte – circunstância que imputamos a alguma desorganização de memória quanto à sequência dos acontecimentos em que intervieram os arguidos e que, embora não belisque a credibilidade do seu depoimento, foi valorada a favor dos arguidos. Mais se diga que a circunstância de a testemunha GG (pai de LL) ter referido a propósito do mesmo episódio que o indivíduo de nome CC estava acompanhado de BB e AA não foi valorado, tendo em conta que, à data dos factos não os conhecia. Aliás esta testemunha refere que só os conheceu quando se dirigiu a casa do sogro do filho, após a detenção deste, com vista a resolver a situação entre famílias (ocasião em que CC, BB e AA estariam na mesma casa), sendo certo que o filho LL, que já os conhecia anteriormente não referiu a presença dos mesmos. Conclui, assim, o tribunal, que inexiste prova suficiente da intervenção destes dois arguidos na ida à loja de relógios e no demais ali ocorrido e relatado pela testemunha. XVI A prova que obrigava a uma decisão diversa, resulta da própria fundamentação apresentada pelo Tribunal a quo: AAA Fls. 3724 a 3729 – Vol. 13 Transcrição/Tradução: Apenso DMF-Tradução “Referiu no Tribunal que o AA não era do Daesh, porque não o viu com o traje afegão, não o viu armado, ou a fiscalizar.” Mas esta testemunha referiu mais, conforme decorre do depoimento cuja transcrição se encontra junta aos autos, Apenso DMF – Tradução, pág. 98 e 119 do Apenso: J - O AA era conhecido por algo? T- Não. P - Não era conhecido por nada ... de bom ou de mau? T- Era uma pessoa normal. … P - Diga, por favor, que o tribunal no Iraque, onde prestou declarações no Iraque, disse que achava que o AA não era do DAESH, não pertencia ao DAESH. Eu pergunto-lhe o que é que ele queria dizer com isso. I- Porque eu não o vi com o traje afegão. T- Nem o vi armado ou a fiscalizar ninguém. … I - A pergunto do advogado é: durante a ocupação do DAESH, ou seja entre junho de 2014 a meados 2017, viu o AA, durante esse período? T-Sim. A - Quanto? Neste período, viu-o de julho de 2014 a 2017, uma vez? várias vezes? Todos os dias? Todas as semanas? Todos os meses? de julho de 2014 a meadas 2017. T - Não tenho anotado os dias em que o vi, mas vi-o muitas vezes no bairro onde moro. A - viu-o no Bairro? A - Sim. A - A fazer o quê? apeado? Cruzaram-se? Em que locais, nestes três anos? T - Vi-o a passear no Bairro. T- Não o vi com o traje do DAESH nem a fiscalizar ninguém. Apenas a passear na rua, como qualquer pessoa normal. Esta testemunha é clara: “Não o vi com o traje do DAESH nem a fiscalizar ninguém.” XVII Ao longo do processo foi defendido pelo Ministério Público que eram elementos identificativos de pertencerem ao Esatdo islâmico, o facto de os homens deixarem crescer a barba e utilizarem o chamado traje afegão ou traje Kandaari que seria uma indumentária apenas permitida aos membros do Estado Islâmico. XVIII Acontece, porém, que sobre esta matéria foi ouvida em declarações para memória futura a testemunha BBB Fls. 4449 a 4454 – Vol. 16 - Transcrição/Tradução: Apenso DMF- Tradução, polícia na Brigada Anti-Crime de Ninive, resume assim o Tribunal a quo o seu depoimento: “É Polícia. Trabalha na Brigada Anti-Crime, de Nínive (Ministério da Administração Interna do Iraque). … Sobre a forma como, sob o domínio do Daesh, levou a cabo essa missão, disse o seguinte: “Ninguém conseguia andar com as suas roupas. Tinha que ser totalmente diferente. Naquela altura, tínhamos que usar barba comprida. O cabelo, ou se usa muito curto ou comprido, como queriam os Daeshianos. Eu não podia andar bem vestido, tinha que parecer com aspeto muito pobre, para pensarem que era de uma pessoa de poucas condições. Era assim que disfarçadamente recolhia informações.” [sic] “O meu aspeto na altura: a minha barba chegava-me ao peito, o meu cabelo rapado a pente 0. Não usava bigode. Estava disfarçado, na tentativa de recolher mais informações no meio e de evitar a fiscalização do pessoal de Al Hisbah.” [sic] XIX Ouvido igualmente sobre esta matéria a testemunha CCC, cujo depoimento se encontra transcrito no Apenso DMF-Tradução, 2º Volume, folhas 291, contradiz aquelas declarações: P - Pergunto se o traje afegão era muito diferente da roupa que as pessoas comuns vestiam. T - Sim, muito diferente. P - Os civis não vestiam o traje afegão? T - Havia quem usasse, por simpatia para com eles. Talvez 2%. XX Temos, portanto que a testemunha CCC contraria a tese defendida pelo Ministério Público na medida em que esta testemunha afirma que não era proibido ao cidadão comum vestir o traje afegão e que até 2% da população o chegava a vesti-lo, por simpatia… XXI O facto de algumas testemunhas relatarem, por isso que chegaram a esporadicamente ver o Recorrente vestido com o traje afegão ou Kandaari não permite concluir que o mesmo tivesse aderido ao Estado Islâmico. XXII Mais refere o Tribunal a quo que a testemunha BBB Fls. 4449 a 4454 – Vol. 16 - Transcrição/Tradução: Apenso DMF-Tradução, referiu: O AA jurou fidelidade aos Daeshianos, entrou num curso de treino militar, em 2014, de combate, mas não o conseguiu completar. Passado algum tempo foi expulso. Não sabe porque foi afastado. Vestiu-se com o traje Kandahari, mas não andava armado. XXIII Ao longo do processo é referido por algumas testemunhas que o aqui Recorrente teria participado num curso ligado ao Estado Islâmico. Acontece, porém, que nenhuma das testemunhas esclareceu quando, como e onde é que o Recorrente participou num alegado curso!!! XXIV Resulta do depoimento de todas as testemunhas que essa alegada participação num curso por parte do Recorrente mais não era do que um boato. Ninguém tinha conhecimento directo sobre esses factos!!! XXV Sobre esta matéria a testemunha CCC , cujo depoimento se encontra transcrito no Apenso DMFTradução, 2º Volume, folhas 297: A - Só uma última questão. Por que meio é que ele sabe que os irmãos frequentaram este curso e quem lhe terá dito que os irmãos frequentaram um curso e se a mesma pessoa lhe terá dito que o AA terá sido expulso. Julgo que foi este o termo que a Sra. Testemunha usou. T - Ele andava na zona a dizer que tinha saído. Ao mesmo tempo as pessoas falavam. A notícia espalhou-se pela zona toda. Toda a gente sabia que tinha ido frequentar o curso e que tinha regressado. Ele próprio dizia às pessoas que tinha saído do curso… XXVI Igualmente sobre a alegada frequência de um curso por parte do Arguido referiu-se a testemunha BBB, cujo depoimento se encontra transcrito no Apenso DMF-Tradução, 1º Volume, folhas 141: T- O AA jurou fidelidade ao Daeshianos, entrou no curso e, passado algum tempo, foi expulso. Vestiu-se com o traje Kandahari, mas não andava armado. J - Consegue situar o ano em que isso aconteceu? Quando é que o Senhor AA começou a frequentar o curso do DAESH? T- Em 2014, entrou no curso, sendo que esse curso era apenas frequentado por quem jurasse fidelidade ao DAESH, anunciando "AI BAY'AT". … J - E porque é que o Sr. AA foi expulso do curso? T- Não sei porque foi afastado. Usou durante algum tempo o traje afegão. Andava com os seus irmãos. J - Alguma vez viu o Sr. AA empunhar algum tipo de arma? T - O AA não o vi empunhar arma, mas o BB e o CC, vi-os armados com pistolas e metralhadoras. O AA apenas vestiu o traje afegão... E para o vosso conhecimento, eles são conhecidos no bairro ..., como sendo da AI Amniya e da AI Hisbah. E eu deponho com conhecimento disso na minha cidade. Qualquer pessoa de Mossul do bairro ... conhece-os... AI Amniyya trata só de matar, de aniquilar. J- Qual é que era da AI Hisbah e qual é quera da AI Amniya? T - O BB estava com AI Hisbah e o CC estava na AI Amniya. O AA frequentou uma formação para o combate que não completou, tendo deixado de trabalhar com os Daeshianos. J - Porque foi expulso. T - Sim, eles expulsaram-no. … J - Antes de ter sido incumbido de fazer este serviço, não conhecia nenhum dos aqui arguidos, o AA e o BB, nem o irmão deles, o CC. T- Não os conhecia. J - Teve conhecimento para além, relativamente àquilo que já disse dos aqui arguidos, o AA e o BB, falou-nos de abordagens nas ruas, falou-nos naquelas pessoas que viu com armas, fez também referência às vestimentas, teve conhecimento de mais alguma prática, no âmbito da organização que cada um deles integrou? T - Vi o BB e vi o CC na rua, na Rotunda de .... Nessa altura, o BB fiscalizava os cidadãos, relativamente ao comprimento das suas calças e das suas barbas. O CC, como disse, trabalhava na AI Amniyyat. Quanto ao AA, frequentou o curso, mas foi afastado. Eles é que o afastaram, mas o AA vestiu o traje Kandahari. … J - Então, dito de outra forma. Acabou de dizer a testemunha que o Sr. AA, 10 ou 15 dias depois de ter iniciado o curso foi expulso pelos Daeshianos e tinha dito, da parte da manhã, que a fiscalização, a investigação que efetuou a estes irmãos durou entre 5 a 7 dias. Então infere-se daqui que a investigação que este senhor desenvolveu, que a testemunha desenvolveu, coincidiu com esse período dos 10 dias em que o Sr. AA frequentou o curso. T- Durante 5 a 7 dias recolhi informações sobre eles, tendo visto o CC e o BB. O AA estava no curso, segundo as informações que recolhi. Vi-o uma vez durante esse período. Enviei essas informações ao coronel DDD. Quando acabou o curso, um dia as minhas fontes chamaram-me para ver o AA, que estava na zona dele, vestido com traje Kandahari, sabendo que foi expulso do curso. … A - Quanto ao curso de que tinha falado de treino militar, pergunto se o Sr. BBB sabe se os cursos eram feitos no Iraque e na Síria. Confirme só essa informação. T-Sim. A - Pergunte se sabe onde alegadamente o Sr. BB e o Sr. AA frequentaram este curso, se no Iraque se na Síria. T - Não tenho conhecimento, mas deve ter sido no Iraque, mas não consegue dizer ao certo. O depoimento desta testemunha é manifestamente contraditório diz que tem conhecimento que o Recorrente participou num curso que foi expulso, mas não sabe sequer onde decorreu esse curso, mas confirma que esta informação decorre de informações que recolheu … XXVII Igualmente, sobre este alegado curso, que não passava de um boato, referiu a testemunha DDD, coronel da Polícia no Iraque, cujo depoimento se encontra transcrito no Apenso DMF - Traduções, volume 1, folhas 152: J - O curso, que o senhor AA frequentou, em que localidade é que ocorreu? Foi organizado por quem? T - Relativamente ao local, não conseguimos saber naquela altura. Quando os vizinhos me informaram através das redes sociais, enviei o BBB que me disse tê-lo visto a ir e a voltar do curso. Não podíamos saber exatamente onde decorria, pois não podia por a vida de um dos meus elementos em perigo, ao pedir-lhe para o seguir naquela altura. … J - Sabe quais eram as funções que desempenhavam o senhor BB o Senhor AA na Organização? T - Relativamente ao BB, o que sei e o que confirmei, é que ele trabalhava para AI Hisbah. Eu tenho a certeza disso. Relativamente ao AA, sei que ele frequentou o curso e é tudo o que me chegou. Não sei mais. … P - [inaudível] Pergunte se estas fontes do Estado Islâmico lhe disseram que os arguidos AA e/ou BB integraram a organização T- Não lhes perguntei por eles. Não eram alvos importantes para mim. Não pedi a ninguém da Organização para perguntar por eles. Mas eles davam a conhecer o que eram. O irmão deles chegou a levar uma escrava Yazidi até à casa deles. Não era um assunto para mim que merecesse que incumbisse um elemento de dentro do DAESH. XXVIII Também do depoimento desta testemunha não se apura qualquer facto, em concreto, que se permita dar como provado que o Recorrente frequentou um qualquer curso organizado pelo Estado Islâmico, estamos perante mais um boato: “Quando os vizinhos me informaram através das redes sociais, enviei o BBB que me disse tê-lo visto a ir e a voltar do curso. Não podíamos saber exatamente onde decorria, pois não podia por a vida de um dos meus elementos em perigo, ao pedir-lhe para o seguir naquela altura.” XXIX A testemunha EEE, cujo depoimento se encontra transcrito no Apenso Apenso DMF - Traduções, volume 2, folhas 243: J - Então, a testemunha já disse que viu o BB e o AA em duas ocasiões: a primeira já contou e então, da segunda ocasião, cerca de três meses depois, que conte o que é que aconteceu uma vez que já antecipou essa questão. T - Foi cerca de 2 meses depois. Quando voltei para casa, transmiti as informações ao Coronel. Cerca de dois meses depois, disse-me para voltar e ver se continuavam por lá. Fui ter com outro amigo e perguntei por eles. Eu não posso dizer o nome dele, como já disse. Esse amigo disse-me que o AA frequentou um curso de 40 a 45 dias, depois de ter prestado juramento, mas foi excluído. Por que motivo? Não sei. Não se sabe o motivo da exclusão. J - Nem pode dizer o primeiro nome desse outro amigo? T - Peço desculpa, mas não. Na sequência de o Coronel ter pedido informações complementares, fui lá novamente e perguntei. Soube que estavam lá e que o AA tinha entrado num curso, do qual foi expulso. … J - E para além dessa ocasião, o seu amigo cujo o nome não quis dizer o nome, por razões de segurança, lhe ter dado conhecimento de que o AA tinha entrado um curso e sido afastado, transmitiu-lhe mais alguma informação importante a respeito de algum dos irmãos. T - Só o facto do AA ter entrado num curso de 40 a 45 dias de duração e ter saído, expulso, por razões que ele não sabia. J - A testemunha tem conhecimento de que curso era esse e em que localidade decorreu? T - Trata-se de um curso de treino militar para futuros combatentes do Estado Islâmico, que acatam as ordens e as executam sem discussão... Não sei onde se realizou o curso. Também esta testemunha refere que tomou conhecimento por um amigo que o Recorrente teria frequentado um curso… XXX Não existe nos autos qualquer outra prova, nomeadamente,, documental de que o Recorrente tivesse frequentado um qualquer curso do Estado Islâmico. XXXI Assim, resulta á evidência que nunca o Tribunal a quo poderia ter dado como provado que: 40. Em data não apurada do ano de 2014, após o seu regresso a Mossul, os arguidos juraram fidelidade ao Estado Islâmico, através do anúncio de Al bay’at (juramento de fidelidade). … 47. Em 2014, em data não concretamente apurada, após jurar fidelidade ao Estado Islâmico, AA foi admitido num curso/treino para combatentes, com a duração de cerca de 50 dias. … 58. Por razões não apuradas, AA viria a sair do curso para combatente, cerca de 30 dias depois do seu início, regressando a Mossul. 59. Todavia, após a sua saída do curso, AA continuou a usar o traje afegão, como membro do Estado Islâmico que era. 60. Não obstante ter saído do curso, AA, beneficiando da influência e protecção do seu irmão CC, Emir da Al Amniyah, passou, também, a exercer funções na Al Amniyah. XXXII Deu igualmente o Tribunal a quo como provado que: 69. À semelhança do seu irmão, por vezes, AA trazia consigo, à vista de terceiros, uma metralhadora .... A prova produzida em audiência de discussão e julgamento vai toda em sentido contrário ao facto que o tribunal a quo deu como provado. XXXIII As testemunhas indicadas pelo Ministério público foram praticamente unanimes em declarar que nunca viram o Recorrente armado. Resulta, desde logo, da própria fundamentação do Tribunal a quo o seguinte: AAA Fls. 3724 a 3729 – Vol. 13 Transcrição/Tradução: Apenso DMF-Tradução Referiu no Tribunal que o AA não era do Daesh, porque não o viu com o traje afegão, não o viu armado, ou a fiscalizar. BBB Fls. 4449 a 4454 – Vol. 16 Transcrição/Tradução: Apenso DMF-Tradução É Polícia. Trabalha na Brigada Anti-Crime, de Nínive (Ministério da Administração Interna do Iraque). Com o propósito de recolher informação a respeito de do CC e dos arguidos BB e AA, foi ao bairro ..., às avenidas 12 e 14, onde tem algumas fontes. Falou com quase uma dezena de pessoas, vizinhos deles. Depois, corroborou in loco essas informações. Soube, através das suas fontes, que o CC era, inicialmente, da Al Qaeda e depois da entrada do DAESH na cidade de Mossul, integrou a Al Amniya, do Estado Islâmico. Segundo lhe foi dito, os outros irmãos, BB e AA, foram recrutados pelo seu irmão CC para a organização terrorista. «Quanto ao AA vi-o com os meus próprios olhos, com o traje kandahari.» … Vestiu-se com o traje Kandahari, mas não andava armado. … “Quanto ao AA, vi-o com os meus próprios olhos, com o traje Kandahari.” Mas o AA, não o vi armado. No bairro ..., Rotunda de ..., todas as pessoas sabem que eles são Deashianos, pois fizeram mal às pessoas. … Ao AA não o viu empunhar qualquer arma, mas ao BB e ao CC viu-os armados com pistolas e metralhadoras. DDD - Fls. 4456 a 4458 – Vol. 16 Transcrição/Tradução: Apenso DMF-Tradução É Coronel na Polícia. Trabalha na Polícia Iraquiana desde 2001 e, atualmente, no Departamento Anticrime de Mossul, Nínive (Ministério da Administração Interna do Iraque). Relativamente ao AA e ao BB, nunca os vi diretamente. EEE Fls. 4917 a 4922 Transcrição/Tradução: Apenso DMF-Tradução É farmacêutico. Reside no Bairro ..., próximo do bairro ..., em Mossul. “Quando os vi, estavam armados e traziam vestido o traje Kandahari, o traje Daeshiano. Vi os três: o CC trazia uma pistola visível, pois eles [os Daeshianos] mandavam na cidade e não temiam ninguém; o BB também, mas o AA, não. Apenas estava com eles e vestido com o traje Kandahari.”[sic] Quer o CC, quer o BB traziam pistolas ... visíveis no coldre. O CC trazia-a num coldre do tipo sovaqueira. Via-se pelas roupas que usavam que o CC, trabalhava para Al Amniyah, o BB para Al Hisbah e o AA usava o traje Kandahari, mas não andava armado nem tinha nada no traje que o ligasse a algum serviço. … Traziam o mesmo traje afegão, armados, com a exceção do AA. Os três usavam o traje afegão e o CC e o BB estavam armados com pistolas .... * FF Fls. 5725 a 5730 – Vol. 19 Transcrição/Tradução: Apenso DMF-Tradução. É empregado numa bomba de gasolina. No ano de 2015 trabalhava numa loja de brinquedos sita no bairro .... Quanto ao AA, dizia-se para não se falar nada perto dele, para ter cuidado. Suspeitava-se que trabalhava para eles, que colaborava com o irmão e, por isso, evitamos falar perto dele.” [sic] O AA, entre o ano de 2014 e 2015, costumava estar junto ao Ponto de Informação. Viu-o uma vez vestido com o traje Kandahari, mas não o viu andar armado. FFF Fls. 4486 a 4489 – Vol. 16 Transcrição/Tradução: Apenso DMF-Tradução Assalariado, eletricista. Viveu em ... até 2013. Depois, mudou-se para o Bairro .... … Era vizinho e amigo de infância dos arguidos. Conhece os irmãos deles, a mãe… tendo referido os nomes da mãe, GGG e dos outros quatro irmãos que conhece: HHH, III, JJJ e o CC. Não tinha uma relação distinta com nenhum dos irmãos em especial, mas o AA e o BB têm uma idade mais próxima da sua. [nasceu em 1992] … Sobre a adesão de AA ao EI nada sabe, sendo que nunca o viu com o traje do EI. … Não viu o AA vestido com o traje afegão. Esclarece que mudou de bairro e deixou de viver no bairro .... As vezes que o viu depois de ter mudado de bairro, foi de passagem. KKK Fls. 4491 a 4493 – Vol. 16 Transcrição/Tradução: Apenso DMF-Tradução É Mokhtar (responsável ao nível do serviço de informações) do bairro ..., na cidade de Mossul, desde 16 de abril de 2018, é eleito pela população. Os irmãos e as testemunhas que estes levaram disseramlhe que o BB e o AA não tinham ligação ao DAESH, que não os viram vestidos com o traje Kandahari, nem os viram armados. … Uma delas chama-se FFF ouvido em DMF. Esta testemunha disse-lhe que o BB pertencia aos grupos criminosos do DAESH. Não tinha a certeza quanto ao AA. Falou também com LLL, que se recusou a comparecer nas Instalações das Nações Unidas, a fim de prestar declarações no âmbito destes autos de inquérito, por medo, por razões de segurança. Disse que o BB tinha aderido ao DAESH. Não tinha a certeza quanto ao AA. Antes do seu primeiro depoimento foi contactado pelo pai dos arguidos, MMM e pelo irmão dos arguidos, HHH. * NN Trabalha numa loja de calçado. O DAESH entrou em Mossul em 2014. No ano de 2015 vivia no bairro .... A testemunhas AAA refere não ter associado o AA ao Daesh, pois não o viu com o traje afegão. XXXIV Do depoimento das testemunhas identificadas pelo Tribunal a quo resulta á evidência não só que nenhuma viu o Arguido com uma metralhadora ..., como sequer o viu armado. Assim, não poderia o Tribunal a quo ter dado como provado o referido facto. XXXV Deu, igualmente o Tribunal a quo como provado que: 402. Por outro lado, como atrás referido, em 2015, em Mossul, quando se encontrava na zona da rotunda ..., no bairro ..., AA celebrou a Libertação de Al Ramadi (assim chamada pelos membros do Estado Islâmico), ou seja, a libertação da cidade de Al Ramadi do poder do Governo iraquiano, em 2015. 403. AA, visivelmente contente, celebrou, vestido com o traje afegão, com um turbante na cabeça, trazendo uma arma visível, juntamente, com mais sete ou oito membros do Estado Islâmico, todos vestidos com o traje afegão e armados. 404. AA foi entrevistado, naquele momento, por outros membros do Estado Islâmico e elogiou aquela organização terrorista, no que foi filmado pelos respectivos membros e gritou Allahu Akbar!, ou seja, Alá é grande! Não foi junto aos autos qualquer vídeo sobre essa matéria. XXXVI O Tribunal a quo fundamenta a resposta aos referidos artigos no depoimento da testemunha DDD - Fls. 4456 a 4458 – Vol. 16 Transcrição/Tradução: Apenso DMF-Tradução: É Coronel na Polícia. Trabalha na Polícia Iraquiana desde 2001 e, atualmente, no Departamento Anticrime de Mossul, Nínive (Ministério da Administração Interna do Iraque). Relativamente ao AA e ao BB, nunca os vi diretamente. “O AA apareceu em dois vídeos.” [sic] Afirmou que “há outra publicação em que também aparece o AA, mas com um turbante na cabeça, congratulando a conquista de Al Ramadi por parte da organização.” [sic]. O AA apareceu em dois vídeos. A propósito deste segundo vídeo em que aparece o AA, disse que o AA falava “elogiando o Estado Islâmico e gritando Alá Akbar, com carros atrás dele.”[sic] O título desse vídeo no Canal ... era “a Euforia dos muçulmanos pela libertação de Al Ramadi”. «O Segundo vídeo diz respeito à ocupação de Al Ramadi por eles. Foi uma derrota para o exército iraquiano. Apareciam grupos em comemoração na cidade de Mossul e aparecia o AA, a falar elogiando o Estado Islâmico, gritando Alá Akbar, com carros atrás dele. Não me lembro exatamente do que ele trazia vestido, mas tinha um turbante na cabeça, acho que era preto.» “Tenho a certeza de que o vídeo do turbante na cabeça foi anterior ao segundo vídeo, da moeda de ouro. Penso que publiquei o primeiro do turbante na cabeça numa página com a designação: Livres de Nínive 2.” [sic] Esta testemunha afirma expressamente que: “Relativamente ao AA e ao BB, nunca os vi diretamente.” XXXVII Acontece, porém, que nas declarações que prestou a referida testemunha DDD - Apenso DMF-Tradução, Volume 1, pág. 150, afirmou que iria juntar o vídeo aos autos: T - Eu publiquei essas fotos. Na de cima, é o AA. Na outra, no fundo à direita, é o CC e o outro é o BB. A foto superior, retirei-a de uma publicação da Organização, em que aparecia o AA, manuseando uma moeda de ouro cunhada pela organização. Há outra publicação em que também aparece o AA, mas com um turbante na cabeça, congratulando a conquista de AI Ramadi por parte da organização. A foto em que aparece o AA, consegui tirá-la de um excerto de vídeo transmitido pelo Canal ... que pertence ao DAESH. Foi assim que retirei a foto do BB... perdão a foto é do AA, do AA. E só mais um esclarecimento para o Sr. Juiz, a organização quando emitia, trazia o seu pessoal para junto dos civis para dizer bem da organização. O AA apareceu em dois vídeos. Um deles é esse e o outro vou procurá-lo. O alegado vídeo nunca apareceu… XXXVIII Assim, não tendo a defesa do Arguido, nem o Tribunal, tido a possibilidade de visualizar o referido vídeo, nem resultando de um conhecimento e de uma vivência da alegada testemunha, nunca o Tribunal a quo poderia ter dados como provados os pontos 402 a 404. XXXIX Deu, igualmente, o Tribunal a quo como provado que: 21. Os arguidos foram, logo após o seu regresso a Mossul, recrutados pelo irmão CC para fazerem parte da organização Estado Islâmico, como seus membros efectivos. … 29. Mediante a influência e o recrutamento do seu irmão CC, BB e AA passaram, assim, a ocupar posições ao serviço do Estado Islâmico. 30. Os arguidos passaram a exercer funções, no Estado Islâmico, no bairro ..., em Mossul, onde viviam, precisamente na área compreendida entre a rua 11 e a rua 17, onde o seu irmão CC era Emir da Al Amniyah. … 60. Não obstante ter saído do curso, AA, beneficiando da influência e protecção do seu irmão CC, Emir da Al Amniyah, passou, também, a exercer funções na Al Amniyah. 61. Com efeito, AA começou a exercer funções no Serviço de Proibição de Viagem, que tratava do imobiliário e era responsável pela obtenção dos documentos dos infractores, com o objectivo de impedir a sua saída do território controlado, como atrás referido. … 63. AA passou, também, por vezes, a acompanhar os seus irmãos, CC e BB, nas acções que levavam a cabo ao serviço do Estado Islâmico. 64. Quando acompanhava os seus irmãos, AA actuava, também, ao serviço do Estado Islâmico. … 75. Por vezes, AA e CC, por pertencerem à Al Amniyah, acompanhavam BB nessas acções de fiscalização. … 79. Assim, nessas acções de fiscalização, BB, (directamente ou determinando os demais membros da patrulha que comandava) AA e CC, como membros do Estado Islâmico, mandavam parar os indivíduos que, depois, abordavam, para aferir a altura das calças dos homens, o tamanho da barba, verificar se fumavam cigarros, se bebiam bebidas alcoólicas, se os homens e as mulheres andavam juntos na rua, o tamanho do véu das mulheres, entre outros motivos de infracções à lei da Sharia. 80. Para além disso, BB, AA e CC, como membros do Estado Islâmico, no exercício das funções que lhes foram atribuídas, fiscalizavam se os homens e mulheres mantinham relações de adultério, se eram homossexuais, se cumpriam as orações em grupo, se consumiam pornografia, se pagavam a Zakat (esmola, imposto religioso), entre outros. … 95. Em data não concretamente apurada de 2015, AA, no âmbito de uma acção de fiscalização semelhante às atrás referidas, na rotunda ..., abordou uma mulher que passava apeada e deu-lhe uma ordem para baixar o véu. 96. De outra vez, fiscalizou um civil que passava, na mesma rotunda, por causa do tabaco, tenho-lhe retirado o mesmo e ficado com ele. 97. Por várias vezes, AA dirigiu-se às lojas junto à referida rotunda, ordenando aos comerciantes e trabalhadores que as fechassem e para se dirigirem para as Mesquitas, pois estava na hora das orações. 98. Pelo menos uma vez, em 2014 ou 2015, AA saiu do interior do restaurante ..., situado junto à rotunda com o mesmo nome, e entrou num veículo da marca ..., modelo ..., sem qualquer inscrição, com os vidros escurecidos e sem matrícula, pertença da Al Amniyah. 99. Por vezes, AA, enquanto membro da Al Amniyah, no exercício das suas funções, circulava a pé ou sentava-se nos bancos do jardim, vestido como os demais civis, na rotunda ... junto ao ponto de informação ali existente, a observar os seus concidadãos, com o intuito de recolher informação útil à organização, designadamente detectar infracções e infractores. … 167. Depois de ter saído do curso militar, AA, ao serviço do Estado Islâmico, tratava, também, do imobiliário e era responsável pela obtenção dos documentos dos infractores. A prova apresentada pelo Ministério Público vai em sentido contrário à matéria que o Tribunal a quo deu como provado. XL Não foi apreendido ou junto aos autos um único documento que permitisse ao Tribunal a quo concluir que o Recorrente desempenhou algum tipo de função para o Estado Islâmico. XLI As testemunhas ouvidas em audiência de discussão e julgamento foram praticamente unanimes em reconhecer que o Recorrente AA não pertencia a qualquer entidade do Estado Islâmico. Referiram as testemunhas ouvidas em Tribunal: Ÿ AAA, cujo depoimento se encontra transcrito no Apenso DMF Tradução – Declarações para Memória Futura, Volume 1, folhas 69: I - bairro ..., n9 11, Avenida [Rua?] 11. J - Qual é a sua profissão, por favor? I - A sua profissão, Senhor? T-Trabalho como tradutor numa empresa de segurança. J - Conhece estes três irmãos desde que ano? T - Desde os meus 16 ou 17 anos. J - Que idade é que a testemunha tem atualmente? T-32 anos. … J - O AA era conhecido por algo? T- Não. P - Não era conhecido por nada,... de bom ou de mau? T- Era uma pessoa normal. … P - Diga, por favor, que o tribunal no Iraque, onde prestou declarações no Iraque, disse que achava que o AA não era do DAESH, não pertencia ao DAESH. Eu pergunto-lhe o que é que ele queria dizer com isso. I- Porque eu não o vi com o traje afegão. T- Nem o vi armado ou a fiscalizar ninguém. … I - A pergunto do advogado é: durante a ocupação do DAESH, ou seja entre junho de 2014 a meados 2017, viu o AA, durante esse período? T-Sim. A - Quanto? Neste período, viu-o de julho de 2014 a 2017, uma vez? várias vezes? Todos os dias? Todas as semanas? Todos os meses? de julho de 2014 a meadas 2017. T - Não tenho anotado os dias em que o vi, mas vi-o muitas vezes no bairro onde moro. A - viu-o no Bairro? A - Sim. A - A fazer o quê? apeado? Cruzaram-se? Em que locais, nestes três anos? T - Vi-o a passear no Bairro. T- Não o vi com o traje do DAESH nem a fiscalizar ninguém. Apenas a passear na rua, como qualquer pessoa normal. Esta testemunha apresentada pelo Ministério Público, vizinha do Arguido, é clara ao afirmar que em relação ao Recorrente “Não o vi com o traje do DAESH nem a fiscalizar ninguém. Apenas a passear na rua, como qualquer pessoa normal.” O Recorrente não passava de uma pessoa normal. Ÿ BBB, cujo depoimento se encontra transcrito no Apenso DMF Tradução – Declarações para Memória Futura, Volume 1, folhas 124: T- Polícia afiliado ao Ministério da Administração Interna. J - Pode, por favor, indicar-nos o seu domicílio profissional? T-Anti-Crime (Combate ao Crime) de Nínive. … J - E porque é que o Sr. AA foi expulso do curso? T- Não sei porque foi afastado. Usou durante algum tempo o traje afegão. Andava com os seus irmãos. J - Alguma vez viu o Sr. AA empunhar algum tipo de arma? T - O AA não o vi empunhar arma, mas o BB e o CC, vi-os armados com pistolas e metralhadoras. O AA apenas vestiu o traje afegão... E para o vosso conhecimento, eles são conhecidos no bairro ..., como sendo da AI Amniya e da AI Hisbah. E eu deponho com conhecimento disso na minha cidade. Qualquer pessoa de Mossul do bairro ... conhece-os... AI Amniyya trata só de matar, de aniquilar. J- Qual é que era da AI Hisbah e qual é quera da AI Amniya? T - O BB estava com AI Hisbah e o CC estava na AI Amniya. O AA frequentou uma formação para o combate que não completou, tendo deixado de trabalhar com os Daeshianos. J - Porque foi expulso. T - Sim, eles expulsaram-no. … T - Ao BB, ao AA e ao CC. Recolhi informações sobre eles e deixeios, pois não os conheço: não são meus conhecidos nem são meus amigos. J - Quem é que o incumbiu de recolher informações sobre estes três irmãos? T - O Coronel DDD. J - Antes de ter sido incumbido de fazer este serviço, não conhecia nenhum dos aqui arguidos, o AA e o BB, nem o irmão deles, o CC. T- Não os conhecia. J - Teve conhecimento para além, relativamente àquilo que já disse dos aqui arguidos, o AA e o BB, falou-nos de abordagens nas ruas, falou-nos naquelas pessoas que viu com armas, fez também referência às vestimentas, teve conhecimento de mais alguma prática, no âmbito da organização que cada um deles integrou? T - Vi o BB e vi o CC na rua, na Rotunda de .... Nessa altura, o BB fiscalizava os cidadãos, relativamente ao comprimento das suas calças e das suas barbas. O CC, como disse, trabalhava na AI Amniyyat. Quanto ao AA, frequentou o curso, mas foi afastado. Eles é que o afastaram, mas o AA vestiu o traje Kandahari. J - Tem conhecimento se o Sr. BB, o Sr. AA, cada um deles sozinho ou eventualmente em conjunto com ou o Sr. CC, alguma vez invadiram a casa de alguma pessoa e com que intuito o fizeram? T- Não vi nada disso. Não sei. J - Tem conhecimento se o Sr. AA ou o Sr. BB, sozinhos ou em conjunto com ou o Sr. CC, alguma vez raptaram alguma pessoa, exigindo...? Alguma vez tiverem alguma intervenção no rapto de alguma pessoa, tendo posteriormente vindo a ser exigido uma quantia monetária para essa pessoa eventualmente raptada ser restituída à liberdade? T - Minha Cara Senhora, Caro Sr. Juiz, eu investiguei-os, recolhi informações, mas não estive a fazê-lo durante estes anos todos até à Libertação. Eu até estranhei a sua aparência nas fotos, pois dantes tinham cabelo comprido e barbas compridas. Tive de me esforçar, me concentrar para poder distinguir. … T - E estou aqui para responder. Tenho provas da minha permanência em Mossul e da minha colaboração com as forças de segurança. J - Alguma vez viu o Sr. AA ou o Sr. BB ou eventualmente o Sr. CC a retirarem documentos, ou a exigirem a alguém a entrega de algum tipo de documentos? T - Não vi, no entanto, naquela altura, o trabalho de AI Hisbah consistia em pedir aos infratores os seus documentos de identificação para se dirigirem às instalações da Hisbah do DAESH e serem chicotadas. Ficavam com os documentos e devolviam-nos no dia seguinte ou dois dias depois, após infligirem as chicotadas. J - Alguma vez viu o Sr. AA ou o Sr. BB ou eventualmente o Sr. CC a empunhar alguma arma na presença de outras pessoas? T - Não vi isso. [a pergunta feita pela intérprete foi se viu algum dos irmãos apontar alguma arma] … T- Durante 5 a 7 dias recolhi informações sobre eles, tendo visto o CC e o BB. O AA estava no curso, segundo as informações que recolhi. Vi-o uma vez durante esse período. Enviei essas informações ao coronel DDD. Quando acabou o curso, um dia as minhas fontes chamaram-me para ver o AA, que estava na zona dele, vestido com traje Kandahari, sabendo que foi expulso do curso. … J - Sra. Intérprete, pergunte basicamente se tem conhecimento... O Senhor está a ser inquirido, na qualidade de testemunha, num processo-crime que está a correr em Portugal, em que tem qualidade processual de arguido o Sr. AA e o Sr. BB. A primeira pergunta é se o senhor tem conhecimento que no Iraque esteja a correr ou tenha corrido no passado qualquer processo, designadamente de natureza criminal, em que estes senhores fossem visados. Esta é a primeira parte da pergunta. T - Não tenho conhecimento de que corra em tribunal iraquiano, mas havendo em qualquer tribunal do Iraque, fosse onde fosse, eu iria testemunhar contra eles, pois são Daeshianos e não merecem viver. … A - Quanto ao curso de que tinha falado de treino militar, pergunto se o Sr. BBB sabe se os cursos eram feitos no Iraque e na Síria. Confirme só essa informação. T-Sim. A - Pergunte se sabe onde alegadamente o Sr. BB e o Sr. AA frequentaram este curso, se no Iraque se na Síria. T - Não tenho conhecimento, mas deve ter sido no Iraque, mas não consegue dizer ao certo. … T- Não tirei fotografias porque na altura do DAESH, era proibido andar com o telemóvel ou com a câmara fotográfica. A sentença para quem o fizesse era cortar a cabeça. Não fotografei. Apenas recolhi informações, mentalmente, através das minhas fontes e vendo a olho nu. A - Outra questão para ver se percebo. O Sr. BBB logo no início disse que pertencia à Brigada Anti-crime de Nínive. O Chefe dele é o tenentecoronel? T-0 meu superior hierárquico é o Chefe Ali. Mas o coronel é o diretor do Ramo [departamento]. O Diretor do nosso Departamento é o Coronel DDD. Ele sabe quanto sacrifiquei, quantos familiares perdi pela mão do DAESH. Dei-lhe informações suficiente em prol da minha terra e do Iraque. Assim que regressei às funções de polícia, chamou-me para trabalhar com ele. Esta testemunha que teria tido como função investigar o Recorrente em Mossul nunca viu o Recorrente a fiscalizar quem quer que seja ou a integrar qualquer entidade do Estado Islâmico. • DDD, cujo depoimento se encontra transcrito no Apenso DMF Tradução – Declarações para Memória Futura, Volume 1, folhas 144: J - Qual é a profissão da testemunha? T-Coronel na Polícia. J - O domicílio profissional? Portanto, a morada do emprego? T - Combate ao Crime, Mossul. Polícia de Nínive, Anti-Crime, Mossul. … J - Pergunte por favor, Sra. Intérprete, a testemunha referiu num momento inicial que conhecia o CC, e que apenas conhecia os irmãos dos CC, aqui arguidos, no âmbito da sua profissão. Alguma vez viu algum dos dois? T - Relativamente ao AA e ao BB, nunca os vi diretamente. … J - Sabe quais eram as funções que desempenhavam o senhor BB o Senhor AA na Organização? T - Relativamente ao BB, o que sei e o que confirmei, é que ele trabalhava para AI Hisbah. Eu tenho a certeza disso. Relativamente ao AA, sei que ele frequentou o curso e é tudo o que me chegou. Não sei mais. … P - [inaudível] Pergunte se estas fontes do Estado Islâmico lhe disseram que os arguidos AA e/ou BB integraram a organização T- Não lhes perguntei por eles. Não eram alvos importantes para mim. Não pedi a ninguém da Organização para perguntar por eles. Mas eles davam a conhecer o que eram. O irmão deles chegou a levar uma escrava Yazidi até à casa deles. Não era um assunto para mim que merecesse que incumbisse um elemento de dentro do DAESH. Esta testemunha mostra-se especialmente importante porquanto seria o responsável pela investigação na zona de Mossul aos terroristas do Estado Islâmico. Do depoimento desta testemunha resulta á evidência a falta de indícios sequer que o Recorrente alguma vez tivesse aderido ao Estado Islâmico. Da investigação levada a cabo pelas Autoridades do Iraque sob o comando do Coronel DDD, NADA FOI APURADO. • FFF, ouvido no dia 04/04/2022, o seu depoimento ficou gravado em suporte áudio no sistema disponível no Tribunal, tendo sido iniciado pelas 10:35:15 horas e terminado pelas 12:18:42 horas. cujo depoimento se encontra transcrito no Apenso DMF Tradução – Declarações para Memória Futura, Volume 1, folhas 73: J - Pergunte por favor ao Sr. FFF qual é a profissão do senhor? T-Assalariado, eletricista. … T - Porque eu não vi o AA, só vi o BB. O AA não o vi como Daeshiano, apenas ao BB. … T - Este é o AA e não tem nada. J - Sra. Intérprete, diga por favor à Sra. Testemunha que uma vez que reconheceu, quanto às fotografias, identificou sem dúvidas, numas, o Sr. AA e noutras, o Sr. BB, como é que a testemunha conhece estes senhores? Em que contexto é que travou onhecimento com os mesmos? Já disse que não são da família. Que esclareça o tribunal em que contexto os conheceu? T - Éramos vizinhos desde a infância, morávamos na mesma zona. … J - Alguma vez, viu o Sr. AA armado ou a vestir algum traje que o pudesse relacionar com o Estado Islâmico? T- Não. Não vi. … J - A testemunha referiu que desde crianças, a testemunha como os irmãos, eram vizinhos, em algum momento da sua vida manteve uma relação próxima com algum destes irmãos? Foi eventualmente colega de escola de algum? Tinha por hábito passar algum tempo livre com algum deles em determinado momento da sua vida? Ou isso nunca aconteceu? T - Sim. Éramos amigos de infância. J - Era amigo de infância de todos eles? T-Sim. Não tinha uma relação distinta com nenhum em especial. Eram os nossos vizinhos de infâncias, mas o AA e o BB têm uma idade mais próxima da minha. … P - De manhã disse que nunca viu o AA vestido com o traje afegão. A pergunta concreta é se não o viu com traje afegão ou se sabe que não era mesmo do Estado Islâmico: uma coisa é dizer que nunca o viu com o traje afegão e outra coisa é dizer que sabe que não é do Estado Islâmico. T - Não vi o AA a pertencer aos grupos do DAESH. P - Não o viu numa ação de fiscalização. Se pode dizer que não era do Estado Islâmico ou se pode não ter dúvidas? T - O AA, nem o vi fiel à organização, nem com o traje afegão. P - Pergunte-lhe se conhece todos os membros de Estado Islâmico? T- Eram milhares de pessoas. Eu não conheço. P - Pergunte por favor se na altura da ocupação que quem não era do Estado do Islâmico podia andar armado, com arma à vista? T - Ninguém podia andar armado a não ser os que pertenciam à organização terrorista. P - Depois de ter mudado para o Bairro de AI Falah, consegue precisar quantas vezes é que viu o arguido AA? T- Muitas vezes. P - Em que período mais ou menos? T-Antes de 2015. P - Ou seja, no período da ocupação do DAESH. T-Sim, certo. Estava em Mossul durante a ocupação de Mossul. J - Peço desculpa. Não percebi. Sra. Intérprete, disse que viu o AA muitas vezes antes de 2015. Portanto o Sr. AA muitas vezes durante o período da ocupação e antes do período da ocupação. Pergunte se foi isso, por favor. T - Vi-o antes da ocupação e durante a ocupação várias vezes. Em 2015, viajou para fora do Iraque. Foi para a Turquia, mas não sei para onde seguiu. Igualmente, esta testemunha, à semelhança das restantes não tem qualquer pejo em identificar o irmão do Recorrente como pertencendo ao Estado Islâmico, contudo, em relação a este é clara ao afirmar que: T - Não vi o AA a pertencer aos grupos do DAESH. T - O AA, nem o vi fiel à organização, nem com o traje afegão. Ÿ KKK, ouvido em 07/04/2022, o seu depoimento ficou gravado em suporte áudio no sistema disponível neste Tribunal, tendo sido iniciado pelas 09:23:15 horas e terminado pelas 10:55:24 horas. cujo depoimento se encontra transcrito no Apenso DMF Tradução – Declarações para Memória Futura, Volume 1, folhas 192: J - Qual é a profissão do Sr. KKK? T - Eu sou Mokhtar (responsável) do bairro ... na cidade de Mossul no Iraque. J - Sra. Intérprete, pergunte à testemunha se é da família de AA? T - Não sou da sua família, nem o conheço de aspeto. … J - E estes nomes AA e BB são-lhe familiares, pese embora não os conheça fisicamente nenhuma destas pessoas. Já ouviu procedências ou alguma menção no passado a estes nomes? T-Tudo o que ouvi sobre eles foi em 2021. Investiguei-os depois de ser incumbido pelas forças/serviços de segurança para o fazer. Recolhi informações sobre eles. Antes disso não sabia nada sobre eles... Antes de 2021, constava que eram suspeitos e que tinham um irmão, de nome CC, comprovado que era Daeshiano, ou seja, que pertencia aos grupos criminosos do DAESH. J - Como se chama esse irmão? T - O nome dele é CC. … J - No âmbito das funções que foi incumbido de efetuar em 2021, recolheu alguma informação relativamente a estes senhores AA e BB. Mas antes disso, foi incumbido de recolher informações relativamente ao Sr. AA e ao Sr. BB ou também incumbido em relação ao Sr. CC? T- No início, fui incumbido pelas autoridades de segurança da cidade para investigar aqueles que pertencem ao DAESH. Naquela altura, comecei a investigar e saber quem pertenceu e quem não pertenceu. Tenham nos meus registos os que pertencem ao DAESH, entre os quais: o CC, o BB e o AA. O BB e o AA são suspeitos. O CC, o irmão mais velho, confirmado... … J - Na sequência das diligências de recolha de informação a que procedeu, relativamente ao arguido AA, par além desta situação dos dois vídeos a que fez menção, recolheu mais algum tipo de informação? T-Sim. Chegou-me a informação de que o AA, era candidato num programa artístico designado ..., ou seja, estava vacilante entre a arte e a integração dos grupos criminosos do DAESH. … J - Tem ideia destes três irmãos: o CC, o AA e o BB, se entraram os três em simultâneo para o DAESH, ou pelo contrário, houve algum deles que entrou primeiro e que recrutou os outros? T- Não tenho informações sobre a sua entrada para os grupos criminosos do DAESH. … I - Eu perguntei-lhes pelo AA e pelo BB. Disseram-me que não tinham ligação ao DAESH, nem os viram vestidos com o traje, a que nós chamamos Kandahari, nem os viram armadas. J - Portanto as testemunhas indicadas pelos irmãos? I - Não sei se ele os terá influenciado. Eles são da mesma rua. Entre eles, havia uma pessoa religiosa, com cerca de 70 anos, não me pareceu que pudesse dar um falso testemunho. P - Pergunte por favor o que é que lhe disseram as testemunhas que ouviu e o que é que lhe disseram as testemunhas indicadas pelos arguidos. Primeiro as testemunhas que ouviu. I -Sim. As pessoas, que me deram informações, disseram-me que o AA pertenceu durante uma semana e foi expulso, por ter aparecido no programa .... Quanto ao BB, disseram-me que pertencia ao serviço de Al Hisbah. P - Pergunto se algumas destas testemunhas que ele viu, estas primeiras, se lhe falaram que o BB e o AA foram vistos armados. T- Não disseram que andavam armados. Disseram isso do CC apenas. P - Pergunto se essas testemunhas que ouviu lhe disseram que os viram com o traje afegão. T - Não. Não me disseram. Apenas me referiram que eles pertenciam (ao DAESH), sendo que o BB estava na Al Hisbah e que o AA apareceu nas publicações. P - Pergunte se era fácil ou difícil encontrar habitantes que quisessem denunciar outros habitantes que pertenciam ao Estado Islâmico. Portanto, se era fácil ser testemunha. T- Era difícil. As pessoas tinham receio de falar. P - Pergunto se as pessoas que ouviu, que lhe deram informações, se falaram alguma vez se algum dos arguidos terá entrado, invadido a casa de alguém no bairro, à procura... para fazer uma detenção. I - Nunca, nunca. Só me lembrei de uma coisa agora. O CC levou uma mulher Yazidi para a sua casa. A mãe e o pai expulsaram-no, pois não concordavam com o facto de ela entrar em casa. Esta informação chegou-me dos pais. P - Pergunte se ouviu que os arguidos alguma vez retiraram documentos oficiais de alguém do bairro à fora. T- Não. Não me chegou a informação. Esta testemunha é o responsável pelo do bairro ... na cidade de Mossul no Iraque, local onde residia o Recorrente, também este participou e levou a cabo uma “investigação” com vista á identificação de elementos que tivessem integrado o Estado Islâmico. Esta testemunha foi também clara quanto á alegada adesão do Recorrente ao Estado islâmico: T- Não tenho informações sobre a sua entrada para os grupos criminosos do DAESH. Ÿ NN cujo depoimento se encontra transcrito no Apenso DMF Tradução – Declarações para Memória Futura, Volume 1, folhas 207: J - Pergunte, Sra. Intérprete, por favor, à testemunha NN, se é da família do Sr. AA. T-Não. J - E se o senhor é da família do Sr. BB. T-Não. J - Conhece alguma destas pessoas? T-Não. J - Nem nunca ouviu nenhuma menção a estes nomes? T-Não. Mais uma testemunha indicada pelo Ministério Público que não conhece sequer o Recorrente. Ÿ NNN, cujo depoimento se encontra transcrito no Apenso DMF Tradução – Declarações para Memória Futura, Volume 2, folhas 221: J - Qual é a profissão do senhor? T - Polícia reformado. J - Mas eu falei-lhe de um senhor AA e do senhor BB, por que motivo é que a testemunha está a falar de uma terceira pessoa, CC? T - Quem me levou foi o CC. Um período de tempo depois, vi o BB com ele. J - Alguma vez viu o Sr. AA? T- Não, não. P - Há pouco falou que quando foi abordado pelo senhor mais velho da família do BB e do CC, que lhe disse que toda a gente sabe que o AA, o CC e o BB são do estado Islâmico. Eu pergunto o que é que sabe desta família. T - Eu não os conheço de todo. Ÿ EEE, cujo depoimento se encontra transcrito no Apenso DMF Tradução – Declarações para Memória Futura, Volume 2, folhas 237: I - Que profissão desempenhava em 2015? T-A mesma, farmacêutico. Trabalho para o Ministério da Saúde em Mossul. I - Disse que era civil. Falou no Ministério da Saúde. Pergunte se é funcionário público ou não, não percebi bem. T- Funcionário público, a trabalhar sob a tutela do Ministério da Saúde Iraquiano. J- Sra. Intérprete, informe por favor a Sra. Testemunha que lhe vão ser exibidas umas fotografias e que lhe vai ser perguntado se o senhor consegue identificar alguma das pessoas retratadas nessas fotografias. T- Está bem. Na altura do DAESH, as pessoas usavam barba e cabelo compridos. Não saberei distinguir. O aspeto deles é diferente. Eu vios apenas duas vezes. J - Mas ninguém disse à Sra. Testemunha que as fotografias se referiam a alguma pessoa que lhe foi falada anteriormente. J - A Sra. Testemunha disse que só viu o AA e o BB em duas ocasiões. Esclareça por favor o relato dos factos: em que ocasião é que viu? O que é que aconteceu dessas ocasiões? T- Em 2014, quando o DAESH entrou no Iraque e, concretamente, em Mossul, um familiar meu, polícia, conseguiu fugir para Bagdad. Tinha contacto com ele, através do telemóvel, na altura não havia internet. Disse-me que não podia manter o contacto com ele e facultou-me o contacto do Coronel DDD e estabeleci contacto com o Coronel, que tinha ligações com as Forças da coligação, tratando-se de um herói, "um Leão" [um responsável da Resistência]. Desse contacto, resultou que me incumbiu de algumas missões. J - Não compreendi, Sra. Intérprete. [Repete-se a anterior pergunta feita pelo meritíssimo juiz] T - Fui incumbido pelo coronel de várias missões, entre as quais recolher informações sobre BB [BB], CC e AA. Fui à zona deles, bairro .... Tenho lá colegas e amigos. Perguntei por eles. Eles mostraram-me os três. O CC vi-o com um badge e traje afegão, assim dizendo... J - Sra, Intérprete, esse Sr. Coronel que o incumbiu dessa recolha de informação é familiar da testemunha? T- Não é familiar. J - Então porque é que o senhor começou por referir que tem um familiar que é polícia e que conseguiu fugir para Bagdad? T- Não compreendi. [Repete-se a pergunta feita pelo Meritíssimo Juiz] J - Sim. Tenho um familiar polícia que fugiu para Bagdad com quem queria ter uma colaboração. Ele disse-me que não e disse que me apresentava uma pessoa para esse efeito. Contactei com o Coronel DDD, através do meu familiar, no sentido de recolher e transmitir informações. O meu familiar é funcionário do Ministério da Administração Interna. Fugiu de Mossul quando o DAESH entrou. I - Na primeira visita, o que ficou a saber, por parte do seu amigo, sobre os irmãos? T - Na primeira visita, disse-me que se encontravam na zona, que a controlavam. Via-se pelas roupas que usavam que um, o CC, trabalhava para AI Amniyah e outro, o BB, para AI Hisbah e que o AA usava o traje Kandahari, mas não andava armado nem tinha nada no traje que o ligasse a algum serviço. Indicou-me o local exato onde os podia ver na zona de ... e onde exerciam funções. Disse-me também que eram conhecidos com o apelido de A.... J - E o amigo disse-lhe há quanto tempo é que os irmãos o vinham fazendo? T - Desde a entrada do DAESH e a queda de Mossul, começaram a fiscalizar as pessoas. J - Então, a testemunha já disse que viu o BB e o AA em duas ocasiões: a primeira já contou e então, da segunda ocasião, cerca de três meses depois, que conte o que é que aconteceu uma vez que já antecipou essa questão. T - Foi cerca de 2 meses depois. Quando voltei para casa, transmiti as informações ao Coronel. Cerca de dois meses depois, disse-me para voltar e ver se continuavam por lá. Fui ter com outro amigo e perguntei por eles. Eu não posso dizer o nome dele, como já disse. Esse amigo disse-me que o AA frequentou um curso de 40 a 45 dias, depois de ter prestado juramento, mas foi excluído. Por que motivo? Não sei. Não se sabe o motivo da exclusão. J - Nem pode dizer o primeiro nome desse outro amigo? T - Peço desculpa, mas não. Na sequência de o Coronel ter pedido informações complementares, fui lá novamente e perguntei. Soube que estavam lá e que o AA tinha entrado num curso, do qual foi expulso. J - Nessa segunda deslocação ao Bairro, viu algum dos três irmãos? T-Vi os três. Estavam no mesmo local, isto é na mesma avenida ou na mesma rotunda, no seu local de trabalho, ou se posso dizer, na área que controlavam, e que era uma zona cheia de vida. J - E nessa ocasião, os três irmãos, como é que estavam vestidos? T-Traziam o mesmo traje afegão, armados, com a exceção do AA. … J - E para além dessa ocasião, o seu amigo cujo o nome não quis dizer o nome, por razões de segurança, lhe ter dado conhecimento de que o AA tinha entrado um curso e sido afastado, transmitiu-lhe mais alguma informação importante a respeito de algum dos irmãos. T - Só o facto do AA ter entrado num curso de 40 a 45 dias de duração e ter saído, expulso, por razões que ele não sabia. J - A testemunha tem conhecimento de que curso era esse e em que localidade decorreu? T - Trata-se de um curso de treino militar para futuros combatentes do Estado Islâmico, que acatam as ordens e as executam sem discussão... Não sei onde se realizou o curso. … P - Uma vez que falou do traje afegão como sendo um conjunto de uma túnica e umas calças. Quais eram as cores? T - As cores variavam entre o preto e castanho no traje do DAESH ou traje afegão. Mas a cor não é determinante. P - Quando viu os três irmãos, Tinham-no vestido de que cor? T - O traje do DAESH de cor castanha. P - Em que difere o traje afegão do traje comum das pessoas? T - É uma túnica até ao joelho e por baixo calças curtas. P - A forma de vestir das pessoas que não eram do Estado Islâmico era diferente? T - Sim. Cem por cento diferente. P - Não tem dúvidas de que das duas vezes que viu os irmãos, estavam vestidos com o traje afegão? T - Usavam o traje afegão contrariamente aos cidadãos comuns. … A - Então, começando pelo início do seu depoimento de manhã, a Sra. Testemunha de manhã identificou umas fotos nomeadamente do processo principal, a minha pergunta é se já tinha visto antes da diligência de hoje, se já tinha visto essas fotos, nomeadamente nesta página do Facebook do Sr. Coronel DDD. T-Não. A - Agora fiquei um bocadinho confuso. Estas fotos, não as tinha visto, mas já tinha visto outras fotos dos irmãos nessa página. Certo? T - Depois da Libertação, vi fotos deles. Depois do nos termos libertado do DAESH, vi através da Net. São diferentes das que vi agora. Do depoimento desta testemunha apesar do depoimento se mostrar tendencioso fica contudo claro que do depoimento do mesmo resulta que o AA usava o traje Kandahari, mas não andava armado nem tinha nada no traje que o ligasse a algum serviço. Como acima já tivemos possibilidade de analisar o facto de alguém ser visto com o traje Kandahari, não permitiria concluir que tivesse aderido ao Estado Islâmico, como referiu a testemunha CCC, “Havia quem usasse, por simpatia para com eles. Talvez 2%.” Ÿ CCC, cujo depoimento se encontra transcrito no Apenso DMF Tradução – Declarações para Memória Futura, Volume 2, folhas 283: J - A testemunha alguma vez viu, relativamente a algum destes três irmãos, algum episódio que evidencie que os mesmos pertenciam ao DAESH? T - Sim. Vi-os com o traje kandahari, afegão, que é o traje do DAESH, na zona de .... J - E viu-os a fazer alguma coisa? T- Posso só esclarecer uma coisa. J-Sim, sim. T - Eu frequentava o Bairro. Eles moravam na Rua 12 do bairro .... Eu ia casa dos meus sogros, que era na Rua 14. Eu perguntava sobre aos Daeshianos naquela zona, para transmitir informações corretas às Forças de segurança e sem prejudicar ninguém. Eu verificava. Na altura, eu tinha contacto com o Coronel DDD, que me pediu para tentar ver o que é que essas pessoas estavam a fazer em Mossul naquele tempo, pois tinham-lhe chegado informações sobre eles. Então, fui a casa dos meus sogros, no n9 14 do bairro .... Perguntei por eles e disseram-me que eles eram da Rua 12 e eram Daeshianos: o BB, era de AI Hisbah; o AA, tinha entrado num curso de Charia, em que se ensinava a religião de forma deturpada, se treinava o uso de armas. Era o que se dizia na zona. Depois, eu segui-os pessoalmente. Vi o BB a entrar num carro de AI Hisbah, do tipo .... J - A testemunha que faça o favor de prosseguir o seu raciocínio. T - Sim, eu frequentava o Bairro pelo facto de os meus sogros morarem lá. Qualquer pessoa a que se perguntava por eles, dizia que eram Daeshianos. Eu verifiquei pessoalmente para não prejudicar ninguém. Eu vi o BB no carro de AI Hisbah e vi-o a passear com os Daeshianos de AI Hisbah, vestindo o traje Kandahari, armado com uma pistola .... O AA, vestia o traje afegão. Perguntei por ele e foi-me dito que chegou a frequentar um curso de Charia e de treino militar durante um período e que saiu desse curso. Não se sabe se foi por sua iniciativa ou se foi expulso. Não se sabe exatamente. Mas, sempre que eu ia para a zona deles, via-o em pontos de informação que o DAESH tem em determinados locais para as suas publicações. Eu via-a sempre o AA lá. J - Quantas vezes é que viu o Sr. BB e o Sr. AA nos pontos de Informação. Foi uma vez ou foram mais? T - Mais de 5 vezes, 5 ou 6 vezes talvez. J - Nesses episódios que descreveu: o Sr. BB na viatura como os dois irmãos nos pontos de Informação, alguma vez viu o outro irmão? O Sr. CC estava presente? T - Não. Via mais o BB e o AA. … P - Na altura em que os viu, tem ideia de como é que tinham o cabelo, a barba? Se era comprido? Estou a falar do BB e do AA. T - Não era comprido no início. Em 2014, as pessoas usavam barba curta. Quando o DAESH entrou, a situação mudou gradualmente. Em 2015, quando os via, tinham barba comprida, o traje[calças] curto. Até Khol, lápis preto, punham nos olhos, como tradicionalmente se usava no tempo do profeta. P - Quando viu o AA e BB em 2015, viu-os com o cabelo e a barba compridos? T - Sim, sim. Com cabelo comprido, com a barba, de acordo com as regras. Mais, nessa altura, os cidadãos comuns não podiam cortar nem o cabelo nem a barba. Os Daeshianos aplicavam o princípio de "promover a virtude e prevenir o vício". Deixavam crescer a sua barba mais do que nós. Nós ainda a aparávamos; eles nem isso faziam. … P - Pergunto se o traje afegão era muito diferente da roupa que as pessoas comuns vestiam. T - Sim, muito diferente. P - Os civis não vestiam o traje afegão? T - Havia quem usasse, por simpatia para com eles. Talvez 2%. … P - Falou que o AA frequentou um curso militar e religioso e depois desistiu. Quando o viu vestido com o traje afegão, consegue precisar se à data já tinha desistido o curso ou não? T - Eu vi-o, uma ou duas vezes, por altura desse curso de formação religiosa, de combate e manuseamento de armas. Mas as restantes vezes, em que perguntei por ele e em que o vi, foram depois de ele ter saído e continuava a usar o traje afegão e a encontrar-se nos pontos de informação. Se tivesse sido expulso, talvez não pudesse continuar a usar o traje afegão, mas não sei. Não sei como saiu do curso, se conseguiu por uma fatwa [lei]. Continuou a usar o traje afegão durante e depois, até ter fugido do Iraque, sempre orgulhoso deles e dos seus feitos terroristas... Vi-o durante o curso e depois do curso com o traje afegão, mas não o vi armado. P - Quando viu o BB e AA próximo dos pontos de informação, eles estavam vestidos com o traje afegão? T - Sim. Vi-os com o traje afegão, Kandahari. O BB, armado e o outro não. O AA, não. … J - Nas imagens que eram passadas nesses ecrãs, alguma vez viu algum dos irmãos? T - Nunca vi nenhum, em nenhum ecrã, vídeo ou excerto transmitido. Vi-os naquele lugar, no meio da população. … A - Só uma última questão. Por que meio é que ele sabe que os irmãos frequentaram este curso e quem lhe terá dito que os irmãos frequentaram um curso e se a mesma pessoa lhe terá dito que o AA terá sido expulso. Julgo que foi este o termo que a Sra. Testemunha usou. T - Ele andava na zona a dizer que tinha saído. Ao mesmo tempo as pessoas falavam. A notícia espalhou-se pela zona toda. Toda a gente sabia que tinha ido frequentar o curso e que tinha regressado. Ele próprio dizia às pessoas que tinha saído do curso. Ele falava às pessoas sobre isso. Mas ele continuou a usar o traje afegão. Estava nos pontos de informação, la e voltava para casa com o traje afegão, mas não o vi a subir em nenhum carro de AI Hisbah ou de AI Amniyah ou do DAESH. Vi-o sempre perto do Ponto de Informação ou de casa. XLII Para dar como provados os pontos acima referidos o Tribunal a quo ter-se-á socorrido do depoimento da testemunha OO, cujo depoimento se encontra transcrito no Apenso DMF Tradução – Declarações para Memória Futura, Volume 2, folhas 299.Acontece, porém, que esta testemunha não poderia merecer por parte do Tribunal a quo qualquer credibilidade. XLIII Analisando o depoimento desta testemunha com todos os outros que acima se encontram transcritos constatamos que esta testemunha conseguiu visualizar aquilo que nenhuma outra visualizou. Esta testemunha foi indicada e apresentada como amiga dos LL, os quais, como acima se referiu não mereceram da parte do Tribunal credibilidade no que ás imputações aos Arguidos diz respeito. J - A testemunha já referiu que via frequentemente os irmãos no ponto de informação, ponto de informação que referiu situar-se ao pé do seu local de trabalho. Portanto, a testemunha consegue situar em que ano é que isso aconteceu, em que os viu lá nesse ponto de informação? T- Foi no período do DAESH, em 2015. J - Nessas ocasiões viu os senhores AA, BB e CC vestidos de forma diferente? T - Vestiam o traje Kandahari. … J - Nessas ocasiões em que viu os três irmãos junto do ponto de informação, alguma vez viu algum deles armado? T - Sim. Vi-os armados. I - Aos três irmãos? T - Sim, aos três irmãos. Os que vinham juntos era o AA o BB. O CC vinha em separado. J - Sempre que viu o AA junto do ponto de informação, o mesmo vestia sempre o traje Kandahari? T - Sim, vestia sempre o traje afegão. J - E estava sempre armado? T-Sim. … J- E para além de ter visto, o senhor AA e o Sr. BB junto do ponto de informação, viu-os em alguma outra ocasião a desempenhar algum papel ou alguma atividade que os pudesse associar ao DAESH? T- Eles estavam com os Deashianos... eu não sei. J - Designadamente, operações de fiscalização, nunca presenciou nenhuma? T - Eles andavam pelos mercados a fiscalizar as pessoas por causa das calças, da barba, do cabelo. J - Sra. Intérprete, a pergunta foi muito precisa. Se viu alguma vez o Sr. AA ou o Sr. BB encetarem algum ato de fiscalização? T - O AA era quem fiscalizava mais. J - Como é que sabe? T - Eles passavam à frente da loja a fiscalizar. Fiscalizava as senhoras por causa do véu. J - Mas alguma vez a testemunha viu o Sr. AA a fiscalizar alguma senhora? T-Sim. J - Em quantas ocasiões diferentes é que viu o Sr. AA a fiscalizar senhoras por causa do véu? T - Não me lembro, mas vi-o várias vezes. Também o vi a fiscalizar pessoas por causa do tabaco e ficava-lhes com o tabaco, pela barba e à hora da oração, obrigava as pessoas a deixar o que faziam para irem para a oração. J - A testemunha alguma vez viu o AA ou o BB a circularem, a entrarem ou a saírem de veículos automóveis que estivessem caracterizados como sendo do DAESH? T- Usavam veículo de AI Hisbah. J - Quem é que usava o veículo de AI Hisbah? T-O AA. J - Como é que a testemunha sabe que os veículos eram da AI Hisbah? T- No carro estava escrito AI Hisbah. … T - Sei que o irmão do LL me disse que levaram o LL. Depois de algum tempo, foi libertado e eu fui visitá-lo. Mais tarde, ele veio ter comigo à loja e viu aqueles que o tinha levado e disse-me. J - E nessa ocasião, identificou quem em concreto? T-Assim que os viu perto, disse-me que foram eles que o levaram, falando do AA e do BB. … J - Mas, repare, Sr. Intérprete, a testemunha viu sempre o AA e o BB sempre nas proximidades do mesmo Ponto de informação ou viu-os em ocasiões diferentes em pontos de informações diferentes? T - Eles costumavam estar no Ponto de Informação que fica no jardim em frente de mim. Tirando esse, não sei se iam a outros. Eu via-os em frente à minha loja. J - Então se foi sempre os viu no mesmo ponto de informação, é esse ponto de informação que diga em que local fica? T - Na rotunda de .... … P - Há pouco disse que viu o AA a fiscalizar, não é? Uma senhora por causa do véu... Eu não sei se também disse ou não, não percebi se viu o BB também em fiscalizações. T - O BB, não. Eu vi-o com o AA, mas não o vi a fiscalizar. P - Das vezes que viu o AA a fiscalizar, o que é que viu? Qual foi a abordagem dele? O que é que o viu a fazer? T-As senhoras tinham que tapar até os seus olhos. Uma das senhoras que tinha o rosto tapado, mas não os olhos, foi fiscalizada por ele. Fiscalizava-nos também a nós, comerciantes, se à hora da oração, dizia-nos para fecharmos e irmos à oração. Se algum permanecesse na loja, fiscalizava-o. P - Foi ter com ele [testemunha] alguma vez a pedir para fechar a loja? T - Sim, vinha à hora da oração. E mesmo que estivesse a atender, dizia-me para deixar de vender para ir para a oração. P - E estava armado? T-Sim. … P - Sabe se o LL ou o pai do LL tiveram de pagar alguma coisa para que fosse libertado. T- Disse-me que pagou, mas não me disse quanto. Não quis que ninguém soubesse, com receio que eles soubessem. P - Como é que o LL estava fisicamente e psicologicamente depois da detenção. Consegue descrever? T- Foi torturado, o corpo dele estava cheio de nódoas negras. P - A testemunhas viu? T-Sim. Fui vê-lo mal saiu. P - Foi buscá-lo? T - Não. Fui visitá-lo em casa, na noite em que saiu. P - Como é que ele estava? T - Estava psicologicamente em baixo, ausente. Falava-se com ele, falava pouco. Tinha sofrido tortura. Até as unhas lhe tinham arrancado! ESTA TESTEMUNHA NÃO MERECE QUALQUER CREDIBILIDADE, DESDE LOGO PORQUE RELATA FACTOS QUE NENHUMA OUTRA TESTEMUNHA RELATOU, COMO CHEGA AO PONTO DE AFIRMAR QUE A TESTEMUNHA LL TINHA SIDO TORTURADA AO PONTO DE LHE ARRANCAREM AS UNHAS QUANDO O PRÓPRIO NUNCA REFERE TAL ACONTECIMENTO. Ÿ FF, cujo depoimento se encontra transcrito no Apenso DMF Tradução – Declarações para Memória Futura, Volume 2, folhas 313: J - Profissão da testemunha? T-Atualmente trabalho como empregado numa bomba de gasolina. … J - Conhece o Sr. AA? T-Conheço-o de aspeto, mas não o conheço pessoalmente. J - Então em que data e em que contexto travou conhecimento com o Sr. AA? T- Eu não o conheci pessoalmente. Conheci-o, pois a loja onde trabalhava era no bairro .... Havia um Ponto de Informação em frente. J - Portanto, essa loja que ficava perto do Ponto de Informação era a tal loja de brinquedos a há pouco fez referência? T - Exato. Em frente à loja, ficava um ponto de Informação na rotunda de ..., no bairro .... J - Disse que conhece o Sr. AA pelo facto de trabalhar nessa loja que fica perto dessa rotunda. Pode concretizar, por favor? T- Ele costumava estar junto ao Ponto de Informação, vestido com o traje Kandahari, mas não o vi andar armado. Estou a falar do AA. Soube que ele se chamava AA antes de surgirem as alcunhas adotadas por eles. J - E viu o Sr. AA na rotunda a fazer o quê? a passear ou a fazer outra coisa qualquer? T - Naquela altura, nós não podíamos ficar a vê-los. Podiam-nos fazer alguma coisa. Evitávamos olhar ou virávamos a cara quando reparavam em nós. J - Mas viu o Sr. AA na rotunda a fazer alguma coisa especificamente ou não? T- Especificamente, observava/controlava para a Organização. J - Mas de que forma é que o Sr. AA estava a controlar? Como é que a testemunha percebeu que o Sr. AA estava a controlar? T- De forma discreta, passava por mim e voltava a passar, pois como a minha loja ficava naquele local, ele passava não só por mim mas também por outros comerciantes para ver o que nós andávamos a fazer. J - Pergunte se além de ver o Sr. AA a observar as pessoas, se o viu a fiscalizar alguém? T-Não. … J - Conhece algum familiar do Sr. AA? T-Não. … J - Sabe onde é que o Sr. AA vivia em 2015? T - Não, não. … T - Vestia o traje Kandahari e trazia uma arma, uma pistola... Por cima do traje afegão, trazia a pistola num coldre que punha às costas... O BB era conhecido como Daeshiano. Era visível que era. Quanto ao AA, dizia-se para não se falar nada perto dele, para ter cuidado. Suspeitava-se que trabalhava para eles, que colaborava com o irmão e, por isso, evitamos falar perto dele. J - Alguma vez viu o AA neste ponto de informação? T-Sim, vi-o. J - Quantas vezes? T - Várias vezes, pois o ponto de informação dista 30 a 40 metros da minha loja e fica no jardim. Nós passávamos sempre por perto desse jardim. J - Nessas ocasiões em que viu o Sr. AA no ponto de informação, como é que ele estava vestido? T - Vestia-se normalmente, à civil. Mas eu já referi que o vi uma vez vestido com o traje Kandahari. J - Inclusive nesse ponto de informação? T - Não me lembro com precisão. Perto do ponto de informação vi-o duas vezes, vestido à civil. Numa outra vez, veio o seu irmão BB e trazia uma gravação com ele, a mesma gravação que ele passou/mostrou, ou seja, uma publicação... Nessa vez, o AA vestia o traje kandahari. J - Ou seja, a testemunha viu o Sr. AA 3 vezes no ponto de informação: duas vezes, vestido à civil e uma vez, vestido com o traje Kandahari, sendo que, dessa última vez, estava acompanhado do Sr. BB. É isso? T - Não, e uma quarta vez, no restaurante, como disse antes. J - Alguma vez viu o Sr. AA armado? T - Não, não o vi. O irmão dele, sim. Eu vi-o a ele 4 vezes. Não sei se depois andou armado ou não. Eu , na verdade, duas semanas depois das chicotadas que sofri, mudei-me de .... Saí da loja. … P - Pergunte se alguma vez viu o AA e o BB nos vídeos de propaganda? T - Não, não vi. Eu não via propaganda deles nem queria ver publicações deles. P - Diz que viu o AA na rotunda com o traje afegão, pergunto como é que soube que era o AA. T - Eu tinha a loja em .... A partir do momento em que começaram a estar no Ponto de informação, ficaram conhecidos em .... Soubemos que o nome dele era AA, bem antes de começarem a adotar alcunhas. P - Como é que soube? Quem é que lhe disse? T- Foram os habitantes do Bairro. Eu tenho a loja em .... Quando lá estávamos, falávamos uns com os outros e na conversa, ouvia-se: tenham cuidado com o AA. Ele tem algo. O irmão dele é tal. Se estivessemos a falar da libertação, mudávamos de assunto. P- Portanto alguém o avisou para ter cuidado com aquele que lhe disseram que se chamava AA. É isso? T- Não foi uma única pessoa. Nós, comerciantes conhecemo-nos e sabíamos quem é que estava com eles e quem não estava. Quando estávamos juntos e ele estava à nossa frente, passava por nós ou vinha na nossa direção, interrompíamos a conversa. P - Disse que o viu a controlar na organização, a observar o que as pessoas faziam. T - Nós suspeitávamos que ele nos controlava. Se alguém fazia algo, por exemplo, fumava um cigarro, desconfiávamos que ele passava a informação por estar a observar-nos. P - Desconfiava do AA. É isso? T-Sim, desconfiava e tinha medo que me denunciasse. Eu na altura, fumava dentro da minha loja. Quando o via, vaporizava a loja com um ambientador, com medo de ele me denunciar. … P - E o que é que sabe do que aconteceu ao seu amigo? T - Fui o primeiro a visitar o LL, depois da sua libertação. Diariamente, e desde que foi detido, eu ia à casa dele, perguntar por ele e ver se tinha sido libertado ou não. Depois da sua libertação, visitava-o também. Durante um mês, falava com ele mas ele não falava, apenas movia a cabeça e eram visíveis os efeitos da tortura nele. P - Sabe se ele deixou de trabalhar? T - Eu queria só explicar que naquele mês em que andei a visitar o LL, o pai dele disse-me que estariam a vigiar-me e disse-me para deixar de visitar o LL, para eu não ter problemas. Então, decidi reduzir as visitas que lhe fazia ... Eu perguntei ao LL o que aconteceu com ele. Disse que esteve numa sala e que sofreu agressão. Perguntei-lhe quem é quem o tinha agredido, se foi um juiz de AI Hisbah, se foi alguém importante do Estado Islâmico. Disse-me que sabia quem é que o tinha agredido, mas não referiu o nome. Passado algum tempo, perguntei ao pai do LL como o conseguiu libertar, se tinha pago um resgate. Disse-me que tiveram de pagar e que graças a Deus estava em liberdade. … J - Pergunte se ao nível das mãos se recorda de algum ferimento em particular? T - Por exemplo? J - Algum ferimento ao nível das mãos, dedos? T - Tinha a mão negra (mostrando o antebraço)... e tinha as marcas das algemas nos pulsos, apesar de o LL não ter falado sobre isso. Igualmente deste depoimento não se pode retirar que o Arguido tivesse aderido ao Estado Islâmico e muito menos que efetivamente desempenhasse qualquer função para essa alegada Organização Terrorista. XLIV Analisada exaustivamente toda a prova aquilo que, em consciência, se poderá, no nosso modesto entendimento, concluir é que o Recorrente por vezes foi visto na companhia dos seus irmãos em locais onde costumavam também estar elementos identificados como pertencendo ao Estado Islâmico, nada mais do que isso… B XLV Ao contrário do referido pelo Tribunal a quo, não resultou provado que: Mediante a influência e o recrutamento do seu irmão CC, como já se disse, … AA passaram, assim, a ocupar posições ao serviço do Estado Islâmico. O Tribunal a quo não esclarece que posições são essas…. XLVI Não se provou que: Os arguidos passaram a exercer funções, no Estado Islâmico, no bairro ..., em Mossul, onde viviam, precisamente na área compreendida entre a rua 11 e a rua 17, onde o seu irmão CC era Emir da Al Amniyah. Resultou, aliás, da prova testemunhal que acima tivemos oportunidade de transcrever que as testemunhas foram praticamente unanimes a reconhecer que não viram o Recorrente a exercer qualquer conduta susceptível de indicar que exercesse funções para o Estado islâmico. XLVII Refere o Tribunal a quo: “Os arguidos passaram a usar o traje afegão ou traje Kandahari. Como acima se referiu as testemunhas relataram que apenas esporadicamente visualizaram o Recorrente a usar o traje afegão ou traje Kandahari e que o facto de alguns cidadãos de Mossul utilizarem esse traje não significava, por si só, que pertencessem ao Estado Islâmico, como referiu uma das testemunhas ouvidas, algumas pessoas faziam-no por simpatia, para poderem andar sem problemas na cidade. XLVIII Não foi feita qualquer prova de que o Recorrente AA: Em data não apurada do ano de 2014, após o seu regresso a Mossul, os arguidos juraram fidelidade ao Estado Islâmico, através do anúncio de Al bay’at (juramento de fidelidade). Não foi ouvida qualquer testemunha que tivesse conhecimento direto, ou indireto de que o Recorrente AA prestou qualquer juramente de fidelidade, bem pelo contrário, a quase totalidade das testemunhas ouvidas reconheceu que o Recorrente não era visto como pertencendo ao Estado Islâmico, mas que era sim uma pessoa “normal”. XLIX Não resultou igualmente provado que: Em 2014, em data não concretamente apurada, após jurar fidelidade ao Estado Islâmico, AA foi admitido num curso/treino para combatentes, com a duração de cerca de 50 dias. Por razões não apuradas, AA viria a sair do curso para combatente, cerca de 30 dias depois do seu início, regressando a Mossul. Todavia, após a sua saída do curso, AA continuou a usar o traje afegão, como membro do Estado Islâmico que era. Aquilo que decorreu da audição das testemunhas foi que ninguém tinha conhecimento direito desse facto. Aliás, o mesmo não passava de um boato. As testemunhas ouvidas não sabiam sequer onde tinha decorrido o alegado curso. Não resulta dos autos qualquer prova documental ou outra que ateste que o Recorrente participou num qualquer curso do Estado islâmico, pelo que, não pode admitir-se que o Tribunal a quo transforme um boato num facto. L Considerou, igualmente o Tribunal a quo que: Não obstante ter saído do curso, AA, beneficiando da influência e protecção do seu irmão CC, Emir da Al Amniyah, passou, também, a exercer funções na Al Amniyah. Com efeito, AA começou a exercer funções no Serviço de Proibição de Viagem que tratava do imobiliário e era responsável pela obtenção dos documentos dos infractores, com o objectivo de impedir a sua saída do território controlado, como atrás referido. Este serviço tinha instalações na Universidade de Mossul, ocupada pelo Estado Islâmico. … Os arguidos promoveram intencionalmente o objetivo final do Estado Islâmico, no contexto dos seus deveres oficiais enquanto seus funcionários, designadamente da Polícia Religiosa Al Hisbah ( BB) e do Serviço de Inteligência / Departamento de Segurança Al Almniyah (AA), integrados no aparelho do autoproclamado Estado Islâmico. Mais uma vez, a matéria acima referida não decorre de qualquer prova constante dos autos, bem pelo contrário, aquilo que resultou, nomeadamente, da produção de prova testemunhal foi que o Recorrente nunca esteve associado a qualquer entidade ou serviço do Estado islâmico. LI Considerou o Tribunal a quo: AA passou, também, por vezes, a acompanhar os seus irmãos, CC e BB, nas acções que levavam a cabo ao serviço do Estado Islâmico e participou em vídeos promocionais do estado islâmico. BB estudou Sharia islâmica com o objectivo de ser Mufti, ou seja um Académico islâmico com reconhecida capacidade de interpretação da lei religiosa e de pronunciamento legal. Aquilo que eventualmente se apurou foi que o Recorrente foi visto algumas vezes junto aos seus irmãos CC e BB, o que é coisa manifestamente diversa de se afirmar que os acompanhava “nas acções que levavam a cabo ao serviço do Estado Islâmico.” Aquilo que as testemunhas relataram e cujas transcrições acima fizemos referência foi apenas que o AA chegou a ser visto em pontos de informação do Estado Islâmico, onde se encontravam os seus irmãos. Ora, encontrando-se os seus irmãos na rua, pertencendo os mesmos ou não ao Estado islâmico, o facto de o Recorrente em determinada altura ser visto junto com estes não pode em momento algum permitir que se conclua que o mesmo os acompanhava nas acções que os mesmos levavam a cabo. Atente-se que nos depoimentos que acima tivemos oportunidade de analisar nunca é referida qualquer conduta que o Recorrente estivesse a levar a cabo, apenas estava naquele local concreto, nada mais. Quando ao vídeo promocional o Recorrente teve oportunidade de explicar o contexto em que o mesmo foi gravado. Importa desde logo ter presente que no vídeo recolhido não é perceptivel, ao contrário dos outros intervenientes qualquer comentário favorável ao Estado Islâmico. Mais, O Recorrente no vídeo junto aos autos aparece no seu local de trabalho, restaurante, onde era chefe de sala, rodeado apenas e só por outros civis. Conforme decorreu á abundância da audiência de julgamento nunca foi apurado se os indivíduos que foram filmados na cena onde aparece o Recorrente pertenciam ou não ao Estado Islâmico. Assim, o simples facto do Recorrente aparecer num vídeo promocional da moeda defendida pelo Estado Islâmico, sem que seja sequer perceptível os comentários do Recorrente, e sem que se perceba se os restantes elementos que aparecem no vídeo pertencem ou não ao Estado Islâmico não pode sequer ser indiciador de qualquer tipo de adesão a uma Organização Terrorista. LII O Recorrente não promoveu o objetivo final do Estado Islâmico, no contexto dos seus deveres oficiais enquanto seus funcionários, designadamente da Polícia Religiosa Al Hisbah ( BB) e do Serviço de Inteligência / Departamento de Segurança Al Almniyah (AA), integrados no aparelho do autoproclamado Estado Islâmico. LIII Não ficaram provadas quaisquer condutas por parte do Recorrente que permitissem concluir que se mostravam verificados os elementos objetivos ou subjetivos do crime de adesão ao terrorismo. LIV O Tribunal não pode ignorar que no Iraque não existia sequer qualquer processo crime contra os Recorrentes. Foram as Autoridades Portuguesas, que, apesar de durante quatro anos terem investigado o Recorrente e não terem aqui encontrado qualquer indício da prática de crimes, solicitaram ao Iraque que ali fossem tomados depoimentos a testemunhas para memória futura!!! LV Estamos perante um crime intencional, de resultado cortado ou de tendência, porquanto a norma incriminatória exige, para além do dolo tipo um elemento subjectivo adicional. LVI Conjugando a dimensão do elemento subjetivo do tipo de crime em análise, com a matéria de facto dada como provada pelo tribunal a quo, é evidente que não se pode concluir que o mesmo se mostra verificado. LVII Os elementos de prova entranhados nos Autos e produzidos em Julgamento bastam para concluir pela inexistência de quaisquer Provas a esse respeito - a aplicação do Princípio do In Dúbio Pro Reo, previsto no Artigo 32º N.º 2 da Constituição da República Portuguesa, 11.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, 14.º N.º 2 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e 5º N.º 2 Convenção Europeia dos Direitos do Homem, sempre conduziria à mesma conclusão. Na ausência do juízo de segurança, vale o Princípio de Presunção de Inocência do arguido. LVIII Tendo em conta a Prova produzida em Julgamento e toda aquela que se encontra entranhada nos Autos outra coisa não restava ao Tribunal a quo que não fosse dar todas essas factualidades como não provadas por se ter demonstrado que o Recorrente não as praticou ou, no pior dos cenários, absolve-lo em linha com o que se encontra consagrado nos Princípios da Presunção da Inocência ou do In Dubio Pro Reo. LVIX Assim, deveria o Recorrente ter sido absolvido do crime pelo qual foi condenado. LX Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou os artigos 2.º n.º 1 alínea a) e n.º 2, 3.º, 4.º n.º 1 e n.º 10 e 8.º n.º 1 da Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto (com as alterações e aditamentos introduzidos através da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, da Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho e da Lei n.º 17/2011, de 3 de Maio) Contudo, mesmo que assim não se entenda, o que não se concede e por mero dever de patrocínio se coloca, à cautela sempre diremos o seguinte: C LXI Resulta á evidência da matéria de facto dada como provada que toda a atividade de alegada adesão ao Estado islâmico imputada ao Recorrente teve lugar na cidade de Mossul. LXII É facto público e notório que o Estado islâmico teve sob o seu domínio a cidade de Mossul até Julho de 2017, vide a título de exemplo: .../ LXIII Dos pontos 719, 720, 721, 722, 723, 724, 725, 726, 727, 728, 729, 730, 731, 732, resulta que, em março de 2016, mais de um ano antes do Estado Islâmico ter saído de Mossul, no Iraque, o Arguido abandonou aquele território e veio para a Europa. LXIV Desde 2017 a 2021 o Recorrente foi vigiado, quase diariamente, não tendo sido descortinado um indício que fosse de que o mesmo tivesse qualquer contacto com elementos do Estado islâmico. Seria, portanto, forçoso concluir que mesmo que se tivesse admitido, por mera hipótese académica que o Recorrente, em algum momento, aderiu ao Estado islâmico, em Março de 2016, com a sua conduta, abandonou voluntariamente essa Organização!! LXV O Arguido encontra-se preso num Estabelecimento Prisional de Máxima Segurança com fundamento em boatos, o que demonstra bem que 50 (Cinquenta) anos depois do 25 de abril os princípios pidescos ainda estão entranhados na nossa Justiça. LXVI O Arguido sempre teve um comportamento ajustado, sedimentado por princípios de trabalho e respeito pelos outros, não tem averbado no seu registo criminal a prática de qualquer crime. LXVII O Alegado crime imputado ao Arguido, que o mesmo afirma veementemente que não cometeu, terá sido praticado em 2015, decorreram já, desde a prática dos factos, mais de 8 (oito) anos!!! LXVIII Mesmo que se considerassem verificados os elementos objetivo e subjetivo da prática do crime, o que apenas por dever de patrocínio se coloca, deveria o Tribunal a quo ter dispensado o Recorrente da pena, pelo facto de o mesmo ao sair de Mossul, revelar, que, de forma voluntária, abandonava a alega adesão ao Estado islâmico, ou, então, atenuado especialmente a mesma, nos termos do artigo 2º, n.º5 da Lei n.º 52/2003, de 22 de agosto. LXIX A pena aplicada revela-se excessiva e desproporcional, não sendo justa, pelo que o Tribunal a quo deveria, nos termos do n.º5, do artigo 2º, da Lei n.º 52/2003, de 22 de agosto, ter dispensado o Recorrente da pena. LXX Caso assim não se entendesse, então deveria o Tribunal a quo, nos termos do mesmo preceito legal, ter atenuado especialmente a pena que lhe fosse aplicada e, em consequência não deveria ter condenado o Recorrente numa pena superior a 2 (dois) anos pela prática do crime que lhe foi imputado. Contudo, mesmo que assim não se entenda, o que, mais uma vez, apenas por mera hipótese académica se coloca, ainda diremos o seguinte: LXXI Após sair de Mossul, em março de 2016, não é imputada ao Recorrente qualquer conduta que o associe ao Estado islâmico, fez um esforço para se integrar na sociedade Portuguesa, estudou e aprendeu a língua e aqui se dedicou á atividade laboral. LXXII Tendo em consideração o histórico de vida do Arguido, sempre se poderá considerar que os factos pelos quais o mesmo se encontra condenado mais não são do que o resultado de uma adaptação a uma circunstância de vida, a uma necessidade de integração e sobrevivência. LXXIII Assim, mesmo que se concluísse que o Recorrente cometeu o crime pelo qual foi condenado, nunca lhe deveria ter sido aplicada uma pena de prisão superior a 8 (oito) anos. LXXIV Assim, ao aplicar ao Recorrente uma pena de 10 (dez) anos de prisão o Tribunal a quo violou os artigos 70º, 71º, 72º, 73º, do Código Penal e 2º, n.º5 da Lei n.º 52/2003, de 22 de agosto. D LXXV Para além de uma pena de prisão efetiva o Tribunal a quo condenou ainda o Recorrente: h) … na pena acessória de expulsão do território nacional, pelo período de 10 (dez) anos, nos termos conjugados do disposto no artigo 34.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e nos artigos 134.º, n.º 1, alíneas e) e f), 140.º, n.º 2 e 151.º, n.º 1, todos da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, com a redação da Lei n.º 29/2012, de 09 de Agosto; LXXVI Ao condenar o Recorrente numa pena acessória de expulsão para o Iraque o Tribunal a quo condena-o numa verdadeira pena de morte. LXXVII Foram as Autoridades Portuguesas que instigaram as Autoridades Iraquianas a “andar à procura de testemunhas” que depusessem contra os Arguidos nos presentes autos. LXXVIII As Autoridades portuguesas apresentaram o aqui Recorrente às Autoridades Iraquianas como um terrorista, após terem despoletado nas Autoridades Iraquianas o ódio contra o Recorrente pretendem agora enviá-lo para aquele País para que aí seja morto… LXXIX Aliás, se dúvidas existissem quando à forma como os Recorrentes, passaram a ser vistos naquele País, veja-se a título de exemplo as declarações da testemunha BBB. T- Polícia afiliado ao Ministério da Administração Interna. J - Pode, por favor, indicar-nos o seu domicílio profissional? T-Anti-Crime (Combate ao Crime) de Nínive. … J - Sra. Intérprete, pergunte basicamente se tem conhecimento... O Senhor está a ser inquirido, na qualidade de testemunha, num processo-crime que está a correr em Portugal, em que tem qualidade processual de arguido o Sr. AA e o Sr. BB. A primeira pergunta é se o senhor tem conhecimento que no Iraque esteja a correr ou tenha corrido no passado qualquer processo, designadamente de natureza criminal, em que estes senhores fossem visados. Esta é a primeira parte da pergunta. T - Não tenho conhecimento de que corra em tribunal iraquiano, mas havendo em qualquer tribunal do Iraque, fosse onde fosse, eu iria testemunhar contra eles, pois são Daeshianos e não merecem viver.” LXXX Conforme noticiava a RTP no passado dia 16/11/2020, in ...: “O Iraque, um dos países com maiores taxas de aplicação da pena de morte no mundo, executou hoje 21 pessoas condenadas por crimes relacionados com terrorismo, indicaram fontes médicas e policiais locais citadas pelas agências internacionais. Os 21 homens iraquianos, todos condenados por crimes relacionados com terrorismo perpetrados recentemente ou há vários anos, foram executados por enforcamento na prisão central de Nassiriya (sul do Iraque), o único estabelecimento prisional do país que tem um corredor da morte. Desde o anúncio da vitória contra o grupo extremista Estado Islâmico (EI), no final de 2017, os tribunais iraquianos têm deliberado centenas de penas capitais.” LXXXI Sendo expulso para o Iraque o Recorrente será perseguido e morto. Mais, LXXXII Resulta dos presentes autos que o Recorrente defendeu ser ateu e homossexual, estes factos são certamente já do conhecimento das autoridades Iraquianas, o que será mais um elemento para o mesmo ser perseguido. LXXXIII O Recorrente não consubstancia qualquer perigo para Portugal e para os Portugueses, encontrava-se aqui perfeitamente integrado, dominando já a língua Portuguesa, ao contrário de milhares de cidadãos que aqui vivem, tendo obtido a nacionalidade portuguesa, alguns há mais de uma dezena de anos, sem que falem sequer a língua de Luis de Camões. LXXXIV Decorre do exposto que em relação á aplicação da pena acessória de expulsão a lei descrimina entre o cidadão estrangeiro residente, e o não residente, sendo certo que os pressupostos exigidos naquela primeira situação destacam-se pela sua exigência. Na verdade, para os residentes o decretar da expulsão deverá ter subjacente não só uma ponderação das consequências que dimanam para o arguido, como também para aqueles que constituem o seu agregado familiar. LXXXV No caso Sub Judice mostra-se provado que o Recorrente encontrava-se legalmente em Portugal: 723. A 16 de setembro de 2019, é atribuída a AA a Autorização de Residência Permanente em Portugal, com validade até 16 de setembro de 2022, documento que veio a caducar já em período de situação privativa de liberdade. Resultou, igualmente provado que: 728. A 1 de setembro de 2017, o arguido viria a celebrar contrato de trabalho sem termo, com a Associação ..., para o exercício de funções com a categoria profissional de empregado de mesa, no restaurante de cozinha do Médio Oriente denominado ..., em ..., com um horário de 40 horas semanais e uma remuneração salarial de 750 euros mensais. 729. A atividade laboral do arguido neste restaurante viria a prolongar-se até à data da sua prisão, sendo que meses antes, refere ter sido promovido a um cargo de maior responsabilidade - chefe de sala, o que nos referiu ser do seu agrado pessoal, reportando o interesse profissional pela área da restauração desde sempre. 730. Em Portugal, a experiência laboral do arguido, de acordo com os documentos apresentados e contrariamente ao que foi descrito quanto ao seu percurso laboral no país de origem, alargou-se a outros setores profissionais. 731. Em paralelo à atividade no restaurante ..., foi desempenhando outras atividades profissionais conciliáveis com essa atividade. 732. Em 2018, trabalhou para o Centro Nacional de Apoio à Integração de Imigrantes (CNAIM), no atendimento telefónico com traduções em simultâneo da língua árabe/curda para inglês, mencionando ter sido pago com recurso a recibos verdes. 733. Posteriormente, em 11 de março de 2019, viria a celebrar contrato, com a EMP01... Unipessoal, Lda, em serviços de cariz administrativo, onde trabalhou aproximadamente até ao termo do contrato, em 10.09.2019, com horário das 08h às 16 h, seguindo-se em 15 de Dezembro de 2020, um contrato a termo certo por 12 meses, com a empresa “EMP02... Unipessoal, Lda, para o exercício de funções como analista /revisor de conteúdos do Youtube, tendo como remuneração salarial base de 1.150 euros mensais no cumprimento de 40 horas semanais. … 735. No plano pessoal, AA descreve o início do seu relacionamento amoroso com OOO, cidadão ... em finais de 2017. 736. Segundo OOO, terá sido em finais de 2018, que passaram a coabitar em ..., uma vez que por questões culturais e religiosas a assunção da orientação sexual por parte do arguido só veio a ser possível após a entrada em Portugal. 737. O relacionamento entre o arguido e OOO é avaliado por ambos como afetivamente gratificante, perspetivando-se a manutenção do mesmo num plano futuro. LXXXVI O Recorrente para além de beneficiar de uma Autorização de Residência, criou um vínculo social, afetivo e económico e beneficia de todo um processo de socialização e identificação comunitária. LXXXVII Assim, considerando tudo o qua acima se encontra exposto nunca o Tribunal a quo poderia ter aplicado ao Recorrente uma pena acessória de expulsão. LXXXVIII Assim, ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou os artigos 33º da Constituição da República Portuguesa, bem como o artigo 151º da Lei n.º 23/2007, pelo que deve esta decisão ser revogada. Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. mui doutamente suprirão deve o presente Recurso obter provimento. Assim decidindo farão V. Exas. a almejada JUSTIÇA” 1.2.3. Arguido BB - com entrada a 3maio2024 (ref. ...41), definindo como objeto do mesmo (cfr. fls. 6 dessa peça processual): (SIC…idem) “(i) Nulidade do acórdão; (ii) Impugnação da matéria de facto; (iii) Pena acessória de expulsão; (iv) Dosimetria da pena” motivando-o e delimitando-o no objeto com as conclusões que se transcrevem (particularmente desprovidas da síntese exigível, em lata medida simples cópia da motivação, que só não se mandaram aperfeiçoar por ser, ainda assim, compreensível a final pretensão formulada em sede dos autos, os quais até revestem natureza urgente): 1. “Nos termos do art.º 374.º, n.º 3, al. a), do CPP, a sentença termina pelo dispositivo que contém as disposições legais aplicáveis. 2. Na alínea b) do dispositivo do acórdão recorrido, lê-se: “Pela prática de um crime de guerra, p. e p. pelo art.º 10.º, als. b) d) e i), tendo como vítima FF, na pena de 12 (doze) anos de prisão.” 3. A indicação do número de um artigo e parte das respetivas alíneas, com omissão do dipoma a que respeitam, não cumpre a imposição constante do art.º 374.º, n.º 3, al. a), do CPP. 4. Ao não identificar corretamente a legislação aplicável, o Tribunal a quo, violou, por erro de interpretação, o disposto no 374.º, n.º 3, al. a), do CPP, o que constitui uma ilegalidade que se invoca, para todos os legais efeitos. 5. O Recorrente foi submetido a julgamento acusado e pronunciado, além do mais, por 1 (um) crime de organizações terroristas (adesão a organização terrorista), previsto e punido pelos artigos 1.º, 2.º, n.º 1, alínea a), b), c), d), f), e n.º 2, 3.º, n.º 1 e n.º 2, da Lei n.º 52/2003, de 22-08, na redação da Lei n.º 17/2011, de 03-05, 6. Mas foi condenado, pela prática do crime de adesão a organização terrorista internacional, p. e p., nos artigos 2.º n.º 1 alínea a) e n.º 2, 3.º, 4.º n.º 1 e n.º 10 e 8.º n.º 1, da Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto (com as alterações e aditamentos introduzidos através da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, da Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho e da Lei n.º 17/2011, de 3 de Maio), na pena de 10 ( dez) anos de prisão. 7. Na condenação foram acrescentados os artigos 4.º n.º 1 e n.º 10 e 8.º n.º 1, da Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto (com as alterações e aditamentos introduzidos através da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, da Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho e da Lei n.º 17/2011, de 3 de Maio), que não constavam na pronúncia e nem da comunicação realizada nos termos e para os efeitos do art.º 358.º, n.º 1 e n.º 3, do CPP, constante da ata ata de audiência de discussão e julgamento / Leitura do Acórdão, com a ref.ª ...02. 8. Dispõe o art.º 1.º, al. f), que se considera uma alteração substancial dos factos, aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis. 9. A condenação do Recorrente pelo art.º 4.º n.º 1 e n.º 10, da Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto, consubstancia-se na sua condenação por crime diverso dos constantes na acusação e na pronúncia, além de agravarem os limites máximos das sanções aplicáveis. 10. Nos termos do art.º 359.º, n.º 1, do CPP, uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso, nem implica a extinção da instância. 11. O Tribunal a quo alterou os factos descritos na pronúncia, sem dar cumprimento ao disposto no referido art.º 359.º, do CPP, como se impunha. 12. Mas mesmo que se entendesse, o que se faz para facilidade de raciocínio e sem conceder, que a alteração realizada pelo Tribunal a quo se reconduziu ao uma mera alteração da qualificação jurídica, e por isso uma alteração não substancial dos factos descritos na pronúncia, aquele Tribunal estava obrigado a cumprir a disciplina do art.º 358.º, do CPP, o que também não fez. 13. Quer a alteração realizada pelo Tribunal a quo se considere uma alteração substancial dos factos descritos na pronúncia, quer se considere uma alteração não substancial desses factos, não foi dado cumprimento ao disposto no art.º 359.º, do CPP, nem no art.º 358.º, desse diploma legal. 14. Nos termos do art.º 379.º, n.º 1, al. b), do CPP, é nula a sentença que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º. 15. O Tribunal a quo condenou o Recorrente por factos diversos dos descritos na pronúncia, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º, pelo que, o acórdão recorrido é nulo, nos termos do art.º 379.º, n.º 1, al. b), do CPP, nulidade essa que se invoca, para todos os legais efeitos. 16. Verificada e declarada a nulidade invocada, devem os autos ser devolvidos ao Tribunal a quo para prolação de novo acórdão. 17. A condenação na pena acessória de expulsão do território, evidencia uma alteração, pelo menos, da qualificação jurídica, sem que tivesse sido dado cumprimento ao disposto no art.º 358.º, do CPP. 18. Na acusação foi requerida, ainda, a aplicação da pena acessória de expulsão, nos termos dos artigos 151.º, n.º 1 e 134.º, n.º 1, als. b), c), e), f), da Lei 23/2007, de 04.07. 19. O Tribunal a quo condenou o Recorrente na pena acessória de expulsão do território nacional, pelo período de 10 (dez) anos, nos termos conjugados do disposto no artigo 34.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e nos artigos 134.º, n.º 1, alíneas e) e f), 140.º, n.º 2 e 151.º, n.º 1, todos da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, com a redação da Lei n.º 29/2012, de 09 de Agosto. 20. A condenação por disposição legal constante de diploma diverso do constante da acusação (art.º 34.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro) e a inclusão do art.º 140.º, n.º 2, da Lei 23/2007, constituem uma alteração da qualificação jurídica sujeita à disciplina do art.º 358.º, do CPP. 21. O Tribunal a quo não deu cumprimento ao disposto no art.º 358.º, n.º 1 e n.º 3, do CPP, pelo que, nos termos do art.º 379.º, n.º 1, al. b), do CPP, o acórdão é nulo, nulidade essa que se invoca, para todos os legais efeitos. 22. Verificada e declarada a nulidade invocada, devem os autos ser devolvidos ao Tribunal a quo para prolação de novo acórdão. Sem prescindir, 23. Foram incorretamente julgados os pontos 281 a 336, dos factos provados. 24. No ponto 281 foi dado como provado: “Em dia não concretamente apurado por volta das 17.30 horas, hora da oração do pôr-do-sol para os muçulmanos, FF encontrava-se a atender uma cliente na loja, (uma mulher com as vestes a tapar-lhe a cara), que lhe tinha pedido, expressamente, para ser atendida.” 25. Nos factos provados nos pontos 281 a 336, inexiste qualquer referência temporal que permita concretizar a data de qualquer um destes factos ou sequer um lapso temporal razoável em que os mesmos possam ter ocorrido. 26. A janela temporal para a comissão dos factos ilícitos imputados ao Recorrente, situa-se entre agosto de 2014 e 07/03/2017 (pontos 10, 19 e 422, dos factos provados), ou seja um período superior a dois anos e meio. 27. A completa omissão da data da prática dos factos impede o exercício do direito ao contraditório e comprime, intoleravelmente, o direito de defesa do arguido, constitucionalmente consagrado, no art.º 32.º, n.º 1, da CRP. 28. Toda a matéria factual constante nos pontos 281 a 336, traduz-se numa mera imputação genérica, insusceptível de sustentar uma condenação penal. 29. Perante a indefinição temporal e consequente falta de comprovação da conduta do agente, devem os pontos 281 a 336, ser dados como não provados. 30. Ao decidir de forma diversa, o Tribunal a quo violou, por erro de interpretação, o disposto no art.º 32.º, n.º 1, da CRP. 31. Ao serem dados como não provados, os factos constantes dos pontos 281 a 336, impõese a absolvição do Recorrente do crime de guerra, relativo a FF. 32. Foram incorretamente julgados os pontos 8, 9, 21 a 24, 28 a 32, 39 a 46, 65, 67, 68, 70 a 94, 100 a 109, 186, 187, 202, 203, 233 a 236, 268 a 272. 33. Impõe prova diversa da recorrida, a ausência de prova segura e coerente e o depoimento da testemunha KKK, transcrito de fls.221 a fls.236, do Apenso DMF – Vol. II. 34. Inexistindo prova bastante para demonstrar os factos constantes dos pontos 8, 9, 21 a 24, 28 a 32, 39 a 46, 65, 67, 68, 70 a 94, 100 a 109, 186, 187, 202, 203, 233 a 236, 268 a 272, devem os mesmos ser dados como não provados. 35. Foi incorretamente julgado o ponto 19 e impõe decisão diversa da recorrida, as declarações do Recorrente, registadas em áudio das 10:31h às 13:04h, conforme ata de 07.12.2023 com a referência ...49: Minuto 7.52: Juiz: Porque voltaram a Mossul? Minuto 8.40: BB: Foi-lhes dito, em contacto com a vizinhança que quem tinha ocupado Mossul estava a ocupar as casas das pessoas. 36. Mediante a prova produzida, o ponto 19, deve passar a ter a seguinte redação: “19. Em Agosto de 2014, quando os combates mais intensos terminaram, os arguidos e a família deslocada, regressaram à cidade de Mossul.” 37. Foram incorretamente julgados os pontos 33 a 38, dos factos provados. 38. Impõe decisão diversa da recorrida, a ausência de prova bastante e segura as declarações do Recorrente (Registadas em áudio, das 10:31h às 13:04h, conforme ata de 07.12.2023 com a referência ...49: Minuto 21.36: BB: No Iraque, a disciplina de religião é estudada nas escolas, é matéria obrigatória. Não se aprende nas mesquitas Minuto 22.28: Juiz: Nunca fez um curso da Charia islâmica? BB: Não! Juiz: Conhecia PPP (PPP, estudioso islâmico)? BB: Conheço eu e todo o Iraque. Era um sábio religioso, Iman da mesquita conhecido antes da ocupação. Juiz: E depois? BB: Era juiz do Daesh Juiz: Teve contacto pessoal com PPP? BB: Não! 39. Os pontos 33 a 38, devem passar para os factos não provados. 40. Foram incorretamente julgados os pontos 361 a 374, dos factos provados. 41. Impõem decisão diversa da recorrida, os depoimentos das testemunhas “L”, constante de fls.255 a fls.274, do Apenso DMF – Vol. II e DDD, constante de fls.144 a fls.172, do Apenso DMF – Vol. I. 42. Os pontos 361 a 374, devem passar para os factos não provados. 43. Foram incorretamente julgados os pontos 414 a 418, dos factos provados. 44. Impõe prova diversa da recorrida, a ausência de prova segura e coerente, sobre a ocorrência destes factos. 45. Os pontos 414 a 418, devem passar para os factos não provados. 46. Foram incorretamente julgadas as alíneas a) a r), dos factos instrumentais e os factos 419 a 436, dos factos provados. 47. Impõe prova diversa da recorrida, o depoimento da testemunha “L”, constante de fls.255 a fls.274, do Apenso DMF – Vol. II. 48. As alíneas a) a r), dos factos instrumentais e os factos 419 a 436, devem passar para os factos não provados. 49. Foram incorretamente julgados os pontos 437 a 467, dos factos provados. 50. Impõem decisão diversa da recorrida, os depoimentos das testemunhas “L”, constante de fls.255 a fls.274, do Apenso DMF – Vol. II e DDD, constante de fls.144 a fls.172, do Apenso DMF – Vol. I. 51. Os pontos 437 a 467, devem passar para os factos não provados. 52. Alterando-se a matéria de facto, nos termos constantes do presente recurso, deve o Recorrente ser absolvido da prática dos crimes pelos quais foi pronunciado. Sem prescindir, 53. Nos termos do artigo 33.º, n.º 6, da CRP, “Não é admitida a extradição, nem a entrega a qualquer título, por motivos políticos ou por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física.” 54. Está provado nos autos a existência de um processo judicial a tramitar no Iraque, em que o Recorrente é visado, pelo que, caso o este venha a ser expulso com destino àquele país, o mesmo pode ser perseguido, ofendido gravemente na sua integridade física ou morto. 55. A testemunha BBB, cujas declarações se encontram a fls. 5046 a 5065, do apenso de traduções das declarações para memória futura, afirmou: “(…) J – Qual é a profissão do Sr. BBB? T- Polícia afiliado ao Ministério da Administração Interna. J - Pode, por favor, indicar-nos o seu domicílio profissional? T-Anti-Crime (Combate ao Crime) de Nínive. (…) J - Sra. Intérprete, pergunte basicamente se tem conhecimento... O Senhor está a ser inquirido, na qualidade de testemunha, num processo-crime que está a correr em Portugal, em que tem qualidade processual de arguido o Sr. AA e o Sr. BB. A primeira pergunta é se o senhor temconhecimento que no Iraque esteja a correr ou tenha corrido no passado qualquer processo, designadamente de natureza criminal, em que estes senhores fossem visados. Esta é a primeira parte da pergunta. T - Não tenho conhecimento de que corra em tribunal iraquiano, mas havendo em qualquer tribunal do Iraque, fosse onde fosse, eu iria testemunhar contra eles, pois são Daeshianos e não merecem viver. (…)” 56. O depoimento desta testemunha, conjugado com o contexto legal do Iraque e o facto de, naquele país a pena morte ser uma pena legal, evidencia que, caso o Recorrente volte para o Iraque, lhe será aplicada a pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física. 57. Nos termos do art.º 143.º, n.º 1, da Lei 23/2007, de 4 de julho, o afastamento coercivo e a expulsão não podem ser efetuados para qualquer país onde o cidadão estrangeiro possa ser perseguido pelos motivos que, nos termos da lei, justificam a concessão do direito de asilo ou onde o cidadão estrangeiro possa sofrer tortura, tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 58. O Recorrente tem fundado receio de vir a ser perseguido, caso volte ao Iraque e está demonstrado e provado nos autos que esse receio é fundamentado. 59. Estão verificados os pressupostos para, em caso de expulsão, o Recorrente beneficiar da garantia de não voltar para o Iraque e de ser encaminhado para outro país que o aceite, nos termos do n.º 3, do art.º 143.º, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho. 60. Ao decidir de forma diversa, o Tribunal a quo violou, por erro de interpretação, o disposto no art.º 33.º, n.º 6, da CRP e art.º 143.º, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho. 61. O Recorrente não tem antecedentes criminais registados em Portugal, não havendo notícia que os tenha no seu país de origem ou em qualquer outro. 62. Não há notícia da pendência de quaisquer outros processos ou procedimentos criminais contra o mesmo. 63. Resultou provado (ponto 29) que foi mediante a influência e o recrutamento do irmão CC, que o Recorrente passou a ocupar posição ao serviço do Estado Islâmico. 64. O irmão CC era irmão mais velho, sendo que na cultura do Recorrente se verifica uma forte subordinação, em razão da idade. 65. O Recorrente saiu de Mossul em 07/03/2016 (ponto 422), no dia 14/03/2016, estava na Turquia (ponto 437) e entre 17/03/2016 e 19/03/2016, chegou à Grécia (ponto 443). 66. Pelo menos desde 07/03/2016, que o Recorrente abandonou, voluntariamente, a atividade relacionada com o Estado Islâmico. 67. Ao abrigo do disposto no art.º 71.º, nos. 1 e 2, do CP, impõem-se uma redução da pena aplicada, porquanto, o Recorrente beneficia de diversas atenuantes, nomeadamente, a sua conduta anterior e posterior à prática dos crimes. 68. Em obediência aos artigos 29.º, nos. 1, 3 e 4, do CRP e 2.º, n.º 1 e n.º 4, do CP,são as leis vigentes na data da prática dos factos e cujos regimes, em bloco, se mostram mais favoráveis, que se impõe que sejam aplicadas ao Recorrente. 69. No que respeita ao art.º 2.º, da Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto, a redação em vigor na data dos factos, era a redação dada pela Lei n.º 25/2008, de 05 de Junho, uma vez que este artigo apenas veio a ser alterado pela Lei n.º 52/2003, de 22/08 e retificado pela Retificação n.º 16/2003, de 29/10. 70. Na redação vigente na data dos factos, o referido artigo dispunha no seu n.º 5, o seguinte: “5 - A pena pode ser especialmente atenuada ou não ter lugar a punição se o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir consideravelmente o perigo por ela provocado ou auxiliar concretamente na recolha das provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis.” 71. Estando provado que o Recorrente abandonou voluntariamente a sua atividade, cerca de 8 anos antes da data da condenação, mostram-se reunidas as condições para o isentar de punição ou, pelo menos, para atenuar especialmente a pena, nos termos dos artigos 72.º, n.º 1 e 73.º, do CP. 72. A moldura penal abstrata aplicável passa, então, a ser 1 ano, 7 meses e 9 dias de prisão a 10 anos de prisão. 73. A fixação da pena correspondente ao crime de guerra, deve também refletir as atenuantes acima referidas, com especial relevo para o abandono da atividade há cerca de 8 anos atrás. 74. A idênticos casos julgados em Tribunais de outros Estados Membros, são aplicadas penas significativamente mais baixas, do que as aplicadas nestes autos. (cfr. “Relatório do Secretariado da Rede de Genocídio”, Edição de Maio de 2020 e consultável em www.genocidenetwork.eurojust.europa.eu). 75. Essa divergência é incompreensível, quer à luz do Direito e dos seus princípios, quer perante os princípios da União Europeia, quer, sobretudo, ao olhar e interpretação do cidadão, homem médio. 76. O Tribunal a quo ao decidir como decidiu, violou, por erro de interpretação, o disposto no art.º 2.º, da Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto, na redação em vigor na data dos factos, era a redação dada pela Lei n.º 25/2008, de 05 de Junho e os artigos 71.º, 72.º, n.º 1 e 73, todos do CP. NESTES TERMOS e nos mais e melhores de direito, que V. Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado integralmente procedente, com todas as legais consequências. Assim se fazendo a habitual JUSTIÇA!” 1.3. Respostas aos recursos Regularmente admitidos os recursos (6maio2024 - ref. ...47) e de tal notificados, respetivamente, o Ministério Público e os Arguidos AA e BB junto do Tribunal a quo , responderam: 1.3.1. Arguido AA - com entrada a 9julho2024 (ref. ...26) - aqui não se valorando e, como tal, dispensando a pessoalidade colocada pelo Arguido na sua peça processual - pugnando no sentido da improcedência do recurso interposto pelo Ministério Público, não formulando conclusões. 1.3.2. Arguido BB - com entrada a 12julho2024 (ref. ...38), pugnando no sentido da improcedência do recurso interposto pelo Ministério Público, formulando as conclusões que se transcrevem: (SIC…idem) 1. “A decisão recorrida, na parte em que absolve o Recorrido de parte dos crimes pelos quais foi acusado, estando, nessa parte, bem estruturada e bem fundamentada, dela se extrai, sem qualquer esforço, o processo lógico-racional que presidiu a tomada dessa decisão, nomeadamente, quanto ao acervo probatório constante dos autos. 2. A decisão recorrida, na parte em que decide verificar-se um concurso aparente, no que tange aos factos relativos ao ofendido FF, aplicou bem o direito, não violando qualquer norma legal, nomeadamente, o art.º 30.º, n.º 1, do CP. 3. No acórdão, foram considerados, e bem, como não provados os factos constantes das alíneas a) a q) e também das alíneas r) e s), do subtítulo “2.2. Factos não provados”. 4. Contrariamente ao afirmado pelo MP, quer a prova pré-constituída, quer a prova produzida em audiência, impôs a decisão alcançada sobre esta parte da matéria de facto. 5. Não se pode afirmar que a testemunha MM possa confirmar que as testemunhas falaram verdade, porque apenas o poderia fazer se tivesse tido conhecimento direto dos factos que relataram. 6. Uma testemunha, não é um polígrafo, independentemente da idoneidade que tenha ou do cargo que ocupe. 7. As testemunhas em causa não foram coerentes em boa parte das declarações que prestaram e, por isso, os seus depoimentos não podiam ser considerados para alcançar uma condenação. 8. Esses depoimentos estão pejados de contradições, como assinalado no acórdão recorrido e realçado na motivação supra. 9. A condenação sofrida por LL, na sequência da queixa apresentada por TT, nada tem a ver com o Recorrido, pois, todos os pagamentos realizados têm como descritivo uma indemnização à mulher, filha do queixoso. 10. Ficou demostrado, à saciedade, que as contradições e imprecisões entre os diversos depoimentos são de tal magnitude, que não é possível valorá-los, na parte em que aludem a supostos intervenientes nos factos, como é o caso do Recorrido. 11. Assim, quanto aos factos não provados, a decisão recorrida não merece reparo, pelo que, em consequência, deve o recurso do Ministério Público improceder, mantendo-se, nesta parte, a decisão recorrida. 12. No caso em presença, a privação da liberdade teria sido o meio utilizado para a consumação das ofensas à integridade física, que não traduz uma privação de liberdade direta e autonomamente empreendida e diferida no tempo, mas sim um ato de privação perpetrados pelos simultaneamente àquelas ofensas. 13. No caso dos autos, a manter-se a condenação, existe concurso aparente e prevalece o crime dominante, que é o “crime-fim”. 14. Conclui-se, assim, neste tipificado pelo não preenchimento de tipos penais distintos, devendo, caso subsista a condenação, a mesma ser apenas por um, conforme decidido pelo Tribunal a quo. 15. A decisão recorrida, a manter-se, na parte em que decide verificar-se um concurso aparente, no que tange aos factos relativos ao ofendido FF, não violou qualquer norma legal, nomeadamente, o art.º 30.º, n.º 1, do CP. 16. Em face do exposto, e também nesta parte, deve o recurso do Ministério Público improceder. 17. Em obediência ao disposto no art.º 71.º, nos. 1 e 2, do CP, caso se mantenha uma condenação o que se admite por cautela de patrocínio, reafirma-se que se impõem uma redução das penas aplicadas. 18. O Recorrido beneficia de atenuantes relativas à sua conduta, nomeadamente, a sua conduta anterior e posterior à prática dos crimes, 19. Além de que, a manter-se a decisão, é indiscutível que teria abandonado voluntariamente a atividade que lhe é imputada, cerca de 8 anos antes da data da condenação, mostrando-se reunidas as condições para o isentar de punição ou, pelo menos, para atenuar especialmente a pena, nos termos dos artigos 72.º, n.º 1 e 73.º, do CP. 20. A Jurisprudência de diversos Tribunais da União Europeia, em casos idênticos, que revela penas substancialmente mais reduzidas, em casos idênticos. 21. Comparando os casos idênticos julgados em Tribunais de outros Estados Membros, avulta a divergência do quantum das penas aplicadas nesses países, face às penas aplicadas nos presentes autos, sendo aquelas significativamente mais baixas. 22. Essa divergência afigura-se incompreensível, quer à luz do Direito e dos seus princípios, quer perante os princípios da União Europeia, que, sobretudo, ao olhar e interpretação do cidadão, homem médio. 23. Dessa comparação emerge uma enorme desproporção nas penas concretamente aplicadas nestes autos, que se revelam muito superiores às aplicadas, em idênticos casos, ao longo da Europa e por países integrantes da União Europeia. 24. Caso se mantenha a condenação e sem conceder, devem as penas parcelares aplicadas e a pena única ser substancialmente reduzidas, conforme pugnado em sede de recurso. 25. O recurso interposto deve, assim, improceder in totum. 26. Em tudo o mais, mantemos, refirmamos e concluímos, como no recurso apresentado. NESTES TERMOS e nos mais e melhores de direito, que V. Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores doutamente suprirão, deve o recurso interposto pelo Digno Ministério Público improceder, in totum, mantendo-se em tudo o mais o que verteu em sede de recurso, concluindo-se, como aí, pela absolvição do Arguido BB.” 1.3.2. Ministério Público - com entradas a 9julho2024 (ref.s ...78 e ...51, respetivamente), pugnando no sentido da improcedência dos recursos interpostos pelos Arguidos AA e BB, apresentou individuais respostas, formulando as conclusões (sintéticas e adequadas) que se transcrevem: 1.3.2.1 Ao recurso do Arguido AA (SIC…idem) 1. “Relativamente à qualificação jurídica referida no dispositivo do acórdão, verifica-se um lapso de escrita que deverá ser retificado ao abrigo do disposto no art. 380.º, n.ºs 1, al. b) e 2 do CP, e o arguido condenado por 1 (um) crime de organizações terroristas (adesão a organização terrorista), previsto e punido pelos artigos 1.º, 2.º, n.º 1, alínea a), b), c), d), f), e n.º 2, 3.º, n.º 1 e n.º 2, da Lei n.º 52/2003, de 22-08, na redação da Lei n.º 17/2011, de 03-05, tal como consta da pronúncia. 2. O mesmo se refira quanto à pena acessória de expulsão, devendo o lapso ser igualmente retificado, ao abrigo da mesma disposição legal, devendo esta condenação fundamentar-se no disposto nos artigos 134.º, n.º 1, alíneas e) e f) e 151.º, n.º 1, todos da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, com a redação da Lei n.º 29/2012, de 09 de Agosto, tal como resulta do despacho de pronúncia. 3. O arguido AA discorda da sua condenação pela prática de um crime de adesão a organizações terroristas, p.p pelas disposições acima referidas, bem como da pena acessória e de expulsão e ainda da medida da pena. 4. Defende que a prova em que se baseou o Tribunal a quo reside no depoimento das testemunhas ouvidas para memória futura, mas que tais declarações são contraditórias e sem credibilidade, e que inexiste qualquer prova documental, ou outra, que permita concluir que o arguido aderiu alguma vez ao Estado Islâmico, que atribui a ter sido visto com um irmão membro do EI, e que essas mesmas declarações o excluem dos factos objeto do processo, impugnando os factos provados com os n.ºs 21, 22, 24, 28 a 31, 40, 47, 58, 59 a 64, 69, 75, 79, 80, 95 a 102, 105 a 108, 167, 202 e 203, 402 a 404, 685 a 694, 698 e 703. 5. Alega que a sua orientação sexual e religiosa são impeditivas de tal adesão e basicamente nega ter aderido, participado, simpatizado ou sequer pesquisado sobre o Estado Islâmico. 6. Mais alega que não se mostram verificados os elementos do tipo do crime de adesão a organização terrorista; que no Iraque não existia nenhum processo contra o recorrente, tendo sido as autoridades portuguesas que pediram ao Iraque que “fossem tomados depoimentos a testemunhas para memória futura”. 7. Defende a aplicação ao seu caso do princípio in dubio pro reo, remetendo para os arts. 32º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, 11.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, 14.º n.º 2 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e 5º n.º 2 Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 8. E que ao condená-lo o Tribunal a quo violou os artigos 2.º n.º 1 alínea a) e n.º 2, 3.º, 4.º n.º 1 e n.º 10 e 8.º n.º 1 da Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto (com as alterações e aditamentos introduzidos através da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, da Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho e da Lei n.º 17/2011, de 3 de Maio). 9. Alternativamente, ainda desenvolve uma outra linha de raciocínio que passa por defender que em Março de 2016 abandonou voluntariamente a organização Estado Islâmico. 10. E que já passaram mais de 8 anos sobre a data da prática dos factos e que deveria o Tribunal a quo ter dispensado o Recorrente da pena, por ter abandonado voluntariamente a organização, ou, então, a atenuação especial de pena. 11. Foram violados no seu entender os artigos 70º, 71º, 72º, 73º, do Código Penal e 2º, n.º5 da Lei n.º 52/2003, de 22 de agosto. 12. Discorda da aplicação da pena acessória de expulsão, alegando que se voltar ao Iraque será morto e que não constitui qualquer perigo para Portugal, onde se encontrava com autorização de residência e integrado, pelo que o tribunal a quo violou os artigos 33º da Constituição da República Portuguesa, bem como o artigo 151º da Lei n.º 23/2007, pelo que deve esta decisão ser revogada. 13. A atuação do recorrente AA não se confunde em momento algum com a atuação do seu irmão CC, que, aliás, não foi julgado nos presentes autos. 