Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | LAURINDA GEMAS | ||
Descritores: | INJUNÇÃO TÍTULO EXECUTIVO INEPTIDÃO INDEFERIMENTO LIMINAR | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | (da exclusiva responsabilidade da Relatora – art.º 663.º, n.º 7, do CPC) I – Não constando do título executivo os factos que são fundamento do pedido, nem tão pouco estando indicada no requerimento executivo a respetiva causa de pedir - com a alegação, de forma completa e inteligível, dos factos essenciais constitutivos do direito de crédito cujo pagamento coercivo o exequente reclama -, verifica-se a ineptidão desse requerimento, geradora da nulidade de todo o processo, o que constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, que, consoante os casos, determina o indeferimento liminar do requerimento executivo, a absolvição dos executados da instância executiva ou a rejeição oficiosa da execução – cf. designadamente os artigos 186.º, 724.º, n.º 1, al. e), 726.º, n.º 2, al. b), 732.º, n.º 4, e 734.º do CPC. II – De igual modo, é inepto o requerimento de injunção que não contenha a exposição (ainda que sucinta) dos factos que fundamentam a pretensão, com a consequente verificação da exceção dilatória, de conhecimento oficioso, de nulidade de todo o processo [cf. artigos 186.º, 196.