14. Carece de qualquer valor probatório a mera afirmação de que por ser homossexual o arguido nunca poderia aderir e pertencer ao Daesh, tanto mais que resultou apenas provado ter iniciado em 2017 um relacionamento amoroso com um indivíduo do sexo masculino e que o arguido tinha armazenadas muitas fotografias do período que passou na Grécia, em particular, as referentes a uma relação amorosa que manteve com uma mulher ... chamada QQQ que efetuava voluntariado na Grécia – cf. 5213, fls. 9, B2, do Apenso de Busca F e, fls. 20 a 30 do Apenso I., país onde nada o impedia de assumir a sua orientação sexual ou o obrigasse a manter um relacionamento com uma pessoa do sexo feminino. 15. A prova produzida nos autos, relativa à sua atuação no Iraque no período em causa, bem como o calendário do Ramadão guardado no seu telemóvel (cfr.Auto de análise de prova digital, fls. 4278) contrariam a sua afirmação de que não é Salafista, Ortodoxo ou Muçulmano, não crente não pertencente a qualquer organização de cunho terrorista, nomeadamente o Daesh ou Estado Islâmico. 16. O arguido e ora recorrente descontextualiza, ressaltando apenas o que é do seu interesse, as declarações das testemunhas inquiridas, que utiliza para fundamentar as suas alegações. 17. Decorre da análise das declarações das testemunhas GG e do seu filho LL, que o ofendido GG, no momento da detenção do seu filho LL, desconhecia os nomes e alcunhas ou apelidos familiares dos arguidos, por isso tendo dito que não os conhecia pois é o nome e apelido familiar que equivale a dizer que se conhece determinada pessoa, mesmo que a tenha visto anteriormente. 18. Pequenas diferenças entre as declarações de pai e o filho ficaram esclarecidas aquando da acareação e são totalmente justificáveis face aos anos que passaram e emoção que sentiram ao depor, sobretudo da vítima GG de idade avançada, sendo certo que o Tribunal a quo deu como provado que a vítima GG só conheceu a identidade dos arguidos quando o filho estava detido. 19. Como decorre aliás, do ponto 233 dos factos provados: «Com efeito, em data não apurada mas antes de ter entregado os documentos na rotunda, dirigiu-se a casa do mesmo, para falar com ele, local onde estavam CC e BB e AA vindo a tomar conhecimento da sua identidade, designadamente que eram BB e AA e que eram irmãos.» 20. Como se defende no recurso interposto pelo Ministério Público, «LL só veio a saber quem eram, ou seja, como se chamavam, aquando da segunda reunião, 10 dias depois da sua libertação, tal como explicou insistentemente!» (cfr. alegações do Ministério Público) 21. Esta situação decorre da maior limitação da tradução oral, efetuada em simultâneo e enquanto decorriam as declarações para memória futura, mas confrontando com a tradução escrita, posterior e após audição de tais declarações: 22. «Da leitura da tradução integral das DMF da vítima GG, resulta que este tinha referido, logo no início da diligência de DMF, que «Depois, deu-nos um prazo até ao dia seguinte. No dia seguinte, veio à procura do LL. Vieram a casa o CC, o AA e o BB», imputando aos três irmãos os factos relativos à ida a sua casa. 23. Com o desenrolar da inquirição, aparentemente, deixou de referir o arguido BB como tendo ido à sua casa, para, logo que percebeu o lapso do seu depoimento ou do entendimento por parte do Tribunal português, o corrigir. 24. Basta a leitura das declarações para se perceber que estava convencido que se estava a referir ao arguido BB, tal como tinha referido logo no início, não podendo tal ser sequer valorizável como alterações do seu depoimento, uma vez que é totalmente percetível que assim não se passou. 25. E se esse juízo é admissível por parte do Juiz de Instrução, pois não tinha tido, ainda, acesso à tradução integral de tal depoimento, não é admissível para o Tribunal do Julgamento que teve acesso à tradução integral! »Cfr. alegações de recurso do Ministério Público 26. Carece o arguido de razão quando refere que estas testemunhas não possuem credibilidade quer porque o tribunal a quo apenas desconsiderou parte da suas declarações e, como defendido, erradamente, quer porque as alegadas diferenças são resultado das diferenças entre a tradução oral e a tradução escrita, sendo esta última que deverá ser considerada por mais completa. 27. No que respeita ao uso do traje afegão pelo arguido AA é normal que este o não tivesse vestido todos os dias e a todas horas do dia, bem como sénormal não ser visto sempre em atos de fiscalização dos residente em Mossul, 28. O arguido, foi visto, ao serviço do Estado islâmico vestido com o traje afegão e sem estar vestido com o fato afegão, nomeadamente quando se sentava na rotunda ... a recolher informações, à civil, dissimulado, como informador, funções aos serviço do EI, por pertencer à Al Amniyah (serviço de informações), como resulta do facto provado 99. 29. O arguido reproduz excertos de declarações da testemunha AAA Fls. 3724 a 3729 – Vol. 13, com as quais visa demonstrar não ter pertencido ao Estado Islâmico em virtude desta testemunha se ter referido a ele como “uma pessoa normal”, mas em tais declarações esta testemunha referia-se ao período anterior à entrada do Daesh em Mossul (cfr. fls. 98 do Apenso DMF). 30. O recorrente omite parte do texto, o que é manifestamente grave mas ao mesmo tempo revelador da validade dos seus argumentos. 31. Alega o arguido que nenhuma das testemunhas esclareceu em que momento frequentou o curso do Daesh, quando, onde e como. 32. As declarações da testemunha DDD, Coronel da Policia do Iraque (cfr. fls. 152, do vol1 do apenso DMF), com base no seu conhecimento indireto, mas comprovado através das fontes de tal conhecimento, também elas inquiridas, tratando-se, pois, de declarações valoradas nos termos do disposto no art. 129.º do CPP. 33. As testemunhas, desde logo a referida pelo arguido, CCC, declararam o que era do seu conhecimento a este respeito; 34. A testemunha BBB (Apenso DMF-Tradução, 1º Volume, folhas 141) referiu tal curso, que situou em 2014, a frequência por parte do arguido e também a sua expulsão, bem como a testemunha DDD, igualmente explicando a sua razão de ciência e a testemunha EEE. 35. Tais declarações, em articulação com os restantes meios de prova, mereceram a credibilidade pelos motivos expostos no acórdão e com o qual, nesta parte, se concorda. 36. A frequência do referido curso ocorreu durante o período dos factos, no seu início e obviamente, atento o tipo de organização em causa, o seu caráter e o facto de tal organização ter ocupado Mossul contra a vontade da maioria dos seus residentes bem como das respetivas autoridades, e a formação que tal curso pretendia dotar os que o frequentavam, era sigilosa. 37. Não é suposto e contraria as mais elementares regras da experiência comum que um curso desta natureza, nas circunstâncias em que decorria e com os objetivos subjacentes estivesse exposto em documentos escritos ou em publicidade nos órgãos de comunicação social oficial da própria organização, como o arguido bem sabe. 38. Defende o arguido AA que a maior parte das testemunhas não o viram usando uma arma, esquecendo certamente aquelas que o viram nessas circunstâncias. 39. A prova testemunhal produzida, por força da própria cultura das testemunhas, caracteriza-se por ser rigorosa, sendo que algumas das testemunhas o viram armado e outras não, o que só confere credibilidade a estes testemunhos e é compatível com o normal acontecer da vida 40. Prestaram declarações neste sentido a testemunha OO, constantes de fls. 302 do Apenso DMF, as vitimas LL, GG e NN, a fls. 213 do Apenso DMF, 41. Resultando provado que «69. À semelhança do seu irmão, por vezes, AA trazia consigo, à vista de terceiros, uma metralhadora ....» 42. Decorreu da prova produzida em sede de audiência de julgamento que em Mossul, durante 2015, quando se encontrava na zona da rotunda ..., no bairro ..., AA celebrou a Libertação de Al Ramadi (assim chamada pelos membros do Estado Islâmico), ou seja, a libertação da cidade de Al Ramadi do poder do Governo iraquiano, em 2015. 43. «403. AA, visivelmente contente, celebrou, vestido com o traje afegão, com um turbante na cabeça, trazendo uma arma visível, juntamente, com mais sete ou oito membros do Estado Islâmico, todos vestidos com o traje afegão e armados. AA foi entrevistado, naquele momento, por outros membros do Estado Islâmico e elogiou aquela organização terrorista, no que foi filmado pelos respetivos membros e gritou Allahu Akbar!, ou seja, Alá é grande!» 44. Tal prova decorre das declarações das testemunhas DDD - Fls. 4456 a 4458 – Vol. 16 - Transcrição/Tradução: Apenso DMF- que visionou não um mas dois vídeos, identificou o título do vídeo que diz respeito à situação mencionada - «A Euforia dos muçulmanos pela libertação de Al Ramadi», bem como o canal em que foi exibido - Canal ...», bem como o primeiro vídeo que consta dos autos e é referido como o vídeo da Moeda. 45. Bem como das declarações prestadas pela testemunha KKK (cfr. fls. 193 do Apenso das DMF) que referiu ter conhecimento de que AA aparece no vídeo. 46. Não carecem os autos do vídeo, porque o seu conteúdo foi descrito, com pormenor, foi identificado o canal de comunicação em que foi publicitado, o título e a atuação concreta do recorrente AA. 47. Não causa estranheza tal vídeo não ter sido encontrado e junto aos autos na medida em que a maior parte da propaganda do Estado Islâmico foi destruída e a página de facebook “Livres de Ninive” foi alvo de vários e sucessivos ataques por parte do Estado Islâmico com vista à sua desativação. 48. No que respeita aos factos provados 21, 29, 30, 60, 61, 63, 64, 75, 79, 80, 95, 96, 97, 98, 99 e 167 refere o arguido que a prova aponta em sentido contrário a tais factos, defendendo que nenhum documento foi apreendido e que as testemunhas foram praticamente unânimes em reconhecer que o arguido não pertenceu ao EI. 49. O arguido fugiu do Iraque e pretendeu sempre esconder os factos que ali praticou, não sendo expectável que se fizesse acompanhar na fuga e quando dá entrada no continente europeu de nenhum tipo de documento ou elemento que o ligasse ao Estado Islâmico. 50. Pelo contrário, as declarações que prestou foram no sentido de apresentar uma história de vida que não o ligasse a tal organização e, como sabemos, contendo todo um conjunto de informações falsas, até sobre a própria família e elementos passíveis de verificação. 51. Como resulta das declarações de diversas testemunhas o arguido foi visualizado, observado e algumas em contato direto, em situações nas quais claramente integrava grupos de elementos do EI. 52. A prova deve ser apreciada no seu todo e nem todos aqueles que são ouvidos sobre determinadas situações têm de ver, ouvir ou dizer o mesmo, até porque se referem momentos diferentes, nomeadamente antes e depois da saída dos arguidos de Mossul, como resulta das declarações da testemunha AAA que a certo ponto do seu depoimento se refere ao período antes da ocupação de Mossul pelo Daesh. 53. O arguido critica as declarações da testemunha OO, cujo depoimento se encontra transcrito no Apenso DMF Tradução – Declarações para Memória Futura, Volume 2, folhas 299, porque relativamente à situação ocorrida com a vítima LL relata factos que nem o próprio relatou, reportando-se à menção desta testemunha de que foram arrancadas unhas à vítima LL enquanto esteve preso nas instalações da Al Hisba. 54. Tal facto não foi imputado a nenhum dos arguidos, o que é mais uma demonstração do rigor com que os factos imputados aos arguidos foram descritos pelas testemunhas. 55. Por outro lado, devemos necessariamente levar em linha de conta que estamos em presença de uma vítima de crimes de guerra e de atos de tortura, o stress pós-traumático que este tipo de vítimas vivencia, o sofrimento insuportável que é revivido cada vez que têm de relatar o que lhes sucedeu, a forma como a nossa memória tende a apagar as piores recordações por uma questão de pura sobrevivência emocional, pelo que é perfeitamente natural que a vítima LL não se tenha lembrado ou não tenha querido reviver o momento em que lhe arrancaram unhas quando esteve detido, quando relatou tantas sevícias e torturas de que foi alvo mas decorrente da atuação dos arguidos. 56. Seis testemunhas inquiridas em sede de declarações para memória futura - GG; BBB; EEE; CCC; OO e FF viram o arguido AA vestido com o traje afegão. 57. Foram várias as testemunhas que o viram trajado, armado e ao serviço do Estado Islâmico, como descreveram, sem qualquer interesse próprio na condenação do recorrente, sem qualquer ligação entre si ou com a família B..., pelo que merecem toda a credibilidade e a formação de um juízo de certeza quanto à prática dos factos que integram o crime de adesão a organização terrorista como o Tribunal efetuou. 58. O arguido participou em fiscalizações e ações concretas ao serviço do Estado Islâmico, sem estar vestido com o traje afegão, como aconteceu na situação referida na rotunda, para além de se encontrar retratado e a participar ativamente nos vídeos de propaganda, um deles constantes dos autos, e desempenhar funções no departamento de viagem, o que resulta corroborado pelo percurso de fuga efetuado, com paragem em Al Raqqa, apenas era possível aos membros do Daesh por estar assegurada a sua segurança. 59. O arguido BB exercia funções na Al Hisbah, polícia de costumes, pelo que tinha maior exposição pública do que o arguido AA que, por vezes efetuava fiscalizações, mas, noutras vezes, desempenhava funções na Al Amnyiah (serviço de informações), no departamento de proibição de viagem e, sem vestir o traje afegão, recolhia informações na rua, de forma dissimulada, como refere a testemunha FF. 60. Embora a exposição do arguido BB fosse maior, tal não significa que o papel do arguido AA ao serviço do estado Islâmico fosse ou seja menor ou menos importante da mesma forma que não significa que as testemunhas que viram o recorrente em funções ao serviço do estado islâmico não tenham credibilidade. 61. Estranho seria se todas as testemunhas tivessem prestado declarações semelhantes, pois isso sim não se mostra compatível com o dia a dia das pessoas daquela cidade e naquele período que, não esqueçamos, foi de guerra e opressão. 62. Toda a prova produzida vai no sentido do traje afegão ser exclusivo dos membros do Daesh, aliás, como próprio arguido afirmou no seu interrogatório judicial e é corroborado pelas fotografias juntas aos autos (relatório final da PJ, figuras 1 e 2, pelo vídeo junto aos autos relativo à moeda que foi cunhada pelo EI mas que não chegou a entrar em circulação e no qual o arguido AA participou, bem como em literatura em fontes abertas cujo link se encontra mencionado na motivação), 63. Tendo sido esclarecedores os depoimentos das testemunhas SS, MM e diversas testemunhas (Vítima LL, a fls. 17 Apenso DMF, “O traje era Kandahari, ou seja, afegão, como usavam os Daeshianos.” – vítima GG, a fls. 32 verso apenso DMF, “(…) traziam o traje afegão, a que nós chamamos de Kandahari.” – resposta da testemunha a pergunta feita sobre o que vestiam BB, AA e CC quando foram a sua casa. – vítima LL a fls. 17 Apenso DMF). 64. No que respeita ao denominado vídeo da moeda, foi analisado conforme resulta do auto de visionamento e análise de registo de imagens de fls. 2709 a 2715. 65. Ouve-se em tal registo um cântico árabe – nashed, bem como comentários dos participantes, que foram devidamente traduzidos conforme resulta de fls. 2716. 66. Trata-se de um vídeo de propaganda oficial do Estado Islâmico, difundido através do canal de comunicação do EI, a Agência AMAQ, foi retirado do canal ... em 2015, pela testemunha Coronel DDD, e publicado por elementos dos “Livres de Ninive” na sua página de facebook, um dos poucos ou único meio para transmitir informação à população, tendo sido aposta a frase “«Para não nos esquecermos de quem festejou com os daeshianos». 67. Na mesma página de facebook foi publicado um fotograma do arguido AA, extraído deste vídeo, reconhecido pelo próprio arguido como sendo a sua imagem e a sua pessoa e ter sido filmado em 2015/16. 68. Foi filmado num restaurante, no qual os funcionários usavam farda e não se visualiza nenhuma pessoa vestindo tal farda, pelo que a versão do arguido de que estaria a trabalhar quando entraram no local os elementos do Estado Islâmico tendo de imediato começado a filmar não possui credibilidade nem é compatível com a realização de um vídeo de propaganda oficial do Estado Islâmico. 69. O recorrente AA, naquela data, era irmão de um Emir do Estado Islâmico (cfr. Informação de fls. da NCB - INTERPOL Bagdade sobre CC de fls. 3982 e 3983, 3987 e 3988 dos autos), pelo que, segundo as regras da experiência e normalidade da vida, não seria certamente coagido a participar. 70. O vídeo da moeda foi objeto de análise através de programas de GEOINT que permitiu apurar que foi filmado num restaurante, perto da Universidade de Mossul e do Departamento de Proibição de Viagem do Estado Islâmico onde, segundo a testemunha GG AA trabalhava (cfr. factos dados como provados nº 387.) 71. No vídeo o arguido AA não se encontra vestido com o traje afegão o que conforme resulta das declarações da testemunha Coronel DDD a fls. 151 DMF era propositado, pois a organização vestia aos «seus membros roupas de civis para parecerem como civis eufóricos com eles e fazendo apologia.» e das declarações da testemunha MM e Prof. RRR. 72. O vídeo original, anterior à edição efetuada pelo grupo “Livres de Ninive” foi recebido nos autos via Operação ... (estrutura militar multinacional sediada numa base militar na Jordânia, cujo foco inicial foi a monitorização dos fluxos de Foreign Terrorist Fighters (FTF), combatentes terroristas estrangeiros, para os territórios da Síria e do Iraque, incluindo, agora, o regresso dos mesmos aos seus países de origem, sendo um dos seus objetivos recolher e disponibilizar aos diversos países que fazem parte deste projeto, dados (registos fotográficos, documentos, ficheiros ou suportes informáticos, perfis ADN, entre outros que foram recolhidos em cenários de conflito), integrada por representantes de diversas entidades oficiais norte americanas) e FBI – cf. termo de juntada a fls. 4233, 4234, 4236, 4240, 4241, 4242, 4243, 4244, 4245. 73. As provas recolhidas na Operação ... tem sido utilizadas e tidas como válidas em vários processos judiciais, na Europa e EUA (por exemplo o processo da Ângela Barreto (mulher de Fábio Poças), Hicham Al Hanafi condenado a 30 anos de pena de prisão (8 vídeos provenientes da Operação ...) ou no processo dos ataques de Paris, designadamente no ataque ao Bataclan.). 74. O EI continua a lançar vídeos semelhantes como propaganda, em todo o mundo mantendo o mesmo grafismo, como exemplo, o vídeo publicado pelo EI da Província da África Ocidental - « The generation os empowement, na página 5, do nº 322 da Revista Semanal do EI Al Naba, publicada no dia 221.01.2022 – cf. vídeo fls.4254 75. O vídeo foi junto aos autos com expressa autorização do JIC e através de Carta Rogatória dirigida à Justiça Americana, com indicação expressa da custódia da prova. cf. Apensos CR2 e N, tendo sido validados pelo JIC cf. promoção e despacho judicial a fls. 5821 e 5973 e encontra-se traduzido a fls. 19 Apenso N. 76. A notícia do crime, proveniente da cidade de Mossul, onde os arguidos viviam, chegou a Portugal, sendo claras a regras da competência internacional, não tendo existido qualquer instigação por parte das autoridades portuguesas, sendo a expressão utilizada pelo arguido reveladora ou de desconhecimento ou de mais uma tentativa de distorção da realidade, pois refere-se ao mandato conferido pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas à UNITAD. 77. As declarações para memória futura foram prestadas perante o Tribunal Português. 78. Os factos considerados como provados relativamente ao arguido AA não ocorreram apenas no Iraque; identificou-se perante outros iraquianos como AA, prestou declarações junto do SEF que não corresponderam à verdade, tudo com o objetivo claro de passar despercebido e ocultar uma determinada fase da sua vida. 79. A prova produzida nos autos é extensa e clara, inexistindo qualquer razão para aplicação do principio in dubio pro reo, 80. A pretendida dispensa de pena ou atenuação especial da pena devido ao alegado abandono voluntário da organização EI, a mesma organização a que defende nunca ter aderido, carece de qualquer lógica e não tem qualquer suporte probatório 81. A fuga do arguido de Mosssul fez-se, por território controlado pelo Estado Islâmico, numa altura em que esta organização começava a perder terreno, e, portanto, a coberto e com a proteção do EI/Daesh, resultado da importância e influência dos arguidos nesta organização e pela possibilidade de virem a integral células adormecidas ou constituem lobos solitários na Europa, capazes de, caso determinado, agirem em nome do EI, do Daesh, da organização. 82. O arguido carece de razão no que respeita à pena em que pretende ser condenado que deve, aliás, corresponder aos termos requeridos pelo Ministério Público em sede de recurso, para o qual se remete e cujos termos se dão por reproduzidos. 83. A condenação do arguido na pena acessória de expulsão é correta, encontrando-se preenchidos os pressupostos legais, como bem referiu o Tribunal a quo, atenta a gravidade dos factos que praticou, a sua personalidade, não obstando a sua relativa integração social e autorização de residência com base nas declarações não verdadeiras que prestou ao SEF, porque se deslocou para território nacional precisamente porque praticou crimes no seu país, querendo passar-se por refugiado- Fuga ao ISI/ Estado Islâmico -a que ambos afinal pertenciam, considerando os bens jurídicos afetados com a atuação, o Modus operandi do Estado Islâmico, designadamente a dispersão de células adormecidas na Europa e apelo e incitamento aos lobos solitários; o Relatório de notícia do SIS de 25.10.2017, as muito elevadas exigências de prevenção especial relativamente aos arguidos, o modus operandi do Estado Islâmico, designadamente aos apelos globais efetuados pelos seus líderes, à permanência de células adormecidas nos países ocidentais e ao fanatismo da ideologia e crenças jihadistas salafistas sufragadas pelos arguidos. 84. Conforme igualmente considerou e bem o Tribunal a quo, «Caso as autoridades portuguesas tivessem tido conhecimento dos factos atrás descritos, cujo teor se dá por reproduzido, teriam obstado à permanência de AA em Portugal, por considerarem a mesma um perigo ou fundada ameaça para a segurança interna ou para a ordem pública, à semelhança da decisão que tomaram relativamente a BB. 85. E ainda «Os factos praticados pelos arguidos puseram e põem em causa, de forma muito grave, a ordem pública do Iraque, de todos os países ocidentais e, também, de Portugal, uma vez que afectam bens jurídicos protegidos à escala internacional. 86. Tudo conduzindo à conclusão que a presença dos arguidos em Portugal, afeta, de forma séria e grave, a segurança e a defesa de Portugal bem como os interesses e a dignidade do Estado português e dos seus nacionais. 87. O principio non bis in idem é um princípio universal do direito pelo que pelos factos dos presentes autos não será o arguido novamente julgado. 88. Verificando-se todos os requisitos, conforme exposto no acórdão recorrido, para a aplicação da pena acessória de expulsão do território nacional, o tribunal aplica, como aplicou, a pena em causa, nada referindo nem tendo de referir relativamente à execução desta pena, nomeadamente quanto ao país do destino, sendo essa execução da competência do Tribunal de Execução de Penas. 89. Não assiste razão ao arguido em nenhum dos seus argumentos, devendo o seu recurso ser julgado improcedente Termos em que deve a presente resposta ser recebida, e o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, devendo ser condenado nos termos peticionados pelo Ministério Público em sede de recurso. Desta forma, farão V. Exas., como sempre, Justiça!” 1.3.2.2 Ao recurso do Arguido BB (SIC…idem) 2. “No que respeita aos lapsos na indicação da qualificação jurídica de que o acórdão recorrido padece, por se tratarem de lapsos, inexiste qualquer nulidade, deverão os mesmos ser corrigidos ao abrigo do disposto no art. 380.º n.ºs 1, al. b) e 2 do CPP e a condenação do arguido ter como fundamento as os artigos indicados na pronúncia, ou seja, o arguido condenado por 1 (um) crime de organizações terroristas (adesão a organização terrorista), previsto e punido pelos artigos 1.º, 2.º, n.º 1, alínea a), b), c), d), f), e n.º 2, 3.º, n.º 1 e n.º 2, da Lei n.º 52/2003, de 22-08, na redação da Lei n.º 17/2011, de 03-05. 3. O mesmo se refira quanto à pena acessória de expulsão, devendo o lapso ser igualmente retificado, ao abrigo da mesma disposição legal, devendo esta condenação fundamentar-se no disposto nos artigos 134.º, n.º 1, alíneas e) e f) e 151.º, n.º 1, todos da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, com a redação da Lei n.º 29/2012, de 09 de Agosto, tal como resulta do despacho de pronúncia. 4. Os factos pelos quais o arguido foi condenado encontram-se delimitados no tempo bem como no espaço, como o próprio recorrente admite, tendo exercido o seu direito à defesa inexistindo qualquer violação do disposto no art. 32.º, n.º 1 da CRP. 5. Não existe fundamento para dar como não provados os factos constantes dos pontos 281 a 336 dos factos provados, conforme decorre da fundamentação de facto apresentada pelo Tribunal a quo. 6. Os pontos 8, 9, 19, 21 a 24, 28 a 39 a 46, 65, 67, 68, 70 a 94, 100 a 109, 186, 187, 202, 203, 233 a 236, 268 a 272, bem como os pontos 361 a 374 encontram-se corretamente julgados como provados com bem resulta da fundamentação de facto desenvolvida pelo Tribunal a quo. 7. Decorre a sua prova não das declarações da testemunha L como também das declarações de outras testemunhas e de prova documental. 8. A denúncia da testemunha L ocorreu após ter conversa com o militar SSS e com o seu irmão NNN, depois das publicações na página do Facebook «os Livres de Nínive» que, foram, imediatamente preservadas pela investigação, 9. O auto de notícia que deu origem aos autos é de 26.09.2017 e a publicação na página de Facebook “Os livres de Ninive” encontra-se datada de 27 de Junho de 2017, ou seja, três meses antes, sendo a primeira publicação nesta página, no entanto, anterior ao ano de 2017. 10. Mas, para além disto, importa referir que a primeira publicação nesta página não ocorreu apenas em 2017, tendo ocorrido diversas publicações em anos diferentes tendo a referida página, de resistência ao Estado Islâmico, sido alvo de sucessivos ataques por parte desta organização. 11. O mesmo vale para os pontos 414 a 467, als. a) a r) da matéria de facto provada. 12. A indicação de que AA era afinal AA decorre do facto da sua fotografia, bem como da fotografia do ora recorrente, já terem sido divulgadas através da página de facebook “Os Livres de Ninive”, conforme atrás já foi referido. 13. O facto da testemunha NNN e a testemunha L serem familiares não assume relevância, nada existindo que descredibilize as suas declarações, tanto mais que produzida prova testemunhal por parte de mais de uma dezena de outras testemunhas, cuja credibilidade decorre das suas declarações, rigorosas e cuidadas, apresentando versões compatíveis entre si, sem qualquer interesse nos autos que não seja o de verem ser feita Justiça independentemente dos arguidos não se encontrarem em território iraquiano. 14. Prestaram declarações perante o Tribunal de Mossul e perante o Tribunal português, não obstante as dificuldades e os riscos, passando por controlos militares, aceitaram que a sua identificação fosse revelada, apesar serem testemunhas especialmente vulneráveis de terrorismo. 15. Foram corajosos e dão uma lição sobre cidadania e responsabilidade, ao deporem perante um tribunal que não é do seu pais, relativamente a factos praticados por arguidos provenientes de uma família da elite, ligada ao ex-Presidente do Iraque Saddam Hussein e a uma fação do poder que existiu e ainda tem forte expressão, no Iraque. 16. Foram abordados por familiares dos arguidos poucas horas depois de serem ouvidos em declarações para memória futura em Portugal, conforme se encontra descrito nos relatórios elaborados pela UNITAD e resulta também das declarações de algumas dessas testemunhas (cf. 3750 a 3752 e tradução a fls. 3753 a 3758, 5403 e 5404 e tradução a 5405 e 5406 e 5754 a 5756 e tradução a fls. 5757 a 5761 dos autos). 17. As declarações prestadas pelas vítimas GG e LL, não são cópias idênticas uma da outra, mas são correspondentes no seu essencial e complementam-se, conforme resulta dos esclarecimentos que lhes foram tomado em sede de “acareação” 18. Se as suas versões fossem concertadas, seguramente teriam decorado e ensaiado bem uma versão exatamente igual, para a trazer ao Tribunal, o que não sucedeu. 19. Ambos vivenciaram factos muito traumáticos, que tiveram lugar há 6/7 anos, sendo que a testemunha GG já tem uma idade avançada. 20. Das mesmas se conclui pela sua credibilidade, veracidade e total espontaneidade, tal com o referido no Recurso do MP. 21. A Investigação foi efetuada pelo Ministério Público português e pela UNCT-PJ em coadjuvação com a UNITAD – equipa das NU mandatada pelo Conselho de Segurança das NU para recolha de prova em cenário de guerra, no Iraque, para responsabilização pelos crimes praticados pelo Daesh. 22. Encontra-se junta aos autos prova documental que corrobora a prova testemunhal, por exemplo, os documentos relativos à página preservada dos Livres de Ninive, do militar SSS, das igrejas cristãs, da rotunda .... 23. A testemunha L não fez o percurso no mesmo período temporal que os arguidos. 24. Quando os arguidos abandonaram Mossul l ao contrário do que sucedeu com a testemunha L, os territórios utilizados no percurso encontravam-se totalmente controlados pelo EI, o que não acontecia anteriormente. 25. Os arguidos declararam ter parado no percurso para pernoitar, para se alimentarem ao contrário do relatado pela testemunha L e se encontra documentado em vários testemunhos de refugiados, que descrevem a fuga dentro de cisternas de camiões, sem qualquer paragem ou interrupção, forçados a fazer as necessidades fisiológicas no próprio meio de transporte, sem nunca sair, sem falar, sem nunca pararem para descansar como é relatado em – cf. DAUD AL ANAZY e FRANCO, Helena Lopes - De Mossul a Alfeizerão, 2016, bem diverso do que sucedeu com os arguidos. 26. Os documentos juntos pelos arguidos relativamente a percursos de fuga respeitam a vários meses após a fuga dos arguidos. 27. Os arguidos optaram por se dirigir a Al Raqqa, a 462,8 km de Mossul, quando tinham família em Erbil e Duhok, a 76,5 km 84,6 km de Mossul, apensar de dominarem o curmânji, dialecto falado no Curdistão - Cfr. fls. 4 do Sub-Apenso G-2 e fls. 10 do Sub-Apenso G-1. 28. Se estivessem a fugir, efetivamente, do EI, estas cidades seriam o destino óbvio, como sucedeu anteriormente quando a família se deslocou quando o EI ocupou Mossul. 29. Mas a verdade, é que como membros do EI jamais poderiam ir para o Curdistão Iraquiano. Por se tratar de uma zona e um percurso controlado pelas forças de oposição do Daesh. 30. A versão do recorrente que referiu ter voltado do Curdistão iraquiano para Mossul para que a casa não fosse apropriada pelo EI carece de qualquer credibilidade, pois a população que conseguiu fugir do Estado Islâmico, não voltou para o Estado para o meio da guerra, a não ser que fizesse parte do Estado Islâmico!! 31. As alterações no comportamento do arguido que foram notadas pelos vizinhos, que o visualizaram a discorrer sobre as imposições da Sharia, não no sentido noticioso do termo, mas visando a imposição que sufragava. 32. Verificam-se todos os pressupostos para a condenação do arguido na pena acessória de expulsão do território nacional e correspondente proibição de entrada pelo prazo de 10 anos, 33. Não cabe ao Tribunal da condenação ou ao tribunal de recurso, nesta fase do processo, proceder à execução da pena. 34. O Iraque possui assento nas Nações Unidas, não estando sequer reunidos quaisquer fundamentos para que o arguido beneficie da garantia de não voltar ao seu país de origem e o princípio non bis in idem é de aplicação universal. 35. Não existiu qualquer instigação por parte das autoridades portuguesas às autoridades iraquianas. 36. Relativamente à factualidade em causa nestes autos e respetivos crimes, os presentes autos são do total conhecimento da justiça do Iraque, pelo que, por eles não pode o arguido ser novamente julgado, não se verificando qualquer violação do princípio non bis in idem. 37. Quanto à execução da pena acessória de expulsão, não cabe a mesma ao tribunal da condenação, mas sim ao tribunal de execução de penas, pelo que é extemporânea a discussão sobre esta matéria, pois o tribunal a quo e o tribunal de recurso, na medida em que não executam penas acessórias, não podem decidir sobre a sua execução. 38. Carece de razão o arguido quanto à alteração da medida da pena em que foi condenado, não sendo aplicável o n.º 5 do art. 2.º da Lei n.º 52/2003 de 22 de Agosto na redação indicada pelo recorrente, 39. Não se encontra provado qualquer abandono voluntário de uma atividade que o arguido e ora recorrente negou e nega ter desenvolvido, mostrando-se inaplicável a isenção de pena pretendida ou a sua especial atenuação nos termos do disposto nos arts. 72.º, n.º 1 e 73.º do CP. 40. O arguido abandonou Mossul e o Iraque, para impedir a sua punição naquele país face à possível queda do Califado que já se encontrava em curso, porque estava consciente da enorme gravidade dos factos que praticou. 41. O seu comportamento em Portugal insere-se mesmo no âmbito das orientações do Ebook denominado A Mujahid Guide [Guia do Guerreiro Jihadista] (2015), How to survive in the west [Como sobreviver no ocidente], elaborado pelo Estado Islâmico, no capítulo com o título Esconder a identidade extremista. 42. Dos elementos provados não resultou em nenhum momento que o arguido tenha afastado ou feito diminuir consideravelmente o perigo por ela (organização) provocado ou tenha auxiliado concretamente na recolha das provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis. 43. Pelo contrário, foi apontado, por diversas vezes, pelas testemunhas portuguesas, um comportamento violento, de permanente contestação e não cumprimento de regras, e levou, inclusivamente, à condenação pela prática de crime, nas instalações do SEF, já em Portugal. 44. Inexiste qualquer pressuposto de atenuação especial ou isenção da pena, caindo por terra, em consequência, os cálculos apresentados pelo arguido e ora recorrente quanto às molduras penais, abstrata e concreta, a serem-lhe aplicadas. 45. A comparação pretendida pelo recorrente relativamente a penas aplicadas em processos em país diferente de Portugal carece de relevância, atendendo à diferente factualidade e crimes em causa, legislação nacional de cada um desses Estados, tratando-se apenas de uma argumentação falaciosa medida da pena. 46. O arguido carece de razão no que respeita à pena em que pretende ser condenado que deve, aliás, corresponder aos termos requeridos pelo Ministério Público em sede de recurso, para o qual se remete e cujos termos se dão por reproduzidos. 47. Não assiste razão ao arguido em nenhum dos seus argumentos, devendo o seu recurso ser julgado improcedente. Termos em que deve a presente resposta ser recebida, e o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, devendo ser condenado nos termos peticionados pelo Ministério Público em sede de recurso. Desta forma, farão V. Exas., como sempre, Justiça!” 1.4. Tramitação subsequente Recebidos os autos nesta Relação, o processo foi com vista à Digníssima Procuradora-Geral Adjunta, a qual emitiu parecer (18agosto2024 - ref. ...62) acompanhando in totum – recurso e respostas – a posição do Ministério Público em 1.ª instância. Este parecer foi notificado para efeito de eventual contraditório, operando posição expressa pelos Arguidos AA e BB (ambas as 2setembro2024, refs. ...36 e ...40, respetivamente). Efetuado o exame preliminar, foi determinado que o recurso seja julgado em conferência. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. III – FUNDAMENTAÇÃO 2. Apreciação do recurso 2.1. O acórdão recorrido Dada a sua relevância para o enquadramento e melhor compreensão do infra a decidir em termos de delimitação do objeto de recurso, urge, desde já, aqui verter quer a factualidade que o Tribunal a quo deu como provada e não provada, as razões para tal e ainda, por fim, o enquadramento jurídico que efetua na fundamentação de direito. 2.1.1. Factos provados 2.1.1.1 Factos instrumentais 2.1.1.1.1 Contexto geopolítico-militar (SIC…idem) a) Em meados de 2013, TTT era o líder do então denominado ISIS - Islamic State of Iraq and al-Sham-Syria (Estado Islâmico do Iraque e da Síria) ou ISIL - Islamic State of Iraq and the Levant (Estado Islâmico do Iraque e do Levante), fundado pelo jordano UUU, conhecido por Al-Qaeda no Iraque (AQI), associada da Al-Qaeda Central, fundada, principalmente, por Osama Bin Laden, em 1988. b) Al Qaeda no Iraque (AQI) era associada da Al Qaeda Central, tendo, como tal, sido incluída, desde 2004, na lista do Comité de Sanções do Conselho de Segurança da ONU contra indivíduos e entidades associados da Al Qaeda. c) Originariamente, a Al Qaeda no Iraque (AQI) visava combater os invasores ocidentais do país, na sequência da invasão do Iraque, em 2003, liderada pelos EUA e que culminou na queda do regime de Saddam Hussein. d) A organização e os seus membros juraram fidelidade a Bin Laden e à Al Qaeda, em 17.10.2004. e) A Al Qaeda no Iraque foi ganhando autonomia e discordando da estratégia e objectivos da Al Qaeda Central, focando-se, cada vez mais, no objectivo de conquistar território e implantar um Estado que pudesse servir de base política e militar para a comunidade muçulmana. f) Ideologicamente advogava o estabelecimento da lei islâmica como base do governo e a rejeição de formas de governo e modo de vida ocidentais, designadamente, quanto à condição e ao papel das mulheres. g) Assumia um programa de governo de acordo com o que Deus revelou a Maomé e, por via deste, aos homens, ou seja, segundo a lei divina, a Sharia, sem qualquer espaço para a liberdade religiosa. h) Pretendia implantar um projecto de sociedade em que os infiéis eram combatidos e, em última instância, banidos, materializando-se o modo de vida preconizado por Maomé no século VII. i)Sustentava, fundamentalmente, o regresso aos princípios e valores do Islão original e defendia uma interpretação literal do Alcorão, designadamente o salafismo, corrente ideológica sunita radical e ultraconservadora do Islão. j)Entendia que a forma de o conseguir passaria pela Jihad, entendida enquanto guerra contra os invasores ocidentais e os infiéis em geral. k) Os seus membros eram jihadistas salafistas. l)No início de 2014, a recusa em obedecer às instruções da organização e a sua extrema violência, sobretudo contra a população xiita, levaram a Al-Qaeda Central a banir o ISIS ou Al Qaeda no Iraque. m) Isolado, o ISIS, ISIL ou Al Qaeda no Iraque, aliás da mesma organização terrorista, lançou uma ofensiva com o objectivo de criar um Califado (forma islâmica de governo, extinta em 1924), entre a Síria e o Iraque. n) As conquistas sucessivas culminaram com a tomada de Mossul, maior cidade do Iraque, capital da província iraquiana de Ninawa (Nínive), em 10.06.2014. o) Em 29.06.2014, VVV, o então porta-voz do grupo, anunciou que o ISIS passaria a ser conhecido como Estado Islâmico - Dawlah al-Islāmīyah fī al-`Irāq wa al-Shām. p) Anunciou, também, que o território sob o domínio do Estado Islâmico passaria a ser um Califado. q) E, ainda, que TTT seria o seu Califa. r) Uma vez que se trata de uma designação extensa, aquela denominação ficou vulgarmente conhecida no mundo árabe pelo acrónimo DAESH, DA'ISH ou DĀ`IŠ. s) D de Dawlat, que significa Estado, A de Iraque (al-`Irāq), E enquanto conjunção coordenativa aditiva que visa apenas unir as letras A e SH que se refere ao Al-Sham, território que abrange a Síria e o Líbano. t) O Califa TTT exigiu a lealdade de todos os muçulmanos para cumprirem a Jihad. u) Califa significa o sucessor ou o representante, sendo o chefe de Estado do Califado, correspondendo ao sucessor da autoridade política e religiosa do profeta islâmico Maomé. v) O Califado é uma forma de governo confessional, islâmico, de uma dada comunidade islâmica. w) TTT proclamou o Califado numa vasta área sob o seu domínio militar que compreendia parte dos territórios do Iraque e da Síria. x) TTT não só revelou ao mundo o Califado, como o seu claro objectivo de o expandir às proporções do antigo Império Islâmico, em consonância com a ideologia defendida, através da Jihad. y) A Jihad com o sentido de combate aos infiéis é um conceito complexo no âmbito da religião muçulmana, caracterizando-se como uma luta armada violenta em busca da fé perfeita. z) A Jihad surge, também, associada ao conceito de Guerra Santa. aa) É a tarefa mais importante que deve ser cumprida por todos os muçulmanos radicais, nomeadamente contra os governos profanos, sobretudo ocidentais, a que chamam de cruzados. bb) Propaga a noção de que o afastamento e ódio a não-muçulmanos ou a muçulmanos de outra corrente religiosa é uma parte obrigatória de ser um verdadeiro muçulmano, ou seja, salafista jihadista. cc) Esse caminho, rumo à fé perfeita, pode ser levado a cabo pelo homem, através de si mesmo e de exercícios de piedade, a Jihad maior, ou pelo esforço de converter outros ao Islamismo, através da mobilização para uma luta política e social, a Jihad menor. dd) À luz deste entendimento do Islão, quem morre, em nome da guerra santa, vai para o paraíso sem pecados e punições. ee) Os seus combatentes optam por esta luta por acreditarem que estão a cumprir os ensinamentos do Islão, merecendo, assim, o paraíso. ff) Clérigos radicais islamistas e organizações terroristas de matriz jihadista, através dos seus canais de propaganda, apelaram intensamente à participação no conflito sírio e iraquiano. gg) Durante a ocupação de Mossul pelo Estado Islâmico, às sextas-feiras, nas Mesquitas da cidade e durante o sermão, os clérigos encorajavam os civis a prestarem o Al bay’at, ou seja o juramento ao Estado Islâmico. hh) No entanto, o Estado Islâmico não obrigou os civis a ser seus membros, uma vez que só pretendia membros devotamente fiéis à sua causa. ii) O movimento de combatentes terroristas estrangeiros, Foreign Terrorist Fighters (FTF), que se deslocaram para a zona do Levante para cumprirem a Jihad e participarem no conflito sírio e iraquiano, foi crescendo. jj) A proeza militar obtida com a proclamação do Califado do Estado Islâmico granjeou sentimentos de apoio e regozijo no seio dos movimentos fundamentalistas islâmicos espalhados pelo mundo que, em simpatia com a causa jihadista, têm desencadeado actos de terror indiscriminados e aleatórios pelo mundo inteiro. kk) As populações civis viveram, durante a ocupação, um período de terror. ll) O território conquistado pelo grupo terrorista Estado Islâmico aumentou, com consequências devastadoras, do ponto de vista humanitário, para as populações que ficaram sob o seu domínio. mm) No seu auge, em 2015, o Estado Islâmico exercia o controlo sobre uma quantidade considerável de território no Iraque e na Síria, cerca de 100.000 km2, e sobre uma população de aproximadamente 11 milhões de pessoas. nn) As origens cristãs no Iraque estendem-se a um período que remonta aos primórdios do Cristianismo. oo) Com o domínio do Estado Islâmico, teve lugar, nas zonas ocupadas, um êxodo das populações, sobretudo a população católica que foi varrida de Mossul pelo Estado Islâmico. pp) Mais de um milhão de pessoas foram forçadas a fugir. qq) Actualmente, muitos dos cristãos ainda não voltaram a Mossul, permanecendo deslocados, pois o Estado Islâmico destruiu as suas casas, que ainda não foram reconstruídas, e apropriou-se do respectivo recheio. rr) O Estado Islâmico ocupou todas as igrejas católicas, expulsou os cristãos e matou os que se recusaram a sair ou a converter-se ao Islão. ss) Após, o Estado Islâmico transformou as igrejas católicas em locais de prisão, tortura ou sede dos seus Departamentos e locais de treino. tt) O Estado Islâmico deixou a maioria das Mesquitas intocável, por considerar serem os únicos locais sagrados. uu) O Estado Islâmico obrigou as Forças Armadas e a Polícia a sair da região. vv) Em 12.06.2014, o Estado Islâmico anunciou que 1700 soldados iraquianos foram executados nas proximidades de Tikrit, sendo uma grande parte dos corpos atirada ao rio Tigre, no que ficou conhecido como o massacre de Camp Speicher ou massacre de Tikrit. ww) O Estado Islâmico ocupou, também, os Tribunais iraquianos e matou vários Juízes de carreira iraquianos, em Mossul, sem que, alguma vez, os seus corpos tivessem sido encontrados. xx) O trabalho disponível para a população praticamente deixou de existir yy) Não era reconhecida qualquer liberdade à população para organizar a sua vida ou manifestar livremente a sua vontade. zz) Os membros do Estado Islâmico, frequentemente, entravam nas residências dos habitantes de Mossul que haviam permanecido, apropriavam-se de comida e de bebida, apoderavam-se dos seus bens, e as vítimas, sem nada para comer ou beber, chegavam, muitas vezes, a alimentar-se de erva. aaa) Toda a população reconhecia os membros do Estado Islâmico pelo traje afegão que usavam, pelos coletes com a inscrição de Al Hisbah que, por vezes, usavam por cima do traje afegão, pelo uso de pistolas ... ou metralhadoras ... ou ..., pelo uso de carros com inscrições como, por exemplo, Al Hisbah ou Al Amniyah ou pelo uso de equipamentos de comunicação sem fio. bbb) Entre as acções que o Estado Islâmico promoveu contra as populações das cidades que ocupou, destacam-se as crucificações, fuzilamentos, decapitações, mutilações, desaparecimento forçado, tortura, tomada de reféns, violações de mulheres, casamentos forçados de raparigas com os combatentes, gravidez forçada, uso e recrutamento de crianças, ataques a objectos protegidos, ultrajes à dignidade pessoal, carbonização de pessoas vivas, lapidações, chicotadas, apedrejamentos seguidos de tiros, electrocussões, suspensão de pessoas em paredes ou tectos, escravidão, mortes a tiro de pessoas atadas a postes de electricidade cujos corpos deixavam abandonados cerca de 10 dias para que as populações os vissem, corte de membros do corpo, queda de civis de locais elevados, raptos e roubos, extorsões, afogamento colectivo com a colocação dos infractores numa jaula dentro de piscinas, colocação de infractores algemados dentro de um carro que depois era atingido por um míssil, colocação de cordão detonante à volta do pescoço de uma série de infractores seguido de explosão, além de ataques a alvos militares e instituições governamentais, o que provocou globalmente a morte de milhares de pessoas. ccc) Os cadáveres de pessoas executadas por membros do Estado Islâmico enchiam valas comuns. ddd) Muitos cadáveres, transportados em camiões, eram atirados, por membros do Estado Islâmico, para o rio Tigre, em Mossul, tingindo de encarnado, por causa do sangue que escorria dos mesmos nas águas do rio. eee) Pelo menos por uma vez, membros do Estado Islâmico detiveram civis curdos, na rua, e penduraram-nos numa ponte, pelo pescoço, deixando-os pendurados 5 ou 6 dias. A um deles, o corpo caiu e ficou só a cabeça pendurada. fff) Os apedrejamentos ocorriam, também, na zona de Al-Dargazliya, no estádio de Al Jazaer, em Mossul. ggg) Pelo menos desde 2017, a UNITAD - United Nations Investigative Team to Promote Accountability for Crimes Committed by Da’esh/ISIL, através do Mandato atribuído pela Resolução nº 2379, de 2017, das Nações Unidas, atribuiu ao Estado Islâmico cerca de 12.000 mortes, face a 202 valas comuns descobertas, onde se encontram milhares de cadáveres que têm vindo a ser exumados, entre os quais mulheres e crianças. hhh) Nessas valas comuns, têm vindo a ser identificados membros da etnia Yazidi, da qual a UNITAD estima que 5500 membros foram mortos por combatentes do Estado Islâmico. iii) A etnia Yazidi é uma comunidade étnico-religiosa curda, cujos membros praticam uma antiga religião sincrética e monoteísta, o Yazidismo, ligada ao Zoroastrismo, religião da Pérsia antiga, e a antigas religiões da Mesopotâmia. jjj) A etnia Yazidi foi vítima da prática de crimes de guerra ou contra a humanidade praticados por combatentes do Estado Islâmico, nomeadamente, tortura, violações, raptos, tráfico de pessoas e escravidão, encontrando-se tais factos em investigação nalguns Estados da União Europeia. kkk) Muitos membros do Estado Islâmico compravam e vendiam escravas de etnia Yazidi, como se de mercadoria se tratasse. lll) A maior parte da comunidade Yazidi era originária de Nínive. mmm) Alguns dos ataques e abusos realizados pelo Estado Islâmico, incluindo torturas, execuções, assassinatos em massa e violações foram, inclusivamente, divulgados pelos seus membros através das redes sociais e pela comunicação social. nnn) Por razões diversas, desde conveniência, aspiração ao exercício de cargos ou obtenção de privilégios ou protecção, por perspectivas de negócio, por desejo de poder, por fanatismo religioso ou ideológico, por cobardia, foram muitos os habitantes locais que acabaram por, deliberadamente, aderir ou colaborar com a organização terrorista. ooo) Em Mossul, durante o período da ocupação, cerca de 15.000 habitantes locais fizeram parte do Estado Islâmico, numa população total de quatro milhões de habitantes. ppp) Ao contrário dos demais habitantes que foram obrigados a aceitar o seu domínio e a viver segundo os seus ditames e a sua interpretação da Sharia, através da instauração e aplicação de castigos, como atrás referido, e do medo de serem rotulados de apóstatas. qqq) A grande maioria da população foi vítima e subjugada pelo Estado Islâmico. rrr) O Estado Islâmico não admitia, no seu seio, a existência de traidores ou desistentes. sss) Quem integrasse as fileiras do Estado Islâmico, após o juramento de fidelidade Al-Bay’at, não poderia desistir, desde logo por causa das informações que tinha obtido no interior da organização. ttt) Se alguém se recusasse a continuar a participar da missão para que fora incumbido e que tinha aceitado no Estado Islâmico, seria considerado renegado e seria executado, não dispondo de tempo para preparar e encetar uma fuga. uuu) Perante a natureza alarmante e gravosa que esta ameaça representa para o mundo, a comunidade internacional, por intermédio de uma coligação de vários países, liderada pelos EUA, desencadeou uma campanha militar contra o Estado Islâmico, na Síria e Iraque. vvv) Esta acção militar conteve, de forma significativa, a expansão desta organização terrorista, provocando, ao mesmo tempo, por parte do Estado Islâmico, uma forte vontade de retaliação contra o Ocidente. www) A partir de 2016, de forma faseada, as Forças Armadas do Iraque, iniciaram uma campanha de recuperação de Mossul. xxx) Mossul esteve, assim, subjugada pelo Estado Islâmico, desde o dia 10.06.2014 até ao dia 09.07.2017, tornando-se o último bastião do Estado Islâmico, no Iraque. yyy) Somente em Outubro de 2017, as SDF- Syrian Democratic Forces (Forças Democráticas Sírias) reassumiram o controlo da cidade de Al Raqqa, na Síria, capital do autoproclamado Califado. zzz) A derrota do Estado Islâmico na Síria só foi anunciada em 03.03.2019, com a tomada de Baghouz pelas SDF- Syrian Democratic Forces. aaaa) Após a tomada de Baghouz, com a diminuição dos recursos do Estado Islâmico e com a formação da convicção de que poderia desaparecer, o desespero levou a que esta organização terrorista recorresse, para a prática de actos de barbárie, aos “lobos solitários”, enviando, para esse efeito, os combatentes estrangeiros para os seus países de origem, na Europa, a fim de espalharem o terror de forma a tentar coagir os Estados envolvidos a recuar nas suas investidas na Síria e no Iraque. bbbb) Com a eliminação total do Califado do Estado Islâmico verificou-se o surgimento de células adormecidas jihadistas na clandestinidade. cccc) Sendo concreto o risco de disseminação de sementes da radicalização. dddd) O Estado Islâmico mantém uma presença clandestina e células adormecidas em vários países, através de várias filiais, em especial no continente africano, com forte implementação na região do Sahel e em Moçambique, e, também, no continente Asiático. eeee) Por outro lado, centenas de suspeitos alinhados com o Estado Islâmico são detidos, anualmente, na Europa. ffff) O objetivo principal do Estado Islâmico era, e continua a ser, expandir o Califado por todo o Médio Oriente, alastrando-o para outros territórios, incluindo o território Al-Andalus, do qual faz parte Portugal. gggg) Para esse feito, continua a protagonizar atentados terroristas, a causar mortes de civis e a lutar pelos seus objectivos político-religiosos. hhhh) A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que o Estado Islâmico, ainda, tenha cerca de 30 mil insurgentes activos na região da Síria e do Iraque, constituindo uma poderosa força de guerrilha que continua, actualmente, a levar a cabo ataques no terreno, apesar dos contínuos bombardeamentos por aviões e operações do Exército iraquiano e sírio. iiii) Uma das estratégias seguidas pelo Estado Islâmico, principalmente quando começou a sentir a intensificação da pressão exercida pela coligação internacional, foi a de infiltrar terroristas nos fluxos de refugiados, camuflados como refugiados, que lhes possibilitou, nomeadamente, continuar a impor, com sucesso, as suas regras nos próprios campos de refugiados. jjjj) Os líderes do Estado Islâmico perceberam, também, que poderiam introduzir facilmente combatentes na Europa, induzindo-os a aplicar métodos simples para liquidar aqueles que consideram infiéis, tais como explodirem-se juntamente com terceiros (aliado à noção de salvação pelo martírio), a esmagarem-lhes o crânio com uma pedra, a matá-los à facada, atropelá-los com um carro, lançá-los de uma falésia, estrangulá-los ou envenená-los. kkkk) Tais métodos têm fustigado vários países da Europa, espalhando o terror entre as populações atingidas. llll) Em Setembro de 2019, já após a queda do Califado, o Califa, o então líder do Estado Islâmico, TTT dirigiu-se a todos os muçulmanos “brothers and sisters” que se encontravam presos e em campos de refugiados e incitou-os a matar os infiéis e a fazer a jihad contra eles. mmmm) TTT foi morto em Outubro de 2019 e foi substituído por um novo Califa WWW, no final de 2019. nnnn) O novo Califa não mudou a estratégia do seu antecessor. oooo) Fruto da estratégia activa em prosseguir com a expansão do Califado, em 2019, membros do autodesignado Estado Islâmico da Província da África Central (EIPAC) deram a conhecer publicamente a sua presença em Moçambique e o seu envolvimento nos combates que têm abalado o norte daquele país, na província de Cabo Delgado, desde o final de 2017, através da reivindicação de vários ataques. pppp) Recentemente, também, após conhecimento do apoio de Portugal nessa luta, através do envio de militares, forças e autoridades contra-terrorismo, membros do Estado Islâmico referiram expressamente Portugal, através dos seus canais de comunicação oficial, como sendo um país envolvido no combate ao Estado Islâmico no norte de Moçambique, entenda-se um opositor ou país inimigo. qqqq) Em 22 de Junho de 2021, a EMP03... publicou uma mensagem áudio, com 37 minutos, de ZZ, o porta-voz do Estado Islâmico, onde, para além do mais, apelou aos mujahidin, combatentes estrangeiros, para alargarem a qualidade dos seus alvos, passando a incluir Juízes e Investigadores que tenham prendido os seus irmãos, relembrando que o então líder do Estado Islâmico, TTT tinha prometido recompensas para aqueles que matassem Juízes e Investigadores. rrrr) desde o início do Califado, o que se intensificou depois da sua queda, existiu uma estratégia mediática, através de publicações oficiais nos canais do Estado Islâmico, bem como através de conteúdo gerado pelo usuário, mensagens produzidas por apoiantes ou pelos seus membros. ssss) Para isso, recorrem ao maior número de meios de comunicação possível, produzindo e divulgando propaganda, cumprindo os media mujahid (combatentes através dos media) a Jihad electrónica. tttt) A luta através dos media na Jihad não é considerada inferior à que se concretiza no campo de batalha. uuuu) O território físico do Califado foi destruído, mas o ideal do Califado não desapareceu. 2.1.1.1.2 Sanções e reconhecimentos internacionais – Daesh como um grupo terrorista (SIC…idem) vvvv) O Estado Islâmico, que também continuou conhecido como ISIL, ISIS ou Daesh, como grupo terrorista dissidente da Al-Qaeda Central, foi considerado uma organização terrorista pelas Resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas números 2170, de 15.08.2014, 2253, de 17.12.2015 e 1693, de 20.09.2016. wwww) O Conselho de Segurança das Nações Unidas reconheceu, também, na Resolução número 2178, de 24.09.2014, a necessidade de se prevenir a deslocação e o apoio aos designados FTF, combatentes terroristas estrangeiros, associados ao ISIL, Daesh e a outros grupos dissidentes ou associados à Al-Qaeda. xxxx) Em 30.07.2014, o Conselho de Segurança das Nações Unidas, na Resolução nº 2169/2014, expressou sérias preocupações com a actual situação de segurança no Iraque como resultado de uma ofensiva em grande escala realizada por grupos terroristas, em particular o Estado Islâmico no Iraque e no Levante (ISIL) e grupos armados associados, envolvendo uma escalada acentuada de ataques, pesadas baixas humanas, incluindo crianças, o deslocamento de mais de um milhão de civis iraquianos e as ameaças contra todos os grupos religiosos e étnicos (…). yyyy) Em 20.11.2015, o Conselho de Segurança das Nações Unidas afirmou, também, na Resolução n.º 2249/2015, que: “Reafirmando seu respeito à soberania, integridade territorial, independência e unidade de todos os Estados de acordo com os propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas; Reafirmando que o terrorismo em todas as formas e manifestações constitui uma das ameaças mais sérias à paz e segurança internacionais e que quaisquer actos de terrorismo são criminosos e injustificáveis, independentemente das suas motivações, sempre que e por quem quer que seja cometido; Determinar que, pela sua ideologia extremista violenta, seus actos terroristas e ataques sistemáticos e generalizados continuados dirigidos contra civis, abusos dos direitos humanos e violações do direito internacional humanitário, incluindo aqueles impulsionados por motivos religiosos ou étnicos, a sua erradicação do património cultural e tráfico de bens culturais, mas também o seu controlo sobre partes significativas e naturais recursos no Iraque e na Síria e o recrutamento e treino de combatentes terroristas estrangeiros, cuja ameaça afecta todas as regiões e Estados-Membros, mesmo aqueles que estão longe de zonas de conflito, o Estado Islâmico no Iraque e no Levante (ISIL, também conhecido como Da'esh), constitui uma ameaça global e sem precedentes à paz internacional e segurança; Reafirmando que os Estados-Membros devem assegurar que quaisquer medidas tomadas para combater o terrorismo cumprem todas as suas obrigações ao abrigo do direito internacional, em particular os direitos humanos internacionais, refugiados e direito humanitário. Condena inequivocamente nos termos mais fortes os terríveis ataques terroristas perpetrados pelo ISIL, também conhecido como Da'esh, que ocorreram em 26 de Junho de 2015 em Sousse, em 10 de Outubro de 2015 em Ancara, em 31 de Outubro de 2015 sobre o Sinaï, em 12 de Novembro de 2015 em Beirute e em 13 de Novembro de 2015 em Paris, e todos os outros ataques perpetrados pelo ISIL, também conhecidos como Da'esh, incluindo tomada de reféns e mortes, e observa que tem a capacidade e a intenção de realizar novos ataques e considera todos esses actos de terrorismo uma ameaça à paz e à segurança; Reafirma que os responsáveis por cometer ou que são de outra forma responsáveis por actos terroristas, violações do direito internacional humanitário ou violações ou abusos dos direitos humanos devem ser responsabilizados; Exorta os Estados-Membros que têm capacidade para o fazer a tomarem todas as medidas necessárias, em conformidade com o direito internacional, em particular com a Carta das Nações Unidas, bem como direitos humanos internacionais, dos refugiados e direito humanitário, no território sob o controlo do ISIL, também conhecido como Da'esh, na Síria e no Iraque, a redobrarem e coordenarem os seus esforços para prevenir e reprimir actos terroristas cometidos especificamente pelo ISIL, também conhecido como Da'esh, bem como ANF (Al Nusrah Front), bem como todos os outros indivíduos, grupos, empresas e entidades associadas com a Al Qaeda e outros grupos terroristas, conforme designação do Conselho de Segurança das Nações Unidas, e conforme venha a ser acordado pelo Grupo Internacional de Apoio à Síria (ISSG) e endossado pelo Conselho de Segurança da ONU, de acordo com a Declaração do Grupo Internacional de Apoio à Síria (ISSG) de 14 de Novembro e para erradicar os seus locais seguros que estabeleceram em partes significativas do Iraque e da Síria.”. zzzz) Em 27.03.2015, o Relatório do Gabinete do Alto-Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos sobre a situação dos direitos humanos no Iraque, à luz dos abusos cometidos pelo Estado Islâmico no Iraque e no Levante e grupos associados, reportou, em súmula, todo um conjunto de crimes contra a humanidade praticados pelo Estado Islâmico, na planície de Nínive. aaaaa) Em 09.01.2017, o Relatório das Nações Unidas elaborado por Relator Especial sobre questões de minorias sobre a missão no Iraque abordou, também, as violações de direito internacional ocorridas no Iraque. bbbbb) O Estado Islâmico foi, também, considerado uma organização terrorista pelo Regulamento (EU) 2016/363, de 14.03.2016, do Conselho da União Europeia. ccccc) O Estado Islâmico, para além de organização terrorista, cumpriu os critérios para, de acordo com o Direito Internacional Humanitário, como parte de um conflito armado não internacional no Iraque e na Síria, ser considerado grupo armado organizado não estatal. ddddd) O Estado Islâmico era um grupo armado, altamente organizado. eeeee) Desde Janeiro de 2014, o conflito protagonizado pelo Estado Islâmico foi intenso e prolongado. fffff) As partes de um conflito armado não internacional são obrigadas a aplicar e aderir ao Direito Internacional Humanitário. ggggg) O Direito Internacional Humanitário define regras aplicáveis em tempos de conflitos armados com o objectivo de proteger as pessoas que não participam ou deixam de participar das hostilidades e restringir os meios e métodos de guerra. 2.1.1.1.3 Estado Islâmico no Iraque - organização e características (SIC…idem) hhhhh) Após dois meses de ocupação da cidade de Mossul, o Estado Islâmico estabeleceu-se no território ocupado e organizou a sua presença na cidade. iiiii) A partir de certa altura não identificada, após a ocupação de Mossul, as antenas BTS foram deliberadamente destruídas pelo Estado Islâmico, para impedir totalmente as comunicações. jjjjj) Quem quisesse falar com alguém, que estivesse no exterior da cidade de Mossul, tinha que percorrer vários quilómetros até obter sinal de uma antena BTS. kkkkk) O Estado Islâmico recrutou habitantes locais, a quem oferecia protecção e privilégios, nomeadamente, carro, dinheiro, armas, casamentos e mulheres. lllll) No entanto, não forçou os habitantes locais a tornarem-se seus membros. mmmmm) O Estado Islâmico baseava-se numa ideologia de crença radical e, por esse motivo, não obrigava ninguém a ser seu membro. nnnnn) Quem passou a ser seu membro, também em Mossul, fê-lo livre, deliberada e conscientemente, como atrás referido. ooooo) Nos territórios ocupados, implantou um Estado completo. ppppp) Criou complexas estruturas de serviços públicos e apropriou-se de edifícios públicos, monumentos históricos e bases militares. qqqqq) Foi uma das organizações terroristas mais ricas da História, sendo o seu financiamento assegurado por diversas fontes, designadamente o assalto a bancos, resgates de raptos, coimas aplicadas por violação da Sharia, controlo de poços petrolíferos e venda de petróleo, tráfico de antiguidades, tráfico de seres humanos para fins de exploração sexual, mercados de escravos, controlo do comércio local, entre outros, com receitas diárias estimadas na ordem dos três milhões de dólares. rrrrr) Funcionava, inicialmente, sob o comando de TTT, o seu Califa. sssss) O Califa detinha o poder absoluto, com um sistema de comando e controlo sob a sua direcção. ttttt) No Iraque, o Estado Islâmico tinha uma forma própria de governo, com estruturas hierarquizadas e vários Ministérios (Diwan), como o Ministério da Agricultura, Ministério dos Soldados, Ministério dos Media, Ministério dos Julgamentos e Queixas, Ministério da Segurança Pública, Ministério da Educação, Ministério da Oração e Mesquitas, Ministério da Saúde, Ministério dos Espólios e Pilhagem, Ministério do Petróleo, Ministério das Relações-Públicas. uuuuu) O Estado Islâmico auto percepcionava-se como uma entidade governante. vvvvv) A manutenção da lei, da segurança e da ordem nas ruas foi considerada prioritária no Califado iraquiano do Estado Islâmico. wwwww) O Estado Islâmico dava, também, muita importância à aplicação da Lei da Sharia. xxxxx) E, também, à erradicação de espiões e outras ameaças à organização. yyyyy) Para o efeito criou, respectivamente, a Polícia Regular, a Al Hisbah ou Polícia religiosa, a Al Amniyah ou Serviços de Inteligência e Espionagem e os Tribunais da Sharia. zzzzz) O Estado Islâmico afectou um grande número de recursos humanos à governação. aaaaaa) O Serviço de Segurança Pública, onde se incluía a Al Amniyah, absorvia a maior parte do efectivo, seguido da sua unidade de polícia religiosa, a Al Hisbah. bbbbbb) Estima-se que, em 2016, a Al Hisbah tivesse cerca de 533 efectivos. cccccc) Este efectivo correspondia a um grande compromisso do Estado Islâmico com a aplicação da lei islâmica e com a recolha de informações sobre o inimigo e indivíduos contrários ao seu domínio, como forma de controlo e estratégia de manutenção do poder. dddddd) A organização terrorista Estado Islâmico pretendia, também com isto, transmitir a ideia de que era capaz de fornecer segurança e previsibilidade para a população que vivesse sob o seu controlo, procurando que aderisse aos seus ideais e dissuadindo-a de colaborar com os seus opositores. eeeeee) No Iraque, o Estado Islâmico criou também Serviços Militares. ffffff) criou um Departamento denominado “Departamento de Células Adormecidas”, do qual faziam parte membros do Estado Islâmico que tinham como missão permanecerem escondidos até o Estado Islâmico precisar de os activar, em caso de declínio, com o objectivo de reerguer a organização. gggggg) Quem fazia parte deste Departamento nunca usava traje afegão, ou trazia armas visíveis, sendo desconhecida a sua identidade até para outros membros. hhhhhh) No Iraque, o Estado Islâmico criou, também, prisões, onde, numa sala pequena, podiam estar presos mais de 200 ou 300 infractores. iiiiii) Nessas prisões, o Estado Islâmico dispunha de locais para chicotear os infractores e locais para os executar. jjjjjj) No Iraque, o Estado Islâmico criou os seus próprios Tribunais, designadamente o Tribunal Religioso do Da’esh ou Tribunal da Sharia, onde desempenhavam funções membros do Estado Islâmico que se assumiam e eram reconhecidos como Juízes, sendo certo que não eram Juízes de carreira. kkkkkk) Esses Juízes interrogavam os infractores e aplicavam as penas. llllll) O Estado Islâmico tinha Tribunais especialmente competentes para as infracções detectadas por cada Serviço, designadamente pela Al Hisbah e pela Al Amniyah. mmmmmm) Um Juiz da Al Amniyah, não identificado, era conhecido como o Juiz do sangue, uma vez que aplicava sempre a pena de morte. nnnnnn)A Al Amniyah era um serviço de elite do Estado Islâmico. oooooo) Muitos dos que exerciam funções na Al Amniyah da Al Qaeda, no Iraque, antes da ocupação de Mossul pelo Estado Islâmico, passaram a pertencer à Al Amniyah do Estado Islâmico. pppppp) O vice-líder do Estado Islâmico XXX, com o nome de guerra XXX, natural de Mossul, era o líder da Al Amniyah, qqqqqq) Era oriundo da Al Qaeda no Iraque e chegou a ser, também, Emir de Mossul. rrrrrr) Foi morto, na Síria, em Março de 2016, no mês em que os arguidos encetaram a sua fuga de Mossul, como descrito mais à frente. ssssss) Com muitas fontes e operacionais no terreno, a Al Amniyah recolhia informações sobre potenciais ameaças ao regime e era responsável por operações não militares que visavam eliminar qualquer ameaça ao poder e controlo do Estado Islâmico. tttttt) A Al Amniyah dedicava-se, sobretudo, à execução de polícias, de militares e de anteriores funcionários do Estado iraquiano. uuuuuu) Após o domínio do Estado Islâmico, no Iraque, os seus membros exigiram aos polícias e aos militares que demonstrassem arrependimento (tawbah) por terem pertencido às forças policiais e de segurança iraquianas. vvvvvv) Se apresentassem arrependimento e entregassem a respectiva arma de serviço, o Estado Islâmico dava-lhes um cartão de arrependimento para não serem perseguidos. wwwwww) Na eventualidade de não terem a arma de serviço, o Estado Islâmico exigia- lhes uma quantia em dinheiro, cerca de 2500 dólares ou a entrega de uma arma nova daquele valor. xxxxxx) Se não apresentassem arrependimento ou não entregassem uma arma, os membros da Al Amniyah fiscalizavam-nos, detinham-nos e apresentavam-nos ao Tribunal da Sharia, a fim de serem julgados por um Juiz da Al Amniyah, sujeitando-se à pena de morte. yyyyyy) As sedes da Al Amniyah e da Al Hisbah eram edifícios públicos iraquianos ocupados pelo Estado Islâmico, como Tribunais e igrejas católicas. zzzzzz) A Al Amniyah tinha, também, um Departamento de gestão de documentos, chamado de Serviço de Proibição de Viagem. aaaaaaa) Tratava-se de um Departamento situado na Universidade de Mossul, responsável por tratar das questões relacionadas com os documentos de identificação e de registo de propriedade de imóveis que os membros da Al Amniyah apreendiam à população civil, com o objectivo de impedir a sua saída do território e, bem assim, fazer reverter propriedades para a organização terrorista. bbbbbbb) Este Serviço confiscava as casas dos cristãos, dos curdos, dos Yazidis, dos infractores muçulmanos, apropriando-se dos seus bens, assim como, também, passava a receber as rendas pagas pelos inquilinos daqueles. ccccccc) O Estado Islâmico criou, também, como referido, uma autoridade de inspecção e de controlo, designadamente a Polícia religiosa – Al Hisbah, a par do Serviço de Segurança Pública. ddddddd) A polícia religiosa Al Hisbah tinha uma posição de destaque enquanto agência de fiscalização e aplicação da Sharia, interpretada de forma radical, sendo que o seu trabalho era tido como moralizante da população. eeeeeee) A Al Hisbah era responsável pela monitorização e aplicação das políticas e procedimentos religiosos do Estado Islâmico. fffffff) Tratava-se de um sistema burocrático organizado, usado para oprimir e humilhar os locais. ggggggg) O objectivo da Al Hisbah era fazer cumprir a visão do Estado Islâmico da Lei islâmica, sendo que este se reconhecia como o administrador terreno dessa Lei. hhhhhhh) Quem entrava para a Al Hisbah devia ter estudos islâmicos de Sharia islâmica. iiiiiii) Não conseguindo o respeito e a adesão livre da população ao seu modelo político- religioso, a Al Hisbah impunha-o através do medo e do terror. jjjjjjj) A Al Hisbah patrulhava as cidades ocupadas, designadamente a cidade de Mossul, posicionando-se em ruas e rotundas, para detectar violações de regras impostas à população, com base na sua interpretação distorcida e fanática da lei islâmica Sharia. kkkkkkk) Os membros da Al Hisbah comunicavam entre si através de equipamentos de comunicação. lllllll) A Al Hisbah tinha, também, elementos civis infiltrados no seio da população que funcionavam como delatores ou informadores. mmmmmmm) A Al Hisbah detinha cerca 100 a 200 pessoas/infractores por dia, na cidade de Mossul. nnnnnnn) Quando recebia denúncias de supostas violações da Sharia, elementos da Al Hisbah deslocavam-se a casa e aos locais de trabalho dos supostos infractores, para, se as infracções fossem graves, os deterem, contra a sua vontade e levarem-nos consigo para as instalações da Al Hisbah, para serem apresentados a um Juiz do Estado Islâmico. ooooooo) A Al Hisbah verificava a altura das calças dos homens, o tamanho da barba, se fumavam cigarros, se bebiam bebidas alcoólicas, se os homens e as mulheres andavam ou não juntos na rua, se pagavam a zakat (esmola, imposto religioso), se mantinham relações de adultério, se eram homossexuais, o tamanho do véu (izar) das mulheres, se não usavam meias ou não usavam mangas, se cumpriam as orações em grupo, se consumiam pornografia, se usavam telemóvel, entre outras infracções. ppppppp) No caso de os membros da Al Hisbah estarem perante o que consideravam serem pequenas infracções, aplicavam a punição, directamente, através de castigos físicos. qqqqqqq) Nesses casos, os supostos infractores eram colocados de joelhos à força, de cabeça baixa e eram chicoteados na rua, ou no local onde fossem encontrados a fazer algo haraam, ou seja, um comportamento considerado contrário aos preceitos religiosos. rrrrrrr) Nos casos que consideravam mais graves, como a detenção de pornografia no telemóvel, a manutenção de relações de adultério, a homossexualidade, o uso de telemóvel ou o acesso à internet, entre outros, os infractores eram detidos pelos membros da Al Hisbah e levados ao Tribunal da Sharia, contra a sua vontade. sssssss) Os infractores eram, então, apresentados a um suposto Juiz (da Al Hisbah) que os condenava, nomeadamente à pena de pagamento de elevadas somas em ouro, à pena de chicotadas, à pena de corte de mão, à pena de lapidação, à pena de decapitação, à pena de ser empurrado do alto de um edifício, à pena de morte da família toda (no caso de colaboração com as autoridades iraquianas), à pena de afogamento em jaula numa piscina, à pena de colocação de infractores algemados dentro de um carro que era atingido por um míssil, à pena de colocação de cordão detonante à volta do pescoço de uma série de infractores seguido de explosão, entre outras. ttttttt) Por vezes, antes da execução da pena, os infractores eram entrevistados e as suas declarações eram gravadas e filmadas por membros do Estado Islâmico. uuuuuuu) Quem fumava, normalmente, era punido com 40 chicotadas, quem usava calças apertadas ou longas era punido com 40 chicotadas, quem mantinha uma relação de adultério era punido com pena de lapidação ou de morte e os polícias e militares iraquianos eram punidos com pena de morte. vvvvvvv) Os infractores que eram punidos com pena de morte eram informados que iam ser mortos, antes de serem executados. wwwwwww) O mesmo acontecia no momento dos preparativos prévios à execução da pena de morte, tendo os infractores a nítida percepção de que estavam prestes a ser executados. xxxxxxx) Se as mulheres infractoras estavam acompanhadas pelos maridos aquando da fiscalização, os maridos, também, eram chicoteados. yyyyyyy) Essas penas de chicotadas eram executadas nas prisões, por chicoteadores, para onde os supostos infractores eram conduzidos pelos membros da Al Hisbah. zzzzzzz) Quando a pena escolhida era a pena de chicotadas, o número de chicotadas era escrito num papel, normalmente pelo Juiz da Al Hisbah, sendo entregue aos infractores. aaaaaaaa) De seguida, os infractores dirigiam-se para uma fila, onde cada um, na posse do papel com a sentença escrita, aguardava a sua vez de ser executada a pena a que fora condenado. bbbbbbbb) Normalmente, o local de execução da punição era no mesmo edifício do Tribunal. cccccccc) Quando chegasse a sua vez, os infractores entregavam o papel aos chicoteadores membros do Estado Islâmico, que, após tomarem conhecimento do número de chicotadas, as executavam no seu corpo, normalmente nas costas, com cabos de madeira a que estavam ligadas peças plásticas, permanecendo os mesmos em pé, até suportarem a punição e, eventualmente, caírem, ou, de outras vezes, recebendo a punição de joelhos. dddddddd) Nessas prisões, estavam presos dezenas de infractores apinhados, sem água ou comida adequadas, em espaços muito exíguos. eeeeeeee) E eram ali exibidos, em modo contínuo, em écrans plasma colocados nas paredes, filmagens com execuções de outros infractores, alguns que tinham estado presos com aqueles que eram obrigados a assistir às filmagens. ffffffff) Por vezes, alguns elementos da Al Hisbah libertavam os infractores e não executavam a pena de morte, em troca do pagamento de avultadas quantias em ouro ou dinheiro. gggggggg) O Estado Islâmico emitia recibos de pagamento das quantias que recebia de infractores. hhhhhhhh) Por vezes, entre a prisão e a aplicação da pena mediavam dias, em que os infractores eram torturados por membros do Estado Islâmico que lhes batiam indiscriminadamente no corpo, com o objectivo de obterem confissões. iiiiiiii) Os membros da Al Hisbah ou da Al Amniyah usavam o traje Kandahari ou traje afegão, com muita frequência, como forma de se distinguirem da restante população. jjjjjjjj) O traje afegão era um símbolo do retorno às origens tradicionais do Islão, entendido como o período de vida do profeta Maomé. kkkkkkkk) Este traje, tipicamente usado no Afeganistão ou no Paquistão, foi trazido, pelo Estado Islâmico, para o Iraque. llllllll) Os membros do Estado Islâmico apresentavam-se com a cara destapada. mmmmmmmm) Só quem era membro do Estado Islâmico podia usar o traje afegão. nnnnnnnn) Quem era membro do Estado Islâmico, com excepção do Departamento de Células Adormecidas e alguns infiltrados no seio da população, usava, com muita frequência, o traje afegão. oooooooo) O uso do traje afegão não autorizado por quem não fosse membro do Estado Islâmico era considerada, pelo Estado Islâmico, uma infracção muito grave. pppppppp) Tratava-se de um conjunto composto de calças largas e túnica até um pouco antes do joelho, de uma só cor, normalmente em tons escuros, sendo as mais frequentes castanho, preto ou azul-escuro, mas, também, podia ser branco. qqqqqqqq) Por vezes, os membros do Estado Islâmico usavam um lenço ou turbante na cabeça, no entanto esse turbante não era do seu uso exclusivo e não era obrigatório. rrrrrrrr) Por cima do traje afegão, os membros do Estado Islâmico, por vezes, usavam coletes com a inscrição do Serviço a que pertenciam, como a Al Amniyah. ssssssss) Por vezes, os elementos que trabalhavam para a Al Hisbah usavam, também, um colete, castanho e preto, com as inscrições, à direita, Estado Islâmico, à esquerda Al Hisbah e na parte de trás do colete Al Hisbah, em árabe. tttttttt) No entanto, o uso desse colete não era obrigatório, mesmo para quem exercesse funções na Al Hisbah, sendo que os seus membros, nem sempre o usavam. uuuuuuuu) A restante população vestia de forma ocidentalizada, mas com algumas restrições impostas pelo Estado Islâmico. vvvvvvvv) Os homens nunca podiam mostrar, em público, a região entre o umbigo e o joelho, tinham que usar as calças quatro dedos acima dos tornozelos, tinham que usar o cabelo muito curto ou comprido e barba longa, e as roupas tinham que ser largas, de forma a afastarem–se da estética feminina e assemelharem-se aos antigos profetas. wwwwwwww) As mulheres deviam cobrir o corpo inteiro, sendo o rosto com um véu (izar) e os olhos com um segundo véu, excepto as mãos, e deviam optar pelo uso de roupas largas, de modo a não mostrarem as formas do corpo. xxxxxxxx) Normalmente, os membros da Al Amniyah e da Al Hisbah traziam consigo uma pistola ..., debaixo do braço, colocada num coldre vestido pelas costas ou num coldre à cintura, o que era visível para a população. yyyyyyyy) Os combatentes do Estado Islâmico, normalmente, traziam consigo, visíveis, armas metralhadoras .... zzzzzzzz) Os Emires do Estado Islâmico, também, traziam consigo, por vezes, visíveis metralhadoras .... aaaaaaaaa) Os civis nunca andavam armados e nem uma faca pequena podiam trazer no bolso. bbbbbbbbb) Após a tomada do poder em Mossul, o Estado Islâmico apoderou-se de muitas pistolas ... usadas pela Polícia iraquiana. ccccccccc) Os membros da Al Hisbah faziam-se transportar em carrinhas, por vezes do tipo station wagon, por vezes da marca ..., modelo ..., de cor branca ou preta, com as inscrições laterais, e às vezes em cima do capot, al-Dawlah al-Islāmīyah fī al-`Irāq wa al-Shām, ou seja Da’esh- Al Hisbah. ddddddddd) Os membros da Al Hisbah utilizavam essas carrinhas como apoio logístico e, também, para transportar os infractores que conduziam, contra a sua vontade, às instalações da Al Hisbah, aos Tribunais da Sharia ou às prisões. eeeeeeeee) Por vezes, os membros da Al Amniyah faziam-se transportar em veículos com os vidros escurecidos. fffffffff) Todos os infractores fiscalizados pela Al Hisbah ou pela Al Amniyah e as respectivas famílias viviam oprimidos, com um terror permanente de serem punidos e mortos, não tinham qualquer liberdade, vontade ou capacidade de reacção, pois sabiam que os membros daqueles Serviços do Estado Islâmico andavam armados e estavam dispostos a executá-los se assim o entendessem. ggggggggg) Durante o período da ocupação de Mossul, a vida humana não tinha qualquer valor para os membros do Estado Islâmico. hhhhhhhhh) O Estado Islâmico, como forma de propaganda e apologia, criava, também, conteúdos multimédia que, muitas vezes, exibia em écrans plasma gigantes que estavam colocados nas grandes praças das cidades controladas por si, obrigando os que passavam na rua a assistir. iiiiiiiii) O Estado Islâmico chamava-lhes pontos de informação e colocou-os em várias zonas de Mossul. jjjjjjjjj) Eram considerados, pelos civis, fonte de medo, uma vez que estes eram obrigados, pelos membros do Estado Islâmico, a parar e a assistir aos conteúdos exibidos, já que o acesso à internet era proibido pela organização. kkkkkkkkk) Ainda assim, a maioria que assistia àquelas produções audiovisuais era membro do Estado Islâmico, uma vez que os civis as evitavam, sempre que podiam, dada a sua violência. lllllllll) Tratava-se de locais no bairro de Al Zuhur, como, por exemplo, na rotunda Sayydati Al Jamila (Minha Linda Senhora), em Al Minassah, em Al Jamaia (junto à Universidade), em Nabi Yunis, em ..., no bairro de Al Nur, em Al Jisr, em Al Qadim (ponte velha), em Al Mahrouk e na zona da floresta, onde o Estado Islâmico tinha colocado écrans plasma gigantes para exibir, aos civis, os vídeos de propaganda, como atrás descrito, existindo, também, juntos aos mesmos, uma estrutura móvel de apoio, com equipamento necessário para a exibição, onde permanecia um responsável. mmmmmmmmm) No interior dessa estrutura móvel de apoio, só podiam entrar membros do Estado Islâmico. nnnnnnnnn) Nesses écrans plasma, o Estado Islâmico exibia, 24/24 horas, os seus avanços, os seus feitos e, também, as execuções que fazia. ooooooooo) Exibia, por exemplo, para que ninguém pensasse colaborar com as Forças de Segurança iraquianas, grupos de resistência a serem queimados, civis a serem executados com explosivos à volta do pescoço por terem escrito slogans e, também, vídeos de propaganda. ppppppppp) O Estado Islâmico emitia, também, esses vídeos, fora da cidade de Mossul, para outras regiões do Iraque, para intimidar as Forças de Segurança iraquianas. qqqqqqqqq) Nos vídeos de propaganda, o Estado Islâmico utilizava, como figurantes, elementos da sua organização que se vestiam como civis, aparentando euforia e contentamento com o Estado Islâmico, e que se faziam passar pela população em geral. 2.1.1.1.4 Os factos referentes a CC – irmão dos arguidos BB e AA (responsável pelo recrutamento destes) (SIC…idem) rrrrrrrrr) Por ser membro da Al Qaeda no Iraque e ser suspeito da autoria de várias mortes, CC foi detido várias vezes pelas autoridades iraquianas. sssssssss) Quando os processos atingiam a fase de Julgamento, a Al Qaeda no Iraque pressionava as vítimas e as suas famílias no sentido de alterarem os seus depoimentos, ameaçando- as de morte ou de fazer explodir as suas casas. ttttttttt) Pelo menos em Julho de 2014, CC tinha a barba e o cabelo crescidos, não bebia álcool e cumpria o horário das orações. uuuuuuuuu) Após o regresso da família a Mossul, CC tinha, na sua posse, como se de um objecto se tratasse, e contra a vontade da mesma, uma mulher escrava de etnia Yazidi, não identificada, a quem não reconhecia qualquer vontade ou capacidade de determinação pessoal e que pretendia levar para casa dos pais. vvvvvvvvv) A mãe de CC não permitiu que a escrava Yazidi vivesse na sua casa, uma vez que não permitia que o filho vivesse numa situação marital sem estar casado e CC arrendou, então, uma casa para viver com aquela mulher. 2.1.1.2 Factos provados respeitantes aos arguidos (factos essenciais/objeto do processo crime) 2.1.1.2.1 Em Mossul (SIC…idem) 1. Os arguidos fazem parte de uma fratria de 11 irmãos com os nomes próprios de YYY, ZZZ, AAAA, III, HHH, JJJ, BB, AA, CC, BBBB e outro de nome não apurado. 2. Um dos irmãos dos arguidos, nascido em 1984, é CC, @ CC, também, conhecido por CC, por CC e por CC. 3. A casa de família, onde os pais e os irmãos viviam, era localizada na rua 12, do bairro ..., em Mossul. 4. O bairro ... é um dos bairros mais antigos de Mossul, com cerca de 3 ou 4 milhares de habitantes. 5. Por volta do ano 2004, cerca de 10 anos antes da tomada de Mossul pelo Estado Islâmico, CC era membro da organização terrorista Al Qaeda no Iraque, sendo conhecido como um homem das execuções da Al Qaeda. 6. CC é reconhecido, presentemente, pelo Estado iraquiano como membro do ISIL e é procurado pelas autoridades judiciais por crime de terrorismo. 7. O seu paradeiro é desconhecido. 8. Quando tinha cerca de 20 anos, por volta do ano de 2007, BB era conhecido no bairro onde vivia, pelos vizinhos, como “BB ladrão”, por ser considerado uma pessoa má. 9. Antes da ocupação de Mossul, em data não determinada, BB tentou, por uma vez, fazer o chamamento à oração, designadamente o Azan, na Mesquita de ..., no bairro ..., no que foi impedido por terceiro não identificado. 10. Em junho de 2014, após a invasão da cidade de Mossul pelo Estado Islâmico, os arguidos e alguns membros da sua família fugiram para a cidade de Duhok, a norte de Mossul, cidade que dista cerca de 75km da fronteira com a Turquia, onde permaneceram durante 2 meses. 11. A mãe dos arguidos é natural do Curdistão iraquiano, mais precisamente de Maiassa, perto da cidade de Duhok. 12. A cidade de Duhok estava controlada pelas Forças curdas Peshmerga que combatiam o Estado Islâmico. 13. Entre 2014 e 2017, os arguidos tinham familiares que residiam nessa zona e que, hoje, ainda ali residem. 14. A partir do mês de Julho de 2014, CC tornou-se membro da Al Amniyah, do Estado Islâmico, assumindo um lugar de destaque, sendo um dos seus líderes, designadamente o Emir (Comandante) responsável do Estado Islâmico pela segurança do grupo terrorista para a área compreendida entre a rua 11 e a rua 17 do bairro ..., na cidade de Mossul, área que abrangia, precisamente, a rua 12, onde vivia a sua família. 15. Essa área corresponde, sensivelmente, a mais de 25 hectares 16. No âmbito das funções que exercia como Emir da Al Amniyah, CC fiscalizava infractores, sobretudo polícias e militares, por vezes, levando-os consigo detidos contra a sua vontade, a fim de serem punidos por um Juiz da Al Amniyah. 17. Por vezes, CC fazia-se transportar num carro com as inscrições Al Amniyah. 18. Precisamente nessa altura, o Estado Islâmico estava a recrutar habitantes locais para as suas fileiras. 19. Em Agosto de 2014, quando os combates mais intensos terminaram, com a proteção e sob a influência do irmão CC, os arguidos, e a família deslocada, regressaram à cidade de Mossul, em vez de permanecerem no Curdistão iraquiano, zona não controlada pelo Estado Islâmico. 20. Mossul estava, naquela altura, já totalmente dominada pelo Estado Islâmico. 21. Os arguidos foram, logo após o seu regresso a Mossul, recrutados pelo irmão CC para fazerem parte da organização Estado Islâmico, como seus membros efectivos. 22. O que veio a acontecer desde o seu regresso a Mossul até terem saído de Mossul. 23. Quem tinha tido um lugar de destaque na Al Qaeda no Iraque podia recomendar a entrada de membros para o Estado Islâmico. 24. O que CC fez, ao recomendar os seus irmãos, ora arguidos, para passarem a ser membros do Estado Islâmico. 25. Após o regresso a Mossul, BB deixou crescer a barba e o cabelo que usava, por vezes, penteado para trás, e passou a cumprir o horário das orações. 26. AA, também, deixou crescer a barba e o cabelo. 27. Naquela altura, BB afirmava publicamente, para quem o ouvisse no bairro ..., o que era proibido pela Sharia, designadamente fumar, vestir calças compridas, aparar a barba ou deixá-la curta, concretamente que a barba devia ficar como é. 28. A partir do seu regresso a Mossul, os arguidos passaram a ser membros do Estado Islâmico, integrando livre e voluntariamente a sua estrutura e os respetivos Departamentos, em nome de quem passaram a actuar, de acordo com objetivos, recebendo, em troca, proteção e privilégios. 29. Mediante a influência e o recrutamento do seu irmão CC, BB e AA passaram, assim, a ocupar posições ao serviço do Estado Islâmico. 30. Os arguidos passaram a exercer funções, no Estado Islâmico, no bairro ..., em Mossul, onde viviam, precisamente na área compreendida entre a rua 11 e a rua 17, onde o seu irmão CC era Emir da Al Amniyah. 31. Os arguidos passaram a usar o traje afegão, ou traje Kandahari. 32. BB passou a exercer funções de destaque na Al Hisbah, sendo Emir (comandante ou líder), na área compreendida entre a rua 11 e a rua 17 do bairro ..., na cidade de Mossul. 33. BB fez um curso de Sharia islâmica, com PPP, para poder desempenhar as funções que tinha na Al Hisbah. 34. À época, PPP, também conhecido por PPP, era o líder religioso máximo do Estado Islâmico, em Mossul. 35. E era um dos principais clérigos do Estado Islâmico, conhecido por ter fornecido justificações religiosas para a escravidão e tortura de mulheres e crianças Yazidis, bem como por ter emitido fatwas a fundamentar a expulsão dos cristãos de Mossul. 36. As Fatwas eram pareceres jurídicos emitidos por um especialista no Islão, de modo a esclarecer uma questão onde a jurisprudência islâmica (fiqh) é pouco clara. 37. BB estudou Sharia islâmica com o objectivo de ser Mufti, ou seja, um Académico islâmico com reconhecida capacidade de interpretação da lei religiosa e de pronunciamento legal. 38. Um Mufti determinava o que era proibido e o que era permitido, emitindo decisões e pareceres religiosos 39. Após a tomada de Mossul, e após passar a ser membro do Estado Islâmico, BB obteve um documento (emitido pelo Estado Islâmico) que obrigava os responsáveis pela Mesquita ..., no bairro ..., a deixarem-no desempenhar o cargo de muezim (pessoa responsável por fazer o chamamento), desde o minarete da Mesquita voltada para Meca (salah), para as cinco chamadas diárias para a oração pública. 40. Em data não apurada do ano de 2014, após o seu regresso a Mossul, os arguidos juraram fidelidade ao Estado Islâmico, através do anúncio de Al bay’at (juramento de fidelidade). 41. Para prestar juramento ao Estado Islâmico era necessário, previamente, frequentar algumas sessões religiosas. 42. O Al bay’at era um compromisso voluntário feito, numa Mesquita, por aquele que queria passar a ser membro do Estado Islâmico, perante o grande Emir (líder). 43. O juramento tinha que ser respeitado durante toda a sua vida até à morte, ao martírio ou até à vitória do Estado Islâmico, sendo que depois de prestado não era admitida a desistência. 44. Correspondia a uma promessa de combate pelo projecto religioso e político do Estado Islâmico, em seu nome, até à morte. 45. Após a tomada de Mossul, o juramento era prestado a TTT, Califa do Estado Islâmico, através de outros líderes que o recebiam por ele. 46. Era prestado, sensivelmente, através da seguinte proclamação: “Prometemos fidelidade ao Príncipe dos Fiéis, TTT, conhecido por TTT, prometemos ouvir e obedecer nos bons e maus momentos, na dificuldade e na facilidade.” 47. Em 2014, em data não concretamente apurada, após jurar fidelidade ao Estado Islâmico, AA foi admitido num curso/treino para combatentes, com a duração de cerca de 50 dias. 48. Parte desse curso tinha lugar na Síria ou fora de Mossul. 49. Nesse curso, só era admitido quem já tivesse prestado juramento ao Estado Islâmico, ou seja, quem já fosse seu membro. 50. E, também, só era admitido quem fosse recomendado por outro membro do Estado Islâmico. 51. Os formandos admitidos recebiam o uniforme e os equipamentos a usar durante o curso de formação: um uniforme de verão castanho claro e outro de inverno, castanho-escuro. 52. O uniforme tinha, na zona do braço direito, uma menção escrita: Estado Islâmico. 53. Os formandos recebiam botas militares, uma garrafa de água e um montante de 50 mil dinares iraquianos para entregar à família. 54. Três dias depois desse recebimento, eram transportados em carrinhas do Estado Islâmico para o campo de treino, onde permaneciam cerca de 50 dias até concluírem a formação. 55. Nesses cursos, eram ministrados ensinamentos sobre Sharia islâmica (designadamente sobre o tamanho da barba a usar, como devia vestir-se uma mulher com o hijab, o martírio, a prática da Jihad e a legitimação de matar os denominados renegados, mediante o estudo de versos corânicos) e era efectuado um treino de condição física e outro de manuseamento de armas leves e médias, bem como sobre a produção e o enterro de engenhos explosivos e, também, sobre técnicas de matar. 56. No fim do curso, os formandos recebiam o diploma de combatente e uma recompensa de 150 mil dinares iraquianos, no caso dos solteiros, e 200 mil dinares iraquianos, para os casados, além de mais 30 mil dinares iraquianos por cada criança que tivessem, sendo, depois, destacados para um local de combate. 57. No final dos cursos, por vezes, os responsáveis pela Al Amniyah, pela Al Hisbah e pelo Departamento de Células adormecidas iam escolher os melhores instruendos para fazerem parte dos seus Departamentos. 58. Por razões não apuradas, AA viria a sair do curso para combatente, cerca de 30 dias depois do seu início, regressando a Mossul. 59. Todavia, após a sua saída do curso, AA continuou a usar o traje afegão, como membro do Estado Islâmico que era. 60. Não obstante ter saído do curso, AA, beneficiando da influência e protecção do seu irmão CC, Emir da Al Amniyah, passou, também, a exercer funções na Al Amniyah. 61. Com efeito, AA começou a exercer funções no Serviço de Proibição de Viagem, que tratava do imobiliário e era responsável pela obtenção dos documentos dos infractores, com o objectivo de impedir a sua saída do território controlado, como atrás referido. 62. Este serviço tinha instalações na Universidade de Mossul, ocupada pelo Estado Islâmico. 63. AA passou, também, por vezes, a acompanhar os seus irmãos, CC e BB, nas acções que levavam a cabo ao serviço do Estado Islâmico. 64. Quando acompanhava os seus irmãos, AA actuava, também, ao serviço do Estado Islâmico. 65. Por vezes, por cima do traje afegão, BB usava um colete com a inscrição Al Hisbah. 66. Por vezes, CC trazia consigo, à vista para terceiros, uma pistola da marca ... e trazia, por vezes, também consigo, uma metralhadora .... 67. Por vezes, BB trazia consigo uma arma da marca ... alojada num coldre à cintura ou no ombro, num coldre vestido pelas costas. 68. De outras vezes, BB trazia consigo uma metralhadora ... ou .... 69. À semelhança do seu irmão, por vezes, AA trazia consigo, à vista de terceiros, uma metralhadora .... 70. No âmbito das funções que exercia na Al Hisbah, no período de tempo entre o seu regresso a Mossul e a fuga da cidade, BB efectuou, em número não apurado, acções de fiscalização aos cidadãos que passavam na rua, apeados ou em veículos automóveis, com o intuito de detectar infracções à Sharia. 71. Nessas acções de fiscalização, BB assumia a posição de responsável pela patrulha que o acompanhava, composta por cerca de cinco outros membros do Estado Islâmico, todos vestindo o traje afegão e trazendo armas visíveis, designadamente pistolas da marca ... e metralhadoras. 72. BB, durante as acções de fiscalização, era rude e brusco para com os cidadãos abordados. 73. Os membros da patrulha que BB comandava traziam consigo sondas e cabos para a eventualidade de detectarem infracções pouco graves que fossem susceptíveis de punição imediata, utilizando-os para o efeito. 74. Traziam, também, consigo um livro de multas. 75. Por vezes, AA e CC, por pertencerem à Al Amniyah, acompanhavam BB nessas acções de fiscalização. 76. Por vezes, essas acções de ficalização ao serviço do Estado Islâmico tinham lugar na rotunda ..., no bairro .... 77. De outras vezes, tinham lugar noutras zonas do bairro, designadamente junto ao Mercado ..., também, no bairro .... 78. Ou mesmo noutros bairros, designadamente na rotunda ..., no bairro ..., em Mossul. 79. Assim, nessas acções de fiscalização, BB, (directamente ou determinando os demais membros da patrulha que comandava) AA e CC, como membros do Estado Islâmico, mandavam parar os indivíduos que, depois, abordavam, para aferir a altura das calças dos homens, o tamanho da barba, verificar se fumavam cigarros, se bebiam bebidas alcoólicas, se os homens e as mulheres andavam juntos na rua, o tamanho do véu das mulheres, entre outros motivos de infracções à lei da Sharia. 80. Para além disso, BB, AA e CC, como membros do Estado Islâmico, no exercício das funções que lhes foram atribuídas, fiscalizavam se os homens e mulheres mantinham relações de adultério, se eram homossexuais, se cumpriam as orações em grupo, se consumiam pornografia, se pagavam a Zakat (esmola, imposto religioso), entre outros. 81. Por vezes, no exercício dessas funções, BB apoderava-se de documentos dos alegados infractores que fiscalizava. 82. Após detectar as alegadas infracções, BB adoptava um destes comportamentos, ao comando da patrulha: » BB, ou algum membro da sua patrulha, sob as suas ordens e direcção, abordava os infractores e mandava-os corrigir as infracções, no local, se fossem infracções que considerasse muito leves, liquidando a respectiva multa. » BB, ou algum membro da sua patrulha, sob as suas ordens e direcção, fazendo uso das sondas e cabos que traziam, batia, no local, nos infractores fiscalizados, executando, de imediato, a punição. » Por vezes, através de walkies talkies comunicava com Juízes da Al Hisbah, a fim de se assegurar quantas chicotadas deveria aplicar. » Ou, BB, ou algum membro da sua patrulha sob as suas ordens e direcção, detinha os infractores e conduzia-os, em veículos do Estado Islâmico, por vezes da marca ..., modelo ..., com inscrição da Al Hisbah, ou sem qualquer inscrição, para as instalações da Al Hisbah, para serem apresentados a um Juiz do Tribunal da Sharia, que os interrogava e punia, como já ficou descrito. 83. Quando algum civil via chegar um carro da Al Hisbah, imediatamente, passava a palavra, no sentido de advertir a presença dos membros do Estado Islâmico, na zona. 84. Em 2014 ou 2015, em data não apurada, BB, no âmbito dessas acções de fiscalização que efectuava, pelo menos por uma vez, abordou um infractor e cortou-lhe as calças, com uma tesoura, porque estavam, segundo a sua avaliação de acordo com a Lei da Sharia, compridas. 85. Nessa acção de fiscalização, BB vestia o traje afegão, usava o colete da Al Hisbah por cima e trazia visível consigo uma pistola .... 86. Noutra ocasião, no ano de 2014 ou 2015, em data não apurada, junto ao Mercado ..., no bairro ..., na execução de uma acção de fiscalização da Al Hisbah, BB saiu do interior de um carro de marca ..., modelo ..., pertença da Al Hisbah, com as palavras Al Hisbah e Estado Islâmico escritas na carroceria e abordou duas mulheres que passavam. 87. BB trazia, visível, uma pistola ... num coldre, na zona debaixo do braço esquerdo, vestia o traje afegão e usava o colete da Al Hisbah por cima. 88. E, no exercício dessas suas funções de fiscalização, gritou a uma das referidas mulheres: “baixa o segundo véu!”. 89. A referida mulher, não identificada, trazia um véu a cobrir-lhe a cara, mas mantinha os olhos destapados. 90. A ordem transmitida por BB para baixar o segundo véu visava tapar-lhe os olhos. 91. A mulher, com medo, obedeceu de imediato, baixando o segundo véu, ficando com o corpo tapado, dos pés à cabeça, com excepção das mãos. 92. BB, pelo menos por uma vez, no âmbito de uma acção de fiscalização da Al Hisbah, saiu do interior de um carro com a inscrição Al Hisbah e Katiba de VV. 93. Katibas eram batalhões de membros do Estado Islâmico. 94. VV, o líder dessa Katiba, membro da Al Hisbah, era um indivíduo com quem BB exercia funções e sobre quem tinha ascendente. 95. Em data não concretamente apurada de 2015, AA, no âmbito de uma acção de fiscalização semelhante às atrás referidas, na rotunda ..., abordou uma mulher que passava apeada e deu-lhe uma ordem para baixar o véu. 96. De outra vez, fiscalizou um civil que passava, na mesma rotunda, por causa do tabaco, tenho-lhe retirado o mesmo e ficado com ele. 97. Por várias vezes, AA dirigiu-se às lojas junto à referida rotunda, ordenando aos comerciantes e trabalhadores que as fechassem e para se dirigirem para as Mesquitas, pois estava na hora das orações. 98. Pelo menos uma vez, em 2014 ou 2015, AA saiu do interior do restaurante ..., situado junto à rotunda com o mesmo nome, e entrou num veículo da marca ..., modelo ..., sem qualquer inscrição, com os vidros escurecidos e sem matrícula, pertença da Al Amniyah. 99. Por vezes, AA, enquanto membro da Al Amniyah, no exercício das suas funções, circulava a pé ou sentava-se nos bancos do jardim, vestido como os demais civis, na rotunda ... junto ao ponto de informação ali existente, a observar os seus concidadãos, com o intuito de recolher informação útil à organização, designadamente detectar infracções e infractores. 100. Em 2014 e 2015, BB e AA frequentaram, várias vezes, os pontos de informação acima referidos, do bairro .... 101. AA e BB frequentaram, várias vezes, em número concreto não apurado, o ponto de informação existente na rotunda ... rodeados de vários outros membros do Estado Islâmico, em número, pelo menos, de dez de cada vez. 102. Naqueles momentos, AA, BB e os outros membros do Estado Islâmico que os acompanhavam, vestiam, frequentemente, o traje afegão e traziam armas visíveis. 103. Os cidadãos eram obrigados, pelos membros do Estado Islâmico ali presentes, a assistir a vídeos de propaganda, elaborados pelo Estado Islâmico, exibidos na via pública, naquele ponto de informação. 104. Depois da exibição desses vídeos aos civis que passavam, o responsável pela exibição distribuía-lhes vários CD com cópias dos mesmos. 105. Pelo menos uma vez, durante a ocupação de Mossul, na rotunda ..., no bairro ..., BB saiu do interior de um veículo da Al Hisbah, da marca ..., modelo ..., levando, na mão, um suporte digital contendo uma gravação com uma publicação do Estado Islâmico e dirigiu-se ao interior da estrutura móvel de apoio ao ponto de informação ali existente. 106. Naquele momento, AA acompanhava BB. 107. Passado pouco tempo, os civis juntaram-se e disseram que estava a ser exibido um novo conteúdo do Estado Islâmico. 108. Só os membros do Estado Islâmico podiam aceder ao interior dessa estrutura móvel de apoio aos pontos de informação. 109. Estes pontos de informação passaram a estar inativos em meados de 2016, uma vez que, naquela altura, a preocupação do Estado Islâmico, era sobretudo com o combate às Forças Armadas do Iraque. 110. LL ou com a kunya de família LL, identificado nos autos, doravante LL, natural de Mossul, vivia nesta cidade, em 2014, aquando da ocupação pelo Estado Islâmico. 111. Viveu em Mossul no período de domínio do Estado Islâmico até à reconquista da cidade pelas Forças Armadas iraquianas e até ao gradual restabelecimento da paz e o regresso à normalidade que se iniciou com a reconstrução da cidade. 112. Em 2015, vivia com a sua família, mãe e pai, este GG, ou com a Kunya de família GG, doravante GG, com a sua mulher, com o seu irmão, duas irmãs, e um filho menor, no bairro ..., em Mossul. 113. O bairro ... dista cerca de 5 minutos de carro do bairro .... 114. Durante aquele período de domínio, em 30.10.2014, LL tinha-se casado com UU, filha de TT, no Tribunal Religioso do Estado Islâmico, o Tribunal da Sharia, único local onde se podia, na altura, contrair matrimónio. 115. Naquele período, TT, sogro de LL, vivia no bairro ..., numa casa situada em frente à casa de BB e AA, sendo que ambas distavam 10 metros uma da outra. 116. A família de BB e de AA e de TT frequentavam as respectivas casas. 117. Quando LL ficou noivo, em data não apurada após a tomada de Mossul, começou a frequentar o bairro ..., designadamente a zona da Rua 12. 118. E, por passar a frequentar muito o bairro ..., viu BB e AA, muitas vezes, assim como a restante família. 119. TT era membro do Estado Islâmico, para quem trabalhava, assumindo o serviço de cobrança de impostos. 120. Em 2015, em data não apurada, a então mulher de LL, UU, apropriou-se, de forma não apurada, do telemóvel daquele que se encontrava na casa onde ambos viviam. 121. Após, UU entregou o telemóvel ao seu pai TT. 122. No dia seguinte ao da apropriação do telemóvel, TT, sogro de LL, apresentou uma queixa contra este e entregou, na mesma altura, o telemóvel de que se tinha apropriado. 123. TT queixou-se de que o seu genro LL detinha, no seu telemóvel, fotografias onde aparecia com outra mulher. 124. TT queixou-se, também, de que o seu genro, LL fazia espionagem, designadamente prestava informações às forças do regime iraquiano, uma vez que, no telemóvel deste, estavam registadas algumas informações sobre o Estado Islâmico. 125. Inicialmente, a queixa foi apresentada na Al Hisbah, face à eventual situação de adultério, mas, depois, passou para a Al Amniyah, face às suspeitas de espionagem, mais precisamente de fornecimento de Informações ao regime iraquiano. 126. LL estava em contacto permanente com o Capitão CCCC, do Serviço de Combate ao Terrorismo iraquiano, 2º Regimento, a quem transmitia informações, localizações de GPS e fotografias de locais que as autoridades iraquianas não conseguiam localizar por via aérea. 127. E colaborava com as autoridades iraquianas no combate ao Estado Islâmico. 128. Na Al Amniyah, como referido, exercia funções CC que, por esse facto, recebeu o referido telemóvel, ficando com ele em seu poder, tendo ficado incumbido de dar seguimento à queixa. 129. Tendo a mesma chegado ao Tribunal do Estado Islâmico, Tribunal da Sharia. 130. De seguida, o Tribunal da Sharia deu uma ordem de detenção de LL que encaminhou para execução. 131. No dia seguinte ao do desaparecimento do telemóvel, CC, no exercício das funções que desempenhava no Estado Islâmico, munido da ordem de detenção do Juiz do Estado Islâmico, deslocou-se à casa onde residia LL, no bairro ..., em Mossul, com a sua família. 132. Na casa, estavam LL, o seu pai GG, o seu irmão e as duas irmãs e, ainda, um menor de idade, seu filho. 133. CC apresentou-se como Juiz da Al Amniyah e vestia o traje afegão castanho. 134. Trazia consigo uma pistola da marca ... à vista e colocada num coldre junto ao abdómen. 135. CC disse a LL que era vizinho do seu sogro, TT. 136. Disse-lhe que vinha da parte do tio de LL, no que foi entendido por ambos tratar-se do sogro deste, TT. 137. CC mostrou a LL o telemóvel deste e disse-lhe que o acompanhasse. 138. LL, sabendo que CC era membro do Estado Islâmico, saiu de casa sem resistir e acompanhou-o numa caminhada, durante cerca de 2 km. 139. LL aceitou acompanhar CC, porque tinha receio de, se não o fizesse, poder ser morto por este ou por outro membro do Estado Islâmico. 140. O pai, o irmão e as irmãs de LL intimidados com a actuação de CC, tendo-se apercebido de que o mesmo actuava ao serviço do Estado Islâmico, não opuseram qualquer resistência a que LL saísse de casa na companhia daquele, com medo de que todos pudessem ser mortos. 141. CC disse a LL que, no telemóvel deste, o mesmo tinha registadas informações pessoais, nomes de polícias e oficiais do Exército com quem contactava e a quem fornecia informações. 142. De seguida, CC disse a LL para lhe dar ouro e não dinheiro. 143. Depois da caminhada e da conversa, no regresso à casa de LL, CC nela entrou, sem o consentimento dos proprietários que, não obstante, uma vez mais, não resistiram à entrada com receio do que CC, que trazia uma arma consigo, lhes pudesse fazer. 144. Depois de ali entrar, CC deu um empurrão a LL, quando se encontraram num corredor. 145. De seguida, ordenou a LL que fosse buscar os seus documentos pessoais, nomeadamente os bilhetes de identidade seu e do seu pai, o cartão de identificação da sua mãe, directora de um banco, os passaportes, a escritura da casa, a escritura de outro prédio e um título de propriedade de um terreno. 146. LL, sem qualquer hipótese de reacção, pelo medo que CC lhe provocou e por temer pela sua vida e pela vida da sua família ali presente, foi buscar alguns dos referidos documentos e entregou-os a CC. 147. Seguidamente, CC deu um prazo de um dia a LL e a GG para reunirem o resto dos documentos que faltavam. 148. Ao exigir tais documentos, CC visava impedir a fuga de LL e da sua família. 149. CC ordenou, também, a LL e a GG que lhe dessem ouro, tendo estes respondido que não tinham. 150. No dia seguinte, de manhã, CC, acompanhado de três indivíduos, foram a casa de LL, à sua procura, pois queriam dar cumprimento à ordem de detenção emitida pelo Tribunal da Sharia. 151. Chegaram num carro da marca ..., modelo ..., com a inscrição Al Hisbah. 152. LL não estava em casa, por se encontrar no seu local de trabalho. 153. GG estava em casa, naquele momento, acompanhado pela mulher HH, por duas filhas II e JJ e pelo menor, com cerca de quatro anos de idade, KK, seu neto, filho de LL. 154. CC e os homens que o acompanhavam vestiam o traje afegão. 155. CC trazia uma pistola ... visível e os outros traziam uma metralhadora ..., cada um. 156. CC e os três indivíduos entraram no interior da casa, empurrando a porta sem autorização do seu proprietário que, não obstante, não reagiu por ter receio da reacção de CC e de quem o acompanhava, portadores de armas. 157. Mal entraram, na sala de estar, CC e outro indivíduo deram ordem aos presentes para se sentarem a um canto, no chão. 158. De seguida, CC e e outro apontaram as armas na direcção de todos os presentes sentados no chão. 159. Enquanto o quarto indivíduo permaneceu, também, a empunhar a arma que trazia, junto à porta da garagem. 160. No interior da habitação, CC, e outros partiram, atirando para o chão, objectos que ali encontraram, designadamente antiguidades, cristais, relógios, jarras russas e chinesas, uma televisão de plasma e fotografias emolduradas, sob o pretexto de se tratar de objectos proibidos. 161. CC apelidou GG de rafida, palavra que significa renegado. 162. Trata-se uma expressão antiga, mas muito ofensiva da honra, na cultura árabe. 163. GG sentiu-se ofendido na sua dignidade, honra e consideração. 164. CC acusou GG de ser informador, seguidor do Governo e de não prestar. 165. Com o comportamento descrito, o objectivo de CC e e os que o acompanhavam foi o de intimidar GG e todos os presentes que ficaram sem capacidade de reacção face ao medo que sentiram e, em consequência, obrigá-los a entregar-lhes os seus documentos. 166. GG entregou, a CC, os restantes documentos que, naquele momento, reuniu, designadamente os bilhetes de identidade e passaportes da sua mulher e das suas filhas, a escritura de terrenos e o título de propriedade de um veículo automóvel. 167. Depois de ter saído do curso militar, AA, ao serviço do Estado Islâmico, tratava, também, do imobiliário e era responsável pela obtenção dos documentos dos infractores. 168. GG ficou de entregar a escritura da sua casa a CC, no ponto de informação da rotunda de ..., no bairro .... 169. Ainda no interior da casa, CC perguntou onde se encontrava LL, ao que o pai respondeu que estava na loja. 170. Nesse mesmo dia, cerca de duas horas depois, CC e três outros indivíduos não identificados dirigiram-se à loja de relógios onde trabalhava LL, em ..., no bairro ..., Mossul. 171. Fizeram-se transportar num veículo da marca ..., modelo ..., com a inscrição Al Hisbah. 172. Vestiam todos o traje afegão e um colete com a inscrição Al Hisbah. 173. Estavam todos armados: CC trazia consigo uma pistola ... visível e os demais metralhadoras ..., igualmente visíveis. 174. Quando chegaram junto de LL, CC, e os outros dois indivíduos que os acompanhavam bateram–lhe na cabeça, de forma não apurada. 175. Após, infligiram-lhe golpes com as metralhadoras atingindo-o em todo o corpo. 176. E amarraram-lhe as mãos. 177. De seguida, levaram-no para dentro do carro, de marca ... modelo ..., contra a sua vontade. 178. GG perguntou para onde levavam o filho e um dos quatro indivíduos respondeu que se quisesse saber do paradeiro dele fosse à Al Hisbah. 179. Nem GG, nem nenhum dos ali presentes, reagiu à actuação que presenciaram porque tinham receio de serem mortos. 180. Após, CC, e os outros três indivíduos entraram na viatura, acompanhando LL e conduziram-no até à zona de ..., para um local chamado ..., na zona da igreja chamada .... 181. Tratava-se de uma igreja católica de que o Estado Islâmico se tinha apropriado e que servia como instalações e prisão da Al Hisbah. 182. Naquele local, existia um Tribunal da Sharia. 183. E, também, um espaço onde os membros da Al Hisbah chicoteavam os infractores e outro onde os executavam. 184. Durante o percurso, CC bateu em LL e CC, e os outros três indivíduos chamaram-no de descrente, infiel, apostata, renegado (rafida), indigno, sem moral, proxeneta, corrupto, por passar informações. 185. LL sentiu-se ofendido na sua dignidade, honra e consideração. 186. À chegada à prisão, situada junto do aludido Tribunal da Sharia, CC e BB estavam presentes. 187. Estavam ambos vestidos com o traje afegão, sendo que BB tinha uma metralhadora ..., atrás de CC que trazia uma pistola .... 188. Como consequência de todas actuações descritas, LL ficou com uma ferida a deitar sangue, junto a uma orelha e com hematomas e, mais tarde, com nódoas negras em todo o corpo. 189. Como consequência das actuações, LL sentiu terror, muito medo e muita dor, humilhação e vexame. 190. CC apresentou, de seguida, LL ao Tribunal da Sharia. 191. Naquele momento, estava, também, presente TT, sogro de LL. 192. Nesse local, imediatamente antes de ser apresentado aos Juízes do Estado Islâmico, outros membros desta organização taparam os olhos e ataram as mãos de LL. 193. De seguida, LL foi interrogado por dois Juízes do Estado Islâmico sobre as fotografias que tinha no seu telemóvel. 194. LL respondeu que as fotografias eram antigas, antes da vossa chegada, querendo referir-se à tomada de Mossul pelo Estado Islâmico. 195. Depois, os Juízes, membros do Estado Islâmico, interrogaram-no sobre os contactos que tinha no telemóvel. 196. LL disse-lhes que o telemóvel era antigo, assim como os referidos contactos. 197. LL estava convencido de que iria ser executado, pois sabia que quem praticava o adultério e fazia espionagem era executado pelo Estado Islâmico. 198. Sentiu medo e angústia que perduram ainda hoje. 199. Aquando do interrogatório, estavam, também, presentes dois membros da Al Hisbah, não identificados. 200. Após o interrogatório, estes dois membros da Al Hisbah bateram-lhe com um pau de madeira na cabeça e nas costas, ainda na presença de um Juiz. 201. Após, foi levado pelos dois membros da Al Hisbah para a prisão. 202. Em data não concretamemente apurada mas após a reunião em casa do sogro do LL, enquanto este se encontrava preso, GG dirigiu-se à rotunda ..., no bairro ..., ao ponto de informação ali existente e entregou a escritura da sua casa que, entretanto, obteve, a BB, a AA e a CC, conforme lhe tinha sido ordenado, tendo-o feito contra a sua vontade, uma vez mais, com receio do que a Al Hisbah poderia fazer ao seu filho. 203. Naquele momento, BB, AA e CC vestiam o traje afegão. 204. LL permaneceu preso 11 dias, sete numa prisão das instalações da Al Hisbah, em ... e quatro dias nas instalações da Al Amniyah, entre a ... (Universidade) e a Igreja de ... (Igreja ...), no bairro ..., em Mossul. 205. Na prisão, nas instalações da Al Hisbah, num dos dias, CC falou com LL e disse-lhe que ia fazer com que o executassem. 206. No segundo dia na prisão, membros da Al Hisbah torturaram LL batendo-lhe, de forma não apurada, até perder os sentidos. 207. LL esteve ali preso numa cela pequena com mais de 100 alegados infractores. 208. Todos esses infractores dormiam no chão e apenas comiam, a cada dois dias, pão e batatas. 209. LL dormiu no chão e só comeu, a cada dois dias, pão e batatas. 210. Nessa cela, existia um écran plasma, onde os membros da Al Hisbah passavam comunicados com informações que pretendiam difundir. 211. Nesse écran plasma, os membros da Al Hisbah passavam diariamente vídeos das execuções que iam levando a cabo. 212. LL viu alguns dos reclusos, que estavam naquele compartimento consigo, a serem levados por membros do Estado Islâmico, sendo obrigado, no dia seguinte, pelos mesmos, a assistir, no referido écran plasma, ao vídeo da sua execução efectuada por membros do Estado Islâmico. 213. Viu, nesses vídeos, diariamente, membros do Estado Islâmico a degolarem alguns dos reclusos com facas e a separarem-lhes a cabeça do corpo, a matarem outros com disparos de armas de fogo, sobretudo metralhadoras e a atirarem outros reclusos vivos do topo de um edifício, numa zona chamada .... 214. Designadamente, no período em que LL se encontrava preso na prisão da Al Hisbah, sete infractores, que se encontravam na mesma cela com aquele, foram levados por membros da Al Hisbah e executados, na zona de ..., por fornecerem informações às forças iraquianas, tendo a sua execução a tiro sido filmada e exibida no referido écran plasma da cela, tendo LL sido obrigado a assistir à mesma por membros do Estado Islâmico. 215. Os membros da Al Hisbah exibiam esses vídeos com o objetivo de criar medo nos infractores, como criaram em LL. 216. Ao oitavo dia de prisão, LL foi transferido para as instalações da Al Amniyah, em ..., entre a igreja de ... e ... (Universidade de Mossul), na zona residencial de Mossul. 217. Nesse mesmo dia, membros do Estado Islâmico LL, bateram-lhe de forma não apurada. 218. No segundo dia de prisão nas instalações da Al Amniyah, desde aproximadamente as 21.00 horas até às 03.00 horas, quatro membros da Al Amniyah, não identificados, penduraram LL, com os pés atados ao tecto, de cabeça para baixo, vendaram-lhe os olhos e bateram- lhe com um bastão indiscriminadamente no corpo. 219. O objectivo dos autores de tais actos era obter uma confissão de LL dos factos de que estava acusado. 220. No terceiro dia nas instalações da Al Amniyah, membros da Al Amniyah, não identificados, foram buscá-lo, de carro, pelas 04.00 horas. 221. Vendaram-lhe os olhos e levaram-no para um descampado, tendo-lhe dito que o iam executar. 222. No descampado, puseram-no de joelhos no chão, gritaram Allahu Akbar e dispararam ao seu lado. 223. LL começou a fazer a Shahada, pois convenceu-se de que o iam matar. 224. A Shahada é o primeiro dos cinco pilares do Islamismo, é uma oração que, traduzida, refere: Não há outra divindade além de Allah e Muhammad é o seu profeta. 225. De seguida, um daqueles indivíduos bateu-lhe com o pé nas costas, LL caiu e bateu com a cara no chão. 226. Após 15 minutos, os indivíduos levaram-no de volta às instalações da Al Amniyah. 227. No dia seguinte, membros do Estado Islâmico levaram-no, de novo, de carro, para as instalações da Al Hisbah, em .... 228. Já nessas instalações, foi abordado por um indivíduo de nome DDDD. 229. Esse indivíduo trazia consigo o telemóvel de LL, perguntou-lhe se era seu e disse-lhe que vinha da parte do seu pai. 230. Disse-lhe para formatar originariamente o telemóvel, apagando os respectivos dados, o que LL efectuou, e levou-o à presença de um Juiz do Tribunal da Sharia. 231. Após a detenção do filho, GG, em desespero, temendo seriamente a execução do filho, encetou vários contactos no sentido de tentar que intercedessem pela não condenação do filho à morte e pela sua libertação. 232. Nomeadamente, encontrou-se com TT, sogro do filho, rogando-lhe que ele retirasse a queixa contra o seu filho. 233. Com efeito, em data não apurada mas antes de ter entregado os documentos na rotunda, dirigiu-se a casa do mesmo, para falar com ele, local onde estavam CC e BB e AA vindo a tomar conhecimento da sua identidade, designadamente que eram BB e AA e que eram irmãos. 234. CC trazia consigo uma pistola visível. 235. TT disse que nada podia fazer e afirmou que tinha CC, BB e AA nas costas, que eram gente dele, expulsando-o depois da casa. 236. Ao falar de CC, BB e AA, TT pretendia causar medo a GG. 237. Após, GG foi às instalações da Al Hisbah e falou com um membro do Estado Islâmico, não identificado, segurança de um banco, tentando, mais uma vez, que o seu filho LL saísse em liberdade. 238. O referido indivíduo exigiu-lhe o pagamento de 15.000 dólares para que LL não fosse executado e saísse em liberdade. 239. GG obteve essa quantia, pedindo emprestado cerca de 10.000 dólares a amigos e familiares, e entregou a mesma a dois indivíduos, um ... e outro ..., membros do Estado Islâmico, que se dirigiram à sua loja, para o efeito, conforme tinha combinado com o referido indivíduo que lhe exigiu o dinheiro em troca da libertação do seu filho. 240. Aquando do interrogatório, o Juiz do Tribunal da Sharia, a quem LL foi apresentado pelo tal indivíduo DDDD, perguntou-lhe se estava arrependido. 241. LL disse-lhe que ia mostrar arrependimento, que ia fazer as orações e que ia fazer tudo o que o Juiz entendesse necessário. 242. O Juiz condenou-o a 120 chicotadas, ordenando, então, a um dos chicoteadores ali presentes para o chicotear. 243. Esse chicoteador desferiu-lhe, de seguida, 120 chicotadas, que o atingiram em diversas partes do corpo, com um pau de madeira ao qual estavam atadas umas tiras de um material plástico. 244. Após, o que coincidiu com o dia do pagamento da quantia de 15.000 dólares, o Juiz deu ordem de libertação de LL, o que veio, efectivamente, a acontecer de seguida. 245. Durante o período da prisão de LL, o seu pai não teve qualquer notícia do mesmo, uma vez que não conhecia ninguém que pudesse contactar para lhe fornecer essas informações. 246. GG pagou a referida quantia ciente de que se não pagasse o seu filho seria morto. 247. Três irmãos e um sobrinho de GG haviam sido mortos por membros do Estado Islâmico. 248. GG já tinha, também, sido baleado com quatro tiros por um membro do Estado Islâmico. 249. Como consequência de todas as sevícias a que foi sujeito desde a sua detenção, atrás descrita, LL sentiu muita dor e esteve cerca de quatro dias sem se conseguir mexer. 250. LL sentiu dores no corpo, pelo menos, durante um mês. 251. Como consequência de toda a actuação a que foi sujeito desde a sua detenção, atrás descrita, LL ficou com hematomas por todo o corpo e a sua cabeça teve que ser atada com ligaduras. 252. LL ficou, em consequência da actuação descrita, com marcas encarnadas, nódoas negras, com marca de tiras plásticas e com as mãos e os pés e os punhos inflamados. 253. Quando foi libertado, LL mal conseguia andar e precisou da ajuda do pai para ser colocado no interior de um veículo, de volta a casa. 254. Tinha muita dificuldade em dormir, face às dores que sentia nas costas, onde apresentava extensas nódoas negras. 255. Estava ausente, em estado de choque e tinha dificuldade em reconhecer as pessoas. 256. Quando falavam consigo, não falava, apenas abanava com a cabeça. 257. Para a sua recuperação física, LL necessitou de um período de 2 meses, sempre em sofrimento. 258. LL sentiu, também, sério temor pela sua vida, que se convenceu que ia perder, angústia e ansiedade, marcas emocionais que perduram até hoje. 259. Em consequência da actuação descrita, o pai e a mãe de LL experienciaram forte comoção que definem como morriam de medo, sentiram ansiedade e angústia por temerem que o filho fosse morto, estados psicológicos que duram até hoje. 260. O pai de LL, GG, confidenciou, na altura, ao amigo do filho, FF: “Quem me dera que me levassem a mim no lugar do meu filho.”. 261. A mãe de LL chorou quase todo o período em que o filho esteve preso. 262. Apesar das dores e dos hematomas que sentia, LL não se deslocou a um hospital, uma vez que era proibido, depois de uma passagem pela Al Hisbah, o recebimento de tratamentos médicos. 263. LL foi tratado, na sua casa, por um enfermeiro que ali se deslocava para fazer os curativos. 264. E que lhe enfaixou a cabeça. 265. O Estado Islâmico nunca prestava assistência médico-medicamentosa aos cidadãos que torturava. 266. O Estado Islâmico devolveu o bilhete de identidade a GG, mas nunca devolveu o bilhete de identidade a LL, nem o cartão do banco à sua mãe. 267. Em data não apurada, mas já depois da libertação de LL, na sequência dos factos descritos, TT voltou a apresentar queixa contra aquele, no Tribunal do Estado Islâmico, vindo a dar origem ao processo nº 78 do, Departamento de Justiça e Queixas do Tribunal Islâmico de Mossul, Diwan Al Qada’, Margem Esquerda, alegando que o mesmo prestava informações às autoridades iraquianas, que não era bom para a filha e que se tinha apropriado de dinheiro e ouro seus. 268. Em data não apurada, cerca de 10 dias depois da libertação de LL, mas já após a apresentação da referida queixa, teve lugar uma reunião, em casa do seu sogro, TT, com o fim de ser obtida uma reconciliação entre a família de LL e TT e a filha, mulher daquele. 269. Na comunidade iraquiana, tradicionalmente, muitos dos conflitos entre famílias são resolvidos num conselho ou assembleia tribal. 270. Estes acordos de carácter tribal, não são reconhecidos pelo Direito, mas em comunidades que se regem, também, por leis tribais, como no Iraque, são aceites pela população. 271. Nessa reunião, estiveram presentes GG, um irmão deste e LL, para além de TT. 272. À chegada à casa de TT, em frente à casa deste, junto à própria casa, estavam, novamente, BB e AA. 273. A reconciliação não foi alcançada pelo que, na sequência daquela queixa, o Tribunal da Sharia, no Processo 78, condenou LL a pagar ao sogro TT, sete milhões de dinares iraquianos, em ouro, o que correspondia a cerca de cinco mil dólares. 274. Em 09.12.2015 que corresponde à data de 27.02.1437, LL através da declaração de compromisso, de fls. 53 do Apenso D, cujo original se encontra no mesmo Apenso D, que assinou, contra a sua vontade e porque tinha receio de ser novamente preso e eventualmente morto, junto do Departamento de Justiça e Queixas do Tribunal Islâmico de Mossul, Diwan Al Qada’, comprometeu-se a entregar ao Tribunal da Sharia: - Em 16.12.2015, ouro, no valor de cinco pesos; - Em 09.02.2016, ouro, no valor de dez pesos; - Em 09.04.2016, ouro, no valor de dez pesos. 275. Nessa declaração de compromisso, assinada por LL, num modelo pré- formatado com a bandeira do Estado Islâmico, o Secretário dos Registos do Tribunal, designadamente do Departamento de Justiça e Queixas do Tribunal Islâmico de Mossul, Diwan Al Qaeda, apôs um carimbo com as menções Estado Islâmico, Califado, Tribunal de Mossul Esquerdo. 276. Em 17.12.2015, em 09.02.2016, em 27.02.2016 e em 09.04.2016, GG, contra a sua vontade e porque tinha receio de que o seu filho fosse novamente preso e eventualmente morto, deu ao filho que, por sua vez, entregou, nas mesmas datas, ao Departamento de Justiça e Queixas do Tribunal Islâmico de Mossul, Diwan Al Qada’, Margem Esquerda, Tribunal da Sharia, um total de 120 gramas em ouro, o que perfez, à data, sensivelmente um total de 6.002.731,00 IQD (dinares iraquianos), em ouro, o que correspondia a 4.631,26 €, quantia essa que, pelo menos parcialmente em montante não apurado, veio a ser entregue, pelo Estado Islâmico a TT. 277. Por cada entrega de ouro, o Tribunal Islâmico de Mossul emitiu os recibos de entrega/quitação que se encontram a fls. 47 e 48, 49 e 50, 55 e 56 e 57 e 58, cujos originais se encontram também no Apenso D e que entregou a LL que apôs, nos mesmos a sua impressão digital. 278. Nesses recibos de entrega/quitação o receptor EEEE, membro do Estado Islâmico que desempenhava funções no Tribunal da Sharia, apôs um carimbo com as designações Estado Islâmico, Califado, Tribunal de Mossul Margem Esquerda, Serviços de Contabilidade. 279. No âmbito desse processo 78, LL foi notificado para comparência, no dia 27.02.2016, perante o Juiz 25, do Tribunal do Estado Islâmico, Califado, Tribunal de Mossul Margem Esquerda pelo Secretário dos Registos do Tribunal que apôs na mesma um carimbo do Emir do Tribunal do Estado Islâmico, Califado, Tribunal de Mossul Margem esquerda, notificação cuja cópia consta a fls. 51 e 52 do Apenso D, assim como consta, no mesmo Apenso D, o documento original. 280. FF, trabalhava uma loja de brinquedos, a cerca de 30 metros do ponto de informação do Estado Islâmico existente na rotunda ..., no bairro .... 281. Em dia não concretamente apurado por volta das 17.30 horas, hora da oração do pôr- do-sol para os muçulmanos, FF encontrava-se a atender uma cliente na loja, (uma mulher com as vestes a tapar-lhe a cara), que lhe tinha pedido, expressamente, para ser atendida. 282. Por esse motivo, FF não tinha encerrado a loja e estava a desobedecer, em cinco minutos, à obrigação imposta, pela força, pelo Estado Islâmico à população de Mossul, de, a cada pôr-do-sol, na altura do chamamento para a oração, as lojas deverem ser encerradas e todos os habitantes deverem deslocar-se para as mesquitas orar. 283. Nesse momento, verificando que a loja estava aberta, BB, no exercício das suas funções na Al Hisbah, parou o veículo que conduzia da marca ..., modelo ..., com as inscrições Al Hisbah, nas laterais e na traseira do veículo, a cerca de 1,5 metros da porta da loja. 284. BB estava acompanhado de indivíduo não concretamente identificado com a kunya de VV. 285. VV era o líder de uma Katiba, ou batalhão, da Al Hisbah, forma de organização do Estado Islâmico, como atrás referido. 286. VV tratou BB pela sua kunya FFFF. 287. BB trazia vestido o traje afegão. 288. VV vestia uma túnica comprida e, por cima desta, um colete com a inscrição Al Hisbah. 289. VV saiu do interior do veículo e, em comunhão de esforços e intenções com BB, dirigindo-se a FF, perguntou-lhe: “Então, não sabes que está na hora da oração?”. 290. De imediato, BB disse a VV: Para que estás a falar com ele, mete- o já no carro. 291. VV, em comunhão de esforços e intentos com BB, chegou à porta da loja, cerca de meio metro para o seu interior, e puxou FF por um braço e meteu- o, contra a vontade do mesmo, no interior do veículo. 292. FF não ofereceu qualquer resistência pois tinha medo de, logo ali, ser morto. 293. Ter visto o colete da Al Hisbah vestido em VV foi o suficiente para não se ter atrevido a qualquer reacção face ao risco de serem mortos, se o fizesse. 294. A cliente, que se encontrava na loja, ainda disse que tinha sido ela própria a pedir que FF a atendesse e que este tinha dito que tinha que ir à oração, mas VV mandou-a calar, dizendo-lhe que a sua voz de mulher não devia ser ouvida. 295. Já aos comandos da referida viatura, BB, decidia parar, o que fez várias vezes, para recolher outros alegados infractores. 296. Assim, BB e VV fiscalizaram mais doze infractores que, em comunhão de esforços e intentos, obrigaram a entrar no interior do veículo, adoptando a mesma actuação que tiveram com FF. 297. Tratava-se de homens de diversas idades, alguns com cabelo e barbas brancas. 298. FF era o mais novo dos infractores. 299. Um dos infractores trabalhava numa barbearia. 300. Algumas das infracções eram a não obediência do fecho das lojas na hora da oração e outras o uso de tabaco. 301. BB disse a VV para ir colocando os diferentes infractores dentro do veículo. 302. Após, BB, VV e os treze infractores apinhados no interior do veículo chegaram à Mesquita de .... 303. Durante o percurso, nenhum dos infractores se atreveu a falar, face ao medo que sentiam e permaneceram com a cabeça baixa. 304. Quando ali chegaram, a Mesquita estava cheia de pessoas, a oração estava a terminar e os fiéis estavam a começar a sair do seu interior. 305. BB e VV saíram do interior do veículo e VV mandou, em comunhão de esforços e intentos com BB, que os infractores saíssem e se colocassem em fila, alinhados, de costas para a Mesquita. 306. Deste modo, todos os infractores formaram uma fila indiana de costas para a Mesquita. 307. FF ocupou o quinto lugar da fila. 308. BB e VV aguardaram que a oração terminasse e, no fim da mesma, dirigiram-se às demais pessoas que estavam a sair da Mesquita e que se iam apresentando nas costas dos treze infractores. 309. Depois BB e VV admoestaram-nos, à frente dos civis que obrigaram a que os ouvissem, disseram que os treze homens tinham sido levados para a Mesquita porque eram negligentes em relação ao horário da oração, renegados, porque um dos infractores fumava, não eram seguidores e, por isso, mereciam um castigo. 310. BB e VV eram os únicos membros do Estado Islâmico, naquele momento, na Mesquita. 311. BB e VV decidiram, de comum acordo, chicotear os treze homens, como punição, o que executaram efectiva e imediatamente. 312. FF foi chicoteado com 33 chicotadas nas costas, com cabos de plástico, que FF contou à medida que iam sendo desferidas. 313. FF estava de costas quando foi chicoteado. 314. FF estava, também, de costas para os restantes infractores, quando os mesmos foram chicoteados. 315. FF contorceu-se de dor, a cada chicotada. 316. Ao fim da décima chicotada o corpo de FF apresentava um tom esverdeado/azulado. 317. Todos os treze homens aperceberam-se, não obstante estarem também de costas, do chicoteamento dos demais. 318. FF apercebeu-se de quatro homens a ser chicoteados antes de si e teve noção perfeita de que BB e VV, também, o iam chicotear. 319. A maioria das pessoas que tinham saído da Mesquita assistiram ao chicoteamento dos treze homens 320. FF foi atingido nas costas, usando, no momento, unicamente, uma t- shirt fina. 321. Antes de ser chicoteado, BB e VV disseram-lhe para tirar o casaco que vestia. 322. Após ser chicoteado, FF foi libertado por BB e VV, já quando decorria a oração do fim do dia. 323. Em consequência da actuação descrita, FF sofreu dores enquanto era chicoteado. 324. Ficou com as costas negras, com hematomas. 325. Ficou com dores nas costas. 326. Durante uma semana, não conseguiu dormir de costas. 327. Todavia, não se deslocou a um hospital, pois tinha medo dos membros do Estado Islâmico, uma vez que tal era proibido após a execução de uma pena daquela natureza. 328. Os seus hematomas foram tratados por um enfermeiro que contratou e que passou a deslocar-se, a sua casa, para o efeito. 329. Durante uma semana, não conseguiu sair de casa e trabalhar, o que lhe causou um prejuízo financeiro, em montante não apurado. 330. Após ter sido levado para o veículo, FF sentiu angústia e muito medo, sentia-se a caminhar directamente para a morte, pois não sabia o que lhe ia acontecer, designadamente se ia ser morto. 331. Nos momentos que antecederam as chicotadas, ao aperceber-se que os demais estavam a ser chicoteados, FF sentiu ansiedade e angústia. 332. Além disso, FF sentiu-se humilhado, vexado e com vergonha, por ter sido chicoteado em frente aos civis, que saíam da Mesquita, do bairro onde trabalhava. 333. Devido ao trauma que sentiu, nunca mais quis trabalhar em Mossul. 334. Saiu de Mossul, vendeu a loja e deixou a zona, como consequência do trauma psicológico que sofreu. 335. Desde o momento em que BB e VV obrigaram FF a entrar no veículo, durante a oração do pôr-do-sol, até ao momento da libertação, durante a oração do fim do dia, decorreram cerca de duas horas, período de tempo em que não teve liberdade de locomoção, nem de expressão da vontade. 336. BB e VV privaram FF da sua liberdade durante esse período de tempo. 2.1.1.2.2 A Resistência ao Estado Islâmico e contexto da identificação dos arguidos (SIC…idem) 337. Sunitas e xiitas são seguidores de correntes diferentes do islamismo e coexistem há séculos, compartilhando muitas crenças e práticas, no entanto, mantêm diferenças importantes em questões de doutrina, rituais, leis, teologia e organização. 338. Os curdos iraquianos fazem parte de uma etnia originária do norte do Iraque, formando uma comunidade autónoma, unida pela etnia, cultura e linguagem, tendo diversas religiões e credos, mas a maioria é muçulmana sunita. 339. Controlaram a zona norte do Iraque na coligação militar internacional – Combined Joint Task Force Operation Inherent Resolve (CJTF – OIR) com os EUA, na luta contra o Estado Islâmico, liderados pelas forças Peshmerga. 340. Após a tomada de Mossul, iraquianos xiitas, sunitas e curdos uniram-se na luta contra o Estado Islâmico. 341. Nessa altura, também, alguns iraquianos, sobretudo Polícias e Militares do Estado Iraquiano, criaram brigadas de resistência ao Estado Islâmico, com vários pelotões, cada um responsável por uma área geográfica, que tinham como objectivo reunir o máximo de informação de membros do Estado Islâmico, da localização dos seus campos e de outros alvos estratégicos, para o que tiravam fotografias e forneciam coordenadas. 342. TTT, o então líder do Estado Islâmico, quando chegou a Mossul, obrigou os seus elementos a destaparem a cara, o que facilitou o processo de identificação. 343. Em meados de 2014, após a ocupação de Mossul pelo Estado Islâmico, na sequência de uma reunião entre o Coronel DDD, o Conselheiro de Segurança iraquiano GGGG e autoridades judiciárias do Iraque, foi criada uma rede de informações e fontes para oposição ao Estado Islâmico, designadamente a organização iraquiana da província de Nínive, denominada Ahrar Naynawa - Saat al-sifr ou Brigada Os Livres de Nínive - Hora Zero, brigada de resistência ao Estado Islâmico. 344. O Coronel DDD foi, então, incumbido de liderar esta organização, uma vez que tinha várias fontes privilegiadas na cidade de Mossul. 345. A referida brigada tinha como desígnio contribuir para a libertação daquela província iraquiana do jugo da organização terrorista Estado Islâmico, identificar e denunciar os seus membros, através da publicação das suas fotografias, sobretudo iraquianos que, vislumbrando o aproximar da contraofensiva militar das Forças Armadas do Iraque, se dissimulavam no seio da população civil de Mossul. 346. Sendo o Iraque uma sociedade tribal, de clãs, o objetivo era mostrar as fotografias dos que entraram para o Estado Islâmico, para dissuadir quem estaria a pensar entrar para a organização terrorista. 347. Um dos pelotões da Brigada Livres de Nínive, o pelotão Al-Q’a Q’A, era liderado por BBB que trabalhou, assim, durante o período da ocupação, de forma secreta para o Estado Iraquiano. 348. Esse pelotão Al-Q’a Q’A transmitia informações e provas que recolhia directamente ou que obtinha de infiltrados ou de colaboradores no seio do Estado Islâmico, ao Coronel DDD, que era, como referido, o responsável pela Brigada Os Livres de Nínive. 349. Por sua vez, o Coronel DDD transmitia o que obtinham, depois, às autoridades do Estado Iraquiano que estavam em Bagdade, às forças da Coligação liderada pelos EUA e às forças suecas, norueguesas e francesas que, munidos dessas informações, contra-atacavam, do ponto de vista militar, o Estado Islâmico, atingindo os seus alvos e detendo os seus membros. 350. Mais tarde, depois da queda do Califado, essas informações foram transmitidas, também, a autoridades de países europeus, permitindo a detenção de membros do Estado Islâmico, na Europa. 351. No fundo, a organização efectuou dois tipos de trabalhos distintos: um era de natureza militar e de segurança, em colaboração com as Forças da Coligação e outro, mais tarde, de colaboração com a Justiça, a fim de perseguirem judicialmente os cidadãos que eram membros do Estado Islâmico. 352. Esses resistentes, enviados aos locais pelo Coronel DDD, como o referido ex-Polícia anti-crime de Nínive, BBB’, deixavam crescer a barba e o cabelo, usavam roupas pobres, para passarem por civis e não despertarem a atenção, utilizavam documentos forjados para o caso de serem fiscalizados pelo Estado Islâmico e arrendavam casas em locais chave, para se introduzirem no seio da população e recolherem as informações. 353. Esses resistentes, nomeadamente o referido ex-Polícia anti-Crime de Nínive, BBB’, distribuíram, pelo menos em Setembro de 2016, no bairro de Hay Nargal, em Mossul, panfletos junto das populações e escreviam slogans nos muros cujo conteúdo visava desmoralizar o Estado Islâmico, apelando a uma revolta armada dos cidadãos de Mossul. 354. Fotografavam e queimavam, também, zonas dominadas pelo Estado Islâmico. 355. Em Dezembro de 2016, pelo menos por três vezes, como sinal de resistência, o ex-Polícia anti-crime de Nínive BBB’ desfraldou a bandeira iraquiana, na cidade de Mossul, durante a ocupação do Estado Islâmico, uma das quais no Banco de Investimento iraquiano, na área de .... 356. O Estado Islâmico considerava esse trabalho de resistência como espionagem e executava, como pena, a família inteira de quem o fizesse. 357. Após a criação da Brigada Os Livres de Nínive - Hora Zero, esta organização criou um perfil, no Facebook, a que chamou N`Ina`Ah, Ninawa, Iraq. 358. Esse perfil do Facebook era gerido pelo Coronel DDD. 359. A referida organização publicou, naquela página, a partir de meados de 2014, vídeos, fotografias e comentários sobre os acontecimentos relacionados com o conflito militar ocorridos na província de Nínive e denunciando aqueles que tinha apurado serem membros do grupo terrorista Estado Islâmico. 360. Nos textos, foram efectuadas referências a pessoas determinadas, a funções desempenhadas, a testemunhas, a acontecimentos e datas muito concretas, como a da tortura de um indivíduo perseguido pelo Estado Islâmico, denotando um conhecimento aprofundado de toda a factualidade ali denunciada. 2.1.1.2.3 A identificação dos arguidos pela resistência (SIC…idem) 361. Neste contexto, e com o objectivo de denunciar publicamente os arguidos BB e AA e o seu irmão CC, em 27.06.2017, pelas 19.44 horas, a referida Brigada publicou, no seu perfil da rede social Facebook, por ter recebido essa missão e para avisar os vários países, informações sobre CC, iraquiano de Mossul, irmão dos arguidos, acusando-o de ser membro do Da’esh e de ter sido responsável, durante o período de ocupação, pela segurança do grupo terrorista para a área compreendida entre a rua 11 e a rua 17 do bairro ..., na cidade de Mossul. 362. Nessa publicação, a organização Os Livres de Nínive - Hora Zero imputou ao referido CC, em 2014, o recrutamento dos seus irmãos, ora arguidos, identificados como sendo AA e BB, para as fileiras da organização terrorista Estado Islâmico. 363. CC é ali descrito como um indivíduo sem moralidade e que, dentro da organização, era especializado em assassínios, sendo ainda conhecido por torturar os suspeitos em conjunto com o seu irmão, referindo-se a mesma publicação a BB. 364. No texto, a organização Os Livres de Nínive - Hora Zero fez referência, ainda, a outro irmão dos arguidos, cuja morte diz ter sido simulada pela família em 2004, mas que reapareceu em 2014, como um dos líderes de primeira linha do Estado Islâmico. 365. Trata-se de AAAA, ali descrito como um dos fundadores da organização terrorista. 366. A organização Os Livres de Nínive - Hora Zero fez, também, referência a outros três irmãos dos arguidos, de nome próprio JJJ, HHH e III, mas acerca destes refere, expressamente, que não foram membros do Estado Islâmico. 367. Nessa publicação, na legenda da Imagem 1, retratando AA, está escrito: “o daeshiano AA”, e na legenda da Imagem 2, retratando BB, está escrito “O daeshiano BB”. 368. As imagens dos arguidos são precedidas de um texto em árabe cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 369. Nesse texto, a aludida Brigada referiu que BB integrou o Estado Islâmico, após 2014, através do seu irmão CC que era oficial de segurança, tendo trabalhado como investigador de segurança. 370. Aquela Brigada referiu, ainda, no texto em causa, que AA pertenceu ao Estado Islâmico após a queda de Mossul. 371. Os nomes e as fotografias correspondem aos arguidos. 372. E os nomes dos seus irmãos, também, estão corretos. 373. A organização Ahrar Naynawa - Saat al-sifr, ou Os Livres de Nínive - Hora Zero publicou, em data não apurada de 2017, no referido perfil que criou, denominado N`Ina`Ah, Ninawa, Iraq, vários conteúdos multimédia de propaganda do Estado Islâmico, conforme antes referido, designadamente 274 vídeos em formato MP4 e 9 documentos em formato HTML. 374. Já antes, em 2015 e em 2016, a Organização Os Livres de Nínive – Hora Zero tinha publicado esses vídeos que, entretanto, foram eliminados num ciberataque do Estado Islâmico à respectiva página do Facebook. 375. Um desses vídeos é um vídeo de propaganda do Estado Islâmico, designadamente de publicidade e apologia daquela que, à data, estava planeada ser a sua nova moeda fiduciária, o dinar. 376. Esse vídeo foi, também, emitido pelo canal ... (canal oficial de comunicação do Estado Islâmico), através da internet, que continua a emitir até hoje. 377. E foi, ainda, exibido nos pontos de informação de Mossul. 378. E distribuído à população, em CD, como propaganda do Estado Islâmico, pelos seus membros. 379. Em 2015, apesar de ter chegado a cunhar, em ouro, prata e bronze, o dinar do Estado Islâmico do Levante e do Iraque, o Estado Islâmico nunca o chegou a introduzir nos mercados, uma vez que as forças de segurança iraquianas recuperaram, entretanto, o poder sobre a cidade de Mossul. 380. Por ter controlado uma parte da produção de gás natural e a extracção do petróleo iraquiano, nomeadamente em Mossul, o Estado Islâmico obteve um poder económico imenso, tendo pretendido começar a cunhar a sua própria moeda, em ouro, em prata e em cobre, inspirada nos antigos dinares do Califado de Uthman do século XII. 381. O reconhecido activista sírio anti-Estado Islâmico HHHH que vive na cidade de Al Raqqa, antiga capital do Estado Islâmico, publicou, em 22.06.2015, no seu perfil da rede social Twitter imagens de um dinar em ouro, com o símbolo de sete hastes de trigo, mencionado no Alcorão e outra moeda de cinco dinares de ouro com um mapa-mundo, exactamente como a moeda exibida no referido vídeo, denunciando a intenção do Estado Islâmico em implementar esta moeda fiduciária, também, na Síria. 382. O autodenominado Departamento do Tesouro do Estado Islâmico anunciou essa intenção, em finais de 2014, e veio a concretizá-la pouco tempo depois, argumentando que pretendia retirar o Estado Islâmico do sistema global baseado na usura satânica, através da utilização da nova moeda. 383. Ao pretender cunhar moedas, assim como ao pretender emitir passaportes do Estado Islâmico, como pretendeu, esta organização tinha como objectivo transmitir às populações a ideia de que se tratava de um Estado legítimo que perduraria no tempo. 384. O vídeo original de propaganda do dinar do Estado Islâmico tem aposta no canto superior direito a bandeira preta do Estado Islâmico. 385. No vídeo que publicou, em 2017, a organização Ahrar Naynawa - Saat al-sifr, ou Os Livres de Nínive - Hora Zero tapou a bandeira do Estado Islâmico e sobrepôs à mesma o emblema da organização N`Ina`Ah, Ninawa, Iraq. 386. A imagem a retratar AA acima referida é um fotograma do referido vídeo. 387. Em finais de 2015, AA, quando estava perto da Universidade de Mossul, designadamente perto do Serviço de Proibição de Viagem, onde exercia funções, sabendo que estava a ser filmado para a realização de um vídeo de propaganda ao Estado Islâmico a que pertencia, como descrito mais à frente, aceitou ser filmado com esse objectivo, como veio, efectivamente, a acontecer. 388. Entre o minuto 04m27segundos e o minuto 04min34 segundos deste vídeo, AA, a sorrir, descontraído, segura e observa a moeda dinar do Estado Islâmico nas suas mãos, tece comentários impercetíveis e depois passa-a a outra pessoa que está junto a si. 389. Trata-se da apresentação da referida moeda por membros do Estado Islâmico, alguns dos quais envergando o traje afegão, outro a farda da Al Hisbah e outros portando armas de fogo automáticas. 390. Durante o vídeo, alguns indivíduos figurantes, simulando ser civis, com roupas de civis, tecem comentários sobre a moeda. 391. Um desses figurantes refere que: este Dinar terá um impacto grande nos muçulmanos em geral, em particular no Estado Islâmico. Primeiramente, será o derradeiro golpe no dólar, a nota de papel que serviu para corromper e enganar o mundo. É uma boa nova, é uma boa nova, irmão! 392. O vídeo foi editado pelo Estado Islâmico com acompanhamento de cânticos nasheed, canções que evocam os princípios político-religiosos do Estado Islâmico e comumente integrados nas suas produções de propaganda. 393. No primeiro cântico, a letra refere que estabelecer a lei de Deus é a nossa obrigação, fá- lo-emos nem que tenham que se cortar cabeças. 394. Na imagem inicial da filmagem, publicada no Facebook, surge o emblema da Brigada de 395. Os Livres de Nínive- Hora Zero, colocado no filme original do Estado Islâmico e o título A agência de Informação apresenta e Para não nos esquecermos de quem festejou com os daeshianos, em clara referência aos que festejaram com os membros do grupo terrorista Estado Islâmico – Da’esh. 396. Um dos figurantes, o figurante 1, refere que A economia dos Estados Unidos irá colapsar se Deus quiser. É uma moeda autêntica em ouro que irá perdurar, ao contrário das notas como as americanas que não passam de papel nas tesourarias. 397. Outro, o figurante 2, refere que Com permissão de Deus irá expandir-se a todo o mundo, tomando o lugar do dólar e do euro. Circulará se Deus quiser do Extremo Oriente ao Extremo Ocidente. 398. O figurante 4 refere que Se Deus quiser não haverá mais o dólar (…) será o derradeiro golpe no dólar. A nota de papel que serviu para corromper e para enganar o mundo. 399. O figurante 6 refere que Há muito que nós queremos uma moeda exclusiva do Islão, como muçulmanos. 400. O figurante 7 refere, enquanto, segurava um dólar na mão, que Isto tem impresso a imagem do diabo e da casa «negra» que destruíram o Islão e os muçulmanos. Enquanto este dinar de ouro é uma bênção e será um símbolo do Islão e dos muçulmanos. É melhor, muito melhor. 401. O figurante 8 refere Graças a Deus por termos conseguido ver esta moeda antes de morrermos. Agradecemos a Deus por nos termos libertado dos dólares e das moedas americanas que mandavam em nós. Hoje é uma boa nova e se Deus Quiser, iremos também ter controlo neles. 402. Por fim, o figurante 9 refere que Em nome de Deus, este dinar será um golpe forte para os inimigos de Deus e em primeiro lugar para a América. 403. Por outro lado, como atrás referido, em 2015, em Mossul, quando se encontrava na zona da rotunda ..., no bairro ..., AA celebrou a Libertação de Al Ramadi (assim chamada pelos membros do Estado Islâmico), ou seja, a libertação da cidade de Al Ramadi do poder do Governo iraquiano, em 2015. 404. AA, visivelmente contente, celebrou, vestido com o traje afegão, com um turbante na cabeça, trazendo uma arma visível, juntamente, com mais sete ou oito membros do Estado Islâmico, todos vestidos com o traje afegão e armados. 405. AA foi entrevistado, naquele momento, por outros membros do Estado Islâmico e elogiou aquela organização terrorista, no que foi filmado pelos respectivos membros e gritou Allahu Akbar!, ou seja, Alá é grande! 406. Esse momento de celebração foi aproveitado como produção audiovisual de propaganda do Estado Islâmico, tendo sido exibido, em data não apurada, num écran plasma gigante colocado na rua, num ponto de informação, na zona da Universidade ou do Complexo Cultural, em Mossul. 407. E foi, também, distribuído à população, em CD, como propaganda do Estado Islâmico, por membros do Estado Islâmico. 408. Esse vídeo foi, também, exibido pelo canal ..., através da internet, com o título A euforia dos muçulmanos pela libertação de Al Ramadi. 409. A referida organização Os Livres de Nínive- Hora publicou, também, este vídeo na sua página de Facebook, em 2016 e em 2017. 410. O vídeo original de propaganda do Estado Islâmico tem aposta no canto superior direito a bandeira preta do Estado Islâmico. 411. E o vídeo original foi elaborado pela Agência de Informação da Região de Nínive que era a Agência de Propaganda do Estado Islâmico daquela região do Iraque, onde se situa a cidade de Mossul. 412. Actualmente, o Estado Islâmico continua a produzir peças com conteúdo multimédia, mantendo o mesmo grafismo. 413. No centro da rotunda ..., no bairro ..., encontra-se, desde 2018, a estátua ..., pintada a ouro que representa uma mulher que olha para a cidade de Mossul ocupada, da autoria do escultor mossulense IIII que referiu ser aquela rotunda uma arena para decapitações, açoitamentos e apedrejamentos daqueles que violaram as normas impostas pela organização terrorista. 414. Ao erguer aquela estátua, precisamente naquela rotunda, o referido escultor referiu que trabalhou para fazer renascer as estátuas que foram destruídas pelo Estado Islâmico que as considerava ídolos proibidos pelo Islão, num esforço para ajudar a cidade e os moradores a esquecer as lembranças de injustiças, brutais opressões e punições terríveis – muitas das quais tiveram lugar em praças públicas e que tentou apagar da mente das pessoas a horrível imagem sombria de matar, chacinar e açoitar e substituí-la por um símbolo de beleza e vitória sobre o terrorismo. 415. Em 02.07.2017, SSS, iraquiano, membro das forças armadas da República do Iraque, quando se encontrava no Iraque, em Duhok, publicou no seu perfil do Facebook a mesma fotografia de BB e do irmão CC, publicada na página de Facebook da organização N`Ina`Ah, Ninawa, Iraq, anteriormente referida, acusando-os, também, de serem membros da organização terrorista Estado Islâmico, em Mossul.SSS tinha sido vizinho dos arguidos, em Mossul. 416. Na sua publicação, o militar iraquiano asseverou dispor de informações sobre BB e CC e apelou aos cidadãos heróis patrióticos do bairro ..., em Mossul, que testemunhassem perante o Juiz do processo 4/1 terrorismo. 417. No Tribunal de Investigação em Assuntos de Terrorismo de Nínive, em Mossul, Iraque, corre termos, perante o Juiz JJJJ, Juiz Vice-Presidente do Tribunal de Recurso Federal de Nínive e Juiz de Instrução no Tribunal de Investigação de Nínive, o processo-crime onde se investiga a prática do crime previsto no art.º 4/1 da Lei de Combate ao Terrorismo iraquiana, parcialmente pelos mesmos factos pelos quais é deduzida a presente Acusação. 418. Nesse processo, em 09.02.2021, o referido Juiz assinou os Mandados de detenção nacionais, contra os arguidos BB e AA e contra o seu irmão CC, cujas cópias se encontram a fls. 29, 30 e 31 do Apenso D. 2.1.1.3 Factos instrumentais referentes ao início da queda do Estado Islâmico em Mossul e saídas possíveis (SIC…idem) a) Durante a ocupação de Mossul pelo Estado Islâmico era muito difícil, para a população em geral, sair de Mossul. Fugir de Mossul, via Al Raqqa, para um civil não membro do Estado Islâmico, era um objectivo muito difícil de concretizar. b) Por um lado, para quem fugisse, havia o risco de ser bombardeado pelas Forças da Coligação lideradas pelos EUA. c) Por outro lado, existiam muitos controlos militares do Estado Islâmico. d) Um civil, homem, mulher ou criança, que fosse detectado nesse percurso, sem autorização, podia ser executado, por membros do Estado Islâmico, logo ali na beira da estrada, sendo os corpos abandonados. e) Matar, para os membros do Estado Islâmico, era um acto banal. f) Em 2016, Mossul, no Iraque, Idlib, na fronteira entre a Síria e a Turquia e Al Raqqa, na Síria, eram regiões controladas pelo Estado Islâmico. g) Quem pretendesse sair, com autorização do Estado Islâmico para uma situação concreta, como, por exemplo, um motivo de saúde, era obrigado a entregar os seus documentos pessoais e os documentos das propriedades, como garantia, para impedir que as pudesse vender e assim obter o dinheiro para a viagem, ou, então, tinha de deixar ao Estado Islâmico avultadas quantias em dinheiro. h) Os únicos que podiam sair sem entregar garantias eram os membros do Estado Islâmico. i)Quem não voltasse, perdia a propriedade dos seus bens, porque o Estado Islâmico deles se apropriava. j)O percurso desde Mossul a Al Raqqa, na Síria, capital do Estado Islâmico, era utilizado por membros do Estado Islâmico para saírem do Iraque, uma vez que a sua segurança estava garantida, porque aquela cidade era a autoproclamada capital do grupo terrorista. k) O percurso entre Mossul e a Turquia, através de um veículo terrestre, levava cerca de 17/18 horas de viagem. l)Em Março de 2016, conforme referido, as Forças Armadas iraquianas começaram, de forma faseada, uma campanha de recuperação de Mossul, num trabalho conjunto com as Forças da Coligação, com avanços militares no território e bombardeamentos. m) O Estado Islâmico começou, então, a declinar. n) Os membros do Estado Islâmico temiam a retaliação das populações, sendo certo que no Iraque vigoravam, também, leis tribais que permitiam a retaliação. o) Sabiam que se ficassem em Mossul, depois da queda do Estado Islâmico, podiam ser mortos. p) A partir desse mês de Março de 2016, por esse motivo, antes da operação de libertação da cidade de Mossul, 90% dos líderes do Estado Islâmico saíram de Mossul, via Al Raqqa, na Síria, para a Turquia e daí para outros países, levando milhões de dólares consigo. q) Essa fuga teve lugar após ter chegado ao conhecimento dos líderes do Estado Islâmico que o Governo iraquiano tinha dado uma ordem para reunir o Exército para que o mesmo libertasse as zonas controladas por aquela organização terrorista. r) Antes da sua fuga, quando perceberam que estavam a perder terreno para as Forças da Coligação, os líderes do Estado Islâmico ordenaram que as igrejas católicas fossem queimadas, com o objectivo de destruir todas as provas que os pudessem incriminar e como forma de retaliação contra as Forças da Coligação compostas por elementos de países maioritariamente cristãos. 2.1.1.3.1 Saída dos arguidos de Mossul (SIC…idem) 419. Em Março de 2016, antevendo a derrota do Estado Islâmico a que pertenciam e procurando furtar-se a eventuais retaliações pelo facto de serem muito conhecidos pela população de Mossul, nomeadamente pela população do bairro ..., como membros do Estado Islâmico e pelos factos por si praticados enquanto membros daquela organização, à semelhança de outros membros do Estado Islâmico na mesma data, os arguidos encetaram, de forma planeada, a sua fuga de Mossul. 420. Para além disso, sabiam os arguidos que, no período da reconquista, todos os que colaboraram com a organização terrorista seriam perseguidos a fim de serem responsabilizados judicialmente. 421. E sabiam, também, que poderiam ser punidos com pena de morte, sanção prevista no sistema penal iraquiano para factos como aqueles que praticaram como membros do Estado Islâmico. 2.1.1.3.2 De Mossul até à Europa (SIC…idem) 422. Assim, em 07.03.2016, os arguidos saíram de Mossul e, percorridos vários quilómetros ainda em solo iraquiano, entraram na Síria e chegaram à cidade de Al Raqqa, então ocupada e proclamada capital do grupo terrorista Estado Islâmico, como referido. 423. Dali, seguiram viagem por Alepo até atingirem a província de Idlib, controlada por milícias insurgentes de matriz jihadista, com destaque para a organização terrorista Hay'at Tahrir al- Sham (então Jahbat Al Nusra) conhecida por ser o braço armado da Al Qaeda na Síria. 424. Esta organização terrorista era especialmente conhecida pelo ultra-conservadorismo dos seus membros que se guiavam pelos valores mais extremistas e radicais defendidos pela organização terrorista Al Qaeda. 425. De Idbil, atravessaram a fronteira para a Turquia. 426. Naquela data, o Estado Islâmico dominava ainda a extensa faixa no quadrante norte do território sírio-iraquiano, desde a cidade Mossul até, pelo menos, à província síria de Alepo. 427. A rota de fuga escolhida pelos arguidos passou, precisamente, pelas zonas onde o Estado Islâmico estava fortemente implementado. 428. Por outro lado, o Iraque tem fronteira com a Turquia, não havendo necessidade, assim, para quem pretendia ir do Iraque à Turquia, de passar pela Síria. 429. Os arguidos não só atravessaram zonas dominadas pelo Estado Islâmico, como passaram mesmo por, pelo menos, duas zonas de combate e terminaram a atravessar a fronteira para a Turquia numa zona controlada por passadores e contrabandistas do Estado Islâmico. 430. A rota de fuga dos arguidos não passou pela cidade de Duhok, no Curdistão iraquiano, cidade controlada pelas forças curdas anti-jihadistas, próxima da localidade de familiares dos arguidos, para onde fugiram após a tomada de Mossul pelo Estado Islâmico, que fica a caminho da Turquia, no sentido de quem se desloca de Mossul. 431. Os arguidos falam curmânji, dialecto comumente falado no Curdistão iraquiano. 432. Todas as outras possíveis rotas de saída de Mossul, por norte, pelo Curdistão, ou por sul, por outras províncias iraquianas, eram rotas que atravessavam zonas controladas por forças que combatiam o Estado Islâmico. 433. A rota de fuga escolhida pelos arguidos foi a mesma dos Emires do Estado Islâmico. 434. Ao optar pela rota que escolheram e planearam, procuraram os arguidos, precisamente, fugir das forças curdas e do regime iraquiano que combatiam o Estado Islâmico, por temerem ser identificados como membros do Estado Islâmico. 435. Os arguidos não encontraram resistência na saída do Iraque para a Síria, nem da Síria para a Turquia, pois passaram por zonas que eram dominadas pelo Estado Islâmico, e, chegados à Turquia, atravessaram o país de autocarro. 436. Pelo caminho, os arguidos pararam para pernoitar, tomaram banho, fizeram a barba e mudaram de roupas. 437. No dia 14.03.2016, às 00.19 horas, BB viajava num autocarro, de marca ..., de uma empresa ... de transportes, em território turco, com uns auscultadores nos ouvidos, momento em que se fotografou a si próprio. 438. BB, no momento em que tirou a referida fotografia, ostentava barba. 439. Já no dia 17.03.2016, às 23.58.42 horas, BB encontrava-se a fumar um cigarro, numa ampla embarcação comercial, encostado ao corrimão, com destino à ilha ... de Lesbos, sem ter ninguém na sua proximidade, tendo esse momento sido fotografado por um terceiro. 440. BB tinha, naquele momento, a barba feita. 441. Cerca de 7 segundos depois, BB encontrava-se na mesma ampla embarcação comercial, com destino à ilha ... de Lesbos, a sorrir, encostado ao corrimão da embarcação, sem que outras pessoas estivessem na sua proximidade numa área de vários metros, tendo esse momento sido, novamente, fotografado por um terceiro. 442. Os arguidos fizeram uma curta travessia, por mar, até à Ilha de Lesbos, na Grécia, apanhando uma carreira de transporte regular, na Turquia. 443. Entre 17.03.2016 e 19.03.2016, os arguidos chegaram à ilha de Lesbos, na Grécia, onde ficaram, durante cerca de um ano, até virem para Portugal. 444. Na ilha de Lesbos, à chegada, os arguidos foram entrevistados pelas autoridades .... 445. Em 14.05.2016, AA escreveu um texto, não na sua língua materna, mas em inglês, pelo seu próprio punho, e que assinou como AA. 446. Nesse texto, AA escreveu, depois de traduzido: “Olá, sou do Iraque da cidade de Almousel a qual foi recentemente ocupada pelo ISIS (Daesh). Deixei o meu país juntamente com o meu irmão, após o Daesh ter tentado obrigar-me a juntar-me a eles e eu ter recusado. Eles vão matar-me, por isso, eu fui-me embora porque eu não quero estar com eles, fui para a Turquia que eu pretendo conseguir um lugar seguro para viver. Mas fiquei chocado depois da polícia turca me ter parado e batido depois disso roubaram o meu dinheiro e foram cerca de quatro mil dólares com o meu portátil, essa noite dormi na rua porque não tinha dinheiro, por isso decidi deixar a Turquia. Depois de uma longa jornada num pequeno barco com cerca de seis metros de altura que transportava cerca de 85 pessoas cheguei à Grécia com a graça de Deus e fiquei tão contente. No entanto encontro-me numa prisão chamada .... Eu cheguei à prisão de ... a 19.3.2016 de manhã e não sei qual é o meu destino aqui neste momento 14.5.2016 continuo em ....” 447. AA escreveu o referido texto, em inglês, para ensaiar o discurso que faria aquando da entrevista e verificação de segurança que as autoridades ... lhe iriam fazer. 448. Gravou esse texto no seu telemóvel e, passou-o, depois para o seu computador portátil. 449. AA sabia que o Estado Islâmico não o tinha obrigado a juntar-se ao mesmo e que o tinha recusado, sabia que não tinha viajado num pequeno barco que transportava cerca de 85 pessoas e que não tinha trazido dinheiro do Iraque. 450. O texto corresponde a uma história de cobertura que ensaiou a fim de obter o estatuto de refugiado. 451. AA foi entrevistado pelas autoridades ..., em 28.07.2016. 452. BB foi entrevistado pelas autoridades ..., em 29.07.2016. 453. AA e BB afirmaram que tinham, cada um, unicamente, um irmão (AA e BB respectivamente) e duas outras irmãs a residir no Iraque, sendo certo que fazem parte de uma fratria de 11 irmãos, no total, como referido. 454. Disseram, então, que fugiram de Mossul, em 07.03.2016, com a ajuda de facilitadores, ou seja, membros do Estado Islâmico, a quem pagaram uma quantia monetária, por serem refugiados do conflito sírio-iraquiano, em face das perseguições de que eram alvo por parte dos membros do Estado Islâmico. 455. AA referiu ter sido chicoteado pelo Estado Islâmico, em duas ocasiões, numa por estar a fumar e noutra por ter as calças demasiado longas. 456. Todavia, AA não referiu, às autoridades ..., que tinha sido obrigado a aderir ao Estado Islâmico. 457. AA referiu não poder voltar ao seu país, porque o Estado Islâmico estava no Iraque. 458. Na entrevista a que foi submetido, BB disse que não via as irmãs há um ou dois anos, não sabendo se ainda estavam vivas. 459. BB referiu ter ido de Ninawa (Nínive) no Iraque, para Al Raqqa, dali para Alepo, após para Idlib e depois para a Turquia. 460. Disse, ainda, que sofria de depressão, e: “Eu fiquei com problemas psicológicos depois da captura da minha cidade pelo Estado Islâmico. Vivi sob o seu regime durante um ano e oito meses. Eu estava a fugir do Estado Islâmico e é minha esperança que me apanhem. É melhor para mim estar no meu país. Agora vivo na rua na Grécia”. 461. Mais referiu ter sido internado num hospital psiquiátrico, na ilha de Lesbos, durante 4 dias. 462. BB disse, ainda, que: “em 2005, pelo Exército iraquiano fui torturado durante 3 horas na prisão. Os meus joelhos, a minha mão, as minhas pernas, as minhas costas, a minha cabeça, o Exército iraquiano queimou-me os pés com óleo. Depois disto deixei de conseguir trabalhar ou fazer seja lá o que for”. 463. Referiu, ainda, que, em Al Raqqa, cidade totalmente dominada pelo Estado Islâmico, parou por um dia e meio. 464. O entrevistador perguntou, então, a BB por que foi do Iraque para a Síria e BB respondeu que: “não tive outra escolha senão ir para a Síria. A milícia também me podia apanhar. Eu sou sunita e eles xiitas. Eu andava à procura de alguém que me pudesse tirar de Mossul. Encontrei um tipo da Síria e ele disse que me ajudaria.”. 465. O entrevistador perguntou-lhe se estava a fugir do Estado Islâmico, por que razão foi para Al Raqqa, sob controlo do Estado Islâmico, e BB respondeu que: “não podia ir para Bagdade ou para o Curdistão. A geografia do país é assim. É a única forma acessível de sair do país. Existem muitos grupos militares, por isso não pude voltar atrás. Em vez de enfrentar muitos grupos de militares, enfrentei apenas um grupo militar. Todos estão a fazer o caminho para fugir de Mossul.” 466. Deste modo, BB afirmou ter escolhido enfrentar, precisamente, o Estado Islâmico. 467. AA e BB sabiam que as declarações prestadas, aquando da entrevista, não correspondiam à verdade. 468. Ao omitirem o número de irmãos e a relação que tinham com os mesmos, pretendiam AA e BB não ser identificados como irmãos de CC e de AAAA, ambos do mesmo clã A..., por receio de que estes já estivessem referenciados pelas autoridades ... como membros do Estado Islâmico e que, assim, o estatuto de refugiado lhes fossem negado. 2.1.1.3.3 A Estadia em Portugal (SIC…idem) 469. Em 14.09.2016, o SEF recebeu um pedido de recolocação dos arguidos para Portugal, enviado pela Unidade de Asilo .... 470. Por despacho de 03.11.2016, a Directora Nacional do SEF aceitou a recolocação dos arguidos, em Portugal. 471. Em 29 de Março de 2017, os arguidos chegaram a Portugal provenientes da Grécia, no âmbito do Programa de Recolocação de Refugiados e na qualidade de requerentes de pedido de Protecção Internacional, fruindo do estatuto jurídico definido pela Lei de Asilo (Lei n° 27/2008, de 30 de Junho, alterada pela Lei n° 26/2014, de 5 de Maio). 472. Na mesma data, os arguidos apresentaram, junto do SEF, um pedido de protecção internacional. 473. Em 04.05.2017 e 15.05.2017, aquando da chegada, os arguidos foram submetidos a entrevistas de segurança pelo SEF. 474. AA mencionou que tinha mãe, pai, três irmãos e três irmãs, resposta diferente daquela que tinha dado na entrevista ... e contrária à realidade. 475. AA referiu recear a perseguição por parte do ISIS, mas também das forças governamentais. 476. Referiu, ainda, que vivia em Mossul e foi preso e perseguido pelo ISIS, várias vezes, quer pela maneira de vestir, quer porque fumava e começou a ter medo pela sua vida referindo, ainda, que o ISIS começava a obrigar os jovens a fazer treino militar para colaborarem com eles e ele não estava interessado. (…) tinha medo de ser obrigado a receber treino militar do ISIS. 477. Mais referiu que se voltar vai ser morto, porque é o que aconteceu aos amigos que ficaram. 478. Disse que receava ser perseguido, porque deixou o país e se voltasse era considerado um traidor. 479. E que receava a perseguição do ISIS, das forças governamentais e das milícias. 480. Mas, à pergunta que tipo de perseguição receava por parte das forças governamentais, AA disse que não queria responder. 481. Referiu ter saído do Iraque num camião, escondido dentro de um caixão. 482. E que, em Adana, na Turquia, um passador turco levou-os de autocarro até Istambul, onde foram detidos pela Polícia turca, tendo ficado dois dias na prisão. 483. Porém, AA não disse que a Polícia turca lhe tinha roubado 4000 dólares e o computador portátil e que tinha dormido, na rua, nessa noite, como tinha ensaiado no texto que escreveu em Maio de 2016. 484. Mais referiu que foram libertados a troco de algum dinheiro, mas não sem antes passarem, afinal, dois dias numa prisão turca. 485. Por seu turno, BB disse que saiu do Iraque, de carro, ao contrário de AA que referiu ter saído dentro de um caixão, num camião. 486. Só os membros do Estado Islâmico podiam ter a liberdade de sair de carro do Iraque. 487. Mais referiu que de Antaqya, na Turquia, foi para Istambul, de carro, ao contrário de AA que afirmara ter feito o percurso de autocarro, como, ambos fizeram. 488. Disse, ainda, que foi detido, em 2005, mas que foi uma coisa simples, ao contrário do que tinha dito às autoridades ..., designadamente que tinha sido torturado por três horas pelo Exército iraquiano. 489. BB disse, ainda, na entrevista portuguesa, que tinha dois irmãos e três irmãs, resposta diferente daquela que deu aquando da entrevista ... e diferente da realidade. 490. Disse, também, que saiu do Iraque porque vivia em Mossul, cidade controlada pelo Estado Islâmico e que, depois, não podia ir para Bagdade ou para norte porque havia bombardeamentos e perseguições e ele sentia-se inseguro por ser sunita. 491. Mais disse que devido à sua profissão como cantor era perseguido pelo ISIS e essa situação só lhe dava medo e insegurança. Por isso tornou-se sem abrigo e fugia de rua em rua, sem paradeiro certo, para ser difícil de localizar. 492. Mais referiu que se voltasse tinha medo de ser morto. 493. À pergunta por que receava ser perseguido, respondeu ter medo de todas as pessoas que têm armas no Iraque. 494. À pergunta de quem receava a perseguição, respondeu do ISIS, das forças governamentais e das milícias. 495. No dia 30.03.2017, a Diretora do SEF proferiu decisão e foram-lhes concedidas Autorizações de Residência Provisórias. 496. Tendo sido agendada a prestação de declarações de BB, no sentido de expor, perante o SEF, as circunstâncias que fundamentavam as suas pretensões e necessidade de proteção internacional, conforme previsto no art.º 16º da Lei 27/2008, BB recusou participar no processo de entrevista alegando não querer como tradutora uma pessoa do sexo feminino. 497. O SIS, através de Relatório de Notícia datado de 25.10.2017 (Classificado), em sede de cooperação internacional, obteve a informação de serviço congénere relativa a possível ameaça envolvendo quatro indivíduos que teriam intenção de cometer um ataque terrorista na Alemanha em nome da organização terrorista EI. 498. O SIS avaliou como provável que os arguidos BB e AA fossem dois dos identificados pelo serviço congénere no alegado planeamento de ataque terrorista na Alemanha. 499. No dia 17.11.2017, três semanas depois do relatório do SIS, pelas 14.00 horas, BB deslocou-se à estação de camionagem da ..., em ..., e embarcou num autocarro com destino a ..., na ..., com escala em .... 500. Adquiriu o bilhete de viagem, só de ida, momentos antes de embarcar. 501. BB ficou alojado no Centro de Acolhimento Primário de refugiados, em ..., da cidade de ..., no Estado Federal de ..., tendo manifestado intenção de requerer asilo às autoridades de imigração locais. 502. Foi depois transferido para ... (Estado Federal da ...), onde ficou alojado em .... 503. Antes da sua viagem, BB tentou contacto telefónico com o telemóvel ... ...64), sendo que o seu titular era KKKK, cidadão iraquiano, nascido a 20.03.1991, natural de Bagdade e residente na .... 504. BB omitiu deliberadamente a todas as entidades portuguesas responsáveis pelo apoio aos refugiados a sua deslocação à .... 505. Também, AA, após chegar a Portugal, fez deslocações a ..., a ... e a .... 506. BB não exercia, na altura da viagem, nenhuma actividade remunerada em Portugal. 507. Não frequentava nenhum programa de aprendizagem da língua portuguesa, como lhe tinha sido proposto pelas entidades nacionais responsáveis pelo seu acompanhamento social em Portugal. 508. No dia 29.12.2017, BB regressou a Portugal. 509. Desde o primeiro momento após a chegada a Portugal, AA passou a apresentar-se e a ser tratado como AA. 510. No seu círculo de contactos era conhecido por AA. 511. BB tratava, nesse círculo, AA por AA. 512. Em 2017, em data não apurada, antes do Verão, num encontro de iraquianos que teve lugar, em local não apurado, onde se encontravam L, BB e AA, este apresentou-se como AA. 513. Esses encontros, jantares, almoços e passeios voltaram a ter lugar. BB mudou de aparência, alternando entre uma pêra, de diferentes tamanhos, com ou sem bigode, ou apenas bigode sozinho, sem pelos nas linhas da mandíbula e do queixo. 514. No Ebook denominado A Mujahid Guide [Guia do Guerreiro Jihadista] (2015), How to survive in the west [Como sobreviver no ocidente], elaborado pelo Estado Islâmico, no capítulo com o título Esconder a identidade extremista refere: “Como agente secreto, terás que fazer muitas coisas e conhecer muitas pessoas. Tu não quererás que ninguém conheça tua verdadeira identidade, logo tens que te disfarçar de formas diferentes para que o teu eu real não seja exposto. Seguem abaixo algumas ideias: Veste-te como eles; Altera o teu primeiro nome ou escolhe um Alias; Um Alias é um nome diferente. Isso traz muitos benefícios na medida em que: Manténs a tua identidade real em segredo, salvando-te do perigo potencial caso as pessoas descubram algo sobre ti. Faz-te parecer mais amigável e de mente aberta para o público ocidental. Muda o teu visual. Se tu nasceste muçulmano: então não deixes muito óbvio que te tornaste um praticante Muçulmano. Por exemplo: se não deixaste crescer a barba, não deixes crescer agora, porque atrairás atenção indesejada para ti mesmo. (…) podem simplesmente deixar crescer uma pêra básica para cumprir a obrigação, enquanto outras pessoas pensam que estão a deixar crescer uma barba estilosa. Lembra-te de que alguns estudiosos dizem que a barba é o cabelo nas linhas da mandíbula e do queixo. Esses estudiosos, portanto, não consideram os pelos nas bochechas e no pescoço como barba e, portanto, podem ser removidos.” 515. A Câmara Municipal ... tinha celebrado, com o Conselho Português de Refugiados, um Protocolo que previa o auxílio por parte da autarquia a refugiados, designadamente apoio social, logístico, pecuniário, alojamento, água, luz, gás, reparações e manutenções domésticas, despesas de saúde e, também, acompanhamento, com tradutores, junto de outras entidades públicas. 516. Em Portugal, BB e AA não passaram tempo nenhum (a viver) na rua. 517. BB recusava ser fotografado em público. 518. Nos referidos encontros regulares de iraquianos, em Portugal, onde esteve presente L, BB não permitiu que L o fotografasse, nem no primeiro, nem no segundo encontro. 519. L só o conseguiu fotografar no terceiro encontro. 520. Num desses encontros, numa festa, BB foi filmado, em directo, por um amigo, para uma rede social. 521. Quando se apercebeu disso, BB discutiu com o amigo e obrigou-o a apagar o vídeo, o que este acabou por fazer. 522. Quando perguntado por que razão não aceitava ser fotografado, BB disse que era procurado pelo Dae’sh, por ter trabalhado como jornalista. 523. L efectuou, naquela altura, uma publicação na sua página do Facebook, de uma fotografia em que aparecia com AA, referindo-se ao mesmo, no texto que acompanhava a publicação, como AA. 524. Quando se apercebeu da publicação, AA removeu a amizade com L no Facebook e bloqueou o seu perfil. 525. Cerca de uma semana após a publicação, L foi contactado, através do Facebook, por SSS, militar iraquiano atrás referido, tendo este dito que o AA ali retratado não se chamava AA, mas sim AA, que o conhecia como sendo o irmão de BB, por terem sido seus vizinhos, em Mossul. 526. SSS disse, ainda, a L que o irmão CC tinha sido responsável pela Al Amniyah e que BB tinha integrado a Al Hisbah e a Al Amniyah. 527. E que CC e BB, ao serviço do Estado Islâmico, se haviam apoderado de bens da sua casa. 528. BB estava constantemente a alterar os números de telefone, possuindo ainda várias contas de correio electrónico. 529. Em 10.06.2019, BB apresentava um quadro sintomático caracterizado por “(…) reflexos acentuados (…) irritabilidade, impulsividade e acessos de raiva, reduzida capacidade de gestão da frustração.”. 530. “Apresentava, ainda, ansiedade e episódios de perda de controlo e raiva (…) e perda progressiva da capacidade de gerir as emoções, em particular a frustração, (…) perda de controlo das emoções em momentos de ansiedade. (…) Apesar de a sua conduta não dar lugar a agressões directas a pessoas, a sua atitude tornava-se ameaçadora para os seus interlocutores, sendo às vezes atingidos objectos sobre os quais a frustração era descarregada, (…) dificuldade em gerir proximidade afectiva”. 531. BB criticou, muitas vezes, um tradutor de árabe fornecido pelo Conselho Português de Refugiados para o apoiar junto de organismos públicos, queixando-se da sua tradução e do facto de ser negro. 532. Uma senhoria de BB, não identificada, sentia medo do mesmo e queixava-se às funcionárias do Conselho Português de Refugiados que aquele fazia o que queria e não era respeitador. 533. AA era considerado mais simpático do que BB, mas, também, manipulador. 534. AA adoptava uma postura diferente quando estava junto de BB, aquela que tinha quando estava sem ele por perto. 535. Junto de BB, AA tinha uma postura subserviente em relação àquele. 536. BB revelou dificuldades de integração. 537. BB não revelava intenção de se integrar na comunidade portuguesa. 538. Outras famílias acolhidas como refugiadas, oriundas da Síria e do Iraque, pediam para não estar na presença dos arguidos, justificando não se sentir confortáveis 539. Em data não apurada, depois da chegada dos arguidos a Portugal, no interior de um veículo automóvel, perante uma funcionária da Câmara Municipal ... identificada nos autos, que estava no exercício de funções a acompanhá-lo, BB disse, que: “um dia gostava mesmo era de abrir um corpo de uma mulher”. 540. Perante o que tinha ouvido, a funcionária ficou com medo e acelerou a condução do veículo, de modo a chegar rapidamente ao destino. 541. Por várias vezes, BB perguntou à referida funcionária se as funcionárias não sentiam medo de estar sozinhas consigo, por ser homem. 542. A referida funcionária perguntou-lhe: “então, mas porquê? És algum terrorista?” ao que BB se limitou a rir, não tendo dito nenhuma palavra. 543. No dia 16.01.2018, BB falou, ao telefone, com uma Assistente Social da Câmara Municipal ..., a quem averiguou da possibilidade de ter uma consulta, num dentista particular, com um preço baixo. 544. Como a referida Assistente Social lhe disse que já tinha reencaminhado o pedido e que nada podia fazer, pois, também, os portugueses não tinham consultas de dentista no sector público, BB respondeu-lhe que: “Eu hei de ir ao CPR. Eu hei de ir ao CPR e vou destruir todo o gabinete”. 545. A Assistente Social respondeu-lhe: “Mas o CPR é a organização que dá apoio aos refugiados”. 546. BB não aproveitou o apoio que lhe foi dado, mostrando-se sempre insatisfeito, não revelando qualquer interesse na sua integração na comunidade portuguesa. 547. BB não pretendia que uma técnica jurista do Conselho Português para os Refugiados o atendesse, pretendia, unicamente, cobertores novos e não usados por entender que a sua pele era sensível, reclamava de só ter 150,00€ de subsídio, indignava-se por Portugal receber refugiados e depois não ter condições para eles, queixava-se de poder vir a não ter comida, não obstante, durante quatro meses, nunca ter ido buscar a comida que lhe foi atribuída, o que motivou o cancelamento desse apoio, exigia que alguém lhe devia comprar um aquecedor, queixava-se da escola, do professor de português e das aulas ao sábado, chegando a faltar um exame de português. 548. Em Setembro de 2018, chegou ao fim o período de apoio do Programa e do prazo estipulado institucionalmente para que os arguidos obtivessem a sua autonomia social e financeira em relação aos serviços de apoio do Estado português. 549. Não obstante, em 28.09.2018, BB e AA continuavam a residir gratuitamente, numa casa particular arrendada pelo Conselho Português para os Refugiados, ao abrigo do Programa Nacional de Recolocação de Refugiados. 550. BB nunca exercera, até aquele momento, nenhuma actividade remunerada em Portugal, nem frequentava assiduamente nenhum programa de aprendizagem da língua portuguesa, como lhe foi sempre proposto e providenciado pelas entidades nacionais responsáveis pelo seu acompanhamento em Portugal, visando a criação de condições para a sua autonomia social e financeira e uma efectiva inclusão na sociedade portuguesa. 551. Aliás, devido à sua resistência aos mecanismos de integração, após terminado o prazo protocolado no âmbito do Programa de Recolocação de Refugiados e dos apoios sociais inerentes, BB não dispunha de condições financeiras para suportar a renda de um local para habitar e não podia mais ser apoiado pelo Conselho Português de Refugiados. 552. Foi apresentada a BB a possibilidade de, ainda, ficar, por mais 15 dias, a título gratuito, num apartamento em ..., onde estavam a residir outros três refugiados, sendo dois do Iraque, mas BB recusou essa opção e, também, a sair da casa que então habitava. 553. BB e AA sabiam, por lhes ter sido comunicado, que a mobília facultada, a título de empréstimo, iria ser removida, para serem iniciadas obras na referida casa. 554. Naquele dia, funcionários do Conselho Português de Refugiados e Assistentes Sociais da autarquia de ... dirigiram-se, para aquele fim, à residência dos arguidos. 555. BB, descontente com o levantamento da mobília, opôs-se e impediu um funcionário do Conselho Português de Refugiados, identificado nos autos, e outros refugiados que ali se deslocaram para ajudar naquela tarefa, de removerem a mobília. 556. BB disse que os funcionários não tinham provas de que a mobília fosse da autarquia ou do Conselho Português de Refugiados, afirmando que as mobílias eram suas e que as havia trazido do lixo. 557. Uma das funcionárias do Conselho Português de Refugiados disse a BB que este sabia muito bem que as mobílias não eram dele e perguntou-lhe se queria que chamasse a Polícia. 558. BB sabia que o que afirmou não correspondia à verdade. 559. BB avançou, mesmo, em direcção ao referido funcionário que teve que largar um móvel e recuar para evitar o confronto físico. 560. Este funcionário pensou que BB tinha problemas mentais e estava a descompensar. 561. BB desafiou os funcionários e as Assistentes Sociais. 562. As Assistentes Sociais disseram a BB que não queriam problemas e efectuaram vários telefonemas para as suas superiores hierárquicas. 563. BB queixou-se da Segurança Social e do facto de, naquele momento, só lhe dar 180,00€ por mês. 564. A certa altura, face à postura de BB, uma funcionária do Conselho Português de Refugiados comentou Ele vai descompensar. Já se viu que ele pode partir para a violência, não vamos fazer finca-pé. 565. A certa altura, AA confidenciou a uma das funcionárias Não posso dizer nada porque ele é o irmão mais velho. 566. BB filmou e gravou, com o seu telemóvel ... escondido numa caixa de papelão na cozinha, este episódio com os funcionários do Conselho Português de Refugiados e as funcionárias da autarquia de ..., não tendo sido autorizado, para o efeito, pelos mesmos. 567. Posteriormente, BB socorreu-se dos serviços da Segurança Social e da Santa Casa da Misericórdia ... e começou a trabalhar. 568. BB iniciou a sua actividade laboral em Portugal, em Outubro de 2018, numa empresa multinacional, onde desempenhava funções em língua inglesa. 569. No dia 19.03.2019, cerca das 16.30 horas, BB deslocou-se às instalações do Gabinete de Asilo e Refugiados, do SEF, em ..., ao balcão de atendimento, a fim de ser informado acerca do andamento do seu processo administrativo de protecção internacional. 570. Os Inspectores do Gabinete de Asilo e Refugiados, do SEF, fazem a instrução destes processos administrativos, efectuando, a final, a proposta de concessão de Autorização de Residência Permanente. 571. Pretendia BB obter a Autorização de Residência Permanente que tinha requerido. 572. O requerimento de concessão de Autorização de Residência estava, ainda, a ser instruído e não tinha sido alvo de decisão final, razão pela qual não lhe podia ser entregue a Autorização de Residência Permanente requerida. 573. Encontravam-se, no exercício de funções, naquele Gabinete, os Inspectores do SEF LLLL e MMMM, identificados nos autos. 574. Após ter tomado conhecimento da ausência de decisão, BB começou a reclamar. 575. Face ao seu comportamento, BB foi convidado, pelos Inspectores do SEF, a abandonar as instalações, tendo-se recusado. 576. A Inspectora LLLL que exercia funções no Gabinete de Asilo e Refugiados deslocou-se, então, ao piso 0, ao balcão de atendimento, por tal lhe ter sido solicitado por um superior hierárquico, que a alertou para o facto de estar presente um indivíduo que reclamava de forma incorrecta e se recusava a sair. 577. Já anteriormente, em data não apurada, por ter sido, também, confrontado com a ausência de decisão, BB havia reclamado pelos mesmos motivos. 578. A Inspectora LLLL abordou, então, BB e informou-o, em inglês, de que os serviços do SEF já se encontravam encerrados e que teria que abandonar as instalações. 579. BB, confrontando a Inspectora, disse que só abandonava o edifício quando lhe entregasse a sua Autorização de Residência Permanente. 580. A Inspectora do SEF informou-o de que teria que aguardar pela decisão final do seu processo, de que seria notificado. 581. BB respondeu-lhe, em inglês, que cheguei ao meu limite, eu suicido-me. Mas não morro sozinho. Estou a falar a sério. 582. A Inspectora do SEF questionou-o, também, em inglês: “Como?, ao que BB respondeu, em inglês: “Ouviu muito bem. É isso que disse”. 583. BB advertiu, de forma clara e séria, que através do seu martírio, atentaria contra a vida das pessoas que se encontravam naquelas instalações. 584. Por ter encarado aquela advertência, de um mal sério, credível e que se poderia concretizar, a Inspectora do SEF chamou, de imediato, outros seus colegas, com o intuito de acalmar BB e de o fazer sair das instalações. 585. Contudo, BB disse, confrontando os Inspectores do SEF que, entretanto, chegaram, que só abandonaria as instalações quando lhe entregassem a sua Autorização de Residência Permanente. 586. No entanto, apercebendo-se de que as suas pretensões não seriam acolhidas nesse dia, mesmo com o comportamento que adoptou, e em face de já estarem presentes seis elementos do SEF que o pressionavam a sair, BB deslocou-se para a porta de saída do edifício, mas, antes de sair, virou-se para os elementos do SEF e disse, em inglês: “Por hoje vou-me embora, mas volto. Mato-me aqui. Os jornalistas vão ter o que filmar. Não estou a brincar. Cheguei ao limite”. 587. A Inspectora do SEF, por ter sentido que BB estava a falar a sério, ficou, em consequência, com apreensão e medo de que BB pudesse voltar ao edifício e pudesse concretizar o que advertiu, designadamente que pudesse atentar contra a sua vida e a vida dos seus colegas Inspectores do SEF. 588. Atenta a proveniência de BB e o contexto da sua vivência no Iraque, assolado pela violência e flagelado com atentados terroristas, muitos dos quais perpetrados através de actos suicidas, a advertência do mal era adequada a provocar receio, medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação da visada. 589. Não podia a Inspectora LLLL ter deixado de ficar receosa pela sua vida e afectada na sua liberdade de determinação, na expectativa séria de que o facto (atentado suicida) se viria a produzir. 590. Em 26.04.2019, o pedido de proteção internacional (Processo. 1887/16) de BB foi objecto de proposta de recusa, por parte do SEF, do estatuto de refugiado e exclusão da protecção subsidiária, atendendo a que estava verificada uma situação de exclusão – “Não pode beneficiar do estatuto de proteção subsidiária o estrangeiro ou apátrida quando: (...) Represente perigo ou fundada ameaça para a segurança interna ou externa ou para a ordem pública”. 591. Em 20.05.2019, foi emitido um mandado de detenção e condução contra BB no âmbito do processo de afastamento coercivo de cidadão estrangeiro em situação ilegal, com o NUIPC 10481/19...., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Local de Pequena Criminalidade ... – Juiz .... 592. O referido mandado de detenção e condução foi cumprido em 27.05.2019, vindo BB, após interrogatório, a ser colocado em Centro de Instalação Temporária, por motivos de segurança nacional, BB foi conduzido para o Centro de Instalação Temporária do SEF, no .... 593. Em 19.07.2019, o Ministro da Administração Interna proferiu o seguinte despacho: “No uso da competência conferida pelo Decreto do Presidente da República, n.º 91 - C/2017, datado de 18 de Outubro, publicado no Diário da República n.º 201, 1.ª Série, de 18 de Outubro de 2017, com fundamento na informação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e ao abrigo do n.º 5, do artigo 29.° da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 26/2014, de 5 de Maio, é recusado o direito de asilo ao cidadão BB, nacional do Iraque, por não se preencher os requisitos do artigo 3.° da referida Lei. Com base na mesma informação, e por incorrer na cláusula de exclusão que decorre da al. b), n.º 2, do artigo 9.º da Lei 27/2008, de 30 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei 26/2014, de 5 de Maio, é recusada a concessão da autorização de residência por protecção subsidiária prevista no artigo 7.º da referida Lei.” 594. O motivo de recusa da concessão da requerida Autorização de Residência Permanente foi ter sido considerado que a permanência de BB, em Portugal, era um perigo ou fundada ameaça para a segurança interna ou para a ordem pública. 595. Esta decisão deixou BB em pânico, absolutamente aterrorizado. 596. BB tinha e tem receio de regressar ao Iraque, onde a Justiça iraquiana o esperava e onde era conhecido por ter aderido ao Estado Islâmico e trabalhado ao serviço da Al Hisbah. 597. BB justificou a PP esse pavor, por ter sido ameaçado por familiares de uma jovem curda com quem teve uma relação amorosa ilícita à luz da lei islâmica e que foi morta pelos mesmos. 598. E, ainda, por ter sido instaurado contra si um processo-crime por ter mantido essa relação ilícita com a jovem curda e, por esse facto, estar a ser perseguido pelas autoridades iraquianas. 599. BB justificou a QQ, identificada nos autos, não poder regressar ao Iraque, porque iria sofrer pena de morte, em virtude de ser sunita, pertencer a uma minoria de elite conotada com o regime de Saddam Hussein e por ter um estilo de vida boémio. 600. Sabia BB que o processo que corria e ainda corre termos no Tribunal no Iraque é por crimes de terrorismo. 601. BB veio a ser libertado, em 24.07.2019, por decurso do prazo limite de 60 dias, condição em que aguardou o desenrolar do processo administrativo de indeferimento do seu pedido de asilo e do recurso que, entretanto, interpusera. 602. Em 16.09.2019, por despacho do Ministro da Administração Interna, foi concedida a AA a Autorização de Residência Permanente em Portugal nº ..., válida até 16.09.2022. 603. Enquanto esteve em Portugal, BB aproximou-se de pessoas que o podiam ajudar a resolver a sua situação no país, principalmente, após o indeferimento do seu pedido de protecção internacional por parte do SEF. 604. Assim, BB aproximou-se, entre Maio e Dezembro de 2017, de PP, atrás referida. 605. PP é 23 anos mais velha do que BB. 606. É solteira, jurista e vive com a mãe. 607. O primeiro contacto que BB teve com PP foi num jantar árabe, na ..., onde estavam maioritariamente refugiados. 608. PP estava e está ligada a várias Organizações Não Governamentais, sendo voluntária na Caritas e associada da Amnistia Internacional Portugal e da Quercus. 609. PP chegou mesmo a viajar, entre 2016 e 2018, para a Jordânia e para a Grécia, no âmbito do seu trabalho voluntário na Caritas, a fim de prestar apoio a refugiados, vindos da Síria. 610. PP interessava-se por prestar apoio a refugiados, sendo uma pessoa com conhecimentos e contactos no âmbito de matérias de imigração e refugiados. 611. Largos meses depois, tornaram-se amigos, na rede social Facebook, onde BB encetou conversa, tendo estabelecido contacto com aquela. 612. A 21 e 23 de Maio de 2018, BB enviou, por WhatsApp, a PP uma cópia do título de residência e documentação do SEF, sua e de AA. 613. Esse contacto foi sempre mantido, através de conversações, e cada vez foi ficando mais estreito. 614. QQ é amiga de PP. 615. Em 2019, PP apresentou-lhe BB. 616. Em 25.08.2020, PP enviou, através de mensagem, o contacto telefónico de QQ a BB. 617. Por sua vez, QQ apresentou NNNN a PP, no Verão de 2020, como uma possível mais-valia na resolução no processo administrativo de BB, uma vez que era funcionária do SEF. 618. BB pretendia obter informação privilegiada quanto ao seu processo administrativo. 619. E a partir desse momento, PP manteve contacto telefónico, por SMS e WhatsApp, com NNNN. 620. Visava, também, BB, obter ajuda de QQ, como veio a obter daí para a frente. 621. À medida que BB foi conquistando a confiança de PP, a necessidade de dar cumprimento ao Dawa, trabalho de divulgação do Islão no mundo e uma obrigação para os muçulmanos, foi-se revelando. 622. Em 10.03.2021 e em 23.06.2021, BB enviou a PP, por WhatsApp, o link com dois vídeos, onde surge OOOO a pregar o islamismo, apelando a que assista atentamente aos mesmos. 623. OOOO é um pregador islâmico que vem sendo acusado de ter influenciado os autores do ataque terrorista de Dhaka, em Julho de 2016, no Bangladesh. 624. OOOO segue uma linha conservadora do islamismo wahhabi e referiu-se aos ataques de 11 de Setembro de 2001 como um trabalho interno (inside job) do Governo do EUA e afirmou que a apostasia do Islão era uma traição. 625. Em Outubro de 2017, a Agência de contra-terrorismo da ... acusou-o de insultar várias religiões e de recrutamento para o ISIS, estando proibido de entrar no ... e no .... 626. No vídeo com 15min51seg, OOOO defende que o Corão é um livro sagrado e completo por ele mesmo, que o Corão é a última e final revelação e o único livro religioso à face da terra que manteve a sua forma pura ao longo dos séculos, pelo que não considera a Bíblia a palavra de Deus. Admite que escrituras hindus e budistas, por exemplo, possam conter a palavra de Deus mas, ainda que assim seja, também foram alteradas, perdendo a sua pureza, e foram escritas para os povos daquele tempo. Sendo o Corão o último livro, a última revelação de Deus, e o mais actual é aquele que deve ser seguido pela humanidade. Pese embora a existência histórica de Jesus Cristo, foi apenas um mensageiro de Deus, e Maomé o mais recente e último profeta. 627. Em 28.03.2021, BB enviou, também, por WhatsApp, a PP outro nome de um pregador islâmico, PPPP. 628. A 28.06.2021, através de WhatsApp, BB enviou, novamente, a PP, o link com mais dois vídeos, desta vez de PPPP. 629. OOOO tornou-se pregador islâmico, precisamente, depois de ser influenciado por PPPP, pregador nascido na ... que mais tarde se estabeleceu na .... 630. PPPP, entretanto morto, é conhecido pelas suas ligações terroristas e conheceu pessoalmente o terrorista Osama bin Laden, tendo sido, em vida, um assumido antissemita e defensor ardente de Osama Bin Laden. 631. Em ..., fundou o Centro Internacional de Propagação Islâmica que foi financiado durante muito tempo pela família Bin Laden, na Arábia Saudita. 632. São ambos oradores que influenciaram a ideologia radical da organização terrorista Al- Qaeda, de onde viria a nascer a organização terrorista Estado Islâmico, dissidente daquela. 633. Em 17.05.2021, a respeito de uma conversa tida entre BB e PP sobre a religião católica e muçulmana, através de WhatsApp, PP enviou a BB, por mensagem, algumas referências bíblicas. 634. BB retorquiu com uma referência ao Novo Testamento, João, Capítulo 16, versículos 11-14, dizendo que que aquele que há-de vir, ali mencionado, é o profeta Maomé. 635. Em 18.05.2021, PP conclui a conversa dizendo que aquele que morrer primeiro, depois conta ao outro quem tem razão, ao que BB responde “quanto a mim, já te contei enquanto estou vivo.”. 636. No dia 09.07.2019, PP demonstrou a AA receio de que BB tivesse contactado QQQQ e RRRR. 637. Pelas 17.36 horas daquele dia, PP perguntou a AA: “QQQQ e RRRR – O BB nunca os contactou, pois não?” 638. QQQQ foi condenado, em 09.07.2019, pelo Juízo Central Criminal ..., no âmbito do processo-crime com o NUIPC 78/15...., a 12 anos de prisão pelos crimes de financiamento e recrutamento, falsificação de passaporte e utilização de cartões de crédito para recrutamento para o Estado Islâmico. 639. Por sua vez, RRRR, que foi detido em França, a 20 de Novembro de 2016, por envolvimento na preparação de um atentado terrorista, viveu com QQQQ, em ..., vindo a ser condenado, em França, a 30 anos de prisão efectiva. 640. PP chegou a ponderar casar, efectivamente, com BB no registo civil português, a fim de que este pudesse vir a obter a cidadania portuguesa, mas BB recusou, após terem sido informados de que o móbil do casamento poderia vir a ser investigado. 641. Em Portugal, BB seguia, também, os preceitos islâmicos, como muçulmano sunita, cumpria o Ramadão e a oração de forma assídua, não bebia álcool e não comia carne de porco. 642. AA, por seu lado, guardava consigo, no seu telemóvel, ..., o calendário do Ramadão. 643. O Ramadão é o nono mês do calendário islâmico, no qual os muçulmanos praticam o seu jejum ritual, o quarto dos cincos pilares do Islão. 644. O processo administrativo que corria no SEF era o tema mais frequente nas conversações, entre BB e PP. 645. Em 27 de Julho de 2020, o Tribunal Administrativo e Fiscal ... julgou improcedente a acção intentada por BB contra o Ministério da Administração Interna, em que peticionava a declaração de nulidade da decisão daquele Ministério de indeferir o seu pedido de protecção internacional. 646. BB viria a recorrer desta decisão judicial para o Tribunal Central Administrativo ... que, por Acórdão de 26.11.2020 lhe negou provimento, mantendo a sentença recorrida e o indeferimento do pedido de protecção internacional apresentado. 647. Ainda assim, BB viria a requerer a revisão daquele Acórdão junto do Supremo Tribunal Administrativo que, nos termos do Acórdão proferido em 11.03.2021, decidiu não admitir a Revista, tornando, assim, definitiva a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal .... 648. Em Dezembro de 2020, BB veio, a encetar uma relação amorosa com PP. 649. BB e PP não viveram nunca em condições análogas às dos cônjuges. 650. No dia 29.12.2020, BB e PP casaram-se segundo um ritual islâmico, casamento, no entanto, sem valor e eficácia para o sistema jurídico português. 651. Entre 14 e 16 de Dezembro de 2020, AA conversou com um indivíduo desconhecido. 652. Esse indivíduo disse, então, a AA que tinha regressado ao Iraque e que a situação no Iraque estava boa, que havia trabalho e dinheiro, estradas e pontes ainda fechadas ou destruídas, mas que estava contente e satisfeito, por ter voltado, revisitado vários lugares, tendo constatado que existe no Iraque tudo o que, também, há na Europa. 653. Mais esclareceu que, apesar de ter conseguido obter o seu passaporte e a sua Autorização de Residência, já não pensava regressar a Portugal, pois queria estar com a sua família e ajudar na estabilidade do Iraque, insistindo que a situação estava muito boa. 654. AA, tomando conhecimento da situação do Iraque, não demonstrou, ao referido indivíduo, qualquer interesse em regressar. 655. No dia 05.03.2021, BB e PP encontraram-se na rua, nas imediações do SEF, com NNNN, na altura, ainda funcionária do SEF/Gabinete de Asilo e Refugiados. 656. BB não necessitou de agendar marcação formal no SEF, uma vez que tinham combinado esse encontro que tinha como objectivo a entrega por NNNN de um formulário para que aquele requeresse a renovação provisória de Autorização de Residência. 657. BB assinou e devolveu a NNNN o referido formulário, a fim de esta dar entrada do mesmo no SEF. 658. A Autorização Provisória de Residência foi, assim, renovada até 02.09.2021. 659. O auxílio de QQ a BB apenas culminou no dia 31.08.2021, véspera da operação para cumprimento de mandados de detenção e buscas, agendada nos presentes autos. 660. Face à proximidade do dia 02.09.2021, data limite da Autorização de Residência Provisória, QQ considerava arriscado BB permanecer na residência conhecida pelo SEF e que, como forma de minimizar o risco de uma eventual detenção pelo SEF, BB deveria mudar de residência. 661. BB concordou com QQ. 662. Decidiram então, QQ e BB, que o melhor seria BB mudar de casa para evitar uma eventual detenção pelo SEF, no âmbito do processo administrativo, tendo a primeira disponibilizado o seu apartamento para onde este foi. 663. BB utilizou um número de telemóvel novo e diferente daquele que habitualmente utilizava, o ...54.... 664. BB disse a AA, no dia 31.08.2021, que ficaria naquela casa, durante três ou quatro dias e depois logo se veria. 665. BB, com receio de que as suas chamadas estivessem interceptadas, deixou o seu telemóvel antigo na residência que partilhava com AA. 666. Aquando da sua detenção, em 01.09.2021, no seu telemóvel ..., equipamento que utilizou até final de Agosto de 2021, BB tinha armazenado fotografias desde 18.03.2011 a 30.08.2021. 667. BB guardava, no mesmo telemóvel, 78 fotografias com data anterior a Junho de 2014, data da ocupação de Mossul pelo Estado Islâmico. 668. De Junho de 2014 até à fuga de Mossul, em 07.03.2016, BB apenas guardava 9 fotografias. 669. No mesmo telemóvel, BB guardava, também, uma fotografia sua que corresponde à fotografia que consta a fls. 7 e a fls. 2717 dos autos e que foi utilizada pela organização Os Livres de Nínive para o denunciar, não obstante ter sido invertida na horizontal, por esta organização. 670. No entanto, BB guardou no mesmo telemóvel, em data não apurada, a mesma fotografia invertida na horizontal que foi, precisamente, publicada pela organização Os Livres de Nínive, tendo-a apagado em data não apurada. 671. No curriculum vitae que elaborou, e que tinha guardado no mesmo telemóvel, também, BB não fez qualquer menção ao período compreendido entre Junho de 2014 e Abril de 2016, assim se verificando um salto cronológico. 672. No seu telemóvel ..., BB tinha guardado dois textos, em língua árabe. 673. BB tinha guardado um texto da autoria de SSSS, primeiro líder a promover o jihadismo, cujos textos glorificavam a coragem, a morte e a guerra em nome de Alá. 674. Este texto refere que o caminho da morte tem um objectivo, realçando a importância do martírio. 675. O texto fala do entusiasmo e bravura. O autor interpela a alma, dizendo-lhe para não ter medo, sendo que a morte é inevitável; pede-lhe para ter paciência no caminho da morte (campo de batalha), aceitando com contentamento a morte, diz-lhe para não ser fraca ou covarde, pois uma vida com covardia não tem valor. 676. BB tinha, também, guardado um outro texto da autoria de TTTT (Umm Mosab). 677. Este texto, sob a forma de poema, refere-se à importância de que as mulheres se vistam de forma púdica, lamenta o facto de as mulheres muçulmanas adoptarem uma forma de vestir ocidental, pautada por um incompreensível hino à nudez, como se estivéssemos nos tempos das cavernas, da escassez e da penúria, exorta as muçulmanas a não adoptarem esse estilo, encorajado pelos diabos dos prazeres, exorta as muçulmanas a não desrespeitar Alá e a conservarem a sua identidade própria, relembrando-lhes que a beleza está no traje recatado e na virtude que faz alcançar a paz nesta vida, bem como na do além. 678. No dia 01.09.2021, pelas 06.50 horas, na residência de QQ sita na Rua ..., em ..., onde se encontrava BB, este detinha consigo: - Um cartão de suporte de cartão SIM, da rede ..., com a indicação do PIN ...45 e PUK ainda por rasurar e referência ...42; - Um cartão de suporte de cartão SIM, da rede ..., com a indicação manuscrita ao número de telemóvel ...99 e número ...??6 e PIN ...22 e PUK ainda por rasurar e referência ...72; - Um cartão de suporte de cartão SIM, da rede ..., com a indicação do PIN ...82 e PUK ainda por rasurar e referência ...94; - Um carregador de telemóvel da marca ...; Um telemóvel da marca ..., modelo ..., com cartão SIM introduzido da rede ... com o ICCID ...94, com o PIN ...82 e IMEI ...15/2. 679. No dia 01.09.2021, pelas 08.45 horas, na residência sita na Rua ..., ..., BB detinha: - Um computador da marca ..., modelo ..., com a referência ..., de cor cinza escuro, acompanhado do respectivo cabo de alimentação; - Um telemóvel da marca ..., modelo ..., Dual SIM, com os IMEIS: ...94 e ...98, em tons de rosa, com capa protectora em plástico translúcido e respectivo carregador e código de desbloqueio ...87; - Um telemóvel da marca ..., modelo ..., com o IMEI ...75, em tom prateado, com o respetivo cabo de alimentação; - Um recibo Comprovativo de Pedido de Renovação de Autorização de Residência Provisória em nome de BB contendo a assinatura da funcionária NNNN e o carimbo do Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF; - Um cartão SIM da Operadora ... com a inscrição ...04; - Um telemóvel da marca ..., de cor preta e cinzento, modelo ..., com o IMEI ...22, sem qualquer cartão SIM ou SD; - Um tablet da marca ..., modelo ..., com um autocolante afixado no verso em mau estado, com referência aos seguintes dois IMEI'S ...65 e ...69 e SN: .... 680. No dia 01.09.2021, pelas 08.45 horas, na residência sita na Rua ..., ..., AA detinha: - Um computador portátil, de cor preta, marca ..., modelo ..., com uma etiqueta de códigos de barras acoplada na base, a qual tem a referência ...42, com respectivo periférico, carregador e cabo de ligação; - Uma pen drive / memória usb flash drive, de cor azul, sem quaisquer referências inscritas; - Um telemóvel de cor cinza, marca ..., modelo ..., IMEI ...83 / ...81, contendo cartão SIM da ... correspondente ao número ...21, PIN ...80; com o respectivo carregador e cabo de ligação da marca ..., e capa protectora em couro; - Um (01) computador portátil, de cor cinza, marca ..., modelo ..., ..., com duas etiquetas de códigos de barras acopladas na base, as quais têm as referências ..., com respectivos periféricos: carregador e cabo de ligação da marca ..., rato / mouse, de cor preta, da marca ..., extensor de ligações USB da marca ..., ..., contendo acoplada uma pen drive wireless com as referências ...76. 681. No dia 01.09.2021, pelas 07.05 horas, na residência sita na Rua ..., ..., onde residia NNNN, esta detinha: - Um computador portátil, da marca ..., modelo ..., de cor preta, sem número de série visível, com os respectivos cabos de alimentação; - Um cartão de memória MicroSD da marca ..., com capacidade para 512 Mb; - Um telemóvel da marca ..., modelo ..., de cor preta, com o IMEI1 ...71 e IMEI2 ...85, com o cartão SIM ao qual corresponde o número ...56, com PIN desconhecido. 682. No dia 01/09/2021, pelas 09.45 horas, no local de trabalho de NNNN, sito no Gabinete de Asilo e Refugiados, SEF, na Rua ..., em ..., encontravam-se: - Conta de correio electrónico de serviço de NNNN, com o domínio sef.pt, a que corresponde o endereço ..........@.....; - Processo físico administrativo referente ao pedido de protecção internacional efectuado por AA, identificado com a referência ...6, num total de oitenta e quatro (84) folhas; - Processo físico administrativo referente ao pedido de protecção internacional efectuado por BB, identificado com a referência ...6, num total de duzentas e trinta (230) folhas; - Recibo Comprovativo de Pedido (1 folha); - Registos de agendamentos informáticos e telefónicos (1 folha); - Escala de atendimento do GAR, relativo aos meses de Fevereiro e Março de 2021 (1 folha); - Logs de acesso às várias plataformas e sistemas de informação a que NNNN tinha acesso ou acedeu, bem como, os logs de acesso ao processo informático com a referência ...6. 683. Os arguidos eram conhecedores da situação político-militar vivida no Iraque e, particularmente, na cidade de Mossul que havia sido tomada e ocupada pelos membros do Estado Islâmico, em meados de 2014. 684. Com a convicção político-religiosa, marcadamente salafista-jihadista, de natureza violenta, imbuídos das mesmas aspirações e desígnios, ou seja fazer parte de um movimento internacional fundamentalista islâmico, de matriz jihadista, a denominada Jihad Global, os arguidos juntaram-se intencionalmente ao autoproclamado Estado Islâmico, organização reconhecida internacionalmente, pela ONU e pela UE, como organização terrorista, facto de que tinham pleno conhecimento, passando a ser seus membros. 685. Os arguidos tinham plena consciência das funções que iriam desempenhar e desempenharam, porque assim o quiseram, efectivamente, na estrutura daquela organização terrorista. 686. Ao integrarem a estrutura do Estado Islâmico, os arguidos sabiam perfeitamente o que lhes competia levar a cabo e que as suas acções teriam como objectivo a prática dos crimes compreendidos no escopo daquela organização terrorista, designadamente sabiam que iriam compactuar com a mesma e, na medida da sua participação, iriam contribuir para que a organização se fortalecesse naquele território, mantivesse o domínio e a subjugação da população, intimidando-a pelo medo que provocava. 687. Assim, em nome e representação da organização terrorista a que aderiram livremente, e em cujo nome, interesse e escopo actuaram, efectivamente, os arguidos em conjugação de esforços, praticaram os factos supra descritos, cometendo intencionalmente actos e actividades que prejudicaram a integridade e a independência do Estado Iraquiano, em primeiro lugar, e, de todos os Estados Ocidentais, em segundo, subvertendo o funcionamento das respectivas instituições. 688. Os arguidos promoveram intencionalmente o objectivo final do Estado Islâmico, no contexto dos seus deveres oficiais enquanto seus funcionários, designadamente da Polícia Religiosa Al Hisbah e do Serviço de Inteligência / Departamento de Segurança Al Almniyah, integrados no aparelho do autoproclamado Estado Islâmico. 689. Os arguidos quiseram as consequências dos seus actos, enquanto membros da referida organização terrorista. 690. O arguido AA actuou, também, intencionalmente como mujahidin de media, contribuíndo intencionalmente para a divulgação do conhecimento do Estado Islâmico e dos seus feitos, sabendo que estava a contribuir para o sistema de propaganda daquela organização terrorista, tornando os ideais do Estado Islâmico acessíveis a um público mais amplo, resultado que queria como seu. 691. Sabiam os arguidos que estavam a contribuir para o propósito do Estado Islâmico de subjugar a população, demonstrando a sua supremacia e preparando outros mentalmente para participar na luta por ele levada a cabo, enquadrando-se na sua estratégia mediática. 692. Os arguidos conheciam as circunstâncias reais do conflito armado não internacional que opunha o Estado Islâmico às forças da coligação liderada pelos EUA, as partes do conflito, a sua intensidade e organização. 693. Sabiam os arguidos que actuaram no contexto de um conflito armado não internacional. 694. Sabiam que a implementação dos objectivos do Estado Islâmico pressupunha a comissão de crimes de guerra, designadamente atrocidades e crimes cometidos contra os habitantes dos territórios ocupados. 695. BB praticou os factos de que foi vítima FF, também, como funcionário da Al Hisbah e, também, imbuído de um poder concedido pela referida autoridade com poder ilegítimo. 696. BB agiu na execução de um plano comum com um indivíduo chamado VV, de deter e manter detido, contra a sua vontade, a vítima FF, bem sabendo que assim lhe retiravam a liberdade de locomoção e de vontade, tendo agido dessa forma com intenção de o intimidar, de intimidar todos todos os que tiveram conhecimento da sua detenção. 697. BB agiu na execução de um plano comum com um indivíduo chamado VV e pretendeu castigar e punir fisicamente causando dores, sequelas e lesões supra descritas à vítima FF o que previu e conseguiu, tendo agido dessa forma com intenção de o intimidar, de intimidar todos os elementos da sua família, assim como todos os que assistiram às chicotadas e a população de Mossul que teve conhecimento em geral. 698. Os arguidos bem sabiam que todos os factos que praticaram, atrás descritos, eram susceptíveis de intimidar e subjugar a população do bairro ... em geral e as vítimas em particular, resultado que quiseram alcançar com a sua prática. 699. BB praticou os actos atrás descritos, no Gabinete de Asilo e Refugiados, contra a vítima Inspectora LLLL, que sabia estar no exercício das suas funções, com a intenção de lhe provocar medo de morte e de, através desse medo, compelir a referida Inspectora, contra a sua vontade, a entregar-lhe a Autorização Residência Permanente, acto relativo ao exercício das suas funções, mas contra os seus deveres do cargo. 700. BB tinha consciência plena de que tais expressões, invocando o martírio, assumiam inevitável conotação com um atentado suicida e como tal eram aptas a provocar o terror e a inquietação nos Inspectores do SEF. 701. BB estava ciente de que a sua actuação era idónea a fazer com que a vítima temesse pela sua vida e pela vida dos demais presentes. 702. Os factos praticados pelos arguidos colocaram em causa, de forma particularmente grave, bens jurídicos de elevada dignidade, tais como a integridade e independência dos Estados, o funcionamento das instituições dos Estados, violaram de uma forma grave múltiplos bens jurídicos individuais, nacionais e internacionais, designadamente a segurança, a vida, a liberdade, a ordem, a organização e a tranquilidade públicas, mas também e em grande escala, os fundamentos da dignidade humana, da sua própria condição e existência, pelo que são geradores de elevadas perturbação e instabilidade social, não só nacionais, como internacionais, sendo reconhecido internacionalmente que os membros daquela organização terrorista mataram e torturaram vítimas de forma indiscriminada, não só no conflito na Síria e Iraque, bem como nos ataques terroristas em que participam em todo o mundo. 703. Agiram os arguidos sempre livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida a nível nacional e internacional. 704. Em 14.09.2016, o SEF recebeu pedido de recolocação dos irmãos para Portugal, enviado pela Unidade de Asilo ...; aí consta que dos vários pedidos de informação feitos pelas autoridades ... às bases de dados de polícia nacionais bem como ao SIRENE-SIS II, os resultados vieram negativos. (cfr. Procedimento Administrativo de Protecção Internacional, apud Acórdão do Tribunal Central Administrativo ...). 705. Em 28.10.2016, o Inspector Chefe do SEF informa os Serviços de que, consultada a Unidade de Coordenação Antiterrorismo, “não constam antecedentes registados sobre os indivíduos em anexo” (cfr. Procedimento Administrativo de Protecção Internacional, p. 21) 706. Em 29.03.2017, chegaram a Portugal provenientes da Grécia, ao abrigo do programa de recolocação da União Europeia, e apresentaram pedido de proteção internacional junto do SEF (ibidem, p. 32). A 30.03.2017, a Diretora Nacional do SEF admitiu o pedido, tendo-se iniciado, em seguida, a sua instrução. Da admissão consta que não se verificam situações que constituam um perigo para a segurança nacional ou para a ordem pública/ motivos sérios para a aplicação de disposições em matéria de exclusão. 707. BB tinha passaporte válido até 29.10.2020 e viajou para a ... com o nome próprio e documento pessoais, regressando voluntariamente a Portugal quando viu gorado o pedido de asilo. 2.1.1.4 Condições pessoais dos arguidos (SIC…idem) 708. AA, em Portugal, tem apenas como referência familiar o seu irmão e coarguido BB, também preso no EP ..., que não pretendeu colaborar na elaboração do seu relatório social. 709. À data dos alegados factos subjacentes ao presente processo judicial, AA vivia em Mossul, República do Iraque, cidade onde nasceu e terá decorrido o seu processo evolutivo. 710. No seu país vivia com a sua família de origem, nomeadamente com os pais e dez irmãos. 711. Presentemente, os irmãos estão já autonomizados pelo que apenas duas irmãs permanecem naquele agregado. 712. A sua primeira experiência laboral, aos vinte anos, após o abandono da escolaridade, terá sido como ajudante no setor da restauração, a que se sucederam outras experiências pontuais nesse ramo profissional até à saída do seu país. 713. De meados de 2015 até início de 2016, estaria a trabalhar como chefe de sala, num restaurante em Mossul de nome “...”. 714. AA recorda o seu crescimento como afetivamente gratificante e normativo, de acordo com as regras e padrões da cultura e religião muçulmana. 715. A mãe, doméstica, é descrita como a figura mais interveniente no decurso do seu crescimento, cabendo ao pai colmatar as necessidades de subsistência da família. 716. O quotidiano familiar é descrito como economicamente equilibrado, assente nos rendimentos auferidos pelo progenitor, proprietário de várias lojas de venda de produtos diversos. 717. O arguido refere ter prosseguido com os estudos até ao equivalente ao 12º ano de escolaridade em Portugal, que terá concluído por volta dos dezoito anos de idade, a que se seguiu um período de pausa escolar e laboral de cerca de dois anos, em que alega ter estado inativo. 718. Tal percurso pessoal veio a alterar-se de forma significativa, com a sua decisão de abandonar o país. 719. Saiu do seu país m 07.03.2016, na companhia do seu irmão BB, teve passagens sucessivas por vários países como Síria e Turquia, onde permaneceu por um curto período, e de onde se deslocou por via marítima, para a ilha de Lesbos, na Grécia, onde permaneceu até obter o estatuto de refugiado, em 2017. 720. A decisão de vir para Portugal terá sido do seu livre arbítrio, dado que permanecer na Grécia não seria uma opção, atentas as condições aí disponibilizadas aos refugiados. 721. AA após obter o estatuto de refugiado entrou em Portugal a 29 de março de 2017, com o seu irmão, através do programa de recolocação de refugiados na União Europeia (UE), como requerente de pedido de proteção internacional, de acordo com o definido pela Lei de Asilo. 722. Assim, ao entrar em Portugal beneficiou de autorização de residência provisória no nosso país, o que lhe permitiu obter o apoio disponibilizado pelo Conselho Português para os Refugiados até setembro de 2018, que, através de protocolo com a Câmara Municipal ... (CM...), lhe garantiu habitação gratuita e recursos económicos para as necessidades básicas do quotidiano, bem como outros apoios, nomeadamente jurídico, para questões pertinentes quanto à sua condição de refugiado. 723. A 16 de setembro de 2019, é atribuída a AA a Autorização de Residência Permanente em Portugal, com validade até 16 de setembro de 2022, documento que veio a caducar já em período de situação privativa de liberdade. 724. AA descreve a sua primeira experiência laboral em Portugal, iniciada em maio de 2017, ainda sob o apoio e proteção do Conselho Português para os Refugiados e do protocolo com a CM..., tendo trabalhado no Centro Comunitário de ..., no apoio à iniciação à informática para crianças (utilização de PC), conjugando essa atividade com a frequência em horário pós-laboral, de um curso de português para estrangeiros, formação que concluiu em julho de 2018. 725. Nesse período, manteve residência em ... coabitando com o seu irmão BB, numa habitação subsidiada pela referida organização. 726. Após ter terminado o prazo do apoio disponibilizado pelo Centro de Apoio para os Refugiados, fixou residência em ..., em apartamento partilhado com outros imigrantes, na morada acima mencionada, onde terá permanecido até à data da atual prisão. 727. Nessa mudança de residência, AA não contou com a companhia do seu irmão, por este ter optado por viver com um outro indivíduo imigrante. 728. A 1 de setembro de 2017, o arguido viria a celebrar contrato de trabalho sem termo, com a Associação ..., para o exercício de funções com a categoria profissional de empregado de mesa, no restaurante de cozinha do Médio Oriente denominado ..., em ..., com um horário de 40 horas semanais e uma remuneração salarial de 750 euros mensais. 729. A atividade laboral do arguido neste restaurante viria a prolongar-se até à data da sua prisão, sendo que meses antes, refere ter sido promovido a um cargo de maior responsabilidade - chefe de sala, o que nos referiu ser do seu agrado pessoal, reportando o interesse profissional pela área da restauração desde sempre. 730. Em Portugal, a experiência laboral do arguido, de acordo com os documentos apresentados e contrariamente ao que foi descrito quanto ao seu percurso laboral no país de origem, alargou-se a outros setores profissionais. 731. Em paralelo à atividade no restaurante ..., foi desempenhando outras atividades profissionais conciliáveis com essa atividade. 732. Em 2018, trabalhou para o Centro Nacional de Apoio à Integração de Imigrantes (CNAIM), no atendimento telefónico com traduções em simultâneo da língua árabe/curda para inglês, mencionando ter sido pago com recurso a recibos verdes. 733. Posteriormente, em 11 de março de 2019, viria a celebrar contrato, com a EMP01... Unipessoal, Lda, em serviços de cariz administrativo, onde trabalhou aproximadamente até ao termo do contrato, em 10.09.2019, com horário das 08h às 16 h, seguindo- se em 15 de Dezembro de 2020, um contrato a termo certo por 12 meses, com a empresa “EMP02... Unipessoal, Lda, para o exercício de funções como analista /revisor de conteúdos do Youtube, tendo como remuneração salarial base de 1.150 euros mensais no cumprimento de 40 horas semanais. 734. Segundo o próprio, durante a sua estadia na Grécia, e de acordo com as cópias de documentos que nos foram entregues, AA trabalhou na ilha ..., para a organização independente Save the Children, com início em janeiro de 2016, como mediador cultural, mais especificamente na mediação linguística de Árabe e de Curdo, em diferentes programas dessa organização. 735. No plano pessoal, AA descreve o início do seu relacionamento amoroso com OOO, cidadão ... em finais de 2017. 736. Segundo OOO, terá sido em finais de 2018, que passaram a coabitar em ..., uma vez que por questões culturais e religiosas a assunção da orientação sexual por parte do arguido só veio a ser possível após a entrada em Portugal. 737. O relacionamento entre o arguido e OOO é avaliado por ambos como afetivamente gratificante, perspetivando-se a manutenção do mesmo num plano futuro. 738. Ainda assim, OOO pareceu evidenciar pouco conhecimento sobre o percurso vivencial do arguido no seu país de origem, sendo percetível no seu discurso pouco interesse quanto a essa vivência. 739. O arguido avalia a sua permanência em Portugal de forma positiva no que concerne a sua adaptação a uma outra cultura, apesar de alguns obstáculos com que se foi deparando, entre outros, a barreira linguística, que gradualmente foi ultrapassando com o apoio de aulas de iniciação à língua portuguesa e também através do convívio com cidadãos portugueses, o que terá facilitado a sua integração social e posteriormente laboral. 740. Em Portugal, o arguido refere ter tido oportunidade de viajar para outros países da Europa, nomeadamente ..., ... e ..., em turismo de curta duração, na companhia de OOO, situação também corroborada por este. 741. Em termos de características pessoais, AA, ao longo do processo de avaliação apresentou uma boa capacidade de autocontrolo, mostrando-se muito atento e cuidadoso na informação que prestou, embora mantendo uma relação pessoal cordial e colaborante. 742. Preso desde 01.09.2021, em regime de segurança no Estabelecimento Prisional ... (EP ...), o arguido tem vindo a denotar um comportamento institucional correto, sem registo de incidentes disciplinares. 743. As principais repercussões da sua situação jurídico-penal, para além da perda de liberdade, prendem-se com a perda da estabilidade profissional e familiar, que já tinha obtido em Portugal. 744. No início do ano letivo de 2022/2023, no EP ... frequentou com os cursos de inglês e português, ocupando algum tempo na sua cela, no ginásio ou no pátio exterior. 745. Do apurado, e desde a sua prisão, foi visitado regularmente por OOO, seu companheiro e várias vezes por PP, sua cunhada. 746. Com o seu irmão, a relação surge distanciada pelos condicionalismos prisionais, ainda que a mesma seja descrita como fraterna e coesa. 747. Relativamente à sua constituição de arguido no processo em causa, apresenta um discurso assertivo, organizado, mas, concomitantemente, vitimizante, alegando que em termos de convicções pessoais não tem qualquer interesse por ideologias religiosas, assumindo-se como ateu. 748. Ambiciona permanecer em Portugal, que justifica quer por razões pessoais, ligadas ao relacionamento afetivo que mantém, sem aceitação no seu país de origem, quer pelo facto de já se considerar socialmente inserido em Portugal. 749. Verbaliza preocupação com os familiares que se mantêm em Mossul, mas não pretende regressar ao seu país de origem. 750. O passado de AA terá decorrido no Iraque, no seio de uma família numerosa e num contexto descrito como afetivamente gratificante e normativo, de acordo com as regras e padrões da cultura e religião muçulmanas. 751. Permaneceu em Mossul-Iraque até 2016, data em que decidiu sair do país, alegadamente para fugir à situação conturbada que, à data, se vivia no país. 752. Após a passagem por vários países orientais e pela Grécia, AA passou a residir em Portugal, com o estatuto de refugiado de guerra em setembro de 2017. Tal contexto, permitiu- lhe obter autorização permanente de residência no país e usufruir de todos os apoios necessários à sua inserção na sociedade portuguesa, tendo logrado, por via disso, obter estabilidade pessoal, social e profissional, que se manteve até à data da sua prisão. 753. Mantém uma relação afetiva duradoura com um cidadão ..., que lhe tem prestado apoio e que o visita regularmente no EP .... 754. Tem recebido também a visita e o apoio do cônjuge do seu irmão. 755. Em termos de perspetivas futuras, pretende permanecer em Portugal, país onde considera encontrar-se totalmente inserido. 756. O arguido BB não quis fazer a entrevista para a realização do relatório social, tendo declarado em audiência de julgamento que a vivência no Iraque em termos familiares foi equivalente á do seu irmão, tendo como habilitações literárias o equivalente ao 12º ano.” 2.1.2. Factos não provados (SIC…idem) a) BB e AA e um quarto indivíduo não identificado, foram a casa de LL, à sua procura, pois queriam dar cumprimento à ordem de detenção emitida pelo Tribunal da Sharia. b) Que nesse dia BB e AA traziam uma metralhadora ..., cada um. c) BB e AA entraram no interior da casa, empurrando a porta sem autorização do seu proprietário. d) Mal entraram, na sala de estar, AA deram ordem aos presentes para se sentarem a um canto, no chão. e) De seguida, AA apontou as armas na direcção de todos os presentes sentados no chão. f) BB ficou a empunhar a sua arma junto à porta da cozinha. g) No interior da habitação, BB e AA partiram, atirando para o chão, objectos que ali encontraram, designadamente antiguidades, cristais, relógios, jarras russas e chinesas, uma televisão de plasma e fotografias emolduradas, sob o pretexto de se tratar de objectos proibidos. h) AA bateu na cabeça de LL. i) Que AA apelidou LL de descrente, infiel, apostata, renegado (rafida), indigno, sem moral, proxeneta, corrupto, por passar informações. j) Que quando LL entrou nas instalações do Tribunal da Sharia, em comunhão de esforços e intenção com BB, de forma não apurada, CC voltou a bater em LL, enquanto BB empunhava a metralhadora na direcção deste, dando protecção ao seu irmão e forçando LL, mais uma vez, a suportar tal actuação sem qualquer reacção, pelo medo que lhe infligia. k) Os arguidos praticaram os actos atrás descritos contra as vítimas GG, a mulher HH, duas filhas II e JJ e o menor, filho de LL, KK, em comunhão de esforços e intentos com o seu irmão CC e um quarto indivíduo, com a intenção de os constranger e intimidar provocando-lhes medo de poderem vir a ser mortos, e de, através dessa acção, compelir GG, contra a sua vontade, a entregar os documentos dos membros da família que, em comunhão de esforços e intentos com o seu irmão CC, haviam exigido, como, efectivamente, vieram a alcançar e, ainda, compelir os restantes membros da família, face ao medo assim provocado, a suportarem aquela actuação sem qualquer reacção. l) AA e BB, este em conjugação de esforços com o seu irmão CC, pretenderam castigar e punir fisicamente causando dores, sofrimento, sequelas e lesões supra descritas à vítima LL o que previram e conseguiram, com intenção de o intimidar, assim como a todos os presentes, designadamente ao seu pai GG. m) AA praticou os actos atrás descritos contra a vítima, GG, em comunhão de esforços e intentos com o seu irmão CC e com mais dois indivíduos, com a intenção de o intimidar provocando-lhe medo de morte e de, através desse medo, compelir GG a suportar a detenção do seu filho sem qualquer reacção. n) AA estava ciente de que a sua actuação conjunta com o seu irmão CC, mediante o uso de armas com disposição de dispararem contra as pessoas que eventualmente lhes pretendessem opor qualquer resistência, era idónea a fazer com que GG temesse pela sua vida e pela vida do seu filho e, bem assim, condicionar-lhe a liberdade de acção, determinação e paz individual, quebrando, desta forma, a vontade de lhes opor resistência e levando a que a vítima GG, pelo medo de morte causado, nada fizesse no sentido de evitar que levassem o seu filho, cTontra a vontade de ambos, o que conseguiram e representaram. o) AA bem sabia que ao proferir as expressões que proferiu a LL ofendia a sua dignidade, honra e consideração e, mesmo assim, quis fazê-lo. p) Os arguidos agiram intencionalmente na execução de um plano comum, e que foram renovando, de prender e manter presa, contra a sua vontade, a vítima LL, bem sabendo que, dessa forma, lhe retiravam a liberdade de locomoção e de vontade, tendo agido assim com intenção de o intimidar, de intimidar todos os elementos da sua família, assim como a todos os que se encontravam presos nas mesmas circunstâncias e a população de Mossul que viesse, em geral, a ter disso conhecimento. q) Que na loja onde se encontrava LL, CC, AA e os outros dois indivíduos apontaram as armas em direcção a LL, ao seu pai GG e a outros dois indivíduos não identificados que se encontravam junto à entrada da loja. r) LL e o Pai, ambos testemunhas de acusação, pertencem a família que teve antiga e grave contenda com a família A.... s) BB gritou, várias vezes, em inglês, que Portugal era um país de merda, demorava tudo muito tempo e que o Iraque era um grande país no tempo de Saddam Hussein e que tinha sido obrigado a vir para Portugal. 2.1.3. Motivação 2.1.3.1. De facto 2.1.3.1.1 Considerações gerais (SIC…idem) A apreciação da prova, ao nível do julgamento de facto, faz-se segundo as regras da experiência e a livre convicção do Juiz, nos termos do disposto no artigo 127.º, do Código de Processo Penal. No entanto, não se confunde esta, de modo algum, com apreciação arbitrária de prova nem com Ga mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova. É dentro dos tais pressupostos valorativos da obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio, suposto pela ordem jurídica, que o julgador se deve colocar ao apreciar livremente a prova, refletindo sobre os factos, utilizando a sua capacidade de raciocínio, a sua compreensão das coisas, o seu saber de experiência feito. É a partir desses fatores que se estabelece, realmente, uma tarefa (ainda que árdua) que se desempenha de acordo com o dever de prosseguir a verdade material. Em conformidade com o disposto no n.º 2, do artigo 374.º, do Código de Processo Penal, é nosso dever, para além da enumeração dos factos provados e não provados e a indicação das provas que serviram para formar a nossa convicção, fazer uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentaram a decisão sobre esta matéria, impondo-se ao tribunal, sob pena de incorrer em nulidade (cfr. alínea a), do artigo 379.º, do Código de Processo Penal), o dever de explicar porque decidiu de um modo e não de outro. Os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos que constituem o substrato racional que conduzem à formação da convicção do tribunal em determinado sentido e não noutro, devem ser revelados aos destinatários da decisão que são, não apenas os sujeitos processuais, mas também a própria sociedade, o conjunto dos cidadãos. O Tribunal tem de esclarecer porque é que valorou de determinada forma e não de outra os diversos meios de prova carreados para a audiência de julgamento. Foi à luz deste exato sentido e alcance da Lei, que se procedeu à apreciação das provas constantes dos autos e examinadas em audiência, afinal, as únicas que podem valer para a formação da convicção do tribunal, nos precisos termos do n.º 1, do artigo 355.º, do Código de Processo Penal. Pese embora todo o enquadramento que é feito na acusação e que nos levou a qualificar de factos instrumentais com o agrupamento dos factos provados constantes da acusação/pronuncia em: factos instrumentais relativos ao contexto geopolítico-militar, o Daesh como grupo terrorista e a sua implantação no Iraque (Estado Concha como o denominou o professor RRR) e factos referentes ao Irmão dos arguidos que alegadamente os recrutou, bem como factos essenciais referentes ao objeto do processo, os quais são em resumo: em Mossul, o percurso dos arguidos de Mossul (com uma panorâmica instrumental referente às possibilidades de sair de Mossul, especialmente em março de 2016 – data da saída dos arguidos) até Portugal e os factos imputados ao arguido BB em Portugal. O que se mostra essencial resume-se às imputações feitas aos dois arguidos, tendo o Tribunal optado por isolar estes factos como o objeto do processo propriamente dito, sendo certo que muitas vezes não nos podemos distanciar de algumas práticas do seu irmão CC, porquanto surge como a figura ascendente em relação aos arguidos e determinante para estes terem, ou não, aderido ao Daesh cuja imputação como grupo terrorista nesta fase da história não suscita quaisquer dúvidas. 2.1.3.1.2 UNITAD (SIC…idem) A segunda questão objeto de motivação, consiste em saber se os arguidos praticaram, ou não, crimes de guerra. Não podemos iniciar a motivação da matéria de facto sem uma prévia, mas expressa referencia à Unitad. Em fonte aberta – ONU – podemos perceber o intuito com que foi criada, a objetividade e isenção necessárias da sua atuação e mandato: “Entre junho de 2014 e dezembro de 2017, o EIIL capturou, controlou e operou com impunidade grandes extensões de território no Iraque, cometendo graves abusos do direito internacional dos direitos humanos, do direito penal internacional e do direito humanitário internacional — atos que podem constituir crimes de guerra, crimes contra humanidade e genocídio. A subsequente libertação de grandes áreas do Iraque do controlo do EIIL expôs a magnitude dos crimes infligidos aos habitantes destes territórios. O depoimento de testemunhas revelou uma infinidade de abusos cometidos contra as populações sob o controlo do EIIL, incluindo execuções, tortura, amputações, ataques etno-sectários, violações e escravatura sexual imposta a mulheres e raparigas. Milhares de crianças tornaram-se vítimas, testemunhas e perpetradores forçados das atrocidades do EIIL. Até à data, mais de 200 valas comuns contendo os restos mortais de milhares de pessoas foram descobertas em áreas anteriormente controladas pelo EIIL. Estas cenas de crimes em grande escala são locais de perdas humanas angustiantes, sofrimento profundo e crueldade chocante. À medida que o EIIL era expulso dos seus redutos no Iraque, a comunidade internacional enfatizou a importância crucial de responsabilizar os membros seniores pelos crimes que cometeram, com base em investigações e análises objectivas e baseadas em provas. Reconheceu também que a apresentação detalhada e factual das atrocidades do EIIL em processos penais justos e transparentes será fundamental para os esforços destinados a minar os fundamentos ideológicos do movimento EIIL, reduzindo assim a sua capacidade de se espalhar ainda mais. Neste contexto, em 9 de agosto de 2017, o Governo do Iraque apelou à comunidade internacional para ajudar a garantir que os membros do EIIL sejam responsabilizados pelos seus crimes no Iraque (S/2017/710). A comunidade internacional respondeu a este apelo com uma só voz, com o Conselho de Segurança a adotar por unanimidade a resolução 2379 (2017), pela qual solicitou ao Secretário-Geral que estabelecesse uma equipa de investigação, chefiada por um Conselheiro Especial, para apoiar os esforços nacionais para deter o EIIL. responsabilizar pela recolha, preservação e armazenamento de provas no Iraque de atos que possam constituir crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio cometidos no Iraque. (sublinhado nosso) Nos termos desta resolução, o Secretário-Geral criou a Equipa de Investigação das Nações Unidas para Promover a Responsabilização pelos Crimes Cometidos pelo Da'esh/ISIL (UNITAD) e nomeou o primeiro Conselheiro Especial e Chefe da Equipa a partir de 31 de maio de 2018. Atualmente, a equipe é chefiada pelo Conselheiro Especial UUUU. Na implementação do seu mandato, a UNITAD deve ser imparcial, independente e credível e deve agir de acordo com a Carta das Nações Unidas e as melhores práticas das Nações Unidas, e com o direito internacional relevante, incluindo o direito internacional dos direitos humanos. A UNITAD trabalha com os mais elevados padrões possíveis, a fim de garantir a utilização mais ampla possível das provas recolhidas pela UNITAD perante os tribunais nacionais. A cooperação eficaz com o Governo do Iraque é fundamental para o mandato e as atividades da UNITAD e trabalha em estreita colaboração com os seus homólogos nacionais para conduzir o seu trabalho de forma a complementar as investigações realizadas pelas autoridades nacionais e no pleno respeito pela soberania nacional. O Conselheiro Especial e Chefe da UNITAD é obrigado a submeter ao Conselho de Segurança relatórios das suas atividades a cada 180 dias. Estes relatórios são produzidos de acordo com a resolução 2379 (2017) do Conselho de Segurança das Nações Unidas. PDF e os Termos de Referência PDF e fornecer uma visão geral do progresso realizado no trabalho da Equipe de Investigação durante o período do relatório. E esta introdução afigura-se-nos fundamental para que possamos entrar na análise da prova e para que possamos analisar o depoimento de MM, sem quaisquer embargos emocionais, pois é sob a égide destes princípios que intervém nos nossos autos, com especiais cuidados no seu recrutamento, na garantia da execução de tais objetivos – isenção e imparcialidade. Basta procurarmos em qualquer fonte aberta relacionada com a ONU os critérios para a admissibilidade e recrutamento para este tipo de investigações. Acresce dever-mos estar atentos na parte em que esta testemunha (apelidada como perito) referiu pormenores sobre o seu vasto currículo nesta matéria, bem como, métodos necessários de que a equipe se socorre para garantir a segurança de todos os cidadãos que tenham receio de depor, com preparação para uma investigação independente e para lidar com testemunhas especialmente vulneráveis, pelas mais varia das razões e que nos dispensamos de dissecar. Por último e após esta prévia referencia para aqueles que queiram apelidar toda esta intervenção como uma intervenção “ocidentalizada” que se rege por princípios “ocidentalizados” basta uma breve incursão pelas páginas da Organização Das Nações Unidas, fonte aberta, campos de intervenção e que permanecem até hoje, bem como, a adesão à sua intervenção de diversas culturas espalhadas pelo Mundo e completamente afastadas de princípios “ditos ocidentais, porque basicamente a condição humana (Condição Humana: conceito em filosofia e em Hannah Arendt) é o conjunto das características e eventos entendidos como essenciais à vida humana. Como, por exemplo: nascer crescer; sentir emoções; ter aspirações; entrar em conflitos; e, enfim, morrer e estes serão talvez universais. Posto isto, a investigação teve início com base num auto de notícia que através dos canais de cooperação institucional davam conta da presença de dois cidadãos iraquianos – irmãos muçulmanos de corrente sunita, suspeitos de pertenceram á organização terrorista auto denominada estados islâmico ISIS. Os arguidos que teriam chegado a Portugal em 29 de março de 2017, provenientes da Grécia no âmbito do Programa e recolocação de refugiados e na qualidade de requerentes de proteção internacional, fruindo do estatuto jurídico definido pela Lei de Asilo, ao abrigo do qual lhes foram concedidas autorizações de residência- aos dois arguidos. Os diversos contactos com esta equipa de investigação das Nações Unidas (UNITAD), permitiu a obtenção de elementos probatórios fundamentais sobre a factualidade penalmente relevante praticada pelos arguidos BB e AA – facto que fundamentou a emissão de Carta Rogatória dirigida às Autoridades Iraquianas e à UNITAD (cfr., em particular, Apenso CR1 e Apenso D), sublinhando-se esta circunstância por ser fundamental para que não fosse posta em causa a prova obtida apenas pela via policial. 2.1.3.1.3 Os factos referentes ao irmão CC e aos arguidos: (SIC…idem) A propósito do percurso e ascendência do irmão dos arguidos veja-se, a Comunicação proveniente das autoridades judiciárias da República do Iraque (e respetiva tradução), de 23/12/2021, e referente a Mandado de Detenção pendente sobre CC Fls. 3987 a 3989 – Vol. 14 A primeira incursão que o Tribunal deve fazer é pela prova direta recolhida – Prova testemunhal á qual se foi aditando a prova documental. Antes de entrarmos nos depoimentos para memória futura – prova direta - convém termos presente o depoimento de MM, a este propósito, que de forma meticulosa, segura e objetiva foi explicando passo a passo a colaboração entre a UNITAD ( sendo um dos seus elementos), sem escamotear questões e respondendo sempre de forma segura e sem estados de ânimo sobre a forma como conseguiram a colaboração entre os dois Estados para serem ouvidas tais testemunhas e sobretudo a dificuldade de obterem os respetivos depoimentos, porquanto ainda tinham receio de represálias. MM tem desempenhado funções no Iraque nos últimos 4 anos e 6 meses, regendo-se pelos princípios enunciados e introduziu-nos de forma sabedora e conhecedora da realidade no panorama e realidade que se viveu durante o período do Daesh no Iraque- são estas as suas funções no exercício do mandato referido e a pedido das autoridades iranianas e não de um investigador que procura apenas culpados. Foi investigador de Genocídio, crimes de guerra e crimes contra a Humanidade junto ao Escritório do Procurador Geral do Tribunal Penal Internacional durante 10 anos, imediatamente antes de ingressar na UNITAD. Desde 2019, é team líder da UNITAD, tem participado em investigações conjuntas com unidades de crime de guerra de países europeus e dos EUA que acusam membros do Daeh. Reflexo desse rigor é a sua intervenção, aquando de uma diligência para memória futura, pedindo à Sra. Intérprete para informar a testemunha para que desse respostas directas ao Tribunal, não contando consigo para eventuais esclarecimentos - fls. 4665 ou 30 das declarações para memória futura, aquando da audição de GG Em súmula e antes de passarmos ao pedido de cooperação propriamente dito transcrevemos partes do seu depoimento que nos ajudou a perceber uma determinada realidade histórica, para além das fontes abertas consultadas Depois da derrota do DAESH e o com a presença do exército de libertação em Mossul, havia pessoas a indicar quem eram membros DAESH e quem não era. São informações secretas anteriores ao início da investigação em Portugal. São informações dos Serviços de Segurança daquela altura. Outra via importante de investigação, foi a da resistência iraquiana, que era constituída por oficiais, polícias e militares que depois da derrota na batalha, fugiram de Mossul, criando uma resistência e criaram no Facebook “Os Livres de Nínive” para divulgar fotos e nomes de membros do DAESH para que os jovens de Mossul tivessem medo de se juntar à organização. A página era acessível em fonte aberta. As autoridades iraquianas tinham acesso a seu conteúdo. Fez uma pesquisa para saber de quem era a página, que conta de Facebook era essa. Chegou a um dos criadores da página e perguntou-lhe o que era. Disse-me que, depois da derrota que sofreram, criaram “Os Livres de Nínive” para libertar a província de Nínive, cuja capital é Mossul, da mão do DAESH. Ou seja, criaram a página para denunciar os membros do DAESH. Não estava presente neste cenário enquanto a página esteve aberta, pois a mesma foi atacada pelo DAESH. Contactei o Facebook para tentar chegar aos seus dados antigos. Foi-lhe dito que a página estava fechada. Quando conheceu o criador da página, disse-lhe que a mesma tinha sido mais do que uma vez atacada e disse-lhe também que havia criado outras contas. Enviou-lhe fotos de outras contas criadas com algumas alterações para evitar o seu fecho pelo DAESH. Com a sua tecnologia, o DAESH conseguia fechar. Segundo lhe explicou , era só sobre os Daeshianos. A ideia era publicar fotos para dissuadir quem estivesse a pensar aderir à organização. Através da exposição, do receio de contacto entre as forças de segurança e os habitantes de Mossul (vizinhos), conseguiu-se diminuir a adesão dos jovens ao DAESH. Foi o que lhe explicou o criador da página que é da polícia federal (um oficial com alta patente) de Mossul (trata-se do Coronel DDD, ouvido em declarações para memória futura) O objetivo era enfraquecer o DAESH. A nossa investigação beneficiou de informação sobre alguns membros, mas também eram transmitidas outras informações, às forças da coligação que bombardeavam alvos do DAESH, sobre membros, responsáveis, onde se encontravam, as localizações dos seus centros. Algumas dessas informações na página Livres de Nínive e outras veiculadas por via não pública. As filmagens que fez eram anteriores à libertação de Mossul, ou seja, feitas antes de junho de 2017. Vê-se a falar de libertar Mossul das mãos do DAESH, vêem-se imagens de uma ponte e outros sítios partilhadas com as forças da coligação, para dizer que não existiam minas como se pensava. Essas filmagens foram feitas através do telemóvel de um elemento informador que tinha pertencido á polícia Iraquiana como veremos mais á frente, sendo que, naquela altura, se ele tivesse sido apanhado, teria sido morto por se considerar espião. Também confirmou com essa fonte dos Livres de Nínive, polícia infiltrado que lhe mostrou com esse vídeo, falando da libertação de Mossul. Provou-lhe que estava, efetivamente, no terreno durante o período da ocupação, trabalhando secretamente para libertar Mossul do DAESH. Os jihadistas eram sunitas com exceção das crianças recrutadas entre Yazidis e xiitas e que foram forçadas e que eram a exceção. A ideologia dos jihadistas era sunita radical e os inimigos número um eram os muçulmanos xiitas. O seu radicalismo era superior ao do da Al Qaeda. Por isso, criaram o Estado Islâmico. Separaram-se da Al Qaeda porque era contra matar os xiitas e o seu inimigo era a América. Um muçulmano não sunita era considerado um inimigo. A adesão ao EI era opcional. Era uma questão opcional. Esta minha ideia é fundamentada em provas, declarações recolhidas de pessoas que estavam em Mossul, Não obrigavam as pessoas a aderir, pois não queriam perder o apoio do povo. As pessoas tinham a sua vida e os seus ofícios: carpinteiros, ferreiros ...ninguém era obrigado. Foi o que me foi confirmado pelas pessoas de Mossul com quem falei. Para a adesão havia várias razões: Como o que acontece quando alguém se alista num exército em qualquer parte do mundo, há quem o faça para defender a pátria, há quem o faça por não ter possibilidade de prosseguir os estudos e que vê nisso uma oportunidade para se formar, ter trabalho e garantir a sua vida, havia da mesma forma, e entre os Daeshianos, pessoas que aderiram pela religião e pelo fanatismo, havia pessoas que eram oprimidas pelos xiitas. No Iraque, depois da queda de Saddam Hussein, os xiitas passaram a controlar o país. Havia pessoas movidas pela vingança por aquilo que lhes aconteceu durante o regime do Saddam. Outros estavam sem trabalho, outros tinham ganância pela força e pelo poder de andarem armados. Quem aderia pelo fanatismo religioso vinha de qualquer parte do mundo, com as mulheres e os filhos e estabeleciam-se no Califado, recebendo 300 € por mês. O DAESH não obrigava ninguém. Se obrigasse, correria o risco de ser traído, de alimentar a ganância, a fuga de informação. Eles queriam que as pessoas confiassem. Em Mossul, a maioria da população não aderiu ao Daesh. Havia listas com nomes, mas a lista não era completa. Havia quem não quisesse que os seus nomes aparecessem nas listas, pessoas que continuaram as suas atividades. As células adormecidas não revelam que são membros pertencentes a uma organização. Fazem a sua vida quotidiana de uma forma normal de maneira que ninguém possa perceber se são membros do DAESH ou da Al Qaeda. Ficam adormecidos à espera de uma ordem para levar a cabo uma operação. Entre 06.06 e 10.06 Mossul caiu e para essa queda foi muito importante a atuação das células adormecidas. Trabalhavam de forma dissimulada. No Califado, quem passou a desenvolver as atividades secretas foi Al Amniyah. A Al Hisbah vestia o traje Kandahari nas ruas. Al Amniyah, em grande parte, trabalhava e vestida à civil. A atividade terrorista é secreta, quando alguém vai para fora, corta a barba, evita os sites e links com ligação ao DAESH, Instagram, Facebook …, não declara a sua convicção às pessoas, bebe álcool, fuma, integra-se na sociedade. Esses oficiais eram sunitas, tal como o DAESH é sunita. Guardavam rancor, pois foram substituídos por xiitas e o governo passou a ter uma maioria xiita. Muitos daqueles oficiais juntaram-se ao DAESH, treinaram os seus elementos, formaram-nos com os seus métodos secretos para que pudessem trabalhar com espiões, para que não fossem descobertos, para que soubessem responder a interrogatórios, sem dar informações a mais e até responder de forma errada, para enganar a investigação. Como disse, foram formados por antigos oficiais do Saddam. Portanto, sabem alterar, esconder, dissimular e integrar-se uma sociedade nova. Durante a ocupação do DAESH, os filmes de propaganda tinham como objetivo amedrontar as pessoas. Em cada bairro, colocavam [carrinhas] como “câmara center” e um ecrã gigante, em que mostravam às populações quão grandioso era o Estado Islâmico, invasões de novas regiões, execuções de pessoas que forneceram informações com militares do exército iraquiano ou com forças da coligação, lapidações de mulheres depois de descoberto o seu adultério ou uma relação com um homem fora do casamento, ou até por simples conversa com um homem, decapitações de polícias e militares, pessoas a serem atiradas de prédios altos, homossexuais, tudo para aterrorizar as populações, mostrarem os seus feitos e os assassinatos de polícias e militares. Nesses vídeos da propaganda que mostravam à população, quem aparecia não eram os habitantes de Mossul. Muitos destes não se deixaram convencer pelo EI, pois eram instruídos. Por isso, recorria-se a atores, não no sentido de atores profissionais, mas membros da organização que simulavam serem pessoas da população, elementos de Al Amniyah., informadores ou pessoas próximas do EI. Quando faziam um desses vídeos por uma batalha ganha, por exemplo, pediam a essas pessoas para mostrarem entusiasmo e encorajarem o EI. Queriam convencer as populações do poder e do vigor da organização, mas com atores. Assim também aconteceu com o vídeo da Moeda (junto aos autos) O EI queria instituir contra o dólar e a moeda iraquiana, apareciam pessoas a glorificar o Estado e a moeda, fazendo-se passar por pessoas comuns do povo, mas que não o são. Alguns meses depois do início do califado toda a população os odiava. A propaganda destinava-se a mostrar o contrário disso ao exterior e era mentira. A população sunita e xiita coexistia em Mossul. O Coronel DDD e o Polícia BBB são da Polícia Federal de Mossul. O Coronel é dos criadores da página do Facebook dos Livres de Nínive e trabalhava em colaboração com as forças de coligação. Recolhia informações em Mossul que transmitia à coligação: EUA, ..., Iraque para estes bombardearem localizações do DAESH em Mossul. O segundo ,BBB trabalhava secretamente, sem o seu uniforme de polícia, pernoitando na rua, observando os Daeshianos. Em todo o tempo que esteve em Mossul, arriscou a sua vida, afastando-se à procura de cantos na cidade, onde pudesse encontrar um sinal de rede internet, para poder transmitir ao Coronel DDD informação recolhida sobre o DAESH. Foi ele que me enviou o vídeo, de como se infiltrava e se filmava a falar que era dos Livres de Nínive e que iam libertar Mossul. Tinham um pelotão em Bagdad que foi derrotado, trabalhava com o exército da coligação e outro onde operava era BBB, cuja alcunha era BBB. Encontrava-se em Mossul, e em segredo passava informações ao coronel Talal. BBB não era uma fonte civil. Era um polícia treinado. Sabia executar missões secretas. O objetivo da organização os livres de Nínive era a Libertação como indica o nome da página do Facebook, Livres de Nínive. O objetivo era libertar a Província de Nínive, cuja capital é Mossul do DAESH - o centro mais importante. O seu objetivo era recolher informações transmiti-las às forças da coligação para atacarem o Daesh. Quando começou a libertação, os militares cercaram a cidade. Os Livres de Nínive forneciam informações sobre a localização das minas para que os militares as evitassem, sobre localizações das chefias do Daesh para serem atacadas. Trata- se de resistência propriamente dita e descrita nos factos assentes. Estas brigadas colaboravam com investigações europeias e americanas. Se tivessem sido descobertos eram mortos. Outros pagavam para evitar a morte de um pai ou filho e acabavam mortos na mesma. Ser espião era o crime maior. Essa brigada produziu vídeos e panfletos que se destinavam à atividade que faziam ou dos objetivos que queriam alcançar. Faziam-no para que as populações não desanimassem, para não se submeterem ao DAESH, para esperarem o dia da Libertação. Já antes Tinha havido Al Qaeda em Mossul e saiu. Eles faziam isso para levantarem a moral das populações para que não desesperassem, pois iriam conseguir libertá-las. Pediam-lhes informações e ajuda. E diziam-lhes que quando entrassem em Mossul, contariam com o seu apoio no combate ao DAESH. Também produziam esses panfletos para exporem os Daeshianos, para que pessoas como o AA e o BB tivessem medo, para que se retirassem, desistissem. Ou para os vizinhos e jovens, saberem que os Livres de Nínive iriam revelar a sua adesão, no caso de acontecer, e que um dia responderiam perante as autoridades por isso. Estes eram objetivos desses panfletos dos Livres de Nínive. No vídeo que enviou às autoridades portuguesas, aparece o Polícia BBB, a filmar dentro de Mossul, durante o período da ocupação do DAESH, dizendo a data, que vão libertar Mossul da mão do DAESH, que os Livres de Nínive ainda estão presentes, firmes e resistentes. Isso foi publicado nas páginas do Facebook que o DAESH ia fechando e que voltavam a abrir. Servia para a guerra psicológica contra o DAESH e contra a sua propaganda que aterrorizava o povo, o governo. Os Livres de Nínive respondiam à guerra psicológica do DAESH. Queriam que as populações vissem que tinham seus elementos em Mossul, com telemóveis, a enviar informações e que iam combater o DAESH e libertar as populações de Nínive que viviam debaixo do medo e do terror. A página de FB dos Livres de Nínive publicou, durante a ocupação de Mossul pelo DAESH, fotografias do CC, do BB e do AA. Colocou os seus nomes sobre elas e referiu que eram do DAESH, que o irmão mais velho, o CC, foi quem os recrutou e outros detalhes: o que faziam em algumas linhas com fotos e com indicação da sua residência no bairro .... Quem controlava a página era o Coronel DDD . Em 2016, o Califado começou a enfraquecer. A libertação deu-se em 2017. Em 2016, era proibido os civis saírem a não ser, com uma autorização especial passada pelo DAESH, por motivo de negócio por exemplo e tinham que deixar documentos e outras garantias do seu regresso, escritura da casa, uma quantia de dinheiro, um fiador… Para os civis era assim. Era muito difícil. Quanto aos Daeshianos, o DAESH controlava o norte do Iraque e da Síria e a passagem deles era feita através de Raqqa para a Turquia que os apoiou muito e acolheu os seus responsáveis. Esta era a via de saída dos Daeshianos, que tinham autorização de um dos seus emires. Os Daeshianos não podiam sair pelo Curdistão, pois os curdos estavam em guerra com o DAESH. As forças curdas Peshmerga combatiam o DAESH. O caminho por onde saíam era o de Raqqa-Turquia, pois era controlado pelo DAESH. O DAESH continua presente, mas como era antes aquando da ocupação de Mossul, como organização terrorista que ataca e foge. Não ocupa nenhuma parte do Iraque, existem como células adormecidas. Todas as semanas, há notícias. As autoridades não permitem à imprensa internacional fazer a cobertura da situação, mas quem está ativo no terreno, e em contacto com as autoridades que dão notícias, sabe o que acontece. Semanalmente no Iraque, há pessoas a morrer e a serem detidas em operações militares e de segurança e em confrontos violentos entre as autoridades de segurança iraquianas e o DAESH. Certamente que as testemunhas têm medo desses grupos: temem-nos como Al Qaeda e o DAESH que matou as polícias na Academia, têm receio destes grupos que até podem surgir com outro nome ,mas serão sempre os mesmos. Temem a chegada de uma organização sunita radical que os queira responsabilizar por terem testemunhado contra os Daeshianos BB e o AA e que se queira vingar. Temem o seu regresso. E temem os familiares dos arguidos que as ameaçaram. Atualmente a maioria da população de Mossul é sunita. É o centro da comunidade sunita. É uma cidade com 90 ou 95% de sunitas. A grande maioria das altas patentes do Exército de Saddam Hussein eram de Mossul, Os sunitas estão em Mossul e continuam lá. A cidade pertence-lhes. A única diferença é que está desde a sua libertação debaixo do controle do exército iraquiano (uma parte dele é xiita). Algumas milícias xiitas também participaram no combate ao DAESH para libertar Mossul e permanecem na cidade com os seus militares e armas. As populações sunitas também continuam la. Quem não pode voltar mesmo são os daeshianos. Se voltarem serão mortos. Quanto ao pedido de cooperação, MM esclareceu: Houve um pedido de ajuda pela polícia judiciária de ... para fazer investigação aos dois irmãos suspeitos de serem membros do Daesh. A testemunha levou um ano a investigar. O primeiro passo foi analisar a sua base de dados, colher informações junto dos tribunais, polícia e governo do Iraque. Percebeu que o irmão mais velho CC era um comandante da Al Amniyah. Sobre o irmão havia informações nas bases de dados da inteligência do governo iraquiano de que ele pertencia ao Daesh - nomeadamente um mandado de captura por causa de uma queixa de que ele era comandante da Al Amniyah, em Mossul. Ele estava em paradeiro desconhecido. Houve uma investigação sobre este e o juiz Iraniano emitiu o mandado para ele ser julgado. O Tribunal em causa é o Tribunal de terrorismo em Mossul. Há mandados de detenção para estes irmãos (arguidos), após uma investigação feita no Iraque, feita pela testemunha em cooperação com o juiz do tribunal de terrorismo em Mossul. O processo no Iraque não continuou na medida em que sabem que estão a ser julgados em Portugal. Referindo-se á forma como descobriu as testemunhas relatou que houve duas vias de investigação. 1 - A PJ tinha fotos dos 3 irmãos no facebook, numa página de uma organização “Livres de Ninive”, que tinha fotos de membros do ISIS. Depois foi falar com as pessoas que colocaram as fotos e perguntar porque tinham colocado as fotos deles. 2 - Tentou saber junto da vizinhança o que sabiam sobre esta família e irmãos. O juiz Iraniano enviou uma espécie de presidente da junta ou de camara da zona para falar com a vizinhança e perguntar sobre essa família. E foi no seguimento destas investigações descobriu testemunhas oculares, através de vizinhos e amigos de infância da família que posteriormente vieram depor para memória futura. Depois de localizadas estas pessoas prestaram depoimentos perante o juiz em Tribunal no Iraque. Foi com base nessas declarações que foi emitido mandado de detenção pelo juiz de investigação. Como foi confirmado o que estas pessoas diziam? Falou com as pessoas para perceber se o depoimento foi voluntário. Falou com as pessoas que tomaram os depoimentos, nomeadamente o juiz para apurar se eram profissionais. Falou com uma testemunha/vítima, a que foi raptada e sentenciada de morte e que lhe deu os documentos oficiais do ISIS. Falou com testemunhas do rapto, 13 pessoas (3 vítimas e 10 testemunhas), algumas que estavam em casa no dia do rapto e algumas no dia a seguir. Estas testemunhas tiveram que ir ao gabinete da UNITAD tendo que se deslocar para outra zona do Iraque. Algumas foram pressionadas intimidadas a não depor, pelos irmãos dos arguidos em Mossul. Três delas, depois de testemunhar em Portugal, foram ameaçadas no Iraque. Falou com mais testemunhas, mas estas estavam muito assustadas para darem depoimento em tribunal, porque temiam o ISIS que poderia ter intervenção no Iraque. E da forma sempre escorreita e desinteressada como foi referido as testemunhas encontradas, não ficaram dúvidas que realmente algo teriam vivenciado. Note-se o que a propósito desta testemunha e da Unitad foi referido nesta introdução para não termos dúvidas que MM não revelou qualquer interesse na condenação dos arguidos que não fosse pela via da prova recolhida. A Unitad foi, no entanto, enviando relatórios referentes ás testemunhas que depuseram para memória futura, após os seus depoimentos, a saber: Incident Report (e respetiva tradução), datado de 29/11/2021, remetido pela UNITAD e referente a ameaças à testemunha D em solo iraquiano Fls. 3750 a 3758 – VOL. 13 Relatório da UNITAD a respeito da importunação de testemunhas no Iraque por familiares dos arguidos -Fls. 5754 a 5761 – Vol. 20 Relatório da UNITAD sobre a remessa de prova documental – vídeos fornecidos pelas testemunhas E F -Fls. 5762 a 5767 – Vol. 20 Relatório da UNITAD a respeito da importunação de testemunhas no Iraque por familiares dos arguidosFls. 5754 a 5761 – Vol. 20 Relatório da UNITAD sobre a remessa de prova documental – vídeos fornecidos pelas testemunhas E e F -Fls. 5762 a 5767 – Vol. 20 os arguidos. 1 DVD com o conteúdo da página de facebook do cidadão iraquiano SSS Fls. 2321 e 2322 – VOL. 8 Informação acerca do titular da conta de Facebook com o perfil ..., SSS Fls. 2524 e 2525 – VOL. 9. Para auxiliar o Tribunal quanto a esta realidade histórica também foi ouvido o Professor RRR , professor universitário na Universidade .... Investigador dos tipos violência política do fenómeno do terrorismo de matriz jhadista, há cerca de 20 anos. Colaborou com a Comissão Europeia. Referiu que a Jhiad global tem 2 estruturas que a defendem: a al-Qaeda (sem território) e o estado islâmico (Daesh/ com território, califado). Mais concretizou que a Jihad menor surge como a possibilidade de usar armas para defender o estado islâmico, sendo que, no final dos anos 80 (por causa da questão do Afeganistão) a Jihad passa a ter uma dimensão global com um inimigo distante – caso dos EUA. Dentro do Islamismo há um círculo mais pequeno que é Jihad – que também busca o poder, mas numa perspetiva de violência contra todos aqueles que não professam o islamismo. Concretizou que o estado islâmico surge em 2014/2015 – chamava-se estado islâmico do Iraque, mais tarde também da Síria (de Raqqa a Mossul) – é um estado concha, é a ocupação de um território impondo uma normatividade através da violência, dominando as fontes de riqueza do território e manietando/raptando a população. Mencionou que quem quisesse fugir de Mossul podia fazê-lo pela Síria e Curdistão – mas ambos os percursos eram muito difíceis, com vários check points e zonas armadilhadas até chegar à Turquia. Era um percurso dominado pelo Daesh, sendo o Curdistão Iraniano mais tarde com a presença das Forças contrárias ao Daesh. No tocante à vida em Raqqa disse caracterizar-se pela ausência de bens de primeira necessidade. Quanto à burocratização do estado islâmico, referiu que este conseguiu burocratizar- se numa dimensão económica. Havia também o departamento da Justiça dividido em 3 partes: polícia do EI, polícia religiosa e departamento de justiça e queixas. A Polícia religiosa – trabalhava por check points com verificação, punição e doutrinação. Funcionava de forma hierarquizada. Tinha uma dimensão ética e religiosa. A Al Amniyah. tinha uma dimensão de segurança para o EI. Havia também um departamento militar, um departamento do património, da educação e de controlo sobre as mulheres e perseguição de minorias. Mais referiu que o EI assentava na doutrinação, propaganda e dominação dos civis (onde as comunicações, música e saídas do espaço não eram permitidos) e financiava-se pela extorsão da população e usando as riquezas desta mesma população, conseguindo obter receitas de 12 milhões de dólares por mês. No tocante aos vídeos de propaganda, referiu que um dos procedimentos do EI é a tentativa de alienação da população. Os vídeos tinham um papel importante na doutrinação que passava pela propaganda e na violência retratada. O Estado Islâmico governava pelo terror. Havia situações de pessoas apanhadas a fumar que levavam 50 chicotadas, eram-lhe retiradas partes do corpo e depois mortas. Mais referiu a estratégia da Jihad de dissimulação, concretizando os seguintes conceitos: “Daua” – é um preceito do Islão. A violência é uma forma de Daua no islão, e de doutrinação, aproximação. “Taquia” – é a arte de dissimular invocada numa dimensão de sobrevivência ou de estratégia. “Al Fujard” – era um conhecido pregador da Jihad Livro “guia do guerreiro” – é uma fonte primária que prova que não é necessária uma cadeia de comando para que os membros do Daesh actuem como uma jirad global e que ensina estes membros a sobreviverem no ocidente (fumando, mudando o seu aspecto por exemplo) – visto como uma estratégia de sobrevivência. Mais referiu que, não se recorda da Taquia incluir a alteração da orientação sexual. Quanto ao recrutamento, referiu existir casos de pessoas que juraram lealdade ao EI em mesquitas apenas para poderem dar de comer aos filhos, uma vez que a ocupação do Daesh foi uma Era de precaridade e privação. Assim, para alguns, a pertença ao Califado era por partilha ideológica, e para outros por ambição (há casos e está reportado). “lobos solitários” – “o Jihad por inspiração”, em que não era necessária uma cadeia de comando. Estratégia usada em países em que o escrutínio impedisse a criação de células e organizações, como na Europa. Servia-se de aplicações de telemóvel com notícias diárias para “atores individuais”. Considerou-se a possibilidade de, pelo meio do fluxo de refugiados, haver uma quinta coluna, indivíduos que esperavam uma oportunidade para atuar em nome do EI, embora haja outros autores que dizem que tal pode não ter acontecido e que terá sido difundido pelo Daesh para criar o caos nas sociedades ocidentais. Quanto aos atentados entre 2015 e 2017 na Europa – uma parte significativa partiu de refugiados (ex: ... e ...), não tendo conhecimento de intervenção de iraquianos nesses atentados. Aquando da queda de Mossul e Raqqa, o Daesh apostou nas suas estruturas filiadas para dar continuidade. Nessa altura há uma fuga de membros para outros países da Europa. Em 2017/2018 foi a queda de Raqqa e quando o EI perdeu poder no Iraque. Tudo o que tenha uma dimensão figurativa não é bem vista pelo EI. A homossexualidade e sodomia eram punidas pelo EI.Os homossexuais foram perseguidos. Dentro da própria organização, desconhece. Indumentária dos membros do EI– roupa tendencialmente muçulmana ou militar. Os policias da polícia religiosa e de segurança podiam não usar fardas para não serem assim identificados. Confrontado com fotografias do volume 21 – fls. 6009 a 6011 (pág. 24 do relatório da PJ)- a barba seria um indício. Quanto à questão do traje afegão não seria obrigatório para os membros do EI. Não sabe se as imagens foram recolhidas na Síria ou no Iraque ou quando. PPP, ou PPP é um dos principais clérigos do Estado Islâmico, conhecido por ter fornecido justificações religiosas para a escravização e tortura de mulheres e crianças yazidis pelo EI, bem como por ter emitido fatwas a ordenar a expulsão dos cristãos de Mossul. Fonte: ... Nesta conformidade e como a referida notícia foi dada com os arguidos já em território Português comecemos, pois, pela prova testemunhal e sua credibilidade - a prova mais direta, na medida em que identifica os arguidos como pertencentes ao Daesh. A testemunha L conheceu os arguidos em território português, antes do verão de 2017. Vivia longe de ... e foi-lhe transmitido que estavam dois conterrâneos seus em ... da sua região do Iraque – Mossul. Como qualquer emigrante/refugiado que se encontra num país estrangeiro, longe da sua cultura e costumes quis ir ao encontro dos dois irmãos, pois no local onde vivia era o único árabe. Estava a viver em Portugal desde 2015 e através de um individuo que trabalhava na cozinha do ... combinou encontrar-se com este para que lhe apresentasse os irmãos. Quando se encontrou com eles os nomes que lhe foram apresentados foram BB e AA (AA). Não os conhecia antes. Quis tirar fotografias com os irmãos/ arguidos, mas apenas o AA acedeu, tendo o arguido BB recusado, invocando que era jornalista e procurado pelo DAESH. Cumpre referir que esta testemunha fugiu de Mossul em 2015 (logo após a ocupação do Daesh que situa a 10 de junho de 2014). Era taxista e dono de um café. Teve que deixar o seu trabalho como taxista, por falta de combustível. Reabriu o café e passou a vender chá. No início de 2015 foi chicoteado por vestir umas calças de ganga e ter consigo um maço de tabaco. Foi levado por uma viatura da AL hisbah - polícia dos costumes - viatura caracterizada (com inscrição da alhisbah e a bandeira daeshiana) e com homens armados e devidamente uniformizados com o trage Kandahari e um colete preto com a inscrição alhisbah. Acabou por abandonar o Iraque a pedido do pai que tinha perdido dois filhos, mortos pelo Daesh. Descreveu a viagem até à Turquia e os pagamentos que teve que efetuar, tendo sido transportado num tanque de combustível de petróleo com outras pessoas sendo que de Mossul até à entrada na Turquia levaram dois dias. A testemunha L efetuou este percurso de fuga, mas fê-lo sem ter pernoitado qualquer noite em Raqqa. Referiu, precisamente que viajaram ocultos, quando o camião reduzia a velocidade, ficávamos em silencio, pois percebíamos que havia uma barreira do Daesh. Os que optavam por este percurso fizeram-no de forma absolutamente camuflada, como no interior de camiões cisterna, onde durante o trajeto eram forçados a fazer as necessidades fisiológicas, sem nunca sair, sem falar, sem nunca pararem para descansar como é relatado em – cf. DAUD AL ANAZY e FRANCO, Helena Lopes - De Mossul a Alfeizerão, 2016. Escrito antes de ter conhecido os arguidos. O relato é bem elucidativo da diferença entre a forma com esta testemunha viajou e como os arguidos viajaram. Desconfiou do facto do BB lhe ter sito ser jornalista para se esquivar às fotografias e conhecedor da página de facebook dos livres de Ninive encontrou a fotografia de ambos os irmãos publicada. Esta página havia sido criada para denunciar pessoas pertencentes ao Daesh e ambos apareciam, tendo ficado chocado com esta revelação, pois só havia conhecido os irmãos em solo português, tendo convivido com ambos em almoços e jantares durante cerca de um ano, frequentavam restaurantes com comida árabe. No início pensou tratarem-se de dois amigos que como ele tinham vindo de Mossul, soube que eram irmãos num terceiro ou quarto encontro. O BB tratava o AA por AA. Relatou, ainda, um episódio de um amigo ter estado a filmar o BB a cantar e este ter exigido que apagasse o vídeo. Verificou que o BB fugia a ser fotografado, alegando ser um jornalista procurado pelo Daesh. Esta testemunha publicou uma fotografia no Facebook e o SSS viu essa fotografia e identificou o AA como AA. Depois falou com o irmão que tinha um amigo polícia, DDD, na localidade e foi por este coronel DDD que soube que os arguidos, tal como o seu irmão CC eram procurados por terem trabalhado com o Daesh. Seguidamente, descreve a conversa que teve via Facebook com SSS que referiu os irmãos pelos nomes, bem como, o desempenho de funções de cada um como melhor está descrito a fls. 267 das declarações para memória futura. Reconheceu a página de Facebook de SSS ( 2311 e 2312) que identificou o arguido AA. Acresce que esta testemunha antes de ver a fotografia na página do SSS já a tinha visto na Página dos livre de Ninive que explicaremos mais á frente, sendo a fotografia idêntica. Foi-lhe exibido o CD do apenso L, tendo reconhecido o arguido AA, bem como, uma pessoa que usava o colete da Al Hishbah, admitindo que o Daesh recorria a pessoas do próprio Daesh para figurarem nos vídeos de propaganda como se fossem do povo. Nunca tinha visto o vídeo, mas sim uma fotografia do vídeo publicada nos Livres de Ninive. A testemunha acabou por insistir na necessidade de proteção por temer pela vida, inclusive em Portugal e porque tem familiares no Iraque. Sobre a objetividade e isenção da testemunha nada ressalta em desabono, até porque não conhecia os arguidos, nem teve com estes quaisquer relacionamentos no Iraque, sendo que o que a levou a desconfiar que algo não estaria bem foi a resistência do arguido BB em ser fotografado. Posteriormente, após ter publicado a fotografia, foi bloqueado ( reportamo-nos à rede social Facebook) pelo arguido AA. Esta testemunha precisamente por ter fugido do Iraque, nas condições difíceis e de sobrevivência porque passou tem agora – no momento em que depõe - a sua vida restabelecida em Portugal, onde vive em paz e por isso mesmo não teria interesse nenhum em testemunhar, até porque mais cedo ou mais tarde poderia ser descoberta, trocando assim uma vida anónima e segura em Portugal pelo risco de um dia vir a ser identificada. Não se desconhece que esta testemunha anteriormente a estes factos tinha publicado um artigo (em 2016) “ De Mossul a Alfeizerão” a descrever em que circunstancias fez a viagem e como sobreviveu, conforme se disse. Ainda assim e no âmbito da proteção concedida veio aos autos testemunhar o que presenciou, bem como, referiu a forma como veio a identificar os arguidos. Factos relativos aos arguidos de 1 a 3 – Os próprios arguidos em audiência de julgamento não os colocaram em questão. Os factos 10 e 11 foram igualmente confirmados pelos arguidos. 2.1.3.1.4 Factos passados em Mossul - declarações para memória futura com todos os depoentes identificados – apenso J e devidamente traduzidos apensos DMF (1 e 2) (SIC…idem) A testemunha LL: A testemunha começou por dizer que não tinha qualquer problema com os arguidos apenas quando foram para o levar, sendo que quem o deteve foi “o CC” irmão dos dois arguidos que em audiência de julgamento referiram expressamente não quererem falar sobre este seu irmão. Reparemos num pormenor importante que foi referido por esta testemunha: após o juramento perante o juiz português, acrescentou que irá sempre dizer toda a verdade “desde que fui ao Tribunal Iraquiano e prestei juramento pelo Corão que iria dizer a verdade”. Em 2015 esta testemunha vivia em Mossul na região de ... e tinha uma loja de relógios. Sabe perfeitamente delimitar a presença do Daesh e o tempo de ocupação de Mossul, com tribunais próprios, designadamente tribunais da sharia e para fazerem a sua própria justiça. O próprio passou por um tribunal dessa natureza com al Hisbah ( polícia dos costumes que controlava quem fumava, quem não fazia as orações, uma mulher que andasse sozinha na rua, ou com um homem que não fosse familiar… e que foi criada pelo estado Islâmico, pelo Daesh)). No seu caso, detinha fotografia de outra mulher no seu telemóvel, sendo que era casado, e pela Al amnyyah, porquanto alegadamente teria no seu telemóvel contatos de pessoas que eram contra o Daesh e a quem prestaria informações . Reconheceu os arguidos pelas fotografias de fls. 2315 e 2174. A casa dos arguidos era em frente à casa do sogro, no bairro .... Depois da queda de Mossul em 2014 começou a namorar com uma rapariga deste bairro da qual ficou noivo e passou a frequentar o bairro e conheceu os arguidos nesta altura. Casou com UU depois de quatro ou cinco meses, mediante um contrato religioso obtido através do Tribunal religioso com o Daesh (contrato que faz parte da documentação remetida por carta rogatória). Um dia desapareceu o seu telemóvel e o CC foi a casa dele, andaram cerca de 2 km a pé disse que vinha da parte do tio (sogro) e exibiu-lhe o telemóvel e referiu-lhe que o telemóvel tinha contatos de militares a quem a testemunha dava informações. Foi o sogro que primeiro o denunciou dizendo que ele tinha no telemóvel fotografias de outra mulher /traição à filha e informações espionagem – dava informações do Daesh a um militar. A queixa foi apresentada na AL`Hisbah e depois foi transferida para a Al amnyyah. Foi apresentado no tribunal “religioso” da Hisbah e depois esteve detido 7 dias neste tribunal e 4 dias na Al amnyyah. O que de acordo com a restante prova produzida faz todo o sentido porque a primeira tratava dos costumes – e tínhamos uma denúncia por adultério e a segunda de assuntos de segurança – Alegadamente o CC teria encontrado no telemóvel da testemunha indícios que qualificou de espionagem. A primeira intervenção em casa da sua família foi com o CC que estava armado e pediu todos os documentos dele e da família para evitar que fugissem ao que este acedeu. Depois o CC foi ter consigo ao seu local de trabalho- a loja de relógios - com outros indivíduos que não reconheceu, mas vestiam o trage afegão com a inscrição Al hisbah e a viatura onde se transportaram era uma ... de Al hisbah. Estavam armados bateram-lhe na loja e em frente de pessoas e depois levaram-no e bateram-lhe durante o percurso. CC bateu em LL e CC, e os outros dois indivíduos chamaram-no de descrente, infiel, apostata, renegado (rafida), indigno, sem moral, proxeneta, corrupto, por passar. Chegaram num carro da marca e modelo ..., da Hisbah. Vestiam todos o traje afegão, com a inscrição de Al Hisbah. Todos estavam armados: o CC trazia uma pistola e os restantes com metralhadoras .... Levaram-no para um lugar chamado ..., na zona da Igreja chamada .... Ficou a deitar sangue perto da orelha e com nódoas negras em todo o corpo. Esteve sete dias detido e identificou o local para onde o levaram ( uma antiga igreja que servia de local de detenção, de tortura e de execução de mortes) No primeiro dia de detenção o CC apareceu com o irmão, o arguido BB que trazia o traje afegão e uma metralhadora .... Depois com os olhos vendados e as mãos atadas foi levado á presença de um “ juiz” eo CC referiu-lhe que o iriam executar. Foi interrogado sobre as fotografias e temeu pela própria vida uma vez que alguém que fosse apanhado a ceder informações ou com fotografia de outra mulher que não fosse a sua podia ser executado. Descreveu o interrogatório, que lhe bateram mais uma vez e foi conduzido á prisão. Não sabe quem lhe bateu pois estava de olhos vendados apenas sentiu que lhe bateram na cabeça e nas costas com um pau. Depois foi detido e descreveu o local da detenção, bem como, o pormenor dos plasmas a passarem imagens de pessoas a serem executadas. Descreveu, ainda, algumas execuções e da forma como o fez não deixa dúvida que as viu, tendo reconhecido em vídeo pessoas a serem executadas que haviam estado consigo, descrevendo a forma como eram executadas e descreveu, ainda a alimentação que lhe foi fornecida nos dias de cativeiro. Depois foi levado pela Al Amniyah e aí esteve mais quatro dias nesse local, chegando a estar dependurado na posição de cabeça para baixo e foi espancado por um bastão por quatro pessoas que não identificou, porquanto estava com os olhos vendados. Chegou a ser levado para um descampado onde dispararam tiros e nessa altura achou que o iam executar. Mais tarde voltou ao sítio onde houvera estado inicialmente e uma pessoa que se identificou como vindo da parte do seu pai, trouxe-lhe o telemóvel disse-lhe para o formatar e apagar os dados. Voltou a ser presente a um “juiz” que exigiu a declaração de arrependimento, e depois de 120 chibatadas foi libertado, porque o seu pai pagou 15.000 dólares americanos. Quanto ao arguido BB diz que o viu uma vez no local de Al Hisbah armado com uma ... e outra vez á porta da casa dele com uma pistola nas calças, mas não tem dúvida que usava o traje afegão que só poderia ser usado pelos elementos do Daesh nesta altura. Depois de ter sido libertado só viu o arguido BB duas vezes quando foi a casa do sogro, mas nunca se falaram. Devolveram os documentos ao pai, menos o seu bilhete de identidade, e o documento de serviço da sua mãe que era directora do banco. Segundo ouviu dizer as posições do BB e do CC eram mais importantes do que a posição do AA no Estado Islâmico. Só quem era membro do Estado Islâmico andava armado. O BB não foi à loja. Só vendavam os olhos quando estava ao pé no Juiz. Ouviu TT no interior da Al Hisbah, antes de ser presente ao Juiz. Sentiu o que uma pessoa que vai ser executada sentiu, medo e angústia. Esse sentimento ainda permanece até hoje. “Ainda há medo no meu coração ainda, que não desapareceu”. [sic] Bateram-lhe com um pau de madeira ao qual estavam atadas tiras de plástico ou pele. Trazia pouca roupa. Sentiu muita dor. Esteve 3 ou 4 dias sem se mexer. Esclareceu também que “Não havia maneira de sair da região. Só quem era deles e estava com eles é que podia sair. Nós, habitantes de Mossul, par sairmos de lá, tínhamos que deixar os documentos da casa com a organização até ao nosso regresso. Quem não regressar, ficam-lhe com a casa, como garantia.” A saída de Mossul era proibida para quem não era do Estado Islâmico. Se quem saísse fosse descoberto era morto. Os seus vizinhos saíram e foram todos mortos. “Vi o BB na prisão. O AA não vi. Depois apresentou queixa contra o sogro, porquanto foi este que denunciou ao CC e entregou o telemóvel, mas depois foi obrigado a desistir da queixa por causa das ligações do seu sogro. Refere, ainda, que o Estado Islâmico estava e tentar cunhar moeda para entrar em circulação, mas que nunca chegou a entrar em circulação. Depois foi confrontado com o documento do seu casamento e com os recibos que constam do apenso que confirmou. Esta testemunha casou-se perante um tribunal do Daesh porque à data não existiam outras alternativas. Não podia ter qualquer ligação ao Daesh porque os seus familiares próximos são todos agentes de autoridade do exército. Mais referiu que a opção de aderir ou não ao Daesh era voluntária. Descreveu ainda os vários serviços administrativos e policiais do Estado Islâmico que se implantou no Iraque e que os cidadãos que neste trabalhavam sabiam que estavam a trabalhar para o Daesh. Eram conhecidos por envergarem o traje afegão, pelas viaturas onde se faziam deslocar e pelas armas que levavam consigo. A Al Hisbah era uma espécie de polícia dos costumes que controlava coisas que eram proibidas tal como fumar, beber, a forma de vestir que obedecia a determinados padrões, a barba dos homens que não devia ser muito curta, a posse de telemóveis. Tinham trajes como os referidos e por vezes um colete que os identificava. Depois havia uma espécie de serviço de segurança interna Al amniyah. Para pertencer a estes departamentos ouviu dizer que tinham que ter estudos da Charia Islâmica. Referiu por último a proibição de cidadãos não Daeshianos saírem do território durante a ocupação. Como veremos mais á frente os arguidos tentaram descredibilizar esta testemunha, porquanto haveria uma zanga entre as duas famílias – na versão dos arguidos o seu irmão CC com 13 ou 14 anos teria tentado violar a testemunha com oito anos de idade e o arguido BB teria tido uma ligação amorosa com a mulher da testemunha. No entanto, se atentarmos no depoimento prestado não existe qualquer relato que possa ser interpretado como uma vingança, na medida em que quem teria assumido o papel mais negativo teria sido o irmão CC e a testemunha nunca imputou a qualquer dos arguidos qualquer das agressões por si sofridas, o que seria natural caso estivéssemos perante uma vingança da testemunha. Alias a várias instâncias repete que não viu o arguido BB a bater-lhe, mas apenas presente nas instalações. Ao arguido BB apenas imputa a presença nas instalações referidas, que envergava o traje afegão e que tinha uma arma e reforça quando inquirido sobre os mesmos factos que não viu o BB a bater-lhe – fls. 4647. Mais tarde apresentou queixa sobre os factos e apenas soube que o sogro chegou a ser detido. Só foi libertado porque o seu pai pagou a sua libertação, tendo que apagar tudo o que constava do telemóvel. Ora como havia referido no início do seu depoimento, já conhecia o BB e AA, porque o sogro da mulher morava no mesmo bairro e começou a frequentar o bairro quando começou a namorar a mulher. Por outro lado, cerca de dez dias após ter sido libertado foi com o seu pai a casa do sogro para resolverem as coisas entre famílias ( tradição do seu país) e foi nessa altura que o seu pai lhe referiu que juntamente com o CC os dois irmãos – AA e BB – que estavam á porta da casa deles, também foram a sua casa, momento em que não esteve presente. A testemunha GG. Trata-se do pai de LL, dono de uma loja de relógios onde trabalha com o seu filho LL que fica na localidade de .... Localizou temporalmente a entrada do DAESH em Mossul- 2014. TT recolhia impostos para o Estado Islâmico, dinheiro de rendas e alugueres que lhes entregava. Tinha relação com eles. Foi confrontado com elementos fotográficos constantes dos autos ( 2714 e 2313) e identificou o AA e o BB. Referiu também conhecer o CC, irmão dos arguidos e não ter tido qualquer problema com eles antes da detenção do seu filho LL ( a anterior testemunha), embora no final ( aquando da acareação) mesma pergunta tivesse dito não querer responder. Começou por explicar que o seu filho LL era casado com UU, filha de TT que morava no bairro dos arguidos - ... Soube que a sua nora retirou o telemóvel do filho e entregou-o ao pai que depois o deu ao CC, porque este trabalhava para a Al Amnya do Daesh. O CC foi a sua casa sozinho e conversou com o LL cerca de duas horas. Quando se deslocou a sua casa vestia o traje afegão, referindo a sua cor acastanhada e levava uma arma próxima da axila num coldre. Pediu-lhe todos os documentos oficiais e escritura da casa para ele levar e deu-lhe o prazo de um dia para entregar todos os restantes documentos. Levou os documentos e no dia seguinte o CC, desta vez acompanhado, voltou a sua casa e partiram diversos objetos - jarras estatuetas, alguns cristais. Neste dia estavam em casa GG, os seus filhos (duas filhas e um um filho menor) e a sua mulher. Os seus filhos LL e VVVV não estavam presentes, pois encontravam-se a trabalhar na loja de relógios. O CC referiu-lhe que os documentos foram entregues ao arguido AA porque este trabalhava no departamento de imóveis. Conforme resulta do artigo 128° n° 1 do CPP, a testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto de prova. A regra é, pois, que o limite do depoimento da testemunha é aquilo que ela viu e/ou ouviu. Como sabemos, o que a lei pretende com a proibição do depoimento indirecto é que não se aceitem como prova depoimentos que se limitam a reproduzir o que se ouvir dizer. Para que um tal depoimento seja valorado é essencial que seja confirmado pela pessoa que disse, confirmação que tem em vista a própria validade e eficácia do depoimento, já que o mérito de uma testemunha tem muito a ver com a razão de ciência da própria testemunha. E o que resulta do n° 1 do artigo 129° do CPP quando diz que: Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas. A precariedade do testemunho por ouvir dizer é manifesta, particularmente pelas distorções que a narração sucessiva do facto vai sofrendo. A moderna teoria da comunicação comprou aquilo a que sempre foi aceite pela sabedoria popular (quem conta um conto acrescenta um ponto). Para a além disso, neste tipo de prova de ouvir dizer, estão excluídas todas as garantias legais de veracidade do depoimento, como seja a ausência de juramento e impossibilidade de contraditório. O testemunho de ouvir dizer não é admitido, a não ser nos casos previstos na lei artigo 129° do CPP), não pela sua irrelevância, mas pela sua insegurança. A regra é, pois, que o limite do depoimento da testemunha é aquilo que ela viu e/ou ouviu. (…) Entendeu o motivo da “visita” porque o telemóvel do seu filho tinha sido entregue ao CC e, alegadamente, este acusou o LL de ter contatos com elementos das forças de segurança, ou seja, o seu filho LL estava acusado de fornecer informações do Daesh ás autoridades iraquianas. Quando o CC foi na segunda vez a sua casa, acompanhado, todos traziam o traje afegão e armas e fizeram-se transportar numa viatura do Daesh. As pessoas que estavam em casa não foram agredidas fisicamente. Sentiram-se agredidas psicologicamente na medida em que o CC os tratou por Rafida- renegados e segundo referiu, viram as armas apontadas contra si. Disse que eram seguidores do Governo, informadores, que não prestavam, que não os apoiávamos a eles. Foram ainda intimidados, amedrontados e aterrorizados com as armas que traziam. À pergunta se tinham encostado as armas a algum dos presentes, respondeu não, apenas de longe. Foi pedido que ficassem num canto, sentados no chão, e as armas, apontadas na sua direção. Da parte da tarde quando já estava na sua loja (negócio de relógios) levaram o seu filho LL. Ao Inicio da tarde, CC foi à loja e levou consigo 4 homens armados. Todos vestiam o traje afegão. Estavam presentes trabalhadores da loja e os vizinhos da loja. Assevera que o AA estava com o CC, tendo este último uma pistola e os outros outros estavam armados com metralhadoras .... Levaram LL contra a sua vontade, puxaram-no, amarraram-lhe as mãos, puseram-no no carro e levaram-no. «Não sei quem é que o amarrou, se foram dois, não sei.» Este último ficou detido onze dias, depois só o voltou a ver quando o libertaram perto do departamento da Al Hisbah. Quando foi solto vinha com ferimentos e nódoas negras em todo o corpo. Foi busca- lo a ... e teve que o transportar no seu veículo com ajuda de outra pessoa para o meter dentro da viatura. Durante o tempo que o filho esteve detido tentou interceder por ele junto do sogro do filho que tinha apresentado a queixa, mas não conseguiu e nesse mesmo dia o sogro do filho estava acompanhado dos três irmãos – os arguidos e o CC. “Vestiam o traje afegão. À pergunta falaram consigo, respondeu que não. «Quem falou comigo foi o TT, quem me ameaçou foi, o TT, quem me expulsou de casa foi o TT, na presença deles os três».« Só o CC trazia uma arma.» Conseguiu libertar o seu filho com 15.000 dólares que entregou a dois membros estrangeiros do Daesh um de nacionalidade ... e um .... Não teve mais contato com o sogro do LL, porquanto este juntamente com a mulher e a filha ainda apresentou outra queixa contra o filho num tribunal religioso e tiveram que pagar uma indemnização. Depois da libertação do Daesh apresentou queixa contra TT (sogro do filho) e este foi preso. Posteriormente, foi pressionado para desistir da queixa, porque se tratavam de pessoas influentes e acabou por retirar a queixa. Por existirem discrepâncias entre os anteriores dois depoimentos, designadamente, o momento em que souberam que quem acompanhou o CC foram os arguidos foi feita uma acareação para se perceber em que momento é que conseguiram identificar os arguidos AA e BB - Fls. 5291 a 5294 – Vol. 18 Quer GG, quer LL apesar de já terem visto os arguidos e estado com eles, referiram apenas souberam quem eram os arguidos AA e BB após a detenção de LL, na reunião com TT, sogro da vítima LL. Nessa reunião, reconheceram os irmãos BB e AA e ficaram a saber os seus nomes. GG confirmou que viu o BB, o CC e o AA quando estes foram a sua casa para que entregasse os documentos da sua casa. LL confirmou que viu quer o AA, quer o CC, quando foi levado da loja e levado para as instalações da Al Hisbah. Foram AA, CC e mais dois ou três elementos o levaram da loja para as instalações da Al Hisbah, embora só mais tarde tenha sabido que aquele indivíduo era o AA, razão pela qual em declarações prestadas anteriormente disse que só conhecia o CC. Reportava-se àquele período temporal. Depois de conhecer o AA, é que reconheceu que era uma das pessoas que tinha ido à loja. Ora já conhecia o AA desde o namoro com a sua mulher. «Segundo, quando as pessoas foram à loja, eu só conhecia o CC. Mais tarde, conheci-os. Sei que vi o AA na loja e que vi o BB em Al Hisbah. Soube quem eram, depois de algum tempo, ao frequentar a casa do meu sogro, vizinho deles. Soube quem era o AA e quem era o BB. Soube que o AA costumava estar num ponto de informação em .... Soube que o BB trabalhava para Al Amniyyah, para Al Hisbah de .... Soube estes pormenores sobre eles posteriormente. No início, não os conhecia. Só conhecia o CC.» GG também afirma estar seguro de que estavam presentes nesse mesmo momento (em que LL foi levado da loja) quer o AA, quer o CC, mas também só soube mais tarde que aquele era o AA. Estes, com certeza absoluta. Relativamente ao BB, está muito convicto de que também estava presente, mas face ao lapso temporal decorrido não o assegura com cem por cento de certeza. Viu o BB quando foi às instalações da Al Hisbah. Adiantou que viu o CC, o AA e o BB no ponto de informação do Daesh, no bairro ..., vestidos com o traje afegão e que eram eles os responsáveis da zona. «É um ponto onde havia ecrãs de TV, em que passavam feitos do Estado Islâmico: assassinatos, massacres, atentados, explosões, execuções, terrorismo. Tudo isto era filmado e mostrado às pessoas. Os responsáveis pelo ponto de informação eram o AA e o BB. Eu vi ambos no ponto de informação, vestidos com o traje afegão.» Tempos mais tarde, depois de terem libertado o seu filho, TT chegou a apresentar uma segunda queixa contra o filho no Tribunal Religioso da Sharia e acabaram por ser forçados a pagar seis/sete milhões a TT. Entregou os recibos desses pagamentos efetuados no Tribunal do Daesh. Nessa segunda queixa, TT acusou o seu filho de lhe ter ficado com ouro e dinheiro que lhe pertenciam. Assegura que o seu filho não se apoderou de nada, mas como a queixa foi realizada perante o Tribunal da Sharia, acabaram por pagar para evitar que o seu filho fosse novamente detido, porque havia, novamente, uma decisão do Tribunal da Sharia. Depois da libertação de Mossul, apresentou queixa contra TT e ele foi preso. Depois disso retirou a queixa e foi libertado. Recebeu pressões de familiares e próximos dele e foi ameaçado e teve medo por causa dos filhos. TT recolhia impostos para o Tribunal da Sharia. Recolhia dinheiro de rendas e alugueres que entregava aos daeshianos. Sobre se sabe da existência de outras vítimas, respondeu «Na zona deles, dizem que eles fizeram mal a várias pessoas: deram informações sobre pessoas, tiraram dinheiro a muitas pessoas, ameaçando-as, mas não sei dizer a quem. Talvez as pessoas não queiram apresentar queixa.» Esclareceu que as pessoas que viviam em Mossul à época em que o Estado Islâmico tomou conta da cidade eram livres de escolher aderir ou não à organização terrorista. Tinham de viver de acordo com as suas imposições, mas a adesão era voluntária. Nas ruas, o Estado Islâmico montou ecrãs e mostravam, diariamente, os seus feitos, em vídeos: as execuções, imagens de batalhas, de guerra, dos líderes, dos crimes que cometiam, de gente a ser atirada de prédios, dos treinos militares. Afirmou perentoriamente que o Daesh é um grupo terrorista, de “malfeitores, que matam, abatem, esfola, saqueiam e roubam. Não há nada de mal que não tenham feito às pessoas. E cada elemento do DAESH representa o grupo todo, com todos os seus crimes.” [sic] Aal Hisbah prendia, diariamente, 100 a 200 pessoas. Nos Tribunais, os juízes não eram de carreira, nem do estado, eram membros do Daesh. Eram juízes religiosos, sem conhecimento jurídico. Sobre as viaturas em que se faziam transportar, explicou que eram maioritariamente carrinhas pick-up. Tinham os carros do governo, da proteção civil, do controlo de trânsito. Uma parte dos carros eram carros do governo. Os carros da Al Hisbah tinham isso escrito nas viaturas. E cada elemento da organização que pertencia à Al Hisbah trazia nas costas por escrito Al Hisbah, no colete. Viu os arguidos num vídeo com o símbolo do canal os Livre de Nínive, mas à pergunta quem aparecia, disse que, tinha passado muito tempo, e não conseguia dizer. Sobre a saída da região, conta que os terroristas podiam sair livremente, mas não o cidadão comum: “Os caminhos estavam abertos para eles: podiam sair para a Síria ou para outro lugar.” “Os civis não conseguiam.” “Muitos tentaram e foram apanhados.” [sic] Antes de terminar a sua tomada de declarações, a testemunha disse o que segue: “Eu já sofri muito por causa da Al Qaeda, do Estado Islâmico e dos Daeshianos. Dispararam contra o meu irmão, militar e mataram-no. O meu outro irmão, comerciante no ramo alimentar foi morto. A minha irmã, membro do Conselho Regional foi morta com o filho. Contra mim, disparam 4 tiros na zona do peito. Tenho um relatório médico que comprova isso. Depois disso, raptaram o meu filho. Paguei dinheiro para o poder libertar. Raptaram o meu filho, VVVV, que é mais novo do que o LL. Paguei para o seu resgate e foi libertado. Eu sofri muito. Todas as pessoas de Mossul passaram muito, mas eu sofri mesmo muito por causa do terrorismo. Tiraram os nossos direitos. Espero que os recuperemos.” «Tudo o que ouviram de mim não chega a um por cento daquilo que nós passámos. Fizeram coisas que …, são criminosos em pleno sentido da palavra, criminosos, criminosos. Cometeram crimes inimagináveis: atiravam com pessoas de prédios altos, penduravam as pessoas aos postos de eletricidade, em cada posto de Mossul, estava uma pessoa executada. Gente a ser atirada do alto dos prédios. As mulheres eram diariamente apedrejadas, num período ou em dois períodos, até à morte. Irmã, eram criminosos sem piedade.» Analisando criticamente estas declarações ( do pai e do filho), ficamos com duvidas relativamente à intervenção dos arguidos BB e AA nos factos relativos ao LL. Verifica-se da prova produzida a propósito, com maior relevância das declarações do próprio LL e do seu pai GG, que as mesmas não se mostram suficientes para corroborar a totalidade dos factos dados como indicados na acusação/pronúncia. Como efeito, a testemunha LL refere, expressamente, uma primeira situação, após denúncia do sogro ao Daesh, em que apenas teve contacto com o indivíduo de nome CC – situação em que este se deslocou a sua casa, o confrontou com o telemóvel e esteve consigo na rua a conversar. Nesta situação nunca refere a presença dos arguidos BB e AA – únicos sujeitos cujo apuramento de factos com relevância criminal cumpre apurar no âmbito do presente processo. No mesmo sentido prestou depoimento a testemunha GG (pai), o qual mencionou que a primeira vez que o indivíduo CC foi a sua casa foi sozinho, sem mencionar a intervenção dos arguidos destes autos. Relativamente ao segundo contacto directo que teve com membros do EI, referiu a testemunha LL que o indivíduo CC, juntamente com mais três indivíduos, o foram buscar à sua loja de relógios, alguns dias após a primeira situação, tendo-lhe batido e levado para as instalações da policia religiosa, já mencionada, como a Al Hishba. Note-se que, mais uma vez não refere a presença dos arguidos BB e AA como tendo tido qualquer intervenção em tal episódio. Aliás, a referida testemunha LL refere, expressamente, que desconhece a identidade dos indivíduos que acompanharam CC nesse episódio. Note-se que, à data de tal episódio, já a testemunha LL conhecia os arguidos, pois que, o mesmo refere que os conheceu no bairro ..., bairro onde residia o seu sogro, tendo começado a frequentar o referido bairro, depois da queda de Mossul, altura em que o começou a frequentar em virtude de ter pedido em noivado aquela que viria a tornar-se sua esposa e que morava em frente à casa dos arguidos. Aliás a propósito, a testemunha LL refere que foi nessas circunstâncias que começou a frequentar aquela zona e ver BB e AA por lá (cfr. fls. 4611 das declarações para memória futura prestadas por esta testemunha). Face a tal, uma vez que os factos passados na loja de relógios (situação em que LL foi levado para a al Hishba) já se passaram depois de esta testemunha estar casada e, aliás, na decorrência de o sogro lhe ter feito imputações de infidelidade, é forçoso concluir que, em tal data, já a testemunha LL estava em condições de conhecer os arguidos BB e AA. Assim, não obstante a testemunha LL, em sede de acareação, ter referido que AA afinal estava no episódio em que foi levado da loja de relógios, o Tribunal não o valorou, na medida em que o seu depoimento nos parece confuso nessa parte – circunstância que imputamos a alguma desorganização de memória quanto à sequência dos acontecimentos em que intervieram os arguidos e que, embora não belisque a credibilidade do seu depoimento, foi valorada a favor dos arguidos. Mais se diga que a circunstância de a testemunha GG (pai de LL) ter referido a propósito do mesmo episódio que o indivíduo de nome CC estava acompanhado de BB e Yassir não foi valorado, tendo em conta que, à data dos factos não os conhecia. Aliás esta testemunha refere que só os conheceu quando se dirigiu a casa do sogro do filho, após a detenção deste, com vista a resolver a situação entre famílias (ocasião em que CC, BB e AA estariam na mesma casa), sendo certo que o filho LL, que já os conhecia anteriormente não referiu a presença dos mesmos. Conclui, assim, o tribunal, que inexiste prova suficiente da intervenção destes dois arguidos na ida à loja de relógios e no demais ali ocorrido e relatado pela testemunha. Relativamente à situação em que CC foi a casa de LL antes de o levar da loja de relógios, a testemunha LL referiu, expressamente, não estar presente, pelo que não demonstrou qualquer conhecimento directo dos factos. No tocante ao depoimento da testemunha GG, relativamente aos mesmos factos, este referiu que estava em casa juntamente com alguns familiares, quando o indivíduo de nome CC ali entrou armado com mais três indivíduos, sendo um deles AA e desconhecendo a identidade dos outros dois (cfr. fls. 4676 das declarações prestadas para memória futura por esta testemunha). Mais adiante refere a presença do arguido BB. Diga-se que, não obstante o relato da testemunha nos parecer sincero, mostrou-se nesta parte algo confuso, não sendo, em consequência, por isso valorado. Na verdade, entendeu o Tribunal que a testemunha não quis faltar com a verdade, mas que a circunstância de só ter conhecido os arguidos BB e AA quando se dirigiu a casa do sogro do filho, após a detenção do filho, com vista a resolver a situação entre famílias, logo em momento posterior aos factos, estará na origem de tal imprecisão. São situações deveras traumáticas como explicado por ambas as testemunhas que estão na origem das suas imprecisões e que os faz lembrar dos responsáveis por aquilo que passaram, essencialmente o sogro do LL e a personagem CC que é sempre descrita nos autos como a que está imbuída mais fortemente dos princípios e formas mais cruéis de atuação do Daesh sendo, inclusive determinante para a adesão dos arguidos. Acresce que as demais testemunhas que estariam em casa nas aludidas circunstâncias não foram inquiridas em sede de declarações para memória futura ou posteriormente, não podendo, por isso, esclarecer o Tribunal. Face ao exposto, entendeu o Tribunal valorar a prova produzida a favor de ambos os arguidos, não dando como provada a sua intervenção em tal episódio, embora sem duvidar do sofrimento vivido por ambas as testemunhas - o princípio do in dubio pro reo em virtude em virtude do qual se tornou impossível estabelecer um juízo de verosimilhança equivalente ao necessário grau de certeza. * AAA Fls. 3724 a 3729 – Vol. 13 Transcrição/Tradução: Apenso DMF-Tradução A primeira ideia a reter é que esta testemunha não conhece os anteriores depoentes. Reside na Avenida 11 do bairro .... Trata-se do mesmo bairro onde residiam BB e AA (estes na Rua 12). Conhece-os desde os seus 16 ou 17 anos, sendo que atualmente tem 32 anos de idade. Não tem relação de amizade com os arguidos, mas afirma conhecê-los bem. Confirmou que o Estado Islâmico entrou em Mossul a 06/06/2014 e controlou a cidade por completo a 10/06/2014. A data da saída do DAESH de Mossul ocorreu em meados de 2017. Viu o irmão mais velho dos arguidos, o CC, vestido com o “traje daeshiano” [kandahari] e armado com uma metralhadora .... Viu o BB, desde o final de 2014 até ao final de 2015 com o traje daeshiano, tendo vestido um colete da Al Hisbah. “Ele passeava o tempo todo com esse traje no bairro” [sic]. « Não o vi (ao CC) deixar esse traje. Nem ao BB.» O CC, desde a entrada do Daesh em Mossul, talvez um mês ou dois depois, vestiu o traje afegão e integrou a organização. O traje afegão consiste numa túnica longa até ao joelho e umas calças da mesma cor, por vezes, com um colete por cima, colete só usado por elementos da Al Hisbah. À pergunta se viu o arguido BB armado, referiu « Não o vi armado, mas vi-o com o traje Daeshiano». Quem se juntasse à Al Hisbah tinha formação para aprender como fiscalizar as pessoas e como cumprir os deveres a impor às pessoas. Ouviu BB gabar-se de ter tido essa formação e dizer aos habitantes locais o que era proibido, pela religião. Quando se encontrava na rua a conversar com amigos do seu bairro e chegava o BB, “falava connosco, perguntava o que fazíamos e começava a conversar sobre essas coisas” [sic] A primeira vez que viu BB assim vestido foi em finais de 2014, por volta de outubro. A última vez, no final de 2015. Nesse intervalo de tempo, sempre que viu BB, estava com o traje daeshiano vestido. “Vi-o, estando vestindo com a roupa da AL Hisbah, andando pelo bairro. Esse traje é usado por elementos da Hisbah que patrulham a zona para fiscalizar as pessoas pelo aspeto, forma de vestir, a barba, o tamanho das calças ou outras roupas.” [sic] «E apenas as pessoas que pertencem ao DAESH se vestem daquela forma» ( com traje afegão). Al Hisbah é que fiscaliza as pessoas pelo seu aspeto, pela forma de vestir: se as calças são compridas ( a ultrapassar o tornozelo), se a barba é curta, a pessoa é penalizada e também pelo corte de cabelo. Isto em relação a Al Hisbah. Quanto aos outros que andam armados, são pessoas que usam essas armas… ou seja as pessoas que trabalham na Segurança, Al Amniyah. “Vi-o ( ao BB) a fiscalizar as pessoas pela roupa e pelo tamanho barba.” [sic] O BB vestia o colete da Al Hisbah e quem usava esse colete na rua e estava a abordar pessoas, estava a fazer uma acção de fiscalização - Se a barba não fosse o que era querido, as pessoas eram levadas para um lugar onde eram fustigadas com chicote. Perguntado se foi alvo de algum castigo, respondeu que sim, mas« Nenhum dos irmãos teve intervenção, mas teve outra pessoa que viu que eu tinha a barba curta. Apreendeu-me os documentos do carro e disse-me para ir até à uma igreja que fica do lado direito de Mossul., igreja de ..., por ter a barba curta demais. Ficou com vários hematomas. Quando lá fui, havia uma pessoa de barba comprida que me perguntou pelo que tinha feito. Contei-lhe o que tinha acontecido comigo. Escreveu que eu fosse castigados com 100 chicotadas e então fui a outro lugar onde fui chicoteado. Depois disso, devolveram- me os documentos do carro e eu pude ir embora para casa.» «Ficavam as pessoas que tinham transgredido as ordens da Hisbah, de pé numa fila à espera da sua vez.» «Depois de receber o documento com a indicação das 100 chicotadas da pessoa que o emitiu, fico na fila à espera da minha vez, o castigo varia em função do tipo de infração. E fui chicoteado com uma sonda.», com uma mangueira flexível. Bateram-lhe nas costas. Estava vestido com roupa leve, com uma camisa. Ficou com ferimentos de cor escura, azulada, sentiu dores. Quando alguém transgride, é levado diretamente para esse sítio para ser chicotado; ou então ficam com documentos tais como, os de identificação ou os do carro e pedem-lhe para comparecer naquele sítio, para determinarem a pena. De seguida entra numa das divisões para receber o castigo que lhe foi determinado. O Juiz e quem aplicava as chibatadas vestia a mesma roupa da Al Hisbah que o arguido BB vestia. Mas não era obrigatório usar o colete. «O juiz era uma pessoa de barba comprida, um pouco forte, sentado numa cadeira em frente a uma mesa, perante o qual compareciam pessoas que entravam à vez. Ele perguntava a cada um o que fez, porque fez o que fez. Dizia o que era permitido e o que não era. Num papel em forma de quadrado, escrevia o número de chicotadas ou o tipo de castigo que deveria ser aplicado. De seguida, dizia para ir à divisão indicada para a execução do castigo. As pessoas ficavam numa fila destinada àqueles que o Daesh considerava como infratores. Quando chegava a vez de alguém, tinha de entregar o tal documento um indivíduo que estava em pé nessa divisão, lia o documento e aplicava o castigo» O BB era conhecido pelos habitantes do bairro, quando tinha 20 anos, pela alcunha de “BB ladrão”. Chamavam-lhe assim “por ser uma pessoa má”. ( factos respeitantes aos arguidos 8 e 9) «Antes da ocupação do DAESH, havia uma sala de bilhar no bairro. O BB, o CC começou a mudar o seu visual, pois deixou crescer a barba e estava a radicalizar-se. Recorda-se da participação de BB num programa de TV, no Arab Got Talent. De repente, o BB deixou crescer a barba e começou a fazer orações. Antes ele bebia álcool e não rezava. Uma vez quis fazer o chamamento para a oração na Mesquita de ..., em ... e houve alguém que o tentou impedir. Depois, conseguiu um documento, que obrigou os que trabalham na Mesquita a deixá-lo fazer o chamamento. Esse documento foi conseguido de alguma entidade do DAESH em Mossul e obrigou o pessoal da mesquita a deixá-lo fazer o chamamento. BB teve estudos islâmicos porque falava disso na zona. Dizia que era proibido pela religião, fumar, vestir calças compridas. Essas tinham de ser curtas. A barba devia ficar como é, não se podia aparar ou fazer. Ouvia-o falar sobre religião e dizer que determinadas ações eram censuradas pela religião. Ele conversava com os amigos sobre isso. BB trabalhava para uma pessoa que tinha comprado um gerador que o colocou em frente à sua casa e começou a fornecer energias às pessoas que lhe pagavam dinheiro por esse fornecimento de eletricidade ( facto que foi confirmado pelos arguidos). Passava pelas ruas quando havia fornecimento de energia nacional. E trabalhava por turnos. Quando estava a trabalhar usava o traje afegão. Antes, ele gostava de cantar e cantava. Um cantor não podia entrar numa mesquita e fazer o chamamento à oração. Eu nunca vi o DAESH obrigar alguém a aderir ao DAESH. Mas vi, quem quisesse se juntar ao DAESH fazê-lo. Em 2014 chegou a estar detido, pelo Daesh, por três dias. Certo dia, pelas 23h, bateram à porta de sua casa. Após abrir a porta, perguntaram- lhe se era o Ali. Disse-lhes que sim. Pediram-lhe para os acompanhar. Introduziram-no num carro branco, da marca e modelo ... e taparam-lhe os olhos com uma venda. Entraram em sua casa e verificaram tudo. Levaram os seus documentos. O pai da testemunha estava em casa e perguntou-lhes para onde iam levar o meu filho, ao que responderam que caso o filho fosse culpado de algo, podia ir buscá-lo ao serviço de medicina legal. No caso de ser ilibado, seria restituído à liberdade. Levaram-no então, de olhos vendados, de carro, até um local onde estava uma pessoa que lhe perguntou o seu nome. Deram a sua identificação a esse homem. Então, levaram-no até um outro lugar onde o fizeram ajoelhar-se e bateram-lhe. Foi brutalmente torturado com um tubo, cabos de eletricidade e paus de madeira. Entre as pessoas que o agrediram alguns traziam o uniforme da al Hisbah e outras apenas o traje afegão. “Diziam-me para confessar. Perguntava-lhes o que é que havia de confessar. Dizia- lhes para me dizerem o que queriam que confessasse para eu o fazer, mesmo não querendo. Perguntavam-se se estava a gozar com eles e batiam-me.” [sic] “Eles queriam verificar se eu trabalhava para o governo ou se enviava informações sobre o Daesh, nomeadamente localizações.” [sic] Entretanto, elementos do Daesh recolheram informações acerca da testemunha na sua zona de residência. Uma vez que souberam que era uma pessoa pacífica e que, tendo verificado o seu telemóvel nada foi encontrado que prejudicasse a organização terrorista ou contrariasse as suas imposições à população civil, ao fim de três dias, foi libertado. “A minha família ficou feliz por me ter de volta. O meu pai abraçou-me e disse-me que não acreditava que me voltasse a ver.” [sic] “Depois disso, fiquei perturbado. (…) Cada vez que batiam à porta, pensava que eram os Daeshianos que vinham para me levarem a um lugar desconhecido.” [sic] Em 2015, esta testemunha foi punida com cem chicotadas nas costas, dadas com uma mangueira, numa igreja sita no lado direito de Mossul, igreja de ..., sita na na Av. ..., por ter a barba curta demais. Ficou com vários hematomas. Se os terroristas do Daesh encontrassem um telemóvel com uma pessoa, essa pessoa teria um grande problema e poderia até ser morta. Algumas pessoas tentavam utilizar o telemóvel às escondidas, dentro das sua casas, sem que os vizinhos ou ninguém se apercebesse. Mas depois de um período de tempo, todas as torres dos telemóveis cessaram e já não havia sinal para se conseguir estabelecer contacto. Não podiam usar telemóveis, nem internet. Se soubesse podiam matar essa pessoa. «Era dificílimo comunicar. Conseguiam de certa forma as pessoas que tentavam às escondidas dentro das sua casas, sem que os vizinhos ou ninguém se apercebesse. Depois de um período de tempo, todas as torres dos telemóveis cessaram e já não havia sinal para se conseguir estabelecer contacto» «Antes de as torres de sinal pararem, as pessoas podiam usar os telemóveis às escondidas. Depois de as torres de comunicação terem parado, as pessoas tinham de percorrer uma distância de vários quilómetros para que pudessem comunicar fora de Mossul.» Era possível fugir, mas era dificílimo. O caminho, o caminho via Síria, Turquia era perigoso por duas razões: uma, as pessoas podiam ser confundidas com elementos do DAESH e serem bombardeadas. A segunda, o DAESH podia considerar que as pessoas fugiam por não querem ser seus seguidores. Não conhece todos os elementos do Daesh. Referiu no Tribunal que o AA não era do Daesh, porque não o viu com o traje afegão, não o viu armado, ou a fiscalizar. “Havia várias zonas de Mossul onde tinham ecrãs plasma, onde passavam vídeos respeitantes aos avanços do DAESH nas regiões.” [sic] Havia pessoas, na população, a colaborar de forma dissimulada com o Daesh. “Costumavam comprar e vender pessoas de etnias Yazidi como se de mercadoria se tratasse, de um bem, como água.” [sic] “Os Daeshianos também assaltavam as casas, ficando com comida e bebida das pessoas que consideravam renegadas e ficavam com os seus bens, sendo que essas pessoas passavam muito mal depois, não tendo nada para comer ou beber.” [sic] Quem se juntava à Al Hisbah tinha que ter estudos islâmicos, da Sharia. BBB Fls. 4449 a 4454 – Vol. 16 Transcrição/Tradução: Apenso DMF-Tradução É Polícia. Trabalha na Brigada Anti-Crime, de Nínive (Ministério da Administração Interna do Iraque). Antes de 2014, já era polícia afiliado ao Ministério da Administração Interna. Em junho de 2014, Mossul caiu nas mãos de grupos terroristas do DAESH e ficou em casa, pois perdeu o emprego. Apesar de os Daeshianos terem entrado na cidade de Mossul, continuou a colaborar com as forças de segurança, o que fez desde 2014 até à libertação da cidade, em 2017. Colaborava de perto com o Coronel DDD. Nessa colaboração com o Coronel, reuniam informações sobre os Daeshianos, as suas localizações e partilhavam essas informações com as forças de segurança. Através do Coronel DDD essa informação chegava também às forças suecas e americanas que combatiam o Estado Islâmico. “Participei na libertação de Nínive, recolhendo informações sobre as localizações do Daesh, que transmiti ao Coronel para a libertação de Nínive pelas forças de segurança e para que a minha cidade voltasse à pátria.” “O coronel fazia chegar as informações às forças de segurança e às forças de coligação, especialmente quando conseguíamos descobrir novas localizações próprias do inimigo, dos seus ajuntamentos, os seus campos escondidos. Eles mudavam de campos e quando encontrávamos os novos, dávamos as coordenadas novas ao Coronel que as transmitia para que esses alvos fossem atingidos pelas forças de coligação internacional, ajudando assim o nosso país, as forças de segurança e de coligação a combater o terrorismo no Iraque.” [sic] Era um dos elementos das “Brigadas dos Homens Livres de Nínive” e confirmou que a página da rede social Facebook com o nome de perfil “N’Ina’Ah, Ninawa, Iraq”, mencionada no Auto de Notícia que está na génese dos presentes autos, de 26/09/2017, era a página oficial dessas brigadas a que pertencia. As fotografias dos irmãos A... constantes da página do Facebook, já as tinha visto antes de 2017. No ano de 2014, quando entraram os grupos criminosos de DAESH na sua cidade, foi incumbido pelo Coronel DDD de averiguar/identificar o AA, o BB e o CC “porque fizeram mal a muitas pessoas, fiscalizando pessoas e cidadãos inocentes.» Sobre a forma como, sob o domínio do Daesh, levou a cabo essa missão, disse o seguinte: “Ninguém conseguia andar com as suas roupas. Tinha que ser totalmente diferente. Naquela altura, tínhamos que usar barba comprida. O cabelo, ou se usa muito curto ou comprido, como queriam os Daeshianos. Eu não podia andar bem vestido, tinha que parecer com aspeto muito pobre, para pensarem que era de uma pessoa de poucas condições. Era assim que disfarçadamente recolhia informações.” [sic] “O meu aspeto na altura: a minha barba chegava-me ao peito, o meu cabelo rapado a pente 0. Não usava bigode. Estava disfarçado, na tentativa de recolher mais informações no meio e de evitar a fiscalização do pessoal de Al Hisbah.” [sic] “Eu andava com a identidade do meu irmão. Retirei a fotografia dele e coloquei a minha no documento, para evitar ser identificado pelos Daeshianos. Assim conseguia passar despercebido e cumprir as missões de recolha de informações definidas pelo Coronel, sobretudo sobre altos oficiais do DAESH, que apelidavam de “Emires” [príncipes]. Fazia-o, recorrendo às minhas fontes entre amigos e conhecidos nas zonas onde moravam emires daeshianos, ou seja, líderes do DAESH.” [sic] “Coloquei a minha foto no documento de identificação do meu irmão, de forma a que, no caso de consultarem a lista de polícias e procurados no computador, não me possam encontrar. Eu era polícia, mas na altura, deixámos o trabalho e estávamos em casa. Mas eles tinham listas nos seus computadores.” [sic] «As forças de Segurança estavam em Bagdad. Transmiti informações às forças americanas de localizações do DAESH, dos seus líderes e dos seus militares. Transmiti, através do Coronel, informações às forças suecas então presentes. Participei na libertação de Nínive, recolhendo informações sobre as localizações do DAESH, que transmiti ao Coronel para a libertação de Nínive pelas forças de segurança e para que a minha cidade voltasse à pátria.» Com o propósito de recolher informação a respeito de do CC e dos arguidos BB e AA, foi ao bairro ..., às avenidas 12 e 14, onde tem algumas fontes. Falou com quase uma dezena de pessoas, vizinhos deles. Depois, corroborou in loco essas informações. Soube, através das suas fontes, que o CC era, inicialmente, da Al Qaeda e depois da entrada do DAESH na cidade de Mossul, integrou a Al Amniya, do Estado Islâmico. Segundo lhe foi dito, os outros irmãos, BB e AA, foram recrutados pelo seu irmão CC para a organização terrorista. «Quanto ao AA vi-o com os meus próprios olhos, com o traje kandahari.» Depois do curso, voltou a vestir o traje afegão. Vi-o durante o curso e depois do curso vestindo o traje afegão. É um traje comprido com umas calças como os que usam os paquistaneses. Era estritamente proibido a qualquer pessoa comum, cidadão, civil, vestir o traje afegão. À pergunta se alguém que não fosse membro vestisse o traje afegão, respondeu que Isso não aconteceu, mas se acontecesse, teria de receber castigo por se parecer com os Daeshianos. Ser-lhe-ia pedido que fizesse Al Bay’at [o juramento] e que combatesse com eles, entre outras coisas. Qualquer pessoa, cidadão ou combatente que tenha feito a Bay’at [juramento de fidelidade] ao DAESH veste o traje afegão e anda armado com pistola ou metralhadora. Afirmou que os irmãos A... são conhecidos no bairro ... como tendo pertencido à Al Amniya e à Al Hisbah e qualquer pessoa do bairro ..., os conhece. A respeito do BB, ele trabalhou na Hisbah de Nínive, na cidade de Mossul. O seu irmão CC estava na Al Amniya. Cumpriam as suas funções na zona da Rotunda ..., no bairro .... O AA jurou fidelidade aos Daeshianos, entrou num curso de treino militar, em 2014, de combate, mas não o conseguiu completar. Passado algum tempo foi expulso. Não sabe porque foi afastado. Vestiu-se com o traje Kandahari, mas não andava armado. Ao juramento de fidelidade ao Daesh dá-se o nome de Al Bay’at. É “um compromisso feito pelo simples combatente perante o grande Emir [líder] e que tem de ser respeitado, segundo diziam, durante o resto da sua vida até à morte, ao martírio ou até à vitória do Estado Islâmico.”[sic] Esse juramento, depois da entrada do DAESH em Mossul, era prestado ao califa do Estado Islâmico, TTT, através de outros “braços”, líderes do Daesh que a recebiam por ele. Esse curso era apenas frequentado por quem jurasse fidelidade ao DAESH, anunciando “Al BAY’AT”. Al Bay’at é um juramento, um compromisso feito pelo simples combatente perante o grande Emir [líder] e que tem de ser respeitado, segundo diziam, durante o resto da sua vida até à morte, ao martírio ou até à vitória do Estado Islâmico. Antes de alguém entrar no curso, era necessário que essa pessoa fizesse “Al Bay’at”, uma via “normal” que consistia em frequentar algumas sessões religiosas, e outra “forte”, em que depois não há volta a dar, ou seja não há lugar para desistência, pois só se quebra a Bay’at, no caso de eles expulsarem a pessoa. Todos os elementos do DAESH apenas podiam integrar os serviços, militares, de Al Hisbah, de Al Amniyyat, ou ser combatentes, depois de prestarem juramento a TTT. No caso do AA, bastava uma recomendação do seu irmão CC, que era líder do DAESH [na Al Amniyah], para poder entrar no curso. Essa recomendação era exigida pelo Estado Islâmico a quem quisesse entrar. O curso era de 40 a 45 dias. “Nesses cursos, ensinavam ao recém ajuramentado a confecionar engenhos explosivos, a enterrá-los, a combater, formas de matar, ou seja, assuntos puramente militares Daeshianos.” [sic] Havia muitos campos de treino em Mossul, mas uma parte desses cursos decorria na Síria. Por exemplo, os Emires (cargos importantes) do DAESH eram formados na Síria. O AA vestiu-se com o traje Kandahari. Usou-o durante algum tempo e acompanhava os seus irmãos. “Quanto ao AA, vi-o com os meus próprios olhos, com o traje Kandahari.” Mas o AA, não o vi armado. No bairro ..., Rotunda de ..., todas as pessoas sabem que eles são Deashianos, pois fizeram mal às pessoas. Esclareceu que é um traje comprido, com umas calças e que qualquer pessoa, cidadão ou combatente que tenha feito a Bay’at [juramento de fidelidade ao DAESH] veste o traje afegão. Era estritamente proibido a qualquer pessoa comum, cidadão, civil, vestir o traje afegão. Se isso sucedesse, receber-se-ia um castigo por se parecer com os Daeshianos. Ao AA não o viu empunhar qualquer arma, mas ao BB e ao CC viu-os armados com pistolas e metralhadoras. Antes da libertação e durante a ocupação da cidade pelo DAESH, quem andava armado eram apenas os daeshianos: que tinham feito juramento, líderes, combatentes. Quem era da Al Amniyat andava com um a pistola ..., quem era da Al Hisbah, também andava com uma pistola .... O combatente ou um simples militar andava com metralhadora ou com uma arma .... Os civis não andavam armados, nem uma faca pequena podiam ter no bolso. Eles são conhecidos no bairro ..., como sendo da Al Amniya e da Al Hisbah. Elucidou que antes da libertação de Mossul pelas forças do regime iraquiano, quem andava armado eram apenas os daeshianos. Os que tinham feito juramento, os líderes e os combatentes. «As funções da Al Hisbah consistem na fiscalização dos cidadãos: … tem de ser cortado, o cabelo tem de ser comprido, a barba tem de ser comprida. Sancionam quando veem alguém a fumar um cigarro entre outras coisas. Quanto à Al Amniya à qual pertencia o CC, a sua função era, antes de o DAESH entrar na minha cidade, já existia Al Amniya com a Al Qaeda e tratavam de matar as forças de segurança, os seus agentes e funcionários. Depois de o Daesh entrar na cidade de Mossul, os que antes trabalhavam com o CC nos assassinatos, passaram para Al Amniya. O trabalho da Al Amniya era apenas matar polícias, militares, funcionários, oficiais da polícia e do exército. Era a execução de tudo isso.» Quem era da Al Amniyah andava com uma pistola ..., assim como quem era da Al Hisbah. Os combatentes ou os simples militares andavam com metralhadoras ou com uma arma ... [grand chase arme / arma de grande capacidade]. Os civis não andavam armados. Nem mesmo uma faca pequena podiam ter no bolso. Sobre os diferentes organismos do Estado Islâmico, a Al Amniyah e a Al Hisbah, esclareceu as principais diferenças entre eles. Relativamente à Al Amniyah, à qual pertecia o CC, refere que a mesma “trata só de matar, de aniquilar.” Antes mesmo de o DAESH tomar o controlo da cidade, já existia uma célula da Al Amniya pertencente à Al Qaeda, que tratava de matar as forças de segurança, os seus agentes e funcionários. Depois de o Daesh entrar na cidade de Mossul, os que antes trabalhavam com o CC nos assassinatos, aquando da Al Qaeda no Iraque, passaram para Al Amniyah do Estado Islâmico. “O trabalho da Al Amniya consistia em matar polícias, militares, funcionários, oficiais da polícia e do exército. Era a execução de tudo isso.”[sic] No caso da Al Hisbah, à qual pertencia o BB, tinha por missão a fiscalização e sancionamento dos cidadãos relativamente à aparência, indumentária e comportamentos. Em 2014, viu com os seus próprios olhos, por duas vezes, o BB no exercício das suas funções na Al Hisbah, a cumprir o seu dever para com o DAESH e pormenoriza que o BB “era rude/agressivo” no trato com os cidadãos. Assistiu ao BB a fiscalizar o tamanho das barbas e a verificar as calças compridas das pessoas que passavam. Viu-o a cortá-las com uma tesoura, pois o Daesh impunha que os homens não usassem calças abaixo dos tornozelos (“deveriam ficar 4 dedos acima”). BB vestia o uniforme preto da Al Hisbah e trazia com ele uma pistola ..., visível para todos. Trazia às vezes pendurada no ombro ou, às vezes, na zona lateral (mostrando a cintura), no coldre. Naquela altura, tinha cabelo comprido e usava barba. Disse que o CC e o BB andavam sempre juntos. Viu-os uma ou duas vezes para confirmar as informações previamente recolhidas a respeito deles. O BB fiscalizava as pessoas. Já o CC andava na rua a ver se ocorria alguma perturbação na segurança. Esse era um caso entre dezenas em que investigou Daeshianos, naquela altura, tendo-o feito até agora. O coronel pedia-lhe para investigar determinada pessoa. Eu fazia um relatório uma semana, dez dias depois, consoante as minhas fontes. Recolhidas as informações, enviava o relatório ao Coronel DDD. Usavam cabelo comprido e barba comprida. Vi o BB e vi o CC na rua, na Rotunda de ... «Tenho provas da minha permanência em Mossul e da minha colaboração com as forças de segurança.» Tirou fotografias às pontes da cidade de Nínive, pois tinha chegado a notícia de que os Daeshianos fizeram implodir as mesmas. Tirei as fotos para desmentir esse feito e enviei- as ao Coronel DDD. Ergueu a bandeira iraquiana três vezes na cidade de Mossul. Distribuiu panfletos, com o intuito de desmoralizar o inimigo, entre outras coisas, vídeos que fez chegar ao processo. O coronel fazia chegar as informações às forças de segurança e às forças de coligação, especialmente quando conseguiam descobrir novas localizações próprias do inimigo, dos seus ajuntamentos, os seus campos escondidos. Eles mudavam de campos e quando encontravam os novos, dávamos as coordenadas novas ao Coronel que as transmitia para que esses alvos fossem atingidos pelas forças de coligação internacional, ajudando assim o país, as forças de segurança e de coligação a combater o terrorismo no Iraque. Faziam chegar a informação através do WhatsApp. Ele tinha uma página designada Brigadas dos Livres de Nínive, Fação de Al Qa’qa’. Publicava nelas sítios que as forças da coligação conseguiam atingir com a nossa colaboração. Depois da Libertação, viu essa página. Antes disso, a internet era muito fraca. Precisava de subir 3 andares, para apanhar rede e para estabelecer contacto e enviar algumas informações disponíveis. O trabalho de Al Hisbah consistia em pedir aos infratores os seus documentos de identificação para se dirigirem às instalações da Hisbah do DAESH e serem chicotadas. Ficavam com os documentos e devolviam-nos no dia seguinte ou dois dias depois, após infligirem as chicotadas. Também esta testemunha chegou a sofrer um castigo corporal por elementos do Estado Islâmico, após ter sido apanhado a fumar um cigarro à porta de sua casa. Foi chicoteado por 40 vezes. CC era um líder do Daesh que recrutava. Segundo ouviu dizer, os arguidos entraram via o irmão deles, o CC. Dizia-se que o DAESH ia cunhar uma moeda para o seu Estado, mas não se verificou Ninguém era obrigado a entrar na organização do DAESH. Mas os que entraram na organização, fizeram-no por causa da religião, por serem fanáticos. Outros entraram porque eram pobres e o DAESH dava salários. Havia vários Tribunais naquela altura. Havia vários juízes: um juiz conhecido por “juiz do sangue” e que ordenava sempre a matar, era da Al Amniya. Havia o juiz de Al Hisbah, o juiz de Diwan, o juiz das finanças. A respeito da fuga e do percurso de fuga de Mossul, relatou que era dificílimo sair de Mossul. No seu caso, que tinha a mulher doente, quando precisavam de sair de Mossul para os seus tratamentos, tinham de andar 30 a 40 km a pé, para depois poderem entrar num carro e ir para a zona dos tratamentos. No concernente ao caminho Mossul - Raqqa refere que era só para os Daeshianos. “Eles é que podiam andar por lá à vontade. Quando um Emir Daeshiano queria sair de Mossul, nunca ia via Bagdade ou Kirkuk ou Tal Afar, era sempre diretamente via Al Raqqa. A sua segurança estava garantida e podiam ir e vir para e da Síria como passar de uma divisão para outra dentro da mesma casa. Era o caminho exclusivo dos membros do Estado Islâmico. Ninguém podia usar esse caminho com eles.” Conta que havia um controlo muito intenso e que os civis que optavam por tentar a fuga corriam o risco de serem detetados pelos terroristas e executados e abandonados na berma da estrada. Os arguidos saíram em 2016. Em 2017, iniciou a operação da libertação da cidade de Mossul, Nínive, sendo que em finais de 2016, muitos dos Emires, dos líderes do DAESH saíram de Mossul, levando com eles milhares de dólares, dinheiro suficiente, e saíram via a Síria, para a Turquia e daí para outros países. 90% dos líderes do DAESH, levaram dinheiro consigo e saíram por essa via. O governo iraquiano emitiu uma ordem para reunir o exército para se libertarem as zonas controladas pelo DAESH. Após confirmarem a informação, os líderes do DAESH começaram a retirar-se de Nínive e de outras zonas, essencialmente os líderes antigos. Desde a libertação e até à data, continuam a deter elementos Daeshianos escondidos dentro de casas, de buracos e esconderijos com denúncias feitas pelos civis. Detemos, semanalmente, no Combate ao Crime, dois elementos Daeshianos até reduzirmos o seu número par 0% na cidade de Mossul. Não tirou fotografias porque na altura do DAESH, era proibido andar com o telemóvel ou com a câmara fotográfica. A sentença para quem o fizesse era cortar a cabeça. Não fotografei. Apenas recolhi informações, mentalmente, através das minhas fontes e vendo a olho nu. Em 2017, teve início a operação da libertação da cidade de Mossul, Nínive, sendo que em finais de 2016, muitos dos Emires, dos líderes do Daesh saíram de Mossul, levando com eles milhares de dólares, dinheiro suficiente, e saíram via a Síria, para a Turquia e daí para outros países. O Chefe WWWW é seu superior desde a libertação. Antes da Libertação, o responsável direto das operações era o Coronel DDD, a quem fornecia informações, coordenadas. Ele tinha contacto direto com as forças de coligação e as forças de segurança. O Chefe WWWW é o seu superior atual. O seu superior hierárquico é o Chefe WWWW. Mas o coronel é o diretor do ramo [departamento]. O Diretor do nosso Departamento é o Coronel DDD. «Ele sabe quanto sacrifiquei, quantos familiares perdi pela mão do DAESH. Dei-lhe informações suficiente em prol da minha terra e do Iraque. Assim que regressei às funções de polícia, chamou-me para trabalhar com ele.» Trata-se de uma testemunha isenta cujo papel em Mossul era precisamente o de recolher informações para as forças de resistência, sem qualquer animosidade perante os arguidos. DDD - Fls. 4456 a 4458 – Vol. 16 Transcrição/Tradução: Apenso DMF-Tradução É Coronel na Polícia. Trabalha na Polícia Iraquiana desde 2001 e, atualmente, no Departamento Anticrime de Mossul, Nínive (Ministério da Administração Interna do Iraque). A testemunha BBB (depoente anterior) é uma das pessoas que trabalhavam consigo no Serviço de Informações de Mossul na altura da ocupação de Mossul pelo EI, sendo seu subordinado. Era Major da Polícia de Nínive. Os arguidos BB e AA viviam numa zona próxima da sua área de trabalho, antes de 2003. Em 2004, o terrorismo proliferou-se no país. A Al Qaeda tinha alguns elementos. Começaram a contactar suspeitos de assassinatos e a recrutá-los com contrapartidas de dinheiro. Conheceu o CC nessa época, irmão dos arguidos, como sendo um homem das execuções da Al Qaeda. A testemunha era responsável pela pasta das Informações de Mossul e reportava ao Diretor de Informações de Nínive. Na altura, também trabalhava com as forças de Coligação em assuntos de Informações, nomeadamente as forças norueguesas, francesas e americanas, com o objetivo de recolher informações e identificar alvos, entre os elementos da Organização dentro de Mossul. CC foi detido mais do que uma vez pela justiça iraquiana por suspeitas de pertencer a organização terrorista e de matar pessoas. Todavia, quando os processos chegavam à justiça, a organização terrorista ameaçava as famílias das pessoas que foram mortas, das vítimas que apresentavam queixa e os casos caíam, nomeadamente, porque as testemunhas vinham a alterar os depoimentos depois de pressionadas. Elementos da organização terrorista ameaçavam as pessoas e as suas famílias de morte ou de fazer explodir as suas casas. Com as desistências das queixas ou alteração dos depoimentos, CC acabava por sair em liberdade. A este propósito, declarou ser do seu conhecimento que uma das testemunhas destes autos de inquérito foi ameaçada por familiares do AA e do BB em Mossul, em virtude de o irmão dessa testemunha ter denunciado os arguidos em Portugal e com o propósito de persuadir a testemunha a não voltar a testemunhar contra o BB e o AA, seja em Portugal ou no Iraque. Trata-se da testemunha NNN [ouvido em declarações a 10.05.2022 – cfr. fls. 4834 a 4837], que foi raptado pelo CC. DDD soube-o pelo facto de a testemunha ameaçada ter participado isso a um dos polícias que trabalham na sua dependência. Quem o ameaçou foram os irmãos dos arguidos que se encontram em Mossul. A testemunha é irmão do denunciante que vive em Portugal. “Nas nossas comunidades iraquianas, quando uma família é ameaçada, o assunto é resolvido num conselho tribal. A solução pode passar por efetuar um pagamento pelo dano como pode resultar numa morte. O NNN tinha informado, há dois dias, que foi solicitada uma assembleia tribal por parte do Clã (A...) – a que pertence BB – ao Clã (C...) do NNN, na sequência da queixa apresentada em Portugal pelo seu irmão e em que o NNN é testemunha.” Estes acordos tribais não são legais, do ponto de vista judicial, mas em comunidades que se regem por leis tribais, são aceites pela população. Apesar de a lei não o permitir, a justiça privada é largamente aceite pela população. O Clã A..., dos irmãos BB e AA, pediu para que se retirasse a queixa apresentada em Portugal e que o NNN não se queixe no Iraque nem deponha, “ou então será uma questão de vingança.” Mais disse: “Se alguém matar um inocente por ato de vingança, o poder judicial vai fazer justiça e vai condenar o autor desse crime à morte, mas a vingança já terá acontecido, o mal já estará feito. Se um advogado revelar o nome de um denunciante e os irmãos do arguido forem matar o denunciante, as autoridades farão o seu trabalho, irão deter esses irmãos e condená-los por isso, mas mais uma vez o ato da vingança já terá acontecido. O poder judicial sobrepõe-se, mas nós experienciamos estas situações de vingança, de crimes de honra. A sociedade é assim, nem sempre controlamos. Diligenciamos no sentido de evitar esses atos de vingança contra inocentes.” “Antes de 2014, em Mossul, todos os polícias, agentes de autoridade e funcionários do Estado recebiam ameaças de números estranhos, por mensagens/cartas. Todos eram ameaçados, até o cidadão comum, que tivesse posses, era ameaçado. A Organização [terrorista] dominava e o governo estava enfraquecido. Na minha cidade, Mossul, mais de 10 juízes foram mortos pela Organização, antes de 2014.” “O Tribunal para Assuntos de Terrorismo foi criado em 2008. Antes disso, todos outros tribunais tinham processos de terrorismo. Mas a Organização não matava apenas por causa de processos de terrorismos. Tinha interesses financeiros, prediais, projetos... Cada vez que um juiz decidia contra os seus interesses, matava-o.” Mossul caiu nas mãos da organização terrorista no dia 10/06/2014. O Daesh passou a controlar a cidade até finais de 2016. “O Estado Islâmico, desde o início da sua criação no final de 2003 no Iraque [refere-se à Al Qaeda no Iraque] e até à sua queda em 2017, nunca obrigou ninguém a aderir. Os que aderiram, fizeram-no por convicção ou por ganância ou interesse material. (…) A Organização baseia-se numa ideologia de crença religiosa radical, não obriga ninguém. Quem tivesse a convicção, fazia al Bay’at que é claramente radical.” Na sequência da tomada de Mossul pela organização terrorista, o Coronel teve uma reunião com GGGG, então Conselheiro de Segurança Nacional, e com autoridades judiciárias do Iraque. Formaram uma rede de informações e fontes, designada de “Os Livres de Nínive”, da qual foi incumbido de liderar, visto ter várias fontes dentro da cidade de Mossul. Era o responsável pelo Serviço de Informações de Mossul. O objetivo dessa rede de contactos, inicialmente, foi denunciar os elementos que aderiram à organização Daesh, publicando as suas fotos, mas também de apaziguar a população mostrando que muitos dos propalados feitos do Daesh não passavam de propaganda Explicou que sendo o Iraque uma sociedade tribal (de clãs), o objetivo era mostrar as fotos dos que entraram, para dissuadir quem estaria a pensar em entrar e proteger os cidadãos. Elucidou que “TTT, o então líder da Organização Terrorista, quando chegou a Mossul obrigou os seus elementos a destaparem a cara. Antes disso eram fantasmas para nós. Quando começaram a andar de cara destapada, tornou-se fácil conseguir a informação.” [sic]. Efetuava dois tipos de trabalho distintos. Um era de natureza militar e de segurança, em colaboração com as forças da coligação. Outro, de colaboração com a justiça, a fim de perseguirem judicialmente os cidadãos que aderiram à organização terrorista. No âmbito do serviço de natureza militar e de segurança trabalhou com as Forças da Coligação, nomeadamente, com as forças norueguesas, francesas e americanas, com o objetivo de recolher informações e identificar alvos, entre os elementos da Organização Terrorista dentro de Mossul. Relativamente à Forças Norueguesas, tinha uma reunião semanal com um representante daquelas forças militares, de nome XXXX. Quanto às Forças Francesas, tinha também uma reunião com o seu representante, de nome YYYY. A respeito das Forças Americanas, os encontros eram quinzenais, no aeroporto .... Dava-lhes os alvos e eles pediam os locais a observar ou as coordenadas GPS de determinado ponto estratégico. Com os homens que coordenava estabeleceu fações/grupos dentro da cidade. As suas funções dividiam-se entre a recolha de alvos da Organização Terrorista e suas localizações e a recolha de informações sobre elementos da Organização. “Tinha 5 pelotões/fações: Al Qa’qa’, Nabi Younis, Al Kat’ib… Cada um tinha 5 a 7 pessoas. Cada pelotão tinha o nome do seu líder e tinha competência numa área geográfica delimitada.” [sic] Em função do objetivo, escolhia a quem recorrer. Às vezes precisava de determinar localizações para bombardeamentos por parte das forças de coligação, outras vezes precisava de saber informações sobre as pessoas, confirmar se determinado indivíduo aderiu ou não, entre outros. Das fontes humanas que geria contavam-se 13 pessoas que estavam infiltradas na Organização Terrorista, das quais um líder, que era o 7º ou 8º na hierarquia do Estado Islâmico. Depois da Libertação do Iraque e da vitória sobre a organização terrorista, estes indivíduos foram contemplados por um Perdão Especial do Primeiro Ministro Iraquiano, por terem colaborado ativamente com as forças do regime e foi-lhes garantida proteção. No âmbito da colaboração entre Serviços de Informação, aparelho judicial e o Conselheiro de Segurança Nacional Iraquiana, GGGG, recebeu várias instruções e foi incumbido de diferentes missões. Uma delas foi a de recolher informações sobre os irmãos A.... Explicou detalhadamente que, de “cada vez que nos chegava informação sobre alguém que se tivesse juntado ao Daesh, enviava fontes ao local, para confirmar a informação junto dos vizinhos dessa pessoa. Receávamos que nos chegassem informações falsas ou por vingança ou por outro motivo. Portanto, sempre que recebia alguma informação sobre alguém ou uma fotografia de alguém, mandava elementos meus das informações, fontes minhas ver no terreno com os próprios olhos e confirmar junto de várias pessoas antes de publicar a fotografia. «Não podia acusar ninguém injustamente nem querer que alguém pagasse por culpa do seu irmão, do seu pai ou de outrem. É o nosso dever e o que as autoridades judiciais nos pediam era observar justamente isso, não publicar notícias em que toda uma família é prejudicada por um seu membro: diferenciávamos entre irmãos quando um pertencia ao DAESH e outro não. Se o pai não fizesse parte da Organização, também assim escrevíamos. Não imputávamos um crime a todos quando só um o tinha cometido. Apenas referíamos os que tinham pertencido como tal. » «Na maior parte das publicações há referência aos que aderiram e aos que não aderiram, entre membros de famílias conhecidas de Mossul, em que por exemplo, um filho integra a organização, mas não o irmão nem o pai… Podem verificar na página.» «A verdade é que publiquei milhares de conteúdos, pois tinha 116 páginas dos Livres de Nínive. A Organização estava constantemente a sabotar a página» «Prova do que estou a dizer é que quando publiquei as fotos do CC, do AA e do BB, escrevemos relativamente aos seus restantes irmãos que estes não tinham aderido. Eles são 6 irmãos se não estou em engano, referidos no que eu escrevi, e os que não integraram a organização estão mencionados como não pertencentes. Podem verificar o que eu estou a dizer se tiverem acesso à publicação.” A testemunha confirma ser o responsável pelas publicações das fotografias de BB e de AA na página de Facebook dos Livres de Nínive [cfr. Auto de Notícia]. Dessas e de outras publicações que efetuou em 2014, 2015, 2016 e 2017. Fez uma publicação sobre os arguidos BB e AA em 2017, quando soube que eles tinham fugido do Iraque, “para evitar que cometessem atos terroristas noutro país”. Reconheceu os arguidos nas fotos e a autoria das publicações que constam nos autos. Confrontado com a publicação que consta dos autos, foi perentório: “Sim. É uma publicação minha. Sou responsável por cada palavra da mesma.” Houve um grupo de terroristas que foram publicamente denunciados na página dos Livres de Nínive que vieram mais tarde a ser detidos pelas autoridades finlandesas, entre eles, ZZZZ. Foi, justamente, com base nas fotografias que publicou que conseguiram identificá-los. Também ali denunciou um elemento diretamente após a sua saída do Iraque e que, posteriormente, veio a executar um ataque suicida em França, sem que as autoridades francesas o tivessem conseguido evitar. Na ..., foram detidos AAAAA e BBBBB através das publicações naquela página do Facebook. Salienta que houve várias situações de coordenação de trabalho com autoridades europeias. Sabe, por força das funções que desempenhou, que CC, após junho de 2014, trabalhou declaradamente como responsável da Al Amniyah no bairro .... “Al Amniyah era, digamos assim, o Serviço de Informações, de espionagem da Organização. Era o mais perigoso da Organização. Antes da queda de Mossul, a Al Amniyah era responsável pelas execuções” [sic]. Referiu que o CC chegou a levar uma escrava Yazidi para a casa onde vivia a família A...: “O irmão deles, o CC, levou para casa uma cativa Yazidi, uma mulher raptada. Mas a mãe dele recusou isso. A mãe e outro irmão que ainda está em Mossul atualmente. Perante esse problema, ele teve de arrendar uma casa perto para ele ficar lá com ela. Essas cativas Yazidi eram violadas, escravizadas.” [sic] Foi uma senhora, vizinha dos irmãos A..., quem lhe transmitiu aquela informação. A recusa da mãe prendeu-se com o facto de as regras da sua comunidade não permitirem a um homem trazer para casa da família, ou seja, para junto da sua mãe e das suas irmãs, uma outra mulher fora do âmbito de uma relação legítima. Relativamente ao AA e ao BB, nunca os vi diretamente Através das suas fontes que identificou, e que prestaram DMF; BB trabalhava para Al Hisbah. Primeiro recebeu informações dos vizinhos do arguido BB. Na sequência disso, enviou o BBB para verificar e confirmar com os seus olhos, pois como serviço de segurança, não podia publicar informação falsa. O BBB obedecia às suas ordens, ele e os seus homens. “Relativamente a Al Hisbah, foi criada pelo Daesh depois de 2014. As suas funções eram fiscalizar os cidadãos: aqueles que fumam, as mulheres que não usavam izar (pano que cobre totalidade do corpo), todos os que infringiam as suas leis e normas. E castigavam com chicotadas e coisas do género.” [sic]. Na altura, incumbiu o BBB, conhecido por BBB] de ir ao bairro .... Lá, foi-lhe reportado por BBB que tinha visto o AA e o BB na rotunda de .... O BB foi visto a fiscalizar as pessoas. Nesse local, viu-o assim, como viu o CC. Estes factos que lhe foram relatados também os confirmou ele próprio, juntamente com o juiz JJJJ, junto de vizinhos dos irmãos A.... Quando os vizinhos o informaram através das redes sociais, enviou o BBB que me disse tê-lo visto a ir e a voltar do curso. O curso da organização é de 47 dias aproximadamente, em que os formandos frequentavam aulas de sharia Islâmica por um período de uma semana, ao que se segue um treino de condição física e outro de manuseamento de armas leves e médias. No fim, recebem o diploma de combatente e um salário, não é assim que o designam, esqueci-me do nome que atribuem a essa remuneração. São 150 mil, no caso dos solteiros e 50 mil a mais, para os casados e ainda mais 30 mil por cada criança. A moeda em questão é dinar iraquiano. Depois são destacados para um sítio de combate. No final, os responsáveis dos Serviços de Al Amniyah, de Al Hisbah e das Células Adormecidas iam lá para escolher os melhores elementos dessa formação. As Células Adormecidas são elementos que tinham como missão permanecerem escondidos até a organização precisar de os ativar depois do declínio, com o objetivo de reerguer a organização. As células adormecidas nunca apareciam com roupas do DAESH ou com armas. Eram desconhecidos até para outros elementos do DAESH. De forma secreta, tinham a missão de, no caso de a organização fraquejar ou cair, fazê-la renascer. Nessas aulas de sharia Islâmica davam conteúdos sobre práticas islâmicas como: qual o tamanho da barba a usar, como deve vestir-se uma mulher com o Hijab, sobre o martírio, sobre a prática da jihad e a legitimação de matar os renegados. Ou seja, escolheram de entre os versos corânicos partes ou excertos em que se legitima isso, ignorando o restante contexto. É um processo de lavagem cerebral. Quem frequentava os cursos já era membro do Estado Islâmico. Al Bay’aat – o juramento antes de aderir ao Daesh - era feito no primeiro dia do curso, da adesão da pessoa ao DAESH. O texto era: “Prometemos fidelidade ao Príncipe dos Fiéis, TTT, conhecido por TTT, ouvir e obedecer nos bons e maus momentos, na dificuldade e na facilidade…” algo assim, não me lembro ao certo, pois eu nunca fiz esse juramento, mas ouvi-o por parte de arguidos. O juramento significava que prometem combater até à morte. Não havia lugar para o curso sem esse juramento. Proferido o juramento, recebiam os equipamentos: o uniforme do DAESH de verão cor de mel e outro de inverno, cor de castanho escuro, uma garrafa de água, dinheiro e alimento. 3 dias depois, começavam a formação. O traje afegão é um uniforme é constituído por uma túnica comprida, com uma abertura até meio do peito e por baixo umas calças que não tapam o tornozelo. Fica um pouco a cima do tornozelo. É um tipo de traje usado no Paquistão e no Afeganistão e que nós designamos como traje Kandahari ou afegão. Esse traje foi trazido pela organização, pois ninguém o usava dantes no Iraque. O Estado Islâmico, desde o início da sua criação no final de 2003 no Iraque e até à sua queda em 2017, nunca obrigou ninguém a aderir. Os que aderiram, fizeram-no por convicção ou por ganância ou interesse material. Nenhum homem, nenhuma mulher ou criança entrou sem ser por vontade própria. A Organização baseia-se numa ideologia de crença religiosa radical, não obriga ninguém. Quem tivesse a convicção, fazia al Bay’aat que é claramente radical. Reconheceu o fotograma do AA relativo ao vídeo de propaganda do EI em que participou e explicou que retirou aquele vídeo do Canal ..., em 2015 [canal oficial de propaganda do EI]. A respeito desse vídeo de propaganda à moeda fiduciária do EI, a testemunha explanou que o EI cunhou dois tipos de moeda: uma em ouro e outra em prata. Porém, não conseguiram introduzi-las no mercado para substituir a moeda local. Tem conhecimento de que foram cunhadas moedas porque o Daesh emitiu mais do que uma publicação sobre isso e porque apreenderam várias dessas moedas em processos que investigaram depois da retirada do Daesh, as quais ainda se encontram apreendidas ao abrigo desses processos. “Das inscrições da moeda circular constava: o Estado Islâmico do Levante e do Iraque, Dinar e o número.” “O objetivo da Organização era convencer as populações de que eles não se iriam retirar, que se tinha tornado num Estado. Assim surgiu a declaração de que iam cunhar uma moeda como iam emitir passaportes do Estado Islâmico, visando a que todos os cidadãos integrassem o Estado, acreditassem nele como Estado vigente.” [sic] “O AA apareceu em dois vídeos.” [sic] Afirmou que “há outra publicação em que também aparece o AA, mas com um turbante na cabeça, congratulando a conquista de Al Ramadi por parte da organização.” [sic]. O AA apareceu em dois vídeos. A propósito deste segundo vídeo em que aparece o AA, disse que o AA falava “elogiando o Estado Islâmico e gritando Alá Akbar, com carros atrás dele.”[sic] O título desse vídeo no Canal ... era “a Euforia dos muçulmanos pela libertação de Al Ramadi”. «O Segundo vídeo diz respeito à ocupação de Al Ramadi por eles. Foi uma derrota para o exército iraquiano. Apareciam grupos em comemoração na cidade de Mossul e aparecia o AA, a falar elogiando o Estado Islâmico, gritando Alá Akbar, com carros atrás dele. Não me lembro exatamente do que ele trazia vestido, mas tinha um turbante na cabeça, acho que era preto.» “Tenho a certeza de que o vídeo do turbante na cabeça foi anterior ao segundo vídeo, da moeda de ouro. Penso que publiquei o primeiro do turbante na cabeça numa página com a designação: Livres de Nínive 2.” [sic] Possuía várias páginas pois algumas dessas páginas iam sendo atacadas e, como forma de as manter on online, ia replicando os conteúdos em páginas distintas. “Eu publiquei-os em 2015. Depois de atacarem a página, voltei a publicá-los em 2016 e em 2017. E se a memória não me falha, o vídeo de Al Ramadi, já o tinha publicado no final de 2014.” [sic] «Durante esse período, a maior parte das páginas que publiquei foram atacadas pela organização, durante os anos 2014, 2015 e 2016. Não consigo prometer que vou encontrar o vídeo sem entrar no Canal ... e primeiro tentar retirá-lo de lá. O título desse vídeo no Canal ... era: “a Euforia dos muçulmanos pela libertação de Al Ramadi”.» Estes dois vídeos em que aparece AA passaram no Canal .... “Cada vez que o canal ... emitia algo relacionado com a cidade de Mossul, eu tinha uma pessoa (que atualmente vive nos ...) que retirava os vídeos, para analisarmos e ver quem eram as pessoas que neles apareciam. Também os publicávamos para as pessoas nos ajudarem na identificação daqueles que lá apareciam.”[sic] Sobre o facto de, no vídeo de propaganda da moeda, AA não aparecer com o traje afegão, explica que “nas publicações que eram feitas através do Canal ..., todos aqueles que apareciam eram membros que haviam integrado a Organização. Vestiam aos seus membros roupas de civis para parecerem como civis eufóricos com eles e fazendo apologia. É sabido por nós que trabalhamos nos serviços de Segurança do Iraque que todos que aparecem a falar nessas publicações são membros do DAESH.” [sic] “Um cidadão comum não podia nem aceitava aparecer em declarações num vídeo daqueles, pois sabe que posteriormente seria detido pelas autoridades.” «Então, o que eles faziam, para persuadir as populações, era recorrer a elementos seus, desconhecidos e que passam por cidadãos comuns, na sua maioria das células adormecidas, que introduziam no meia da população, para falar bem da organização, dos seus feitos, dos sucessos alcançados.» “Detivemos várias pessoas que apareciam nessas filmagens em Mossul, interrogámo- las e verificámos que todos integravam a organização, de forma declarada ou em segredo.” O canal ... é o canal oficial da Organização Estado Islâmico. Emite até aos dias de hoje. Mostravam as execuções que faziam e vídeos do Canal ... que depois desapareciam do Google e do Youtube. Juntei as informações sobre eles na altura, eu publiquei as publicações e sou responsável por elas. Depois, pedi informações ao juiz JJJJ, que sabia que eu era responsável pelos Livres de Nínive, foi consigo à zona deles, depois da libertação, perguntaram por eles aos vizinhos que confirmaram as informações publicadas. Sobre o uniforme do EI, descreveu-o como sendo constituído por uma túnica comprida, com uma abertura até meio do peito e por baixo umas calças que não tapam o tornozelo. As calças ficam um pouco acima do tornozelo. É um tipo de traje usado no Paquistão e no Afeganistão e que se designa como traje Kandahari ou afegão. “Esse traje foi trazido pela organização, pois ninguém o usava dantes no Iraque.” [sic] Antes de a organização terrorista proibir o uso dos telemóveis, o canal ... era visualizado através do Youtube, Facebook e outras redes sociais. Com a proibição do uso dos telemóveis e a destruição das torres de comunicação na cidade, a organização distribuiu ecrãs gigantes pela cidade que funcionavam como canais de informação. “Cada vez que tinham registos de uma execução, de uma degolação ou de uma operação, reuniam as pessoas para lhe mostrar isso 24h sobre 24h. Chamavam-lhes pontos de informação e tinham-nas em vários pontos da cidade de Mossul.” [sic] “Há várias publicações de execuções: grupos da resistência a serem queimados para que ninguém pense em colaborar com as forças de segurança; gente a ser executada com explosivos à volta do pescoço por ter escrito slogans; coisas do género daquelas que fizeram com o piloto sírio ou outras publicações de propaganda como aquela em que aparece o DAESH manuseando a moeda. Ou seja, ou propagando ou intimidando.” [sic] “Houve uma situação que aconteceu na piscina dum palácio que pertencia ao antigo Presidente Saddam Hussein. Levavam as jaulas em veículos. Introduziram-nas dentro da piscina e deixavam as pessoas morrerem afogadas. Depois retiraram-nas.” [sic] Afirmou saber que quem recrutou o BB e AA foi o irmão de ambos, CC. Ele era influente na Organização. Era normal nas mesquitas e no Canal ... apelarem à Jihad, mas quem quisesse aderia e quem não quisesse, não o fazia. A Organização não queria nenhum combatente que não fosse convicto radicalmente. Na realidade, houve pessoas que aderiram por ganância e outras porque viram a Organização dominar. Mas da investigação, das detenções que fez, não obtive nenhuma prova de que a Organização exercia pressão sobre as pessoas para aderirem. Quanto ao AA, sabe que frequentou um curso do Daesh, mas que foi expulso do mesmo, desconhecendo as razões. Todas as mesquitas praticam a pregação. Se todos os que ouvem a prédica integrassem o DEASH, tínhamos 4 milhões de Daeshianos em Mossul em vez dos 15 mil que aderiram, sendo na sua maioria dos distritos e localidades da região. Um sermão não pode ser uma justificação para integrar a Organização. Mas era normal nas mesquitas e no Canal ... apelarem à Jihad. Quem quisesse, aderia e quem não quisesse, não o fazia. A respeito desse curso, explicou que a duração do mesmo é de “47 dias, aproximadamente, em que os formandos frequentavam aulas de Sharia Islâmica por um período de uma semana, ao que se segue um treino de condição física e outro de manuseamento de armas leves e médias.” [sic] A Al Bay’at era feita no primeiro dia do curso, da adesão ao DAESH. “Não havia lugar para o curso sem esse juramento.” [sic] A testemunha relatou que o texto era algo do género: “Prometemos fidelidade ao Príncipe dos Fiéis, TTT, conhecido por TTT, ouvir e obedecer nos bons e maus momentos, na dificuldade e na facilidade…” Nas aulas de Sharia Islâmica “davam conteúdos sobre práticas islâmicas como: qual o tamanho da barba a usar, como deve vestir-se uma mulher com o Hijab, sobre o martírio, sobre a prática da jihad e a legitimação de matar os renegados. Ou seja, escolheram de entre os versos corânicos partes ou excertos em que se legitima isso, ignorando o restante contexto. É um processo de lavagem cerebral.” [sic] “No final, os responsáveis dos Serviços de Al Amniyah, de Al Hisbah e das Células Adormecidas iam lá para escolher os melhores elementos dessa formação. As Células Adormecidas são elementos que tinham como missão permanecerem escondidos até a organização precisar de os ativar depois do declínio, com o objetivo de reerguer a organização. As células adormecidas nunca apareciam com roupas do Daesh ou com armas. Eram desconhecidos até para outros elementos do Daesh. De forma secreta, tinham a missão de, no caso de a organização fraquejar ou cair, fazê-la renascer.”[sic] “Muitos dos que frequentaram desses cursos foram detidos por mim depois da libertação. Também detivemos os formadores. Temos a descrição do curso, o horário, os equipamentos, os computadores. Detivemos milhares de membros que nos disseram detalhes que constam de peças processuais cujas cópias posso fornecer. Portanto, digo isso com base em peças processuais e em confissões de líderes da Organização.” “Durante a ocupação de Mossul pelo Estado Islâmicos foram criados alguns tribunais, cujos juízes eram dos líderes do Daesh. Eram designados Tribunais da Sharia” [sic] “A um ladrão, cortavam a mão; um casal, num relacionamento fora do casamento, era lapidado até à morte; uma pessoa que contactasse com outra que estivesse numa zona fora do controlo do DAESH era degolada. Eram decisões desta natureza que os juízes deles tomavam. Confirmada a ligação/colaboração de uma pessoa com uma autoridade ou força de segurança, era a família toda que era morta.” [sic] De Mossul, no Iraque, a Idlib, na fronteira entre a Síria e a Turquia, passando por Al Raqqa, na Síria, todas essas regiões eram controladas pelo Estado Islâmico, em 2016. Era o único caminho aberto para que o BB e o AA saíssem de Mossul, pois a Norte de Mossul fica o Curdistão, que é contra o DAESH, a Sul outras províncias iraquianas, que são contra o DAESH. Se saíram, a única via aberta era essa da Síria. As outras regiões e países circundantes eram todas contra a Organização. “Não foram os únicos a terem aderido e a terem fugido de Mossul. As únicas possibilidades de sair de Mossul eram: 1. ser membro da Organização, 2. deixar a garantia da casa ou 3. deixar avultadas quantias de dinheiro. Os bens seriam perdidos a favor da Organização, caso a pessoa que saiu não voltasse. Foi algo que a Organização estabeleceu em finais de 2015, início de 2016, pois as pessoas começaram a fugir para fora das zonas controladas pela organização. As únicas pessoas que podiam sair sem fiador ou garantia de dinheiro eram os membros do Estado Islâmico. Há muitos membros que acreditavam que o Estado Islâmico ia ficar. No entanto, com o avanço das forças de segurança e de libertação, com a coligação que se criou com outros países ocidentais e europeus para combater o DAESH, com os avanços militares no território e via bombardeamentos, a Organização começou a fraquejar. As publicações que fizemos também os fizeram temer a retaliação das populações. Nas nossas regiões vigoram leis tribais que permitem a retaliação. Os membros do DAESH sabiam que ao ficarem depois da queda da Organização, seriam mortos. Por isso, aqueles membros que não tinham força ou convicção forte, acabaram por fraquejar e por se retirar em direção à Síria, Turquia até chegarem depois à Europa de forma ilegal.” Sabe que foram emitidos mandados de detenção nacionais em relação aos arguidos BB e AA, ao abrigo do artigo 4º do Terrorismo, emitidos pelo Tribunal de Nínive, Distrito de Mossul, Província de Nínive. Conforme esclareceu o Tribunal, o artigo 4º da Lei do Terrorismo aplica-se a quem integrar, colaborar e apoiar a organização do DAESH. Essa investigação encontra-se na “fase dos Foragidos”. “Temos uma unidade designada Unidade dos Foragidos, que faz parte do Contra Terrorismo de Nínive. Há mandados contra eles nessa Unidade.” [sic] Sobre aquele processo, refere ainda que a Constituição Iraquiana não permite abrir um processo com base em informações. Assim, o processo foi aberto em virtude da existência de uma queixa, de um testemunho ou de uma confissão. Se se tivessem entregue às autoridades, teriam sido detidos e encaminhados para o tribunal. Mas com a intensificação da ofensiva das forças de coligação, a maior parte dos combatentes que ficaram, foram mortos. Sobre as penas que são aplicadas no Iraque a quem integrar a organização do Estado Islâmico, esclareceu o Tribunal que “para os combatentes, os autores de homicídios coletivos, de rapto e violação de mulheres, de 25 anos até à pena de morte.” Já para os que integraram, de 7 anos até aos 15 anos de prisão. NNN - Fls. 4834 a 4837 Transcrição/Tradução: Apenso DMF- Tradução Exerceu a função de polícia estando aposentado desde 2012, em virtude de acidente profissional sofrido após a explosão de um engenho explosivo armadilhado por terroristas. Residia na zona antiga da cidade de Mossul. Depois da libertação, colaborou com as autoridades de segurança. Deu informações sobre todos aqueles que estiveram com o Estado Islâmico e que conhecia. Assim que o Estado Islâmico tomou conta da cidade disseram aos polícias e aos militares para apresentarem Tawbah (arrependimento). Cerca de 2 meses após a entrada do DAESH em Mossul, no Verão de 2014, conheceu pessoalmente CC, irmão dos arguidos. Foi o CC que o levou, desde um café na sua zona de residência, para as instalações da Al Amniyah. Chegou num carro .../.... A porta de correr (lateral) tinha “Al Amniyah” escrito. Estava com duas pessoas. O CC e os que o acompanhavam tinham barbas e cabelos compridos. Vestiam o traje Kandahari. O traje consiste numa túnica comprida até ao joelho. Debaixo dessa túnica, usavam calças do mesmo tecido, compridas, mas 4 dedos acima do tornozelo. “Todos estavam armados. Traziam coletes com munições para metralhadoras. Pistolas e metralhadoras. Havia quem tivesse os dois.” [sic] Estava sentado num café. “Eles vinham à procura de alguém que fumasse ou de um polícia. É o que designavam como prática de segurança: saíam à procura de um polícia, de um fumador ou de uma pessoa de bigode comprido, como se fiscalizassem. Quando me viram, pediram-me a minha identificação.” Pediram-lhe para apresentar o “cartão do arrependimento”. Disse-lhe que não estava em funções, que estava reformado. Não acreditaram. Foi levado contra a sua vontade para o interior do veículo e, dali, foram até à zona de ..., ou seja, para Al Amniyah. Faziam das igrejas locais seus. Nessa zona, Al Amniyah tinha mais do que uma igreja. “A imagem do CC ficou gravada na memória, pois foi ele que me deteve.” [sic] Foi detido, colocado na prisão. Depois, foi interrogado. No início do interrogatório, começaram a bater-lhe com um cabo. Nos pés e na zona das costas. Permaneceu na prisão durante 7 dias. Na mesma igreja havia uma cave. Partilhavam o espaço “perto de cinquenta pessoas, se não fossem mais.” Dormiam no chão. Não pediram nenhum valor em dinheiro para a sua libertação, mas deu-lhes o valor da arma. Pediram-lhe para entregar a arma, como faziam com os polícias e militares no ato do arrependimento. Quem não tivesse arma, pagava um valor equiparável em dinheiro. Teve um prejuízo de 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) dólares. Meses depois, seguramente no ano de 2014, viu o BB com o CC. “Não sabia da relação entre os dois, mas vi ambos com o traje Kandahari.” Quem não era do DAESH não vestia o traje afegão. Era exatamente o mesmo carro. O carro estava parado e eles, ao pé. O CC trazia uma pistola num coldre, debaixo do braço. Ao BB não o viu armado. A distância era a do passeio para a rua, ou seja, 7 ou 8 metros. Isso sucedeu por volta das 4:30 ou 5 horas (da tarde). Na cidade, havia em locais públicos ecrãs onde passavam os assassinatos, as degolações, as suas frentes de combate e as suas vitórias. Questionado se foi ameaçado por alguém para prestar estas declarações confirmou que numa quinta-feira, 2 ou 3 de março deste ano [3 de março foi uma quinta-feira] foi abordado por um familiar do CC, um tio, na cidade de Mossul na zona de .... “Uma pessoa que não conhecia. Perguntou-me se era o NNN. Perguntou-me se tinha apresentado queixa contra o CC. Perguntei que CC. Respondeu-me: CC. Disse-lhe que não e que era apenas testemunha. Perguntou-me testemunha de quê. Disse-lhe testemunha de que o CC é Daeshiano.” “Ele, quando referiu o nome do CC e do BB é que percebi que era da família deles. Falou-me do CC e dos rapazes que estavam fora e de quem eu tinha apresentado queixa. Ele disse-me que era da família, disse que era um tio.”[sic] Disse-lhe que não tinha apresentado. Disse-lhe que era testemunha e não queixoso. «Inicialmente senti que ele vinha para me amedrontar» “Disse-lhe que o CC era Daeshiano e que toda a gente sabe que o CC, o BB e o AA são Daeshianos. Mossul inteira sabe disse, não sou só eu.”[sic] “Eu disse-lhe que Mossul inteira viu os vossos filhos, com esse traje, com as armas…Todos aqueles que conhecem o CC, o AA e o BB, que os viram com aquele traje, com aquela conduta e com a adesão à Organização, devem depor.”[sic] «Um pintor quando usa roupas de trabalho, toda a gente diz que é pintor; um talhante quando é visto com uma faca afiada e uma bata com manchas de sangue, as pessoas dizem que é talhante; um militar com uniforme é visto como tal; o uniforme de um cozinheiro ou um polícia de trânsito identifica-o como tal. Quanto a uma pessoa que vista o traje Kandahri, é Daeshiano, em Mossul precisamente. Quem vestia esse traje, naquela altura, era seguidor, fiel ou pertencente ao DAESH.» EEE Fls. 4917 a 4922 Transcrição/Tradução: Apenso DMF- Tradução É farmacêutico. Reside no Bairro ..., próximo do bairro ..., em Mossul. Em 2014, quando o DAESH entrou no Iraque e, concretamente, em Mossul, um familiar seu, polícia, conseguiu fugir para Bagdade. Tinha contacto com ele, através do telemóvel apenas, pois na altura não havia internet. O seu primo facultou-lhe o contacto do Coronel DDD e estabeleceu contacto com o Coronel, que tinha ligações com as Forças da Coligação que combatiam os terroristas. Tendo sido recrutado para colaborar com a Resistência, resultou que foi incumbido de algumas missões, entre as quais recolher informações sobre BB, CC e AA. Foi à zona deles, no bairro ..., onde tem colegas e amigos e perguntou por eles. “Eles mostraram-me os três parados na rotunda de .... O CC vi-o com um badge [distintivo] e traje afegão.” Quando os viu estava com o seu amigo BBB, que trabalhava no bairro .... Refere que é uma pessoa bem conhecida nesse Bairro. Nessa ocasião, o seu amigo BBB conduziu-o ao local onde já encarava como provável estarem os três irmãos. Nessa sua primeira visita ao bairro ..., o seu amigo BBB disse-lhe que os três irmãos A... se encontravam na zona, que a controlavam. Disse-lhe também que eram conhecidos com o apelido de A.... “Primeiro, fomos dar uma volta para não chamarmos a atenção. Não podíamos estar mais do que 15 minutos parados nalgum sítio. Fiscalizavam as pessoas paradas na rua, perguntavam o que estavam paradas fazer. Nesse passeio, levou-me até ao sítio onde se encontravam. Mostrou-me (os irmãos) a uma distância de cerca de 15 metros. Vi-os com os meus olhos. Decorei o seu aspeto e depois separámo-nos.” A distância mais próxima que esteve deles foi de 5 a 10 metros. Viu os três na Rotunda de ..., apeados, no bairro .... Era da parte da tarde, por volta das 15, 16 horas. O seu amigo disse-lhe que era usual os irmãos BB e CC encontrarem-se em ações de fiscalização naquela rotunda. O AA fez o juramento, mas não tinha frequentado todo o curso de 40 a 45 dias de formação. Não sabe em que mês os viu, mas foi no ano de 2014. “Quando os vi, estavam armados e traziam vestido o traje Kandahari, o traje Daeshiano. Vi os três: o CC trazia uma pistola visível, pois eles [os Daeshianos] mandavam na cidade e não temiam ninguém; o BB também, mas o AA, não. Apenas estava com eles e vestido com o traje Kandahari.”[sic] Quer o CC, quer o BB traziam pistolas ... visíveis no coldre. O CC trazia-a num coldre do tipo sovaqueira. Via-se pelas roupas que usavam que o CC, trabalhava para Al Amniyah, o BB para Al Hisbah e o AA usava o traje Kandahari, mas não andava armado nem tinha nada no traje que o ligasse a algum serviço. Estavam a fiscalizar as pessoas na rua para que adotassem condutas semelhantes ao do seu grupo. Por exemplo: o tamanho da barba, as calaças curtas, o cabelo… “O CC estava na Al Amniyah. Antes de 2014 já estava na organização terrorista, mas com a entrada do DAESH e a queda da cidade, os seus irmãos, o BB e o AA, juntaram-se a ele na organização, depois da queda. Prestaram juramento ao Califa e ao Estado Islâmico.” O amigo disse-lhe que viviam no bairro ... e referiu-lhe o nome deles CC, AA e BB. Após ter voltado para sua casa, transmitiu as informações recolhidas no terreno ao Coronel. Cerca de dois meses depois, o Coronel pediu-lhe para voltar e ver se os irmãos A... continuavam por lá. Foi ter com outro amigo do mesmo bairro ..., de nome CCCCC, e perguntou por eles. Esse amigo disse-lhe que o AA frequentou um curso de 40 a 45 dias, depois de ter prestado juramento, mas foi excluído, desconhecendo o motivo. “Trata-se de um curso de treino militar para futuros combatentes do Estado Islâmico, que acatam as ordens e as executam sem discussão.”[sic] Antes do curso, prestam juramento, anunciando a sua fidelidade a TTT, ouvindo e obedecendo as suas ordens. Depois disso, começam o curso em locais que passaram a ser em lugares desconhecidos entre Mossul e Raqqa, depois de terem sido descobertos e atacados alguns dos seus campos na cidade. Esse juramento não era feito diretamente perante TTT, pois andava em parte incerta. Havia Emires que o representavam e estes registavam os juramentos e transmitiam. O Curso tinha uma componente [da Sharia] religiosa e outra de combate, para que as ordens fossem executadas fosse sobre quem fosse, mesmo sobre o ente mais próximo. Voltou a ver os três. Estavam no mesmo local, isto é na mesma avenida ou na mesma rotunda, no seu local de trabalho, ou se posso dizer, na área que controlavam, e que era uma zona cheia de vida.” Traziam o mesmo traje afegão, armados, com a exceção do AA.Os três usavam o traje afegão e o CC e o BB estavam armados com pistolas .... Estavam apeados com carro ... estacionado na proximidade, com a inscrição de Al Hisbah, do Estado Islâmico. Esteve a observá-los durante 10 minutos e passou próximo deles, a cerca de três metros ou quatro. “Mandavam parar pessoas apeadas e pessoas nos carros. Vi-os com os meus olhos mandando parar pessoas para a fiscalização.”. Estava a uma distância de 25 metros. «Estavam os três, pois eram responsáveis por aquela zona. Estavam encarregues daquela zona de .... Tinham controle da zona, por serem dos habitantes da zona» Existiu um Tribunal Religioso na parte antiga de Mossul. Quem infringisse as sus normas, podia ser detido e apresentado no Tribunal pela Al Hisbah. Por norma, a Al Amniyah levava polícias e militares que continuavam na cidade, mas dissimulados. Sobre as penas aplicadas, exemplifica: “Havia chicotadas, também cortar a mão de quem furtar/roubar e pena de morte. Também havia apedrejamento/lapidação.” Quem infringe as ordens deles, ou é chicoteado ou é morto. A Al Hisbah ou o Tribunal costumava ficar com os documentos de identificação das pessoas e também aplicavam multas aos infratores. A forma de vestir das pessoas que não eram do Estado Islâmico era “cem por cento diferente”. “Quem não pertence à organização, não veste o traje afegão de todo.» Durante a ocupação, eles tinham os seus media e tinham ecrãs nas ruas em várias zonas onde davam a conhecer à população os seus feitos. Depois da libertação e de voltar a ter internet viu na página dos Livres de Nínive, do Coronel, os arguidos BB e AA. As fotografias eram publicadas para que quem conhecesse as pessoas retratadas pudesse informar sobre elas. Também havia notícias sobre detenções de membros do DAESH e havia pedidos feitos à população para dar informações sobre elementos do DAESH. O seu depoimento foi determinante, juntamente com a demais prova, para se daremm como provados os factos 14 a 26 CCC - Fls. 5295 a 5299 – Vol. 18 Transcrição/Tradução: Apenso DMF-Tradução É segurança/vigilante numa empresa privada. Conhece os arguidos BB e AA. A casa da família dos seus sogros é no bairro ..., na Rua 14, perto da casa dos arguidos. Apenas duas ruas separam as duas casas. Na altura residia num Bairro vizinho do bairro ..., na zona de .... Tinha contacto com o Coronel DDD, que lhe pediu para tentar ver o que é que os arguidos estavam a fazer em Mossul naquele tempo, pois tinham-lhe chegado informações sobre eles. Então, foi a casa dos seus sogros e perguntou à família da sua mulher por eles. Frequentava o Bairro pelo facto de os seus sogros morarem lá. Qualquer pessoa a que se perguntava por eles, dizia que eram Daeshianos. Verifiquei pessoalmente para não prejudicar ninguém. Foi-lhe dito, assim, que eram da Rua 12 e eram Daeshianos: o BB, era de Al Hisbah; o AA, tinha entrado num curso de Sharia, em que se ensinava a religião de forma deturpada e se treinava o uso de armas e que saiu do curso. Depois, seguiu-os pessoalmente. Contou que o primeiro a aderir ao DAESH foi o irmão mais velho, o CC, ainda antes do EI ocupar Mossul, desde a criação da Al Qaeda. Esteve encoberto até à ocupação. “Mas quando o DAESH entrou em Mossul, os rostos descobriram-se: soubemos quem é que já havia trabalhado com eles e quem se tinha juntado a eles.” [sic] “A todos aqueles que tinham estado anteriormente ligados à Al Qaeda, deram responsabilidade e lugares de destaque no DAESH. Esses membros antigos eram ouvidos e tinham competência para dar pareceres/ recomendações. O BB e o AA conseguiram isso através do seu irmão CC. Mas, ninguém era obrigado a entrar. Entrava quem quisesse. Portanto, eles procuraram o irmão para esse efeito.” CC era Emir de um setor de Al Amniyah, no sentido de responsável de setor ou comandante de batalhão, como no exército. Havia hierarquia e o CC tinha um lugar superior, por ser dos antigos da Al Qaeda. O CC não só trabalhava na Al Amniyah como ocupava um lugar importante. No seu carro, estava escrito Serviço de Al Amniyah. Era um carro de vidros fumados. O CC é conhecido. Toda a gente o conhece. «Mas, sempre que eu ia para a zona deles, via-o ( ao AA) em pontos de informação que o DAESH tem em determinados locais para as suas publicações. Eu via-o sempre o AA lá.» No final de 2014, início de 2015, viu os arguidos ( BB e AA) e o seu irmão CC com o traje kandahari, afegão, que é o traje do DAESH, na zona de .... Afirmou que os viu de cabelo curto e barba curta em 2014. Em 2015, quando os via, tinham barba comprida, o traje[calças] curto. Até Khol, lápis preto, punham nos olhos, como tradicionalmente se usava no tempo do profeta. Viu o BB a entrar num carro de cor preta, da Al Hisbah, do tipo ..., com a menção a Al Hisbah escrita na caixilharia dos lados, direito e esquerdo, sobre o comprido, carro para 10/11 passageiros. Esclareceu que esses carros eram usados para transportar os infratores até à sede de Al Hisbah. Segundo esta testemunha, a viatura tinha ainda escrito o nome de um batalhão, que era designado “Katiba VV, pois o responsável por eles deveria ser conhecido por VV» (Note-se que é precisamente o nome que a testemunha FF ouviu BB chamar ao indivíduo que o acompanhava aquando da abordagem à testemunha) Viu-o ( ao BB) 3 ou 4 vezes, “no mínimo”, transportar-se num carro da Al Hisbah,. “E vi-o a descer do carro para fiscalizar as pessoas pela barba, pelas horas da oração. Vi-o com os meus olhos, a descer do carro e a fiscalizar e pedir a identificação das pessoas.” Viu-o no bairro ..., perto do Mercado .... “Qualquer pessoa a que se perguntava por eles, dizia que eram Daeshianos. Eu verifiquei pessoalmente para não prejudicar ninguém.” “Eu vi o BB no carro de Al Hisbah e vi-o a passear com os Daeshianos de Al Hisbah, vestindo o traje Kandahari, armado com uma pistola ....” Viu BB e “o seu contingente” a descer para a fiscalização mais de 4 vezes. “Eles andavam na rua em grupos de 4 ou 5 pessoas por causa da barba, por causa das calças e fiscalizavam as senhoras que não tinham o véu, para os olhos.” «Depois, em 2015, vi-os umas 3 ou 4 vezes no início, a meio e fim, pelo facto das visitas à casa dos meus sogros. Via-os sempre ou nos pontos de Informação ou perto de casa deles, de carro» Viu-os umas 5 ou 6 vezes. Viu ainda que o grupo de terroristas com que o BB andava traziam consigo cabos e sondas para torturarem as pessoas que fiscalizavam. O BB era na Al Hisbah o responsável pelo destacamento de todo o Setor de .... Eram quem dava ordens e instruções. Apercebeu-se que era o BB que coordenava a fiscalização. Quando descia, desciam atrás dele. Vi-o a dar instruções e ser seguido por dois elementos atrás dele. Era percetível. A postura era como de um comandante seguido de elementos de segurança. «Todos os elementos do destacamento estavam armados. Usavam um coldre que passava pelo ombro e a cintura onde colocavam a pistola… vestiam o colete de Al Hisbah, onde estava escrito Al Hisbah nas costas…. Permitam-me só dizer que entre os membros do destacamento, havia quem segurasse livros de multas. Pediam a identificação e passavam a multa. Também havia os que inspecionavam a barba, o cabelo. Se vissem uma mulher a falar com um homem, perguntavam logo se era o marido. Pediam também a identificação. E ainda havia quem colocava as pessoas dentro da viatura.» Presenciou, a 5/6 metros, o BB a fiscalizar mulheres que tinham o véu colocado, mas sem estar colocado de forma a tapar os olhos. BB disse-lhes «Baixa o segundo véu» e elas obedeceram imediatamente. Recorda-se que trazia uma pistola ... debaixo do braço. «Estava na zona de ..., perto do Mercado .... Estava armado. Trazia a pistola no coldre, do lado esquerdo, à cintura. O BB era quem o responsável do grupo [comandante do destacamento]. Era ele o responsável de Al Hisbah pelo setor de .... O BB tinha a responsabilidade de 5 ou 6 elementos. Portanto, aquando estava a fiscalizar a senhora pelo segundo véu, vestia o colete de Al Hisbah». Trazia a arma debaixo do braço. “O AA, vestia o traje afegão.” Relativamente às senhoras acompanhados pelos maridos, se não usassem luvas ou meias, de verão como de inverno, castigavam-nas juntamente com os maridos. Se não estivessem com elas, iam até à casa à procura deles. As chicotadas podiam ser dadas no local como podiam os maridos ser conduzidos até às instalações de Al Hisbah para o efeito. Agora, os castigos aos homens, por se fumar ou por trazer consigo tabaco, tinham regras e multas definidas… Às vezes, via Walky Talky ligavam a juízes deles que decidiam do número de chicotadas, se eram 20, 30 ou 40… Em Mossul, sugiram problemas conjugais e familiares na sequência de os maridos terem de pagar por infrações cometidas pelas esposas. Não sabe se o AA desistiu do curso ou se foi expulso. Mas afirma que sempre que ia para a zona deles, via o AA em pontos de informação que o DAESH tem em determinados locais para as suas publicações. Eram lugares onde havia um ecrã gigante, onde passavam imagens do que faziam (execuções, massacres, guerra, ataques aos quartéis militares). Havia na rotunda de ..., perto da casa deles. Havia um ponto de informação, um ecrã gigante onde passavam. E também havia na rotunda de ... ( onde depois foi colocada a estátua da ...) E nesses mesmos lugares onde ficavam os pontos de informação, faziam patrulhamento para fiscalização. Sobre a utilização do traje afegão, referiu que só os simpatizantes e membros do Daesh o utilizavam. Viu o AA, uma ou duas vezes, por altura desse curso de formação religiosa, de combate e manuseamento de armas. Mas as restantes vezes, em que perguntou por ele e em que o viu, foram depois de ele ter saído e continuava a usar o traje afegão e a encontrar-se nos pontos de informação. O próprio AA dizia pelo Bairro que tinha saído do Daesh. Havia pontos de informação na rotunda de ..., perto da casa deles. E também havia a rotunda de ... (...) E nesses mesmos lugares onde ficavam os pontos de informação, faziam patrulhamento para fiscalização “Ao mesmo tempo as pessoas falavam. A notícia espalhou-se pela zona toda. Toda a gente sabia que tinha ido frequentar o curso e que tinha regressado. Ele próprio dizia às pessoas que tinha saído do curso. Ele falava às pessoas sobre isso. Mas ele continuou a usar o traje afegão. Estava nos pontos de informação. Ia e voltava para casa com o traje afegão (…)” Os Daeshianos vestiam-se de forma diferente em relação aos cidadãos comuns. “O traje Kandahari é o traje do DAESH. Trata-se de umas calças largas com 4 ou 5 dedos do chão e uma parte superior, como uma túnica larga, semelhante indiana ou afegão. É o traje do terrorismo.” [sic] “Em Mossul, as pessoas não se vestiam com esse traje… Não é da nossa zona e nunca será.” [sic] Garantiu que, naquele período de ocupação de Mossul pelos terroristas, nenhum civil usava armas, pois era estritamente proibido. Havia um serviço de imóveis, dentro do recinto da Universidade. Havia vários serviços/ departamentos: o Serviço da Zakat (esmola/caridade), o Serviço de Al Amniyah, de Al Hisbah, Serviço de Al Rakaz (recursos naturais), Serviço de Al Jund (soldados). O Serviço dos Imóveis confiscava as casas dos cristãos, dos curdos e dos yazidis e os seus bens. Passavam-nas para os seus combatentes, quando se casavam ou ficavam com uma escrava ou para os que não tinham casa. Ficavam também as rendas pagas pelos inquilinos aos seus senhorios. Apropriavam-se desses imóveis e recebiam as rendas. Se alguém saísse Mossul, designada terra do Califado, em direção a Bagdade ou outra terra, ficavam-lhe com a propriedade. A testemunha contou que nas regiões de Ba’ashiqah, de Sinjar, os terroristas do EI “tomaram as mulheres como escravas, seguindo coisas deturpadas na religião. Também se apoderaram de bens dos cristãos, confiscaram as suas casas, o seu ouro. Tiraram-nos dos seus lares com a roupa que traziam no corpo. Relativamente às mulheres Yazidi, faziam delas escravas.” [sic] Sobre a fuga dos arguidos de Mossul, referiu que desapareceram no início da libertação de Mossul, no início dos confrontos, antes de se libertar Mossul por completo. “Na faixa esquerda, nós libertámo-nos em 2016. Eles desapareceram antes disso. No início de 2016, se calhar.” «Se me permitirem, se eles não tivessem nada, teriam ficado no Iraque, teriam ficado como as pessoas, no seio das suas famílias e nas suas casas. É óbvio como o sol. Se vierem até ao Iraque e se mostrarem as suas fotos às pessoas na rua deles ou noutra da zona, vão dizer que são do DAESH, que são terroristas. Se não tivessem nada, se fossem pessoas retas, teriam ficado e não necessitavam de sair, derrotados, ficavam a enfrentar as pessoas. São do DAESH, são do terrorismo, são um parasita no mundo. » OO Fls. 5717 a 5724 – Vol. 19 Transcrição/Tradução: Apenso DMF-Tradução Trabalha em Mossul, no bairro ..., numa loja de doces. [pastelaria/confeitaria]. Conhece ambos os arguidos. Sabe que são irmãos. No ano de 2015 trabalhava na mesma loja, mas vivia noutro Bairro. Havia um Ponto de Informação do Daesh perto da loja onde trabalha – na Rotunda de ... – e, no período do DAESH, em 2015, era habitual ver os arguidos nesse junto desse Ponto de Informação. Via-os a uma distância de 5 a 6 metros. Estavam com outros Daeshianos. Havia um pequeno quiosque de informação do Daesh. Fora do quiosque havia o ecrã. Em cada ponto de informação havia uma pessoa responsável pela transmissão. Esses pontos de informação eram ecrãs colocados na via pública, onde passavam execuções, assassinatos, combates e ataques. As execuções ocorriam por degolação ou lapidação, por exemplo. “(…) quando atacavam algum sítio, iam lá mostrar as filmagens; matavam alguém, vinham mostrar a filmagem; apedrejavam alguma mulher; iam mostrar; cortavam a mão de alguém, iam lá mostrar. Todas as suas operações eram exibidas no ponto de informação…” [sic] Elucidou que, maioritariamente, eram os Daeshianos quem permanecia a assistir àqueles vídeos. Os civis eram poucos. Assim que acabavam de transmitir, distribuiam CDs pelos transeuntes, para que estes assistissem em casa. Cabe aqui fazer uma nota sobre a propaganda do Daesh conhecida em todo o mundo: A campanha de terror começou com a decapitação, em 2004, do empresário DDDDD, que fora capturado pela AQ Foi realizada em frente às câmaras pelo líder do grupo, UUU, e atraiu a atenção internacional. O impacto do vídeo garantiu que outros se seguiriam, muitos deles ainda mais brutais e gráficos. Os vídeos eram distribuídos em suporte físico (DVD) no Iraque, mas transformaram-se num fenómeno na Internet. O Daesh é especialista no medo . Conquistou a sua notoriedade através do marketing da selvageria, usando as decapitações como forma de manipulação e recrutamento. Inundou a Internet com centenas de iraquianos e curdos anónimos a serem executados a tiro, por faca ou através de crucificação. The Management of Savagery, 126 o tratado jihadista que influenciou fortemente a estratégia do Daesh a vários níveis, ressalva a necessidade da violência, com toda a sua “crueldade e brutalidade”, para despertar potenciais recrutas para a realidade da guerra jihadista e para intimidar os inimigos, mostrando o preço que pagariam pelo seu envolvimento. NAJI também aconselhava a tomada de reféns para que todos aqueles que se opusessem às campanhas jihadistas aprendessem uma lição sobre “pagar o preço”. “ Os reféns deverão ser liquidados de uma forma terrível, instalando o medo no coração do inimigo e dos seus apoiantes” O “Estado Islâmico” utiliza, assim, uma propaganda terrorista sem precedentes, destacando-se pela violência gráfica e brutalidade chocante dos seus vídeos, não se coibindo de exibir publicamente a sua barbárie contra as minorias no Iraque e na Síria e contra todos aqueles que se lhes opõem. No entanto, se essa ultraviolência a nós nos causa repulsa, para outros, (nomeadamente combatentes estrangeiros) o anúncio e a celebração pública dessas atrocidades é um atrativo para se juntarem a jihad e fazer asua mensagem chegar a todos os muçulmanos cfr A PROPAGANDA DO DAESH COMO FORMA DE TERRORISMO CONSIDERAÇÕES À VOLTA DOS CONCEITOS LEOPOLDINA FERNANDES SÁ Universidade católica Faculdade de Direito │Escola do Porto 2018. “Havia pontos de informação em várias zonas. Havia em ..., em ... (Universidade), e ..., no Bairro ..., em ..., ... … Havia em todo o lado. Em locais onde houvesse muita gente, mercados, jardins, punham pontos de informação.”[sic] Depois de levarem o LL, soube por este que foram os arguidos BB e AA que o levaram e que eram irmãos. “O LL disse-me isso quando estava comigo na loja e os viu. Identificou-me os dois. O CC estava nesse ponto de informação com eles de vez em quando.” Os arguidos costumavam estar no ponto de informação. Os arguidos estavam parados no ponto de informação. Por ter visto que se encontravam por lá, LL começou a ter receio de o visitar. Passou a ir muito menos vezes ter consigo. Viu ( o AA e o BB) sempre vestidos com o traje afegão e sempre armados com pistolas – quer o AA, quer o BB. Só os elementos do Daesh usavam o traje afegão. O AA e o BB andavam com pistola, num coldre que usavam pelas costas/ombro. Os que vinham juntos era o AA e o BB. O CC vinha em separado. Eles passavam à frente da loja a fiscalizar. Fiscalizavam as senhoras por causa do véu. Viu o AA fiscalizar senhoras por causa do véu, várias vezes. Também fiscalizava por causa do tabaco e ficava-lhes com o tabaco, pela barba e à hora da oração, obrigava as pessoas a deixar o que faziam para irem para a oração. Por várias vezes o AA foi ter consigo à hora da oração – “dizia-me para deixar de vender para ir para a oração.” Andavam num veículo da Al Hisbah – o carro tinha essa inscrição.Em 2016, meados de 2016, os pontos de informação deixaram de estar ativos, pois os Daeshianos estavam mais no combate. Não esteve presente quando o LL foi levado à força por elementos do Daesh. Durante o período em que ele esteve detido, “a mãe dele chorava sempre quando nós íamos lá e achava que não voltaria a vê-lo.” [sic] Quando saiu do período de detenção, foi visitá-lo na noite em que saiu. Estava psicologicamente em baixo, ausente. Viu o corpo do LL cheio de nódoas negras. “Até as unhas lhe tinham arrancado!” Andava mal. “Não se conseguia deitar de costas com dores nas costas.” Visitava-o. Um terapeuta/enfermeiro ia a casa dele fazer-lhe pensos e alguns tratamentos. Demorou mais de um mês a recuperar. “Qualquer pessoa que caísse nas mãos deles ( daeshianos), estaria sempre à beira da morte.” Quando o LL se lembra, hoje em dia, sofre. Foi detido por elementos da organização terrorista quando saiu da cidade de Mossul sem licença. Procurava fugir para Bagdade. Não saiu para oeste, para atravessar para a Síria e chegar a Al Raqqa porque os Daeshianos controlavam Al Raqqa. «Eu só me queria ver livre dos Daeshianos. Não podia ir ter com eles a Al Raqqa» “Assim que me apanharam, maltrataram-me/torturaram-me e estive detido 3 dias em Mossul.” [sic] “Golpearam-me com as mãos e os pés e também usaram paus.” [sic] Esteve detido na zona de ..., na Praça ..., nas instalações da Al Hisbah. O local onde esteve detido era de uma antiga igreja católica. As igrejas foram transformadas em instalações para o DAESH. Esteve numa sala, com 70 a 100 pessoas, numa cave da Igreja. Chegou a ser interrogado por um juiz do Daesh. Estava com as mãos atadas e de olhos vendados. Sobre os julgamentos do Daesh referiu: “os julgamentos deles são chicotadas, execuções…” Ficaram-lhe com todos os documentos oficiais e até com a escritura da casa. Nunca os recuperou. É sunita, mas assegurou que no combate ao Estado Islâmico, os sunitas, os xiitas e os curdos se uniram todos para derrotar os terroristas. * FF Fls. 5725 a 5730 – Vol. 19 Transcrição/Tradução: Apenso DMF- Tradução. É empregado numa bomba de gasolina. No ano de 2015 trabalhava numa loja de brinquedos sita no bairro .... Havia um Ponto de Informação em frente, na rotunda de .... “O ponto de informação era uma fonte de medo para nós, uma fonte de medo para os cidadãos. Tudo o que acontecia de horrível, desde matar pessoas, pendurá-las… filmavam e mostravam no ponto de informação.” [sic] “Havia cadeiras para quem quisesse ficar sentado a ver, mas não obrigavam ninguém a sentar-se lá. Diria que quem ficava a ver eram 90% de Daeshianos e talvez 10% de civis ou menos. Nós temíamos os civis que lá ficavam a ver.” [sic] Havia um ponto de informação na zona da Floresta, um na Universidade, um em ..., um em ..., em ...… Havia várias em várias zonas da cidade e em ambas as faixas esquerda e direita… O ponto mais forte ficava em .... Conhece os arguidos e afirma sem dúvidas que eles estavam com os Daeshianos. Uma vez viu o BB a sair da carrinha ... e entrar no Ponto de informação, que era um compartimento móvel com um ecrã plasma no exterior. Nenhum civil entrava naquele posto móvel. O BB entrou com algo na mão, não sabe se um CD ou uma flash pen. Cerca de 5 minutos depois, a população juntou-se e começaram a dizer que havia uma nova publicação. Voltou logo para a sua loja. “O BB vestia o traje Kandahari e trazia uma arma, uma pistola… Por cima do traje afegão, trazia a pistola num coldre que punha às costas… O BB era conhecido como Daeshiano. Era visível que era. Viu o BB 10 a 15 vezes no Ponto de Informação junto à sua loja. Quanto ao AA, dizia-se para não se falar nada perto dele, para ter cuidado. Suspeitava-se que trabalhava para eles, que colaborava com o irmão e, por isso, evitamos falar perto dele.” [sic] O AA, entre o ano de 2014 e 2015, costumava estar junto ao Ponto de Informação. Viu-o uma vez vestido com o traje Kandahari, mas não o viu andar armado. O AA atuava de forma secreta, era “vigilante secreto”. Um dia, a testemunha estava a almoçar num restaurante em ..., onde o AA também estava a almoçar. Depois, viu-o a sair do restaurante e a entrar para um carro ... do DAESH. Era um carro de vidros fumados, como era apenas usado pelo DAESH. Mais do que uma pessoa o alertou para ter cuidado com o AA. “Nós, comerciantes conhecemo-nos e sabíamos quem é que estava com eles e quem não estava. Quando estávamos juntos e ele [AA] estava à nossa frente, passava por nós ou vinha na nossa direção, interrompíamos a conversa.” “Eu na altura, fumava dentro da minha loja. Quando o via [ao AA], vaporizava a loja com um ambientador, com medo de ele me denunciar.” Viu-o duas vezes vestido à civil, uma com o traje afegão e outra no restaurante, após o que entrou para um carro do Daesh. Porém, mesmo vestido à civil notava-se o cuidado em vestir calças acima do tornozelo e deixou crescer a barba. Sabe que é irmão do BB. Ao BB já o tinha vito antes, 3 ou 4 vezes, no ponto de informação do Daesh, mas só o conheceu pessoalmente em 2015, no Inverno. Não se recorda do mês nem do dia, mas foi numa altura em que intensificaram “Al Hisbah” [a fiscalização]. Foi à hora do chamamento da oração do pôr do sol. Tinha a loja aberta e estava com um cliente, uma senhora que estava a fazer compras. “Ele apareceu e levou-me por estar a atender àquela hora.” Ele próprio, o BB, conduzia o carro do Daesh. Era um carro ... com a inscrição de Al Hisbah. “Parou à porta da loja e levou-me.” «Era .... Assim que entrava em ..., toda a gente sabia. As pessoas passavam a palavra umas às outras, avisando da chegada da Al Hisbah.» O BB vestia o traje kandahari. O indivíduo que o acompanhava, que aquele tratava por VV, vestia uma dishdasha comum [túnica comprida tradicional vestida por homens] e, por cima, usava um colete sobre o qual estava escrito Al Hisbah. Note-se que a testemunha CCC ( sem qualquer ligação com esta testemunha) referiu que viu o BB sair de um veículo com a inscrição Al Hisbah e Katiba VV. Ao BB não o viu armado, naquele momento, mas viu-o armado noutra ocasião. Foi levado contra a sua vontade mas não podia oferecer resistência. Nem ele, nem ninguém na mesma situação. “O BB disse ao VV para me tirar da loja.” A alcunha adotada pelo BB era BB. “O VV entrou e disse-me: “não sabe que é hora de oração?!”. O BB, que estava no carro, disse-lhe para não falar comigo e para me tirar de lá.” “A senhora interveio para me defender. Disse que era por causa dela que eu estava lá e que eu lhe tinha dito que tinha de ir à oração. O VV disse à senhora para não falar, pois a sua voz de mulher não devia ser ouvida.” A loja permaneceu aberta. Deram-lhe ordem para entrar no carro e foi o que fez. Levaram-no a si e a quem viam que não estava a rezar à hora da oração. Depois, rezaram e esperaram pelo fim da oração na mesquita. Eram cerca de 13 pessoas e havia pessoas de idade entre os detidos. Entre eles, conhecia o barbeiro que tinha a loja aberta. Os restantes eram transeuntes que passavam. À medida que o carro andava, iam vendo quem fumava, quem não estava a dirigir-se à mesquita para a oração e mandavam-os entrar no carro. Dentro do carro, ninguém falava, não podiam. “Eu lembro-me disso como se fosse neste momento. Não consigo esquecer…” O medo era visível em todos os nossos rostos. Todos com cara pálida e sem saber qual seria o seu destino. “O sentimento era da morte. De alguém a caminhar diretamente para a morte. Não sabia o que me ia acontecer: se me iam chicotear, se me iam prender… qual seria o meu destino? Não sabia.” “Nós temíamos a tortura naquela altura. Achávamos que se nos matassem logo, seria melhor para nós. Eles cometiam coisas anormais à nossa frente. Uma vez, assisti a atirarem uma pessoa de um edifício alto. Semearam o medo nos nossos corações.” O BB levou-o até à porta da mesquita onde foi chicoteado por outros elementos do Daesh que estavam com ele. Foi agredido com 33 chicotadas. “Eu é que contei esse número sozinho. A cada chicotada, contorcia-me, sentia uma fúria que tinha de engolir. A minha vontade era de ripostar, mas controlei os nervos. Lembro-me que ao fim da décima chicotada, o meu corpo começou a ficar com um tom esverdeado/azulado.” [sic] “Fiquei afetado por causa do BB… e por ter sido castigado em frente das pessoas que saíam da mesquita.” [sic] Sentiu vergonha por ter sido agredido em frente das pessoas. «Nós estávamos de costas viradas para mesquita. Atrás de nós estavam as pessoas que tinham ido à oração e eles. Naquela situação, não me podia virar para ver quem me estava a chicotear. Mas ficou gravado na minha memória. Deitava-me e acordava com a ideia de que sofri perante gente minha, da minha zona em ....» “Depois do chamamento para a última oração do dia, mandaram-nos formar uma linha, chicotearam-nos, fizeram-nos ouvir sermões e mandaram-nos ir… cerca de duas horas depois.” “As chicotadas foram quase todas na zona das costas. Mas a chicotada não afeta só a pele. A dor que provoca chega até ao interior dos ossos. Eu não me conseguia deitar durante uma semana.” Ficou com ferimentos. «Não recebi nenhum tratamento hospitalar, pois não podíamos ir aos hospitais por ferimentos pelos Daeshianos. Eu procurei um enfermeiro para curar os ferimentos. As dores internas levaram muito tempo até desaparecerem. » Duas semanas depois das chicotadas que sofreu, mudou-se de ... e saiu da loja. “Até à data é um choque e desde então que não trabalho nem tenho vontade de trabalhar em Mossul. Atualmente trabalho a 3 horas de distância da minha casa, pois sentia que entre alguns que me viam, havia quem se contentasse com a minha situação.” [sic] Conhece e é amigo do LL. Precisou que o que aconteceu com o LL foi anterior ao que sucedeu consigo. Naquele mês em que andei a visitar o LL, o pai dele disse-me que estariam a vigiar-me e disse-me para deixar de visitar o LL, para eu não ter problemas. Então, decidi reduzir as visitas que lhe fazia … Eu perguntei ao LL o que aconteceu com ele. Disse que esteve numa sala e que sofreu agressão. Perguntei-lhe quem é quem o tinha agredido, se foi um juiz de Al Hisbah, se foi alguém importante do Estado Islâmico. Disse-me que sabia quem é que o tinha agredido, mas não referiu o nome. Passado algum tempo, perguntei ao pai do LL como o conseguiu libertar, se tinha pago um resgate. Disse-me que tiveram de pagar e que graças a Deus estava em liberdade. O LL tinha o braço inflamado, as costas negras e a cabeça ligada. Estava num estado de choque, um pouco ausente ou esquecido. Eu falava com ele e ele não respondia, apenas mexia a cabeça. O LL é que estava em estado de choque. Olhava para mim, mas não dizia nada. Assim como olhava para os nossos amigos que o visitaram e não dizia nada. Não conseguia falar connosco do que passou nas mãos dos Daeshianos. Mas nós víamos. Ele ficou um mês enclausurado um mês em casa, sem querer sair. Ficou um tempo sem trabalhar. Quando o visitei em casa e pelo efeito da tortura, ele não me reconheceu, sendo eu amigo dele. Visitava-o e ele permanecia sentado e calado. Cada vez que ia à casa dele, a mãe só chorava. E o pai dele disse-me uma vez quem lhe dera que o levassem no lugar do filho. Disse que estaria disposto a entregar-se no lugar o filho “Soube de repente que o LL foi levado. E soube que foi pelo BB, porque quando o LL me veio visitar na loja, depois de me terem levado, chicoteado e a seguir libertado, parou de repente o veículo ... e o BB desceu. Então, ele disse-me que tinha sido o BB que o tinha levado em conjunto com o AA e eu disse-lhe que foi ele mesmo que me tinha levado também.” [sic]. Ora, o LL nunca situou o BB na loja no dia em que foi levado, conforme as declarações analisadas anteriormente Diariamente, e desde que foi detido, deslocava-se à casa do LL, para saber dele e ver se tinha sido libertado ou não. Depois de ter sido libertado, continuou a visitá-lo. “Cada vez que ia à casa dele, a mãe só chorava. E o pai dele disse-me uma vez quem lhe dera que o levassem no lugar do filho. Disse que estaria disposto a entregar-se no lugar o filho.” [sic] Sabe que o DAESH exigia pagamentos para libertarem pessoas que haviam raptado. Foi o primeiro a visitar o LL, depois de ter sido libertado pelo Daesh. “Tinha o braço inflamado, as costas negras e a cabeça ligada. Estava num estado de choque, um pouco ausente ou esquecido.” [sic] Tinha a mão negra e marcas das algemas nos pulsos. “Quando o visitei em casa e pelo efeito da tortura, ele não me reconheceu, sendo eu amigo dele. Visitava-o e ele permanecia sentado e calado.” [sic] “Olhava para mim, mas não dizia nada. Assim como olhava para os nossos amigos que o visitaram e não dizia nada. Não conseguia falar connosco do que passou nas mãos dos Daeshianos. Mas nós víamos.” [sic] “Durante um mês, falava com ele mas ele não falava, apenas movia a cabeça e eram visíveis os efeitos da tortura nele.” [sic] É sunita. Conta que na luta contra o DAESH quer os sunitas, os xiitas e os curdos, todos estavam unidos na luta contra os terroristas do DAESH. FFF Fls. 4486 a 4489 – Vol. 16 Transcrição/Tradução: Apenso DMF-Tradução Assalariado, eletricista. Viveu em ... até 2013. Depois, mudou-se para o Bairro .... Ambos são bairros populosos, com milhares de habitantes cada um deles. Distam cerca de 5 minutos de carro. Depois da mudança continuava a frequentar o antigo Bairro, pois foi lá que nasceu e onde tinha os seus amigos. Na altura estava desempregado, em casa. Reconheceu sem dúvidas ambos os arguidos. Confrontado com as fotografias de BB retorquiu de imediato: “Este é o BB. Este é Daeshiano.” “Este é o mesmo BB. Daeshiano e terrorista.” Era vizinho e amigo de infância dos arguidos. Conhece os irmãos deles, a mãe… tendo referido os nomes da mãe, GGG e dos outros quatro irmãos que conhece: HHH, III, JJJ e o CC. Não tinha uma relação distinta com nenhum dos irmãos em especial, mas o AA e o BB têm uma idade mais próxima da sua. [nasceu em 1992] Costumavam frequentar o café, antes da entrada do DAESH no Iraque. Jogavam às cartas, jogavam bilhar. Quando teve conhecimento que o CC e o BB integraram o DAESH, para si foi uma surpresa o BB ter aderido, mas o CC já se dizia, embora não tivesse visto, que tinha trabalhado para Al Qaeda. O BB era cantor e participou no ..., daí ter ficado surpreso. Durante o período da ocupação de Mossul pelo DAESH, Estado Islâmico, as pessoas que entravam para o DAESH, Estado Islâmico, faziam-no por sua livre iniciativa. “A mãe do BB e do CC é que me disse que foi o CC que envolveu o irmão na Organização. A família é que me disse.” “(…) a mãe praguejava contra o filho, culpava o CC pelo envolvimento do BB na Organização.” Sobre a adesão de AA ao EI nada sabe, sendo que nunca o viu com o traje do EI. A partir do momento em que se tornaram Daeshianos, afastou-se e nunca mais conviveu com eles. Mal entrou a organização em Mossul, o BB começou a trabalhar com eles. Trabalhou uns 7 ou 8 meses e depois parou e viajou para fora do Iraque. Vivia em Mossul e viu-os, “vestidos com o traje dos terroristas, dos Daeshianos.” Vi o CC, e o BB armados com metralhadoras .... Não tem treino militar, mas o seu irmão era militar. Quando ele vinha para casa, trazia a sua arma e era a mesma. Ninguém podia andar armado a não ser os que pertenciam à organização terrorista. “Vi o BB durante uns 5 a 6 meses armado e depois ele foi transferido para Al Hisbah.” “Ele no início trabalhava na Al Amniyah e depois foi para a Al Hisbah.” O CC, desde a queda de Mossul até a libertação que ele é terrorista, não parou nunca, ou seja, trabalhou sempre com o DAESH. O CC trabalhava como Emir na Al Amniyah. Um Emir é o responsável por um grupo de 10 ou 15 elementos. É o líder. Faziam abordagens na rua, executando instruções das suas chefias… Fiscalizavam por causa do tabaco, do vestuário… Viu os dois irmãos, CC e BB, no bairro ..., na mesma rotunda ..., no mesmo controlo. Estava de carro quando os viu, por acaso. Vestiam o traje preto. Também os viu, isoladamente, em outras ruas, a fiscalizar a população. Viu o BB em ..., vestido com o traje Kandahari, armado. Refere ter visto BB umas 20 a 25 vezes, ao serviço do Daesh. Não viu o AA vestido com o traje afegão. Esclarece que mudou de bairro e deixou de viver no bairro .... As vezes que o viu depois de ter mudado de bairro, foi de passagem. Também foi detido em ações da Al Hisbah na rua, por estar a fumar, mas não pelos arguidos, tendo sofrido 40 chicotadas nas costas. Foi detido na rua e transportado nas viaturas do Daesh para as instalações da Al Hisbah, sitas no lado direito de Mossul, na zona de .... Foi aí que foi agredido. Ficou com nódoas negras na zona atingida. O seu pai foi morto, vítima de um ataque terrorista do Estado Islâmico. Durante o avanço das tropas iraquianas, do exército iraquiano, a organização terrorista do DAESH colocava explosivos à noite. As tropas avançavam na zona onde moro, então o meu pai saiu para os avisar de que a organização terrorista do DAESH tinha colocado explosivos no caminho. Quando o pai chegou a casa, estava na garagem, veio um carro armadilhado que parou ao pé de casa. Era uma operação suicida. O carro era conduzido por um .... Morreram quatro pessoas, o seu pai e três membros das tropas iraquianas. Tem conhecimento de que era costume os elementos do DAESH escravizarem pessoas, de outras etnias. Sabe que um ou outro vizinho, em ..., o fazia. Sabe que as pessoas que quisessem sair de Mossul só viajavam com um documento passado pela Al Amniyyah, com o seu conhecimento. Para tal, tinham de deixar um documento da casa (a escritura). Se as pessoas não voltassem, confiscavam-lhes as casas. Havia uma resistência no Iraque, forças de segurança a trabalhar de forma secreta para tentarem mudar a situação do país, restabelecer a ordem e a segurança, a estabilidade. “Tinha dois vizinhos que trabalhavam secretamente contra o DAESH, que foram descobertos e mortos.” Nunca foi convidado a colaborar com a resistência ao Estado islâmico, mas depois da libertação de Mossul, a população começou a denunciar às autoridades aqueles que conheciam e que tinham aderido ao EI durante o período da ocupação de Mossul. KKK Fls. 4491 a 4493 – Vol. 16 Transcrição/Tradução: Apenso DMF-Tradução É Mokhtar (responsável ao nível do serviço de informações) do bairro ..., na cidade de Mossul, desde 16 de abril de 2018, é eleito pela população. Trata de questões administrativas relacionadas com processos de casamento, de divórcio, de emissão de cartões de identidade, assuntos de arrendamento de lojas e casas na sua área de jurisdição, bem como de questões securitárias. Fornece às forças e serviços de segurança informações relacionadas com a segurança da área pelo qual é responsável e por aqueles que não conhecia. Antes de exercer estas funções era ourives. Esclareceu que, na altura da ocupação, houve várias pessoas que aderiram à organização terrorista por vários motivos: - Adesão voluntária por crença de que o DAESH é sinónimo de Islão; - Adesão motivada por necessidade económica; - Adesão fruto da fragilidade na personalidade de quem procurava compensar um sentimento de inferioridade; Contudo, foi peremtório a afirmar que ninguém era obrigado a aderir. A obrigação que existia era a de permanecer no DAESH após a adesão. “Uma pessoa que tivesse aderido, um dia que fosse, e que quisesse sair, era considerada um renegado e era executada. Os grupos criminosos tinham pessoas para executar os desertores.” [sic] Não conhece os arguidos. Tudo o que ouviu sobre eles foi já em 2021, como o Mokhtar/Responsável do Bairro onde os arguidos residiram, recolheu informações sobre eles, a pedido das forças/serviços de segurança. «Tenho nos meus registos os que pertencem ao DAESH, entre os quais: o CC, o BB e o AA. O BB e o AA são suspeitos» Concretamente, chegou à fala com três habitantes de ..., residentes na mesma rua da casa de família dos arguidos. Explicou que é difícil encontrar habitantes que queiram denunciar outros habitantes que pertenciam ao Estado Islâmico, pois as pessoas têm receio de falar. Descreveu o que tinha apurado. E também Soube da boca dos próprios pais dos arguidos, que o CC levou uma mulher Yazidi para a sua casa. Após isso, a mãe e o pai expulsaram-no de casa, pois não concordavam com o facto de ela entrar em casa. Refere que foi com certeza contrariada, pois quando entraram (os Daeshianos) em Sinjar, cativaram/escravizaram as mulheres Yazidi, “vendiam e compravam-nas como no período pré-islâmico, da Ignorância. Cada um deles dispunha de uma mulher Yazidi, podia vendê-la ou ficar com ela.” [sic]. Quem aderia ao EI entrava porque queria, sob influências dos amigos, do meio, por via da religião ou pelo lado material. Também falou com dois dos irmãos dos arguidos: um deles chamado HHH, atualmente a residir em Mossul, na casa do seu pai. As declarações que recolheu são diferentes. As primeiras três pessoas com quem falou confirmaram que os arguidos aderiram ao Estado Islâmico. Porém, depois da investigação, foram ter consigo os dois irmãos dos arguidos e, com eles, algumas testemunhas por aqueles trazidas com o propósito de negar a adesão dos seus irmãos ao Daesh. Não os procurou. Eles é que foram ter consigo ao seu local de trabalho. Os irmãos e as testemunhas que estes levaram disseram-lhe que o BB e o AA não tinham ligação ao DAESH, que não os viram vestidos com o traje Kandahari, nem os viram armados. Prestou uma inquirição complementar com o intuito de indicar as suas fontes. identificar pelo nome as três testemunhas a cuja inquirição procedeu e com quem contactou. Uma delas chama-se FFF ouvido em DMF. Esta testemunha disse-lhe que o BB pertencia aos grupos criminosos do DAESH. Não tinha a certeza quanto ao AA. Falou também com LLL, que se recusou a comparecer nas Instalações das Nações Unidas, a fim de prestar declarações no âmbito destes autos de inquérito, por medo, por razões de segurança. Disse que o BB tinha aderido ao DAESH. Não tinha a certeza quanto ao AA. Antes do seu primeiro depoimento foi contactado pelo pai dos arguidos, MMM e pelo irmão dos arguidos, HHH. Isso sucedeu no final de 2021, início de 2022. Foi novamente abordado no mês de abril, no mês do depoimento. Por duas vezes. Quatro ou cinco dias antes do tribunal. “Eles provavelmente tinham alguma informação a respeito do meu depoimento nas Nações Unidas, mas eu não lhes disse nada sobre isso.” [sic] O pai e o irmão HHH dos arguidos “Tentaram alterar o meu entendimento do depoimento, mas eu só digo o que sei, digo a verdade. Não me influenciaram de todo.” O objetivo era tentar ilibar o AA e o BB. Queriam negar a sua relação como O DAESH. » NN Fls. 4494 a 4496 - Transcrição/Tradução: Apenso DMF- Tradução Trabalha numa loja de calçado e também situou no tempo o domínio do daesh, No ano de 2015 vivia no bairro ..., descrevendo o dia a dia no mesmo sentido das restantes testemunhas e elementos dos autos. É vizinho e amigo de LL. A casa da testemunha dista 200 a 300 metros da casa do LL. Em 2015, estavam os dois parados no mesmo sítio quando chegaram dois membros do Estado Islâmico. Sabe que foi no período da tarde. Levaram o LL, falaram com ele na zona e depois voltaram com ele para casa. Estiveram com ele duas ou três horas, aproximadamente. Estavam armados com pistola .... Vestiam traje afegão. Enquanto isso, ficou na rua, andou um pouco a tentar perceber onde é que tinham ido com o seu amigo, o que tinha acontecido. Depois, quando LL voltou, estava parado no mesmo sítio. A porta que dá acesso diretamente à casa de LL, que dá para a garagem, estava aberta. A testemunha estava a cerca de 20 a 25 metros de distância. Viu os Daeshianos na zona da garagem, a levar os documentos do LL. Segundo soube depois pelo LL, havia problemas entre ele e o sogro e este último apresentou queixa dele ao DAESH. No dia seguinte, a meio do dia, estava longe da loja onde trabalha, mas viu um carro ... do Daesh e o LL a ser detido por 3 ou 4 pessoas. Estava a cerca de 25 metros de distância. Levaram-no da loja, num carro tipo ..., fechado e com os vidros fumados, em que estava escrito Al Hisbah. Vestiam o traje afegão e estavam armados com pistolas e metralhadoras .... O pai do LL encontrava-se na loja. A testemunha, no momento em que presenciou tudo isso, estava sensivelmente a 20, 25 metros do local. Segundo a vítima GG lhe disse levaram-no para as instalações da Al Hisbah. O próprio carro também tinha inscrito Al Hisbah, pelo que foi com outros amigos às instalações da Al Hisbah, sita na zona velha, em .... No primeiro dia não conseguiram obter nenhuma informação, pois as pessoas que tinham saído e a quem pediram informações não conheciam o LL. Mais tarde, voltaram lá e houve duas pessoas que tinham saído da Al Hisbah que lhes disseram que o LL estava lá dentro. Ia com o pai GG diariamente à Al Hisbah para saber do LL. No dia em que o LL foi libertado, o irmão do LL informou a testemunha que ele tinha saído e estava em casa, pelo que o foi visitar. Viu marcas das chicotadas nas costas dele, nódoas negras ou hematomas na cara. Estava em baixo, com medo, “pois estar com o DAESH podia significar a morte”. Refere que o LL ficou com trauma dessa situação. “Fala disso até hoje. (…) viu coisas que nunca tinha visto na vida.” [sic] Sabe que houve uma pessoa que pediu dinheiro ao pai do LL para libertarem o filho. Se não tivesse sido pago o resgate, podiam-no matar. A Al Hisbah matava diariamente. Prendiam e matavam. «Mal viam os carros com a indicação de Al Hisbah, sentiam-se vencidos» “Ele [LL] contou-me que lá havia ecrãs dentro de Al Hisbah, onde mostravam matanças, massacres, execuções para aterrorizar as pessoas que estavam presas.” [sic] Relativamente ao que a família passou enquanto LL esteve detido contou que a família estava em baixo, com medo, preocupada e com receio que fosse morto, como acontecia. * NN Trabalha numa loja de calçado. O DAESH entrou em Mossul em 2014. No ano de 2015 vivia no bairro .... Descreveu que o bairro ... é grande, tem milhares de pessoas. Durante o período da ocupação de Mossul pelo Estado Islâmico os terroristas “mataram e massacraram muita gente, muitos inocentes.” [sic] Aliciavam as pessoas com dinheiro e constrangiam/coagiam a população. Não frequentava as mesquitas. A Al Hisbah estava constantemente nas ruas: fiscalizavam as senhoras que não usavam o véu, por exemplo, os homens pelas calças, que deveriam ser mais curtas, pela barba, que não deveria ser curta, pelo cabelo… Era mais frequente os elementos da Al Hisbah andarem com pistolas, mas também podiam andar com metralhadoras, como viu acontecer. É vizinho e amigo de LL. A casa da testemunha dista 200 a 300 metros da casa do LL. Em 2015, estavam os dois parados no mesmo sítio quando chegaram dois membros do Estado Islâmico. Sabe que foi no período da tarde. Levaram o LL, falaram com ele na zona e depois voltaram com ele para casa. Estiveram com ele duas ou três horas, aproximadamente. Estavam armados com pistola .... Vestiam traje afegão. Enquanto isso, ficou na rua, andou um pouco a tentar perceber onde é que tinham ido com o seu amigo, o que tinha acontecido. Depois, quando LL voltou, estava parado no mesmo sítio. A porta que dá acesso diretamente à casa de LL, que dá para a garagem, estava aberta. A testemunha estava a cerca de 20 a 25 metros de distância. Viu os Daeshianos na zona da garagem, a levar os documentos do LL. Segundo soube depois pelo LL, havia problemas entre ele e o sogro e este último apresentou queixa dele ao DAESH. No dia seguinte, a meio do dia, estava longe da loja onde trabalha, mas viu um carro ... do Daesh e o LL a ser detido por 3 ou 4 pessoas. Estava a cerca de 25 metros de distância. Levaram-no da loja, num carro tipo ..., fechado e com os vidros fumados, em que estava escrito Al Hisbah. Vestiam o traje afegão e estavam armados com pistolas e metralhadoras .... O pai do LL encontrava-se na loja. A testemunha, no momento em que presenciou tudo isso, estava sensivelmente a 20, 25 metros do local. Segundo a vítima GG lhe disse levaram-no para as instalações da Al Hisbah. O próprio carro também tinha inscrito Al Hisbah, pelo que foi com outros amigos às instalações da Al Hisbah, sita na zona velha, em .... No primeiro dia não conseguiram obter nenhuma informação, pois as pessoas que tinham saído e a quem pediram informações não conheciam o LL. Mais tarde, voltaram lá e houve duas pessoas que tinham saído da Al Hisbah que lhes disseram que o LL estava lá dentro. Ia com o pai GG diariamente à Al Hisbah para saber do LL. No dia em que o LL foi libertado, o irmão do LL informou a testemunha que ele tinha saído e estava em casa, pelo que o foi visitar. Viu marcas das chicotadas nas costas dele, nódoas negras ou hematomas na cara. Estava em baixo, com medo, “pois estar com o DAESH podia significar a morte”. Refere que o LL ficou com trauma dessa situação. “Fala disso até hoje. (…) viu coisas que nunca tinha visto na vida.” [sic] Sabe que houve uma pessoa que pediu dinheiro ao pai do LL para libertarem o filho. Se não tivesse sido pago o resgate, podiam-no matar. A Al Hisbah matava diariamente. Prendiam e matavam. «Mal viam os carros com a indicação de Al Hisbah, sentiam-se vencidos» “Ele [LL] contou-me que lá havia ecrãs dentro de Al Hisbah, onde mostravam matanças, massacres, execuções para aterrorizar as pessoas que estavam presas.” [sic] Relativamente ao que a família passou enquanto LL esteve detido contou que a família estava em baixo, com medo, preocupada e com receio que fosse morto, como acontecia. É tarefa árdua para o juiz de julgamento analisar criticamente as declarações prestadas para memória futura. No entanto, e como referimos anteriormente, a testemunha MM -remete-se para o que já se escreveu a propósito do trabalho desta - ajudou muito com o seu depoimento ao esclarecer as condições em que as testemunhas foram ouvidas e a sua credibilidade, em face do cenário que enfrentavam e enfrentaram, bem como os seus especiais conhecimentos e formação na tomada de declarações. A sua credibilidade no que se reporta ao período do Daesh resulta ainda de terem relatos coincidentes mas não decalcados quanto a pontos essenciais: referem o traje afegão como indumentária só usada pelos Daeshianos no período a que se reportam, o colete da Al hisbah (policia dos costumes que assegurava que certas proibições eram cumpridas tais como não fumar, não beber, a forma de vestir, o tamanho da barba dos homens, o cabelo, o véu das mulheres). Descrevem as armas de forma igual, bem como as viaturas do Daesh. Reportam-se aos arguidos pelos trajes afegãos, pelas armas e operações de policiamento, sem que tenham depoimentos todos iguais. Na respetiva diversidade, claramente são depoimentos espontâneos e pormenorizados e conhecedores da realidade que vivenciaram. * Vídeo das Igrejas referidas e usadas pela Al Hisbah, auto de extracção, gravação e análise, com fotogramas, a fls. 5324 a 5330, DVD a fls. 5331 e auto de tradução a fls. 5332e 5333, completamente coincidentes com os relatos testemunhais Ponto de informação referido pelas testemunhas: OO e FF, à data dos factos, trabalhavam no bairro ..., em Mossul. O primeiro numa pastelaria/confeitaria e o segundo numa loja de brinquedos – as duas perto da Rotunda ..., onde hoje está a estatua referida nos factos assentes colocada e concebida propositadamente pelo seu autor para apagar da memória o que aí se passou e homenagear os que aí sofreram. Ambos corroboraram que naquele local o Daesh tinha o seu ponto de informação, que era uma estação de difusão de propaganda e uma forma de incutir medo à população, onde os arguidos foram vistos em funções. Estes foram, em síntese, os relatos das testemunhas que vivenciaram o que presenciaram. Notícia datada de 03.10.2020 a respeito da estátua colocada na Rotunda ... – Fls. 5407, 5408 a 5411 e tradução a fls. 5412 a 5417, referida pelo Inspector SS no seu depoimento Sobre os depoimentos de LL e seu pai já foram analisados criticamente. A testemunhas AAA refere não ter associado o AA ao Daesh, pois não o viu com o traje afegão. Em suma, basta uma leitura atenta de todos os depoimentos, os pormenores que referem e sobretudo centrados no que visualizaram, nas suas diversas ocupações, na falta de qualquer ligação entre muitas das testemunhas, na forma como descrevem os arguidos para que se possa afirmar que o que relataram viram. Inquirição complementar de KKK Fls. 5287 a 4289 – Vol. 18 Transcrição/Tradução: Apenso DMF-Tradução Sabe identificar pelo nome as três testemunhas a cuja inquirição procedeu e com quem contactou. Uma delas chama-se FFF ouvido em DMF. Esta testemunha disse-lhe que o BB pertencia aos grupos criminosos do DAESH. Não tinha a certeza quanto ao AA. Falou também com LLL, que se recusou a comparecer nas Instalações das Nações Unidas, a fim de prestar declarações no âmbito destes autos de inquérito, por medo, por razões de segurança. Disse que o BB tinha aderido ao DAESH. Não tinha a certeza quanto ao AA. Antes do seu primeiro depoimento foi contactado pelo pai dos arguidos, MMM e pelo irmão dos arguidos, HHH. Isso sucedeu no final de 2021, início de 2022. Foi novamente abordado no mês de abril, no mês do depoimento. Por duas vezes. Quatro ou cinco dias antes do tribunal. “Eles provavelmente tinham alguma informação a respeito do meu depoimento nas Nações Unidas, mas eu não lhes disse nada sobre isso.” [sic] O pai e o irmão HHH (dos arguidos) “Tentaram alterar o meu entendimento do depoimento, mas eu só digo o que sei, digo a verdade. Não me influenciaram de todo.” O objetivo era tentar ilibar o AA e o BB. Queriam negar a sua relação como O DAESH. Acresce que foram reportadas nos autos ameças de familiares dos arguidos descritas nos vários relatórios da UNITAD e nas declarações de algumas testemunhas – cf. 3750 3752 e tradução a fls. 3753 a 3758, 5403 e 5404 e tradução a 5405 e 5406 e 5754 a 5756 e tradução a fls. 5757 a 5761. Através de carta Rogatória a Unitad juntou aos autos documentos – Apenso D – Carta Rogatória (cf Apenso CR1, CR a fls 2 a 14 e despacho judicial a fls. 15 e 16, Apenso CR2, CR a fls. 2 a 9 e despacho judicial a fls. 10 e promoção e despacho judicial a fls. 5821 e 5973). Cópias do processo judicial de natureza criminal que corre termos no Iraque, no Tribunal de Terrorismo de Mossul, recebidos em resposta à CR1 – Apenso D, analisados. O processo judicial corre termos na secção dos que fugiram (vide fls. 24 apenso D). Existem queixas das vítimas e das declarações que foram tomadas, sob juramento, perante um Juiz de Instrução do Tribunal de Investigação em assuntos de Terrorismo, em Mossul, Iraque. Foram obtidas, também, cópias dos Mandados de Detenção nacionais Iraquianos emitidos para os dois arguidos e para o irmão CC e, ainda, de um documento onde estão referidos os nomes dos pais dos arguidos, dos arguidos e de todos os seus irmãos. Estes documentos comprovam que as vítimas apresentaram queixa no Tribunal de Terrorismo de Mossul, pelos mesmos factos que vieram a relatar ao Tribunal português. Documentos originais do Estado Islâmico, constantes da carta rogatória – Apenso D, analisados, em julgamento Trata-se de documentos originais do Estado Islâmico ( conforme foi amplamente referido pela testemunha MM cujas funções já foram por nós relatadas supra) que comprovam as declarações das vítimas LL e GG, do casamento de LL com UU e do conflito que opunha a sua família e a de TT, pai da mulher de LL. Comprovam que, após queixa de TT, LL foi condenado pelo Tribunal do Estado Islâmico a entregar ouro, sob pena de ser novamente preso. Trata-se de uma declaração de compromisso, ( fls. 53) datada de 09.12.2015, emitida pelo Departamento de Justiça e Queixas do Tribunal Islâmico em Mossul e assinada por LL, que por esse documento se compromete a entregar ao tribunal: - Ouro, no valor de cinco meticais (e não pesos), em 16.12.2015; - Ouro, no valor de 10 meticais (e não pesos), em 09.02.2016; - Ouro, no valor de 10 meticais, (e não pesos) em 09.04.2016; ou seja a cerca de 106,25 gramas de ouro, uma vez que cada metical correspondia a 4,25 g de ouro – cf. fls. 59. A Fls. 47 do Apenso D consta o recibo de quitação da entrega de 25gr (0,88 Oz) em 17/12/2015, no valor, à data de 853,18 EUR; [1] A Fls. 49 do Apenso D consta o recibo de quitação da entrega de 25gr (0,88 Oz) em 09/02/2016, no valor, à data de 1061,4 EUR A Fls. 55 do Apenso D consta o recibo de quitação da entrega de 25gr (0,88 Oz) em 27/02/2016, no valor, à data de 982,08 EUR A Fls. 57 do Apenso D consta o recibo de quitação da entrega de 45gr (1,59 Oz) em 09/04/2016, no valor, à data de 1734,6 EUR. Sofreu, por conseguinte, um prejuízo de 4.631,26 EUR (6.002.731,00 IQD – dinares iraquianos), ou seja, entregou, no total,120 gramas de ouro ao Estado Islâmico A fls. 51 encontra-se a notificação de LL, para comparecer no Tribunal na qualidade de arguido, a 27.02.2016, uma das datas em que procedeu a entrega de ouro. A fls. 45 (cf em inglês a fls. 59) encontra-se o contrato de casamento entre LL e a filha de TT, referido por este nas suas declarações no qual está estipulado que, em caso de divórcio, as duas partes concordaram num dote de 50 meticais de ouro, o que corresponderia a 212,5 gramas de ouro. A página de FB da «Brigada Os Livres de Nínive», referida nas declarações para memória futura da testemunha L, do Coronel DDD e de BBB e MM, designadamente a publicação efetuada no dia 27.06.2017, pelas 19.44 horas, em que denunciam os irmãos CC, AA e BB como membros do Daesh Na página o Coronel publicou uma fotografia de BB ( que veio a ser encontrada também no seu telemóvel Auto de Análise de Prova Digital- apenso I) e um fotograma extraído de um vídeo de propaganda. O texto publicado foi analisado e traduzido, na Informação de fls. 2717 a 2719. O texto faz referência a pessoas determinadas, funções desempenhadas, testemunhas, acontecimentos e datas muito concretas, como a tortura de um dos acusados pelo Daesh., o que denota um conhecimento aprofundado da factualidade ali denunciada que, aliás, se confirmou através das declarações do Coronel DDD. Página do Facebook com publicação do militar iraquiano SSS, analisado, em Julgamento, pelo Inspetor RR. Com efeito o Inspetor RR Participou em ações de vigilância e escutas. Teve contato com a testemunha L, que lhes deu conhecimento da existência e 2 pessoas em Portugal que poderiam ter pertencido ao EI. Havia uma página no Facebook (cuja função já foi relatada pelo Coronel DDD) – homens livres e Nínive (ONG) – tiveram informação desta página, conforme auto de fls. 2311/2316: Tiveram informação de que poderia haver on line mais informação e de que alguém teria publicado alguma fotografia do arguido BB. No perfil do Facebook havia um militar das forças iraquianas e tinha publicado uma foto do BB e do CC, dizendo que ambos tinham pertencido ao EI. Apelava ainda a que alguns moradores do bairro em que os arguidos residiam que testemunhassem num processo sobre terrorismo. Pediram ao Facebook informações sobre essa conta/perfil. Os dados da conta pertenciam ao nome que aparece na conta do Facebook e não tiveram dúvidas de que se tratava de um militar iraquiano. Então, preservaram essa página do Facebook. Conseguiram constatar que o IP (criação da conta) é o mesmo IP da conta que publicou as fotografias da região de Erbil, no Curdistão iraquiano. Esta pessoa sabia que havia um processo em Mossul, no Tribunal. Verificaram que correspondia a um processo de terrorismo que corria num Tribunal de Mossul. Fls. 2315: A imagem que aparece é que o titular do perfil conhecia as pessoas que estão na imagem e sabia que corria tal processo de terrorismo em Mossul e instava as pessoas a testemunharem. Há comentários de outros seguidores que também alegam conhecer o arguido. Fls. 2312: Fotografia que corresponde ao BB. Esta fotografia também estava no telemóvel do arguido BB - fotografia apagada do telemóvel do arguido igual à publicada naquela página de Facebook - Auto de análise de prova digital, fls. 4272, Imagens 15, 16 e 17. Em complemento das declarações da testemunha L, foi preservada a página do Facebook de SSS a que aquela se refere e que lhe referiu que o «amigo» AA era, na realidade, AA. Neste perfil, em 02.07.2017, foi publicada neste perfil uma fotografia do arguido BB igual à que foi publicada na página «Os Livres de Nínive», com um texto a acompanhar. No texto, a acompanhar, foram identificados o arguido BB e CC. O titular do perfil assegura ter todas as informações sobre os dois membros do Daesh, referindo « Ninguém precisa de fornecer-me informações. Tenho-as todas». Mais se refere no texto que «toda a gente os conhece» e apela aos moradores do bairro que testemunhem perante o Juiz no processo 4/1 terrorismo – cf. fls. 2311. Nos comentários relativos à publicação do texto e da fotografia que na sua generalidade amaldiçoam os dois irmãos por integrarem o Daesh, um indíduo de nome EEEEE afirmou conhecer BB. Perante essa informação, o titular do perfil pediu-lhe para que o contactasse em privado. – cf. 2311 a 2316, auto de tradução a fls. 2317 a 2320. Conforme se referiu, foi solicitado à administração da página Facebook que indicasse o IP associado à conta de Facebook e, após, apurou-se que o mesmo está localizado na região de Erbil, no Curdistão iraquiano, como foi referido pela testemunha L, o que reforça para além do já referido o seu depoimento. O Vídeo de propaganda do dinar do Estado Islâmico, analisado, em Julgamento, onde aparece o arguido AA: Em primeiro lugar cumpre referir que embora o arguido lhe desse outro enquadramento como veremos aquando da análise das declarações do arguido, reconhece- se perfeitamente como estando neste vídeo. Este vídeo foi analisado no auto de visionamento e análise de registo de imagens de fls. 2709 a 2715. Os cânticos que o acompanham e os comentários foram traduzidos traduzido a fls. 2716, designadamente: A névoa dissipar-se-á, Estabelecer a lei de Deus, É a nossa obrigação, Fa-lo-e,os nem que se tenham que cortar cabeças.(…) Levantem-se e travem a jihad. Será o derradeiro golpe no dólar Isto (segurando um dólar na mão) tem impresso a imagem do diabo e da casa negra que destruíram o islão e os muçulmanos. Enquanto este dínar de ouro é uma bênção e será um símbolo do islão e dos muçulmanos. É melhor, muito melhor. No início, para além da referência à Brigada Os Livres de Nínive, está aposta uma frase «Para não nos esquecermos de quem festejou com os daeshianos». Trata-se do vídeo que foi difundido pelo Estado Islâmico através do canal de comunicação do EI, a Agência AMAQ que ainda está ativa, exibido nos pontos de informação e entregue à população através de CD. Foi o Coronel DDD quem retirou o vídeo do canal ... em 2015, segundo explicou a fls. 146 Apenso DMF. O vídeo originariamente tinha a bandeira do Estado Islâmico no canto superior direito bandeira que a Organização Os Livres de Nínive tapou editando o vídeo com o símbolo da organização. O fotograma com a imagem do arguido AA que foi usada na página de Facebook da Organização foi precisamente um fotograma extraído do mesmo. Operação ... – no âmbito da coligação de vários países contra o Estado Islâmico, com base na Jordânia e que centraliza toda a prova digital recolhida nos cenários de guerra, designadamente no Iraque. É esta base de dados que dá apoio à investigação em território nacional. Nessa base de dados foi encontrado (remetido pelo FBI no âmbito desta operação) um vídeo que estava na página dos “livres de Ninive, neste caso o original (o que foi filmado pelo próprio Estado Islâmico), igual ao publicado no facebook, com execpção de uma bandeira num canto do vídeo. Neste vídeo está o arguido AA. Conclui, assim, que o vídeo do facebook não é uma montagem. O vídeo original além da corroboração de onde foi filmado (apreendido em Mossul), tem a bandeira do Estado Islâmico, o conteúdo dos locais, do momento (apresentação da moeda) o que está explicado no relatório de análise. Todos os vídeos das produtoras do EI (e a testemunha tem analisado centenas) colocam a bandeira do Estado Islâmico. Sobre a Operação ..., objetivos e modos de proceder e garantia sobre a veracidade do material recolhido em cenários de guerra, a testemunha Inspetor RR esteve no médio oriente e participou na referida operação. O recurso a esta informação encontrada/capturada ao inimigo que serve para identificar terroristas, tem sido usado por vários estados e até pela EU. Trata-se de material capturado no médio oriente, em cenários de guerra por militares neste caso no Iraque. O departamento de Justiça desclassifica o material encontrado para fins judiciais. O próprio FBI requer ao Departamento de Defesa NA e eles garantem toda a cadeia de custódia da prova. Quando nos transmitem a nós é pelo FBI. Este elemento de prova chega ao processo através destes canais (FBI e Departamento de Defesa NA). Um dos objetivos da Operação ... (Operação ...) é, agora, providenciar aos diversos países que fazem parte deste projeto, a possibilidade de obter dados (registos fotográficos, documentos, ficheiros ou suportes informáticos, perfis ADN, entre outros), que foram recolhidos em cenários de conflito, cujo acesso de outra forma seria simplesmente impossível, e que podem constituir elementos de prova fundamentais para as diversas investigações que se encontram a decorrer a nível internacional, permitindo assim conduzir a detenções e acusações formais por terrorismo. De forma a garantir a cadeia de custódia da prova, integram a Operação ... representantes de diversas entidades oficiais norte americanas, nomeadamente, do United States Department of Justice (DOJ), representado pelo Federal Bureau of Investigation (FBI). Em diversos processos europeus e americanos, com condenações por terrorismo, foram utilizadas provas com origem na Operação ..., como por exemplo, como referido pelo Inspector RR no processo da Ângela Barreto (mulher de Fábio Poças), Hicham Al Hanafi condenado a 30 anos de pena de prisão (8 vídeos provenientes da Operação ...) ou no processo dos ataques de Paris, designadamente no ataque ao Bataclan. Aqui chegados, entende o Tribunal estar reunida toda a prova direta que, sem dúvida, nos permite concluir que os arguidos eram membros do Daesh, enquanto estiveram no Iraque e da atuação do arguido BB sobre FF. Relativamente a toda a prova direta recolhida no Iraque foi também determinante como já referimos a colaboração da Unitad, bem como, o depoimento em audiência de julgamento de MM quanto á veracidade da prova recolhida e credibilidade das testemunhas que depuseram e cuja sumula se acha importante repetir, para além do que foi dito, porquanto demonstrou conhecimento direto desta realidade e deu-nos um panorama mais alargado do que observou. Após a tomada de Mossul existiam limitações nas telecomunicações, baniram computadores portáteis, telemóveis, tablets, internet, quem fosse apanhado com isto seria visto como um espião e condenado à morte. As antenas e companhias foram atacadas, destruídas. Das 3 companhias, só continuou a funcionar uma empresa curda, mas com comunicações apenas em determinadas áreas, no resto do território não havia rede, e as pessoas arriscavam para poderem comunicar. Relativamente às populações cristãs, não foram permitidas a ficar no território de forma livre, eram dadas exceções, caso se quisessem converter à religião muçulmana. Caso contrário tinham que pagar taxas, entregar o ouro e as propriedades. E isto até 3 dias depois da conquista. A maior parte fugiu. Eram centenas de milhares em Mossul e nas aldeias à volta. Falou com várias testemunhas e aqueles que não conseguiram fugir foram escravizados, mortos e violados. As igrejas de Mossul foram destruídas/incendiadas e os artefactos furtados e outras foram usadas com prisões, onde as pessoas eram interrogadas e torturadas. Verificou no local. Numa das igrejas o pátio era usado para tiro ao alvo e os alvos eram as cruzes. Falaram com sobreviventes que relataram situações de escravidão sexual dentro dessas igrejas. As forças armadas foram apanhadas de surpresa e colapsaram após 4 dias de ataque a Mossul, alguns foram mortos e outros fugiram. Os tribunais foram destruídos e substituídos pelas leis da Sharia. As pessoas que ali trabalhavam, as que conseguiram, fugiram, as outras foram ameaçadas, presas e muitas mortas. Outras foram forçadas a pedir perdão, entregar as armas e pagar valores. Eles andaram de porta em porta a persegui-los. Se não conseguissem encontrar um policia, raptavam a família, ligavam e era assim que os conseguiam prender. Massacre de “Trikit” – 2 dias depois de tomaram Mossul eles atacaram tal cidade, rica em petróleo, onde havia uma base militar. Cercaram a base, deram ordens para os militares saírem separaram os sunitas dos xiitas e assassinaram grande parte de estes últimos (milhares). Era uma região com muitos xiitas, que são vistos como o inimigo número um. O petróleo foi outro motivo para a invasão, porque era uma das fontes de receita da organização. O petróleo era a principal fonte de financiamento, porque havia muito e o vendiam a baixo custo. Também recolhiam impostos dos comerciantes, industriais, agricultores e pessoas. Saque a instituições, xiitas e cristãos. Também tiraram dezenas de milhões de dólares de uma filial bancária em Mossul. E procediam à venda de escravos sexuais. Quando um xiita era ilegalmente preso era obrigado a dar dinheiro aos captores e os documentos da casa, para serem libertados. Noutros casos, nem o dinheiro ajudava. A partir de 2015, qualquer pessoa presa ou que quisesse sair do território tinha que entregar a escritura da sua casa e se não regressasse ficava sem a casa. Havia um departamento que tratava desse tipo de documentação. Havia departamentos para tudo, o que demonstra bem a capacidade organizativa e implantação no terreno com departamentos organizados. Existiam unidades policiais de controlo: Al Hisbah - Havia uma polícia religiosa que fiscalizava por ex se uma mulher não cobria o tornozelo era punida, tirando por ex um pedaço de carne permanentemente do ombro. Outro ex, as mulheres não podiam sair sem um homem da família. Fiscalizavam tb o consumo de tabaco e álcool e uso e telm. Mulheres acusadas de flirtar com um homem eram acusadas de adultério e eram apedrejadas à frente de todos. Todos os que fossem surpreendidos a fumar, a beber, sem barba, vestidos em desacordo com a forma oficial, os que não cumpriam as orações em grupo, eram punidos imediatamente no local, com castigos físicos a cargo desta força policial. Al Amniyah.” - Também havia a unidade secreta de inteligência, onde havia espiões para assegurar a segurança do estado islâmico, que raptavam pessoas que depois levavam aos juízes, que davam ordens de execução. Tinham o poder de assassinar. Eram pessoas de confiança e de reserva absoluta do estado islâmico. Tinham que apreender a obedecer, a ter estomago para cumprirem ordens de execução, sem questionarem. Não tinham formação em especial. Se as pessoas quisessem sair de Mossul tinham que ter uma autorização e entregar os documentos da casa, a um departamento que dava permissões. A “Alamia” buscava quem procurava fugir por via não oficial. Cada polícia e departamento tinha diferentes funções e regras, mas trabalhavam juntas para o Daesh. Outro pormenor relevante que destacou foi o facto de serem vários irmãos, alguns dos quais permanecem no Iraque e apenas três, os arguidos e o irmão CC foram identificados como pertencentes ao Daesh, o que retira credibilidade ao facto dos arguidos referirem que o que estava em causa era uma disputa entre famílias e por isso foram vítimas de uma vingança. 2.1.3.1.5 Da viagem dos arguidos até à Europa, com enfoque especial na saída de Mossul em Março de 2016 (data em que o Daesh ainda atuava mas que já havia indícios do deu declínio) e da atuação dos arguidos após saída de Mossul (SIC…idem) Os arguidos saíram de Mossul quando as forças da coligação começaram a intensificar a resistência ao EL – saíram em 16 de março de 2016. Acrescem os indícios que foram recolhidos referentes à viagem dos arguidos e partida do Iraque até chegarem a Portugal, e as diversas versões que apresentaram sobre si, bem como, o comportamento do arguido BB em Portugal para obter a autorização de residência. Como se diz no sumário do acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 06.06.2017, proc. n.º 22/98.0GBVRS.E2 (disponível em www-dgsi.pt): Já as presunções hominis, ou naturais, constituem um procedimento da chamada prova indireta, em que de um ou vários factos conhecidos se retiram ilações ou se deduz logicamente um facto não conhecido (art.º 349º, do CC). Tais presunções, diz-se no sumário do acórdão do Tribunal do STJ, datado de 06.10.2010, proc. n.º 936/08.JAPRT (disponível em www-dgsi.pt): (…) devem ser graves, precisas e concordantes. São graves, quando as relações do facto desconhecido com o facto conhecido são tais, que a existência de uma estabelece, por indução necessária, a existência de outro. São precisas, quando as induções, resultando de um facto conhecido, tendem a estabelecer direta e particularmente, o facto desconhecido e contestado. São concordantes, quando, tendo todas uma origem comum ou diferente, tendem, pelo conjunto e harmonia, a firmar o facto que se quer provar. Estas presunções estão na origem da prova indireta e podem ser desmontadas em três operações: primeiro deve ser dado como claramente provado o facto base, num segundo momento esse facto base irá desencadear um raciocínio de lógica dedutiva, sendo no âmbito do mesmo que muitas vezes se colhe o contributo das máximas de experiência comum, em terceiro lugar ir-se-á admitir ou adquirir a realidade de um facto desconhecido (que não foi alvo de prova direta). Ao contrário das máximas de experiência comum, as presunções vivem e geram factos, sendo por isso uma prova, ainda que indireta. O facto adquirido, para ser suficientemente seguro, em particular em processo penal, terá de cumprir certos pressupostos: - Terá de se partir de um facto base muito seguro, resultante de prova direta a que já nos referimos; A relação entre o facto base e o facto adquirido também não deverá ser demasiado longínqua e não poderá ser eivada de descontinuidades ou incongruências. Se no processo lógico de convencimento existirem “saltos” ou espaços ocos ou vazios, de descontinuidade, portanto, não explicados suficientemente pelas regras de experiência comum, tal determinará um corte na continuidade do raciocínio, o que terá de afastar o funcionamento da presunção, passando a ilação a consubstanciar apenas uma mera probabilidade, uma impressão, um “cheiro”, não comprovável para além de toda a dúvida razoável. Por outro lado, se existirem contraindícios, ou incongruências, que emprestem desarmonia ao processo dedutivo, também deverá ser afastado o funcionamento da presunção natural. A ilação retirada da presunção natural, se bem que não se exija absoluta certeza da sua demonstração, também não pode deixar de sustentar uma comprovação para além de toda a dúvida razoável, exigida em processo penal. O funcionamento e a natureza credível, segura, do facto adquirido por prova indireta, obtido por presunção natural, coadjuvada pelas máximas de experiência comum, está no domínio da livre convicção do julgador, fortalecendo, mesmo, este princípio, enquanto orientado para a descoberta da verdade. Porém o facto adquirido terá, aos olhos de um terceiro, de ser compreendido pela lógica intelectual, daqui que haja necessidade de o julgador objetivar e motivar suficientemente todo o processo dedutivo e os vários passos que levaram ao convencimento do facto adquirido, só assim podendo ser alcançada a necessária comprovação de que o facto adquirido está para além de toda a dúvida razoável e, por outro lado, só assim será passível de ser sindicado. 2.1.3.1.6 Percurso dos arguidos de Mossul até à Europa (entre 07/03/2016 e 19/03/2016) (SIC…idem) Ambos alegaram ser refugiados do conflito sírio-iraquiano, ao logo do seu percurso. Armazenada no computador do arguido AA, e ali arquivada com o nome “...” ( Auto de Análise de Prova Digital de fls. 5208 e ss.) foi encontrado um texto cuja tradução da língua inglesa para a língua portuguesa, consta a fls. 5220 e ss. e que alegadamente descreveria o seu trajeto e as motivações da fuga –texto terá sido escrito em 14/05/2016 – auto de análise referido. O arguido na audiência de julgamento disse que não escreveu tal texto, nem sequer o utilizou, análise que faremos em momento posterior. Nenhum dos arguidos negou o trajeto feito de Mossul até á Turquia e os locais por onde passaram. No entanto, ambos referiram ser impossível fazer tal trajeto via Curdistão Iraniano ( cuja língua dominam e zona de onde a mãe de ambos é natural) em virtude de valas e trincheiras abertas naquele espaço geográfico. É um facto que resulta de notícias da época que existiam valas ou trincheiras nesta zona do território. Mas podemos igualmente ver nas notícias á data que muitos refugiados ( fugidos dos Estado Islâmico) obtiveram ajuda humanitária, inclusive por via aérea quando tentavam ir inclusive a pé, pela zona mais montanhosa. O percurso seguido pelos arguidos – mais longo, via Raqqa - era precisamente o percurso mais fácil para quem tivesse ligações ao Daesh e onde não seriam controlados. Segundo a versão dos próprios arguidos, saíram de Mossul (Iraque) em 07/03/2016, com a ajuda de facilitadores e, percorridos vários quilómetros ainda em solo iraquiano, entraram na Síria, e chegaram à cidade de Al Raqqa (então ocupada e proclamada capital do grupo terrorista Estado islâmico). Daqui, seguiram viagem por Alepo até atingirem a província de Idlib, por onde viriam a atravessar a fronteira para a Turquia. A propósito deste trajeto importa considerar o depoimento da testemunha MM que, do prof RRR, do Inspector RR e do Inspector SS que confirmaram que, em março de 2016, a rota com estadia em Al Raqqa e com saída em Mossul até Alepo e Idlib, controladas por milícias insurgentes de matriz jihadista, com destaque para a organização terrorista ... (então ...) conhecida por ser o braço armado da Al Qaeda na Síria, era a rota mais perigosa, mais longa, totalmente dominada pelo EI e era considerada a rota dos Emires dos Estado Islâmico, pois totalmente controlada por esta organização terrorista. – cf. Imagem nº 24 do Relatório Final da PJ com mapa das zonas controladas pelo EI – a fls. 6089 extraída de .... Retomando o texto que foi encontrado no computador do arguido AA referente ao percurso da viagem e aos motivos da fuga. Pese embora o arguido tenha referido que se tratava de um texto escrito por outrem e que tomara que o seu inglês fosse tão bom, o certo é que descreve dois irmãos que fugiram do Iraque porque os queriam obrigar a ser do Daesh e estes recusaram. Ora se existe ponto comum a todas as testemunhas que depuseram foi precisamente o de referirem que ninguém estava obrigado a aderir ao Daesh, mas apenas a cumprirem os seus comandos ( indumentária, não fumar, não beber obedecer ao chamamento para a oração etc). A entrevista do AA decorreu em data posterior ao escrito, a 28/07/2016 (cfr. fls. 10 do Sub-Apenso G-1) e a do BB no dia seguinte, em 29/07/2016 (cfr. fls. 4 e ss do Sub- Apenso G-2). A leitura atenta destes dois apensos atesta bem as incongruências dos arguidos durante a sua estadia na Europa. Sendo irmãos e tendo feito exatamente a mesma viagem na companhia um do outro, o arguido AA viaja dentro de um caixão o arguido BB de carro. São dispares quendo se referem aos membros da família e número de irmãos e só em solo português, após lhe ter sido recusada a proteção internacional o arguido BB refere ter tido uma mulher e uma filha, vítimas de uma ataque bombista ocorrido em 2010 no Iraque, nunca tendo junto qualquer documento que, no mínimo, atestasse que teve uma filha. BB, quando questionado pelas autoridades ... sobre as razões pelas quais não desejava regressar ao seu país de origem retorquiu: “Eu fiquei com problemas psicológicos após o ISIS ter capturado a minha cidade. Experienciei viver sob o seu domínio por um ano e oito meses [de junho/2014 a março/2016]. Eu estava a fugir do ISIS e é minha esperança que eles me encontrem. É melhor para mim estar no meu país, pois aqui na Grécia agora estou a viver nas ruas.” À mesma questão, na Grécia, AA respondeu que vinha de Mossul e o Daesh estava lá, motivo pelo qual não poderia voltar. Perante as autoridades portuguesas (cfr. fls. 41 do Sub-Apenso G-1) admitiu recear perseguição não só por parte do ISIS [em virtude da desistência/abandono?], mas também das forças governamentais atuais o que é incompatível e incongruente nos seus próprios termos. Em primeiro interrogatório judicial de arguido detido[2], em setembro de 2021, AA disse que, afinal, fizeram a viagem dentro de um camião, escondidos por entre sacos de arroz. Sobre o percurso no interior da Turquia (que foi feito de autocarro – cfr. fls. 4269 – vol. 15), AA disse, nesta parte, a verdade. BB disse que foi feita de carro. AA e BB tinham até família na cidade de Duhok, a Norte de Mossul, que dista apenas 75km da fronteira com a Turquia. E, como admitiram[3], até se expressam em curmânji, dialeto mais comumente falado no Curdistão Iraquiano. Assim e caso pretendessem fugir do Daesh poderiam ter assumido uma rota de fuga muito mais curta, e porventura mais segura, para os territórios vizinhos do Curdistão iraquiano controlado pelas forças Peshmerga que combatiam na região a Organização Terrorista Estado Islâmico, e que mais tarde viriam a contribuir decisivamente para a libertação de Mossul e da província de Nínive, conforme resulta dos depoimentos testemunhais dos inspetores SS e RR, deixando-se uma nota referente ao rigor com que ambos depuseram e os conhecimentos especializados que detêm, sem fugir a qualquer questão colocada pela defesa e muitas vezes pelos próprios arguidos ( relembre-se o episódio e a sessão em que o arguido BB pede para perguntar ao Inspetor SS sobre a Igreja AI Tahira, sita no centro histórico de Mossul ao que este respondeu prontamente com as coordenadas ao seu dispor). RR ( Inspetor) retrata, ainda, porquanto teve intervenção nas vigilâncias dos arguidos todo um cuidado que ambos tinham na forma como se expunham e como controlavam se alguém os estava a seguir ou a controlar. Reporta, muitas vezes, nessas vigilâncias um certo isolamento do arguido BB em Portugal e a infinidade de mudança de cartões nos telemóveis que usava: (cfr Auto de Diligência Externa de 03/09/2018 Auto de Diligência Externa de 04/09/2018 - Fls. 518 – VOL. 2 Auto de Diligência Externa de 05/09/2018 Fls. 519 e 520 – VOL. 2 Auto de Diligência Externa de 05/09/2018 Fls. 521 – VOL. 2 Auto de Diligência Externa de 06/09/2018 Fls. 522 – VOL. 2 Auto de Diligência Externa de 13/09/2018 Fls. 523 – VOL. 2 Auto de Diligência Externa de 20/09/2018 Fls. 524 – VOL. 2 Auto de Diligência Externa de 28/09/2018 Fls. 526 e 527 – VOL. 2 Auto de Diligência Externa de 02/10/2018 Fls. 567 – VOL. 2 Auto de Diligência Externa de 03/10/2018 Fls. 568 – VOL. 2 Auto de Diligência Externa de 18/10/2018 Fls. 569 – VOL. 2 Auto de Diligência Externa de 18/10/2018 Fls. 570 – VOL. 2 Auto de Diligência Externa de 18/10/2018 Fls. 571 – VOL. 2 Auto de Diligência Externa de 24/10/2018 Fls. 599 a 600 – VOL. 3 Auto de Diligência Externa de 04/12/2018 Fls. 713 – VOL. 3 Auto de Diligência Externa de 03/12/2018 Fls. 714 – VOL. 3 Auto de Diligência Externa de 10/12/2018 Fls. 732 – VOL. 3 Auto de Diligência Externa de 11/12/2018 Fls. 733 e 734 – VOL. 3 Auto de Diligência Externa de 12/12/2018 e respetiva reportagem fotográfica Fls. 740 a 745 – VOL. 3 Auto de Diligência Externa de 15/01/2019 Fls. 776 e 777 – VOL. 3 Auto de Diligência Externa de 24/01/2019 Fls. 794 e 796 – VOL. 3 Auto de Diligência Externa de 06/11/2018 e respetiva reportagem fotográfica Fls. 846 a 852 – VOL. 3 Auto de Diligência Externa de 07/11/2018 e respetiva reportagem fotográfica Fls. 855 a 859 – VOL. 3 Auto de Diligência Externa de 08/11/2018 Fls. 860 a 861 – VOL. 3 Auto de Diligência Externa de 13/11/2018 Fls. 863 – VOL. 3 Auto de Diligência Externa de 14/11/2018 Fls. 864 a 865 – VOL. 3 Auto de Diligência Externa de 16/11/2018 Fls. 866 a 867 – VOL. 3 Auto de Diligência Externa de 20/11/2018 Fls. 868 – VOL. 3 Auto de Diligência Externa de 09/01/2019 Fls. 870 a 873 – VOL. 3 Auto de Diligência Externa de 08/02/2019 Fls. 894 e 895 – VOL. 3 Auto de Diligência Externa de 08/02/2019 e respetiva reportagem fotográfica Fls. 913 a 917 – VOL. 4 Auto de Diligência Externa de 26/02/2019 Fls. 918 – VOL. 3 Auto de Diligência Externa de 28/02/2019 e respetiva reportagem fotográfica Fls. 919 a 921 – VOL. 4 Auto de Diligência Externa de 26/03/2019 Fls. 963 – VOL. 4 Auto de Diligência Externa de 04/04/2019 Fls. 996 – VOL. 4 Auto de Diligência Externa de 05/04/2019 Fls. 997 – VOL. 4 Auto de Diligência Externa de 08/04/2019 Fls. 998 a 999 – VOL. 4 Auto de Diligência Externa de 12/04/2019 Fls. 1000 – VOL. 4 Auto de Diligência Externa de 16/04/2019 Fls. 1004 a 1015 – VOL. 4 Auto de Diligência Externa de 07/05/2019 Fls. 1054 a 1055 – VOL. 4 Auto de Diligência Externa de 16/08/2019 Fls. 1258 – VOL. 5 Auto de Diligência Externa de 06/09/2019 Fls. 1288 – VOL. 5 Auto de Diligência Externa de 25/07/2019 e respetiva reportagem fotográfica Fls. 1310 a 1315 – VOL. 5 Auto de Diligência Externa de 30/07/2019 e respetiva reportagem fotográfica Fls. 1316 a 1319 – VOL. 5 Auto de Diligência Externa de 30/09/2019 e respetiva reportagem fotográfica Fls. 1358 e 1359 – VOL. 5 Auto de Diligência Externa de 07/10/2019 Fls. 1372 e 1373 – VOL. 5 Auto de Diligência Externa de 30/10/2019 Fls. 1424 – VOL. 5 Auto de Diligência Externa de 14/04/2020 Fls. 1700 – VOL. 6 Auto de Diligência Externa de 14/10/2020 Fls. 1965 a 1966 – VOL. 7 Auto de Diligência Externa de 09/12/2020 Fls. 2060 a 2062 – VOL. 7 Auto de Diligência Externa de 17/12/2020 Fls. 2077 – VOL. 7 Auto de Diligência Externa de 28/12/2020 Fls. 2095 – VOL. 7 FFFFF (Inspetor da Policia Judiciária na mesma área) que relatou que a investigação passou por uma monotorização 24 h/ 7 dias por semana, interceções telefónicas, vigilâncias, e outros meios de prova – com isto recolheram-se um conjunto de indicadores que corroboraram as suspeitas – os arguidos têm formas de atuar (sempre a olhar para todo o lado e alertada com a sua envolvência), mudança de fisionomia – conforme o “manual de mujadim” – ao longo da investigação os arguidos, designadamente arguido BB foram mudando o seu aspeto físico (corte de barba por ex), com vista a passarem despercebidos e a conseguirem a documentação em Portugal – na senda da chamada Taqiyya – O ato de bem enganar, neste sentido, é até descrito como uma virtude. (Dissimulação no Islão) como decorre da explicação de RRR, prof universitário, 42, Direito Universidade ... Investigador de violência politica, fenómeno do terrorismo de matriz jhadista, há cerca de 20 anos que igualmente aludiu ao livro “guia do guerreiro” – fonte primária que prova que não é necessária uma cadeia de comando para que os membros do Daesh actuem como uma Jihad – entendida enquanto guerra contra os invasores ocidentais e os infiéis em geral - global e que ensina estes membros a sobreviverem no ocidente (fumando, mudando o seu aspecto por ex) – visto como uma estratégia de sobrevivência permitida. A este propósito também se pronunciou o Inspetor SS que com recurso ao seu relatório do qual constam estudos que fez, consegue relacionar o manual do Guerreiro Jihadista, com as apuradas mudanças de fisionomia dos arguidos. Com efeito e como foi explicado, o referido manual do Guerreiro recomenda, entre o mais, o seguinte: “Se tu nasceste muçulmano: então não deixes muito óbvio que te tornaste um praticante Muçulmano. Por exemplo: se não deixaste crescer a barba, não deixes crescer agora, porque atrairás atenção indesejada para ti mesmo. (…) podem simplesmente deixar crescer uma pêra básica para cumprir a obrigação, enquanto outras pessoas pensam que estão a deixar crescer uma barba estilosa. Lembra-te de que alguns estudiosos dizem que a barba (em árabe: Lihya) é o cabelo nas linhas da mandíbula e do queixo.” Esses estudiosos, portanto, não consideram os pelos nas bochechas e no pescoço como barba e, portanto, podem ser removidos.” O arguido BB ao longo do tempo foi alterando o seu aspeto – Figura 25 a fls. 6103 – Relatório da PJ comentado em audiência de julgamento pelo inspetor SS que referiu estas alterações tendo junto esta sequência de fotografias tiradas ao longo de tempo [Imagem] Em audiência de julgamento não revelou que se tratava de uma alteração propositada, mas antes sem qualquer objetivo. Por outro lado, precisamente coincidente com o período do Daesh não constam quaisquer fotografias no seu telemóvel. O mesmo sucede relativamente ao currículo do arguido BB. – Diminuição do número de fotografias no ano de 2014 no telemóvel de BB, por comparação às 20 fotografias do ano de 2013, em Mossul e 78 com data anterior a 2014 – Auto de análise de Prova Digital de fls. 4264 a 4266 e declarações do Inspetor SS. Currículo do arguido BB, no mesmo período, entre 6/2014 e 04/2016 - Auto de análise de Prova Digital de fls. 4266 e declarações do Inspector SS. Fotografias do percurso (Turquia e Grécia) – Auto de análise de prova digital, fls. 4268 a 4272, Imagens 11, 12, 13, 14 e declarações do Inspector SS. Fotografia no telemóvel do arguido BB, igual à publicada no facebook da Brigada « Os Livres de Nínive», invertida na horizontal e fotografia apagada do telemóvel do arguido igual à publicada naquela página de Facebook - Auto de análise de prova digital, fls. 4272, Imagens 15, 16 e 17 e declarações do Inspector SS Consulta regular do período de oração islâmica, demonstrando prática assídua do arguido BB, ao contrário do período anterior a 2014, antes do Califado, conforme assumido pelo arguido BB - Auto de análise de prova digital, fls. 4276 a 4275 e Imagens 21 a 26, tradução a fls. 5193, e declarações do Inspetor SS. Com efeito, ao longo do seu percurso os arguidos apresentam várias versões não coincidentes. Ora, o verdadeiro refugiado não tem necessidade de manter tantas versões alternativas para obter o seu estatuto. O comportamento em solo português, mais especificamente do arguido BB. A testemunha RR referiu que das vigilâncias que efetuou resultava sempre um comportamento dos arguidos cauteloso das suas deslocações, movimentações e posicionamento, dando exemplos como detendo-se sobre montras cujos objetos observados em pouco se relacionavam com os interesses dos arguidos, apenas como forma de servirem de espelho para verificarem se alguém os seguia. Por outro lado e sem o referirem ás autoridades, ambos os arguidos viajaram para outros países da Europa – o arguido BB para ..., o arguido AA para ... e ..., o que não se afigura consentâneo com o comportamento típico de um refugiado, tendo inclusive o arguido AA respondido em primeiro interrogatório judicial que se deslocou em férias. Em 14/09/2016, o SEF recebeu um pedido de recolocação dos arguidos para Portugal, enviado pela Unidade de Asilo ... – cfr. fls. 3 do Sub-Apenso G-1 e fls. 3 do Sub- Apenso G-2. Por despacho de 03/11/2016, a Diretora Nacional do SEF aceitou a recolocação dos arguidos, em Portugal – cfr. fls. 19 do Sub-Apenso G-1 e fls. 19 do Sub-Apenso G-2. Chegaram a Portugal em 29/03/2017, provenientes da Grécia, no âmbito do Programa de Recolocação de Refugiados e na qualidade de requerentes de pedido de Proteção Internacional, fruindo do estatuto jurídico definido pela Lei de Asilo (Lei n° 27/2008, de 30 de junho, alterada pela Lei n° 26/2014, de 5 de maio). Na mesma data, os arguidos apresentaram um pedido de proteção internacional junto do SEF – cfr. fls. 30 do Sub-Apenso G-1 e fls. 39 do Sub-Apenso G-2. Neste enquadramento, no dia seguinte, em 30/03/2017, a Diretora Nacional do SEF proferiu decisão e foram-lhes concedidas Autorizações de Residência Provisórias – cfr. fls. 31 do Sub-Apenso G-1 e fls. 40 do Sub-Apenso G-2. Chegados a Portugal o arguido AA integrou-se, aprendeu português e aqui trabalhou e não levantava questões ou problemas. Quanto ao arguido BB o seu comportamento foi diferente. Foram os seguintes os depoimentos ouvidos em audiência de julgamento e referentes ao seu comportamento: GGGGG Técnica superior do Município .... Teve contacto com ambos os arguidos no âmbito de apoio aos refugiados. Conheceu-os em 2017. O Município ... acolheu várias famílias de refugiados, entre os irmãos arguidos. Eles ficaram a residir em ... e faziam um apoio diário (ao SEF, consultas médicas, etc…). Era uma casa arrendada pela Câmara (renda talvez paga pelos Conselho Português dos Refugiados). Teve contatos com eles durante 18 meses. Durante todo o processo de integração o BB era de muito difícil trato. Ele banalizava o trabalho pelo facto de serem mulheres e até perguntava se não tinham medo… um dia num percurso de carro disse: “quando era pequeno gostava de desmanchar carros para ver como eram… agora gostava mesmo de desmanchar uma mulher para ver como ela era por dentro”. Eles percebiam muito bem o Português. Embora comunicassem em inglês. Havia uma mistura das duas ínguas. Nem os outros refugiados gostavam de estar com o BB. Mas não sabe porquê, nem nunca perguntou… Ele nunca queria tirar fotografias de grupo. Ele recusava sempre. Mas nunca disse porquê. O AA era uma pessoa muito cooperante e com atitude positiva. Tentava desculpar o irmão e até pedia desculpa pelas atitudes do BB. Ele integrou-se muito bem, arranjou trabalho por ele próprio. O BB até se recusou a sair de casa para um programa da Câmara que lhe dava 150,00€ por trabalhar 3 horas diárias. Ele sozinho era falador, conversa normal. O BB tem uma ascendia sobre o irmão (mas não concretizou factualmente...). Contaram que tinham posses e que eram sobrinhos do Saddam Hussein. O BB não queria sair da casa no final dos 18 meses em que terminava o programa (ele não queria entregar a casa). O AA já tinha para onde ir… o irmão recusou-se. Porque e não se integrava e nada! Mas teve 18 meses, como todos os outros, para arranjar uma alternativa e sítio para onde ir. Nesse dia, tornou-se “mais agressivo”. Ele queria ir para a ... para escolher o sítio. Tinham arranjado uma pensão … Mas ele só queria ir para o .... Tinha de ser retirado o mobiliário e ele não deixou. Os móveis eram da CM... e do CPR. Ele queria impedir, resistindo. Sentiu-se revoltava quando soube que o arguido BB filmou essa situação sem ninguém saber… mas não fez nada porque não quis mais contactos com os arguidos. Nunca mais esteve com eles sendo que o seu depoimento foi credível e confirmado por outras pessoas que estiveram presentes no momento em que o arguido BB se recusava a sair e a entregar os móveis. HHHHH, Trabalha no Centro Português de refugiados sendo Antropóloga de formação. Colabora. igualmente com os municípios. Iam sempre ao aeroporto com os colegas receber as pessoas. Mas desta vez não foi. Foi apenas a casa dos arguidos a ... em Abril de 2017. Foi assinar com eles o contrato de acolhimento (direitos e deveres dos refugiados e do CPR). Durante 18 meses o CPR pagava apoio pecuniário, aulas e renda. Teve também algumas reuniões, que ambos pediam (havia colegas no terreno que reportavam que eles que gastavam muita electricidade, por exemplo, e eles pediam uma reunião..). Também teve contacto quando eles tiveram de sair da casa e recebia muitos telefonemas sobretudo do BB. O AA já tinha quarto arrendado… o BB não. Alugaram um quarto para o BB na ... e ele passou a fazer queixas diárias e a senhora dona da casa também! Ele fazia tudo ao contrário do que a senhora dizia (incluindo fumar no quarto). A senhora não se sentia bem com ele. Havia telefonemas diários com queixas. Ele fazia chantagem: Ele queria mudar novamente de sítio e que o CPR lhe pagasse um quarto com melhores condições, e ameaçava que iria à PSP fazer queixa… O BB controlava a conversa toda. Queixava-se de tudo, mesmo quando o AA tentava aligeirar a situação. Até marcaram dentista no privado (porque ele estava sempre a queixar-se). Ele tinha também um problema de pele e teve o acompanhamento necessário. O AA era uma pessoa conciliatória. O programa deles terminava no final de Setembro de 2018. Foi a testemunha e a IIIII e uma Senhoras de ..., chegaram de manhã (eles estavam ambos e casa), e explicaram que o programa estava no fim. O AA disse logo que tinha um quarto arrendado para ele. O BB começou logo a arranjar problemas quando lhe propuseram que ele fosse para ... para junto de outros refugiados. Estiveram sete horas com eles. O que ele queria era ir para o ... .... As entidades de acolhimento tentaram que eles fossem autónomos no final do programa. Ele criticava o CPR. Tinham de retirar os móveis para entregar a casa ao proprietário e nesse momento, quando chegaram os colegas para isso entre eles o Sr. JJJJJ, e o BB foi agressivo porque meteu a mão em cima da mesa e disse que os móveis eram dele. O Sr. JJJJJ afastou-se e depois foi muito autoritário com o refugiado curdo que também estava a ajudar. O irmão AA diz: “está um bocado cansada não está?”. A testemunha disse para ele ajudar para o irmão acatar e ele responde: “mas eu não posso, porque ele é o irmão mais velho e ele é que manda”. Em outubro de 2019 soube que ele (BB) já estava a trabalhar, mas não comunicou ao gabinete para não perder o subsídio. Ele dizia sempre que não estava a trabalhar! Mas continuava a beneficiar do apoio… Estranhou a forma muito autoritária com que o BB tratou o refugiado curdo. Não se apercebeu de haver qualquer filmagem nessa ocasião do transporte de bens para fora da casa. Foi-lhe proposto apoio psicológico durante 3 vezes, mas ele recusou sempre… Ele fazia muitas exigências: normalmente ele queria tudo novo (ex: roupas, cobertores). Para alimentação havia apoio da CM... e também recebiam alimentos do Banco Alimentar. O BB desistiu das aulas de português mas fez um curso de hotelaria de turismo que daria acesso a poder trabalhar num restaurante. Ele foi à entrevista para um estágio num restaurante. Foi credível na medida em que esteve presente com outras testemunhas que presenciaram a resistência do BB em sair da casa e deixar retirar os móveis e tinha como funções precisamente o acompanhamento dos refugiados. KKKKK. Só viu os arguidos uma vez. Trabalhava por turnos no centro português de refugiados e foi fazer o serviço de ir ao apartamento onde estavam os arguidos para os colocar em .... Quando chegou já lá estavam as assistentes. Um deles estava renitente em sair (descreveu-o como sendo mais baixo que o irmão), mas não percebe inglês e não sabe o que este dizia. A testemunha sentia que ele estava exaltado. As horas foram correndo até se conciliarem as coisas. Em relação à testemunha, em momento algum, houve qualquer tipo de agressão. O mais baixo era mais irrequieto, o outro era mais calmo. Não se recorda de mais. Nunca deu autorização para ser filmado. Os colegas queriam trazer os móveis para baixo e o arguido mais baixo impedia que eles o fizessem. Corroboram esta prova os ficheiros audiovisuais no telemóvel do arguido BB, correspondendo a quatro gravações efetuadas pelo arguido sem autorização dos filmados, aquando da entrega da mobília - - Auto de análise de prova digital, fls. 4273 a 4275 e Imagens 18, 19 e 20, Imagens 15, 16 e declarações do Inspector SS Sessão 60, alvo ...40 - «Hei-de ir ao CPR e vou destruir todo o gabinete!», Apenso A, fls. 5. Inspetora Coordenadora do SEF, coordenado de asilo e refugiados. Não contactou diretamente com os arguidos. Explicou que os agendamentos são feitos através do centro de contacto do SEF (para autorização de residência), a licença provisória, renovada a cada 6 meses, até que haja decisão. Em situações excecionais, pode ser feito o atendimento sem marcação. Questionada sobre NNNN referiu que era funcionária administrativa, trabalhava no atendimento e na parte administrativa. Não é suposto os utentes contactarem diretamente esta senhora – referindo-se a NNNN - nem qualquer outra, ou o instrutor do processo para obtenção de autorização de residência. A testemunha foi confrontada com documentos de fls. 3550 e 3551 (Vol. XII) - Três agendamentos do arguido BB. Quanto à data de 2 de Março de 2021, vê uma autorização de residência provisória, cujo registo foi feito por NNNN (ainda não havia decisão do STA, pelo que era correto ela fazer a renovação da autorização). Ou seja, a renovação foi feita sem ser precedida de agendamento do arguido – A testemunha confirma que não é o procedimento habitual. Embora o ato não seja incorreto, a sua prática implicava um agendamento. O recibo, porém, não consta do processo. Exibição de fls. 62 do Apenso E (recibo de comprovativo do pedido que foi encontrado em casa do arguido). Data de 2 de março, dela consta o nome de NNNN. Foi-lhe dada informação na PJ, mas desconhecia que tenha sido entregue um documento ou uma renovação sem atendimento público agendado… Não é procedimento correto nem usual. Esta testemunha limitou-se a descrever o processo de obtenção de residência sem qualquer animosidade até porque não conhece os arguidos. Sobre esta matéria versa ainda a seguinte prova Apreensão no computador de NNNN de 134 páginas digitalizadas do processo de asilo nº 1887/16 de BB, único processo que guardava no seu computador – cf. Auto de análise de prova digital de fls. 5214, Apenso G, fls. 9 Apreensão no computador de NNNN da sentença do TAF ..., com carimbo de entrada no SEF, Auto de análise de prova digital de fls. 5215 a 5216, 8 e 9/11 Apenso G Sobre o episódio ocorrido no SEF com o arguido BB: LLLLL Trabalha no SEF há 19 anos. Conhece ambos os arguidos. Foi no dia 19/3 2019 que ocorreu um incidente com o arguido BB. Foi ao posto de atendimento porque foi pedida a sua intervenção. O BB recusava-se a ir embora apesar dos serviços já terem fechado. Ele dizia que não ia embora se não lhe entregassem o cartão de residência. Ele insistia, insistia… Foi muito categórico, deitado numa cadeira. Ele estava bastante calmo a insultar Portugal. A Testemunha disse que o processo estava a ser analisado e que por isso não havia decisão, tinha de aguardar. Ele disse que se matava e que não ia sozinho, mas disse-o de uma forma muito calma e assustadora. Normalmente as pessoas estão desesperadas … mas ele estava calmo e dizia aquilo com muita seriedade…. Ele disse que voltaria e que os jornalistas teriam de filmar. Levou muito a sério…. Ele falou com muita seriedade… Temeu pela sua vida e pela dos colegas. Passou pela cabeça da testemunha que ele poderia colocar uma bomba, até mais tarde podia voltar… Ele voltou a dizer o mesmo à frente de outros colegas. A testemunha foi chamada pelo superior hierárquico. Tiveram e conversar muito com ele (cerca de uma hora) para ele abandonar o local… Ele queria uma autorização de residência e estava muito zangado. Ele saiu inconformado e disse que “chegou aos seus limites, matava-se e os jornalistas teriam de filmar”. O AA estava sempre a tentar ajudar o irmão… A testemunha foi chamada para explicar ao arguido que naquele momento o processo não estava em fase de pode ser-lhe atribuído cartão de residência. Este episódio ocorreu antes da situação do aeroporto. Ele saiu pelo próprio pé. A superior hierárquica informou naquele dia que havia suspeita de que aquela pessoa havia pertencido ao Estado Islâmico. Por causa disso ainda sentiu mais seriamente a “ameaça” dele. Quando ele saiu inspecionou a sala e debaixo das cadeiras como precaução. A testemunha não acompanhou o processo dali por diante. Mas reportou ao seu superior e sabe que a informação foi veiculada para a cúpula. Não tomou mais medidas de segurança, embora até tivesse medo de usar os carros do SEF. A testemunha foi clara e direta na descrição do que presenciou não mostrando animosidade, mas apenas um receio no momento, tentando com a ajuda de outros acalmar o arguido o que foi conseguido, pois este acabou por se retirar. MMMM, 45, inspetor chefe do SEF, atualmente na Agência Frontex. Não tem presente a data exacta, crê que foi em 2017, ao final do dia, na hora de fecho das instalações do SEF. Foi chamado. Era relativamente frequente episódios de distúrbio e os colegas de atendimento, que não eram da carreira policial pediam ajuda aos inspetores. Foi numa dessas ocasiões que foi chamado porquanto havia um individuo que se recusava a sair. Não presenciou ameaças. Apenas que o individuo se recusava a sair enquanto não tivesse resolvido o seu pedido de asilo. Ele estava na sala de espera, em pé. Não falou com o indivíduo. A testemunha estava mais na retaguarda a observar. Não tem presente quanto tempo este episodio demorou, mas ao fim de alguma insistência dos colegas que falavam com ele, ele acabou por sair. Se o indivíduo disse mais alguma coisa, não se recorda. Recorda-se que o indivíduo não pediu desculpa ao sair, e que terá dito que “se tivesse que voltar, mas não seria da mesma forma”, mas não se recorda das palavras concretas. * PP, jurista, 59 anos ( foi ouvida em dois momentos) Trabalha numa associação de empregadores. Conheceu ambos os arguidos em junho de 2017, num jantar de refugiados. Tem uma relação afetiva com o arguido BB. Nunca viveram juntos. Conheceram-se em junho de 2017 e durante esse ano não voltaram a ter contacto. Este contacto, apenas com o BB foi retomado em 2018- até então existiam contactos espaçados. Esta relação evoluiu em 2019, quando este esteve detido entre maio e junho de 2019. Visitou-o no ...- centro de detenção- e contactou uma jurista de uma associação (...) para apoio jurídico, com vista a ajuda-lo. Pelo que lhe foi dito estava detido por motivos confidenciais ligados a questões de segurança de Estado. Em 2018, o arguido fez um curso de língua portuguesa que era obrigatório. Falava com o arguido em inglês. Quando BB foi detido estava a trabalhar. Tinha o contrato de trabalho que vigorou entre Out de 2018 a Dez de 2019. Recusa de asilo – o arguido ainda estava detido quando conheceu tal decisão e tomou a resolução de impugnar judicialmente a decisão. O arguido via o regresso ao Iraque de forma negativa. Ele demonstrava receio de regressar. Ele também sempre lhe manifestou que se voltasse ao Iraque corria risco de vida. Nessa altura ele soube de um processo desencadeado por queixa de um conterrâneo no Iraque (queixa por pertencer a uma família com ligações ao Daesh), em finais de junho de 2017, a correr em Portugal, o que também lhe causou receio sobre o regresso. O arguido manifestava saudades sobretudo da mãe. Não conheceu mais ninguém da família do arguido para além do irmão AA. Era uma família de 12 irmãos, um estará em ..., uma irmã no Curdistão e alguns desapareceram. Da sua experiência, não era habitual chegarem à Europa famílias inteiras de refugiados. Todos os que conheceu, no âmbito do auxílio que prestava, eram homens sozinhos. Numa reunião na JRS, o BB colocou a hipótese de casamento que foi abandonada. Fizeram um ritual islâmico de casamento, sem qualquer valor legal. O BB parecia-lhe triste, traumatizado, com feridas profundas e idealização suicida. Ele estava em constante stress pela indefinição da sua posição legal em Portugal. Nunca se sentiu insegura na presença do arguido ou temeu pela sua família ou por terceiros. Confrontou o arguido quando viu a queixa e perguntou-lhe se este pertencia ao Estado Islâmico e este sempre negou. No Iraque, ele disse-lhe que tinha uma loja de telemóveis com o irmão. Acha que ele pertencia a uma classe média-alta – percebeu porque viu a casa dele numa fotografia por este exibida. Ele também lhe referiu que trabalhou na área do catering e que cantava. Viu o arguido a consumir álcool, a fumar e nunca o viu a rezar ou a fazer qualquer tipo de prática religiosa. Só o viu a rezar quando ele disse se tinha aproximado da religião muçulmana após ter estado detido. Em 2019/2020 ele cumpriu o ramadão. Nuns dias apos um jantar, no dia em que os conheceu, passou em frente a uma mesquita com os dois irmãos e nenhum se manifestou. Confrontada com o documento de 4306 e seguintes- análise de prova digital. Durante todo o tempo que conheceu o BB, recebeu 4 vídeos, em 4 anos. Sempre falaram muito em temas religiosos por ser um tema que lhes interessava. Têm religiões diferentes. Quando a acusação foi tornada publica em set de 2022 e confirmou que as datas das mensagens que estavam na acusação correspondem à realidade. Só viu os vídeos quando os leu na acusação. Não viu antes por falta de paciência. Eram vídeos de dois estudiosos do Islão/pregadores. Nesses vídeos era explicada a importância de jesus para um muçulmano. Esta testemunha foi de novo ouvida e referiu em complemento, sempre com uma postura muito comprometida, sendo que o seu depoimento não foi sempre idêntico ao longo dos autos ( o que é compreensível, dado manter uma relação amorosa com o arguido BB o que a leva a assumir a sua defesa). Não sabe se as mensagens foram via WhatsApp ou Messenger. Recorda-se vagamente do conteúdo dos vídeos. Houve pelo menos 2 que não visualizou. Sabe que foi enviado num contexto de troca de pontos de vista diferentes sobre as crenças religiosas de cada um. Dos dois vídeos em causa viu após a dedução da acusação e eram de dois teólogos especialistas em religiosidade comparada, segundo procurou na Wikipédia. Foi confrontada com uma mensagem em inglês enviada pela testemunha de 9.07.2019, anterior à decisão de 19.07.2019 – fls. 4321, foi enviada no dia em que foi tornada pública a condenação de dois indivíduos por vários crimes relacionados com terrorismo (financiamento, recrutamento e etc). Pensou que talvez o BB tivesse alguma relação com essas pessoas. Foi uma hipótese remota que lhe surgiu na cabeça para explicar o que estava a acontecer ao BB em Portugal. Colocou-o à prova de diversas formas, por exemplo guardou o artigo da condenação e confrontou-o. A sua reação foi de negação perentória. Nunca lhe perguntou por exemplo sobre a sua família, ou porque saiu do Iraque. Volume 11, pág. 9287 e seguintes – o BB não lhe falou da morte violenta de uma mulher com quem teve um relacionamento, leu no processo administrativo e depois falaram sobre isso. Lembra-se que ele falou sim de uma relação com uma jovem e não mais. Em 2021, o arguido mostrou-lhe a fotografia da mulher, o que a desagradou porque já tinham uma relação. Não tem conhecimento da vida do BB senão de acordo com o que ele lhe disse e o que está escrito. Com o próprio pouco ou nada falaram. Ele disse-lhe que trabalhava em catering para eventos com grupos, tinha conhecimentos de cozinha. Ele também lhe falou de trabalhos de jornalismo e num concurso tipo “Ídolos”. Teve acesso a um ou dois currículos do BB – nada lhe despertou a atenção. Recorda-se de ter perguntado ao BB se algum irmão pertencia ao EI, e ele disse que tinha um irmão de nome “CC”, mas que não era do EI. Também falaram do 4.º irmão, o mais velho, e recorda-se de ele ter dito que a família gastou milhares a tentar localizar o paradeiro desse irmão. Uma vez ouviu o arguido cantar para si, numa situação íntima. Depois de 2019 o BB deixou de beber álcool, mas antes bebeu álcool em contexto de aniversários e num jantar à frente de toda a sua família. Em 2019 ele começou a rezar, cortou o álcool, a cumprir o Ramadão e ia à Mesquita episodicamente (mas nunca o acompanhou). Era um muçulmano moderado tanto que namorava com uma cristã. Antes de ter enviado a mensagem de que esperava para ter relações há 3 anos, já tinha acontecido em 13.10.2018. Em 29.12.2020, tiveram um casamento simbólico e assumiram publicamente a relação que já existia. Referindo-se a QQ – amiga da testemunha há muitos anos. Falou-lhe do caso do BB e pediu ajuda para conseguir o estatuto de refugiado. Esta amiga fez contactos no sentido de conseguir defesa judicial ao BB. A NNNN trabalhava no SEF, participou num encontro entre esta e o arguido para entrega de um documento. Foi um encontro na rua, uma vez que o BB tinha receio de voltar a ser preso se entrasse nas instalações do SEF. A NNNN atendeu-o em agosto de 2020. Apenso A, fls. 33 – confrontada, admite a conversa. O BB estava em crescente stress quando via o tempo a passar, as renovações a expirar e o risco de ser expulso – conversas de 18.03.2021 entre si e a NNNN. Contactos com jornalista do jornal ... – quem conhecia a jornalista era a sua amiga QQ. A testemunha enviou mensagens à jornalista. O objetivo era divulgar a situação do BB através de uma entrevista. Não sabe qual razão de o arguido não querer avançar com a entrevista. Para si foi uma surpresa o arguido estar em casa da QQ (soube pela própria). Nessa altura estava de relações cortadas com o arguido há 15 dias, logo não soube de nada nessa altura. No dia 16.08 discutiram no ... e ele voltou para ... no dia a seguir. A testemunha esteve privada do telemóvel, que esqueceu numa casa sua, e só num sábado soube do BB por um telefonema da QQ. Depois o arguido ligou-lhe e ela atendeu e perguntou onde o arguido estava e ele não respondeu. No dia a seguir recebeu, pelas 6h da manhã, telefonema a dizer que a polícia estava a porta. O BB tinha um número de telemóvel regular, habitual e outros cartões que ele ia utilizando noutros aparelhos. Deve ter gravado mais do que um número de telemóvel do arguido. Ele dizia que mudava de número por razões de segurança porque tinha a noção de que estava a ser vigiado. AA apercebeu-se de festas em casa, música e algum haxixe. Viu-o a trabalhar no EMP04.... Também enviava mensagens ao arguido sobre a religião católica, nomeadamente uma menção bíblica. Conheceu os arguidos em junho de 2017. Ele tinha amigos. Nunca se apercebeu de qualquer comportamento radical ou extremista por parte deste. Na Grécia o BB disse-lhe que trabalhou em traduções. Chegou a visitar a casa do BB e viu-o a rezar, o Corão, o tapete, tal como todos os muçulmanos. Nunca viu outros sinais de terrorismo. O tabaco ele nunca deixou. Ele dizia que jejuava no ramadão, mas nunca viu. O BB tem uma conta no linkedin ainda ativa. A testemunha QQ: ( 55 anos, Técnica de relações internacionais). Conhece o BB. Uma amiga (PP) falou-lhe nele, ela estava fora do país e ele estaria a viver numa praia e pediu ajuda à testemunha. A amiga tinha-o conhecido no âmbito do voluntariado. Conheceu o BB em Agosto de 2019. A testemunha tomou um café com o BB. Ele estava desempregado e sem meios de subsistência. Soube que ele tinha um irmão mas não o conheceu. A PP também tentou ajudar a encontrar um advogado. Levou o BB uma ou duas vezes ao gabinete de apoio aos refugiados nos Jesuítas. Esteve com ele em 2 reuniões. A testemunha não percebia porque lhe era negada a autorização de residência. A amiga (PP) disse que havia uma questão de segurança e de ordem pública, mas não sabiam nada em concreto. Afinal, acaba por admitir que ele tinha medo de regressar porque no Iraque há pena de morte. Ele disse que se sentia inseguro e que temia pela sua vida. Ele disse que tinha sido cantor, jornalista e músico e que tinha sido perseguido. Ele também tinha tido uma relação socialmente ilícita com uma mulher (mas ele não mostrou o vídeo). Ele também relatou que a mulher e uma filha bebé tinham sido assassinadas na sua presença. A testemunha acreditou nos factos relatados pelo arguido. Acreditou também na amiga, que conheceu há muitos anos ( testemunha PP). Resumindo: tentou arranjar alojamento e apoio jurídico. Apresentou a PP à NNNN que era funcionária do SEF, porque ele tinha pavor de ir ao SEF (tinha medo de ser deportado). Diz que não sabia do tipo de relação de namoro que a PP tinha com o BB. Soube disso um ou dois dias antes da detenção. A PP disse que era preciso ir ao SEF acompanhar o BB mas a testemunha não podia…. Então falaram com a NNNN, que o iria receber. A NNNN disse que queria apenas ajudar o arguido e disse que já tinha falado com ele e que até o poderia receber fora do agendamento. Diz que o levou a um escritório de direitos humanos (sem conseguir identificar) que é o melhor de direitos humanos e acharam que poderiam intentar um acção no TEDH. Fizeram-no pro bono e acreditaram na causa do BB. Quando foram ao serviço jesuíta, disseram que iriam fazer várias diligências junto de serviços oficiais. Falou com uma jornalista do Público, PP, para denunciar uma violação de direitos e garantias. (Confrontada, não consegue explicar as razões pelas quais diligenciou tanto a favor do arguido nem quais os direitos humanos que estavam em causa). Perguntou a uma amiga (advogada) se o BB podia ser deportado e ela disse que sim, então a testemunha acolheu o BB na sua casa para evitar uma deportação. Ele esteve uma noite em casa da testemunha. A testemunha diz que nessa noite não esteve. Falou com o arguido pelo telemóvel dele (que ele mudou). Ele mudou de número porque achava o seu telemóvel estava sob escuta. A testemunha não compreendia qual era o problema com o arguido (diz até que ele não tinha sido acusado de nenhum crime). Foi o ex-marido da testemunha que levou o arguido à residência da testemunha. Trabalha em várias ONGs. Sempre trabalhou muito em direitos humanos, refugiados e sem-abrigo. O BB não se sentia bem tratado em Portugal e o nosso país não correspondeu às suas expectativas. O BB queixou-se da forma como o depoimento dele foi prestado, porque teve uma tradutora que o desmentia. O direito de expressão livre foi-lhe negado em Portugal. Também não se percebia porque é que o processo do irmão seguia sem entraves e o dele estava sempre a paralizar Ele teve vários trabalhos mas não sabe quem o contratou. Em 2021 ele achava que se fosse deportado para o Iraque lhe seria aplicada a pena de morte, ele achava que poderia ser executado e que é um país inseguro. Não sabe a rota por que eles passaram para chegar à Turquia/ Grécia. Sobre o depoimento de PP cfr. Imagem 6 e 7 do Auto de Análise de Prova Digital de fls. 5226 que corresponde a um email datado de 09.12.20 de PP para BB, com envio de Acórdão do TAF ..., em que são mencionadas as ligações do arguido ao Estado Islâmico e a elaboração do Relatório sobre o SIS. Várias conversas entre PP, QQ e BB Referências a NNNN. Ajuda de QQ. - Auto de análise de prova digital, fls. 4298 a 4307. « a QQ vai-te contactar» « Segue a sugestão da QQ» - « será muito importante que tu consigas provas que estás em perigo no Iraque caso tenhas de regressar. Eles assumem que tu não apresentaste prova disso » - fls. 4301 e «Se tu quiseres eu posso contactar a NNNN durante esta semana» «Mas como é que o cartão vais estar pronto se eu não requeri nada? Aparentemente requereu ela» «Ela contacta-nos mal esteja pronto» Sessões telefónicas nº 977 e 1548, a fls. 33 e ss e 43 e ss Apenso A e RDE de fls. 2387. Vídeo enviado por BB a PP de OOOO – Auto de análise de prova digital, fls. 4306, 4307. – declarações de Inspetor SS e PP OOOO surge a pregar o islamismo, apelando a que PP assista atentamente aos mesmos. OOOO é um pregador islâmico que vem sendo acusado de influenciar os perpetradores do ataque terrorista de Dhaka, em julho de 2016, no Bangladesh. OOOO segue uma linha conservadora do islamismo wahhabi, referiu-se aos ataques de 11 de setembro de 2001 como um “trabalho interno” e afirmou que a apostasia é traição. Em outubro de 2017, a agência de contraterrorismo da ... acusou-o mesmo de insultar várias religiões e de recrutamento para o ISIS. Está proibido de entrar no ... e no .... Trata-se de uma expressão da Dawa assumida pelo arguido. Nas suas declarações BB não mostrou qualquer reflexão crítica sobre o grau de radicalismo dos vídeos. ... Vídeo enviado por BB a PP de PPPP – Auto de análise de prova digital, fls. 4308, 4309. – Declarações de Inspetor SS e PP OOOO tornou-se pregador islâmico precisamente depois de ser influenciado por PPPP, um pregador nascido na ... que mais tarde se estabeleceu na .... PPPP é conhecido pelas suas ligações terroristas e conheceu pessoalmente o terrorista Osama bin Laden. Agora morto, foi em vida um assumido antissemita e defensor ardente de Osama bin Laden. Em Durban, fundou o Centro Internacional de Propagação Islâmica, que foi financiado durante muito tempo pela família Bin Laden na Arábia Saudita. Fontes abertas: ...; ...; ...- ; Ambos são oradores que influenciaram a ideologia radical da organização terrorista AL-QAEDA, de onde viria a nascer a organização terrorista Estado Islâmico, dissidente daquela, da qual BB e AA fizeram parte no período de ocupação de Mossul, entre 2014 e 2016. Não obstante o aparente afastamento da religião por parte de BB desde que deixou a organização terrorista Daesh, como relatou PP (bebia álcool inicialmente) e, independentemente, de ser um afastamento disfarçado (taqiyya) ou real, o envio destes vídeos acaba por manifestar conhecimento teológico da parte de do arguido BB, que pretende convencer PP acerca da sua visão religiosa – dawa. Troca, entre BB e PP, de mensagens bíblicas referência ao Novo Testamento, João, Capítulo 16, versículos 11-14, dizendo «que aquele que há-de vir«, ali mencionado, é o profeta Maomé e « quanto a mim, já te contei enquanto estou vivo – Auto de análise de prova digital, fls. 4310. – Declarações de SS e PP E do juízo, porque já o príncipe deste mundo está julgado.12Ainda tenho muitas coisas que vos dizer, mas vós não as podeis suportar agora,13Porém, quando vier aquele Espírito de verdade, ele vos guiará a toda a verdade; porque não falará de si mesmo, mas falará tudo o que tiver ouvido, e vos anunciará as coisas que hão de vir. 1Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu, e vo-lo há de anunciar.” Foram ainda ouvidos em audiência de julgamento os inspetores da Polícia judiciária aos quais já nos fomos referindo pontualmente, especialistas em terrorismo e que tiveram intervenção nesta investigação e que de forma credível, no exercício das suas funções e em colaboração com a Unitad prestaram os seus depoimentos, cujo resumo se passa a descrever: FFFFF, 48, inspetor chefe da PJ na unidade nacional de contra terrorismo Coordenou a investigação. A investigação iniciou-se em Set de 2017, na sequência de informação trazida por várias fontes, nomeadamente testemunha L e após vários encontros dessa testemunha com os arguidos. Nos encontros com vários nacionais do Iraque, os arguidos recusavam-se a tirar fotografias a impedir publicação de fotos na página de facebook. E foi numa dessas fotografias que familiares da testemunha L, que estavam no Iraque, que os identificaram como tendo sido membros do estado islâmico. A testemunha L ficou apavorada e ele próprio pesquisou numa página “livres de Ninive” onde viu as fotos dos dois irmãos, com comentários muito pormenorizados, nomeadamente de que estes tinham sido membros do estado islâmico e que deviam ser desprezados. Foi analisada a página e retirado conteúdo. O estado islâmico ia apagando o seu conteúdo e eliminando as páginas que o grupo “livres de Ninive” iam criando. Um deles apresentava-se como o AA. O AA até bloqueou a página de facebook onde apareceu na fotografia tirada pela testemunha L. “livres de Nínive” – grupo constituído que pretendia a libertação da província do Estado Islâmico. Havia centenas de vídeos e fotografias que, pelo número e conteúdo, era impossível que fossem falsas. Por exemplo numa foto constava de um vídeo do EI a propósito da moeda que cunharam e em que aparecia o arguido AA. Localizaram também uma página de um militar iraquiano com um IP do Iraque, onde estavam as mesmas fotos que estavam na página “livres de Nínive”, assim como a foto do AA e o vídeo da moeda. A investigação passa por uma monotorização 24 h/ 7 dias por semana, interceções telefónicas, vigilâncias, e outros meios de prova –com isto recolheram-se um conjunto de indicadores que corroboraram as suspeitas – os arguidos têm formas de atuar (sempre a olhar para todo o lado e alertada com a sua envolvência), mudança de fisionomia – conforme o “manual de mujadim” Ao longo da investigação os arguidos mudaram o seu aspeto físico (corte de barba por ex), com vista a passarem despercebidos e a conseguirem a documentação em Portugal – na senda da chamada Taqiyya – O ato de bem enganar, neste sentido, é até descrito como uma virtude. Cfr., inter alia, SĀMĪ NASĪB MAKĀRIM, At-taqiyya fi’l-Islam (Dissimulação no Islão). Nas vigilâncias que constam do processo visualiza-se as diversas modificações da aparência física. Mencionou também as 7 alterações de morada por parte dos arguidos. Eram sempre residências de alguma qualidade. Nunca constatou que o arguido BB tivesse vivido na praia na condição de sem-abrigo. Além da troca constante de números de telemóveis, bem como equipamentos, o que dificultava a investigação, houve uma escuta Telefónica em particular que os deixou alertados e em que o arguido BB diz que se desloca ao escritório e destrói o mesmo na totalidade se não forem atendidas as suas solicitações – sessão 60 de 16.01.2018, apenso A de transcrições já referida. Após essa chamada telefónica e com informações das funcionarias do centro de refugiados e da CM de ..., nomeadamente a forma jocosa como os arguidos se dirigiam às funcionárias, os elementos da investigação ficaram mais preocupados. No âmbito das interceções telefónicas percebeu que havia relações muito próximas entre a companheira do arguido BB e uma funcionária do SEF. Foi agendado um encontro no SEF em que estão presentes esta funcionária, NNNN, o BB e PP, com uma troca de documentos que depois vieram a ser apreendidos- encontros na ..., no ..., na via pública. Após estes documentos foram apreendidos, conforme já referido. Da monotorização efetuada (interceções telefónicas), resultou que o arguido BB tinha uma relação amorosa com essa pessoa que denomina de companheira do arguido. Não viviam permanentemente juntos, nem sabe se pernoitavam, mas encontravam-se e comunicavam (mensagens e chamadas telefónicas). A referida NNNN tinha acesso à documentação do SEF e ficheiros –o que foi verificado aquando da busca à residência desta. QQ – aperceberam-se dela aquando da fuga do BB. Aparece a fazer o contacto telefónico antes da operação policial que estava a ser preparada e a transmitir essa informação ao arguido BB – que alguém o ia apanhar, alguém sem rede móvel e sem GPS no telemóvel. A PJ fez uma série de diligencias para localizar o arguido BB até que o conseguiram localizar numa residência familiar da QQ, onde este estaria a pernoitar. Depois este fez contactos com a QQ que contactou com o arguido e passadas 48h este abriu a porta da residência. Tendo em conta o número de controlos no território, só com muita dificuldade os arguidos conseguiriam passar do Iraque para a Síria, sem terem as ligações em causa nos autos. Depois de tomarem conhecimento da Unitad e da sua constituição, com membros de credibilidade, a PJ solicitou apoio para a investigação. Foi iniciado um contacto com o responsável e foi-lhes apresentada a situação e comunicada a identificação dos suspeitos. As pessoas foram recrutadas em função da experiência e da capacidade de conhecimento do Islão, as quais recolheram uma série de informação junto das autoridades judiciárias iraquianas. SS, unidade de combate ao terrorismo, inspetor PJ Começou a colaborar no processo em março de 2021, fez análise de toda a prova digital, pesquisas ao nível de fontes abertas de informação, relacionou a informação e fez o relatório final. Vídeo da moeda –em 2017, foi publicada numa página do facebook, “livres de Nínive” três fotografias, denunciando os arguidos como sendo do Daesh. Havia um vídeo, o da moeda, o qual foi preservado, assim como 274 vídeos que apareciam nessa página. As páginas iam sucessivamente caindo e eram criadas novas páginas que a sucediam. A autenticidade do vídeo foi confirmada por um coronel iraquiano- Já identificado nas declarações para memória futura supra referidas - que possuía um vídeo igual ao do Facebook, mas com a bandeira do Estado Islâmico. No Facebook, havia a bandeira dos “livre de Nínive”. Já viu milhares de vídeos do EI e era normal a bandeira do estado islâmico estar sempre presente. O vídeo tinha uma qualidade ótima. No início do vídeo, aparece a informação de que era produzido pelo EI. Aparecem os membros do estado islâmico, aparece um individuo da “Alishiba”, indivíduos com metralhadoras e aparece o posto de informação do Daesh (eles tinham vários por Mossul, onde passavam propaganda). Fls. 2811 – “HHHH”, pertencia ao EI e mostrou a moeda, exibida num outro vídeo. A maior parte do vídeo é filmado junto à universidade de Mossul (curiosamente o local onde alegadamente o arguido AA exercia funções, mas nas suas declarações referiu que o local onde foi gravado o vídeo era longe da Universidade de Mossul. Em junho de 2016, auge do EI, começaram a surgir as primeiras notícias de que o EI pretendia lançar uma moeda fiduciária. No vídeo é visível uma bandeira do EI em cima de um viaduto – como existia na altura do auge do EI. Em Mossul não havia viadutos com aquelas características. Conseguiu identificar que o viaduto era perto da Universidade, através de uma ferramenta do Google. Viu todos os viadutos de Mossul àquela data. Através de uma ferramenta do Google profissional, retornou a 2017, onde percebeu que houve um bombardeamento, que causou alterações no espaço. Em 2015, segundo a tal ferramenta, a configuração do espaço é a mesma que existia no vídeo da moeda. Mais para o final do vídeo é visível o arguido AA que aparece por 7 segundos, descontraído, entre pares e que sorri para a moeda com satisfação. O vídeo original é desprovido de qualquer edição posterior e foi aquele que foi difundido pelo Daesh. O vídeo publicado pelos “livres de Nínive” foi sujeito a edição – símbolo no canto superior direito. No início do vídeo tem a indicação do EI - e o tipo de letra é sempre o mesmo e comum aos demais vídeos do EI. Deu como exemplo o vídeo do andaluz do Daesh– vídeo com características semelhantes, grafismo, duração e existência de um cântico. Há um vídeo de março de 2017, altura em que o Daesh está a ser atacado na Síria, em que o EI impõe que toda a população civil se vestisse com o trage afegão para ser mais difícil de serem identificados. Nos vídeos do EI eram também usados civis que eram usados e ensaiados, mas eram pessoas que já faziam parte da organização de uma certa forma. Eles vestiam-nos à civil por forma a convencer as massas. Para atemorizar a população, colocavam nas carrinhas identificadores, por ex, as carrinhas da “alishiba” tinham escrita a menção “Alishiba Daesh”, fls. 6011. Vídeos que chegaram por carta rogatória – foram vídeos que foram entregues pelo coronel e estão no processo. Foram exibidos em audiência de julgamento. Um deles é o desfraldar de uma bandeira Iraquiana no topo do edifício do banco de investimento Iraquiano. E ali é percetível a voz do coronel. É um vídeo de resistência ao Daesh. Este vídeo data de dez de 2016. Num desses vídeos aparece uma rotunda (rotunda da bela senhora), muito movimentada, área de comércio e arena de condenações e propaganda. Era o local onde os arguidos eram vistos a fiscalizar. Mais vezes o arguido BB. Vídeo das execuções – trata-se de uma acção de campanha para desincentivar as pessoas a aderirem à resistência ao Daesh. Eles apanharam um conjunto de indivíduos que colaboraram com a resistência, e que aparecem no vídeo. Houve várias testemunhas que referiram que as igrejas católicas foram tomadas pelo EI, onde as pessoas eram detidas e castigadas. Há um vídeo onde aparecem as igrejas referidas por essas pessoas. E com base nessas imagens verifica-se que a testemunha- Declarações para memória futura e respetiva credibilidade de OO - identifica o interior na igreja onde esteve detida, nomeadamente a cave tal como aparece no vídeo das igrejas. Análise critica das declarações dos arguidos. Arguido BB: Negou todos os factos, referido, inclusive uma teoria de perseguição e de racismo da qual foi vítima em Portugal. Contrariamente ao que resulta dos autos, designadamente a reação que teve aquando da não concessão da autorização de residência ou do pedido de asilo, em que demonstrava medo de regressar ao Iraque, em audiência de julgamento não o demonstrou. - Nega não querer ser fotografado com a testemunha L, alegando ter várias fotografias com a testemunah L, no seu telemóvel, o que não é verdade, pois não resultam das peritagens. Relativamente ás alegadas vítimas que depuseram para memória futura referiu que se trata de uma vingança entre famílias porquanto o seu irmão CC em 1997 ou 1998, ou seja, quando tinha 13 ou 14 anos, terá sido acusado de ter violado a vítima LL, quando este teria 8 ou 9 anos. Detiveram o irmão CC, mas a vítima GG recusou-se a que o mesmo fosse submetido a um exame pericial e retirou a queixa. Por outro lado, ele próprio também teve uma ligação extraconjugal com a mulher no LL. Recusou-se a falar do irmão CC, apenas o referindo a este propósito. Não juntou a cópia de qualquer queixa que tenha sido apresentada na época perante os Tribunais iraquianos. Referiu que, juntamente, com o seu irmão AA, são o elemento mais fraco, por estarem fora do Iraque e que a queixa corresponde a uma vingança pelo ocorrido orquestrada pelas vítimas LL e GG, envolvendo todas as restantes testemunhas (algumas sem qualquer relação entre si) e envolvendo contrapartidas de pagamentos de dinheiro. Esquece-se que os seus irmãos que estão no Iraque, ou o seu irmão que esteve na Turkia nunca foram mencionados como pertencentes ao Daesh. Contrariamente, foram absolutamente identificados como não pertencendo. Com efeito, a organização Livres de Ninive afasta os restantes familiares ( o que lhe confere ainda mais credibilidade) de pertencerem ao Estado Islâmico e nessa conformidade ficamos a saber: - o pai MMM nascido em 1948 (idem) era conhecido por, juntamente com o filho CC, em 2003, participar em furtos e roubos. Posteriomente, o pai foi cumprir a peregrinação e, após o seu regresso, o Imã da Mesquita ..., disse, ao ver o pai « Oh Deus, roubaram os bancos e vieram até si».( note-se que o arguido referiu que o pai não estava em Mossul, aquando do Califado e que a família tinha um processo contra si por assalto a bancos) - o irmão JJJ travalhou num canal do Curdistão, depois tornou-se locutor no canl Al Fallujah e desconhece-se a sua residência;- o irmão HHH nascido em 1989 (idem) trabalhava como fisioterapeuta/médico e não pertenceu à organização. - o irmão III nascido em1979 (idem) também não está afiliado no Estado Islâmico - não mencionam igualmente qualquer das irmãs. O militar SSS efectuou uma publicação no fb denunciando o arguido BB em 2017. O coarguido AA, aquando do seu 1º Interrogatório Judicial, disse não conhecer qualquer elemento da família das vítimas e não relatou quaisquer factos semelhantes, o que seria natural se existisse um “ escândalo” desta natureza no seio da família, tando mais que se trataria de uma prática homossexual. Depois, como se tal não bastasse, acrescenta uma relação extraconjugal que teria tido com a mulher do LL, precisamente a mulher que denuncia o seu marido ao pai pelo LL ter fotografia de outra mulher no telemóvel. Por outro lado, sempre se deu como solteiro nos locais onde passou e muda o seu estado para viúvo no momento em que lhe negam proteção internacional e se submete a perícia psiquiátrica - refere ter tido uma mulher e uma filha, vítimas de uma ataque bombista ocorrido á sua frente, em 2010 no Iraque, nunca tendo junto qualquer documento que no mínimo atestasse que teve uma filha. O seu cunhado, testemunha de defesa a única que foi considerada e apenas a este propósito, afirmou desconhecer que o arguido tivesse tido mulher e filha. Como pode o cunhado desconhecer que o arguido teve mulher e filha desaparecidas num ataque bombista (?) não é de todo verosímil que desconhecesse tal facto. Pelo que as suas declarações em audiência de julgamento, procurando mostrar ao Tribunal que tudo não é mais do que umas ciladas montadas contra si, inclusivamente em território português, não foram minimamente convincentes. Na medida em que as testemunhas de defesa ouvidas em Tribunal Iraquiano contribuíram para a incriminação dos arguidos, ao invés da sua defesa, o Tribunal entende não as mencionar, até porque a defesa confrontada com tais declarações optou por prescindir dos respetivos depoimentos incriminatórios para a defesa. * O arguido AA prestou declarações em audiência de julgamento que contrastam de forma notória com as que prestou perante o Juiz de Instrução em sede de primeiro interrogatório Judicial. Em audiência de julgamento, no essencial, as suas declarações condizem com as declarações do arguido BB. AA, em primeiro interrogatório judicial de arguido detido, negou ter aderido à organização terrorista internacional do Estado Islâmico, negou ter usado o traje afegão – confirmando ser exclusivamente utilizado pelos elementos do Estado Islâmico – e afirmou que não teve qualquer contacto com o seu irmão CC no período de ocupação de Mossul pelo Estado Islâmico – pese embora várias contradições, muitos lapsos de memória e falta de concretização nas suas respostas. AA, no primeiro interrogatório judicial de arguido detido escudou-se ainda no facto de ser homossexual, afirmando que o Estado Islâmico não admite a homossexualidade no seu seio e que, quando descobriam que alguém era homossexual, atiravam essas pessoas desde o cimo de prédios altos. Todavia, admitiu: “Eles não sabiam o que eu era… [sic]”. Nunca foi capaz de negar que algum dos seus irmãos (como BB ou CC) tivessem aderido e integrado as fileiras da organização terrorista, limitando-se a dizer, mesmo em relação ao seu irmão BB, com quem fugiu de Mossul para a Europa e com quem coabitou praticamente toda a sua vida, que “a gente não se fala muito”; “cada um tem a sua vida”; “talvez seja mentira, talvez corresponda à verdade”; “Eu não vi, eu não sei”; “Eu não falo que ele fez ou não fez nada”. Porque a gente não se dá muito bem, nós não somos muito amigos, cada um tem a sua vida. Acresce ainda que referiu no primeiro interrogatório que a mulher e a filha do irmão foram mortas pelo Estado Islâmico, o que ficou a saber por vizinhos (?). Existe uma nítida preocupação de se distanciar do seu irmão BB, com quem tinha vivido e com o qual fez a viagem, passando exatamente pelos mesmos locais que o seu irmão. No entanto, não deixou de reconhecer como funcionava o Estado Islâmico no tempo em que estava em Mossul- Matam as crianças, matam os velhos, matam toda a gente e vestiam o trage afegão. - Durante o Estado Islâmico, AA refere ter trabalhado, no restaurante ..., em Mossul, precisamente perto do local onde foi filmado com a moeda e que era chefe de sala e que tal como outros empregados do restaurante pegou na moeda por receio… No entanto, se atentar-mos no vídeo não se apura da sua expressão qualquer receio. Na entrevista na Grécia assumiu-se como estudante e contabilista - cf. entrevista a fls. 5339 e 5347 e fls. 12 Sub Apenso G1. E em Portugal como estudante de medicina – 3º ano e conhecedor de várias liguas. Ambos os arguidos em audiência de julgamento, agora numa versão mais concertada, afirmaram terem fugido, com a família, para o Curdistão iraquiano aquando da ocupação de Mossul e terem voltado a Mossul precisamente durante o domínio do Estado Islâmico, aquele do qual afirmam ter fugido só em 2016. No primeiro interrogatório referiu ter ouvido falar que os irmãos pertenciam ao Estado islâmico. Depois referiu ter ouvido falar do CC. Fala de forma incompreensível como se não fosse da família, numa nítida tentativa de se afastar dos irmãos CC e inclusive do BB, com o qual vivia ( o que não corresponde á realidade pois que ambos estavam em contato telefónico no período em que BB não tinha conseguido a autorização de residência e telefona ao irmão para dizer que não sabe para onde vai – auto de transcrição – Apenso A fls. 47 e ss. Quando o JIC lhe fala do regresso ao Iraque responde que não quer voltar, tem medo de voltar, porque não sabe se alguém mentiu ao governo do Iraque. No entanto, já na conversa descrita nos art.ºs 926 a 929º da Acusação/PRONUNCIA, tida a 14 e 16.12.2020 entre AA e um terceiro iraquiano, em que AA não demonstra qualquer interesse voltar ao Iraque – cf. 4278 e 4279 Auto de Análise de Prova Digital. Ou seja, os arguidos, permaneceram em Mossul até março de 2016. Ora, já nesta altura se adivinhava a queda do Estado Islâmico no território Iraquiano, ai tendo permanecido no seu auge e só depois encetaram a fuga. Com efeito, a batalha pela libertação de Mossul começou em 16 de outubro de 2016, e terminou em julho de 2017. 2.1.3.1.7 Factos instrumentais – motivação (SIC…idem) Para os factos instrumentais que traçam o contexto geopolítico, bem como a estrutura do Estado Islâmico, o Tribunal serviu-se das declarações do Inspetor SS já referido e das fontes por si consultadas e referidas no seu relatório, porquanto as mencionou em audiência de julgamento, tratando-se de fontes abertas, bem como, os depoimentos de MM que descreveu igualmente e com objetividade toda a atividade do Daesh, implantação no Iraque e diversas estruturas, bem como, do depoimento do Professor RRR especialista nestas matérias e que igualmente traçou uma panorâmica deste contexto, no âmbito dos estudos por si efetuados, bem como, dos depoimentos testemunhais de algumas das testemunhas inquiridas para memória futura, que referiremos infra. Cfr. fls. 4723 – Testemunha A – GG – também no Apenso DMF-Tradução, a fls. 58 verso. Cfr. fls. 247 do Apenso DMF-Tradução – Testemunha J – EEE Cfr. fls. 4724 – Testemunha A – GG. Também no Apenso DMF-Tradução, a fls. 59. Cfr. fls. 4741 – Testemunha A – GG. Também no Apenso DMF-Tradução, a fls. 67 verso. Cfr. fls. 223 Apenso DMF-Tradução –Testemunha H – NNN. Cfr. Apenso DMF-Tradução, a fls. 128 – Testemunha E – BBB. Cfr. fls. 4638 – Testemunha B – LL. Também no Apenso DMF-Tradução, a fls. 17 verso. Cfr. fls. 4670 – Testemunha A – GG. Também no Apenso DMF-Tradução, a fls. 32 verso. Cfr. fls. 4638 – Testemunha B – LL. Também no Apenso DMF-Tradução, a fls. 17 verso. Cfr. Apenso DMF-Tradução, a fls.75 – Testemunha D – AAA. Cfr. Apenso DMF-Tradução, a fls.78 – Testemunha D – AAA. Cfr. fls. 4727 – Testemunha A – GG. Também no Apenso DMF-Tradução, a fls. 60 verso. Cfr. fls. 147 do Apenso DMF – Traduções – Testemunha F – DDD. Sheet. STERN, Jessica e BERGER, J. M. - Estado Islâmico: Estado de Terror, 2015, 20|20 Editora; GULMOHAMAD, Zana Khasraw, Department of Politics, University of Sheffield, The Rise and Fall of the Islamic State of Iraq and Al-Sham (Levant) ISIS; This Is the Promise of Allah, Al Hayat Media Center, Islamic State; Abu Amru Al Qa'idy, A Course in the Art of Recruiting - A graded, practical program for recruiting via individual da'wa; BARRETT, Richard - The Islamic State, Nov. 2014, The Soufan Group; RANSTORP, Magnus - A practical introduction to Islamist Extremism, Ran Centre Of Excellence Califa significa o "sucessor" ou o "representante". É o chefe de Estado do Califado, correspondendo ao sucessor da autoridade política e religiosa do profeta islâmico Maomé. O Califado é uma forma de governo confessional, islâmico, de uma dada comunidade islâmica. Xiitas e Sunitas, dois grandes ramos distintos do Islão, divergem sobre como deve ser escolhido o califa. https://www.wsj.com/articles/the-secret-to-the-success-of-islamic-state-1409709762 Estrutura e organização: https://www.wsj.com/articles/the-secret-to-the-success-of-islamic-state-1409709762 https://www.nybooks.com/articles/2015/07/09/inside-islamic-state/; https://www.nybooks.com/articles/2016/06/23/how-to-understand-isis/ MILTON, Daniel, Combating Terrorism Center at West Point, Unites States Military Academy, “Struture of a State – Captured Documents and the islamic state’s organizational struture” – Junho 2021 Idem. SPECKHARD, Anne e D. ELLENBERG Molly – “ISIS in Their Own Words: Recruitment History, Motivations for Joining, Travel, Experiences in ISIS, and Disillusionment over Time – Analysis of 220 In- depth Interviews of ISIS Returnees, Defectors and Prisoners”; Journal of Strategic Security Vol. 13, N.º 1 (2020), pp. 82-127 (48 pages), University of South Florida Board of Trustees. Idem. A Polícia Religiosa (Hisbah) e o Departamento de Segurança (Al Amniyah)4 Fonte: https://www.alalam.ir/news/1664495/%D8%A7%D8%AE%D8%AA%D8%B7%D8%A7%D9%81- %D8%B9%D9%86%D8%A7%D8%B5%D8%B1-%D9%85%D9%86-%D8%B4%D8%B1%D8%B7%D8%A9- %D8%AF%D8%A7%D8%B9%D8%B4-%D8%A8%D8%B3%D9%88%D8%B1%D9%8A%D8%A7- %D8%A8%D8%B9%D8%AF-%D8%B0%D8%A8%D8%AD- %D8%A7%D9%85%D9%8A%D8%B1%D9%87%D8%A7 Fonte: https://www.raqqa-sl.com/?p=2763 Fonte:https://www.iraqhurr.org/a/26642639.html https://www.irfaasawtak.com/world/2018/12/27/%D8%A7%D9%84%D8%AD%D8%B3%D8%A8%D8 %A9-%D9%85%D8%A8%D8%B1%D8%B1-%D8%B4%D8%B1%D8%B9%D9%8A- %D9%84%D9%84%D8%AA%D8%B6%D9%8A%D9%8A%D9%82- %D8%A7%D9%84%D9%86%D8%A7%D8%B3 https://scsanctions.un.org/en/?keywords=al-qaida#alqaedaent Consolidated United Nations Security Council Sanctions List: https://scsanctions.un.org/consolidated/ ISIL (Da’esh) and Al-Qaeda Sanctions List – UN Security Council Resolutions 267/1989/2253: https://scsanctions.un.org/en/?keywords=al-qaida ISLAMIC STATE IN IRAQ AND THE LEVANT - KHORASAN (ISIL- K) - A.k.a.: a) ISIL KHORASAN b) ISLAMIC STATE’S KHORASAN PROVINCE c) ISIS WILAYAT KHORASAN d) ISIL’S SOUTH ASIA BRANCH e) SOUTH ASIAN CHAPTER OF ISIL F.k.a.: na Address: na Listed on: 14 May 2019 Other information: Islamic State of Iraq and the Levant - Khorasan (ISIL - K) was formed on January 10, 2015 by a former Tehrik-e Taliban Pakistan (TTP) (QDe.132) commander and was established by former Taliban faction commanders who swore an oath of allegiance to the Islamic State of Iraq and the Levant (listed as Al- Qaida in Iraq (QDe.115)). ISIL – K has claimed responsibility for numerous attacks in both Afghanistan and Pakistan. INTERPOL-UN Security Council Special Notice web link: https://www.interpol.int/en/How-we-work/Notices/View-UN-Notices-Entities Consolidated List of EU sanctions: Consolidated List of EU sanctions: https://eeas.europa.eu/headquarters/headquarters-homepage/8442/consolidated-list- sanctions_en Vide Relatório “Unearthing Atrocities: Mass Graves in territory formerly controlled by ISIL” de 6 November 2018 pelo Human Rights Office of the United Nations Assistance Mission for Iraq (UNAMI) and the Office of the United Nations High Commissioner for Human Rights (OHCHR). Pela UNITAD (United Nations Investigative Team to Promote Accountability for Crimes Committed by Da’esh/ISIL) através do Mandato atribuído pela Resolução nº 2379 de 2017 das Nações Unidas. https://abcnews.go.com/International/wireStory/german-woman-allegedly-6yo-daughter-watch-stoning-82529396 https://abcnews.go.com/International/wireStory/german-woman-allegedly-6yo-daughter-watch-stoning-82529396 https://www.justiz.bayern.de/gerichte-und-behoerden/oberlandesgerichte/muenchen/presse/2021/30.php Fonte:https://www.iraqhurr.org/a/26642639.html https://www.irfaasawtak.com/world/2018/12/27/%D8%A7%D9%84%D8%AD%D8%B3%D8%A8%D8%A9-%D9%85%D8%A8%D8%B1%D8%B1-%D8%B4%D8%B1%D8%B9%D9%8A-%D9%84%D9%84%D8%AA%D8%B6%D9%8A%D9%8A%D9%82-%D8%A7%D9%84%D9%86%D8%A7%D8%B3 https://scsanctions.un.org/en/?keywords=al-qaida#alqaedaent Consolidated United Nations Security Council Sanctions List: https://scsanctions.un.org/consolidated/ ISIL (Da’esh) and Al-Qaeda Sanctions List – UN Security Council Resolutions 1267/1989/2253: https://scsanctions.un.org/en/?keywords=al-qaida ISLAMIC STATE IN IRAQ AND THE LEVANT - KHORASAN (ISIL- K) - A.k.a.: a) ISIL KHORASAN b) ISLAMIC STATE’S KHORASAN PROVINCE c) ISIS WILAYAT KHORASAN d) ISIL’S SOUTH ASIA BRANCH e) SOUTH ASIAN CHAPTER OF ISIL F.k.a.: na Address: na Listed on: 14 May 2019 Other information: Islamic State of Iraq and the Levant - Khorasan (ISIL - K) was formed on January 10, 2015 by a former Tehrik-e Taliban Pakistan (TTP) (QDe.132) commander and was established by former Taliban faction commanders who swore an oath of allegiance to the Islamic State of Iraq and the Levant (listed as Al- Qaida in Iraq (QDe.115)). ISIL – K has claimed responsibility for numerous attacks in both Afghanistan and Pakistan. INTERPOL-UN Security Council Special Notice web link: https://www.interpol.int/en/How-we-work/Notices/View-UN-Notices-Entities Consolidated List of EU sanctions: https://eeas.europa.eu/headquarters/headquarters-homepage/8442/consolidated-list- sanctions_en Vide Relatório “Unearthing Atrocities: Mass Graves in territory formerly controlled by ISIL” de 6 November 2018 pelo Human Rights Office of the United Nations Assistance Mission for Iraq (UNAMI) and the Office of the United Nations High Commissioner for Human Rights (OHCHR). Pela UNITAD (United Nations Investigative Team to Promote Accountability for Crimes Committed by Da’esh/ISIL) através do Mandato atribuído pela Resolução nº 2379 de 2017 das Nações Unidas. https://abcnews.go.com/International/wireStory/german-woman-allegedly-6yo-daughter-watch-stoning-82529396 https://abcnews.go.com/International/wireStory/german-woman-allegedly-6yo-daughter-watch-stoning-82529396 https://www.justiz.bayern.de/gerichte-und-behoerden/oberlandesgerichte/muenchen/presse/2021/30.php https://www.generalbundesanwalt.de/SharedDocs/Pressemitteilungen/DE/aktuelle/Pressemitteilung2-vom-06-04-2022.html?nn=478184 https://www.eurojust.europa.eu/news/support-joint-investigation-team-sweden-and-france-targeting-crimes-against-yezidi-victims S/RES/2249(2015) - E - S/RES/2249(2015) -Desktop (undocs.org). https://undocs.org/A/HRC/28/18 Segundo o relatório de emigração, Fronteiras e asilo de 2022 elaborado pelo extinto Serviço De Estrangeiros E Fronteiras - O Relatório de Imigração Fronteiras e Asilo (RIFA), em 2022 estavam no nosso território 555 cidadãos Iraquianos: 302 homens e 253 mulheres. Sobre a propaganda do Daesh e para as considerações gerais – factos instrumentais será também interessante: A Propaganda Do Daesh Como Forma De Terrorismo Considerações À Volta Dos Conceitos, Leopoldina Fernandes Sá Dissertação De Mestrado Em Direito Internacional Público E Europeu Sob Orientação De: Dr. Nuno Pinheiro Torres Porto 2018 – Universidade Católica Escola do Porto. “O tema em estudo trata do incitamento público ao terrorismo desenvolvido pelo grupo terrorista Daesh. Envolvidos na luta de restabelecimento de um Califado, assim como a obsessão com o fim do mundo, e a luta entre o bem e o mal, o Daesh crê estar envolvido na batalha final conforme indicam as escrituras religiosas. Com base nessa profecia apocalíptica, o EI tem desenvolvido uma campanha terrorista sem precedentes contra todos aqueles que considera apóstatas (Takfir). O grupo usa os meios de comunicação social mais populares da Internet como ferramenta de recrutamento e publicidade. As iniciativas internacionais para lidar com o incitamento ao terrorismo correspondem à ênfase recente na prevenção do ato, em vez da concentração, apenas na resposta às infrações terroristas. Contudo, debatemo-nos desde logo, com a insegurança jurídica em torno dos conceitos de terrorismo e do incitamento ao terrorismo. Assim como, o âmbito exato deste último, ainda não está claro nos instrumentos internacionais sobre a matéria. Todavia, sendo o incitamento ao terrorismo um dos problemas mais graves da atualidade ao qual os governos não têm total controlo. E apesar do seu regulamento poder afetar o direito à liberdade de expressão, defendemos que o apelo ao terrorismo seja direto ou indireto deve ser criminalizado per se pelo direito internacional e o resultado real ou potencial da comissão do ato deve ser irrelevante para a sua criminalização” (sic…). O modus operandi de TTT (nome de guerra) marcou um ponto de viragem na história da ISI. Depois de deixar ... (centro de detenção ... no Iraque), onde muitos jihadistas se radicalizaram, juntou-se de imediato a ISI (Islamic State of Iraq), e de forma sábia, aliou-se aos antigos Baathistas, que reuniam capacidades militares e de organização essenciais à sua atuação151 . Através de uma campanha chamada “Derrubar os Muros”, libertou das prisões centenas de jihadistas, que consequentemente se juntaram à organização152 . Assim, se os confrontos sectários no Iraque permitiram que o ISI se reagrupasse, a violência na Síria daria a al-Baghdadi pretexto para se expandir153 . Desrespeitando o emir da al-Qaeda UUU o ISI passaria a ser conhecido como Estado Islâmico no Iraque e na Síria, usando o famoso acrónimo, em inglês ISIS. ( IDEM, pagina 29) Daesh é a sigla em árabe para al-Daula al-Islamiya al Iraq wa Sham (Estado Islâmico do Iraque e do Levante). Em árabe, a palavra é semelhante a “Daes” que significa “aquele que esmaga algo” ou “Dahes “ entendido como “aquele que semeia a desordem”. O termo é visto como depreciativo pelo próprio grupo e por essa mesma razão quer os média como vários chefes de estado referem-se ao grupo, utilizando o termo “Daesh” não só por se tratar do grupo terrorista mais temido a nível global, mas essencialmente, porque referir-se-lhes como “Estado Islâmico” como os próprios reivindicam, seria reconhecer-lhes dois estatutos fundamentais: o estatuto de Estado, que do ponto de vista jurídico-político, é o estatuto mais nobre do direito internacional e o estatuto de representação islâmica, que os próprios pretendem ao autoproclamarem-se califado representando os muçulmanos de todo o mundo (idem…) O Daesh é especialista no medo . Conquistou a sua notoriedade através do marketing da selvageria, usando as decapitações como forma de manipulação e recrutamento. Inundou a Internet com centenas de iraquianos e curdos anónimos a serem executados a tiro, por faca ou através de crucificação . The Management of Savagery, o tratado jihadista que influenciou fortemente a estratégia do Daesh a vários níveis, ressalva a necessidade da violência, com toda a sua “crueldade e brutalidade”, para despertar potenciais recrutas para a realidade da guerra jihadista e para intimidar os inimigos, mostrando o preço que pagariam pelo seu envolvimento . NAJI também aconselhava a tomada de reféns para que todos aqueles que se opusessem às campanhas jihadistas aprendessem uma lição sobre “pagar o preço”. “ Os reféns deverão ser liquidados de uma forma terrível, instalando o medo no coração do inimigo e dos seus apoiantes”. O “Estado Islâmico” utiliza, assim, uma propaganda terrorista sem precedentes, destacando-se pela violência gráfica e brutalidade chocante dos seus vídeos, não se coibindo de exibir publicamente a sua barbárie contra as minorias no Iraque e na Síria e contra todos aqueles que se lhes opõem. No entanto, se essa ultraviolência a nós nos causa repulsa, para outros, (nomeadamente combatentes estrangeiros) o anúncio e a celebração pública dessas atrocidades é um atrativo para se juntarem a jihad e fazer a sua mensagem chegar a todos os muçulmanos. (idem)” 2.1.3.2. De direito 2.1.3.2.1 Enquadramento jurídico 2.1.3.2.1.1 Dos crimes imputados aos arguidos (SIC…idem) O arguido BB vem pronunciado pela prática em autoria e co-autoria materiais, na forma consumada e em concurso efectivo de: - 1 (um) crime de adesão a Organizações Terroristas (adesão a organização terrorista) 1.º, 2.º, 1, b), c), d), f) e n.º 2, 3.º, 1 e 2 da Lei 52/2003, de 22.08, com as alterações que lhe foram introduzidas, atualmente prevista pelo artº 3º, nº1, al. b) com as alterações introduzidas pela Lei n.º 2/2023, de 16/01, cuja moldura penal se manteve inalterada. - 9 (nove) crimes de guerra contra as pessoas, 8 em co-autoria com o arguido AA, sendo vítimas GG, HH, II, JJ e KK ; LL; FF; todos em concurso aparente com crimes de terrorismo internacional e 5 com coacção agravada; 1 com ofensa à integridade física grave qualificada; 1 com sequestro agravado e 1 com ofensa à integridade física grave qualificada - 1 (um) crime de resistência e coacção sobre funcionário, p.p. pelo art. 347.º, n.º 1 do CP Quanto ao Arguido AA, vem pronunciado, em autoria e co-autoria materiais, na forma consumada e em concurso efectivo de: - 1 (um) crime de Organizações Terroristas (adesão a organização terrorista) p.p. pelas mesmas normas legais. -8 (oito) crimes de guerra contra as pessoas, em co-autoria com o arguido BB, sendo vítimas GG, HH, II, JJ e KK ; LL; GG; todos em concurso aparente com crimes de terrorismo internacional e 6 com coacção agravada; 1 com ofensa à integridade física grave qualificada; 1 com sequestro agravado. Cumpre, dizer, antes de mais que a Lei 2/2023, de 16 de janeiro revogou o artº 5º da anterior Lei onde se previa o Terrorismo internacional. 2.1.3.2.1.2 Introdução aos crimes em causa e a questão do Daesh/ Isi: (SIC…idem) Na Resolução do Conselho de Ministros n.º 40/2023 que aprovou a Estratégia Nacional de Combate ao Terrorismo pode ler-se: A persistência do terrorismo islamista, promovido por grupos terroristas globais como o autodenominado Estado Islâmico ou a Al -Qaeda, continua a repercutir -se no nível elevado da ameaça terrorista que incide sobre a Europa. Esta ameaça apresenta -se presentemente mais difusa e marcadamente endógena, sendo protagonizada por atores individuais, autorradicalizados através do consumo de conteúdos extremistas difundidos online e estimulados por uma miríade de motivações. Embora não esteja na primeira linha da ameaça terrorista, Portugal enfrenta riscos muito semelhantes aos de outros países europeus, designadamente no que se refere aos processos de radicalização e de recrutamento para a violência terrorista. Note -se que a doutrinação de jovens é um dos focos dos grupos terroristas, uma vez que as camadas mais jovens da população constituem a reserva geracional que irá assegurar a sua subsistência no tempo. No domínio do terrorismo islamista releva a possibilidade de o território nacional servir de plataforma de trânsito, de apoio logístico e financeiro e de doutrinação e recrutamento de simpatizantes. É igualmente pertinente considerar a ameaça representada pela integração dos chamados combatentes terroristas estrangeiros, regressados das fileiras do autodenominado Estado Islâmico nas regiões de conflito onde se manifesta, designadamente da Síria e do Iraque, tendo em mente que estes indivíduos constituem uma das principais ameaças à segurança europeia. Paralelamente, tem -se verificado um crescente sincretismo entre ideários extremistas violentos politicamente motivados e movimentos conspirativos, com ramificações internacionais, de índole variada, o qual tem contribuído para um aumento do risco de aceleração de processos de radicalização para a violência, sobretudo individuais, mas também coletivos. Ainda que, atualmente, a sua expressão seja reduzida em Portugal, persiste o risco de que a ameaça terrorista representada por estes fenómenos sofra um agravamento significativo, em consequência da exposição acentuada à propaganda extremista, a teorias da conspiração e aos conteúdos desinformativos que proliferam online por um lado, e da intensificação dos contactos internacionais entre extremistas, por outro. Conforme referido na dissertação de mestrado A Propaganda Do Daesh Como Forma De Terrorismo Considerações À Volta Dos Conceitos - Leopoldina Fernandes Sá Faculdade De Direito │Escola Do Porto 2018 Universidade Católica Portuguesa A Propaganda Do Daesh Como Forma De Terrorismo Considerações À Volta Dos Conceitos Leopoldina Fernandes Sá Dissertação De Mestrado Em Direito Internacional Público E Europeu Sob Orientação De: Dr. Nuno Pinheiro Torres Porto 2018 O “Estado Islâmico” nasceu com a guerra. É o resultado da guerra no Iraque desde a invasão americana de 2003 e da guerra na Síria desde 2011 . Segundo PATRICK COCKBURN, o fracasso da “guerra contra o terror”, tornou-se aparente horas após os ataques do 11 de Setembro, quando se tornou claro, que a guerra contra o terror seria travada sem qualquer confronto com Arábia Saudita ou o Paquistão, dois aliados americanos importantes, porém dois grandes financiadores de grupos jihadistas. Para além disso, a Arábia Saudita tem um papel muito relevante na propagação de Wahhabismo, visão fundamentalista do Islão que remonta ao século XVIII. O EI apareceu em 1999 como um campo de treino para jihadistas no Afeganistão chamado Tawhid wa`jihad, significando “monoteísmo e guerra santa” . Quem ficou encarregue do campo, foi um indivíduo jordano chamado UUU (nome de guerra) considerado o pai fundador do EI . Embora UUU tivesse conhecido Bin Laden nesse mesmo ano e o seu campo de treino fosse financiado pela al-Qaeda, os dois grupos e os dois líderes atuavam de forma independente. Curiosamente foi a invasão do Iraque que empurrou UUU para uma aliança com Bin Laden e que conduziu a uma presença duradoura da al-Qaeda no Iraque. Em março de 2003 os EUA e os seus aliados invadiram o Iraque, a 9 de Abril do mesmo ano a coligação derruba o governo de Saddam Hussein e no mês seguinte o grupo liderado por UUU inicia operações no País. Até então, os jihadistas não tinham sido capazes de operar com sucesso no Iraque, mas com a invasão para lá convergiram de modo a combater as tropas americanas e o terrorismo na região rapidamente aumentou . O Iraque entrou em guerra civil e a missão aliada depressa passou de combate para a construção de uma nação. Os esforços subsequentes para instituir um sistema democrático no País tinham elevado os xiitas, há muito reprimidos, a uma posição de poder político, que depressa se consubstanciou no desmantelamento do exército e no despedimento de todos os membros do Partido Baath, de Saddam Hussein, de lugares de serviço público. Sob governo de Saddam Hussein, muçulmano sunita, a maioria xiita do Iraque fora perseguida, massacrada e impedida de qualquer participação na vida política. UUU, adepto da corrente safafita do Islão, e que guardava há muito um ódio implacável pelos muçulmanos xiitas, não tardou a tirar proveito da situação, fomentando ainda mais a divisão sectária. Em 2004, jurou fidelidade a Bin Laden e fundou AQI (al-Qaeda no Iraque). No entanto, apesar da jura, continuou a agir de forma independente em relação à al- Qaeda central. AQI atraiu atenção internacional, devido aos inúmeros atentados suicidas que punha em prática, contra civis xiitas, tornando-se numa tática comum deste grupo. Usavam a internet para promover a sua causa, assim como, para publicar imagens violentas de atentados terroristas e decapitações que infringiam aos seus inimigos. Em 2006, UUU é vítima mortal de um ataque aéreo americano, dando a esperança de que a eliminação dos líderes do topo da AQI conduzisse ao desmoronar da organização. Como se sabe, não aconteceu. E o reconhecimento da AQI, de que não podia continuar a competir contra outras fações jihadistas na sua esfera de influência conduziu à formação do Ibid. Os ramos sunita e xiita do Islão, dividiram-se pouco depois da morte do Maomé, por causa da questão de quem sucederia ao profeta do Islão como líder dos muçulmanos ou Califa. Os sunitas acreditam que o Califa pode ser escolhido pelas autoridades muçulmanas e os xiitas acreditam que o Califa tem de ser um descendente direto do Profeta através do seu genro e primo Ali. Embora concordem com os princípios fundamentais do Islão, com o passar das gerações, os dois grupos desenvolveram identidades únicas e adotaram tradições religiosas distintas. Pese embora tenham existido longos períodos de paz e cooperação, também assistimos a conflitos ou guerra sectários abertos. Como atualmente se verifica no Iraque e na Síria. (Cfr. STERN, Jessica e BERGER, J.M. (2015) “Estado Islâmico”…cit,p.42. 143) O “Salafismo” é um movimento organizado no seio do Islão sunita. É um apelo ao retorno às crenças, práticas e sinceridade do Islão primordial. O termo é uma referência direta a esses primeiros anos e refere-se às primeiras gerações de muçulmanos, conhecidas como Salaf. Os salafitas preferem o Islão desses primeiros muçulmanos e acreditam que séculos de interpretação humana corromperam o Islão e levaram ao declínio do mundo muçulmano. Apelam a restauração do Califado e consideram que o politeísmo, veneração dos túmulos de santos, misticismo e xiismo em geral como um não muçulmano. O Salafismo não tem líderes oficiais e os indivíduos têm o poder de confiar na sua própria interpretação do Corão e da Suna (práticas, ações e palavras de Maomé) conduzindo a interpretações cada vez mais radicais do Islão. A maioria das organizações jihadistas violentas, como al-Qaeda e o Daesh, são salafitas. Cfr. STERN, Jessica e BERGER, J.M. (2015) “Estado Islâmico”…cit,.p.302. 144 STERN, Jessica e BERGER, J.M. (2015) “Estado Islâmico”…cit,. p.43. 145 Ibid,p.43. 146 Ibid,p.49. 28 EII (Estado Islâmico do Iraque) e para seu líder, foi escolhido, MMMMM. Apesar do novo líder ter-se distanciado da carnificina sectária de UUU, a perseguição aos civis continuava. Os crescentes níveis de violência, não só levou, os EUA a aumentarem o número das suas tropas no Iraque para proteger os civis, como implicou uma estratégia completamente nova . Essa estratégia traduziu-se em recrutar árabes sunitas, muitos deles antigos insurgentes, que tinham sido alvo das forças americanas, garantir-lhes segurança, e por fim trabalharem em conjunto contra grupos jihadistas violentos. O movimento ficou conhecido como Conselho de Despertar Sunita ou Filhos do Iraque. A estratégia, de facto, atingiu os seus objetivos, pois em 2008, a al-Qaeda e outros grupos violentos já não dominavam o Iraque e a situação estabilizara. Fica então por saber, o que correu mal e o que levou ao ressurgimento e a ascensão do Daesh, que num espaço de tempo tão curto, conquistou vastos territórios no Iraque e na Síria, proclamou um cafifado, recrutou uma imensidão de combatentes estrangeiros para a sua causa, de origem não só árabe, como europeus, americanos, canadianos entre outros. Na verdade, a partir de 2010 fatores vários contribuíram para a ascensão do Daesh. E como afirmam JESSICA STERN e J.M. BERGER “A única coisa pior que um ditador brutal é não haver qualquer Estado”. Situação do Iraque desde a invasão americana de 2003. A estrutura secular de Saddam Hussein tinha sido destruída e substituída por uma administração predominantemente xiita. Assim sendo, a partir de 2010, o então primeiro-ministro iraquiano xiita NNNNN, desencadeou um conjunto de políticas sectárias contra os sunitas, originando uma onda de insurgência contra o Estado. No mesmo ano, tiveram início as manifestações da Primavera Árabe que se estenderam pelos países da Liga Árabe. A Síria, em 2011 também foi atingida por essa onda de protestos que deu origem a guerra civil que se vive ainda nos dias de hoje. Por fim, em 2011, através de negociações que já tinham sido iniciadas durante administração Bush, a administração Obama retira as tropas americanas do Iraque. Este foi o cenário que permitiu a ascensão do Daesh a partir de 2010. Ano, em que MMMMM, líder da ISI, é morto através de um ataque aéreo conjunto do Iraque e EUA, subindo ao poder TTT atual líder e “califa” do EI. Ibid,p.49. 148 Ibid, 50 e 51. 149 Ibid, 50 e 51. 150 Ibid, p.274. 29 O modus operandi de TTT (nome de guerra) marcou um ponto de viragem na história da ISI. Depois de deixar ... (centro de detenção ... no Iraque), onde muitos jihadistas se radicalizaram, juntou-se de imediato a ISI (Islamic State of Iraq), e de forma sábia, aliou-se aos antigos Baathistas, que reuniam capacidades militares e de organização essenciais à sua atuação. Através de uma campanha chamada “Derrubar os Muros”, libertou das prisões centenas de jihadistas, que consequentemente se juntaram à organização. Assim, se os confrontos sectários no Iraque permitiram que o ISI se reagrupasse, a violência na Síria daria a TTT pretexto para se expandir. Desrespeitando o emir da al-Qaeda UUU o ISI passaria a ser conhecido como Estado Islâmico no Iraque e na Síria, usando o famoso acrónimo, em inglês ISIS. Tomando como ponto de partida, o facto de a fronteira entre Iraque e a Síria, ser desde há muito tempo permeável, TTT enviou vários operacionais para a Síria incumbidos de edificarem uma nova organização jihadista que pudesse operar a partir daquele país . Entre estes, encontrava-se OOOOO, um membro sírio da al-Qaeda no Iraque que rapidamente se estabeleceu como líder de um grupo que viria a ser conhecido como Jabhat al-Nusra, que inicialmente se posicionou como uma entidade independente, sem ligações a al-Qaeda central ou ao ISI . No entanto, seguia os mesmos tipos de ataques brutais que tinham sido proferidos pela AQI e pelo ISI, alienando dessa forma quer a população civil, como os sírios locais revolucionários O grupo viu-se obrigado a mudar a sua estratégia de expansão. Porém, em Abril de 2013, TTT anunciava a fusão do ISI com al-Nusra, chamando o novo grupo o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (acrónimo em inglês seria ISIL). Na realidade, TTT estabeleceu-se unilateralmente como líder de ambas as organizações (ISI e al-Nusra) agora fundidas numa só . Esse anúncio apanhou de surpresa quer UUU como OOOOO. O segundo negou a existência de tal fusão e jurou fidelidade a UUU e a al-Qaeda central, juramento esse que colocou al-Nusra e ISIS em Ibid. UUU, por sua vez, declarou a fusão sem efeito, reafirmando o domínio da al-Qaeda central sobre os seus afiliados. Como se sabe, TTT rejeitou essa decisão numa declaração pública, de áudio e a relação entre ISIS, al-Nusra e al-Qaeda central continuou assim a deteriorar-se, passando a ISIS a combater a al-Nusra no território sírio, assim como, diversas outras fações rebeldes. Toda esta situação conduziu a que, em Fevereiro de 2014 a al-Qaeda repudiasse o ISIS numa declaração escrita “o ISIS não é um ramo do grupo da al-Qaeda, não temos qualquer relação organizacional com eles e a al-Qaeda não é responsável pelas suas ações”. Em guerra tanto no Iraque como na Síria o ISIS apresentava vitórias sólidas, através de inúmeros atentados terroristas infringido aos militares e civis, crimes de guerra, bem como o genocídio da minoria Yazidi . Assim, como UUU, TTT, também exalta, a ultraviolência crua contra os seus inimigos e a sua propaganda é essencial ao seu objetivo de intimidação e recrutamento. Em Junho de 2014, foi declarado a reconstrução do Califado que se chamaria somente “Estado Islâmico” deixando cair o «Iraque e a Síria» de modo a refletir a reivindicação de domínio global e TTT seria o seu emir. Foi uma das organizações terroristas mais ricas da história, sendo o seu financiamento assegurado por diversas fontes, incluindo o assalto a bancos, resgates de raptos de reféns, coimas aplicadas por violação da Sharia, controlo de poços petrolíferos e venda de petróleo, tráfico de antiguidades, tráfico de seres humanos para fins de exploração sexual, mercados de escravos, controlo do comércio local, entre outros, com receitas diárias estimadas na ordem dos 3 milhões de dólares americanos.[4] Do apenso de jurisprudência Europeia Apenso M decorre que o ISIS “constitui um grupo armado, na estatal, organizado… exerceu controle sobre uma população de dez milhões e que atendeu a critérios como: hierarquia interna com estrutura de comando e de controle, regras disciplinares, quartel general e possibilidade de organizar operações militares sustentadas… que praticaram crimes de guerra com a intenção indiscutível de atacar pessoas, enquanto estavam cientes da sua condição de civis ou de pessoas que não participavam nas hostilidades. No mesmo apenso M destes autos, traça-se igualmente a fronteira entre os crimes de guerra que constituem violações ao direito internacional humanitário, ou seja, um conjunto de regras que se aplicam durante os conflitos armados não internacionais. A criminalização destes crimes protege, assim um interesse distinto dos crimes terroristas que visam proteger a ordem pública. O direito internacional humanitário visa proteger as pessoas que não participam ou deixaram de participar das hostilidades de um conflito armado. Os exemplos referidos no apenso M não deixam dúvidas sobre o concurso real de crimes. É de notar também que as condenações aí referidas são elucidativas sobre a diferença dos crimes de terrorismo e crime de guerra, com exemplos claros de concurso real. Também nesse mesmo apenso s dão exemplos de superiores que exerceram autoridade e controle sobre os subordinados e que desta forma, ao admitirem tais atos pelos subordinados tinham que ser punidos. Vertendo ao caso que nos ocupa e em relação a qualquer dos arguidos julgados neste processo nunca são imputados atos praticados por quaisquer seus subordinados. O conceito de terrorismo de forma mais simplista e abrangente pode ser traduzido no seguinte: “o terrorismo é um tipo de subversão política a que subjaz uma acção violenta que é desencadeada por um determinado agente (Estado estrangeiro, organização ou indivíduo) contra uma pessoa ou um grupo de pessoas com o objectivo (imediato) de induzir medo na população em geral e o objectivo (mediato) de substituir por uma outra a ordem política e social vigente (representada pelo aparelho do Poder – seja ele materializado num Estado ou numa Organização Internacional) [Terrorismo e contraterrorismo na União Europeia: de Lisboa a Bucareste, Luis de Lemos Triunfante/Vítor Teixeira de Sousa, 2019, Julgar n.º 39] 2.1.3.2.1.3 Crime de adesão a terrorismo (SIC…idem) No ordenamento jurídico Português está tipificado o terrorismo, através da transposição para a ordem jurídica interna da Diretiva da EU 2017/541 do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de março de 2017. O crime de adesão a organização terrorista, p. e p., nos artigos 2.º n.º 1 alínea a) e n.º 2, 3.º, 4.º n.º 1 e n.º 10 e 8.º n.º 1 da Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto (com as alterações e aditamentos introduzidos através da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, da Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho e da Lei n.º 17/2011, de 3 de Maio), com referência ainda à Resolução 1373 (2001) do Conselho de Segurança, a Posição Comum 2001/930/PESC sobre o combate ao terrorismo e a Posição Comum 2001/931/PESC relativa à aplicação de medidas específicas de combate ao terrorismo, Regulamento (CE) n.º 2580/2001, o artigo 1.º n.º 2 e n.º 3, que define, respectivamente, o que se entende por "pessoas, grupos e entidades envolvidas em actos terroristas" e por "acto terrorista" e prevê nos artigo 2.º e 3.º alínea e) – a inscrição de uma organização na lista das pessoas, grupos e entidades envolvidos em actos terroristas, sendo actualmente o DAESH ou Estado Islâmico, considerado na EU como uma organização terrorista Atualmente está previsto no 3º, nº1 al. d) da Lei 2/2023, de 16 de janeiro, cuja moldura penal se manteve inalterada , sob a epígrafe Infrações relacionadas com um grupo terrorista 1Quem: a) Promover ou fundar grupo terrorista; b) Aderir a grupo terrorista ou apoiar grupo terrorista, nomeadamente através do fornecimento de informações ou de meios materiais ou do financiamento das suas atividades; Este crime tem como elementos objectivos do tipo: - grupo, organização ou associação terrorista ou todo o agrupamento de duas ou mais pessoas que actuem concertadamente; - vise prejudicar a integridade e a independência nacionais, impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições do Estado previstas na Constituição, forçar a autoridade pública a praticar um acto, a abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique, ou ainda intimidar certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral, mediante a prática de crime contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas; - promova ou funde grupo, organização ou associação terrorista, a eles aderir ou os apoiar, nomeadamente através do fornecimento de informações ou meios materiais. E, como elemento subjectivo: - dolo. Esta incriminação visa primacialmente sancionar comportamentos de adesão a organização terrorista e que forneça meios materiais ou a logística a uma organização terrorista. No crime de adesão a organização terrorista internacional o bem jurídico que está em causa é a paz pública internacional – Figueiredo Dias, 1999, 1183-1184, Dias e Caeiro 135, 2005, pag 79, Brandão e Veiga 2022, pag 49, Susana Aires de Sousa, Inês Godinho e Pedro Sá Machado, Terrorismo, Legislação Comentada, pag. 16. O Artigo 2.º n° 1 al. a) da Lei 52/2003 de 22 de Agosto refere que: 1 - Considera-se grupo, organização ou associação terrorista todo o agrupamento de duas ou mais pessoas que, actuando concertadamente, visem prejudicar a integridade e a independência nacionais, impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições do Estado previstas na Constituição, forçar a autoridade pública a praticar um acto, a abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique, ou ainda intimidar certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral, mediante: a) Crime contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas; O artigo 2° n° 1 define o que são organizações terroristas, como sendo um agrupamento de duas ou mais pessoas que, actuando concertadamente, visem prejudicar a integridade e a independência nacionais, impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições do Estado previstas na constituição, forçar a autoridade pública a praticar um acto, a abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique, ou ainda intimidar certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral mediante a prática de um dos crimes previstos nas alíneas do n° 1, sendo que, no caso concreto, está em causa o crime contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas (crime-meio). Por sua vez, o n° 2 do mesmo preceito diz que quem promover ou fundar grupo, organização ou associação terrorista, a eles aderir ou os apoiar, nomeadamente através do fornecimento de informações ou meios materiais é punido com prisão de 8 a 15 anos. Conforme se lê no Acórdão da Relação de Lisboa de 27/11/2008 (processo 78/15 JBLSB,L1-5 relatado por Simões De Carvalho) Da leitura deste preceito, bem como das restantes normas contidas na referida lei, verifica-se que o bem jurídico protegido é a democracia, o livre exercício dos direitos humanos e o desenvolvimento económico e social do país. São os seguintes elementos constitutivos do crime previsto no artigo 2o n° 1 al a) e 4: a existência de um grupo de duas ou mais pessoas que actuem de forma concertada; o cometimento, por parte desse grupo, de um crime contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas, isto é, requer-se a violência física directamente exercida contra as pessoas; e que actuem com um dolo específico, ou seja, com o objectivo de prejudicar a independência nacional, impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições do Estado, forçar a autoridade pública a praticar um acto, a abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique, ou ainda intimidar certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral. Da leitura desta norma, assim como das restantes, verifica-se que, tal como na Decisão- Quando do Conselho, não se exige a presença de qualquer motivação política, religiosa ou ideológica para o preenchimento do tipo legal de crime em causa, sendo que a intenção de criar terror e medo entre as populações é um elemento incontroverso quanto à definição de terrorismo. Contrariamente, na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) (2003) exige-se a presença de motivação política, religiosa ou ideológica: "O uso ilegal ou ameaça de uso da força ou violência contra pessoas ou propriedade em uma tentativa de coagir ou intimidar governos ou sociedades para atingir objectivos políticos, religiosos ou ideológicos." (NATO, AAP-6, 2004 apud SCHMID, 2011, p. 142). Para além disso, cumpre referir que a intenção dos agentes do crime deverá ser interpretada num sentido muito restrito, por forma, a que quando a lei fala em forçar a autoridade pública, seja interpretado no sentido de coagir e não apenas influenciar. Caso contrário, qualquer demonstração ou protesto organizada contra determinada opção política poderia ser facilmente ser classificada como terrorismo. Por sua vez, o artigo 3o equipara aos grupos, organizações e associações acima referidas, os agrupamentos de duas ou mais pessoas que, actuando de forma concertada, visem, mediante a prática de um dos crimes previstos no artigo Io n° 1 (crime-meio), prejudicar a integridade ou a independência de um Estado, impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições desse Estado ou de uma organização pública internacional, forçar as respectivas autoridades a praticar um acto, a abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique, ou ainda intimidar certos grupos de pessoas ou populações. Também aqui é exigido, para além do escopo associativo, a prática de um dos crimes- meio, assim o elemento subjectivo específico traduzido na intenção, por parte da organização, em conseguir um dos objectivos definidos no tipo. Sobre os elementos do tipo pronunciou-se o Ac. do TRL de 10.10.2018 - Crime de terrorismo. I- susceptível de integrar os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime de terrorismo, com a descrição legal constante da conjugação dos artigos 2º, nº 1, parte final e 4º nº 1, alínea a), ambos da Lei nº 52/2003, de 22 de Agosto, o comportamento de quem, agindo livre e conscientemente, executou tarefas essenciais de um plano conjunto com os outros co-arguidos, sob um desígnio e interesse comum, com o propósito, atingido, de intimidar e aterrorizar um grupo de pessoas). No caso concreto, vem imputado aos arguidos, quanto à modalidade de acção, a adesão a organização terrorista, mais precisamente ao denominado estado islâmico - ISI. De acordo com a acusação/pronúncia, os arguidos terão aderido ao designado estado islâmico, também conhecido por ISI. Este grupo encontra-se classificado pela EU, de acordo com a Posição Comum 2001/931/PESC, assim como pelo Departamento de Estado dos EUA, como sendo uma organização terrorista. Por efeitos do disposto no artº 8º da referida lei: 1 - Salvo tratado ou convenção internacional em contrário, a lei penal portuguesa é aplicável aos factos que constituírem os crimes previstos nos artigos 3.º a 5.º-A cometidos fora do território nacional quando: a) O agente for encontrado em Portugal e não possa ser extraditado ou entregue em execução de mandado de detenção europeu; Os arguidos não podem ser extraditados pera o Iraque, em virtude da previsão, neste país, da pena de morte para os factos praticados. Resulta da matéria de factos provada que a partir do seu regresso a Mossul vindos do Curdistão, os arguidos passaram a ser membros do Estado Islâmico, integrando livre e voluntariamente a sua estrutura e os respectivos departamentos, em nome de quem passaram a actuar, de acordo com objetivos, recebendo, em troca, proteção e privilégios. Mediante a influência e o recrutamento do seu irmão CC, como já se disse, BB e AA passaram, assim, a ocupar posições ao serviço do Estado Islâmico. Os arguidos passaram a exercer funções, no Estado Islâmico, no bairro ..., em Mossul, onde viviam, precisamente na área compreendida entre a rua 11 e a rua 17, onde o seu irmão CC era Emir da Al Amniyah. Os arguidos passaram a usar o traje afegão ou traje Kandahari. BB passou a exercer funções de destaque na Al Hisbah, sendo Emir (comandante ou líder) na área compreendida entre a rua 11 e a rua 17 do bairro ..., na cidade de Mossul. BB fez um curso de Sharia islâmica, com PPP, para poder desempenhar as funções que tinha na Al Hisbah. BB estudou Sharia islâmica com o objectivo de ser Mufti, ou seja um Académico islâmico com reconhecida capacidade de interpretação da lei religiosa e de pronunciamento legal. Após a tomada de Mossul, e após passar a ser membro do Estado Islâmico, BB obteve um documento (emitido pelo Estado Islâmico) que obrigava os responsáveis pela Mesquita ..., no bairro ..., a deixarem-no, desempenhar o cargo de muezim (pessoa responsável por fazer o chamamento), desde o minarete da Mesquita voltada para Meca (salah), para as cinco chamadas diárias para a oração pública. Em data não apurada do ano de 2014, após o seu regresso a Mossul, os arguidos juraram fidelidade ao Estado Islâmico, através do anúncio de Al bay’at (juramento de fidelidade). Para prestar juramento ao Estado Islâmico era necessário, previamente, frequentar algumas sessões religiosas. O Al bay’at era um compromisso voluntário feito, numa Mesquita, por aquele que queria passar a ser membro do Estado Islâmico, perante o grande Emir (líder). O juramento tinha que ser respeitado durante toda a sua vida até à morte, ao martírio ou até à vitória do Estado Islâmico, sendo que depois de prestado não era admitida a desistência. Correspondia a uma promessa de combate pelo projecto religioso e político do Estado Islâmico, em seu nome, até à morte. Após a tomada de Mossul, o juramento era prestado a TTT, Califa do Estado Islâmico, ou através de outros líderes que o recebiam por ele. Em 2014, em data não concretamente apurada, após jurar fidelidade ao Estado Islâmico, AA foi admitido num curso/treino para combatentes, com a duração de cerca de 50 dias. Parte desse curso tinha lugar na Síria ou fora de Mossul. Nesse curso, só era admitido quem já tivesse prestado juramento ao Estado Islâmico, ou seja, quem já fosse seu membro. E, também, só era admitido quem fosse recomendado por outro membro do Estado Islâmico. Os formandos admitidos recebiam o uniforme e os equipamentos a usar durante o curso de formação: um uniforme de verão castanho claro e outro de inverno, castanho- escuro. O uniforme tinha, na zona do braço direito, uma menção escrita: Estado Islâmico. Os formandos recebiam botas militares, uma garrafa de água e um montante de 50 mil dinares iraquianos para entregar à família. Três dias depois desse recebimento, eram transportados em carrinhas do Estado Islâmico para o campo de treino, onde permaneciam cerca de 50 dias até concluírem a formação. Nesses cursos, eram ministrados ensinamentos sobre Sharia islâmica (designadamente sobre o tamanho da barba a usar, como devia vestir-se uma mulher com o hijab, o martírio, a prática da Jihad e a legitimação de matar os denominados renegados, mediante o estudo de versos corânicos) e era efectuado um treino de condição física e outro de manuseamento de armas leves e médias, bem como sobre a produção e o enterro de engenhos explosivos e, também, sobre técnicas de matar. No fim do curso, os formandos recebiam o diploma de combatente e uma recompensa de 150 mil dinares iraquianos, no caso dos solteiros e 200 mil dinares iraquianos, para os casados, além de mais 30 mil dinares iraquianos por cada criança que tivessem, sendo, depois, destacados para um local de combate. Por razões não apuradas, AA viria a sair do curso para combatente, cerca de 30 dias depois do seu início, regressando a Mossul. Todavia, após a sua saída do curso, AA continuou a usar o traje afegão, como membro do Estado Islâmico que era. Não obstante ter saído do curso, AA, beneficiando da influência e protecção do seu irmão CC, Emir da Al Amniyah, passou, também, a exercer funções na Al Amniyah. Com efeito, AA começou a exercer funções no Serviço de Proibição de Viagem que tratava do imobiliário e era responsável pela obtenção dos documentos dos infractores, com o objectivo de impedir a sua saída do território controlado, como atrás referido. Este serviço tinha instalações na Universidade de Mossul, ocupada pelo Estado Islâmico. AA passou, também, por vezes, a acompanhar os seus irmãos, CC e BB, nas acções que levavam a cabo ao serviço do Estado Islâmico e participou em vídeos promocionais do estado islâmico. BB estudou Sharia islâmica com o objectivo de ser Mufti, ou seja um Académico islâmico com reconhecida capacidade de interpretação da lei religiosa e de pronunciamento legal. Provou-se, de igual modo que os arguidos eram conhecedores da situação político-militar vivida no Iraque e, particularmente, na cidade de Mossul que havia sido tomada e ocupada pelos membros do Estado Islâmico, em meados de 2014. No entanto os arguidos juntaram-se intencionalmente ao autoproclamado Estado Islâmico, organização reconhecida internacionalmente, pela ONU e pela UE, como organização terrorista, facto de que tinham pleno conhecimento, passando a ser seus membros. Os arguidos tinham plena consciência das funções que iriam desempenhar e desempenharam, porque assim o quiseram, efetivamente, na estrutura daquela organização terrorista. Ao integrarem a estrutura do Estado Islâmico, os arguidos sabiam perfeitamente o que lhes competia levar a cabo e que as suas ações teriam como objetivo a prática dos crimes compreendidos no escopo daquela organização terrorista, designadamente sabiam que iriam compactuar com a mesma e, na medida da sua participação, iriam contribuir para que a organização se fortalecesse naquele território, mantivesse o domínio e a subjugação da população, intimidando-a pelo medo que provocava. Assim, em nome e representação da organização terrorista a que aderiram livremente, e em cujo nome, interesse e escopo atuaram, efetivamente, os arguidos em conjugação de esforços, praticaram os factos supra descritos, cometendo intencionalmente atos e atividades que prejudicaram a integridade e a independência do Estado Iraquiano, em primeiro lugar, e, de todos os Estados Ocidentais, em segundo, subvertendo o funcionamento das respetivas instituições. Os arguidos promoveram intencionalmente o objetivo final do Estado Islâmico, no contexto dos seus deveres oficiais enquanto seus funcionários, designadamente da Polícia Religiosa Al Hisbah ( BB) e do Serviço de Inteligência / Departamento de Segurança Al Almniyah (AA), integrados no aparelho do autoproclamado Estado Islâmico. Pelo que preencheram com as suas condutas o imputado crime de adesão ao terrorismo. 2.1.3.2.1.3.1 Da exclusão da ilicitude pretendida pelos arguidos na sua contestação (SIC…idem) Não obstante negarem todos os factos que lhe foram imputados os arguidos da acusação, os arguidos invocam que a serem reais os factos terão praticado factos em cumprimento de uma ordem do Tribunal Religioso de Mossul - Tribunal da Sharia em cumprimento do dever religioso ou ordem do Tribunal da Sharia exclui a ilicitude; Sustentam que o dever de cumprir ordens do Tribunal Religioso era praxis do ISIS segundo a Acusação; a exclusão de ilicitude consiste na realização do facto típico, por força de desempenho de uma obrigação imposta por Lei; a Lei era o “Tribunal da Sharia”; o “dever” constava urbi et orbi na região de Mossul ( e demais zonas controladas pelo ISIS) e os arguidos, segundo a Acusação, terão incorrido na pratica de actos que visavam “proteger” a religião, cumprir os deveres, fazer o povo assistir às cerimonias religiosas e cumprir os mandamentos do Islamismo; não podia nem deveria ser exigido aos arguidos outra conduta senão a de obedecer às ordem que vinham do irmão CC e outros elementos do ISIS, dixit a Acusação; aliás, a Acusação reconhece este dever ao imputar que “os arguidos reconheciam o Tribunal da Sharia como autoridade com poder legitimo, agindo com consciência de estarem investidos do poder concedido por essa autoridade ilegítima..” se os arguidos tinham por missão “defender a Autoridade com poder legitimo que era o Tribunal da Sharia “ ( sic) e ninguém lhes terá explicado ante questo luogo que isso era errado ou contra a visão ocidental de uma organização terrorista, como podiam ou deviam agir de outro modo? Não há crime quando o indivíduo pratica a conduta em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito. Dessa forma, temos o estrito cumprimento do dever legal como uma das causas de exclusão de ilicitude. No entanto, não existe um conceito definido por lei e por isso traremos um conceito doutrinário e jurisprudencial. Na verdade, o próprio nome já diz muita coisa! O agente precisa ter um dever legal, e isso normalmente é imposto pelo Estado a algum agente público (policial, oficial de justiça, guardas de trânsito, etc). E ele age no estrito cumprimento desse dever legal. Em primeiro lugar, resultou provado que a adesão ao Estado Islâmico que não se confunde com a obediência “ aos seus normativos e costumes” era um ato voluntário e que foi um ato voluntário de ambos os arguidos, iniciado com o juramento referido. Em segundo lugar esta teoria estaria completamente em oposição com o que foi afirmado pelos próprios arguidos, em sua defesa em audiência de julgamento demonstrando estarem precisamente cientes do que era o Daesh/ISI do qual alegadamente fugiram. Não e me afigura a existência de qualquer concurso parente uma vez que o artº 5º foi revogado. 2.1.3.2.1.4 Crime de guerra (SIC…idem) Enquanto os crimes de guerra são restritos a conflitos armados o mesmo não é necessário para os crimes contra a humanidade, que beneficiam desde logo, da independência de um contexto de guerra. Passemos a análise das condições para que uma ou outra forma de crime sejam aplicadas. O Terrorismo como Crime de Guerra. O crime de guerra encontra-se previsto no artigo 8º do Estatuto do TPI, ou seja, aquelas violações definidas e enumeradas nas als. a) a e) do nº2 do art. 8º do referido Estatuto. Entende-se por crimes de guerra, violações graves das regras consuetudinárias ou convencionais do direito DIH, também conhecido por direito internacional dos conflitos armados O tribunal de recurso do TPIEJ declarou no caso Tadic que crimes de guerra i) devem constituir uma grave violação de regras internacionais - regras que protejam valores importantes e a sua violação deve acarretar graves consequências para à vítima; ii) essa regra violada deve fazer parte do direito consuetudinário ou do direito convencional e iii) a violação deve prever no âmbito dos costumes ou dos tratados a responsabilização penal individual da pessoa que viola a regra. Como bem constata CASSESE, atualmente tanto o DIH como o DIC abrangem no seu âmbito os atos de terrorismo ocorridos num conflito armado, seja interno ou internacional . O DI condena indiscutivelmente todo e qualquer ato de terrorismo ocorrido no âmbito de um conflito armado. O artigo 33º n.1 da IV Convenção de Genebra de 1949 proíbe “todas as 71 Kovac, M. (2007) “International “…cit,.pags. 267- 290). 72 BARATA, João Manuel (2014) – “O Terrorismo”…cit,. p.21. 73 CASSESE, A. (2008) “International”…cit,.p.65. 74 Ibid, p.65. 75 CASSESE, A. (2006) `The Multifaceted”…cit,.p. 943. 17 medidas...de terrorismo contra civis”. Sejam eles praticados por beligerantes, pelos próprios civis ou por grupos organizados em territórios ocupados. Uma disposição semelhante está contida no Segundo Protocolo Adicional de 1977. O art. 4º, nº2, al. d), proíbe “atos de terrorismo” contra “todas as pessoas (maxime os civis) que não participam diretamente ou cessaram de participar em hostilidades, encontram-se (hors de combat) independentemente se a sua liberdade foi ou não restringida” [art. 4º, nº 1]. 7 Os dois Protocolos Adicionais também explicam a proibição geral do terrorismo. O art. 51º, nº 2, do Primeiro Protocolo proíbe “atos ou ameaças de violência cujo principal objetivo seja espalhar terror entre a população civil”. O n.º2 do art. 13º do Segundo Protocolo repete ipsis verbis o art. 51º, nº 2, do Primeiro Protocolo Adicional. 78 Contudo, não podemos concluir daqui, que os combatentes que participam diretamente nas hostilidades podem ser alvo de ataques terroristas. O recurso a atos terroristas contra combatentes está proibido pelo art. 35º e 37º do PA I, quando esteja em causa o uso de métodos ou meios de guerra proibidos ou a perfídia79 . Adicionalmente, como constata CASSESE o Comentário ao Protocolo II Adicional às Convenções de Genebra, ao proibir atos de terrorismo contra a população civil não deixa de proibir todos os atos de terrorismo, sejam estes contra outras pessoas ou contra edifícios. Segundo o autor, todas estas disposições, são hoje vistas como direito consuetudinário, tanto pela doutrina como pela jurisprudência. O que significa que, mesmo que os Estados em causa não tenham ratificado os Protocolos Adicionais encontram-se igualmente sujeitos a estas proibições. No que concerne ao estatuto do TPI sabemos que, dentro dos crimes de guerra, não prevê o crime de terrorismo, no rol das condutas proibidas encontradas no nº2, al. a) do art. 8. Já os estatutos do TPIR, no art. 4/d) e do TESL, no art. 3/d) garantem jurisdição sobre atos de terrorismo como violações do DIH. ( A Propaganda Do Daesh Como Forma De Terrorismo Considerações À Volta Dos Conceitos, Leopoldina Fernandes Sá Dissertação De Mestrado Em Direito Internacional Público E Europeu Sob Orientação De: Dr. Nuno Pinheiro Torres Porto 2018 – Universidade Católica Escola do Porto). No nosso ordenamento jurídico A Lei n.º 31/2004, de 22 de julho - VIOLAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL - Adapta a legislação penal portuguesa ao Estatuto do Tribunal Penal Internacional, tipificando as condutas que constituem crimes de violação do direito internacional humanitário - 17.ª alteração ao Código Penal Para o que no caso releva estão em causa crimes de guerra contra as pessoas Artigo 10.º Crimes de guerra contra as pessoas: 1 - Quem, no quadro de um conflito armado de carácter internacional ou conflito armado de carácter não internacional, contra pessoa protegida pelo direito internacional humanitário, praticar: a) Homicídio; b) Tortura ou tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos, incluindo as experiências biológicas; c) Submissão de pessoas que se encontrem sob o domínio de uma parte beligerante a mutilações físicas ou a qualquer tipo de experiências médicas ou científicas que não sejam motivadas por um tratamento médico, dentário ou hospitalar, nem sejam efetuadas no interesse dessas pessoas, e que causem a morte ou façam perigar seriamente a sua saúde; d) Atos que causem grande sofrimento ou ofensas graves à integridade física ou à saúde; e) Homicídio ou ferimentos infligidos a um combatente que tenha deposto armas ou que, não tendo meios para se defender, se tenha incondicionalmente rendido ou por qualquer modo colocado fora de combate; f) Tomada de reféns; g) Os atos descritos na alínea g) do artigo anterior que constituam violação grave das Convenções de Genebra; h) Recrutamento ou alistamento de crianças em forças armadas, forças militares ou paramilitares de um Estado, ou em grupos armados distintos das forças armadas, forças militares ou paramilitares de um Estado, ou sua utilização para participar em hostilidades; i) Deportação ou transferência, ou a privação ilegal de liberdade; j) Condenação e execução de sentença, sem prévio julgamento justo e imparcial; l) Atos que ultrajem a dignidade da pessoa, em particular por meio de tratamentos humilhantes e degradantes; é punido com pena de prisão de 10 a 25 anos. 2 - Quem, no quadro de um conflito armado de carácter internacional: a) Transferir, direta ou indiretamente, como potência ocupante, parte da sua própria população civil para o território ocupado ou transferir a totalidade ou parte da população do território ocupado, dentro ou para fora desse território; b) Compelir um prisioneiro de guerra ou outra pessoa sob proteção a servir nas forças armadas de uma potência inimiga; c) Após a cessação das hostilidades, retardar, sem motivo justificativo, o repatriamento dos prisioneiros de guerra; é punido com pena de prisão de 10 a 25 anos. Relativamente á vítima FF: factos praticados pelo arguido BB e outrem: Deram-se como provados os seguintes factos: Á hora da oração do pôr-do-sol para os muçulmanos, FF encontrava- se a atender uma cliente na loja, (uma mulher com as vestes a tapar-lhe a cara), que lhe tinha pedido, expressamente, para ser atendida. Por esse motivo, FF não tinha encerrado a loja e estava a desobedecer, em cinco minutos, à obrigação imposta, pela força, pelo Estado Islâmico à população de Mossul, de, a cada pôr-do-sol, na altura do chamamento para a oração, as lojas deverem ser encerradas e todos os habitantes deverem deslocar-se para as mesquitas orar. Nesse momento, verificando que a loja estava aberta, BB, no exercício das suas funções na Al Hisbah, parou o veículo que conduzia da marca ..., modelo ..., com as inscrições Al Hisbah, nas laterais e na traseira do veículo, a cerca de 1,5 metros da porta da loja. BB estava acompanhado de indivíduo identificado com a kunya de VV. VV saiu do interior do veículo e, em comunhão de esforços e intenções com BB, dirigindo-se a FF, perguntou-lhe: “Então, não sabes que está na hora da oração?” De imediato, BB disse a VV: “Para que estás a falar com ele, mete-o já no carro”. VV, em comunhão de esforços e intentos com BB, chegou à porta da loja, cerca de meio metro para o seu interior, e puxou FF por um braço e meteu-o, contra a vontade do mesmo, no interior do veículo. FF não ofereceu qualquer resistência pois tinha medo de, logo ali, ser morto. Ter visto o colete da Al Hisbah vestido em VV foi o suficiente TER TIDO REAÇÃO Já aos comandos da referida viatura, BB, decidia parar, o que fez várias vezes, para recolher outros alegados infractores. BB disse a VV para ir colocando os diferentes infratores dentro do veículo. Após, BB, VV e os treze infratores apinhados no interior do veículo chegaram à Mesquita de .... Durante o percurso, nenhum dos infractores se atreveu a falar, face ao medo que sentiam e permaneceram com a cabeça baixa. Quando ali chegaram, a Mesquita estava cheia de pessoas, a oração estava a terminar e os fiéis estavam a começar a sair do seu interior. BB e VV saíram do interior do veículo e VV mandou, em comunhão de esforços e intentos com BB, que os infratores saíssem e se colocassem em fila, alinhados, de costas para a Mesquita. Deste modo, todos os infratores formaram uma fila indiana de costas para a Mesquita. FF ocupou o quinto lugar da fila. BB e VV aguardaram que a oração terminasse e, no fim da mesma, dirigiram-se às demais pessoas que estavam a sair da Mesquita e que se iam apresentando nas costas dos treze infratores. Depois BB e VV admoestaram-nos, à frente dos civis que obrigaram a que os ouvissem, disseram que os treze homens tinham sido levados para a Mesquita porque eram negligentes em relação ao horário da oração, renegados, porque um dos infratores fumava, não eram seguidores e, por isso, mereciam um castigo. BB e VV eram os únicos membros do Estado Islâmico, naquele momento, na Mesquita. BB e VV decidiram, de comum acordo, chicotear os treze homens, como punição, o que executaram efetiva e imediatamente. FF foi chicoteado com 33 chicotadas nas costas, com cabos de plástico, que FF contou à medida que iam sendo desferidas. FF estava de costas quando foi chicoteado. FF estava, também, de costas para os restantes infractores, quando os mesmos foram chicoteados. FF sofreu dor, a cada chicotada. Ao fim da décima chicotada o corpo de FF apresentava um tom esverdeado/azulado. Todos os treze homens aperceberam-se, não obstante, estarem também de costas, do chicoteamento dos demais. FF apercebeu-se de quatro homens a ser chicoteados antes de si e teve noção perfeita de que BB e VV, também, o iam chicotear. A maioria das pessoas que tinham saído da Mesquita e assistiram ao chicoteamento dos treze homens. FF foi atingido nas costas, usando, no momento, unicamente, uma t- shirt fina. Antes de ser chicoteado, BB e VV disseram-lhe para tirar o casaco que vestia. Após ser chicoteado, FF foi libertado por BB e VV, já quando decorria a oração do fim do dia. Em consequência da atuação descrita, FF sofreu dores e humilhação pública, enquanto era chicoteado. Ficou com as costas negras, com hematomas. Ficou com dores as costas. Durante uma semana, não conseguiu dormir de costas. Todavia, não se deslocou a um hospital, pois tinha medo dos membros do Estado Islâmico, uma vez que tal era proibido após a execução de uma pena daquela natureza. Os seus hematomas foram tratados por um enfermeiro que contratou e que passou a deslocar-se, a sua casa, para o efeito. Durante uma semana, não conseguiu sair de casa e trabalhar, o que lhe causou um prejuízo financeiro, em montante não apurado. Após ter sido levado para o veículo, FF sentiu angústia e medo, sentia-se a caminhar diretamente para a morte, pois não sabia o que lhe ia acontecer, designadamente se ia ser morto. Nos momentos que antecederam as chicotadas, ao aperceber-se que os demais estavam a ser chicoteados, FF sentiu ansiedade e angústia Além disso, FF sentiu-se humilhado, vexado e com vergonha, por ter sido chicoteado em frente aos civis, que saíam da Mesquita, do bairro onde trabalhava. Devido ao trauma que sentiu, nunca mais quis trabalhar em Mossul. Saiu de Mossul, vendeu a loja e deixou a zona, como consequência do trauma psicológico que sofreu. Desde o momento em que BB e VV obrigaram FF a entrar no veículo, durante a oração do pôr-do-sol, até ao momento da libertação, durante a oração do fim do dia, decorreram cerca de duas horas, período de tempo em que não teve liberdade de locomoção, nem de expressão da vontade. BB e VV privaram FF da sua liberdade durante esse período de tempo. BB praticou os factos de que foi vítima FF, também, como funcionário da Al Hisbah e, também, imbuído de um poder concedido pela referida autoridade.BB agiu na execução de um plano comum com um indivíduo chamado VV, de deter e manter detido, contra a sua vontade, a vítima FF, bem sabendo que assim lhe retiravam a liberdade de locomoção e de vontade, tendo agido dessa forma com intenção de o intimidar, assim como a todos os que tiveram conhecimento da sua detenção. BB agiu na execução de um plano comum com um indivíduo chamado VV e pretendeu castigar e punir fisicamente causando dores, sequelas e lesões supra descritas à vítima FF o que previu e conseguiu agindo com intenção de intimidar a vítima assim como todos os que assistiram às chicotadas e a população de Mossul que teve conhecimento em geral. Pelo que atingiu a vítima FF com um tratamento cruel ao chicoteá-lo – artº 10º, al. b) referido atos que causaram grande sofrimento por ofensa à integridade física ou à saúde - alínea d) do referido artº 10º e com uma atuação ultraje a dignidade da pessoa, em particular por meio de tratamentos humilhantes, tanto mais que foram presenciados por outras pessoas no local - artº 10, al. l) e ao priva-lo da sua liberdade (alínea i), punidos como um único crime, uma vez que se tratou de uma actuação única no tempo, com sequência de actos interligados com vista à prática de uma “punição” (na óptica do arguido), sendo a privação da liberdade meio usado para a tortura em frente de demais cidadãos que à hora saíam do local de oração. Relativamente às vítimas GG, HH, II, JJ e KK ; LL; GG; o Tribunal não ficou com dúvidas que foram igualmente crimes de guerra contra estas pessoas, p. e p. pelo artigo 10.º, las. b), d), i) e l): - o sequestro – por 11 dias – e a produção de ofensas com vista a produzir a morte que arbitrariamente é cominada para os espiões, que só não chega a produzir-se porque é pago um suborno; e - a coação criada através da ameaça psicológica e física criada para prosseguir fins arbitrários (obtenção de documentos ou/e de informações aos familiares da pessoa perseguida) ( No entanto, afigura-se-nos que este tipo exige um agente em concreto especificamente identificado e não apenas o contexto em que os agentes atuam, i. é., de conflito armado onde comprovadamente foram praticados outros atos que integram os elementos do tipo de crime guerra e tanto assim é que vem imputados especificamente aos arguidos BB e AA relativamente aos quais o tribunal ficou com dúvidas se atuaram ou não sobre estas pessoas em concreto. 2.1.3.2.1.5 Crime de ameaça (SIC…idem) Em conformidade com o art. 153° n° 1 e 155° n° 1 als. a) e c) são características essenciais do conceito de ameaça “ mal, futuro cuja ocorrência dependa da vontade do agente (Comentário Conimbricense do Código Penal, parte especial, tomo I, dirigido por Figueiredo Dias, pag. 343). Quando os factos previstos nos artigos 153.º a 154.º-C forem realizados: a) Por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos; ou c) Contra uma das pessoas referidas na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º, no exercício das suas funções ou por causa delas; O crime a que nos reportamos constitui um crime de perigo concreto, cujo bem jurídico protegido reside na liberdade de decisão e de acção. A acção de ameaçar tanto pode ser oral, escrita, como gestual. O mal ameaçado tem que constituir crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade de autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor e a ameaça há-de ser adequada a provocar no sujeito passivo medo ou inquietação, ou a prejudicar a sua liberdade de determinação (Comentário Conimbricense, op. cit. pag. 348). No sentido da autonomia do crime de ameaça agravada foi até já uniformizada jurisprudência pelo Acórdão do STJ n.º 7/2013, publicado no Diário da República nº 56, de 20.03.2013, I-A Série, nos seguintes termos: «A ameaça de prática de qualquer um dos crimes previstos no n.º 1 do artigo 153.º do Código Penal, quando punível com pena de prisão superior a três anos, integra o crime de ameaça agravado da alínea a) do n.º 1 do artigo 155.º do mesmo diploma legal». No dia 19.03.2019, cerca das 16.30 horas, BB deslocou-se às instalações do Gabinete de Asilo e Refugiados, do SEF, em ..., ao balcão de atendimento, a fim de ser informado acerca do andamento do seu processo administrativo de protecção internacional. Pretendia BB obter a Autorização de Residência Permanente que tinha requerido. Após ter tomado conhecimento da ausência de decisão, BB começou a reclamar. Face ao seu comportamento, BB foi convidado, pelos Inspectores do SEF, a abandonar as instalações, tendo-se recusado. A Inspectora LLLL que exercia funções no Gabinete de Asilo e Refugiados deslocou-se, então, ao piso 0, ao balcão de atendimento, por tal lhe ter sido solicitado por um superior hierárquico, que a alertou para o facto de estar presente um indivíduo que reclamava de forma incorrecta e se recusava a sair. A Inspectora LLLL abordou, então, BB e informou-o, em inglês, de que os serviços do SEF já se encontravam encerrados e que teria que abandonar as instalações. BB, confrontando a Inspectora, disse que só abandonava o edifício quando lhe entregasse a sua Autorização de Residência Permanente. A Inspectora do SEF informou-o de que teria que aguardar pela decisão final do seu processo, de que seria notificado. BB respondeu-lhe, em inglês, que “cheguei ao meu limite, eu suicido- me. Mas não morro sozinho. Estou a falar a sério”. A Inspectora do SEF questionou-o, também, em inglês: “Como?, ao que BB respondeu, em inglês: “Ouviu muito bem. É isso que disse”. BB advertiu, de forma clara e séria, que através do seu martírio, atentaria contra a vida das pessoas que se encontravam naquelas instalações. Pelo que preencheu com a sua conduta os elementos típicos do crime de ameaça agravada, sendo punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias. 2.1.3.2.2. Da dosimetria da pena (SIC…idem) Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta dos arguidos, importa agora determinar a natureza e medida da sanção a aplicar a cada um dos arguidos. Conforme ensina o Prof. Figueiredo Dias, a determinação definitiva da pena é alcançada através de um procedimento que decorre em três fases distintas: na primeira investiga-se e determina-se a moldura penal (medida abstrata da pena) aplicável ao caso; na segunda investiga-se e determina-se a medida concreta (dita também individual ou judicial); na terceira escolhe-se (de entre as penas postas à disposição pelo legislador e através dos mecanismos das penas alternativas ou das penas de substituição) a espécie de pena que, efetivamente, deve ser cumprida. A medida concreta da pena a aplicar, situada entre um máximo ditado pela culpa e o mínimo reclamado pelas exigências de prevenção geral positiva, resultará, em cada caso, das necessidades de realização dos fins que a prevenção especial positiva se destina a assegurar. A medida da pena será, pois, determinada, dentro de uma moldura de prevenção, funcionando a culpa do agente, como limite máximo inultrapassável (Cfr. art.º 40º, nº.s 1 e 2 do Código Penal; vd. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, Lisboa, 1993, pp. 227 e ss. Vejamos, em concreto, estas diversas etapas: Conforme acima se analisou: O crime de adesão a terrorismo (internacional) é punido com prisão de 8 a 15 anos. A moldura manteve-se inalterada com a revisão Lei 2/2023, de 16 de janeiro. Atualmente está previsto no 3º, nº1 al. d), sob a epígrafe Infrações relacionadas com um grupo terrorista. Pelo que tem aplicação o regime regra do artº 2º, nº1 do C.P. sem necessidade de aplicação retroativa de lei mais favorável – nº4 da mesma disposição normativa. O crime de guerra é punido com pena de prisão de 10 a 25 anos. O crime de ameaça agravada com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias. O arguido BB: No Código Penal adoptou-se o critério teleológico para distinguir entre unidade e pluralidade de infracções, atendendo-se ao número de tipos de crimes efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente (cfr., artigo 30.º n.º 1 do Código Penal). Em síntese pode afirmar-se que a realização plúrima de tipos de crimes pode constituir: a) um concurso aparente de infracções, se da interpretação da lei penal resultar que só uma norma jurídico-penal tem aplicação; b) um só crime, se ao longo de toda a realização criminosa tiver persistido o dolo ou resolução inicial; c) um só crime na forma continuada, se toda a actuação não obedeceu ao mesmo dolo, mas este tiver interligado por factores externos que arrastaram o agente para a reiteração das condutas; d) um concurso efectivo de infracções, se não se verificar qualquer dos casos anteriores. No caso em apreço, a conduta do arguido infringiu de forma plural distintos preceitos jurídico-legal e ofendeu distintos bens jurídicos (já analisados em momento anterior). Pelo BB cometeu estes três crimes em concurso real e efetivo. O crime de ameaça agravada prevê, em alternativa, pena de multa. O critério para a escolha da pena está estabelecido no artigo 70.º do Código Penal: "se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição Assim sendo, deve dar-se prevalência à medida não detentiva, desde que a sua aplicação seja suficiente para promover a reintegração social do agente e dar satisfação às finalidades de prevenção geral. A análise global do comportamento do arguido indica a verificação, in casu, exigências de prevenção especial acentuadas. Desta forma, a opção, no caso concreto, por uma pena de prisão é a única solução justificável, quer do ponto de vista da ressocialização, quer do ponto de vista da consciência jurídica da comunidade. O arguido AA cometeu o crime de adesão a terrorismo (internacional). Esgotado o primeiro momento da determinação definitiva da pena, cabe agora proceder à fixação da respectiva medida concreta, o que se fará nos termos equacionados no artº 71º, nº 1, do C.Penal, ou seja, em função da culpa do agente, que constitui limite inultrapassável (traduzindo-se, assim, num princípio fundamental do Estado de Direito[5]), tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes[6]. Por outro lado, como dispõe o nº 2 do referido preceito, deverão, ainda, ser consideradas todas as circunstâncias gerais que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, em particular o grau da ilicitude do facto, a intensidade do dolo e a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime, bem como, as suas condições pessoais e a sua situação económica. Como escreve o Conselheiro Manso-Preto[7], as referidas circunstâncias - sob pena de sair maltratada a proibição da dupla valoração, também aqui relevante - não hão-de ter sido já levadas em conta na determinação da medida abstracta da pena, seja através da ponderação da sua contribuição para a formação do tipo de crime, seja porque já antes funcionaram como circunstâncias modificativas estranhas ao tipo. No que diz respeito à culpa a que se refere o artº 71º, nº 1, do C.Penal, é esta entendida no seu sentido comum, como elemento do conceito de crime (quer dizer, como o juízo de censura que é possível dirigir ao agente por não se ter comportado, como podia, de acordo com a norma). Acresce que, como limite que é, a medida da culpa serve para determinar o máximo da pena - que não poderá ser ultrapassado - e não para fornecer, em última análise, a medida da pena. Esta dependerá, dentro do limite consentido pela culpa, de considerações de prevenção. Tendo em conta este princípio, consideremos agora as circunstâncias relevantes em termos de medida da pena concreta. Relevam por via da culpa, para efeitos de medida da pena: - no sentido da agravação da ilicitude contribui o grau de conhecimento e a intensidade da vontade no dolo: dolo directo, a duração e intensidade do comportamento de ambos os arguidos no que concerne ao crime de adesão ao terrorismo. Ponderados todos estes factores, deve estabelecer-se o grau de culpa acima do limite médio da moldura abstracta para ambos os arguidos. Revelam por via da prevenção especial para efeito de medida da pena: Em relação ao arguido BB: Esteve patente ao logo dos factos, na sua conduta, inclusive em Portugal e em audiência de julgamento uma agressividade expressa ou latente. O modo de execução dos factos e a gravidade das suas consequências eleva o grau do ilícito. Não se inseriu na comunidade e não ocupou laboralmente o seu tempo na maioria do período que esteve em Portugal. A formação académica do arguido, com competências equivalentes ao 12º ano que lhe permitem perceber perfeitamente compreender o sentido e alcance dos seus atos. - a postura do mesmo em audiência, a qual, no refúgio da construção de uma “cabala”, não só tolheu ao Tribunal a possibilidade de aduzir maior índice de compreensão ao peso e objetividade dos factos adquiridos pela prova pré-constituída e produzida, como, sobremaneira, não deixa de evidenciar ao Tribunal que, volvido este tempo da prática dos factos, o arguido não evidencia laivo de contrição face à ação levada a efeito; Em relação ao arguido AA: O modo de execução dos factos e a gravidade das suas consequências eleva o grau do ilícito. Tem uma postura mais contida, mas que facilmente se apercebe que pretende dissimular a sua personalidade. Tolheu, igualmente ao Tribunal a possibilidade de aduzir maior índice de compreensão ao peso e objetividade dos factos adquiridos pela prova pré-constituída e produzida, como, sobremaneira, não deixa de evidenciar ao Tribunal que, volvido este tempo da prática dos factos, o arguido não evidencia laivo de contrição face à ação levada a efeito; No entanto sopesa em seu favor o percurso em Portugal, inseriu-se na comunidade, adotou uma conduta laboralmente ativa e tudo indica que aqui pretendia construir o seu futuro. Nesta conformidade entende-se aplicar as seguintes penas: Ao arguido BB, pela prática do crime de adesão a organização terrorista, p. e p., nos artigos 2.º n.º 1 alínea a) e n.º 2, 3.º, 4.º n.º 1 e n.º 10 e 8.º n.º 1 da Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto (com as alterações e aditamentos introduzidos através da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, da Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho e da Lei n.º 17/2011, de 3 de Maio) a pena de 10 ( dez) anos de prisão. Pela prática de um crime de guerra, p. e p. pelo artº 10º, als. b) d) e i), tendo como vítima FF a pena de 12 (doze) anos de prisão. Pela prática de um crime de ameaça agravada, p.e p. pelo art. 153° n° 1 e 155° n° 1 als. a) e c) a pena de 16 (dezasseis) meses de prisão. De acordo com o disposto no n.º 1 do art.º. 77.º do Código Penal, há lugar a cúmulo jurídico quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer um deles. Assim, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º. 77.º do C.P., em caso de cúmulo, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, ou seja, no caso, de 12 anos de prisão até vinte e quatro anos e quatro meses de prisão. Ora, no caso de concurso de crimes, Tribunal condena o arguido numa pena única, sendo que o estabelecimento do cúmulo jurídico não constitui uma nova operação contabilística, ou um jogo de números, mas um verdadeiro julgamento, em que expressamente se considera o peso que os factos e a personalidade do seu autor têm no ajuizamento da sua conduta. Deste modo, conjugando a globalidade dos factos apurados e a personalidade do agente já referidos acima constata-se que os factos se encontram todos interligados e relacionados. Ponderada a gravidade do ilícito global praticado, fornecida pela conexão (espacial e temporal) verificada entre os factos concorrentes, é de atribuir à pluralidade de crimes efeito agravante dentro da moldura penal conjunta Assim e aderindo-se aos doutos ensinamentos perfilhados no aresto do Supremo Tribunal de Justiça que ora se convoca (ao qual presidem desideratos de unidade do sistema e legitimação do poder judicial)10[8] Decide-se, em cúmulo jurídico, fixar em dezasseis anos de prisão Ao arguido AA, pela prática do crime de adesão a organização terrorista, p. e p., nos artigos 2.º n.º 1 alínea a) e n.º 2, 3.º, 4.º n.º 1 e n.º 10 e 8.º n.º 1 da Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto (com as alterações e aditamentos introduzidos através da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, da Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho e da Lei n.º 17/2011, de 3 de Maio) a pena de 10 ( dez ) anos de prisão. 2.1.3.2.3. Da pena acessória de expulsão (SIC…idem) Os factos pelos quais são condenados revestem de significativa gravidade, expressa, por um lado, pelas molduras abstrata e concreta, e, por outro, pela proteção direta e indireta de uma multiplicidade de bens jurídicos pela norma incriminadora. Evidentemente, crendo-se na finalidade ressocializadora e educadora das penas, o afastamento da comunidade que decorrerá do cumprimento da pena principal de prisão, não permite afastar de forma perentória a possibilidade de os condenados voltarem a cometer crimes, nem é condição para que se confira ao cidadão estrangeiro autorização para permanecer no território nacional. Ora, nos termos do disposto no artigo 34.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e nos artigos 134.º, n.º 1, alíneas e) e f), 140.º, n.º 2 e 151.º, n.º 1, todos da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, com a redação da Lei n.º 29/2012, de 09 de Agosto, estão verificados os pressupostos legais de condenação dos arguidos na pena acessória de expulsão do território português – considerando as condenações, o arguido AA na pena de dez anos de prisão o arguido BB na pena única de dezasseis anos de prisão, a gravidade dos factos praticados pelos arguidos, a sua personalidade e a inexistente integração social em território nacional referente ao arguido BB e, não tão inexistente relativamente ao arguido AA, se bem que ambos se tenham deslocado para território nacional precisamente porque praticaram crimes no seu país, querendo passar-se por refugiados- Fuga ao ISI/ Estado Islâmico -a que ambos afinal pertenciam. - Bens jurídicos afectados com a actuação dos arguidos; - Modus operandi do Estado Islâmico, designadamente a dispersão de células adormecidas na Europa e apelo e incitamento aos lobos solitários; - Relatório de notícia do SIS de 25.10.2017. A concessão da Autorização de Residência Permanente em Portugal a AA teve como pressuposto as suas declarações não verdadeiras ao SEF, a omissão dos factos por si praticados no Iraque e o desconhecimento da verdadeira razão da sua fuga para Portugal, como atrás descrito. Caso as autoridades portuguesas tivessem tido conhecimento dos factos atrás descritos, cujo teor se dá por reproduzido, teriam obstado à permanência de AA em Portugal, por considerarem a mesma um perigo ou fundada ameaça para a segurança interna ou para a ordem pública, à semelhança da decisão que tomaram relativamente a BB. As exigências de prevenção especial relativamente aos arguidos são muito elevadas, dando-se por reproduzido tudo quanto foi dito relativamente ao modus operandi do Estado Islâmico, designadamente aos apelos globais efectuados pelos seus líderes, à permanência de células adormecidas nos países ocidentais e ao fanatismo da ideologia e crenças jihadistas salafistas sufragadas pelos arguidos. Os factos praticados pelos arguidos puseram e põem em causa, de forma muito grave, a ordem pública do Iraque, de todos os países ocidentais e, também, de Portugal, uma vez que afectam bens jurídicos protegidos à escala internacional. A presença dos arguidos em Portugal, afecta, de forma séria e grave, a segurança e a defesa de Portugal. A presença dos arguidos em Portugal põe em causa os interesses e a dignidade do Estado português e dos seus nacionais. Acrescente-se que a autoridade judicial é competente para a aplicação da pena acessória, nos termos do disposto no artigo 140.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 23/2007, de 04 de julho. Ponderando todos os critérios anteriormente anunciados, fixa-se em 10 ( dez) anos a duração da pena acessória de expulsão do território nacional a ambos os arguidos. 2.2. Objeto do recurso Os recursos são o meio processual mediante o qual, através da sujeição da decisão uma reapreciação de substância por um Tribunal Superior, se corrigem os erros cometidos na decisão judicial penal. (neste sentido, Simas Santos e Leal-Henriques, in Recursos Penais, 9ª ed., Lisboa, 2020, p. 25) Os limites de cognição do Tribunal ad quem estebelecem-se entre o quanto é firmado nas conclusões extraídas pelo recorrente da sua fundamentação de motivação – como sintetização das razões da sua discordância com a decisão recorrida - e o quanto integre questões de conhecimento oficioso, tais quais as nulidades insanáveis, ou que não se mostrem sanadas, que afetam o processado e os vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum (art. 410.º/2CPP) e que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito. (arts. 402.º;403.º;412.º/1CPP) (Pereira Madeira, in Código de Processo Penal comentado”, António Henriques Gaspar, José Santos Cabral, Eduardo Maia Costa, António Oliveira Mendes, António Pereira Madeira e António Pires da Graça, Ed. Almedina, 2014, p. 1299) (jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, rel. Juiz Conselheiro Bernardo Fisher Sá Nogueira, 19outubro1995, in DR I-Série-A, 28dezembro995 e Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 10/2005, rel. Juiz Conselheiro Armindo dos Santos Monteiro, 20outubro2005, in DR I-Série-A, 7janeiro2005, acessíveis in www.stj.pt/uniformizacao-de-jurisprudencia) “As relações conhecem de facto e de direito (art. 428.ºCPP) devendo por isso, subsumir o direito aos factos”. (nesta específica expressão, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro Pires da Graça, 16maio2012, NUIPC 30/09.7GCCLD.L1.S1, acessível in www.dgsi.pt/jstj) O recurso interposto de uma Sentença abrange toda a decisão (art. 402.º/1CPP) e mesmo que opere limitação do recurso a uma parte da decisão tal não prejudica o dever de o Tribunal ad quem retirar da procedência daquele as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida (art. 403.º/3CPP). Mais, salvo se se fundar em motivos estritamente pessoais, o recurso interposto por um dos arguidos, em caso de comparticipação, aproveita aos restantes (art. 402.º/2a)CPP). Resumindo, havendo tão só recurso em matéria de facto, a Relação conhece do objeto do recurso, e se modificar a matéria de facto, extrai as consequências jurídicas decorrentes; sendo o recurso de facto e de direito, conhece de ambos; sendo o recurso somente de direito, conhece do recurso, sem prejuízo do disposto no art. 410.º/2/3CPP; havendo vários recursos da mesma decisão, dos quais alguns versem sobre matéria de facto e outros exclusivamente sobre matéria de direito, são todos julgados conjuntamente pelo Tribunal competente para conhecer da matéria de facto (art. 414.º/8CPP). Ou seja: a função do Tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que o convocou o Tribunal ad quem a um juízo de mérito. Qual a situação dos autos? 2.2.1. Recurso do Ministério Público Das conclusões do recurso do Ministério Público (cfr. supra 1.2.1.) extraem-se três questões base, a saber: a) a reversão da matéria de facto dada como não provada, passando a provada, com subsequente condenação - para tanto argumenta que da prova produzida – nomeadamente das declarações para memória futura e dos documentos juntos – resulta a veracidade dos factos relatados pelas vítimas, pelo que o Tribunal a quo, mormente através do indevido uso do princípio in dubio por reu, não valorou adequadamente o sentido dos depoimentos das vítimas – as quais os prestaram num quadro de dificuldade e risco, quer pelo trauma, quer pelo contexto de guerra, quer pela complexidade inerente à tradução, quer pelas “ameaças” recebidas e inerentes à influente família dos Arguidos -, antes tendo tão só valorizado parcialmente o pelas mesmas. b) da alteração para concurso efetivo, por relação entre plurais crimes de guerra, com subsequente condenação - para tanto argumenta que a privação da liberdade de FF, porque operada além do estritamente necessário, assume autonomia em relação à ofensa à integridade física, o quanto determina que – protegendo o art. 10.º-Lei-31/2004 bens jurídicos diferenciados – se esteja perante concurso efetivo de crimes de guerra. c) a dosimetria das penas - para tanto argumenta que, não obstante concordar com os critérios utilizados pelo Tribunal a quo – sem prejuízo da omissão de ponderação das exigências de prevenção geral - tem a pena por insuficiente face à gravidade dos factos integrantes dos crimes em apreço e ao quanto os mesmos representam em termos de ameaça à comunidade internacional. 2.2.2. Recurso do Arguido AA Das conclusões do recurso do Arguido AA (cfr. supra 1.2.2.) extraem-se quatro questões base, a saber: a) a reversão da matéria de facto dada como provada [factos 21, 22, 24, 28, 29, 30, 31, 40, 47, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 69, 75, 79, 80, 95, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 105, 106, 107, 108, 167, 202, 203, 402, 403, 404, 685, 686, 687, 689, 690, 691, 692, 693, 694, 698, 703], passando a não provada, com subsequente absolvição - para tanto argumenta que a prova que sustenta a condenação se mostra insuficiente - porque tão só decorrente dos depoimentos de testemunhas em sede de declarações para memória futura - e contraditória - o que determinaria um acrescido exame critico por parte do Tribunal a quo. - na essência sindica, deste modo, as situações de: Ÿ recrutamento, pelo irmão CC, para o EI, frequentando curso; Ÿ exercício de funções ao serviço do EI no bairro ...; Ÿ uso do traje afegão (Kandahari); Ÿ juramento de fidelidade ao EI; Ÿ exercício de funções ao serviço do EI no “serviço de proibição de viagem” e acompanhamento dos irmãos CC e BB em acções, em viaturas identificadas e usando arma; Ÿ participação em vídeos; b) do não preenchimento dos elementos típicos do crime de adesão a organização terrorista - para tanto argumenta que, não estando provados os factos que supra sindica, decai a viabilidade de condenação, ao menos à luz do principio de presunção de inocência decorrente do uso do princípio in dubio por reu . c) da não punição / da atenuação especial da pena / da moldura da pena - para tanto argumenta que tendo os imputados factos dados como provados operado em Mossul, Iraque, cidade sob o domínio do EI até Julho2017, certo é que tal cidade saiu em Março2016, vindo para a Europa, pelo que voluntariamente abandonou o EI, o que determina dispensa de pena, ou atenuação especial da mesma – para uma pena não superior a 2 anos -, ou descida da pena para uma dosimetria não superior a 8 anos. d) da pena acessória de expulsão - para tanto argumenta que, estando integrado em Portugal, onde aprendeu a língua, trabalhou e estabeleceu uma relação afetiva, tal pena acessória se mostra excessiva e desproporcional, traduzindo-se numa vera pena de morte uma vez considerado o perigo de perseguição e morte a que está sujeito se regressasse ao Iraque. 2.2.3. Recurso do Arguido BB Das conclusões do recurso do Arguido BB (cfr. supra 1.2.3.) extraem-se quatro questões base, a saber: a) das ilegalidades - questão prévia/nulidades do acórdão - para tanto argumenta que: Ÿ - como questão prévia - opera errada identificação da legislação aplicada, o que determina violação do art. 374.º/3a)CPP; Ÿ opera condenação por crimes diversos e não constantes da acusação e pronúncia, tais quais o crime de adesão a organização terrorista internacional, com inclusão de artigos anteriormente não mencionados (4.º/1 e 10; 8.º/1 – Lei 52/2003), o quanto gera alteração substancial dos factos, não comunicada – art.s 358.º e 359.ºCPP; Ÿ opera condenação em pena acessória de expulsão, com alteração de qualificação jurídica de base, não comunicada – art. 358.ºCPP; b) a reversão da matéria de facto dada como provada [factos 8, 9, 19, 21 a 24, 28 a 32, 33 a 38, 39 a 46, 65, 67, 68, 70 a 94, 100 a 109, 186, 187, 202, 203, 233 a 236, 268 a 272, 281 a 336, 361 a 374, 414 a 418, 419 a 436, 437 a 467], passando a não provada, com subsequente absolvição - para tanto argumenta que: Ÿ quanto aos factos provados 281 a 336 inexiste concretização temporal, o que impede o exercício do direito de defesa; Ÿ quanto aos demais factos provados que sindica, opera ausência de prova, bastante, ou segura e coerente; c) da pena acessória de expulsão - para tanto argumenta que opera proibição legal de execução da pena acessória por motivos que possam vir a determinar a pena de morte ou uma lesão irreversível da integridade física, risco de perseguição, tortura ou tratamento desumano, o que pode acontecer no Iraque uma vez que exista no mesmo pendente processo do qual tal pode advir. d) da dosimetria da pena - para tanto argumenta que inexistindo antecedentes criminais ou processos pendentes, tendo os factos ocorrido por influência de irmão mais velho, em cultura cuja subordinação opera, tendo operado abandono voluntário, impõe-se uma dispensa de pena ou pelo menos uma atenuação especial da pena. Vistas as questões a resolver, há que decidir sobre a ordem de conhecimento das mesmas. Impõem os art. 368.º;369.ºCPP - por remissão do art. 424.º/2CPP -, que o Tribunal da Relação conheça das questões que constituem o delimitado objeto do recurso pela seguinte ordem: a) das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão; b) das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art. 412.ºCPP, a que se seguem os vícios enumerados no art. 410.º/2CPP; c) das questões relativas à matéria de direito. Distinguindo os recursos, porque de matérias diferenciadas e finalidades opostas cuidam, as questões têm que ser conhecidas pela seguinte ordem: 1.ª questão: - das ilegalidades: questão prévia/nulidades do acórdão (recurso do Arguido BB - cfr. supra 1.2.3.) 2.ª questão: - da impugnação da matéria de facto (recurso do Ministério Público - cfr. supra 1.2.1.) (recurso do Arguido AA (cfr. supra 1.2.2.) (recurso do Arguido BB - cfr. supra 1.2.3.) 3.ª questão: - da alteração para concurso efetivo, por relação entre plurais crimes de guerra, com subsequente condenação (recurso do Ministério Público - cfr. supra 1.2.1.) 4.ª questão: - do não preenchimento dos elementos típicos do crime de adesão a organização terrorista (recurso do Arguido AA (cfr. supra 1.2.2.) 5.ª questão: - da dosimetria da pena (recurso do Ministério Público - cfr. supra 1.2.1.) (recurso do Arguido AA (cfr. supra 1.2.2.) (recurso do Arguido BB - cfr. supra 1.2.3.) 6.ª questão: - da pena acessória de expulsão (recurso do Arguido AA (cfr. supra 1.2.2.) (recurso do Arguido BB - cfr. supra 1.2.3.) 1.ª questão Das ilegalidades: questão prévia/nulidades do acórdão A - Considerações Gerais O Arguido BB (cfr. supra 1.2.3.) aponta três situações que, na sua ótica, conduzem aos prismas supra, as quais cumpre separadamente analisar – até porque a primeira das mesmas é apontada como questão prévia. Como bem refere Germano Marques da Silva (in Curso de Processo Penal, II.º Volume, p. 56) lendo o CPP, facilmente se verifica que o legislador “conduz os participantes processuais na sequência do procedimento, dispondo quais os atos admitidos ou obrigatórios e para cada um deles quem os pode praticar e quando, onde e como devem ser praticados, prescrevendo o modelo e os requisitos de cada ato. O ato perfeito é o que corresponde ao modelo abstrato estabelecido pela lei. A perfeição do ato processual reconduz-se à sua correspondência ao modelo legal” e por isso o mediano interprete compreende a razão de ser da estreita ligação entre a perfeição formal do ato e a emanação do mesmo no tempo próprio, lugar próprio e modo próprio. Uma vez que os atos processuais são atos instrumentais que se inserem na já de si complexa unidade do processo - tão mais agravada quando é certo que no presente caso se trata de processo penal e como tal em estreita ligação com os direitos fundamentais de qualquer cidadão aí atingido, e independentemente da posição que no mesmo ocupa -, esses mesmos atos, em certo sentido, são condicionados pelo precedente e condicionantes do subsequente, e assim, a observância dos requisitos formais repercute-se mais ou menos acentuadamente no ato terminal do processo, pondo em perigo a justiça da decisão. O que significa que cumpre perceber em primeiro lugar se opera desconformidade do acto e, seguidamente, estabelecer qual a decorrência dessa desconformidade, mormente à luz da regra de numerus clausus imposta pelo princípio da legalidade firmado no art. 118.ºCPP, do qual resulta que se relega para a figura da mera irregularidade todas as violações processuais que não se encontrem expressamente cominadas com a nulidade. É dizer, decorre do princípio da tipicidade em causa que “a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei”, sendo que “nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o ato ilegal é irregular”. As nulidades insanáveis são, por definição, insuscetíveis de reparação, podendo ser conhecidas a todo o tempo na pendência do procedimento, oficiosamente ou a pedido. Não podem porém ser declaradas após a formação de caso julgado sobre a decisão final que, neste aspeto, atua como forma de sanação. Por seu turno, a regra geral é a de que as nulidades relativas e as irregularidades ficam sanadas se não forem acusadas nos prazos legais de arguição. Tudo, sem prejuízo da destrinça com o quadro de ilegalidade, situação cuja significância é mais abrangente e se estabelece na referência a uma atuação que contraria o estabelecido na lei, como desconformidade com o direito positivo. B - Da questão prévia - violação do art. 374.º/3a)CPP Dá conta o Arguido BB (ponto 3.1 da motivação, conclusões 1 a 4) que do ponto b) do dispositivo do Acórdão de 18janeiro2024 resulta uma omissão do diploma legal de reporte, o que na sua ótica viola a imposição do art. 374.º/3a)CPP, com consequente ilegalidade, que invoca, sem que, o que se consigna, daí extraia qualquer consequência jurídica ou pedido. Em sede de resposta o Ministério Público, identificando a questão, tem-na por integrante em lapso de escrita (art. 380.º/1b)2CPP), a assim ser sanada. Vista a questão no prisma apresentado e na dimensão que a mesma merece, cumpre decidir. Consta da acusação (ponto 7.a)5) (2setembro2022 – ref. ...77), mantido na pronúncia (ponto X10.e) (21dezembro2022 – ref. ...93), a imputação ao Arguido BB de um crime de guerra contra as pessoas, no que se cuida, p.p. pelo art. 10.º-L31/2004-22julho. Tal qualificativa jurídica não foi objeto do despacho de alteração, ao abrigo do art. 358.º/1/3CPP, constante da ata de audiência de discussão e julgamento (18janeiro2024 – ref. ...02) e é a que consta do relatório (ponto 1, no que se cuida com início no último § de fls.. 2) do Acórdão. Em sede de aplicação do direito (ponto 3.2, em concreto a fls. 286 e ponto 3.5, em concreto a fls. 307, do Acórdão) é reportado o dito crime de guerra contra as pessoas com indicação de diploma por referência ao antecedente parágrafo – “Lei n.º 31/2004, de 22 de julho”. E é sobre essa norma concreta e diploma em causa que a fls. 308 do Acórdão é feita a subsunção dos factos ao direito. Por seu turno, ao nível de escolha e determinação da medida da pena (ponto 4, iniciado a fls. 315 do Acórdão) é dito a fls. 320 do Acórdão que se fixa a pena de 12 anos de prisão pela prática do reportado e analisado crime p.p. pelo art. 10.º, o que é repetido ipsis verbis ao nível da decisão. E é sobre esta última situação que o recorrente se debruça, integrando a situação no art. 374.º/3a)CPP, o qual determina que “a sentença termina pelo dispositivo que contém: as disposições legais aplicáveis”. Temos por evidente que na decisão não se está a falar de qualquer outro art. 10.º que não o da L31/2004-22julho. Mais não seja porque nenhum outro art. 10.º é, com relação a qualquer outra legislação, chamado à liça em sede da peça processual em causa. E daí que resulte, à saciedade, que bem compreende – porque só essa compreensão é possível ao homem médio – qualquer interveniente processual que a decisão se está a referir ao art. 10.º da L31/2004-22julho. Tal indiscutível discernimento não retira, porém, a existência de omissão, nos termos reportados pelo recorrente. Contudo, ao contrário da situação de reporte à subsequente alínea b), do n.º 3 do art. 374.ºCPP, não opera cominação de nulidade. Estamos, então, perante uma situação a resolver no âmbito do art. 380.º/1a)/2CPP, uma vez que tal mais não é do que um contexto em que por esquecimento ou lapso se omitiu o diploma legal em sede de dispositivo, tudo a somente determinar simples correção do Acórdão, porque em situação não cabível no art. 379.ºCPP, mas que colide com o art. 374.ºCPP, cabendo a este Tribunal Superior a sua sanação, passando a ler-se a referência do art. 10.º à L31/2004-22julho, como se consigna. C - Da nulidade - violação dos art.s 358.º e 359.ºCPP, por reporte ao art. 379.º/1b)CPP Dá conta o Arguido BB (ponto 3.2 da motivação, conclusões 5 a 16) que acusado (ponto 7.a)1) (2setembro2022 – ref. ...77) e pronunciado (ponto X10.a) (21dezembro2022 – ref. ...93) pela autoria de 1 crime de organizações terroristas (modalidade de adesão), p.p. pelos art.s 1.º, 2.º/1a);b);c);d);f)/2, 3.º/1/2, L52/2003-22agosto, na redação da L17/2011-3maio, afinal vem a ser condenado, na pena de 10 anos de prisão, por 1 crime de adesão a organização terrorista internacional, p.p. pelos art.s 2.º/1a)/2, 3.º, 4.º/1/10 e 8.º/1, L52/2003-22agosto (com as alterações e aditamentos introduzidos através da L59/2007-4setembro, L25/2008-5junho e L17/2011-3maio). Como tal, na decisão mostram-se acrescidos os ditos art.s 4.º/1/10 e 8.º/1, não constantes da acusação e da pronúncia e que não foram objeto do despacho de alteração de qualificação jurídica – assim seja entendido como integrante -, ao abrigo do art. 358.º/1/3CPP, constante da ata de audiência de discussão e julgamento (18janeiro2024 – ref. ...02). Entende, porém, que tal antes gera afronta ao art. 1.ºf)CPP, por se tratar de condenação em crime diverso, que além do mais agrava os limites máximos das sanções aplicáveis, sendo que não tendo operado comunicação para os efeitos do art. 359.ºCPP ocorre a nulidade firmada no art. 379.º/ab)CPP, que invoca, daí extraindo a necessidade de os autos serem devolvidos ao Tribunal a quo para prolação de nova decisão. Em sede de resposta o Ministério Público, identificando a questão, dando conta de que efetivamente operou acréscimo dos referidos art.s 4.º/1 e 8.º/1, também reporta acréscimo do art. 10.º, aponta a aplicabilidade abstrata dos mesmos, concluindo que se o art. 8.º se limita à referência de aplicação no espaço e o 10.ª às alterações ao CP, já o 4.º - que limita ao n.º 10 - não só inexistia à data dos factos como se reporta a situações que em nada contendem com o objeto dos autos, pelo que inexistindo qualquer diferenciação ao nível da moldura penal a aplicar, se deve considerar que tal resulta de lapso de escrita (art. 380.º/1b)2CPP), a assim ser sanada, considerando-se a condenação nos termos de referência à delimitação provada de reporte às normas constantes da acusação e pronúncia - art.s 2.º/1a)/2 e 3.º L52/2003-22agosto, na redação da L17/2011-3maio. Vista a questão no prisma apresentado e na dimensão que a mesma merece, cumpre decidir. Vejamos as normas em causa, à luz da acusação e pronúncia, assim como à luz da vigência à data do Acórdão condenatório do Tribunal a quo, esta última a atual. Está em causa situação reportada no art. 1.º-L25/2008-5junho, onde se cuida da previsão e punição de atos e organizações terroristas. A versão originária sofreu alteração pela L19/2019-14fevereiro, a qual se limitou a reportar a transposição para a ordem interna da Diretiva (UE) 2017/541, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 março2017, relativa à luta contra o terrorismo, e que substitui a Decisão-Quadro 2002/475/JAI do Conselho e altera a Decisão 2005/671/JAI do Conselho. Os factos em causa nos autos situam-se, quanto ao art. 2.º- L52/2003-22agosto, na versão da L25/2008-5junho, sob e epígrafe “organizações terroristas”, sendo que no n.º 1 se define o conceito de grupo, organização ou associação terrorista, pela soma da sua composição e modo de atuação integrante de crimes ou determinados atos, situações estas que nos termos do n.º 2, quando enquadradas na modalidade de adesão, determinam a aplicação duma pena abstrata entre 8 e 15 anos. Esta norma do art. 2.º, na versão atualmente vigente (que é a da L2/2023-16janeiro), cuida somente dos conceitos, tendo sido alterada a epígrafe para “conceito de grupo terrorista e de infração terrorista” sendo que a penalização inerente a tais condutas passou a estar prevista no art. 3.º, in casu, sem alteração de moldura penal abstrata (atual n.º 1 b), na redação da L2/2023-16janeiro). Por seu turno, o art. 3.º-L52/2003-22agosto, estabelecia-se sob e epígrafe “infrações relacionadas com um grupo terrorista” dando-nos conta que (na limitação de adesão a grupo terrorista, como modalidade imputada, como tal a caber na alínea b) do n.º 2) tais situações – nomeadamente através do fornecimento de informações ou de meios materiais ou do financiamento das suas atividades - determinam a aplicação duma pena abstrata entre 8 e 15 anos. Já se estiver em causa uma situação de chefiar ou dirigir grupo terrorista a pena abstrata ascende a 15 a 20 anos. A norma do art. 3.º, na versão atualmente vigente (que é a da L2/2023-16janeiro), como já se referiu, passou a cuidar das molduras penais de reporte aos crimes reportados no art. 2.º, tendo sido alterada a epígrafe para “infrações relacionadas com um grupo terrorista”. Repete-se, a penalização inerente à conduta de adesão (atual n.º 1 b), na redação da L2/2023-16janeiro) mantém-se na abstração duma pena entre 8 e 15 anos, sendo que quanto às situações de chefia e adesão igualmente inexiste alteração - pena abstrata ascende a 15 a 20 anos (atual n.º 2, na redação da L2/2023-16janeiro). É este o quadro legal a considerar em termos de sucessão de leis no tempo. E daqui uma nota inicial cumpre fazer, qual seja a de que a referência feita na acusação e pronuncia ao art. 2.º/2 implica que o agente atue mediante a prática dum crime já tipificado ou ato, em moldes de apoio a grupo, organização ou associação terrorista, nomeadamente através do fornecimento de informações ou meios materiais. Já a situação do art. 3.º é alterativa àquele art. 2.º e consubstancia a previsão para situações de equiparação de atuações de pessoas e fins. Vejamos as normas à luz do acórdão condenatório proferido pelo Tribunal a quo. O mesmo delimita a situação à alínea a) do art. 2.º/1-L52/2003-22agosto, na versão da L25/2008-5junho, já supra reproduzida. É dizer, reporta unicamente a situação de "crime contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas". (consigna-se que hodiernamente, como já o era à data do acórdão condenatório proferido pelo Tribunal a quo, a versão da norma é a resultante da L2/2023-16janeiro, a qual, no que se cuida quanto à alínea a) do n.º 2, a subdividiu nas alíneas a) a c) do n.º 3) No mais, o enquadramento é o reportado na acusação e pronúncia, como de adesão ao dito grupo, organização ou associação terrorista, determinam a aplicação duma pena abstrata entre 8 e 15 anos. Quanto ao art. 3.º o reporte é idêntico ao da acusação, sendo que, porém, é feita chamada de atenção (fls. 296 do acórdão condenatório) que a redação mais recente - a referida da L2/2023-16janeiro – manteve inalterada a moldura penal de reporte. Refere-se, ainda – eis o pomo da discórdia – os art.s 4.º/1/10 e o art. 8.º/1. Ora, o art. 4.º-L52/2003-22agosto – que na versão à data dos factos é o da L17/2011-3maio – sob a epigrafe “terrorismo” diz-nos no seu n.º 1, que “Quem praticar os factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos, ou com a pena correspondente ao crime praticado, agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo, se for igual ou superior àquela, não podendo a pena aplicada exceder o limite referido no n.º 2 do artigo 41.º do Código Penal.” Por seu turno, à data dos factos inexiste n.º 10 no art. 4.º. Este (n.º 10) só é introduzido pela L60/2015-24junho, inicialmente com a redação de “Quem, por qualquer meio, viajar ou tentar viajar para um território diferente do seu Estado de residência ou nacionalidade, com vista ao treino, apoio logístico ou instrução de outrem para a prática de factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão até 5 anos. “ (esta redação foi alterada pela L16/2019-14fevereiro, introduzindo-se, em acrescento às finalidades da viagem, as atuações de “com vista a dar, receber ou adquirir por si próprio apoio logístico, treino, instrução ou conhecimentos, sobre o fabrico ou a utilização de explosivos, armas de fogo ou outras armas e substâncias nocivas ou perigosas, ou sobre outros métodos e técnicas específicas” e pela L2/2023-16janeiro, a qual subdividiu este n.º 10, em duas alíneas, mantendo o reporte a viagem e estabelecendo as finalidades, de “a) Treinar, instruir, transmitir conhecimentos ou apoiar logisticamente outrem relativamente ao fabrico ou à utilização de explosivos, armas de fogo ou outras armas e substâncias nocivas ou perigosas, ou relativamente a outros métodos e técnicas específicos para a prática de atos previstos nas alíneas a) a i) do n.º 3 do artigo 2.º ou para a contribuição para a prática desses atos, sabendo que tal treino, instrução, conhecimentos ou apoio visa a prática de uma infração terrorista ou a contribuição para a sua prática; b) Receber de outrem ou adquirir por si mesmo apoio logístico, treino, instrução ou conhecimentos relativamente ao fabrico ou à utilização de explosivos, armas de fogo ou outras armas e substâncias nocivas ou perigosas, ou relativamente a outros métodos e técnicas específicos para a prática de atos previstos nas alíneas a) a i) do n.º 3 do artigo 2.º ou para a contribuição para a prática desses atos, com intenção de cometer uma infração terrorista ou de contribuir para a sua prática;”, sendo que sempre se manteve se a pena abstrata.) Quanto ao art. 8.º, sob a epigrafe “aplicação no espaço”, tão somente há a dizer que este estabelece que a lei portuguesa é aplicada aos factos cometidos fora do território nacional quando constituam os crimes previstos nos art.s 2.º e 4.º (na versão à data dos factos a da L25/2008-5junho; na atual versão, a da L2/2023-16janeiro, o reporte é feito aos art.s 3.º a 5.º-A). Vista a situação há que concluir. Quanto à norma do art. 8.º nada há a dizer, pois a mesma limita-se a definição de competência, a qual em nada se mostra concretamente, para o que no caso interessa, alterada pela sucessão de leis no tempo, muito menos determina qualquer alteração ao nível substancial ou não substancial. Também se refira que, ao contrário do que o Ministério Público diz em sede de resposta (cfr. fls. 83 e conclusão 1) não há qualquer menção ao art. 10.º-L52/2003-22agosto, sim somente há quanto ao n.º 10 do art. 4.º. No mais, há desde já que dizer que se mostra evidente que, sendo o crime imputado o de reporte aos art.s 2.º e 3.º L52/2003-22agosto, desde logo não se vislumbra a razão de na acusação e pronúncia se reportar a L17/2011-3maio, uma vez que esta se limita a alterar os art.s 4.º e 5.º da L52/2003-22agosto. Será, pois, essa uma das razões para ao longo do Acórdão condenatório do Tribunal a quo se ter enveredado por chamar à liça tal norma. Uma outra razão terá a ver com a atual estrutura da L52/2003-22agosto onde agora ao longo dos art.s 3.º a 5.ª-A se definirem quais as concretas infrações e molduras penais de reporte, sempre à luz dos conceitos do art. 2.º, situação que não era a vigente à data dos factos, onde o art. 2.º igualmente cuidava de tipos penais e molduras penais, o art. 3.º se cingia a equiparações, o 4.º a Terrorismo, o então (porque entretanto revogado pela L2/2023-16janeiro) 5.ª a Terrorismo Internacional e o 5.º-A a Financiamento do terrorismo. Porém, assim estamos em crer face à completa leitura da sequência de exposição do Acórdão condenatório do Tribunal a quo que a questão, uma vez que surge pela 1.ª vez a fls. 295, também se ligará – causa que nos parece a primordial - à transcrição de referência do Acórdão de 10outubro2018 deste Tribunal da Relação de Lisboa (NUIPC 257/18.0GCMTJ-R.L1-3 – relator Juiz Desembargador João Lee Ferreira) ocorrendo lapso de simpatia subsequente, em duas vertentes: na ligação do conceito de atividade encetada como ligada a terrorismo e às células adormecidas e na ligação internacional. E nesta parte sempre se diga que, face aos factos tidos como provados pelo Tribunal a quo (infra a verificar se a manter, face aos recursos interpostos), a epigrafe a considerar terá sempre que ser a de crime de organizações terroristas (modalidade de adesão), p.p. pelos art.s 1.º, 2.º/1a)/2 e 3.º/1/2, L52/2003-22agosto. Consequentemente, resta dizer que em momento algum, ao contrário do invocado pelo recorrente, o Tribunal a quo operou uma alteração de qualificação jurídica, a cair no âmbito do art. 358.º/1/3CPP ou uma alteração substancial dos factos pela via de chamada à colação de tipo penal diverso com moldura agravada. De facto, em tudo a condenação somente considera os factos reportados e só os enquadra na parte de previsão normativa concreta fixada na acusação e pronúncia, fixando e aplicando a pena em moldes em tudo compatíveis com essa imputação. É dizer, nem a referência ao art. 4.º/1 – mesmo na modalidade da L17/2011-3maio, que se reporta a atuação individual destituída de ligação a grupo – é a reportada em momento algum, nem a situação de reporte ao n.º 10 – em qualquer uma das suas sucessivas redações – é colocada em apreço, pelo que nenhuma situação de alteração de qualificação jurídica operou. E também não operou qualquer situação de alteração substancial dos factos uma vez que nenhum crime diferenciado ou com limite máximo abstrato de pena foi considerado, o que basta atentar pela via da simples leitura de fls. 316 do Acórdão condenatório do Tribunal a quo, retirada que seja a epígrafe, a qual se terá que – como supra – ler como a de crime de organizações terroristas (modalidade de adesão). É dizer, não opera condenação por crimes diversos e não constantes da acusação e pronúncia. Contudo, certo é que as expressões usadas pelo Acórdão condenatório do Tribunal a quo não podem subsistir, na essência pela confusão que geraram – e podem gerar -, mesmo quando tal não integra – como se viu – a propugnada situação de nulidade pela via do art. 379.º/1b)CPP, o que se declara. Entendemos, pois estar perante um quadro de ambiguidade para os termos do art. 380.ºCPP; o quanto significa situação de ambivalência, pluralidade de sentidos, dúvida. Ambíguo é o acórdão confuso, de sentido dúbio, que contém alguma passagem equivoca, que se presta, razoavelmente, a interpretações diferentes. Que diz uma coisa e o seu contrário. Ao qual podem razoavelmente atribuir-se dois ou mais sentidos diferentes. É o caso presente. Assim sendo, urge recorre à faculdade de correção da ambiguidade que a decisão ostenta, pela via do instituto do art. 380.º/1b)CPP, na certeza de que sendo certo que esta correção se mostra com balizas determinadas, uma vez que não pode ir além, como não pode ficar aquém, do quanto, bem ou mal, ficou decidido - nos dizeres da lei, não pode importar modificação essencial da decisão -, igualmente é certo que face ao em questão nos autos não se extravasará tal limite. (sobre a questão e limites inerentes, cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro Jorge Gonçalves, 13março2024, NUIPC 234/20.1T9VLG.P1.S1, acessível in www.dgsi.pt/jstj , onde sem sumário se pode ler “II - Uma decisão é obscura ou ambígua quando for ininteligível, confusa ou de difícil interpretação, de sentido equívoco ou indeterminado. A obscuridade de uma decisão é a imperfeição desta que se traduz na sua ininteligibilidade; a ambiguidade tem lugar quando à decisão, no passo considerado, podem razoavelmente atribuir-se dois ou mais sentidos diferentes, só relevando se vier a redundar em obscuridade, ou seja, se for tal que não seja possível alcançar o sentido a atribuir ao passo da decisão que se diz ambíguo.”) Em consequência, mantendo-se os factos tidos como provados pelo Tribunal a quo e a qualificação jurídica de reporte (infra a verificar se a manter, face aos recursos interpostos) sempre o crime em causa, nos moldes imputados na acusação e pronúncia, será o de organizações terroristas (modalidade de adesão), p.p. pelos art.s 1.º, 2.º/1a)/2, 3.º/1/2, L52/2003-22agosto, na redação vigente à data dos factos (no que se cuide, versão da L25/2008-5junho). D - Da nulidade - violação dos art.s 358.ºCPP – por reporte ao art. 379.º/1b)CPP Dá conta o Arguido BB (ponto 3.3 da motivação, conclusões 17 a 22) que sendo requerida na acusação (ponto 8.a)/h) (2setembro2022 – ref. ...77) a aplicação da pena acessória de expulsão, na conjugação dos art.s 134.º/1b);c);e);f) e 151.º/1, ambos da L23/2007-4julho, certo é que foi condenado na mesma, por um período de 10 anos, mas à luz do art. 34.º/1-DL15/93-22janeiro e dos art.s 134.º/1e);f), 140.º/2 e 151.º/1, todos da L23/2007-4julho, com a redação da L29/2012-9agosto, sem que previamente tenha operado qualquer comunicação para efeitos de alteração de qualificação jurídica nos termos do art. 358.º/1/3CPP, quer quanto à aplicação de diploma diverso, quer quanto à inclusão de norma distinta, tudo a firmar a nulidade do art. 379.º/b)CPP, que invoca, daí extraindo a necessidade de os autos serem devolvidos ao Tribunal a quo para prolação de nova decisão. Em sede de resposta o Ministério Público, identificando a questão, enquadra-a, quanto à aplicação de diploma diverso em lapso de escrita, a caber no art. 380.º/1b)CPP, nada se debruçando quanto à inclusão de norma distinta. Vista a questão no prisma apresentado e na dimensão que a mesma merece, cumpre decidir. Quanto à inclusão de norma distinta, a referência feita pelo recorrente reporte ao art. 140.º/2 L23/2007-4julho. Sob a epígrafe Entidades competentes, fixa-se no dito art., no que de momento se cuida, que compete à autoridade judicial competente proferir a decisão judicial de expulsão, a qual pode revestir a natureza de pena acessória. Ou seja, a norma cuida tão só de firmar a competência decisória, tal qual o Acórdão condenatório do Tribunal a quo reporta a fls. 323 quando fala dos n.ºs 3 e 4 do dito art. 140.º. Certo é que, porém, quer a fls. 321, quer no decisório [8.h) – fls. 325] o Acórdão reporta o n.º 2 do dito art. 140.º. Já no que tange à alteração de diploma, o Acórdão condenatório do Tribunal a quo reporta o art. 34.º do DL15/93-22janeiro. Também em toda esta situação, à saciedade, qualquer interveniente processual bem descortina – porque só essa compreensão é possível ao homem médio – que na primeira situação se está perante a referência de competência material e jurisdicional, não perante qualquer diferenciação geradora de prejuízo ou de necessidade de defesa, sendo que na segunda situação em momento algum dos autos se abordam questões de reporte à legislação de combate à droga ínsita no DL15/93-22janeiro, quadro legal este onde no art. 34.º se prevê a expulsão de estrangeiros do território nacional em caso de condenação por crime nesse diploma previsto. O quanto força a conclusão de que estamos perante meros lapsos. Lapso que para o efeito da norma tem, essencialmente, a significância de lapsus calami, resultante de gralhas, da omissão ou interposição de palavras, frases ou números, designadamente por menor atenção, pressa ou descuido, que patentemente ficaram por escrever ou surgem fora do contexto. É o caso dos autos, por ser evidente que foram baralhados os n.ºs aplicáveis do art. 140.º em causa, bem como foi utilizada base de texto aplicável em sede de decisões de reporte a crimes de tráfico de estupefacientes, em que a normalidade destas situações opera aquando de “correios de droga”, quadro bem normal nos Juízos Centrais Criminais da Comarca ... em face do Aeroporto. Em consequência, resolvendo a questão pela via do art. 380.º/1b)/2CPP, determinando simples correção do Acórdão, porque em situação não cabível no art. 379.º/1b)CPP, cabendo a este Tribunal Superior a sua sanação, passa a ler-se a referência à pena acessória como extirpada da referência ao art. 34.º/1-DL15/93-22janeiro, com competência pela via do art. 140.º/3/4 L23/2007-4julho, o que se consigna. 2.ª questão - Da impugnação da matéria de facto A – Considerações gerais Todos os recurso interpostos nos autos, diretamente assumem a pretensão de alteração de factologia dada como não provada para provada (no caso do recurso do Ministério Público), e de provada para não provada (no caso dos individuais recursos dos Arguidos BB e AA). Percecionando o que pode estar em causa em sede de sindicância de matéria de facto, começando por uma distinção basilar (sobre a mesma, cfr. Sérgio Gonçalves Poças, “Processo Penal – Quando o recurso incide sobre decisão de matéria de facto” in Revista Julgar, n.º 10), qual seja a de que para sindicar a matéria de facto tem o recorrente à sua disposição duas vias: a) a restrita - chamada de “revista alargada” - que se consolida através da arguição dos vícios evidentes, visíveis e patentes no texto da sentença, os ditos erros notórios (art. 410.º/2CPP), os quais são também de conhecimento ex officio; b) a ampla – chamada de “recurso efetivo da matéria de facto”, a qual cuida de situações de erro não notório que a sentença, por si só, não demonstre (art. 412.º/3/4/6CPP) e em que se abrange a análise e apreciação da prova produzida em audiência. Não há que confundir estas duas formas de impugnação da matéria factual. No primeiro caso, o recurso que é ainda considerado como sendo em matéria de direito, a discordância funda-se na invocação de um vício formal, também designado de vício decisório, que flui diretamente do texto da sentença por si ou conjugada com as regras da experiência comum, não se estendendo, pois, a outros elementos, nomeadamente que resultem do processo, mas que não façam parte daquela decisão, sendo, portanto, inadmissível o recurso a elementos àquela estranhos para o fundamentar, como por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento. Tratam-se, portanto, de vícios intrínsecos da sentença que visam o erro na construção do silogismo judiciário. (Cfr. Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado, 10.ª ed., p. 279; Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., p 339; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª ed., p. 77; e Maria João Antunes, RPCC, Janeiro-Março de 1994, p. 121) No segundo caso, estamos perante um erro do julgamento (designadamente na avaliação da prova) cuja apreciação não se estreita no texto da decisão, antes se amplia até à análise do que se contém e pode extrair da prova, toda ela documentada, produzida e analisada em audiência, pelo que o recorrente terá que nessa se fundamentar, devendo então especificar, cumprindo o ónus de impugnação previsto no art. 412.º/3/4/6CPP. Vejamos o que, em concreto, se cuida nos autos. Não são colocadas pelos recorrentes situações de reporte a via restrita, nem se vislumbra situações desse nível a determinar conhecimento oficioso. A questão da sindicância da matéria de facto suscitada pelos recorrentes, então, terá que ser vista no âmbito da via ampla. De acordo com o art. 431.ºCPP “Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do Tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do n.º 3, do artigo 412.º; ou c) Se tiver havido renovação da prova.” Por outro lado, dispõe o art. 412.º/3CPP que “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.”. E, no seu n.º 4 que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.” Sobre a técnica inerente ao “recurso efetivo da matéria de facto”, urge, por facilidade e economia de meios, tão só remeter para, e aqui seguir na essência, os ensinamentos de vários Acórdãos do então Juiz Desembargador Jorge Gonçalves, ora Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão da Relação de Coimbra, 18fevereiro2009, NUIPC 1019/05.0GCVIS.C1, acessível in www.dgsi.pt/jtrc e Acórdãos desta 5.ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, de 16novembro2011 e de 2dezembro2020, respetivamente NUIPC 1229/17.8PAALM.L1-5 e NUIPC 3606/15.0T9SNT.L1-5, acessíveis in www.dgsi.pt/jtrl) onde facilmente se percebem os conceitos inerentes ao instituto. Assim dizendo, a especificação dos “concretos pontos de facto”(art. 412.º/3a)CPP) traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados. Significa isto que tal ónus não se mostra suficientemente cumprido quando essa indicação se traduz na “alusão a todos ou parte dos factos compreendidos em determinados números ou itens da sentença e/ou da acusação, como na referência vaga e imprecisa da matéria de facto que se pretende seja reapreciada pelo Tribunal da Relação.” (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, rel. Juiz Desembargador Eduardo Martins, 5janeiro2011, NUIPC 888/04.6TAVIS.C1, acessível in www.dgsi.pt/jtrg) Já a especificação das “concretas provas” (art. 412.º/3b)CPP) só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas “provas” impõem decisão diversa da recorrida. Importa, por isso, frisar que “não se pode deixar de ter presente que o legislador, quando se refere à especificação das provas, as restringe àquelas que imponham decisão diversa. A utilização do verbo impor, com o sentido de «obrigar a», não é anódina. Por aí, se limita, ainda, o recurso em matéria de facto aos casos de valoração de provas proibidas ou de valoração das provas admissíveis em patente desconformidade com as regras impostas para a sua valoração.” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juíza Conselheira Isabel Pais Martins, 19maio2010, NUIPC 696/05.7TAVCD.S1, acessível in www.dgsi.pt/jstj) Como importa não esquecer “que a lei refere as provas que «impõem» e não as que «permitiriam» decisão diversa. É que afigura-se indubitável que há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução. Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.” (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, rel. Juiz Desembargador Fernando Monterroso, 20março2006, Proc. 245/06-1.ª, acessível in www.dgsi.pt/jtrg) Com efeito, no sentido de cumprir o referido ónus deve “o recorrente explicitar por que razão essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida. Este é o cerne do dever de especificação. O grau acrescido de concretização exigido visa precisamente impor à recorrente que relacione o facto individualizado que considera incorretamente julgado.” O requisito do art. 412.º/3b)CPP “só é observado se, para além da especificação das provas, o recorrente explicitar os motivos e em que termos essas provas indicadas impõem decisão diversa da decisão do Tribunal, de modo a fundamentar e tornar convincente que tais provas impõem decisão diferente” (…) sendo que tal “exigência corresponde, de algum modo, àquela que é exigida ao julgador para fundamentar os factos provados e não provados, porque do mesmo modo que o julgador tem o dever de fundamentar as decisões, também o recorrente tem que fundamentar o recurso.”. Daí que “não cumpre tal requisito a mera negação dos factos, a discordância quanto à valoração feita pelo Tribunal recorrido quanto à prova produzida, considerações e afirmações genéricas, a invocação de dúvidas próprias, sem que se analise o teor dos depoimentos das testemunhas indicados nas respetivas passagens da gravação, com a indicação dos motivos por que tal facto ou factos devem ser dados como provados ou não provados.” (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, rel. Juiz Desembargador Luís Teixeira, 12julho2023, NUIPC 982/20.6PBFIG.C1, acessível in www.dgsi.pt/jtrc e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro João Silva Miguel, 18fevereiro2016, NUIPC 9/13.4PATVR.R1.S1, acessível in www.dgsi.pt/jstj) Finalmente, a “especificação das provas que devem ser renovadas” (art. 412.º/3c)CPP) implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no art. 410.º/2CPP e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. art. 430.ºCPP). Acresce para o recorrente, relativamente às duas últimas especificações, uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação (não basta a simples remissão para a totalidade de um ou vários depoimentos), pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes. (n.ºs 4 e 6 do art. 412.ºCPP) (cfr. Acórdão do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, 3/2012, rel. Juiz Conselheiro Raul Borges, 8março2012 – DR 1.ªsérie, 18abril2012, acessível in www.dre.pt - , onde fixou jurisprudência no seguinte sentido “[v]isando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações”. E daí o ensinamento colhido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (rel. Juiz Conselheiro Raul Borges, 12junho2008, processo 07P4373, acessível in www.dgsi.pt/jstj) onde se refere que a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que se debruçando sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações: 1- a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorretamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam; 2- a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações; 3- a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correção se for caso disso; 4- a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (art. 412.º/3b)CPP). (também neste sentido, Acórdão da Relação de Lisboa, rel. Juiz Desembargador Carlos Almeida, 10outubro2007, processo 8428/2007-3, acessível in www.dgsi.pt/jtrl e referido Acórdão da Relação de Coimbra, 18fevereiro2009, NUIPC 1019/05.0GCVIS.C1, acessível in www.dgsi.pt/jtrc), Concluindo, nesta parte, as exigências legais da impugnação ampla impõem ao recorrente a especificação, nas conclusões, de quais os pontos de facto que considera terem sido incorretamente julgados, quais as provas (específicas) que impõem decisão diversa da recorrida, demonstrando-o, bem como referir as concretas passagens/excertos das declarações/depoimentos que, no seu entender, obrigam à alteração da matéria de facto, transcrevendo-as (se na ata da audiência de julgamento não se faz referência ao início e termo de cada declaração ou depoimento gravados) ou mediante a indicação do segmento ou segmentos da gravação áudio que suportam o seu entendimento divergente, com indicação do início e termo desses segmentos (quando na ata da audiência de julgamento se faz essa referência - o que não obsta a que, também nesta eventualidade, o recorrente, querendo, proceda à transcrição dessas passagens) (neste sentido, entre muitos, o Acórdão da Relação de Évora, rel. Juiz Desembargador João Gomes de Sousa, 28maio2013, NUIPC 94/08.0GGODM.E1, acessível in www.dgsi.pt/jtrl ou o já referido Acórdão desta 5.ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, de 2dezembro2020, NUIPC 3606/15.0T9SNT.L1-5, acessível in www.dgsi.pt/jtrl). “Importa, portanto, não só proceder à individualização das passagens que alicerçam a impugnação, mas também relacionar o conteúdo específico de cada meio de prova suscetível de impor essa decisão diversa com o facto individualizado que se considera incorretamente julgado, o que se mostra essencial, pois, julgando o tribunal de acordo com as regras da experiência e a livre convicção e só sendo admissível a alteração da matéria de facto quando as provas especificadas conduzam necessariamente a decisão diversa da recorrida – face à exigência da alínea b), do n.º 3, do artigo 412.º, do C.P.P., a saber: indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida -, a demonstração desta imposição compete também ao recorrente. (referido Acórdão desta 5.ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, rel. Juiz Desembargador Jorge Gonçalves, 16novembro2011, NUIPC 1229/17.8PAALM.L1-5, acessível in www.dgsi.pt/jtrl) Ou seja, procedendo o recorrente deste modo pode o Tribunal de recurso reapreciar a prova produzida concretamente indicada e vir a modificar a decisão quanto à matéria de facto – por erro de julgamento -, nos termos referidos do art. 431.ºb)CPP. Erro de julgamento o qual ocorre quando o Tribunal recorrido considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado. E daí que o erro de julgamento pressuponha que a prova produzida, analisada e valorada, não podia conduzir à fixação da matéria de facto provada e não provada nos termos em que o foi. Nesta situação de erro de julgamento o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1.ª instância, pelo que a apreciação não se restringe ao texto da decisão recorrida antes se alargando à análise e valoração do que se contém e pode extrair da prova produzida – documentada - em audiência de julgamento, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, em cumprimento do muito específico dever de motivação e formulação de conclusões do recurso, no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelo art. 412.º/3/4CPP. É dizer, nesta situação o recurso quer reapreciar concretos segmentos de prova produzida em 1.ª instância, havendo assim que a reproduzir tale qual e em 2.ª instância, por forma a apreciar da verificação da específica deficiência suscitada, sem que tal se venha a traduzir num novo julgamento. Situações estas que tipicamente ocorrem ao dar-se como provado um facto com base no depoimento de uma testemunha que nada disse sobre o assunto; ao dar-se como provado um facto sem que tenha sido produzida qualquer prova sobre o mesmo; ao dar-se como provado um facto com base no depoimento de testemunha, sem razão de ciência da mesma que permita a referida prova; ao dar-se como provado um facto com base em prova que se valorou com violação das regras sobre a sua força legal; ao dar-se como provado um facto com base em depoimento ou declaração, em que a testemunha, o arguido ou o declarante não afirmaram aquilo que na fundamentação se diz que afirmaram; ao dar-se como provado um facto com base num documento do qual não consta o que se deu como provado; ao dar-se como provado um facto com recurso à presunção judicial fora das condições em que esta podia operar. (Acórdãos da Relação de Lisboa, rel. Juiz Desembargador Abrunhosa de Carvalho, 11março2021, NUIPC 179/19.8JDLSB.L1-9, rel. Juiz Desembargador, ora Juiz Conselheiro, Antero Luis, 4fevereiro2016, NUIPC 23/14.2PCOER.L1-9, acessíveis in www.dgsi.pt/jtrl, bem como o já citado Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, rel. Juiz Desembargador Luís Teixeira, 12julho2023, NUIPC 982/20.6PBFIG.C1, acessível in www.dgsi.pt/jtrc) Do supra resulta inequívoco que foi propósito do legislador, com as supra referidas exigências de forma da norma do art. 412.º/3/4/6CPP, delimitar claramente o âmbito e contornos do recurso interposto sobre a decisão da matéria de facto, em termos de o permitir apenas nos casos em que haja uma identificação do concreto erro de julgamento ocorrido, bem como dos específicos meios de provas que concretamente o demonstram. Assim o é pois os poderes de intervenção sobre a matéria de facto pelo Tribunal da Relação, à luz do art.s 428.º e 431.ºb)CPP, não se traduzem numa intromissão da valoração das provas efetuada no Tribunal recorrido, mormente em moldes de sindicar o exame crítico, aí feito, e donde decorre a prevalência duma prova em detrimento doutra, a não ser que opere efetivo erro de julgamento e as provas produzidas imponham diferenciada conclusão de facto. Daí ser manifestamente errado o comum atuar recursório baseado na simples formulação de discordância quanto ao julgamento da matéria de facto para que o Tribunal ad quem faça “um novo e segundo julgamento”(cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro Simas Santos, 17fevereiro2005, Proc. n.º 04P4324, acessível in www.dgsi.pt/jstj), com base na gravação da prova, uma vez que sequer a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto exige e envolve, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando tão só a deteção e correção de pontuais, concretos e seguramente excecionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto. Para o êxito do “recurso efetivo da matéria de facto”, não basta que se apure a possibilidade de ocorrência de uma versão distinta. Assim o é porque se não é suficiente para o Tribunal Superior a mera assunção ou a recuperação genérica da convicção ou dos termos da convicção do Tribunal recorrido, para nada alterar, igualmente não lhe basta uma diferente convicção ou avaliação quanto à prova produzida para a mesma alterar. Se perante duas versões, o Tribunal de 1.ª instância optou por uma, fundamentando-a de forma lógica e racional, inexiste erro de julgamento que permita ao Tribunal de recurso alterar o decidido. Dai que necessário seja, tal qual se exige ao julgador de 1.ª instância quanto à indicação dos fundamentos bastantes à convicção que expressou - os meios concretos de prova e as razões ou motivos pelos quais relevaram ou obtiveram credibilidade no seu espírito – que o Tribunal de recurso efetue esse caminho, pelo que este só poderá alterar o caminho daquele, concluindo que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão, quando for evidente que, uma vez avaliada a prova indicada, esta não conduz, por erro de julgamento, àquela solução. A imposição de decisão diversa, em que a norma do art. 412.º/3CPP se sustenta, implica que a decisão de facto recorrida está errada, que se mostra impossível ou é destituída de toda e qualquer lógica ou razoabilidade (de acordo com as regras de experiência comum), que o tribunal recorrido fez uso de meios de prova não idóneos ou que existem contradições nas provas produzidas, que levaram à formação de uma convicção inaceitável e que, por isso, não se poderá manter. Por isso mesmo se afigura que para a delimitação do âmbito da impugnação da matéria de facto são imprescindíveis, e não um ónus de natureza puramente secundária ou meramente formal, as indicações exigidas pelos n.ºs 3 e 4 do art. 412.ºCPP. É o próprio ónus de impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto que não pode considerar-se minimamente cumprido quando o recorrente se limite a, de uma forma vaga ou genérica, questionar a bondade da decisão proferida sobre matéria de facto. “As indicações exigidas pela lei são essenciais, não se tratando de mero capricho, pois à Relação não cumpre proceder a um novo julgamento em matéria de facto, apreciando a globalidade das «provas» produzidas em audiência, antes lhe competindo, atenta a forma como se encontra estruturado o recurso, emitir juízos de censura crítica.” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro Raul Borges, 11junho2014, NUIPC 14/07.0TRLSB.S1, acessível in www.dgsi.pt/jstj) De facto, havendo impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, como se o julgamento em 1.ª instância não tivesse ocorrido, nem a reapreciação total de todos os elementos de prova produzidos e levados à fundamentação na decisão recorrida, agora com base na audição de gravações e no revisitar doutras provas valoradas, mas tão só uma reapreciação cirúrgica e concreta sobre a matéria de facto impugnada, com base nas provas concretamente indicadas (obviamente sem prejuízo de o Tribunal de recurso de outras, porque relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, se socorrer – art. 412.º/6CPP), visando-se indagar da razoabilidade da decisão do Tribunal a quo quanto aos concretos pontos de facto impugnados e especificados, como incorretamente julgados, pelo recorrente indicados na fundamentação e conclusões da motivação do seu recurso nas exigências expressas do tríplice ónus de art. 412.º/3CPP. (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro Santos Carvalho, 20novembro2008, processo 08P3269, acessível in www.dgsi.pt/jstj) Delimitando, como já supra se aflorou, na impugnação ampla o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações (realizadas obrigatoriamente, sob pena de nulidades, das declarações prestadas oralmente na audiência - art.s 363.;364.ºCPP – ou ali reproduzidas, como é o caso de reporte ao art. 357.ºCPP que se sabe não ter ocorrido), antes é um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, na limitação da perspetiva dos concretos pontos de facto que o recorrente indique em cumprimento do ónus de tríplice especificação. (neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro Simas Santos, de 9março2006, Proc. nº 06P461, acessível in www.dgsi.pt/jstj; Germano Marques da Silva, in Forum Justitiae, Maio 99 “o recurso sobre a matéria de facto não significa um novo julgamento, mas antes um remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância”; Damião Cunha, in obr. cit., em sentido idêntico sustenta que os recursos “…são entendidos como juízos de censura crítica e não como «novos julgamentos»”) Descendo ao concreto dos autos, todos os recursos interpostos, mesmo que com fins diametralmente opostos quanto à matéria de facto, parecem basear-se na mesma lógica, qual seja a de oferecer credibilidade às declarações que sejam convenientes à sua tese, em detrimento da credibilidade que o Tribunal a quo, uma vez valorada a prova de forma isenta concluiu. É o que individualmente em relação a cada recurso iremos analisar nas suas especificidades e conteúdos, na certeza de que operará saimento de pretensão recursiva, caso as situações se cinjam à busca dum segundo julgamento da causa, a recursos que atendam no essencial a leituras muito próprias e subjetivas de conjugação de declarações, isoladas da restante prova e concretamente dispares daquela que levou o Tribunal a quo a dar os factos como provados e não provados, com concreta e substancial expressão na fundamentação, não através de uma mera indicação ou arrolamento dos meios probatórios, mas de uma verdadeira reconstituição e análise crítica do iter que conduziu a considerar cada facto como provado ou não provado, assim dando corpo ao exame crítico inerente. (neste sentido, o Acórdão 873/98 do Tribunal Constitucional, rel. Juiz Conselheiro Messias Bento, 13outubro1998 - publicado no D.R. 2.ª S, 13novembro1998, acessível in www.dre.pt ou em www.trinalconstitucional.pt) Nessa situação, o saimento do recuso de matéria de facto operará, sendo que a questão tão só poderá ser apreciada à luz de violação de princípios essenciais de prova. Passemos, então à apreciação individual dos recursos nestes campo de impugnação da matéria de facto – no que se sindicará a finalidade e a correção do meio técnico concretamente utilizado. B – Recurso do Ministério Público No que tange à questão presente, o recurso interposto pelo Ministério Público radica no entendimento de que os factos não provados a) a r) – supra reproduzidos para todos os legais efeitos (fls. 112 a 114 do Acórdão do Tribunal a quo) – deveriam ter sido dados como provados (fls. 66 a 116 da motivação, conclusões 9 a 114). Para tanto, o que se tentará reportar em súmula apertada - mormente em face da imensidão inadequada que consubstanciam 115 conclusões sobre tais 18 factos -, funda a sua argumentação: a) os factos dados como não provados pelo Tribunal a quo resultam de “erro e incongruência na interpretação das declarações das vítimas LL e GG”, uma vez que a prova produzida – “declarações para memória futura das vítimas LL e GG, da sua acareação, da testemunha da UNITAD MM, das testemunhas NN, OO e da vítima FF”, conjugadas com a prova documental -, antes “impunha que se desse os mesmos como provados; b) para o Tribunal a quo os depoimentos somente foram credíveis numa parte, não tendo sido feito esforço para interpretar – no que também se poderia ter socorrido de documentos - o que as testemunhas queriam verdadeiramente dizer, sendo descabido exigir o decalque (sempre ensaiado e combinado) de depoimentos (que tão só têm pequenas diferenças) sobre factos de há 6/7 anos, mais quando são desinteressados e credíveis, como outras testemunhas apontaram, para além de prestados com coragem e até sob ameaça de terceiros ligados aos Arguidos, não se compreendendo o porquê de os ter por confusos precisamente na parte que permitiria considerar os factos como provados; c) diz ainda que a razão geradora da necessidade de acareação resulta de lapso de tradução sendo que o Tribunal a quo erra ao entender que opera confusão – que valora a favor dos Arguidos - quanto ao modo e tempo de conhecimento dos Arguidos pelas vítimas; tudo a demandar erro de julgamento, por violação das regras de apreciação da prova firmadas no art. 127.ºCPP, as quais, na sua ótica impunham “que, pela sua coerência, e segundo as regras da lógica e da experiência, [o Tribunal a quo] atribuísse credibilidade aos depoimentos que desvalorizou, nos termos acima apontados, e desse como provados os factos que deu como não provados, acima referidos.” Sobre tal matéria debruçou-se o Arguido BB na sua resposta, em súmula e quanto a esta especificidade, reportando que os depoimentos recolhidos através da invocada prova testemunhal – mesmo que ensaiados tenham sido - padecem de plurais e flagrantes discrepâncias, sendo que o Tribunal a quo fundamentou a razão – precisamente em moldes de interpretação das declarações - de, quanto a determinados segmentos, não lhes atribuir credibilidade, respeitando o princípio in dubio pro reo, ao invés do Ministério Público recorrente que parte dum “Principio de Culpabilidade”. Sobre tal matéria debruçou-se o Arguido AA na sua resposta, em súmula e quanto a esta especificidade, reportando o quanto alegou na sua sede de recurso em termos de imprecisão de enquadramento temporal, no mais subscrevendo a argumentação de fundamentação do Tribunal a quo quanto às contradições de depoimentos, contradições estas que até invoca, descrevendo, serem mais latas. Apreciando. Quanto à validade da prova, tal qual à sua recolha, o CPP cuida das mesmas de forma específica entre os arts. 124.º e 190.º frisando ab initio que “constituem objeto de prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do Arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis” (art. 124.º/1CPP). A ausência de quaisquer limitações aos factos probandos ou aos meios de prova a usar, com exceção dos expressamente previstos nos artigos seguintes ou em outras disposições legais - só não são permitidas as provas proibidas por lei ou as obtidas por métodos proibidos (arts. 125.º e 126ºCPP) -, é afloramento do princípio da demanda da descoberta da verdade material que continua a dominar o processo penal português (neste sentido, cfr. Maia Gonçalves, Código do Penal Anotado, 12.ª ed., p. 331) A administração e valoração das provas cabe, em primeira linha, ao Tribunal perante o qual foram produzidas, que apreciará e decidirá sobre a matéria de facto segundo o princípio estabelecido no art. 127.ºCPP: “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente.” Significa isto, no rigor das coisas, que o valor dos meios de prova não está legalmente pré-estabelecido, devendo o Tribunal apreciá-los de acordo com a experiência comum, com o distanciamento, a ponderação e a capacidade crítica, na “liberdade para a objetividade” (cfr. Teresa Beleza, in Revista do Ministério Público, Ano 19º, p. 40; cfr. sobre a génese do princípio, quadro histórico, fundamentos e conteúdo, António Alberto Medina de Seiça, in O Conhecimento Probatório do Co-Arguido, Studia Iuridica, Universidade de Coimbra, 42, p. 162ss) Acresce que a convicção sobre a matéria de facto dada como provada terá, em regra, que resultar da prova produzida ou examinada em audiência (art. 355.ºCPP). Tal livre valoração da prova não é uma atividade exclusivamente subjetiva assente numa inexplicável certeza no julgador causada por sentimentos ou impressões sem consistência. Esse dom inexiste. Do que aqui se fala é da viabilidade e aptidão de explicação de acordo com critérios que traduzam racionalidade, lógica e crítica, decorrentes da experiência comum, do saber científico das ciências exatas e das ciências sociais, e também da experiência profissional e pessoal do julgador. Nesta apreciação judicial não opera uma simplista visão atomista da prova, mas antes uma visão integrada onde cada elemento probatório é sujeito a analise e valoração conjunta e interdependente, assim se permitindo a compreensão intercomunicante que logra atingir a visão global imposta no processo lógico de fundamentação da decisão. (neste sentido, Sérgio Poças, Da sentença penal – fundamentação de facto, in Revista Julgar nº 3, p. 38, onde nos dá conta que “Se as provas credíveis se ajudam umas às outras – mutuamente se fortalecendo nesta comunicação – a prova resultado, por força deste factor de comunicação, é necessariamente maior de que a mera junção daquelas provas”) Não se descure, contudo, que existe sempre um fator humano envolvido na função jurisdicional, necessariamente a incutir em cada decisão uma vertente subjetiva inerente ao decisor (singular ou coletivo) dado que cada um coopera com o seu saber e experiência para o resultado que a final se produz. E daí a alusão do referido art. 127.ºCPP à “livre convicção” com a significância de que o julgador, obedecendo a estas regras, não aprecia a prova de forma arbitrária ou com uma valoração puramente subjetiva, pois os factos dados como provados e não provados, com base neste princípio, devem ter fundamentação suficiente com apoio na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção, como um dos requisitos da sentença, exigidos pelo art. 374.º/2CPP. É dizer, importa o mesmo a sujeição a critérios lógicos e objetivos que determinam uma convicção racional, concreta e transmissível, pelo que o decisor tem que explicar as razões da sua decisão, e estas têm que ser sindicáveis pelo destinatário e, nesta sede, pelo Tribunal de recurso. E daí que como se diz no Acórdão desta 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa (rel. Juíza Desembargadora Sandra Oliveira Pinto, 21março2023, NUIPC 324/21.3PCSNT.L1-5, acessível in www.dgsi.pt/jtrl) “o princípio da livre apreciação da prova impõe um exercício que não pode deixar de ser subjetivo, que resulta da imediação e da oralidade, cujo resultado só seria afastado se a recorrente demonstrasse que a apreciação do Tribunal a quo não teve o mínimo de consistência. A reapreciação da prova em sede de recurso só determinará uma alteração à matéria de facto provada quando, do reexame realizado dentro das balizas legais, se concluir que os elementos probatórios impõem uma decisão diversa, mas já não assim quando esta análise apenas permita uma outra decisão.”) Como linha mestra, seguem-se as palavras do Juiz Conselheiro Armando Leandro (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 26janeiro2000, processo 197/99-3, acessível in www.stj.pt) quando nos diz que “[a] fundamentação da decisão da matéria de facto, imposta pelo art. 374.º, n.º 2, do CPP, assume função intraprocessual e também extraprocessual muito relevante, ligada ao exercício do direito de recurso - que torna necessária a apreensão do essencial do processo lógico-formal do julgador que determinou a decisão recorrível - e à aceitação das decisões judiciais pela comunidade, a pressupor a compreensibilidade das mesmas, fonte indispensável do seu prestígio e legitimação. O dever de fundamentação deve, pois, ser cuidadosamente cumprido em harmonia com essas importantes funções, ainda que equilibradamente, por forma compatível com a natureza do princípio da livre apreciação da prova - art. 127.º, do CPP -, que pressupõe uma convicção não totalmente explicável, mas que não se confunde nunca com apreciação arbitrária da prova e não reconduzível a um mera impressão ou convencimento subjetivos do julgador. No fundo, as já referidas razões “extraídas do princípio do Estado de direito, do princípio democrático e da teleologia jurídico-constitucional dos princípios processuais” que Gomes Canotilho e Vital Moreira reportam. E.R. Vadill (La actividadd probatória en el processo penal español in La prueba en em processo penal, Centro de Estúdios Judiciales – Col. Cursos, vol 12, Ministerio de Justicia, Madrid, 1993, p. 108.) diz-nos que “Un juez profesional (…) no puede basar su sentencia en una pura e íntima conviccíon, en uma especie de corazonada, no exteriorizable ni controlable en otras instancias.” Por isso mesmo, dir-se-á que na vida judiciária há a verdade dos Arguidos e a verdade dos Ofendidos – in casu também a do Ministério Público recorrente -, que filtram a sua intervenção nos factos através da subjetividade inerente à qualidade humana. Há, também, a verdade das testemunhas que, assistindo, sem intervenção direta, aos factos, não se encontram menos imunes à subjetividade e afeições do que os atores principais, quantas vezes de forma inconsciente. Há, por seu turno, a verdade do julgador, que deflui das anteriores e da sua pessoal perceção, contínua e sólida visão do sentido de regra de experiência de vida, a designada verdade processual, a qual é, não raras vezes, o máximo denominador comum e de tempero das anteriores, única certeza obtida, quando a inverosimilhança destas não arreda do acolhimento do Tribunal, na sua busca incessante da verdade material histórica, que surge como a desejada perfeição no julgamento da matéria de facto. Para tal desiderato, na audiência, o Tribunal é confrontado com um concreto caso, delimitado pelo princípio do acusatório, e com vista à apreciação do mesmo são apresentados diversos meios de prova que, pela sua natureza, serão apreciados de formas distintas. A inicial linha mestra de valoração, e também mais reveladora, resulta da credibilidade conferida ao meio de prova em causa. O que aquela concreta testemunha ou declarante disse não é per se bastante para lhe conferir credibilidade. De facto a lei adjetiva não prevê qualquer regra de corroboração necessária e, exista ou não univocidade no teor dos depoimentos e declarações, o convencimento do julgado depende de uma conjugação de elementos tão diversos como a espontaneidade das respostas, a coerência e pormenorização do discurso, a emoção exteriorizada ou a consistência do depoimento pela compatibilidade com a demais prova relevante. É dizer, para esta surgir essencial é a imediação e o que da mesma resulta através da forma como se sucedem questões e respostas, os tempos e a forma destas, as reações de quem responde, a consistência do dito, as explicações que emergem para discrepâncias, omissões ou certezas, tudo a imprimir no decisor uma convicção que nem sempre assume uma fácil explicação racional. Num segundo momento, cabe ao julgador valorar o resultado da produção desse meio de prova. Aqui, através dum sempre necessariamente correto raciocínio, têm intervenção as deduções, inferências, aplicação das regras da lógica ou dos princípios da experiência, de conhecimentos científicos, das ciências exatas ou sociais, e quais os resultados que essa análise produz, tudo se podendo reduzir à expressão “regras da experiência”. Importa ainda anotar que a objetividade da verdade material dos factos que aqui importa nunca é plena. É sim a objetivamente alcançável. Na expressão de Figueiredo Dias, “a convicção da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável”(in Curso de Processo Penal, II, Verbo, Lisboa, 1993. p. 111) (sobre a questão de verdade material objetivamente pretendida, cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, rel. Juiz Desembargador Júlio Pinto, 6dezembro2021, NUIPC 152/21.6PBBGC.G1, acessível in www.dgsi.pt/jtrg onde se faz completa referência à explicitação de Castanheira Neves in Sumários de processo criminal, 1967 – 1968 edição policopiada, 1968) Linhas gerais traçadas à luz dos limites do objeto do recurso neste campo, começar-se-á por firmar que o Ministério Público logo indica e foca a problemática no âmbito do modo como o Tribunal a quo formou a sua convicção, apondo para a formação da mesma questões de reporte ao facto de se estar perante dificuldades inerentes ao modo de tomada de declarações para memória futura, tecendo considerações sobre a credibilidade que testemunhas atribuem ao depor doutras testemunhas, falando dos sentires de medo em virtude de ameaça que mesmo assim não teria inibido as testemunhas de virem aos autos cumprir o seu dever, desconstruindo a especificidade de esses depoimentos não terem sido – ao contrário do que o Tribunal a quo afirma – insuficientes para a formação duma convicção no sentido do real acontecer dos imputados factos. E, perante estas especificidades – que aceita serem geradoras de acrescidas dificuldades ao nível da apreciação da prova – logo conclui que o Tribunal, tivesse estado perante deliberadas versões concertadas nas mesmas teria acreditado por estas serem compatíveis. Faz, pois, o Ministério Público um juízo valorativo sobre o modo como o Tribunal a quo encetou o seu papel de julgar, como que quase o apodando de exigente perante as dificuldades que uma prova de sentido plural gera e tolerante perante as facilidades que uma prova de sentido único constitui, olvidando não só que em sede de fundamentação operou uma concreta e específica análise crítica das provas produzidas, como também que uma coisa são os indícios suficientes próprios de antecedente fase processual, outra coisa são as exigências de prova que em sede de julgamento determinam caminhos tais que, perante a dúvida razoável – venha ela da discrepância, venha ela do unanimismo -, os factos sejam desprovidos de ascender ao patamar de provados. Nesta parte, sindica o Ministério Público o modo de formação da convicção por parte do Tribunal a quo reportando várias especificidades que na sua ótica urge perceber. Quanto à parcial convicção das declarações, dir-se-á diretamente que em nada é violada qualquer regra de direito probatório quando o Tribunal somente valora uma concreta parte do depoimento duma testemunha e não valora o demais da mesma. De facto, pode o Tribunal tão só acreditar numa parte e não na totalidade do depoimento, se, em face dos demais elementos de prova e de acordo com as regras da experiência e da lógica comum tenha como evidenciado que, relativamente a certos factos, ou a testemunha assume um posicionamento interessado ou o seu depoimento está em contradição com outras provas ou até todas as provas não permitem, per se, a formação duma segura convicção. Em recensão, como se colhe do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20janeiro2021 (rel. Juiz Conselheiro Paulo Ferreira da Cunha, NUIPC 611/16.2PALSB.L1.S1, acessível in www.dgsi.pt/jstj) “O Tribunal a quo, ao apreciar a prova (o que tem de fazer de uma forma lógica e racional, sempre segundo as regras da experiência comum), deve fazer uma análise dos elementos disponíveis, de forma conjugada e crítica, nada impedindo que, nessa conjugação, atribua crédito a parte de determinado depoimento mas já não estribe a sua convicção noutra parte do mesmo. (sobre a questão, igualmente, cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, rel. Juiz Desembargador José Avelino Gonçalves, 19fevereiro2013, NUIPC 1814/08.9TBAGD.C2, acessível in www.dgsi.pt/jtrc) Muito menos se pode afirmar que em alguma violação probatória incorre o Tribunal a quo quando faça destrinça em relação a factologia inerente a quem é nos autos Arguido ou a quem não o sendo é, ainda assim, irmão dos Arguidos. E daí – diretamente se diga – o incompreensível comparativo feito pelo Ministério Público com relação a CC. É esta uma regra essencial que o Ministério Público no seu recurso parece não só olvidar como não ligar a mesma ao que o Tribunal a quo efetivamente fez em termos de fundamentação da matéria de facto quando demonstrou o seu processo de raciocínio. Tarefa esta que é difícil – mais quando opera uma especial complexidade, como o Ministério Público reconhece ser caso, in casu exponenciada quando, como reconhece o Tribunal a quo, o grosso da prova testemunhal decorre da imediação indireta das declarações prestadas para memória futura -, até porque há fatores determinantes para a formação da convicção que não são documentáveis, mas que ainda assim ao Tribunal urge explicitar em moldes tais que permitam que o destinatário obtenha compreensão do julgado. Foi o que se fez na fundamentação do Acórdão de 1.ª instância, quando após sumariar exaustivamente os meios de prova produzidos sobre os factos em apreço, escalpelizando cada um dos momentos dos depoimentos, analisou criticamente os mesmos. E nessa análise crítica ateve o Tribunal a quo à conjugação e globalidade da prova produzida, valorando e ponderando os dados objetivos fornecidos pelos documentos, assim como percecionando a conjugação plena das declarações, nunca descurando as razões de ciência – quer pela pessoalidade, quer pelo ouvir dizer -, as certezas e o modo como as mesmas se apresentaram, as lacunas e o modo com as mesmas se evidenciaram – quer numa fase inicial de depoimentos individuais, quer numa subsequente fase de acareação -, as contradições, a coerência de raciocínio inicial e subsequente e todo um comportamento não verbal como a ansiedade, embaraço, desamparo, serenidade, olhares para alguns dos presentes, sentido de responsabilidade manifestados, tudo valorado de acordo com as regras da experiência e da normalidade. E expressou-o longamente, concluindo com o quanto a fls. 150 do Acórdão se mostra expresso, e que permite a destrinça entre o que parece ser a essência da discórdia quanto à interpretação e à razão de sentido do dito pelo Tribunal a quo, o qual separando e reconhecendo diferenciação entre o que é a afirmação de “ver” os Arguidos aquando dos factos e nessa temporalidade concreta “conhecer” os Arguidos e como tal os identificar, faz diferente leitura, assim como retira consequência diferentes, daquela que o Ministério Público recorrente sufraga. Conclusão a qual não se funda numa qualquer inversão de exigência de valoração de prova, sim se radica numa análise sistemática e sequencial da prova produzida, finda a qual o Tribunal a quo não se convenceu sobre qual era o concreta e específico modo de ocorrência dos factos ao nível de intervenção por parte dos Arguidos, justificando-o, em especial, quanto ao depoimento das testemunhas LL e GG dizendo que entendeu que existia uma “circunstância que imputamos a alguma desorganização de memória quanto à sequência dos acontecimentos em que intervieram os arguidos e que, embora não belisque a credibilidade do seu depoimento, foi valorada a favor dos arguidos”. E, para tanto, verifique-se, desde logo que o depoimento da testemunha LL, refere uma quíntupla circunstância: 1.ª em sua casa, em que teve pessoal contacto com o CC, estando este sozinho; 2.ª no dia subsequente e novamente em sua casa, mas onde não estava, sendo que segundo lhe disse o seu pai - GG - estariam o CC, o AA e o BB; 3.ª nesse mesmo dia, na loja, com o CC e outras 3 a 4 pessoas que expressamente diz não conhecer, acrescentando ainda que nesse momento o BB não era uma dessas pessoas; 4.ª no dia subsequente, estando “detido” num local da Al Hisbah, o CC falou consigo, estando presente o BB; 5.ª já em liberdade, ocorre uma “reunião” em casa do sogro, onde vê o CC, o BB e o AA. Relativamente a saber quem é quem, refere a testemunha LL que o CC quando foi a sua casa - situação supra 1.ª – se apresentou. Já o AA e o BB só algum tempo depois soube que eram irmãos daquele CC, o que ocorreu quando foi a casa do sogro e os mesmos ali estavam. Em concreto o AA só o viu em casa do sogro. Ainda assim, certo é que já antes conhecia as pessoas em causa de as ver junto à casa do seu sogro – o conhecer de vista, leia-se – desconhecendo os nomes e as relações entre as mesmas. Resulta, pois, claro deste depoimento da testemunha LL que: a) o mesmo não coloca o BB e o AA na loja, somente colocando o CC; b) o mesmo coloca o BB na Al Hisbah, no dia subsequente, com o CC; c) o mesmo coloca o CC, o BB e o AA em casa do seu sogro. Termina, porém, o seu depoimento, referindo que aquando da reunião em casa do sogro, o seu pai - GG - quando viu o BB e o AA reconheceu-os como quem acompanhava o CC na circunstância 2.ª. Por seu turno, a testemunha GG, confirma que quanto à circunstância 1.ª supra – em casa – somente estava o CC. Igualmente refere que na 2.ª circunstância – dia seguinte, igualmente em casa, onde não estava o LL – estavam o CC, o BB e o AA. O CC destruiu bens e levou documentos. Relativamente à loja – 3.ª circunstância -, começa por dizer que o CC foi à loja e com ele 4 homens armados. que não sabe identificar, tendo levado o LL. Refere-se sempre ao CC como “ele”-. Seguidamente refere que o AA estava com “ele” e os demais não conhecia. Refere que não sabe o nome dessas pessoas, que somente sabe o nome do CC, do AA e do DDDD. Igualmente refere que foi em casa do sogro do LL que viu o CC, o BB e o AA, mais reportando que já os tinha visto – o conhecer de vista – sendo que ali ficou a saber a sua identidade, altura em que o dito sogro do LL, juntamente com o CC, o BB e o AA, o ameaçou. Só em momento posterior do depoimento diz a testemunha que aquando da “detenção” estavam o CC, o BB, o AA e o DDDD. Por último, justifica a não identificação aquando dos factos por só aquando da “reunião” ter ficado a saber os nomes, que eram do DAESH e vizinhos do sogro do LL. No mais, quanto à testemunha AAA, certo é que do depoimento da mesma – ao contrário do dito pelo Ministério Público em sede de recurso – não resulta que tenha presenciado que o ocorrido na loja tivesse sido encetado pelos Arguidos. Do mesmo modo – também aqui em dissenso com o aventado pelo Ministério Público – não resulta que a testemunha FF tenha veramente presenciado os factos da loja, situação esta reportada e valorada expressamente pelo Tribunal a quo a fls. 207. Quanto à testemunha OO, como expressa o Tribunal a quo a fls. 200, a sua afirmação provém não duma pessoal razão de ciência, sim do quanto ouviu dizer ao LL. Tudo na ciência de que o Tribunal a quo não logrou alcançar nas declarações deste LL que os Arguidos fossem intervenientes nos factos que ao mesmo respeitam nos moldes frisados pela acusação, o que, como supra se explanou, justificou. No fundo, a pedra de toque está no modo como as testemunhas – em especial o LL e o GG - conjugam a questão do “ver” com o “conhecer”. É que, de facto, perguntadas sobre “quem”, as testemunhas referem pessoas, mas não as identificam. Respondem a número e a circunstância, mas não colocam uma ligação entre o “quem” e os Arguidos. Só em fase posterior do depoimento o fazem, argumentando que não o fizeram antes e com relação ao momento dos factos - loja -porque nesse momento não sabiam que essas pessoas eram os Arguidos, pois não os conheciam, sendo que só os conheceram – em termos de identificação – aquando da “reunião”. Daqui se poderia retirar que o raciocínio das testemunhas seria o de referir que um determinado número de pessoas levaram a cabo os factos – da loja -, pessoas essas que eram para si desconhecidas e que só posteriormente vieram a saber quem afinal eram. Assim fechando o círculo do “ver” com o “conhecer” com significância de individual e concreta identificação. E parece, assim, que nada de estranho diretamente se pode retirar dessa sequência de depor. Sucede que tal, deste modo, seria coerente se a inquirição tivesse visado inicialmente identificar as caraterísticas do grupo atuacional e de seguida partir para a identificação dos seus membros. Porém, não é assim que a inquirição está feita, uma vez que a mesma está sempre direcionada para do “quem” serem parte integrante os Arguidos. Note-se que é por aí que o depoimento começa, sendo que a testemunha LL refere, em sede de identificação dos Arguidos, que no início não os conhecia, mas que os conheceu quando começou a frequentar a zona da casa da então namorada, depois esposa. Do mesmo modo o depoimento da testemunha GG começa por uma afirmação de conhecimento dos Arguidos. E é nesse ponto que o silogismo falha, pois na lógica do depor, na normalidade do responder em face do questionado, não só não são reportados pelas testemunhas os Arguidos aquando das circunstâncias da loja, como não se logra também perceber como só aquando da “reunião” afinal ficaram a saber identificações e laços familiares, em especial quando, como a testemunha LL reporta, até já os conhecia como vizinhos do sogro desde o tempo de namoro. Há, pois, como o Tribunal a quo refere, um problema determinante sobre qual o momento em que as testemunhas “souberam” que quem acompanhava o CC na loja eram os Arguidos, razão da acareação. Ora, se as razões da acareação eram evidentes, as mesmas mantiveram-se para o Tribunal a quo, e daí a fundamentação e exame crítico mediante os quais se estriba nas incongruências intrínsecas de cada depoimento per se a que acresce a dicotomia e confusão entre os mesmos quando conjugados, para assim concluir que “Face ao exposto, entendeu o Tribunal valorar a prova produzida a favor de ambos os arguidos, não dando como provada a sua intervenção em tal episódio, embora sem duvidar do sofrimento vivido por ambas as testemunhas - o princípio do in dubio pro reo em virtude em virtude do qual se tornou impossível estabelecer um juízo de verosimilhança equivalente ao necessário grau de certeza.” Ora, revista a situação, dir-se-á que é efetivamente o quadro descrito pelo Tribunal a quo aquele que resulta da prova, e não qualquer outra situação, mormente uma que possa caber num qualquer lapso de tradução. Lapso esse não detetado anteriormente entre a tradução oral e escrita, nem detetado no mais dos depoimentos, mas que agora o Ministério Público entende ser fonte e razão para o não convencimento por parte do Tribunal a quo, mesmo quando da leitura antes resulta, em pleno, razão bastante para a insanável dúvida gerada. Ou seja, não descurando a coragem e a afronta ao perigo que as testemunhas evidenciem com o seu depor, certo é que tal não inverte as regras inerentes à valoração de prova em processo penal, concorde ou não o Ministério Público com as mesmas e/ou com o modo como o depoimento deve ser prestado. Do mesmo modo tais circunstâncias vividas pelas testemunhas não só não as dota duma maior credibilidade como é certo que não está em causa – na justificação do Tribunal a quo – a sua credibilidade, mas sim a ausência dum depoimento no sentido de que os Arguidos foram concretos intervenientes. É aí que radica a dúvida do Tribunal a quo. É aí que o mesmo a justifica e se mostra justificável a sua presença no espírito do julgador. Ora, nesta parte, analisadas as provas subjacentes não vemos como, sem risco de cair na não justificação bastante para um convencimento, quadro este violador do princípio in dubio pro reo, pudesse o Tribunal a quo atuar de forma diferente. É que se é verdade que para que o Tribunal possa dar como provado um determinado facto não se lhe exige que se convença duma certeza absoluta da sua verificação, mas antes que se convença justificadamente e com alguma segurança – aquela que resulta, se justifica, funde e explana através daquelas que são as circunstâncias do caso analisadas à luz das regras da experiência quando a prova é de livre apreciação –, igualmente é certo que sempre opera uma exigência de pelo menos um suficientemente alto grau de probabilidade de que determinados factos ocorreram ou não ocorreram. A paráfrase in dubio pro reo não é atualmente um simples brocardo, adágio ou aforismo, mas um princípio fundamental no nosso direito processual probatório, decorrendo da presunção constitucional de inocência até ao trânsito em julgado de decisão condenatória (art. 32.º/2CRP) e consiste em: na dúvida sobre os factos a provar, o Tribunal decide em favor do Arguido. É aquilo que a vox populi trata como “benefício da dúvida”. Existindo um laivo de dúvida, por mínimo que seja, sobre a veracidade de um facto em que se alicerça uma imputação delituosa, ninguém pode ser condenado com base nesse facto. Quando existir uma réstia de dúvida, não pode haver punição: isto é, a punição somente pode verificar-se, quando o julgador adquirir ou formar a convicção da certeza da imputação feita ao acusado, com base nas provas produzidas. Mas, para que a dúvida seja relevante para este efeito, “há-de ser uma dúvida razoável, uma dúvida fundada em razões adequadas e não qualquer dúvida”. (Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, I, p. 205) Daí que, como refere o Juiz Desembargador Agostinho Torres (Acórdão desta 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, 1fevereiro2011, NUIPC 153/08.0PEALM.L1-5, acessível in www.dgsi.pt/jtrl) “[o] princípio in dubio pro reo, é um princípio probatório que procura solucionar um problema de dúvida em relação à matéria de facto (…); traduz o correspetivo do princípio da culpa em Direito Penal, ao garantir a não aplicação de qualquer pena sem prova suficiente dos elementos típicos, é um corolário lógico do princípio da presunção de inocência do Arguido”. Este quadro deve estar sempre presente na mente do julgador, mas a este, em cada caso concreto, designadamente quando está em causa a mediação e oralidade da prova, pautado pelo princípio da livre apreciação da prova, cabe-lhe a apreciação crítica que faz dos vários elementos probatórios e em que termos os conjuga, valorando e credibilizando uns em detrimento de outros. E dessas dificuldades o Tribunal a quo deu nota. Mas das mesmas não se serviu de forma arbitrária. Sim a elas recorreu quando em busca da verdade material não teve certezas, das mesmas deu conta e da raiz da sua razão deu conhecimento. Ou seja, o princípio in dubio pro reo acha-se intimamente ligado ao da livre apreciação da prova (art. 127.ºCPP) do qual constitui faceta, e este último apenas comporta as exceções integradas no princípio da prova legal ou tarifada ou as que derivem de uma apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova produzida e ofensiva das regras da experiência comum. E aqui - ao contrário do que o Ministério Público parece querer forçar convencimento - não está em causa se os factos aconteceram. O que está em causa é se foram os Arguidos nos mesmos intervenientes. E é sobre essa concreta questão que o Tribunal a quo se debruçou e sobre a qual não alcançou a necessária certeza. E justificou adequada e condignamente a sua razão. O Ministério Público expressa a sua pessoal interpretação daquelas concretas porções do depoimento das testemunhas, firmando através disso uma narrativa que face à concreta prova produzida, concatenada entre si nos seus absolutos e totais limites, tão só conduz a uma adivinhação imotivável do que tenha sido o agir dos Arguidos. É dizer, está visto que o Ministério Público não concorda. Do mesmo modo que está visto que se fosse o Ministério Público a julgar – como o foi a legitimamente acusar face a indícios que teve por suficientes – seria outro o desfecho da prova. Só que, fazendo jus ao que escreve Souto Moura (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 15julho2008, processo 08P418-5.ª, acessível in www.dgsi.pt/jstj) “I - Uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se faz da prova e outra é detetarem-se no processo de formação da convicção do julgador erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório.” Antecedendo conclusão sobre a questão, resulta do supra que o que o Ministério Público reporta quanto à matéria em causa mais não é do é que uma crítica ao formar de convicção por parte do Tribunal a quo, fazendo-o em abono da afirmação de que à luz das provas produzidas em sede de audiência se extravasou o disposto no art. 127.ºCPP. Em recensão, a questão colocada como base do recurso alargado da matéria de facto por parte do Ministério Público simplesmente se funda numa leitura possível, mas não exclusiva, da questão de apreciação de prova, unicamente conduzível aos limites da convicção, e em nada se insere na questão da afronta dos princípios basilares do direito probatório. Assim o é porque a forma de descortinar o erro de julgamento (instituto que o Ministério Público apoda em vários momentos do recurso) não passa, pois, pela mera alegação da discordância entre a convicção do Ministério Público e aquela convicção que foi efetuada pelos Juízes que compuseram o Coletivo. Esse não é o modo que permite conduzir ao erro de julgamento e ao recurso de matéria de facto nos termos de impugnação ampla. Para esse antes tem que passar pela demonstração inequívoca – através das provas que “impõem” - de que o Tribunal desdizeu as exigidas regras da experiência e afrontou princípios basilares do direito probatório (v.g. prova legalmente vinculada, provas proibidas, etc.). E isso não aconteceu. O que acontece é que a decisão firmada pelos Juízes que formaram o Coletivo, na sua dependência e interligação com a convicção de prova que lhe está inerente, não agrada ao Ministério Público. O que legítimo é à luz das regras do judiciário, mas não é meio para a afirmação de que por essa via se violaram as regras básicas da vida, aquelas que a lei qualifica de regras de experiência nos limites da livre convicção. Tal processo de ataque à matéria de facto, pela via da sindicância da convicção, não é aquele que um Estado de Direito como Portugal determina em Lei. Neste são os julgadores em 1.ª instância quem, em nome do povo e em cumprimento do comando constitucional do art. 202.ºCRP, exercendo a função jurisdicional, cumprem para tanto as regras que lhe determinam o poder/dever de apreciar livremente a prova e, sendo caso, conjugar a mesma com prova em que restrições legais operem. Apreciação que há-de ser, como foi no caso concreto, uma vez que só nesse campo operou, “recondutível a critérios objetivos e, portanto, em geral suscetível de motivação e controlo”. (neste sentido cfr. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal – Coimbra Editora –1974, p. 202/205) Por isso, quando o recorrente pretende apenas sindicar a livre apreciação da prova, o recurso amplo da matéria de facto estará irremediavelmente destinado à improcedência. E assim o é porque antes é obrigação do Tribunal atuar de forma livre no conferir da credibilidade a determinados depoimentos, em detrimento doutros – ou mesmo entre partes dum só depoimento -, uma vez que o faça de forma explicitada e convincente – o motive -, como é o caso. Cumprida essa exigência, a livre convicção do juiz torna-se insindicável, até porque a documentação dos atos da audiência não se destina a substituir, nem substitui, a oralidade e a imediação da prova. Defendendo-se uma outra solução, o Tribunal de recurso acabaria “por proceder a um juízo, mas com inversão das regras da audiência de julgamento ou então, numa espécie de juízos por parâmetros” (neste sentido, cfr. Damião da Cunha, in O Caso Julgado Parcial, Publicações Universidade Católica) Recorrendo às palavras da Juíza Desembargadora Eduarda Lobo (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, NUIPC 463/09.9JELSB.P1, 6outubro2010, acessível in www.dgsi.pt/jtrp) dir-se-á que efetivamente in casu “[o] recorrente não impugna de modo processualmente válido a decisão proferida sobre matéria de facto se se limita a procurar abalar a convicção assumida pelo Tribunal recorrido, questionando a relevância dada aos depoimentos prestados em audiência.” Concluindo, nesta parte, o quanto é objetivado pelo Ministério Público no recurso como sendo materialmente integrante de sindicância ampla e efetiva da matéria de facto não assume essa natureza face ao concreto que o mesmo sindica, o que sempre força a sua rejeição. Naturalmente que daqui decorre que imutável fica a matéria de facto não provada firmada pelo Tribunal a quo. Certo é que assim materialmente não fosse, igualmente em termos de forma – aqui se retomando o supra – igual decisão haveria a tomar, como se explicita de imediato, uma vez que no recurso interposto, o Ministério Público não deu satisfação plena à tríplice obrigação - uma vez que em momento algum aponta qualquer prova que “imponha” solução diferente, limitando-se à invocação de provas que “permitiriam” a interpretação que determinaria a sua pretensão - e, como tal, o recurso em causa não consubstancia uma forma de impugnação ampla da decisão de facto. Não pode, consequentemente, este Tribunal ad quem reexaminar amplamente a matéria de facto fixada pelo Tribunal recorrido como não provada, apenas podendo atender ao texto da decisão recorrida. Poderia, ainda assim, a mera omissão de tais indicações nas conclusões do recurso conduzir à formulação de convite para as completar, nos termos do art. 417.º/3CPP, se tais indicações constassem da motivação. No caso presente, porém, a falta de indicação das referidas menções não surge apenas nas conclusões da motivação, mas também na própria estrutura da motivação, o que invalida à chamada à colação do Acórdão do Tribunal Constitucional 320/2002 (9julho2002, processo 754/01, in DR, I-A, de 7outubro2002), visto o aperfeiçoamento previsto não permitir a modificação do âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação (art. 417.º/4CPP). Por conseguinte, desde já se decide não conhecer do mérito do recurso do quanto à impugnação ampla da matéria de facto, o que constitui motivo da sua rejeição nesta parte, em conformidade com disposto nos art.s 417.º/6b);420.º/1a)CPP, sendo que no demais – na interpretação de estar em causa afronta das regras de apreciação de prova – o decaimento igualmente opera. C – Recurso do Arguido AA No que tange à questão em presença, o recurso interposto pelo Arguido AA radica no entendimento de que os factos provados 21, 22, 24, 28, 29, 30, 31, 40, 47, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 69, 75, 79, 80, 95, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 105, 106, 107, 108, 167, 202, 203, 402, 403, 404, 685, 686, 687, 689, 690, 691, 692, 693, 694, 698, 703 – supra reproduzidos para todos os legais efeitos (entre fls. 41 a 106 do Acórdão do Tribunal a quo) – deveriam ter sido dados como não provados (fls. 112 a 186 da motivação, conclusões I a XLIV). É dizer, impugna todos os factos que diretamente o mencionem. Para tanto, o que se tentará reportar em súmula apertada, inicia a fundamentação da sua argumentação em moldes de critica à formação da convicção do Tribunal a quo, que tem por inadmissível uma vez que somente baseada no depoimento de testemunhas ouvidas em sede de declarações para memória futura, sendo que entende tais depoimentos como manifestamente contraditórios entre si e conducentes ao sentido contrário ao decidido, reportando questões de opção sexual e religiosa, modo de vestir e de se apresentar, formação, porte de arma, colaboração e desempenho funcional. O Ministério Público, em resposta, aponta que o recurso interposto pelo Arguido AA se foca basicamente na reprodução de parte dos depoimentos com vista a sustentar o seu entendimento de inexistência de prova e consequente questionar da livre apreciação da prova pelo Tribunal a quo, sem que tal conduza a provimento. Decidindo. Começaremos por dizer que relativamente ao cumprimento das formais regras em matéria de recurso de matéria de facto por erro de julgamento e à relação com a questão de sindicância da convicção do julgador já acima se enunciaram os parâmetros da decisão pelo que, por economia de meios, para os mesmos se remete. Vejamos, pois, o quanto está em causa nos autos sendo que os factos que o Arguido AA sindica e pretende sejam dados como não provados em tudo se reconduzem a situações de recrutamento, juramento, fidelidade e frequência de curso inerentes, exercício funcional, atuação comportamental, e que seriam próprios e compatíveis com quem estava com o EI e para o mesmo atuava. Começa o Arguido AA por questionar a validade dos depoimentos que o apontam como membro do EI, fazendo-o, no essencial, através da sua suficiência quando este meio de prova não venha acompanhado doutros. No fundo, dá nota o Arguido AA da singular tese que não basta prova testemunhal, sendo ainda necessário prova documental de que a tal organização se vinculou. Algumas notas cumpre firmar. A primeira para dizer que a prova testemunhal padece, obviamente, de falibilidade. Essa é uma das suas inerentes caraterísticas, o que não determina per se que se lhe retire viabilidade e a mesma se exclua. Vedar em abstracto tal meio de prova que, em concreto, se pode revelar adequado à aclaração dos factos que fazem parte do objeto do processo e que pode mesmo ser o único meio de prova disponível mais não seria do que um excesso manifesto em relação à prossecução dos interesses que a busca da verdade visa prosseguir, cerceando uma dimensão que pode ser essencial ao Direito e à Justiça que se busca nos Tribunais. E daí que, nesta ponderação de opção, o legislador tenha mantido esta prova, até como rainha das provas, mesmo que ciente da sua problemática inerente – a de maldita prova – desde logo em prol e consideração do princípio da proporcionalidade, o qual implicará a solução da sua admissão, pelo menos quando na situação concreta não se revele contrária às finalidades tidas em vista (como seria o caso de uma questão técnico cientifica, a exigir prova pericial), competindo então ao juiz avaliar e decidir sobre a sua valência no caso concreto. No fundo, como prova não tarifada e sujeita à regra da livre apreciação consentida ao julgador e em acordo com os seus parâmetros inerentes, a prova testemunhal é válida, mesmo que de outras desacompanhada. Uma segunda nota para dar conta que mesmo perante depoimento testemunhal singular, pode este ascender ao patamar de exclusiva razão de formação de convicção do julgador. “Nas sábias palavras de Bacon: «os testemunhos não se contam, pesam-se», não vigorando no nosso ordenamento jurídico o princípio testis unus, testis nullus”.” (neste sentido cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro Paulo Ferreira da cunha, NUIPC 611/16.2PALSB.L1.S1, acessível in www.dgsi.pt/jstj) Mesmo perante um singular depoimento, se convincente o mesmo o for, pode atingir a suficiência, não vigorando no nosso sistema jurídico aquele citado princípio – há muito ultrapassado. (cfr. sobre o conceito, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, rel. Juiz Desembargador João Lee Ferreira, 11setembro2019, NUIPC 1365/12.7PBFUN.L3-3, acessível in www.dgsi.pt/jtrl, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, rel. Juiz Desembargador Cruz Bucho, 12abril2010, NUIPC 42/06.2TAMLG.G1, acessível in www.dgsi.pt/jtrg) Ora, in casu, a prova testemunhal até é plural, e daí a possibilidade – que ocorre - de contradição entre si, mas também a necessidade da sua concatenação a fim de à luz da imediação e da oralidade se firmar a sua credibilidade em respeito pelas regras de experiência da vida – as ditas normais e comuns. E daí, também, a inocuidade do tão imaginativo quão inovador argumento do conceito de testemunhos “praticamente unânimes”. Uma última nota para dar conta que seria precisamente pela exclusividade da prova testemunhal que ao patamar da convicção se poderia chegar, pois não se vislumbra viável que existissem documentos – mormente de índole contratual e/ou até com respeito por qualquer exigência de forma, fosse ela qual fosse – que viesse atestar a ligação e o desempenho funcional do Arguido AA em prol duma organização considerada pelas Instâncias Internacionais como uma terrorista e cuja génese é per se dessa índole. Natureza essa à qual está necessariamente associado um “certo secretismo” que não se compadece ou bem relaciona com as provas documentais ou outras da mesma firmeza e género. Daí que, no que revela, dir-se-á que o Tribunal a quo teria que se servir, e serviu-se no concreto dos autos, da prova testemunhal – a qual “não é, pois, para ser avaliada aritmeticamente, ou como se o depoimento de uma testemunha fosse para ser considerada com o rigor de uma escritura de um notário”(cfr. neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, rel. Juiz Desembargador Martinho Cardoso, 9janeiro2018, NUIPC 16/15.2GCABF.E1, acessível in www.dgsi.pt/jtre) mas que ainda assim permitiu ao Tribunal a quo chegar à mesma certeza que um documento notarial podia inculcar. E – o que aqui se chama à colação, por ser uma das pedras de toque da alegação do Arguido AA -, não obstante quanto às circunstâncias de reporte ao episódio da loja, e ao surgido no seu imediato, relativo ao LL, não ter o Tribunal a quo firmado convicção positiva de intervenção do Arguido AA – o que este Tribunal ad quem corrobora, como supra se expendeu e fundamentou – mostra-se plenamente justificada a credibilidade dada a cada testemunha e ao concreto de cada parte desse depoimento, uma vez que estabelecida está pelo Tribunal a quo a ponderação dos elementos credíveis inerentes. É facto que há depoimentos contraditórios. Mas tal contraditoriedade de depoimentos nunca foi usada em prejuízo do Arguido AA. Pelo contrário, e como é de Lei, foi-o em seu benefício, face à dúvida intrínseca e justificada determinante do in dubio pro reo. Assim o é porque os depoimentos chamados à colação pelo Arguido AA, tidos por contraditórios – e que o foram – reportam às testemunhas LL e GG, depoimentos que se mostram perfeitamente delimitados no quanto fora tidos por não credíveis, como o estão no quanto foram tidos por válidos e bastantes e se mostram conjugados com outros demais depoimentos. Mas mais, tal necessidade de não os ter como plenamente válidos no sentido de levarem à prova dum certo facto em nada determina que por osmose essa falta se estenda aos demais depoimentos. Se nem aos próprios se estende, muito menos aos demais. Como tal, se exemplo era necessário de que a falibilidade da prova testemunhal foi, quando o devia ter sido, considerada no âmbito da livre valoração consentida ao julgador, com este exemplo nos bastaríamos. Descendo, de forma mais concreta à questão do recrutamento do Arguido AA, pelo irmão CC, para o EI, assim como à questão da frequência do curso e modo de apresentação e atuação, dir-se-á que explana o Tribunal a quo o modo como formou convicção quanto a tais circunstâncias de ligação à luz dos depoimentos obtidos em sede de declarações de memória futura, supra descritos e dos quais resulta que são, não só, plurais os testemunhos, como credíveis os mesmos quando apontam para atuações concretas. Atuações concretas essas que passam pela específica forma de se apresentar - com barba e cabelo comprido, que o Arguido AA não sindica -, pelo vestir – o traje afegão (kandahari) -, não por simpatia, sim pela intrínseca ligação à função, até porque só quem o usava a podia desempenhar, e para o desempenhar teria que previamente frequentar formação – o curso não concluído -, como pelo uso de arma – próprio da forma publicamente impositiva de agir dos membros do EI, o que não era permitido ao cidadão comum -, ou da frequência de certos locais, igualmente só permitido aos membros do EI. Este modo de explanação do Tribunal a quo não se fica pelo inadmissível salto no escuro, em absoluto desrespeito pelas regras de prova, que seria o quadro afirmado pelo Arguido AA de ser dado como provado que este pertencia ao EI por ter irmãos nessa organização ou por ter sido visto a acompanhar os mesmos. Antes o Tribunal a quo para dar como provado esse facto se baseia em expressa prova testemunhal – entre o mais o declarado pelas testemunhas DDD e BBB – o que concatenado pelo demais relatado por essas e outras testemunhas – em modo de apresentação, atuação e presença do Arguido AA -, permite afirmar a sua efetiva ligação ao EI, entre o qual se insere a forma – através de frequência de formação – , a colaboração – através de atividades encetadas, entre as quais a participação voluntária (nunca cogitável como coagida, pois sempre era irmão do CC, tão eminente membro do EI quão seu protetor) vídeos (credivelmente afirmado como vistos por testemunhas, e daí a desnecessidade da sua materialização) – bem como o uso do traje afegão - situações explanadas pelo Tribunal a quo como conducentes a ser membro do EI, pois só estes assim o podiam ser, atuar e apresentar. Aqui novamente repetir o dito pelo Tribunal a quo é um ato impróprio processualmente, uma vez que o já por aquele dito se mostra suficiente, para além de não caber a este Tribunal ad quem nesta sede acrescentar argumentação ao que já de forma fundamentada e acertada se mostre decidido. Os recursos são remédios de soluções inadequadas, não são acrescentos a decisões corretas. No mais, e agora quanto à questão aventada de hodiernas - e mais recentes - manifestações de opções sexuais e religiosas por parte do Arguido AA, simplesmente se diga que nenhum impedimento existe para a adesão ao EI por quem somente de forma mental comungue dessas opções. Aceita-se que assim não será para quem expressasse essas opções em termos de concreta adesão ao EI quando visto no prisma das condições da temporalidade dos factos em apreço. Porém, não só em momento algum é dito – mormente pelo Arguido AA em sede declarativa ou por qualquer forma ou meio de prova que tenha sido valorado pelo Tribunal a quo – que enquanto habitante de Mossul, ou no Iraque, se tenha manifestado, atuado, relatado, assumido – de forma recatada ou publicamente e sem rodeios -, uma opção sexual e/ou religiosa que fosse tida por incompatível com as regras dum membro do EI, como igualmente é certo que já em momento de afastamento territorial do Iraque e do domínio social do EI, o Arguido AA manteve relacionamento de opção sexual diferenciada – concretamente no ínterim em que viveu na Grécia –, assim como guardava o calendário do Ramadão – em Portugal -. É dizer, para o Tribunal a quo, como para este Tribunal ad quem, contam os factos do global objeto dos autos – coligidos na acusação e pronúncia, acrescentados dos necessários e valoráveis face ao produzido em julgamento – e que digam respeito ao momento temporal em apreço – a ligação ao EI -, mas já não os futuros a esse episódio de vida, mesmo quando lidos como de afronta àquelas antecedentes opções. Mudar, arrepender, evoluir, alterar são atos reveladores de inteligência, à qual indubitavelmente o Arguido AA não é alheio. Já considerar que essa alteração é fonte de justificação e prova para um não acontecer, seria dizer que um tal quadro nunca sindicado, mostrado e revelado passaria a ser viável fonte. Fonte insindicável através dum nada produzido, para além de em oposição à luz das regras de experiência que, in casu, sempre permitem chamar à colação as razões da Taqiyya. E daí o especialmente bem argumentado pelo Ministério Público de se ter como, no mínimo, sui generis que alguém que afirma não ter pertencido ao EI acabe sempre a pugnar por uma dispensa de pena com base no voluntário abandono a essa terrorista organização. Concluindo nesta parte, diga-se que a alegação do Arguido AA em sede de recurso se firma na não aceitação da razão – explanada – de convicção vertida pelo Tribunal a quo em sede de fundamentação, sendo que para tanto forma a sua alegação com base no erigir duma pessoal apreciação de cirúrgica escolha de hiatos de declarações, ou só de declarações favoráveis. Ora, uma vez que o Tribunal a quo, individualmente e em conjunto, atendeu aos meios de prova produzidos em audiência de julgamento e concluiu que a prova testemunhal apresentada pela acusação estava, ou não estava, dotado da lógica que permite, à luz das regras da experiência comum, da normalidade das coisas e da lógica do homem médio, dar os factos por provados, ou não provados, nos moldes que o fez, não se vislumbrando afronta de regras inerentes, necessariamente que não se pode falar de viabilidade de impugnação da matéria de facto dada como provada e sindicada pelo Arguido AA. É certo que tudo o Arguido AA faz para tais depoimentos descredibilizar, até usando e apresentando nouvelle forma, ou direta negação com base em depoimentos de quem não nega os factos, simplesmente reporta que não os pode afirmar pela positiva pois não os viu, vivenciou ou ouviu, e ainda especulando, tirando ilações, recorrendo a invocações de semântica, expurgando partes na sua ótica inconvenientes, falando de depoimentos de factos que sequer da acusação constam e apontando contradições àquilo que sequer se colhe de qualquer momento dos depoimentos. Porém, tal de todo é apto à finalidade por si procurada, uma vez que perante a fundamentação do Acórdão de 1.ª instância este modo de discordância de nada vale. Antes se impõe o estatuído no art. 127.ºCPP, o qual foi usado e aplicado com efetiva lógica e sustentação, em moldes tais que se pode afirmar que adequada e justificadamente se sobrepõe às interessadas, infundadas, especulativas e subjetivas convicções pessoais reveladas pelo Arguido AA em sede de peça processual de recurso, a qual se apresenta até algo distanciada do quanto em audiência se passou. A este Tribunal Superior cabe, na sindicância do apuramento dos factos realizados em 1.ª instância, e da fundamentação feita na decisão por via deles, analisar o processo de formação da convicção dos julgadores, e concluir, ou não, pela perfeita razoabilidade de se ter dado como provado o que se deu por provado à luz das regras em apreço, as quais são as da normalidade de vida traduzida na experiência comum. Lida a decisão em apreço – no que se inclui a longa expressão das declarações das testemunhas em sede de declarações para memória futura -, decorre claramente do texto da motivação que os julgadores que intervieram na audiência no Tribunal a quo, no exercício do poder e dever de julgar segundo a sua livre apreciação e em face da prova produzida em audiência, assentaram a decisão numa fundamentação muito consistente e pormenorizada, não deixando azo a dúvidas e afastando o arbítrio. É dizer, não perpassou pelo espirito dos julgadores a mínima dúvida: o Tribunal ficou antes seguro na sua convicção, que elucidou, explanação essa donde decorre que estabeleceu os factos em harmonia com o disposto no art. 127.ºCPP, tudo a forçar a conclusão de que a decisão sob recurso não patenteia violação dessa monta. O Arguido AA não concorda, é certo. Contudo, como já várias vezes foi dito em Acórdãos desta 5.ª Secção “só sabemos que o recorrente, se fosse o julgador, teria fixado os factos de modo diferente”. Só que tal discordância mais não é do que a inadmissível “inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão.” (Acórdão do Tribunal Constitucional, 198/2004, rel. Juiz Conselheiro Moura Ramos, 24março2004, acessível in www.tribunalconstitucional.pt) Nada leva, consequentemente, a concluir no sentido da necessidade de uso do princípio in dubio pro reo, uma vez que, como expressivamente afirma o Juiz Conselheiro Souto Moura (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 14abril2011, 117/08.3PEFUN.L1.S1, acessível in www.dgsi.pt/jstj)“a dúvida é a dúvida que o Tribunal teve, não a dúvida que o recorrente acha que, se o Tribunal não teve, deveria ter tido.” Inexiste, pois, fundamento para nesta parte alterar o bem decidido pela 1.ª instância, também porque não se verifica qualquer desrespeito do comando constitucional do art. 32.º/2CRP. Tudo a valer para uma resposta tão cabal quão positiva, à pergunta feita pelo Arguido AA no ponto 91 da sua motivação, não obstante a não colocar em sede de conclusões. No mais, diretamente se diga, em momento algum o Arguido AA forma a sua alegação à luz da globalidade dos depoimentos – que tanto critica – mas sim fá-lo com base em escolhidos frames dos mesmos. Do mesmo modo, em momento algum, aponta uma qualquer prova que “imponha” solução diferente, limitando-se à invocação – ainda assim limitada, porque truncada - de provas que, na sua ótica, “permitiriam”. Não pode, consequentemente, este Tribunal ad quem reexaminar amplamente a matéria de facto fixada pelo Tribunal recorrido como não provada, apenas podendo atender ao texto da decisão recorrida, o que se fez supra. Por conseguinte, porque na interpretação que o Tribunal a quo fez da prova perante si produzida, da qual retirou e fundamentou a convicção, não se vislumbra afronta das regras legalmente impostas – o decaimento da peticionada impugnação da matéria de facto, nos moldes apresentados, opera. Valem, por último, também aqui, as razões inerentes à invalidação de chamada à colação do Acórdão do Tribunal Constitucional 320/2002, o que se consigna. Por conseguinte, desde já se decide não conhecer do mérito do recurso do quanto à impugnação ampla da matéria de facto, o que constitui motivo da sua rejeição nesta parte, em conformidade com disposto nos art.s 417.º/6b);420.º/1a)CPP, sendo que no demais – na interpretação de estar em causa afronta das regras de apreciação de prova – o decaimento igualmente opera. D – Recurso do Arguido BB No que tange à questão em presença, o recurso interposto pelo Arguido BB radica no entendimento de que os factos provados 8, 9, 19, 21 a 24, 25, 27, 28 a 32, 33 a 38, 39 a 46, 65, 67, 68, 70 a 94, 100 a 109, 186, 187, 202, 203, 233 a 236, 268 a 272, 281 a 336, 361 a 374, 414 a 418, a) a r), 419 a 436, 437 a 467 e 468 – supra reproduzidos para todos os legais efeitos (entre fls. 40 a 81 do Acórdão do Tribunal a quo) – deveriam ter sido dados como não provados (fls. 48 a 79 da motivação, conclusões 23 a 52). Para tanto, o que se tentará reportar em súmula apertada, inicia a fundamentação da sua argumentação (ponto 4.1 – fls. 48 a 53 – sob a epigrafe “introdução”) apontando os seus pessoais espantos - os “pasme-se” - que se ligam às questões de modo como surgiu a razão para a investigação, como a mesma foi desenvolvida pelo Ministério Público, com a colaboração de que entidades e através de que meios processuais, bem como aquelas que lhe determinam que os autos existem somente à luz de suspeitas construídas em sequência dos relatos e ligações pessoais da testemunha “L”, suspeitas essas que tem como “aproveitadas” pela Justiça do Estado do Iraque, a quem aponta falta de rigor, sendo que, em consequência, o Tribunal a quo olvidou tais circunstâncias e, como tal, as mais elementares regras próprias dum Estado de Direito ao nível da rigorosa e muito cuidada análise dos factos. E, por esta via, critica a formação da convicção do Tribunal a quo, que tem por somente estribada no depoimento de testemunhas ouvidas em sede de declarações para memória futura, colhidos anos após os factos e sem que algo do aí dito se associe e estribe num qualquer documento. Contudo, não estende tal à sede de conclusões (as quais quanto a esta matéria se iniciam na conclusão 23). Ora, sendo certo que não se encontra no recurso razão técnica para o inserir no cumprimento do ónus exigido pelo art. 412.º/3CPP, sequer no mínimo do quanto lhe é exigido, igualmente é certo que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respetiva motivação que este Tribunal ad quem tem de apreciar. “Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões». (cfr. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., p 335) Nada constando das conclusões, nada há a dizer quanto à “introdução” ao tema. Seguidamente, divide a sua alegação em dois grandes grupos: a) os factos provados 281 a 336, em conexão com os factos provados 10, 19 e 422 – episódio FF –, que qualifica como referentes a uma imputação genérica, por de reporte a circunstância indefinida no tempo e, como tal, insuscetíveis de permitir exercício do direito de defesa, por o comprimir, logo, violador do art. 32.º/1CRP – princípio do contraditório e de justiça equitativa (ponto 4.2 - a fls. 53 a 54 da motivação, conclusões 23 a 52), razão de peticionar a sua passagem a não provados, com subsequentes consequências legais – absolvição do imputado crime de guerra; b) os demais factos que tem por incorretamente julgados, que subdivide, e que tem como indevidamente sustentados pelo Tribunal a quo uma vez que resultantes de “ausência de prova segura, credível, ou somente baseada em “depoimentos para memória futura (…) recolhidos depois da denúncia feita pelas autoridades portuguesas”, ou integrantes de “matéria manifestamente controversa” por resultante de “prova indireta” ou contraditória (ponto 4.3 a 4.6 - a fls. 54 a 79 da motivação, conclusões 23 a 52). No mais, aponta factos dados como provados – 25, 27 e 414 a 436 – que admite na essência – que não, por vezes, na plenitude - efetivamente corretos assim estarem, mas pretende dos mesmos extrair consequências e sentidos diferentes do que o Tribunal a quo firmou, ou que tenham redação diferenciada ou pelo menos limitada. O Ministério Público, em resposta, separa as questões apontadas no recurso interposto pelo Arguido BB, começando por fazer referência a quem foi dominus do inquérito e, nessa qualidade, quem teve como coadjuvadores, bem como perante quem foram prestadas as declarações para memória futura. Seguidamente refuta as pretensões do recorrente, quer quando as mesmas resultam de interpretação e convicção do mesmo versus a formada e sustentada pelo Tribunal a quo. Decidindo. Quanto a matéria ora em causa, também aqui iniciamos a apreciação do interposto recurso por dizer que relativamente ao cumprimento das formais regras em matéria de recurso de matéria de facto por erro de julgamento e à relação com a questão de sindicância da convicção do julgador já acima se enunciaram os parâmetros da decisão pelo que, por economia de meios, para os mesmos se remete. Foquemo-nos no ponto 4.2 (fls. 53 e 54 da motivação, com ligação às conclusões 23 a 31), ligado aos pontos de facto provados 281 a 336. No entender do Arguido BB, como supra já se delineou, estar-se-á perante uma descrição fáctica genérica, sem suporte temporal concretizado, sequer razoável, que permita exercício de defesa. No concreto está em causa o episódio FF, cuja referência inicial no ponto 281 da matéria de facto é feita através dum “Em dia não concretamente apurado por volta das 17.30 horas”. É linear que carece de relevância jurídico-penal o recurso a expressões vagas, imprecisas, nebulosas e obscuras, sem qualquer especificação das condutas em que se concretizam as imputações – “factos” – de caráter genérico, conclusivo, abrangente e/ou difuso em que não se indica o lugar, nem o tempo, nem a motivação, nem o grau de participação, nem as circunstâncias relevantes, mas um conjunto fáctico não concretizado. É dizer, um “facto” dessa índole mais não é do que um não facto. Desde logo, em termos de prova, por serem insuscetíveis da mesma, encontram-se nos antípodas do facto notório – aquele que é do conhecimento geral, a tal ponto que aparece revestido dum carácter de certeza que dispensa o labor de convicção inerente. Sem redundância, de facto, como não facto, o facto genérico é insuscetível de ser levado ao elenco dos factos provados ou não provados. E é-o, especialmente pela inabilidade de ser apreciado em moldes que respeitem as linhas mínimas do principio do contraditório e da legalidade. Daí que verificada tal caraterização se devam ter os mesmos como não escritos, uma vez que a assim não ser o efetivo direito de defesa fica arredado, situação impensável por violadora dos princípios estruturantes do processo penal democrático como é o caso do processo equitativo, na dimensão de “justo processo” - fair trial; due process -. Destarte, o direito ao contraditório, à defesa e ao processo equitativo fica assegurado quando, na impossibilidade ou inexigibilidade humana da datação efetiva da conduta ofensiva, se fixarem balizas que permitam a verificação por via de individualização. É dizer a imprecisão pode existir, mas não pode chegar ao ponto de tornar impossível qualquer defesa. (sobre a questão, em lugar paralelo de tipos penais, cfr. Plácido Conde Fernandes, in Jornadas Sobre a Revisão do Código Penal, Estudos, Revista do CEJ, 1.º Semestre 2008, n.º 8, p. 305, Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, respetivamente rel. Juiz Desembargador João Pedro Pereira Cardoso, 24novembro2021, NUIPC 304/20.6PAVLG.P1, e rel. Juiz Desembargador Pedro Vaz Pato, 11setembro2024, NUIPC 1214/20.2PIPRT.P1, acessíveis in www.dgsi.pt/jtrp, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, rel. Juíza Desembargadora Maria José Nogueira, 25fevereiro2015, NUIPC 369/03.7GAMGL.C1, acessível in www.dgsi.pt/jtrc, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, rel. Juiz Desembargador João Amaro, 3junho2014, NUIPC 3451/09.1TBSTB-A.L1, acessível in www.dgsi.pt/jtre) Descendo ao concreto dir-se-á que não assiste razão ao Arguido BB, como o próprio logo acaba por apontar ao referir que estes factos - 281 a 336 - se conjugam com os pontos 10, 19 e 422 da matéria de facto provada, sendo que dos mesmos resulta, respetivamente, que em junho2014 os arguidos saíram de Mossul - o que o Arguido BB não sindica -, que em agosto2014 os arguidos regressaram a Mossul - o que o Arguido BB não sindica, a não ser na razão - e que em 7março2016 (e não 7março2017, como o Arguido BB reporta na conclusão 26, em plena e dificilmente inconsciente contradição com o que o mesmo afirma no 1.º § de fls. 54 – aqui diz “período de sensivelmente dois anos”, naquele diz “um período superior a dois anos e meio” ) os arguidos saíram de Mossul. Ou seja, desde logo opera uma delimitação temporal dos factos que, é certo, se estende ao longo de 21 meses (os “sensivelmente” dois anos, nunca os “superior a dois anos e meio”). Note-se que é o próprio art. 283.º/3b)CPP quem nos firma uma delimitação de suficiência, como patamar mínimo de viabilidade de garantia de contraditório, quando determina que os factos imputados na acusação, sob pena de nulidade, têm que conter “a narração, ainda que sintética (….) incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática.” Ora, no caso dos autos é indiscutível que um período mais lato está em causa, qual seja o da vigência do EI no Iraque, especialmente em Mossul, situação que se estabelece nos factos provados delimitados como factos instrumentais. E, dentro deste mais lato período histórico, estabelece a acusação um período de presença do Arguido BB em Mossul, ínterim esse mais delimitado e sempre cabível naquele, nunca o extravasando. Deste modo, como o próprio Arguido BB face à conjugação de datas supra aceita, a situação do episódio FF terá que estar firmada nesse período temporal, ainda que imprecisa no dia e mês concreto. Ora, ponderando que no âmbito das garantias da defesa sempre terá que estar presente o princípio do contraditório, em moldes que se assegure que os factos em discussão sejam delimitáveis e, como tal, suscetíveis de permitir ao arguido o concreto conhecimento do quanto lhe é imputado, dir-se-á que não obstante se estar perante um quadro situado num período de tempo sem data especificada - mas ainda assim delimitada em balizas concretas, as quais permitem localizar e identificar a referência mínima do concreto episódio - deve manter-se a afirmação da existência duma “singularidade” do facto quando tal seja viável de identificação pela defesa, assim permitindo pleno contraditado, se for o caso. É dizer, a identificação do facto pela defesa necessariamente tem de ser possível, para exercício do contraditório. Tal qual nos diz o Juiz Conselheiro Oliveira Mendes (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 21fevereiro2007, processo 06P4341, acessível in www.dgsi.pt/jstj), “o princípio ou cláusula geral estabelecido no n. 1 do art. 32.º da CRP significa, ao aludir a todas as garantias de defesa, que ao arguido, como sujeito processual, devem ser assegurados todos os direitos, mecanismos e instrumentos necessários e adequados para que possa, em plena liberdade da vontade, defender-se, designadamente para que possa contrariar a acusação ou a pronúncia, através de um julgamento imparcial, realizado com total independência do juiz, em procedimento leal e justo, sendo certo que a individualização e clareza dos factos objecto do processo são indispensáveis para que o arguido possa valida e eficazmente contraditar a acusação ou a pronúncia, única forma de se poder defender. Devendo, por tal, ter-se por não escritas as mencionadas imputações genéricas.” De facto, outras formas de contextualização dos factos existem, em moldes tais que a sua identificação concreta opera mesmo perante a ausência da efetiva temporalidade - há uma identificação temporal menos precisa, uma localização espacial, uma referência a determinado episódio – tudo a por esta via garantir os direitos de defesa do arguido. Com essa contextualização, este pode saber a que acontecimento concreto se refere a acusação e defender-se a respeito da sua eventual ocorrência. E no caso dos autos é-o pelo tempo – situado no período de agosto2014 a 7agosto2016, cerca das 17.30h, hora da oração do por-do-sol, num hiato de 2 horas -, pelo local – inicialmente loja de brinquedos, a cerca de 30 metros do ponto de informação do EI, existente na rotunda ..., no bairro ..., Mossul, posteriormente Mesquita de ... – e pelo modo – transporte, colocação em fila, de costas para a Mesquita, apresentação a quem da mesma saia no fim da oração, admoestação em público, chicoteamento em público, tudo por reporte a identificada pessoa – FF. Como tal, a identificação deste concreto episódio FF pela defesa é necessariamente possível, uma vez que a identificação do facto em causa deriva das suas descritas “singularidades”, as quais lhe fixam os contornos em termos tais que permitem a sua identificação, assim se mostrando viabilizado o exercício do contraditório. É dizer, no concreto e não obstante não ser possível reconstituir concretamente a data do episódio FF, certo é que não só é possível identificar o efetivo hiato temporal em que sucedeu o facto, como a singularização decorrente da demais descrição do facto permite à defesa - integralmente e sem que por qualquer modo se belisquem os limites mínimos dos direitos inerentes aos invocados princípios do contraditório e da justiça equitativa - a possibilidade de contraditar se ocorreu, ou não, esse procedimento delitual. Satisfeitos os critérios da singularidade do facto, que permitem a sua identificação pela defesa, inexiste, pois, qualquer atuação em moldes de afronta dos elementares direitos constitucionalmente consagrados no art. 32.º/1/5CRP assim como do art 6.ºCEDH. Segue-se o ponto 4.3 (fls. 54 a 60 da motivação, com ligação às conclusões 32 a 34), por reporte aos pontos de facto provados 8, 9, 21 a 24, 28 a 32, 39 a 46, 65, 67, 68, 70 a 94, 100 a 109, 186, 187, 202, 203, 233 a 236 e 268 a 272. Quanto a estes, a sindicância que o Arguido BB aponta em sede de recurso baseia-se no facto de entender estar-se perante “ausência de prova segura e credível”, uma vez que a convicção inerente à prova desses factos se funda nos depoimentos colhidos para memória futura. Para fundamento da sua posição, invoca a particularidade de os mesmos terem sido colhidos após a denúncia das autoridades portuguesas, em especial no que tange ao depoimento da testemunha KKK, a quem aponta que face à declaração de que o ora Arguido BB ser tido como suspeito de ser membro do EI, ao passo que o irmão CC estar confirmado como o sendo, se exigia que o Tribunal a quo suspeitasse de tais declarações, uma vez que provindas da Justiça do Iraque. Decidindo. Valem aqui as posições já supra assumidas quanto ao valor inerente à prova testemunhal e ao labor que cumpre ao Tribunal a quo efetuar perante a mesma aquando da formação de convicção, a qual tem que ser fundamentada e imbuída de concreto e inerente exame crítico. E daí que tão só utilizar argumentação de semântica, como é in casu efetuada pelo Arguido BB quanto à terminologia e significância de “suspeito” – como que em termos de direito comparado, mas sem o comparar -, necessariamente conduz a saimento de pretensão, uma vez que mais não é do que – como já supra se disse, e aqui cumpre repetir - uma inadmissível “inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão.” (Acórdão do Tribunal Constitucional, 198/2004, rel. Juiz Conselheiro Moura Ramos, 24março2004, acessível in www.tribunalconstitucional.pt) Ainda assim, para que incertezas – mormente geradoras de invocações omissivas – não venham a atentar na mente do Arguido BB, sempre se dirá que quanto ao CC, sem que tal assuma qualquer significância, pode a testemunha, à luz dos seus registos, apodar o mesmo da posição em causa uma vez que o mesmo não é nestes autos arguido e, como tal, a respeitar em sede de específicos direitos inerentes. Já quanto ao Arguido BB a testemunha reporta-o como suspeito. Nos seus registos. E diga-se que também quanto aos autos, pois não só o mesmo nessa fase o era, como ora o é e só deixará de o ser uma vez que transite decisão nos autos que o venha a ter como culpado. É que a regra da presunção de inocência é linear e estrutural para o Tribunal e – frise-se – não serve para jogos de semântica. No mais, não descurando que a alegação do Arguido BB tão só revela a sua opinião sobre a Justiça do seu pais de origem – o que lhe é sempre legítimo – igualmente é certo que a apreciação padece dum vício de raciocínio, qual seja o de querer afirmar que os autos correram sobre a égide das autoridades do Iraque. Tal mais não é do que uma falácia, pois toda a tramitação processual decorreu à luz das normas de direito processual português e através do recurso à cooperação internacional. O que não tem, consabidamente, a implicância de desconsideração do valor probatório aquando do recurso a tal expediente, como não pode – mormente por osmose intelectual – permitir que o Arguido BB transponha para a Justiça Portuguesa as dúvidas que apõe à Justiça do seu pais de origem. E, por isso, não se olvide que as sempre existentes dificuldades inerentes à tramitação duns autos em que a cooperação judiciária internacional é essencial só acarretam uma maior exigência de labor, mas nunca uma desconsideração dos direitos de quem é Arguido. Exigência de labor e respeito pelos direitos dos arguidos que cumpridas foram em sede de tomada de declarações para memória futura prestadas perante Tribunal português e na presença do mandatário do Arguido BB, pelo que não se percebe, não se vislumbra e muito menos o próprio Arguido BB aponta, qual seja o vício praticado. Ou seja, tudo não passa de exercício de especulação por parte do Arguido BB. Só que esse exercício não tem lugar nos autos, por ato inútil o ser, e muito menos acarreta um adequado meio de defesa do qual possam decorrer positivos efeitos. E daí que urja citar o Juiz Desembargador Paulo Guerra (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, 8fevereiro2012, NUIPC 188/10.2TASRE.C1, acessível in www.dgsi.pt/jtrc) quando nos diz que “É hora de exigir rigor processual e argumentativo, aquando da instauração de um recurso, e não um sem número de ideias soltas, sem grande consistência técnico-jurídica, e apoiado em ideias de senso comum, pouco próprias num ato processual deste género.” Por seu turno, no ponto 4.4 (fls. 60 a 63 da motivação, com ligação às conclusões 35 e 36), sindica o Arguido BB os pontos de facto provados 19, 25 e 27. Seguiremos a apreciação, pelos blocos colocados, sendo que a primeira a ponderar diz respeito ao facto 19, onde o Tribunal a quo reporta que em Agosto2024 operou o regresso familiar - incluindo o Arguido BB - a Mossul, com a proteção e sob a influência do CC. Tal facto termina uma parcela histórica – que o Arguido BB não sindica - iniciada no facto 10, onde se dá conta das ligações familiares ao Curdistão iraquiano; da fuga familiar em Junho2014, após a invasão de Mossul pelo EI, para essa área - controlada por forças opositoras ao EI -; da destacada ligação de CC ao EI após Julho2014, em concreto como Emir para a área geográfica onde se situa a residência de família em Mossul. Entende o Arguido BB que opera ausência de prova credível e coerente que a tal facto conduza, sendo tal matéria controversa, bem como conclusiva a afirmação de “sob a proteção e sob a influência do irmão CC” , tudo para além de só se basear em prova testemunhal obtida em sede de declarações para memória futura, não acompanhada de prova documental que ateste tal veracidade, baseando-se aquela em prova indireta. Firma também que, o que apoda de juízo de valor, a afirmação “em vez de permanecerem no Curdistão” olvida a inicial fuga de região controlada pelo EI. No mais, reporta que das suas declarações, em sede de audiência de julgamento, antes resulta que tal regresso se baseou no receio de que a sua casa fosse ocupada. E, como tal, conclui, não pela não prova do facto em causa, sim pela sua alteração de redação, em moldes que sejam retirados os trechos reportados. Vejamos, começando por dizer que não se alcança – e o Arguido BB também não o indica, o que vale por dizer que se está perante difícil preenchimento de objeto – qual a lógica inerente à pretensão em causa. Assim o é porque entre o facto 10 e 19 reportam-se, com interesse, três datas: a) Junho2014 - data de saída de Mossul; b) Julho2014 – data em que o CC assume destaque no EI; c) Agosto2014 – data de regresso a Mossul; Ora, se é certo que na data de Junho2014 o EI dominava Mossul, igualmente é certo que em Agosto2014 tal quadro se mantinha. E daí que se houvera razão para saída de Mossul em Junho2014 com base em afastamento do EI e acesso a zona familiar onde até o EI era combatido, a razão subjacente se mantinha em Agosto2014. Ora, a única alteração operada nesse hiato temporal de 2 meses é que no seu meio – em Julho2014 – o CC passou a ser Emir da zona onde a família habitava em Mossul. Emir da zona e, como tal, responsável pela área. Daí que se receio houvesse de perda de habitação, certo é que quem sob a área tinha domínio à data do regresso mais não era do que o CC, o qual ali habitava. Logo, “cessada” – por linearmente inexistente - está a “razão de receio” de perda de casa, por desocupação. Arredada essa razão, o regresso teve que operar por diferenciado motivo. E esse foi a da proteção e influência do CC para um bairro da cidade de Mossul onde o mesmo era Emir, cidade esta onde o EI dominava. Descrita a racionalidade inerente ao facto, há então, que percecionar a sua base. Não se perderá tempo a algo discernir sob o insólito que seria existirem documentos que atestassem, nos moldes pretendidos pelo Arguido BB, o dito pelas testemunhas. No mais, pelos vistos, não se conforma o Arguido com o recurso ao que tem por prova indireta. Contudo, a prova do facto típico e ilícito juspenalmente pertinente tanto pode resultar de uma perceção imediata, decorrente dos sentidos, como derivar de ilações que o julgador retira de meras circunstâncias conhecidas em função de um raciocínio lógico assente nas regras da experiência comum – a denominada prova indireta. É clássica a distinção entre prova direta e prova indiciária sendo pacífica a sua admissibilidade à luz da lei vigente, a qual está em consonância com os elementares comandos constitucionais. (neste sentido o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 391/2015, in DR n.º 224, II.ª Série, de 16novembro2015, no qual se decidiu não julgar inconstitucional a norma constante do art. 127.ºCPP, na interpretação de que a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador permite o recurso a presunções judiciais em processo penal; assim também o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 521/2018, de 17outubro2018 acessível in www.tribunalconstitucional.pt) A prova indireta reporta-se a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, da lógica, do raciocínio indutivo e inferência, extrair uma ilação quanto ao tema da prova. “Na prova indirecta a percepção é racionalizada numa proposição, prosseguindo silogisticamente para outra proposição, à base de regras gerais que servem de premissas maiores do silogismo e que podem ser regras jurídicas ou máximas da experiência. A esta sequência de proposição em proposição chama-se presunção. A prova directa faz-se por percepção, a indirecta por percepção e presunção.” (neste sentido, cfr. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III.º volume, edição de 1999, p. 93ss.) São dois os elementos de prova indiciária: a) o indício – que constitui a premissa menor do silogismo que, associado a um princípio empírico ou a uma regra de experiência, vai permitir alcançar uma convicção sobre o facto a provar – será todo o facto certo e provado com virtualidade para dar a conhecer outro facto que com ele está relacionado; b) a presunção – conclusão do silogismo constituído sobre uma premissa maior (a lei baseada na experiência, na ciência ou no sentido comum) que, apoiada no indício (premissa menor) permite a conclusão sobre o facto a demonstrar - será a inferência que, obtida do indício, permite demonstrar um facto distinto. (neste sentido André Marieta in La Prueba em Processo Penal, p. 59) Como tal, é admissível que o juízo valorativo do tribunal assente em prova direta do facto, como antes se fundamente em prova indiciária da qual se infere o facto probando, não estando excluída a possibilidade do julgador, face à credibilidade que a prova lhe mereça e as circunstâncias do caso, valorar preferencialmente a prova indiciária, podendo esta, só por si, conduzir à sua convicção. Note-se que à luz do art. 125.ºCPP não é ilegítimo o recurso a presunções nos termos conceptuais do art. 349.°CC - tirar de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido - sendo admitidas as presunções judiciais nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (art. 351.°CC). Mais (seguindo Cavaleiro de Ferreira, in Curso de Processo Penal, volume 1, p. 333ss., assim como Vaz Serra, in Direito Probatório Material, BMJ 112.º/99) as presunções simples ou naturais são, assim, meios lógicos de apreciação das provas, são meios de convicção e encontram-se na base de qualquer juízo, pois são o produto das regras de experiência; se o juiz, valendo-se de um certo facto e das regras da experiência da vida, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto ou mesmo é a consequência típica desse outro facto, procede então mediante uma presunção ou regra da experiência ou de uma prova de primeira aparência. Obviamente que estas presunções não são presunções de culpa. Constituem, antes, parcelas de um processo de pensamento lógico de que o julgador não pode prescindir, sob pena de não ser a prova apreciada e valorada em toda a sua extensão. Consequentemente, sendo a decisão do julgador, devidamente fundamentada, uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção. (neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro Souto de Moura, 17junho2010, NUIPC 1/08.0FAVRS.E1-A.S1, acessível in www.dgsi.pt/jstj) Concluindo, nada impede, antes impõe o bom senso da comunidade que, devidamente valorada, a prova indiciária, por si, na conjugação dos indícios, permita fundamentar a condenação. (neste sentido, Mittermaier, in Tratado de Prueba em Processo Penal, p. 389) Caso contrário, o julgador seria um interveniente acrítico no processo, um mero recetor de mensagens. Significa isto que o julgador, alicerçando-se em factos certos, pode fazer apelo às denominadas presunções materiais ligadas à normalidade da vida e às regras da experiência. (neste sentido cfr. Eduardo Correia in Revista de Direito e Estudos Sociais, XIV, p. 24) Foquemo-nos, pois, nesta parcela e razão de convicção, sendo que esta resulta inequivocamente do teor de fundamentação do Acórdão ora sob recurso, onde é reportada. Pretende o Arguido BB invocar as suas declarações em detrimento da prova testemunhal apresentada. Ora, lida a fundamentação da matéria de facto, verifica-se que a prova testemunhal apresentada sobre a temática em causa confirma a situação de efetiva perda de casa por quem se ausentava – sendo que mesmo quando essa ausência fosse temporária havia que ser garantido o regresso através da entrega de documentação de propriedade -, o que o próprio Arguido BB, nesta parte o confirma. No mais, operou ponderação devidamente esclarecida sobre a versão do Arguido, sobre a situação afastando-a – no que ora se cuida e interessa - nos seguintes termos: “Negou todos os factos (…) Relativamente ás alegadas vítimas que depuseram para memória futura referiu que se trata de uma vingança entre famílias porquanto o seu irmão CC em 1997 ou 1998, ou seja, quando tinha 13 ou 14 anos, terá sido acusado de ter violado a vítima LL, quando este teria 8 ou 9 anos. Detiveram o irmão CC, mas a vítima GG recusou-se a que o mesmo fosse submetido a um exame pericial e retirou a queixa. Por outro lado, ele próprio também teve uma ligação extraconjugal com a mulher no LL. Recusou-se a falar do irmão CC, apenas o referindo a este propósito. (…) Pelo que as suas declarações em audiência de julgamento, procurando mostrar ao Tribunal que tudo não é mais do que umas ciladas montadas contra si, inclusivamente em território português, não foram minimamente convincentes.“ (…) Importa, pois, concluir que os elementos de prova indicados pelo Tribunal a quo impõem a decisão encetada ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, segundo as regras de experiência e da lógica. Improcede, face ao exposto, a pretensão do Arguido BB em ver modificado o facto 19. Neste ponto 4.4, em sede de motivação, também o Arguido BB se insurge sobre os pontos de facto provados 25 e 27. É certo que não leva essa matéria à conclusões, o que implica que aqui se renove, para todos os legais efeitos, o supra dito quanto a essa opção. Contudo, tal é o quadro sui generis da motivação, que não pode deixar de algo dizer, este Tribunal Superior, mais não seja para arredar aventuras de cogitações de omissão. Aponta o Arguido BB a veracidade – sim, veracidade, “este ponto levado à matéria de facto ´verdadeiro!” - do facto 25, sendo que entende que deve ser “desconsiderado o sentido que ali lhe é dado”. Aponta o Arguido BB a veracidade do facto 27 - , sendo que não entende a sua relevância, ainda que de imediato – certamente pela razão de carência de alcance pessoal, que não revela - afirme que deve ser “desconsiderada a conotação tendenciosa que ali lhe é dada”. Aceites os factos como verdadeiros pelo Arguido BB, a óbvia consequência é a do saimento de qualquer pretensão de alteração dos mesmos em termos de impugnação da matéria de facto, local onde são colocados no recurso interposto. No mais, em termos de “desconsideração” pretendida sequer o Arguido BB aponta qual o concreto sentido pretendido, sendo que a tese do “tunnel vision” , como perda de perceção por via de foco excessivo imputado ao Tribunal a quo não se mostra precisada ou concretizada. Trata-se, pois, duma mera dissertação de especulação. Mas mais, fosse possível transpor tal tese para a sede duma concreta impugnação de facto - atento que o próprio recurso limita a questão às consequências do facto e não à veracidade do facto – dir-se-ia que estávamos perante um quadro do “admite” e não do “impõe” convicção diferenciada. É agora momento de decidir sobre o ponto 4.5 (fls. 63 a 65 da motivação, com ligação às conclusões 37 a 39), sindica o Arguido BB os pontos de facto provados 33 a 38. Neste pontos de facto provados reporta-se a “habilitação” de Sharia Islâmica do Arguido BB para o desempenho, entre o mais, de funções de Mufti, bem como as funções que detinha na Al Hisbah – Polícia Religiosa. O Arguido opõe-se à prova deste factos argumentando que os mesmos resultam tão só do depoimento – em moldes de dissertação contraditória – da testemunha L, a qual reporta uma conversa consigo, conversa que não nega ter ocorrido, mas tão só aventa como ser estranha a mesma ter ocorrido, do que o Tribunal a quo devia ter retirado consequente incongruência. Na essência da razão da sua tese aponta o facto de não ser verosímil que quem se escondia, não se deixava fotografar nem filmar, tenha tido a conversa em causa, sendo que das suas pessoais declarações antes resulta a razão do conhecimento de Sharia Islâmica. Dir-se-á, antes de mais, que aqui vale – uma vez mais – o expendido em termos de não vigência do princípio o princípio testis unus, testis nullus”. O que significa que se o testemunho for, à luz das regras da experiência credível, o mesmo assim pode ser valorado e fundamento de convicção. Ora, é esse o caso. Em primeiro lugar porque a testemunha L, como o próprio Arguido BB reporta, presta um depoimento de sentido oposto ao seu. O que significa que entre as duas versões – se efetivamente de duas versões se tratar – terá o Tribunal que optar e fundamentar a razão de tal. Daí que como resulta da fundamentação do Acórdão do Tribunal a quo, no que inexiste razão para alterar face à expressividade sustentada, se o Arguido BB – de forma processual legitima, diga-se - “Negou todos os factos (…) as suas declarações em audiência de julgamento, procurando mostrar ao Tribunal que tudo não é mais do que umas ciladas montadas contra si, inclusivamente em território português, não foram minimamente convincentes.“ (…), sendo que, por seu turno “Sobre a objetividade e isenção da testemunha nada ressalta em desabono, até porque não conhecia os arguidos, nem teve com estes quaisquer relacionamentos no Iraque”(…) Vale tal por dizer que face ao modo de depor da testemunha L, uma vez avaliado pelo Tribunal a quo – no que inexiste razão para firmar diferente opinião, pelo que a mesma se sufraga – assume o mesmo foros de credibilidade. Neste particular, note-se ainda que são as próprias declarações da testemunha L transcritas pelo Arguido BB que afirmam o contrário do especulado por este: que é inverosímil ter conversado no sentido afirmado. De facto, a testemunha somente reporta que o estudo da Sharia Islâmica permitia ao Arguido BB ser Mufti no Islão, não dizendo que o seria no EI. E que foi esse o sentido da conversa. Ou seja, mesmo que fosse o estudo da Sharia Islâmica uma disciplina geral, como aventa a tese do Arguido BB, tal não impedia que houvesse estudo acrescido, mormente com base no firmado pelo PPP – o que o próprio Arguido BB não nega, pois somente nega que com este tenha estado. Mas mais, fosse a disciplina obrigatória, como o Arguido BB aponta, não se vislumbra o porquê de não se poder conversar sobre tal, mais quando sequer por si foi dito – como a testemunha L expressa – que o estudo para Mufti visasse algo no EI, mas somente que tal visava algo no Islão. Consequentemente, podendo haver intenção do Arguido BB esconder a sua ligação ao EI, já não se vislumbra – nem o mesmo aponta – a razão de esconder a sua crença no Islamismo. E daí que nenhuma incongruência, mormente a apontada, se vislumbre existir numa conversa entre duas pessoas com a mesma origem. Nenhuma razão processualmente válida existe para que tais factos 33 a 38 sejam deslocados para não provados, considerando a prova e a fundamentação inerente constante do Acórdão do Tribunal a quo. E, como tal, resta dizer - uma vez mais – que “só sabemos que o recorrente, se fosse o julgador, teria fixado os factos de modo diferente”. No ponto 4.6 (fls. 65 a 68 da motivação, com ligação às conclusões 40 a 42), sindica o Arguido BB os pontos de facto provados 361 a 374. Neste pontos de facto provados firmam-se as circunstâncias e base de identificação do Arguido BB na página de Facebook “os Livres de Nínive”. Aponta o Arguido BB que uma vez que a testemunha L nunca a si identificou no momento das iniciais comunicações estabelecidas e que levaram à origem dos autos, sim identificou o coarguido AA, que conheceu como AA, ao terem sido tais factos dados como provados os mesmos mostram-se incorretamente julgados. Diga-se, desde já, que sequer aponta o Arguido BB uma concreta razão para a sua afirmação. Simplesmente aponta a sua subjetiva visão, mas nem a mesma justifica. O que desde logo demonstra a valia da argumentação, a qual só se compreende à luz dos “pasme-se” com que funda a essência da sua narrativa. Porém, como já se teve oportunidade de dizer, não é esse o modo que permite uma qualquer alteração da matéria de facto, em especial pela via do art. 431.ºCPP. No mais, resta dizer que o Tribunal a quo, de forma escorreita expressou a razão da sua convicção – o depoimento da testemunha L e da testemunha DDD, assim como a prova documental inerente aos post na página Facebook “os Livres de Nínive” - , o que fundamentou através dum critico exame que é compreensível e plenamente verosímil. Basta para tanto ter o cuidado de se ler o ali expressado, fazendo-o sem a subjetividade emocional que em tudo turba a razão do Arguido BB. Inexiste, assim, qualquer violação das regras de formação e fundamentação da livre apreciação da prova, segundo as regras de experiência e da lógica por parte do Tribunal a quo. Surge, finalmente, o ponto 4.7 (fls. 68 a 79 da motivação, com ligação às conclusões 42 a 52), onde sindica o Arguido BB os pontos de facto provados 414 a 418, a) a r), 419 a 436, 437 a 467. Não obstante tais pontos de facto provados parecerem ser seguidos, certo é que entre o 418 e o 419 se interpõem os factos instrumentais a) a r) de reporte à queda do EI em Mossul e saídas opcionais possíveis de que dispuseram os seus membros. Deste modo, nos factos 414 a 418 trata-se da referência a uma publicação de uma foto do Arguido BB com o seu irmão CC, em 2julho2017, por parte de SSS na sua página de Facebook, asseverando que o Arguido BB pertencia ao EI, bem como a referência à existência dum processo na Justiça iraquiana onde o aqui Arguido BB é visado, existindo mandados se detenção nacionais emitidos desde 9fevereiro2021. Pretende o Arguido BB que os factos 414 a 416 deveriam começar pela expressão “ Em acto contínuo” com referência aos contactos entre a testemunha L e SSS. É dizer, na sua posição, entende o Arguido BB que a publicação em causa decorre do contacto da testemunha L com o SSS. Para fundamentar esta sua pretensão, parte de especulação do que teriam sido conversas entre a testemunha L e o dito SSS, concluindo que lhe “parece claro” , uma vez mais, um “pasme-se” resultante de o Tribunal a quo ter desmerecido a fragilidade dos depoimentos. Trata-se, no seu opinar, de situação de “ausência de prova segura e coerente”. Ou melhor, como o mesmo refere, parte dum invocado “consolidar” de “ desconfiança”. Ou seja, o Arguido BB que exige ao Tribunal a quo uma fundamentação e um exame crítico exaustivo sobre os factos, quando pretende fazer crer a sua inverosimilhança basta-se com o lançar de conjeturas, mas não concretiza a insegurança e/ou a incoerência da prova, a não ser nos relacionamentos, como se fosse familiar fosse causa de descrença. Consabidamente que não é este o modo de impugnar a matéria de facto. Desde logo sequer cai no âmbito do “admite”, muito menos do “impõe” convicção diferenciada, limitando-se ao “suponhamos que é assim, e assim é porque convém assim ser”. Mas, sendo este o modo usado pelo Arguido BB, adiante-se desde já que o finar da pretensão é óbvio. Óbvio porque sequer se está, em boa verdade, perante uma verdadeira pretensão de alteração de sentido do facto, uma vez que o Arguido BB não pode pretender que ao facto seja aditado um trecho e em simultâneo seja tal “completado” facto colocado nos factos não provados. Daí a incoerência da conclusão 45, uma vez que o que o Arguido BB antes pretende é o tal acrescento somente como meio de o ligar ao referido num depoimento testemunhal concreto, como consequência do ali dito. Ora, tal qual o Ministério Público reporta em sede de resposta, sequer se alcança qual a diferença de sentido que tal acrescento determinaria ao facto provado. No mais, alterasse esse acrescento algo, certo é que para tal teria o Tribunal que estar dotado de uma prova bastante a tal impor – e não sé a admitir -, e esta necessariamente nunca surgiria da especulação das conversas tidas entre a testemunha L e SSS, única via apontada pelo Arguido BB. No mais, e em concreto quanto aos factos 417 a 418, resta dizer que como assume o próprio Arguido BB “são verdadeiros”. Tudo apesar da contraditória conclusão 45. Como tal, sequer se vislumbra como possam ser por si apontados como resultantes de prova insegura e incoerente, como consta da surpreendente conclusão 44. Segue-se a referência aos factos instrumentais a) a r) e aos factos 419 a 436, nas conclusões 46 a 48, que pretende o Arguido BB que passem a não provados, defendendo-o à luz do depoimento da testemunha L. Tais factos, em rigor, não são negados pelo Arguido BB, o qual somente pretende que passem a não provados, como resulta da conclusão 48, sendo que para tal se baseia no facto de a testemunha L ter efetuado igual percurso de saída do Iraque. Sobre tal somente se dirá que não é viável alcançar a relevância comparativa pretendida pelo Arguido BB quando é certo que, ainda que o percurso possa ser idêntico, foi feito em condições e em tempo em tudo diferenciado, sem prejuízo de o ser por pessoas distintas em relação ao EI: a testemunha L a deste fugir, o Arguido BB a dos feitos deste, no qual estava envolvido, se tentar desonerar. Quase a terminar, frisa o Arguido BB os factos 437 a 467. Estes reportam-se a momentos já vividos fora do Iraque, em concreto na Turquia e na Grécia, sendo que o Arguido BB não sindica a sua veracidade – apesar da conclusão 51 – antes se limitando a referir que dos mesmos não se pode extrair a conclusão de que o mesmo é elemento do EI. Ora, os factos em causa limitam-se a descrever o resultante de prova documental e testemunhal, como fundamentado e sujeito a exame crítico se constata no Acórdão do Tribunal a quo, e em momento algum dos mesmos é extraído o reportado pelo Arguido BB. No mais, sendo certo que o Arguido BB reporta o facto provado 468 na motivação, certo é que não o reporta nas conclusões, o que vale por abandono, com as consequências já supra reportadas. Como tal, nada cumpriria dizer a este Tribunal Superior. Contudo, tal é o quadro sui generis da motivação – mais uma vez não a de veramente pugnar pela não prova do facto, sim pugnar pelas relevâncias do mesmo para a decisão - que não pode deixar de algo dizer, este Tribunal Superior, também com vista a arredar aventuras de cogitações de omissão. E, como tal, somente dirá que sendo certo que o mesmo padece de alguma estrutura conclusiva, igualmente não está por qualquer via negado pelo Arguido BB a não ser pela via de – mais uma – especulação, esta agora de cariz xenófobo. Concluindo – nesta parte – perante factos provados, com fundamentação expressa por parte do Tribunal a quo, sujeitando a exame crítico a prova em que se baseia, o Arguido BB, “pasme-se”, envereda pela especulação como modo do que apoda de impugnação da matéria de facto, em lado algum carreando concreta e direta prova conducente ao quanto pretende, o que nos leva, uma vez mais, a chamar à colação as palavras do Juiz Desembargador Paulo Guerra no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 8fevereiro2012. Por seu turno das explanações firmadas pelo Tribunal a quo em sede de fundamentação da sua convicção em momento algum se colhe tais similares inadmissíveis agires, que a existirem seriam de absoluto desrespeito pelas regras de prova. Como tal, também a alegação do Arguido BB em sede de recurso mais não é do que a expressão da não aceitação da razão – explanada – de convicção vertida pelo Tribunal a quo em sede de fundamentação, sendo que para tanto forma a sua alegação com base no erigir duma tão pessoal quão fantasiosa apreciação. Repetindo, por aqui também ter aplicação direta. O Tribunal a quo, individualmente e em conjunto, atendeu aos meios de prova produzidos em audiência de julgamento e concluiu nos moldes que o fez, não se vislumbrando afronta de regras inerentes. Consequentemente não se pode falar de viabilidade de impugnação da matéria de facto dada como provada e sindicada pelo Arguido BB. Perante a fundamentação do Acórdão de 1.ª instância este modo de discordância de nada vale. Antes se impõe o estatuído no art. 127.ºCPP, o qual foi usado e aplicado com efetiva lógica e sustentação, em moldes tais que se pode afirmar que adequada e justificadamente se sobrepõe às interessadas, infundadas, especulativas e subjetivas convicções pessoais reveladas pelo Arguido BB em sede de peça processual de recurso, a qual se apresenta até algo distanciada do quanto em audiência se passou. A este Tribunal Superior cabe, na sindicância do apuramento dos factos realizados em 1.ª instância, e da fundamentação feita na decisão por via deles, analisar o processo de formação da convicção dos julgadores, e concluir, ou não, pela perfeita razoabilidade de se ter dado como provado o que se deu por provado à luz das regras em apreço, as quais são as da normalidade de vida traduzida na experiência comum. Lida a decisão em apreço – no que se inclui a longa expressão das declarações das testemunhas em sede de declarações para memória futura -, decorre claramente do texto da motivação que os julgadores que intervieram na audiência no Tribunal a quo, no exercício do poder e dever de julgar segundo a sua livre apreciação e em face da prova produzida em audiência, assentaram a decisão numa fundamentação muito consistente e pormenorizada, não deixando azo a dúvidas e afastando o arbítrio. É dizer, não perpassou pelo espirito dos julgadores a mínima dúvida: o Tribunal ficou antes seguro na sua convicção, que elucidou, explanação essa donde decorre que estabeleceu os factos em harmonia com o disposto no art. 127.ºCPP, tudo a forçar a conclusão de que a decisão sob recurso não patenteia violação dessa monta. O Arguido BB não concorda, é certo. Inexiste, porém, fundamento para nesta parte alterar o bem decidido pela 1.ª instância, também porque não se verifica qualquer desrespeito do comando constitucional do art. 32.º/2CRP. Por conseguinte, desde já se decide não conhecer do mérito do recurso do quanto à impugnação ampla da matéria de facto, o que constitui motivo da sua rejeição nesta parte, em conformidade com disposto nos art.s 417.º/6b);420.º/1a)CPP, sendo que no demais – na interpretação de estar em causa afronta das regras de apreciação de prova – o decaimento igualmente opera. 3.ª questão - Da alteração para concurso efetivo, por relação entre plurais crimes de guerra, com subsequente condenação Entende o Ministério Público que o episódio FF não consubstancia, ao contrário do dito no Acórdão do Tribunal a quo (cfr. fls. 312 e 313 do mesmo), um único crime. Na sua ótica (cfr. p. 117 a 130 da motivação de recurso e subsequentes conclusões 119 a 146) não se está perante uma atuação única no tempo, sim perante uma sucessão de factos que se dividem em privação da liberdade, condução da vítima à força para lugar alheio à vontade da mesma e subsequente chicoteamento. Daí conclui que a privação da liberdade não operou tão só no período de chicoteamento, sim aconteceu antes, sendo estes factos dotados de autonomia e, como tal, a punir em concurso efetivo uma vez que opera sucessão factual, ao longo duma privação da liberdade de cerca de 2 horas, dotada de diferentes resoluções e intenções a afetarem sucessivamente bens jurídicos pessoais diferentes: a liberdade e a integridade física. É dizer, na tese defendida pelo Ministério Público, a subtração da liberdade foi para além do estritamente necessário para o fim de ofensa à integridade física e, como tal, não foi crime meio. [tese essa já indicada na acusação, uma vez que imputa diferentes crimes – cfr. fls. 206, em concreto, 7. a) 5) e 6)] Em resposta o Arguido BB, quanto à questão em apreço, sem prejuízo de pugnar pela absolvição nos termos peticionados no seu interposto recurso, adere à tese sufragada pelo Tribunal a quo, afirmando que operou uma atuação única, de atos interligados, sendo que a privação da liberdade é um meio dum processo: uma específica punição, num local predefinido, após anúncio precedido de reprovação de condutas. Decidindo. Os factos em causa relatam o episódio FF. (cfr. actos provados 280 a 336). Nesse episódio, FF, quando a trabalhar na loja, pelas 17.30h estaria a desobedecer à obrigação imposta pelo EI de encerramento a fim de se deslocar à mesquita para oração. Face a tal, o Arguido BB forçou-o a entrar no carro da Al Hisbah, juntamente com outros cidadãos com similares condutas, levou-os à mesquita, onde chegaram ao término da oração. Saídos do carro foram obrigados a ficar alinhados, em fila, e de costas para a mesquita. Terminada a oração, defronte de quem da mesquita saía foram admoestados e chicoteados, sendo o FF 33 vezes. Foi libertado de seguida, já quando decorria a oração do fim do dia, durando a privação da liberdade de locomoção e de expressão de vontade cerca de duas horas No que se cuida, está acusado e pronunciado o Arguido BB pela autoria de 2 crimes de guerra contra as pessoas, relativos ao art. 10.º/1 L31/2004-22julho – alínea i) – privação ilegal da liberdade - e d) – atos que causem grande sofrimento ou ofensas graves à integridade física ou à saúde. Ou seja, nesta tese opera situação de concurso efetivo real. Já na tese do Tribunal a quo , «uma vez que se tratou de uma actuação única no tempo, com sequência de actos interligados com vista à prática de uma “punição” (na óptica do arguido), sendo a privação da liberdade meio usado para a tortura em frente de demais cidadãos que à hora saíam do local de oração» a dita conduta integra um único crime, uma vez que se está perante um concurso aparente entre as alíneas d) e i) do art. 10.º/1 L31/2004-22julho, impondo-se tão só a condenação pela alínea d), uma vez que a privação de liberdade foi tão só meio utilizado para a tal fim – agressão física e psicológica - se ascender. Vejamos de que lado está a razão. Está em causa, na essência, a questão da unidade ou pluralidade de infrações inerentes a uma conduta vista na sua globalidade, sendo que o art. 30.ºCP nos fornece a indicação de um princípio geral de solução: o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente. Deste modo, no plano da indicação legislativa, como critério determinante do concurso firmam-se os tipos legais efetivamente violados, o quanto de forma determinante aponta para a consagração de um critério teleológico referido ao bem jurídico e não meramente lógico-subsuntivo. (sobre a questão, de forma elucidativa em termos doutrinais e jurisprudenciais, cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro Santos Cabral, 12julho2012, NUIPC 1718/02.9JDLSB, acessível in www.dgsi.pt/jstj) Como ensina Figueiredo Dias (in Direito Penal Parte Geral. Questões fundamentais à doutrina geral do crime. Tomo I. 3ª edição. Coimbra Editora, 2019. p. 1149) “O “crime” por cada unidade ou pluralidade se pergunta é o facto punível e, por conseguinte, uma violação de bens jurídico-penais que integra um tipo legal ao caso efetivamente aplicável. A essência de uma tal violação não reside pois nem por um lado na mera “ação”, nem por outro na norma ou no tipo legal que integra aquela ação: reside no substrato de vida dotado de um sentido negativo de valor jurídico-penal, reside – numa palavra que vimos usando e progressivamente concretizando ao longo de este exposição sistemática – no ilícito típico: é a unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica, existente no comportamento global do agente submetido à cognição do tribunal, que decide em definitivo da unidade ou pluralidade de factos puníveis e, nesta aceção, de crimes”. (…) Se, face às normas concreta e efetivamente aplicáveis, vários tipos legais se encontrarem preenchidos pelo comportamento global haverá concurso, mas não necessariamente concurso efetivo ou puro. Este pode não existir se se verificar que à pluralidade de normas efetivamente aplicáveis corresponde apesar dela, um sentido jurídico-social de ilicitude material dominante, verificando-se então um concurso aparente ou impuro. Delimitando conceitos, dir-se-á que há concurso efetivo quando opera a violação de várias normas jurídico-penais em decurso da prática de uma pluralidade da ações – sendo que um só facto pode, em sentido jurídico, corresponder a mais do que uma ação. Nesta situação, a uma pluralidade de ações - em sentido jurídico - corresponde uma pluralidade de crimes praticados pelo agente. Por seu turno, o concurso efetivo – como concurso próprio ou puro - pode ser real ou ideal. É real quando o agente pratica vários atos que preenchem autonomamente vários crimes ou várias vezes o mesmo crime - pluralidade de ações –. É dizer, quando são praticados diversos factos ilícitos. É ideal quando através de uma mesma ação se violam normas penais ou a mesma norma repetidas vezes - unidade de ação -. É dizer, quando é praticado um facto violador de mais de uma norma. Mais, tanto o concurso real como o ideal podem ser heterogéneos - se o comportamento preencher vários tipos de crime - ou homogéneos - se o crime é praticado várias vezes. Ao lado das espécies de concurso próprio - ideal ou real - há, com efeito, casos em que as leis penais concorrem só na aparência, excluindo uma as outras. Trata-se do concurso aparente, situação na qual apesar de coexistirem várias normas violadas, só na aparência se aplicam cumulativamente, já que só uma se aplicará. De facto, nesta situação a conduta do agente apenas formalmente preenche vários tipos legais, mas por via da interpretação das normas conclui-se que, por vezes, essa conduta é exclusiva e totalmente absorvida por um só tipo, de modo tal que todos os demais devem ceder. Ou seja, a ideia fundamental comum a este grupo de situações é a de que o conteúdo do injusto de uma ação pode determinar-se exaustivamente apenas por uma das leis penais que podem entrar em consideração - concurso impróprio, impuro, aparente ou unidade de lei. Neste concurso coexistem normas que se articulam em moldes convergentes e concordantes, a tal ponto que, fruto dessa conexão, a aplicação de uma norma importa a exclusão de aplicação de outra, o que se faz pela via da observância das regras da especialidade, da consumpção, da subsidiariedade, do facto ulterior não punível, pois os diversos crimes podem mostrar-se ligados por essas diversificadas relações entre si. É, portanto, um concurso de normas que impõe a determinação de qual se aplicará ao caso concreto, tendo em conta as ditas relações de especialidade, subsidiariedade, alternatividade ou consunção que possa existir. Por força das regras da especialidade um dos tipos aplicáveis - tipo especial, qualificado ou privilegiado - abrange já elementos essenciais de outro, também abstratamente aplicável - o tipo base ou fundamental -, ao qual, em vista dos interesses a proteger e da sua especialidade, se aditaram elementos suplementares ou especializadores, recriando um novo tipo, mais ajustado às circunstâncias do caso, mercê da regra lex specialis derogat legi generali. Por aplicação das regras da subsidiariedade certas normas apenas se aplicam quando o facto não é punido por outra mais grave, casos havendo em que essa é mesmo a formulação da ação típica. É dizer, o ditame legal está enunciado nesses precisos moldes. As relações de alternatividade estabelecem-se entre tipos que, contendo elementos incompatíveis entre si, naturalmente se excluem mutuamente. Por último, na situação de aplicação da regra da consumpção considera-se que o preenchimento do tipo mais grave engloba o preenchimento de outro menos grave e, quando tal sucede as disposições legais encontram-se numa posição em que uma consome a proteção legal já conferida por outra. Ou seja, a lei mais ampla, a lex consumens, que é a mais eficaz e a aplicável por força do princípio ne bis in idem, do que a lei menos ampla, a lex consumpta, que não cobra aplicação. Chama à colação o Ministério Público o lugar paralelo da vexata quaestio da relação entre crime de sequestro e crime de roubo, situação quadro a partir da qual se pode enveredar por situação de concurso efetivo ou aparente, consoante aquele ser crime meio ou ser crime fim, distinção que, na essência, se faz pela via da delimitação do hiato de privação de liberdade como o estritamente necessário ou como extravasante. Ora, no caso sub judice temos antes de mais que percecionar que existiu uma privação da liberdade que se prolongou durante cerca de 2 horas, privação que se iniciou face ao entendimento de desobediência ao fecho da loja em momento de oração, subsequente condução ao local próprio da oração, inerente sancionamento em público. Dir-se-á ab initio que não colhe o argumento do Ministério Público de que a sanção física podia ser logo executada como que defronte da loja, sem necessidade de condução à mesquita. E não colhe porque a essência do ato está na conexão entre o que, na lógica dos membros do EI – como o Arguido BB -, estava o FF a fazer e o que devia estar a fazer: na loja a trabalhar versus na mesquita a orar. E daí que, como que em moldes de enfatizar o que membros do EI – como o Arguido BB - vislumbravam como gravidade comportamental, não fosse bastante o sancionamento, necessário era que esse ocorresse no local onde antes deveria estar, mas não estava, o FF: a mesquita. E daí a necessidade intrínseca de o fazer deslocar. Alteração espacial esta que só se efetivava em tempo e com utilidade através do meio forçoso. Sendo que a duração da mesma terminou uma vez que executada foi a sanção. Começar-se-á por firmar que para a concreta análise da matéria em causa se tem que, antes de mais, ter presente o disposto nas quatro Convenções de Genebra de 1949 e respetivos protocolos, momento em que se densificou o conceito de crime de guerra já definido no antecedente Estatuto do Tribunal de Nuremberga, como “violação das leis e costumes da guerra”, violações essas que sem pretensão de exaustão, incluem “o homicídio doloso, os maus tratos ou a deportação para trabalhos forçados, ou para qualquer outro fim, das populações, nos territórios ocupados, o homicídio doloso ou os maus tratos dos prisioneiros de guerra, ou de pessoas, no mar, a execução de reféns, a pilhagem de bens públicos ou privados, a destruição sem motivo de cidades e aldeias, a devastação não justificada por exigências militares”. Densificado que se vem firmando no conceito de crime de guerra, aqui no âmbito da secção II da L31/2004-22julho, entre ao art.s 10.º e 16.º, sendo patente que o bem jurídico cuja tutela se pretende é a comunidade internacional, e as previsões correspondem à necessidade de tipificar determinadas condutas que violam valores que a comunidade internacional reconhece como essenciais ao seu desenvolvimento. (Cfr. Maria João Antunes in Comentário Conimbricense ao Código Penal”, Parte especial, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, p. 559) Como tal, a norma tutela um bem jurídico próprio o qual ultrapassa os bens jurídicos individuais ínsitos - tais quais a vida, a integridade física ou a liberdade - uma vez que dada a especial natureza de tal bem jurídico a sua violação assume uma gravidade excecional, o que necessariamente tem que ter reflexos na punição proposta. Assim vista a situação, cientes que opera uma violação de um bem jurídico comum de valor mais elevado, certo é que esse como que se espelha numa acrescida proteção de individuais e diferenciados bens jurídicos – na alínea i) a liberdade de movimentos, como jus ambulandi; na alínea d), a integridade física e psíquica -. Ora, igualmente cientes que ambas as situações consubstanciam atuações de dano e de resultado, forçoso é concluir que somente perante o concreto se pode afirmar se há quadro de consunção, ou quadro de concurso real. Se o FF foi privado da liberdade para que a agressão física se consumasse nos moldes previstos, então podemos dizer que o “sequestro” foi o meio usado para levar a cabo tal fim. Neste caso, a inicial violência que a privação de liberdade consubstancia – a afirmada contra vontade - aconteceu para que o FF não pudesse resistir à pretendida ação de agressão física em local específico e perante plateia a quem – igualmente – cumpria propagandear a “solução” que o EI tinha para tal desobediência. Ao invés, se a privação da liberdade ocorrida tiver sido mais que um meio de execução, isto é, se excedeu a necessária à realização da violência física e psíquica, então o “sequestro” ganha autonomia e deverá ser punido em concurso real. Ora, como já supra se elucidou, da factualidade provada resulta que no concreto do caso em análise não foi este último modus operandi o realizado, sim foi o antecedente. E daí a razão do Tribunal a quo ao afirmar - repete-se - «que se tratou de uma actuação única no tempo, com sequência de actos interligados com vista à prática de uma “punição” (na óptica do arguido), sendo a privação da liberdade meio usado para a tortura em frente de demais cidadãos que à hora saíam do local de oração». De facto, da leitura que se faz da factualidade apurada – em sintonia com o Tribunal a quo - não parece poder defender-se terem havido os referidos primeiro e segundo momentos na atuação, nem poder dizer-se que a privação da liberdade se manteve mesmo após agressão física defronte da mesquita. Pelo contrário, e aqui usando a expressividade contida na resposta do Arguido BB «o infligir das chicotadas era “apenas” o último ato de um procedimento composto e num local definido, pelo que, a privação da liberdade ambulatória, pelo tempo indispensável à chegada ao local do ato pretendido é meramente instrumental.» Como tal a violação do bem jurídico inerente à privação da liberdade perde autonomia funcional, ficando consumida pela infração – que acaba por ser complexa - que é a ofensa à integridade física e psíquica em moldes de grande sofrimento na pessoa do FF. Grande sofrimento esse que não é apenas o físico gerado pelas 33 chicotadas, é-o também o psíquico inerente a ter sido efetuado num local concreto – à saída da mesquita - em público e perante outros habitantes de Mossul, entre os quais concidadãos que no mesmo bairro onde trabalhava viviam (cfr. factos provados 332 a 334), como também o é pela via do mesmo ter tido medo de ser morto e, para tanto, não resistir à forçada entrada no carro da Al Hisbah (cfr. factos provados 283, 291 a 293, 303, 318, 330 a 334). Como tal, não obstante o tempo necessário para pôr em prática toda a diversidade de meios utilizados pelo Arguido BB para atingir o fim pretendido, entendemos não se poder afirmar, ao contrário do que o Ministério Público recorrente faz, que a privação de liberdade sofrida pelo FF excede em muito – por desnecessária e excrescente - a especificidade do crime meio necessário para a consumação da agressão física e psíquica em moldes de grande sofrimento. Pode então dizer-se que na execução do crime de guerra contra as pessoas, a violência usada integrou também a privação de movimentos, privação esta que foi o meio utilizado para conseguir a pretendida agressão e que logo cessou uma vez a mesma consumada. (cfr. facto provado 322) E assim sendo, a violação do bem jurídico inerente à comunidade internacional, aqui particularizado no pessoal inerente à privação da liberdade, ficou consumida pela específica construção inerente à execução da violação do bem jurídico inerente à integridade física e psíquica, enquanto atuação complexa. Tudo a levar-nos ao entendimento de que in casu a violação da alínea i) foi o meio utilizado para a consumação da violação da alínea d), ambas do art. 10.º/1 L31/2004-22julho, pelo que esta consome aquela. E daí a improcedência, nesta parte, do recurso interposto pelo Ministério Público. 4.ª questão - Do não preenchimento dos elementos típicos do crime de adesão a organização terrorista Formula o Arguido AA (cfr. pontos 95.º a 121.º, correspondentes a fls. 186 a 201 da motivação de recurso e subsequentes conclusões XLV a LX) o entendimento de que não podia o Tribunal a quo, no ponto 3.4 do Acórdão (cfr. fls. 295 a 304 do mesmo) estabelecer a integração da sua conduta nos elementos típicos - objetivo e subjetivo, neste também no específico - do crime de adesão ao terrorismo, uma vez que não resultaram provadas quais as posições que ocupou ao serviço do EI, ou quais as mesmas sejam; que no EI tenha exercício funções, em concreto no bairro ...; que tenha feito uso regular do traje afegão, admitindo esporádica visualização do seu uso, uso esse que até havia quem o fizesse por simpatia – não afirmando ser esse o seu caso -; que haja feito juramento de fidelidade ao EI; que após tenha efetuado curso/treino para combatentes, vindo a do mesmo sair, ainda assim mantendo uso do traje afegão como membro do EI; onde exercia funções – mormente no Serviço de Proibição de Viagem -sob a influência e proteção do CC; admitindo que “eventualmente se apurou” ter sido visto com o CC e o BB, o que é diferente de os acompanhar “nas acções eu levavam a cabo ao serviço do Estado Islâmico”; tendo explicado a razão e contextualização da sua intervenção no vídeo promocional se funda em estar no seu local de trabalho, não se percecionando os seus comentários. Mais aponta a inexistência de qualquer processo crime no Iraque contra a sua pessoa. Conclui, assim – com base no que entende ser a inexistência de qualquer prova testemunhal, ou que aquando esta exista possua conhecimento direto, ou que decorra de qualquer outro meio de prova, sendo que quando exista é contrariado por prova testemunhal, bem como à luz da insistência no conceito de depoimento “praticamente unânime” – que inexiste prova de que promoveu o EI, valendo a presunção de inocência em seu favor, pelo que deveria ter sido absolvido. O Ministério Público respondeu diretamente a este trecho do recurso do Arguido AA (no final de fls. 83, o que retoma no ponto 11 a fls. 112). Decidindo. Esta parte do recurso do Arguido AA, desde já se diga, está votada ao insucesso uma vez que, como já anteriormente se esclareceu, inexiste qualquer razão para alterar os factos dados como provados. Como tal, se estes se mostram firmados e em si vêm a preencher os elementos típicos do crime de adesão ao terrorismo, inexiste viabilidade de algo neste campo alterar. Contudo, percebendo a razão, nesta parte, da interposição do recurso por parte do Arguido AA, explicitar-se-á que mantidos os factos – o que se fundou na inexistência de válido recurso de matéria de facto, associado à não verificação de qualquer invalidade na formação da convicção do Tribunal à luz das provas produzidas, uma vez que se mostram cumpridas as regras de livre apreciação da prova – a questão ora em apreço já não será vista sob o prima de facto, mas somente sob o prisma de direito. E sobre esse prisma de direito já supra – na sede do recurso interposto pelo Ministério Público, na ótica do mesmo a incidir sobre matéria de facto, mas que, como se viu, não o era – este Tribunal Superior se debruçou, explanando as questões dos princípios inerentes à apreciação da prova e a sua ligação à liminar e essencial presunção de inocência. Resta pois aqui – na sede do recurso do Arguido AA - dar por integralmente reproduzidos, para todos os legais efeitos, tais argumentos, uma vez que opera verificação de que o Tribunal a quo imbuído da imediação, alicerçou uma convicção adequada e suficiente sobre a verdade dos factos, convicção a qual explicitou nas sua inerentes razões, fazendo-o de forma lógica e global, com o mínimo de consciência para a formulação do juízo sobre a credibilidade dos depoimentos apreciados e, com base no seu teor individual e global somado, conjugado e confrontado, também com as demais provas. Perante as premissas apresentadas, valorando toda a prova apresentada em sede de audiência, permitiu-se o Tribunal a quo convencer-se ou não dos factos. É esta a essência da fundamentação de facto do Acórdão sob recurso. O Arguido AA perante tal exposição/fundamentação constante do Acórdão sob recurso limita-se a especular, construindo a sua peça de recurso no sentido de cogitar por essa via uma necessidade de dúvida insanável para o Tribunal. E, perante todo este quadro, não aceita a prova dos imputados factos, recorrendo a conceitos tão firmes quanto o é o do depoimento “praticamente unânime”. Ora, é perante esta situação que o Tribunal a quo, ciente das divergências apontadas, ponderou com vista à formação da sua convicção, e referiu-as. Não se ficou pela base apontada pelo Arguido AA. Não foi essa ligeireza – própria das convicções pessoais e não de quem tem equidistância na apreciação dos depoimentos, da sua veracidade, na sua singularidade e contexto - cometida pelo Tribunal a quo. Pelo contrário. De forma fluente, concisa e encadeada, o Tribunal a quo descreveu o caminho que encetou para chegar à conclusão fundamentada a que chegou. Basta ler a convicção para tal se perceber, em especial a lógica ali demonstrada. Como tal, o Tribunal a quo bem deu a entender que exercia a sua função de julgar, o que pressupõe optar, escolher e decidir e, no caso dos autos, fê-lo, escolhendo para cada facto apontado, na sua totalidade ou na sua restrição, uma das versões apresentadas na sede de audiência e julgamento, ou a única versão apresentada quando esta se mostrou credível. Da mesma forma, para os factos não provados, expressou o Tribunal a razão de tal resultado: ausência de prova bastante nesse particular. Esta opção, porém, não foi feita de forma caprichosa, tendenciosa ou arbitrária. Pelo contrário, foi feita de forma transparente, mostrando-se perfeitamente descrita e objetivada na fundamentação e exame crítico, uma vez que aí estão expressamente expostos os elementos de facto que fundamentam a decisão, o processo lógico que lhe subjaz, optando o Tribunal a quo por uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, suportada pelas provas invocadas na fundamentação do Acórdão, não se detetando nenhum erro patente de julgamento ou a utilização de proibida. E dai, que se tenha a decisão por inatacável uma vez que a mesma está proferida de acordo com as regras da livre convicção (art. 127.ºCPP). É, pois, claro como água o quanto resulta do texto da fundamentação. E daí a improcedência, nesta parte, do recurso interposto pelo Arguido AA. 5.ª questão - Da dosimetria da pena A – Considerações gerais Todos os recursos interpostos nos autos assumem, diretamente, a pretensão de alteração das penas individuais e finais, ainda que em sentido diverso se apontem os dos Arguidos AA e BB com relação ao do Ministério Público. Nesta matéria, o recurso do Arguido AA divide-se em duas pretensões, sempre de forma subsequente, ainda assim subsidiária em relação ao teor do demais objeto do seu recurso onde pugna por absolvição (fls. 202 a 215 da motivação, a que correspondem os pontos 122 a 168, “condensados” nas conclusões LXI a LXXIV). A primeira passa pela invocação da aplicabilidade dos institutos de dispensa da pena, ou, subsidiariamente, do instituto de atenuação especial da pena, à luz do art. 2.º/5 L52/2003-22agosto. A segunda passa pela fixação da pena no mínimo legal - 8 anos de prisão. Por seu turno, com relação à matéria ora em apreço, o recurso do Arguido BB divide-se em duas pretensões, sempre de forma subsequente, ainda assim subsidiária em relação ao teor do demais objeto do seu recurso onde pugna por absolvição (fls. 81 a 90 da motivação, a que corresponde o ponto VI – 6.1 e 6.2, “condensados” nas conclusões 61 a 76). A primeira passa pela invocação da aplicabilidade dos institutos de dispensa da pena, ou, subsidiariamente, do instituto de atenuação especial da pena, à luz do art. 2.º/5 L52/2003-22agosto, na redação da L59/2007-4setembro. A segunda passa redução das penas – individuais e, consequentemente, única -, à luz da valoração de atenuantes, não pugnando sequer montante concreto. Por último, o Ministério Público pugna no seu interposto recurso por um agravamento das penas aplicadas aos Arguidos AA e BB. Especificamente (fls. 130 a 145 da motivação, “condensadas” nas conclusões 148 a 195 – sem prejuízo da necessidade de tal truncar em face da improcedência de outras questões apostas nesse recurso, como supra já se firmou): a) quanto ao Arguido AA pugna pela aplicação duma pena concreta de 12 anos e 6 meses de prisão com reporte ao crime de organizações terroristas (modalidade de adesão); b) quanto ao Arguido BB pugna pela aplicação duma pena concreta de: - 13 anos de prisão com reporte ao crime de organizações terroristas (modalidade de adesão); - 14 anos de prisão com reporte ao crime de guerra contra as pessoas; - 1 ano e 4 meses de prisão com reporte ao crime de ameaça agravada; c) quanto ao Arguido BB pugna pela aplicação da pena única, de cúmulo jurídico, de 20 anos de prisão. Ao recurso interposto pelo Arguido AA respondeu o Ministério Público, invocando a sua falta de razão e antes que seja dada razão ao recurso por si interposto. (fls. 113 e 114 da resposta). Ao recurso interposto pelo Arguido BB respondeu o Ministério Público, invocando a sua falta de razão e antes que seja dada razão ao recurso por si interposto. (fls. 113 e 116 da resposta). Ao recurso interposto pelo Ministério Público respondeu o Arguido AA, invocando a sua falta de razão e antes que seja dada razão ao recurso por si interposto. (fls. 43 a 45 da resposta). Ao recurso interposto pelo Ministério Público respondeu o Arguido BB, invocando a sua falta de razão e antes que seja dada razão ao recurso por si interposto. (fls. 19 a 22 da resposta e conclusões 17 a 26). Sumariada a situação de reporte a esta parte dos recursos, assim se percecionando quais as concretas sub questões em cada um dos mesmos suscitada, há que firmar, antes de mais, que a operação de fixação da pena se faz segundo o art. 71.ºCP, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (n.º 1) e atendendo-se (n.º 2) a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, pelo que urge perceber se a decisão sob recurso tal percurso efetuou, em que moldes o fez e se, a final, fixou adequadas e justas individuais penas de prisão face aos crimes perpetrados pelos Arguidos AA e BB. Numa simples nota inicial, quanto à questão em apreço e porque basilar para o consistente da posição assumida por este Tribunal Superior nesta matéria da fixação da medida concreta das penas, relembra-se o dito pelo Juiz Desembargador Joaquim Gomes (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, 2novembro2013, NUIPC 180/11.0GAVLP.P1, acessível in www.dgsi.pt/jtrp): “O recurso dirigido à medida da pena visa o controlo da (des)proporcionalidade da sua fixação ou a correção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso, e não a concretização do quantum exato da pena aplicada.”. De facto, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça desde há muito vem entendendo que a intervenção dos Tribunais de 2.ª instância ao nível da apreciação das penas fixadas pela 1.ª instância deve ser parcimoniosa, uma vez que “apesar de se mostrar hoje afastada a concepção da medida da pena concreta, como a «arte de julgar» substituída pela de autêntica aplicação do direito, aceitando-se a sindicabilidade da correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação, bem como a questão do limite ou da moldura da culpa e a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada.” (Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro Simas Santos, 11outubro2007, Proc. n.º 07P3171, rel. Juiz Conselheiro Raul Borges, 27maio2009, processo 09P0484, onde é feita uma enorme compilação de decisões em idêntico sentido; rel. Juiz Conselheiro Pereira Madeira, 29janeiro2004, processo 03P1874 acessíveis in www.dgsi.pt/jstj) (no mesmo sentido, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, rel. Juíza Desembargadora Olga Maurício, 5abril2017, NUIPC 47/15.2IDLRA.C1, acessível in www.dgsi.pt/jtrc, onde nos é dito que “I - No quadro da moldura penal abstracta, a fixação [da pena] estabelece-se entre o mínimo, em concreto imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo que a culpa do agente consente: entre estes limites satisfazem-se as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização. II – Relativamente à determinação do quantum exacto de pena [só] será objecto de alteração se tiver ocorrido violação das regras da experiência ou se se verificar desproporção da quantificação efectuada.”; o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, rel. Juiz Desembargador Artur Oliveira, 11julho2007, processo 0742984, acessível in www.dgsi.pt/jtrp, onde nos é dito, no essencial citando a lição de Figueiredo Dias (in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, Reimpressão, 2005, p. 197) que “A intervenção do tribunal de recurso pode incidir na questão do limite ou da moldura da culpa assim como na actuação dos fins das penas no quadro da prevenção; mas já não na determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, excepto se tiverem sido violadas regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.”) Esta jurisprudência e doutrina refletem a ideia, que acompanhamos, de que a alteração da medida concreta da pena em sede de recurso deve respeitar a zona de liberdade do julgador em primeira Instância ao fixar o quantum da pena, desde que se situe entre os referidos limites que satisfazem as necessidades de prevenção (o mínimo necessário à salvaguarda das expectativas comunitárias e o máximo balizado pela culpa do agente), não ocorra violação das regras da experiência comum ou manifesta desproporção na pena aplicada, ou afastamento relevante das medidas das penas que vêm sendo fixadas pelos Tribunais de recurso para casos similares. (aqui recorrendo à base da noção civilista contida no art. 8.º/3CC, onde se pode ler que “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”) Assim o é porque o Tribunal ad quem só pode intervir na pena, alterando-a, quando detete incorreções ou distorções no processo aplicativo desenvolvido em primeira instância, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a pena. Não decide como se o fizesse ex novo, como se inexistisse uma decisão de primeira instância. O recurso não pode visar nem pretender eliminar alguma margem de atuação, de apreciação livre, reconhecida ao Tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar. De facto, tal fixação da medida concreta da pena envolve por parte do julgador uma certa margem de liberdade individual, a qual não lhe permite, contudo, um afastamento da aplicação estrutural do direito, devendo ter-se em apreço a culpabilidade do agente e os efeitos da pena sobre a sociedade e na vida do delinquente, como disposto no art. 40.ºCP, sob a epígrafe de finalidade das penas. Por seu turno, sob a epígrafe de execução da pena de prisão, o art. 42.ºCP fixa que a execução da mesma, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes. De igual modo, do art. 2.ºCEPMPL, sob a epígrafe finalidades da execução, colhe-se que a execução da pena privativa da liberdade visa a reinserção do agente na sociedade, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, a proteção de bens jurídicos e a defesa da sociedade. Dir-se-á, porém, em moldes de fundamentação do presente Acórdão que para determinação da pena concreta a aplicar tem então o Tribunal que se socorrer do critério global previsto no art. 71.º/1CP, o qual firma que "a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção". É dizer, a determinação da medida concreta da pena escuda-se em função da culpa e da prevenção – especial e geral positiva ou de integração –, concretizadas a partir da eleição dos elementos para elas relevantes. Dai que sói dizer-se que culpa e prevenção "são os dois termos do binómio", através de cuja função será construído o "modelo de medida da pena": à culpa cabe estabelecer o máximo de pena concreta ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade; à prevenção geral positiva cabe expor a necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, a realização in casu das finalidades da pena; para a prevenção especial ficam as necessidades inerentes à ressocialização do Arguido. Nas palavras de Figueiredo Dias (in “Código Penal, Actas e Projecto da Comissão de Revisão, M.J., Lx., p. 78), “A culpa (…) é o ponto de referência que o julgador não pode ultrapassar; até esse limite jogam então as considerações relativas à prevenção, geral e especial.” Como bem refere Gonçalves da Costa (in“A parte geral no projecto de reforma do Código Penal Português”, RPCC, III), a culpa normativo-concreta, pelo facto e pela personalidade, nele refletida é, em nome da dignidade da pessoa humana, pressuposto - não há pena sem culpa - e limite da pena, cuja medida se determina em função das exigências de prevenção geral - proteção de bens jurídicos -, e especial - reintegração do agente na sociedade. (sobre a questão, por todos conhecidas, as palavras de Figueiredo Dias, in Direito Penal …cit., p. 215; no mesmo sentido Maria Fernanda Palma, in As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva - Jornadas sobre a Revisão do Código Penal, 1998 AAFDL, p. 25; Maria João Antunes in “Penas e Medidas de Segurança”, Almedina, 2020 (reimpressão), p. 45; Finalmente, para a concretização da medida da pena, atender-se-á à totalidade das circunstâncias do facto (fatores de medida da pena) que, não fazendo parte do tipo, relevam para a culpa e a prevenção - artigo 71.º/1CP -, atendendo ao que nesse campo depuser "a favor do agente ou contra ele" - art. 71.º/2CP -. É este o modelo: dentro dos limites anuídos pela prevenção geral positiva ou de integração (tutela das expectativas da comunidade na manutenção da validade da norma violada) – entre o ponto ótimo – que nunca deve ultrapassar o limite máximo de pena adequado à culpa, mas que não tem obrigatoriamente com ele coincidir – e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos podem e devem atuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar em último termo, a medida da pena. Em recensão, como diz o Juiz Desembargador Paulo Barreto (Acórdão desta 5.º Secção do TRLisboa, 11abril2023, NUIPC 75/21.9JBLSB.L1-5, acessível in www.dgsi.pt/jtrl), “ a medida da pena, segundo os seus fins, tem como limiar mínimo a expectativa comunitária na validade (e reforço) das normas penais violadas. É a protecção dos bens jurídicos, a prevenção geral positiva. Quanto à culpa, que assenta num juízo de censura sobre a conduta do Arguido reflectida no facto criminoso praticado, diga-se que, tanto constitui limite máximo da pena, como também seu fundamento (não há pena sem culpa). E, finalmente, o pendor da pena, mais acima ou mais abaixo, está na denominada prevenção especial, na reintegração do agente (que não tem tanto a ver com as suas relações sociais, se tem família ou amigos, mas sobretudo se é expectável que seja um cidadão fiel ao direito). Se são mínimas as exigências de prevenção especial, a medida da pena baixa; e sobe quando são maiores tais exigências.” Ou seja, como facilmente se alcança do vocábulo “nomeadamente” (art. 71.º/2CP), há que vislumbrar se na decisão sob recurso se atendeu ao facto de a enumeração legal das circunstâncias selecionáveis para este raciocínio não ser taxativa, sendo certo que as circunstâncias arroladas para a efetivação deste cálculo podem até ser de dimensão ambivalente ou antinómica, isto é, podem ser simultaneamente valoradas como elementos graduadores da culpa e da prevenção, ou assumirem direções opostas na concretização desses vetores. (Figueiredo Dias, in Direito Penal, cit., p. 220) Atendeu o Tribunal a quo às sobreditas circunstâncias concretamente aplicáveis, que valorou corretamente enquanto agravantes ou atenuantes? Passemos, então à apreciação individual dos recursos neste campo de impugnação da matéria de facto – no que se sindicará a finalidade e a correção do meio técnico concretamente utilizado. B – Recurso do Arguido AA O Arguido AA, na essência, não coloca em causa o modo como estruturalmente o Tribunal a quo determinou a pena a si aplicada. Sindica somente a sua desadequação, uma vez que entende que deveria ter operado apreciação de circunstâncias extra que a solução diferenciada conduziriam. Começando pela questão de viabilidade técnica de aplicação da norma do art. 2.º/5 L52/2003-22agosto, dir-se-á que com relação à data dos factos objeto dos autos – 2014 a 2016 – estava vigente a redação da L59/2007-4setembro, redação a qual introduziu a viabilidade de “a pena pode ser especialmente atenuada ou não ter lugar a punição se o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir consideravelmente o perigo por ela provocado ou auxiliar concretamente na recolha das provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis.” Tal previsibilidade consta hodiernamente do n.º 4 do art. 3.º da L52/2003-22agosto, na redação da L2/2023-16janeiro. Entende o Arguido AA que a matéria de facto provada (com a qual não concorda, é certo) conduz a que a atividade de adesão ao EI a si imputada teve lugar em Mossul, cidade a qual esteve sob o domínio do EI até julho2017. Ora, como o Arguido AA saiu do Iraque a 7março2016 – mais de 1 ano antes de o EI ter saído de Mossul –, passando a viver na Europa, onde se integrou e onde foi vigiado até 2021 sem que fosse descortinado qualquer contacto com o EI, tal assume a significância de abandono voluntário do EI. Acrescendo ser pessoa com comportamento ajustado, trabalhador e com CRC incólume, deveria o dito normativo, na modalidade dispensa de pena ou de atenuação especial, ter sido aplicado. Decidindo nesta parte. O fundamento da atenuação especial da pena consiste na diminuição acentuada da ilicitude, na diminuição acentuada da culpa e ainda na diminuição acentuada da necessidade da pena e, portanto, das exigências de prevenção. Por seu turno, com relação à dispensa de pena dir-se-á que estamos perante a situação de declaração de culpa sem declaração de pena. Como tal, ainda que se esteja no campo do percurso de escolha e determinação da pena, verificando-se os exigidos pressupostos da punibilidade (e por isso a sentença que aplica uma dispensa de pena é uma sentença condenatória – art.s 375.º/3 e 513.º/4CPP), o certo é que se não determina uma qualquer pena concreta, porquanto perante as finalidades que à aplicação da pena presidem a mesma não surge como adequadamente necessária, desde logo porque o agente não se revela carecido de ressocialização, bastando à decisão condenatória assumir mera função de advertência. Uma linha inicial cumpre esclarecer: a de que a concreta medida da pena se determina a partir do que resulta dos factos provados (e do que deles se pode deduzir) e não a partir de considerações feitas pelo Arguido que não se extraem ou que não encontrem apoio nesses mesmos factos dados como provados. Ora, em lado algum dos factos resulta provado que tenha operado abandono voluntário do Arguido AA com relação ao EI de que era e é membro. Note-se que, se por um lado o juramento de fidelidade Al-Bay’at é tido como irrevogável - o que o Arguido AA não sindica, somente se opondo a que o tenha efetivado, o que não logrou vencimento de pretensão –, o quanto nos leva de imediato à inexistência de abandono voluntário, assim como à especificidade atuacional das células adormecidas e a sua ligação como último local de recobro do “lobo solitário”, por outro lado em momento algum se vislumbram atos de colaboração para a descoberta da verdade que conduzam a desmantelamento do EI. Pelo contrário, perante o quadro que a matéria de facto recolhida espelha, não só não se vislumbra qualquer positividade da índole que o Arguido AA entende que se podia colher, desde logo pela concreta assunção dos factos, mormente em moldes confessórios e de arrependimento sério e contrição sobre as atitudes encetadas e que pudesse per se direta, ou indiretamente, vir a contribuir para a finalidade inerente à norma e aos institutos que a mesma permite aplicar, pelo que se mostra, de todo em todo, impossível aceitar tal argumentação. Tais factos não resultam provados nesses moldes e, como tal, não podem ser chamados aqui à colação (sobre os pressupostos necessários à integração dos factos na questão específica, sob o prisma equivalente de desistência, cfr. o Acórdão da Relação de Lisboa, rel. Juiz Desembargador Soreto de Barros, 29novembro1994, processo 0073875, acessível in www.dgsi.pt/jtrl), sendo que há sempre que notar o lugar paralelo em que“[o] arguido tem o direito ao silêncio, ou a contar a “sua verdade”, cuja invocação, em circunstância alguma, o pode prejudicar. Porém, o que está em causa não é a valoração de tal postura processual em sentido negativo, mas sim a valoração num sentido positivo, em termos de prevenção especial, da conduta contrária, ou seja, de uma assunção plena, e responsável, do acto ilícito cometido a qual inexiste no caso vertente.” (neste sentido, Santos Cabral, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13janeiro2010, NUIPC 6040/02.8TDPRT.S1, acessível in www.dgsi.pt/jstj) Tudo a levar-nos à conclusão de que inexiste qualquer viabilidade de utilização das soluções preconizadas e sempre sem prejuízo de para o quadro de dispensa de pena a norma do art. 74.º/1CP mostrar sempre inviável a aplicação ao crime em causa atenta a sua moldura penal abstrata. Improcede, assim, esta vertente do recurso interposto pelo Arguido AA. No mais e como segunda via, pretende o Arguido AA que lhe seja então aplicada a pena de 8 anos de prisão, a qual corresponde ao limite mínimo abstrato de reporte ao tipo penal do crime de organizações terroristas (modalidade de adesão). O Tribunal a quo, em sede de determinação concreta da pena discorreu entre fls. 315 e fls. 321, o que aqui por economia de meios – também atento o já supra reportado no ponto 2.1.3.2.2 – se tem por reproduzido. Ainda assim, especificamente quanto ao Arguido AA, dir-se-á que foi considerado o dolo direto, manifestado na duração e intensidade do seu comportamento, o grau de culpa acima do limite médio da moldura abstrata, o modo de execução dos factos e a gravidade inerente às suas consequências, a elevarem o grau do ilícito, a sua postura contida, mas dissimulada, a ausência de contrição, a inserção comunitária e conduta laboral. Ou seja, tendo em consideração a moldura abstrata do crime em presença, a pena imposta pelo Tribunal a quo situa-se substancialmente abaixo do limite médio da moldura abstrata, aliás situa-se é na verdadeira cercania do limite mínimo, no quanto foram considerados os parâmetros firmados e supra elencados ao nível das exigências de labor. Revelando a situação concreta que se está perante atuação que jamais reflete e/ou justifica a graduação da medida da pena pelo mínimo legal, nenhuma censura objetiva a tal apreciação pode ser feita nesse sentido à luz da justeza na mesma expressa ao nível das considerações de prevenção, culpa dolosa do Arguido AA, consciente ilicitude de reporte aos factos encetados e considerações, positivas e negativas, da sua esfera pessoal. Como tal, ao contrário do que alega o Arguido AA, não se vê que haja qualquer exagero na ponderação feita ao nível da fixação duma pena concreta em que tudo ponderado, considerando o efeito previsível da pena sobre o seu comportamento futuro, olhando aos factos apurados e tendo presente o limite máximo consentido pelo grau de culpa, bem como os princípios político-criminais da necessidade e da proporcionalidade, uma vez que a mesma favorece a sua reinserção social, como intenção reportada no art. 42.º/1CP e 2.º ºCEPMPL. Assim sendo, nada existe a censurar na graduação da medida da pena efetuada pelo Tribunal a quo quanto ao Arguido AA em moldes tais que pudesse ter sucesso a sua pretensão. Improcede, pois, totalmente a argumentação do Arguido AA, não tendo sido violados os princípios e normas por si chamados à colação. C – Recurso do Arguido BB O Arguido BB, na essência, após tecer considerações sobre o princípio da culpa e a influência da prevenção geral e especial no âmbito da fixação concreta da pena – em que em nada contraria os parâmetros supra elencados – igualmente não coloca em causa o modo como estruturalmente o Tribunal a quo determinou a pena a si aplicada. Sindica somente a sua desadequação, uma vez que entende que deveria ter operado apreciação de circunstâncias extra – em moldes de atenuação - que a solução diferenciada conduziriam. Entende o Arguido BB que a matéria de facto provada (com a qual não concorda, é certo) conduz a que a não possui antecedentes criminais, processos criminais pendentes; que o seu recrutamento e atuação ao serviço do EI se baseou na influência do CC – irmão mais velho e, na cultura que sufraga, ascendente -; sendo que saiu do Iraque a 7março2016, passando a viver na Europa, tal assume a significância de abandono voluntário do EI. Consequente devem as penas de reporte serem reduzidas por de atenuantes beneficiar, sendo que quanto ao crime de organizações terroristas (modalidade de adesão), deve operar a modalidade de dispensa de pena ou de atenuação especial à luz do art. 2.º/5 L52/2003-22agosto, na redação da L59/2007-4setembro. Decidindo nesta parte. Quanto à inaplicabilidade da norma do art. 2.º/5 L52/2003-22agosto, na redação vigente à data dos factos – a da L59/2007-4setembro – ou da hodierna previsão do n.º 4 do art. 3.º da L52/2003-22agosto, na redação da L2/2023-16janeiro, vale aqui ipsis verbis o dito quanto ao Recurso do Arguido AA, o quanto se tem por integralmente reproduzido. Nada há a acrescentar, sendo a sua inaplicabilidade patente. Improcede, assim, esta vertente do recurso interposto pelo Arguido BB. No mais, note-se que o Arguido BB sequer logra na sua peça de recurso peticionar uma qualquer concreta pena parcelar ou única o que per se também bem revela a própria falta de linhas recursivas e crença na razão subjacente e determinante de alteração do decidido pelo Tribunal a quo, quão mais não seja porque nenhuma excecionalidade conducente invoca. Repete-se, o Tribunal a quo, em sede de determinação concreta da pena discorreu entre fls. 315 e fls. 321, o que aqui por economia de meios – também atento o já supra reportado no ponto 2.1.3.2.2 – se tem por reproduzido. Ainda assim, especificamente quanto ao Arguido BB, dir-se-á que foi considerado o dolo direto, manifestado na duração e intensidade do seu comportamento, o grau de culpa acima do limite médio da moldura abstrata, o modo de execução dos factos e a gravidade inerente às suas consequências, a elevarem o grau do ilícito, a sua postura de agressividade expressa ou latente, a ausência de contrição, especialmente face às pessoais competências que comportamento diferenciado lhe deveriam incutir, a ausência de inserção comunitária e de conduta laboral. Ou seja, tendo em consideração a moldura abstrata dos crimes em presença, as penas individuais impostas pelo Tribunal a quo , com exceção da de reporte ao crime de ameaça agravada, situam-se substancialmente abaixo do limite médio da moldura abstrata, aliás situam-se é na verdadeira cercania do limite mínimo, no quanto foram considerados os parâmetros firmados e supra elencados ao nível das exigências de labor, assim como a diferenciação quanto ao demais Arguido. Revelando a situação concreta que se está perante atuação que jamais reflete e/ou justifica a graduação da medida das penas em moldes distintos – em especial em moldes de diferente valoração de atenuantes, mormente daquelas que o Arguido BB apresenta como tal -, nenhuma censura objetiva a tal apreciação pode ser feita nesse sentido à luz da justeza na mesma expressa ao nível das considerações de prevenção, culpa dolosa do Arguido BB, consciente ilicitude de reporte aos factos encetados e considerações, positivas e negativas, da sua esfera pessoal. Como tal, ao contrário do que alega o Arguido BB, não se vê que haja qualquer exagero na ponderação feita ao nível da fixação das penas concretas em que tudo ponderado, considerando o efeito previsível da pena sobre o seu comportamento futuro, olhando aos factos apurados e tendo presente o limite máximo consentido pelo grau de culpa, bem como os princípios político-criminais da necessidade e da proporcionalidade, uma vez que a mesma favorece a sua reinserção social, como intenção reportada no art. 42.º/1CP e 2.ºCEPMPL. Assim sendo, nada existe a censurar na graduação da medida das penas individuais e única efetuada pelo Tribunal a quo quanto ao Arguido BB em moldes tais que pudesse ter sucesso a sua pretensão. No mais, com relação à pena unitária, versa o recurso a mesma ausência de argumentação concreta, o que força que nada exista a censurar quanto à mesma. Como refere Cristina Líbano Monteiro (in A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.º 1), o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma “unidade relacional de ilícito”, portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente. A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção - dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes. Sobre tal matéria debruçou-se o Acórdão do Tribunal a quo entre fls. 320 e 321, o que se tem por reproduzido, para todos os legais efeitos, na presente sede. Fundamentando, segue este Tribunal Superior, na essência, o quanto o Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo (entre outros, Juiz Conselheiro Pires da Graça, 8outubro2005, NUIPC 32/13.9JELSB.L1.S1, acessível in www.dgsi.pt/jtstj) quando nos é dito que “Não tendo o legislador nacional optado pelo sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo) nem pelo da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e dos singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respetivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente: como doutamente diz Figueiredo Dias (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 290-292), como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado. O todo não equivale à mera soma das partes e, além disso, os mesmos tipos legais de crime são passíveis de relações existenciais diversíssimas, a reclamar uma valoração que não se repete, de caso para caso. A este novo ilícito corresponderá uma nova culpa (que continuará a ser culpa pelo facto) mas, agora, culpa pelos factos em relação. Afinal, a valoração conjunta dos factos e da personalidade, de que fala o CP. (…) Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, não já no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). Importa, contudo, realçar que na determinação da medida das penas parcelar e única não é admissível uma dupla valoração do mesmo factor com o mesmo sentido: assim, se a decisão faz apelo à gravidade objectiva dos crimes está a referir-se a factores de medida da pena que já foram devidamente equacionados na formação das penas parcelares. (…) Na verdade, o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes é, justamente, a personalidade do delinquente, a qual tem, por força das coisas, carácter unitário, mas a personalidade traduzida na condução de vida, em que o juízo de culpabilidade se amplia a toda a personalidade do autor e ao seu desenvolvimento, também manifestada de forma imediata a acção típica, isto é nos factos. Esse critério, conforme salienta Figueiredo Dias, consiste em apurar se “numa avaliação da personalidade - unitária - do agente”, o seu percurso de delinquência “é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo uma «carreira») criminosa” e não a uma “pluriocasionalidade que não radica na personalidade (...)” (in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial de Notícias, pág. 291).” Lida a fundamentação da decisão do Tribunal a quo a este nível de fixação da pena unitária, temos como certo que – ainda que por uma via expressada de forma sintética – todo este trabalho de análise global se descortina e emerge com clareza na decisão pelo que atendendo a tais regras da punição do concurso, considerados em conjunto, os factos e a personalidade do Arguido BB. De facto opera uma valoração do comportamento global praticado pelo Arguido BB, onde se vislumbrou e ponderou a gravidade que tal conjunto de crimes assume – quer pela via de persistência quer pelo decurso temporal em que se realizaram – não descurando o percurso de vida do mesmo. Também neste campo nada há a censurar em termos tais que seja viável atender à pretensão firmada pelo Arguido BB no seu recurso. Improcede, pois, totalmente a argumentação do Arguido BB, não tendo sido violados os princípios e normas por si chamados à colação. D – Recurso do Ministério Público Dir-se-á, antes de mais, que parte do interposto recurso do Ministério Público em relação às medidas de pena se mostra prejudicado em face do insucesso do demais do recurso onde se pretendia condenação dos Arguidos por crimes que o Tribunal a quo entendeu absolver. Sobeja, então, a questão do desacordo quanto à concreta dosimetria das penas aplicadas pelo Tribunal a quo, nos termos já supra expressos. Também o Ministério Público, na essência, não coloca em causa o modo como estruturalmente o Tribunal a quo determinou as penas aplicadas. Ainda assim, é certo, começa por firmar que o Tribunal a quo incorreu numa omissão de expressão de reporte ao art. 71.º/1/3CP no que tange a referência à prevenção geral. Dir-se-á, antes de mais, que não vislumbramos na circunstância em apreço uma qualquer situação de nulidade para efeitos do art. 379.º/1a)CPP por reporte ao art. 374.º/2CPP. Se assim o víssemos teríamos tratado tal questão no local próprio. E não o vemos porque, importando aqui distinguir, não cai a situação na “falta de fundamentação”, na “fundamentação insuficiente” ou mesmo na “fundamentação sintética ou sumária”. Como refere Mouraz Lopes (in Fundamentação da Sentença no Sistema Penal Português Legitimar, Diferenciar, Simplificar) a fundamentação sumária traduz-se num modo de elaboração da fundamentação da decisão que consiste numa redução do âmbito da estrutura justificativa dos atos decisórios tendo em conta a especificidade estrutural que cada ato assume no procedimento. Nada obsta a que na sua formulação, desde que respeitado esse conteúdo mínimo exigível a cada uma das decisões, seja possível uma forma de fundamentação sumária, desde que garantida a possibilidade do seu controlo. Diga-se, ainda a propósito da distinção entre fundamentação sintética, ou sumária, mas ainda assim não insuficiente, versus ausência de fundamentação, que aquela é uma forma legalmente admissível de formatar a decisão judicial. Ora, o trecho de fundamentação em causa, sendo certo que não reporta a prevenção geral, só por si não assume a significância de uma omissão de relevo. E, como tal, uma vez que se mostra abarcada a enunciação de fundamentos, pois ainda que estes se apresentem numa leitura mais simplista incompletos ou insuficientes, certo é que uma vez que no caso concreto a prevenção geral se pode ter como facto notório, como tal a não necessitar de expressividade, assim se percecionando a opção do Tribunal a quo que em nada belisca que se extraia a ilação jurídica formulada pela decisão. Tendo presente que o dever jurídico-substantivo e processual de fundamentação da escolha e da medida da pena visa, justamente, tornar possível o controlo da decisão sobre a determinação da sanção, conferindo ao procedimento de determinação da espécie e da medida da pena um nível de racionalidade satisfatório (neste sentido, Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade, p. 96 e ss.), temos como certo que a explanação constante do Acórdão do Tribunal a quo ainda assim cumpre em pleno as exigências das palavras de Figueiredo Dias (in Direito Penal …cit., p. 197), quando o mesmo ensina que “declara expressis verbis o art. [71.º]-3 que «na sentença devem ser expressamente referidos os fundamentos da medida da pena» (…). Fosse, ainda assim, relevante, sempre este Tribunal Superior – na dita apreciação que entendeu não ter que fazer – sempre poderia suprir tal situação. [Levantar-se-iam, então, as questões do momento e da [in]susceptibilidade de supressão da nulidade por via de reparação. Duas teses se apontam: cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, rel. Juiz Desembargador António Gama, 20setembro2006, Processo 0545566, acessível www.dgsi.pt/jtrp em onde é efetuada uma linear explanação entre as versões do art. 379.ºCPP e a relação do quadro de recursos em matéria processual penal e matéria processual civil, versus Francisco Mota Ribeiro in Vícios das Sentenças e Vícios do Julgamento, Ebook-CEJ – Processo e Decisão penal – Textos – p. 58, acessível in https://cej.justica.gov.pt/)] Contudo, pela desnecessidade inerente, nada mais há a firmar. Descendo ao concreto do recurso interposto pelo Ministério Público, sempre à luz da prevenção geral, que tem por elevadíssima - e daí, por ser elementar, diga-se o óbvio com que o Tribunal a quo se deparou, ao ponto de se subentender no seu raciocínio que justificar tal facto notório mais não seria do que uma inutilidade -, associando as mesmas à prevenção especial e fazendo comparação de situações que especifica, o Ministério Público propugna por uma elevação das penas concretas aplicadas aos Arguidos AA e BB, e quanto a este também quanto à pena única. Ora, como decorre do supra exposto em sede de análise das penas à luz dos recursos interpostos pelos Arguidos AA e BB, o Tribunal a quo fez não só distinção entre a atuação dos mesmos, como percecionou e expressou algo nuclear e que conduz à manutenção da decisão tal qual delineada se mostra. Referimo-nos à ponderação do caso análogo, nos moldes já supra referidos de apelo à base da noção civilista contida no art. 8.º/3CC, onde se pode ler que “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”. Ora, se é certo que o Ministério Público traz à liça do recurso comparações com outras situações já julgadas em Tribunais Portugueses, igualmente é certo que dos autos consta – e nesse campo específico o Tribunal a quo se baseou – o Apenso M, no qual se mostram coligidas várias situações em que, para situações similares, Tribunais de Estados Europeus aplicaram penas com dosimetria equivalente àquelas que constam dos presentes autos. Como já se disse, dentro do modelo de fixação de pena visa-se um ponto ótimo entre a prevenção e a culpa. Nem sempre coincidente, mas que nunca extravase esta e sempre atendendo a que a prevenção geral positiva fixa um mínimo e a especial de socialização vai determinar em último termo, a medida da pena. E daí que vista a situação global, ponderada a culpa e as razões de prevenção, poderia ser admissível fixar penas concretas de maior duração. Tratar-se-ia da referida margem de atuação, de apreciação livre, reconhecida como expressão e componente individual do ato de julgar. Mas tal resultar de decisão deste Tribunal Superior, uma vez vista a ponderação efetuada pelo Tribunal a quo, mais não seria do que contrariar tudo o quanto supra se firmou em moldes daquela que deve ser a atuação em sede de recurso sobre a medida da pena, mais quando estabelecidos estão os necessários padrões de reporte ao legalmente necessário para em concreto firmar uma pena, somente se trataria in casu de atacar o ponderoso argumento de unificação de dosimetria das penas em moldes Europeus, como também seria um modo de contribuir para incumprimento da satisfação dos exigidos objetivos de prevenção especial de socialização, como fim das penas, relativamente a condenados que, porque sujeitos a uma longa privação da liberdade, deixam antever maiores dificuldades no regresso à vida em sociedade livre, em especial quando são estrangeiros e, como tal, sujeitos a uma execução da pena com especificidades, quais sejam as de dificuldades de contactos familiares e com o exterior. Improcede, assim, esta vertente do recurso interposto pelo Ministério Público. 6.ª questão - Da pena acessória de expulsão Manifestam os Arguidos AA e BB nos seus individuais recursos oposição à aplicação da pena acessória de expulsão. Resolvida que está a questão de reporte ao recurso do Arguido BB (cfr. supra 1.ª questão - D) cumpre perceber qual o objeto concreto neste momento em causa. Invoca o Arguido AA (fls. 215 a 223 da motivação, a que correspondem os pontos 169 a 194, “condensados” nas conclusões LXXV a LXXXVII) que estando social, afetiva e economicamente integrado em Portugal, a aplicação duma pena acessória de expulsão para o Iraque equivale a uma verdadeira pena de morte, violadora do art. 33.º/6CRP, desde logo porque as autoridades do Iraque foram “instigadas” pelas autoridades portuguesas “para que fosse aberto um processo crime naquele pais” contra si, apresentando-o “como um terrorista”. Acresce a sua pessoa não consubstanciar, à luz do art. 151.º/3 L23-2007-4julho, qualquer perigo para Portugal ou para os portugueses, pelo que não se verifica o pressuposto de expulsão a quem, como a sua pessoa, possui residência permanente em Portugal, com válido título. Por seu turno, diz o Arguido BB (fls. 79 a 81 da motivação, a que correspondem o ponto V, “condensado” nas conclusões 57 a 60) que uma vez sinalizado, a partir de Portugal, como membro do EI, assim passou a ser identificado pelas autoridades iraquianas, testemunhas e cidadãos que tiveram acesso à pagina de Facebook “os livres de Ninive”; acresce que tendo pendente um processo na Justiça iraquiana, sendo expulso, “nada garante que se livre à condenação de morte, podendo sempre restar-lhe prévio, mas idêntico destino, pela aplicação das leis tribais que continuam em vigor”. Como tal, da conjugação do art. 33.º/6CRP com o art. 143.º/1/3 L23-2007-4julho, inexiste viabilidade de expulsão por ser para um país onde o cidadão possa ser perseguido e, como tal, justifique a concessão de direito de asilo, ou onde o cidadão possa sofrer tortura, tratamento desumano ou degradante, antes estando em condições de ser encaminhado para outro pais que o aceite. Em resposta, o Ministério Público, quanto ao recurso do Arguido AA, diz-nos (fls. 114 a 116 e conclusões 83 a 88), invocando o princípio non bis in idem, que inexiste qualquer viabilidade de pelos mesmos factos vir o mesmo a ser julgado, sendo que verificados os legais pressupostos cabe ao Tribunal aplicar a pena acessória, nada havendo nessa sede a referir sobre a execução da mesma, nomeadamente quanto ao pais de destino, questão que caberá ao TEP oportunamente decidir. Em resposta, o Ministério Público, quanto ao recurso do Arguido BB (fls. 109 a 113 e conclusões 31 a 36), desde logo frisando que não decorre do objeto do recurso que o recorrente discorde da sua aplicação, invoca que verificados os legais pressupostos cabe ao Tribunal aplicar a pena acessória, nada havendo nessa sede a referir sobre a execução da mesma, nomeadamente quanto ao pais de destino, questão que caberá ao TEP oportunamente decidir. Decidindo. As razões inerentes à peticionada e aplicada pena acessória de expulsão a que os Arguidos AA e BB se mostram condenados pelo Tribunal a quo mostram-se contidas a fls. 321 a 323 do Acórdão, as quais – sem prejuízo do ponto 3.1.3.2.3 supra - aqui se têm por integralmente reproduzidas. São, porém, diferenciados os fundamentos subjacentes à aplicação de cada uma das penas acessórias, uma vez que o Arguido AA contava com autorização de residência permanente em Portugal, desde 16setembro2019, válida até 16setembro2022 (facto provado 602 e 723), ao passo que o Arguido BB dessa autorização não beneficiava (entre o mais, factos provados 569 a 572 , em especial, 593 e 594, 645 a 647) somente tendo possuído autorização provisória, limitada na renovação a 2setembro2021 (facto provado 658). Dir-se-á, antes de mais, que quer os recursos interpostos pelos Arguidos AA e BB, quer as respostas do Ministério Público à questão ora em apreço, partem de falácias. A dos Arguidos AA e BB (neste último caso, com salvaguarda) quando dão à execução da pena de expulsão a significância de que a mesma opera através da entrega das suas pessoas às autoridades do Iraque. Ora, não é isso que foi determinado na decisão. O que foi determinado é que são expulsos de Portugal, o que equivale a saírem deste território nacional, mas não tem a significância de necessária entrada em território iraquiano. Por seu turno, no que tange ao Ministério Público, sempre se dirá que se a aplicação da pena acessória de expulsão em si mesma tivesse a significância dada pelos Arguidos AA e BB - expulsão para o Iraque - tal não consubstancia uma pura questão de execução a ser tratada pelo TEP à luz dos art.s 138.º/4e) e 188.º-A do CEPMPL. De facto, fosse esse o caso e estivesse em concreto apurada circunstância que contendesse com direitos humanos, a situação deveria ser vista ex ante à luz da conformidade com a CRP e de normas internacionais a que Portugal está vinculado, pelo que se violadora das mesmas sempre deveria ser tida como pena inexistente à luz da lei portuguesa facilmente a cair na previsão do art. 468.ºa)CPP. Contudo, analisando ainda assim em concreto, resulta desde logo dos autos que a chamada à colação do art. 33.º/6CRP se mostra destituída de sentido, pois não está em causa uma extradição ou entrega no sentido da norma, para além de inexistir noticia de que o Estado Iraquiano seja requisitante dessas medidas ou queira aplicar pena de morte ou outra de que resulta lesão irreversível da integridade física. Note-se, neste particular, que o facto provado 418 somente reporta a mandados de detenção nacionais, ou seja, a cumprir no e pelas autoridades do Iraque. No mais, e com reporte à situação invocada pelo Arguido AA em termos de inaplicabilidade da pena acessória de expulsão, à face do art. 151.º/3 L23-2007-4julho, sem prejuízo dos crimes praticados serem per se razão bastante, à luz da sua gravidade, da personalidade evidenciada para a sua prática e da razão inerente à permanência em Portugal, como bem salienta o Tribunal a quo, dir-se-á que os factos provados relatam em si mesmos o perigo ou ameaça grave para a ordem pública, a segurança ou defesa interna, uma vez que reportam que foram precisamente essas as razões que estiveram na base da não concessão de autorização de residência ao Arguido BB, sendo que fossem as mesmas conhecidas das autoridades administrativas quanto ao Arguido AA, nunca o mesmo teria tido acesso à autorização permanente de residência, antes teria sido sujeito a decisão em tudo igual à proferida a 19julho2019. Como tal, também por aqui opera a falta de razão recursiva. Relativamente ao Arguido BB, na certeza de que não detém título para permanecer legalmente em Portugal, sempre se reporta a lucidez – a aproveitar ao Arguido AA – de chamada à colação do art. 143.º/3 L23-2007-4julho, não descurando que se tal for de aplicação antes de mais cumprir-lhe-á a prova – que não a especulação como até ao presente os Arguidos vêm fazendo - de reporte ao n.º 2. Mantêm-se, deste modo as penas acessórias de expulsão aplicadas aos Arguidos AA e BB, por serem legais na sua génese, adequadas e proporcionais na sua aplicação, na ciência de que as mesmas geram específica alteração ao nível da execução da pena principal, um vez que face à lei vigente (art.s 188.º-A/C CEPMPL), todo o regime regra de liberdade condicional cede perante o regime de execução da pena acessória de expulsão, operando um tratamento completamente diferenciado. Assim, no presente e como resulta das alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 188.º-A CEPMPL, oficiosa e obrigatoriamente, para as penas iguais ou inferiores a 5 anos, ou cujo somatório caia nessa alçada, e para as penas superiores a 5 anos, ou cujo somatório caia nessa alçada, quando tenha sido aplicada pena acessória de expulsão, respetivamente, ao ½ ou ao ⅔, ao juiz de execução das penas tão só cabe ordenar a execução dessa pena acessória de expulsão, independentemente de consentimento do condenado e independentemente de limite temporal mínimo de execução de pena, como tal não se exigindo um cumprimento mínimo de 6 meses. Por seu turno, no âmbito das alíneas a) e b) do n.º 2 e por via do n.º 3 do art. 188.º-A CEPMPL estabelece-se o regime de exceção a essas regras de ½ e dos ⅔, por via do qual pode operar antecipação da execução da pena acessória de expulsão, logo que decorrido, respetivamente ⅓ ou ½ das penas iguais ou inferiores a 5 anos, ou cujo somatório caia nessa alçada, e para as penas superiores a 5 anos, ou cujo somatório caia nessa alçada, e desde que se julguem preenchidos os requisitos substanciais idênticos à LC, como resultam do art. 61.ºCP e nesta norma do CEPMPL se repetem, mesmo sem o cumprimento mínimo de 6 meses, exigindo-se consentimento do condenado. É, pois dentro deste regime de técnica legislativa (no mínimo sui generis ao nível de tratamento do cidadão nacional versus o cidadão estrangeiro, particularmente curiosa quanto ao modo como é visto este último quando comunitário e quando o não é, especialmente derrogável quando o estrangeiro não comunitário não é abrangido pela pena acessória apenas e tão só face ao delimitador princípio do acusatório e à subsequente implicância de alteração substancial de factos) que nos temos que mover hodiernamente. E daí que, oportunamente e uma vez verificada a exequibilidade concreta da pena acessória na temporalidade supra, caberá operar uma concreta articulação entre o TEP e o OPC de reporte (art. 159.º L23-2007-4julho), na ciência da necessidade de evitação dum protelar dessa concretização de expulsão, com inerente extinção de pena, uma vez que a privação da liberdade sempre se manterá e será legal para além daquela data enquanto o título de execução da pena fixada se mantiver vigente. É dizer, quando opere “absoluta impossibilidade de fazer cumprir a pena acessória de expulsão, o estrangeiro tem de cumprir a pena principal” e, como tal “não é abusiva, nem consequentemente ilegal a manutenção da privação da liberdade do condenado á ordem do processo” para além dos limites supra referidos, com o limite – obviamente do máximo de pena de prisão, como pena principal, sujeito ao regime de execução normal. (sobre a questão cfr. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, em sede de Habeas Corpus, rel. Juiz Conselheiro Manuel Braz, 9julho2015, NUIPC 87/15.1YFLSB.S1, rel. Juiz Conselheiro Francisco Caetano, 28fevereiro2019, NUIPC 2058/17.4TXLSB-C.S1; rel. Juiz Conselheiro Pedro Branquinho Dias, 17abril2024, NUIPC 325/21.1TXEVR-C.S1, todos acessíveis in www.dgsi.pt/jstj; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, rel. Juíza Desembargadora Ana Barata Brito, 24setembro2019, NUIPC 299/17.3TXEVR.E1, acessível in www.dgsi.pt/jtrl onde se considerou que “situações existem em que a efectiva execução da pena acessória de expulsão não é possível, mesmo depois de ordenada, nomeadamente em casos de condenados indocumentados ou com identidade falsa (…), de recusa do expulsando por parte do país de origem ou de perigo de perseguição no país de destino (situação esta protegida pelo artigo 3.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos – protecção contra a tortura, tratamentos desumanos ou degradantes), casos em que, estando em execução uma pena de prisão, que deve ser cumprida, o condenado se deverá manter em cumprimento de pena no estabelecimento prisional (...); havendo condenação na pena de expulsão, acessória da pena de prisão (principal) aplicada, a lei apenas impõe que o juiz ordene a execução daquela pena acessória (…), o que não significa que a execução dessa pena, isto é, a expulsão, deva ter lugar nessa data (…); esta decisão do juiz não produz, por si mesma, qualquer efeito que juridicamente se projecte na execução da pena principal, pelo que, estando o condenado na situação de reclusão em cumprimento da pena de prisão efectiva fixada na sentença, nessa situação deverá continuar até que se mostrem concluídos os procedimentos de entrega do condenado a país de destino, através do SEF”. (cfr. ainda. Retornos forçados - Questões práticas na articulação entre o Tribunal de Execução das Penas e o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Vila Nova de Gaia, 16 de Outubro de 2020, Inspecção Geral da Administração Interna, acessível in https://www.igai.pt/pt/Atividades/IntervencoesParticipacoes/ConferenciasSeminariosWorkshops/Pages/default.aspx) Improcedem, pois, também neste campo os recursos interpostos pelos Arguidos AA e BB. IV – DECISÃO Nestes termos, em conferência, acordam os Juízes que integram a 5.ª Secção Penal deste Tribunal da Relação de Lisboa: a) em rejeitar os recursos interpostos pelo Ministério Público e pelos Arguidos AA e BB no que respeita a impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto; b) em – sem prejuízo das correções de referência à identificação do crime de guerra contra as pessoas como sendo de reporte ao art. 10.º L31/2004-22julho, de referência à identificação do crime de organizações terroristas (modalidade de adesão), de reporte aos art.s 1.º, 2.º/1a)/2, 3.º/1/2, L52/2003-22agosto, na redação vigente à data dos factos (no que se cuide, versão da L25/2008-5junho) e de extirpação da referência ao art. 34.º/1-DL15/93-22janeiro, com competência pela via do art. 140.º/3/4 L23/2007-4julho - negar provimento ao demais constante dos recursos interpostos pelo Ministério Público e pelos Arguidos AA e BB, no que versa sobre matéria de direito e, consequentemente, confirmar na íntegra o decidido no Acórdão do Tribunal a quo; c) sem custas quanto ao Ministério Público por das mesmas estar isento (art. 522.ºCPP); d) por inexistir decaimento total – face às questões de reporte ao que se teve como integrante de correções de referência -, sem custas quanto ao Arguido BB (art. 513.º/1CPP); e) custas a cargo do Arguido AA, fixando-se a taxa de justiça em 5 UCS, nos termos dos art.s 513.º/1;514.º/1;524.ºCPP e Tabela III anexa de reporte aos art.s 1.º;2.º;3.º/1;8.º/9, acrescidas dos encargos previstos no art. 16.º, ambos RCP (DL34/2008-26fevereiro e alterações subsequentes), inexistindo lugar à fixação do acréscimo estatuído no n.º 3 do art. 420.ºCPP, uma vez que a rejeição não é total. Notifique (art. 425.º/6CPP). D.N. Lisboa, 30dezembro2024, data eletrónica supra. • o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto pelos seus signatários; com datação eletrónica – art. 153.º/1CPC – e com aposição de assinatura eletrónica - art. 94.º/2CPP e Portaria 593/2007-14maio Manuel José Ramos da Fonseca Ana Cristina Cardoso Alda Tomé Casimiro _______________________________________________________ [1] Contabilização rigorosa, atendendo ao valor do ouro e das divisas nos dias referidos. Exemplo: a 17/12/2015 o valor do ouro era de $1.049,60/Oz. Atendendo ao valor das divisas nesse dia, 1 USD = 0,92 EUR e 1 USD = 1103 IQD. Assim, 25g/0,88 Oz = 923,65 USD / 1.018.786 IQD / 853,18 EUR. Fonte: https://pt.investing.com/ [2] Cfr. fls. 3294 a 3319 – Vol. 12. Nota: BB não quis prestar declarações. [3] Cfr. fls. 4 do Sub-Apenso G-2 e fls. 10 do Sub-Apenso G-1. [4] SPECKHARD, Anne e D. ELLENBERG Molly – “ISIS in Their Own Words: Recruitment History, Motivations for Joining, Travel, Experiences in ISIS, and Disillusionment over Time – Analysis of 220 In- depth Interviews of ISIS Returnees, Defectors and Prisoners”; Journal of Strategic Security Vol. 13, N.º 1 (2020), pp. 82-127 (48 pages), University of South Florida Board of Trustees [5] vide, Sousa Brito, A Medida da Pena no Novo Código Penal, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, pag. 560; [6] vide também Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, pag. 198; Robalo Cordeiro, Escolha e Medida da Pena, in Jornadas de Direito Criminal, pag. 269; Manso-Preto, Moldura penal Abstracta, Pena Concreta, Escolha da Pena, pag. 162; [7] Loc. Cit., pag. 166; [8] Acórdão de 29.04.2010, relatado pelo Conselheiro Santos Carvalho e disponível no site do itij. |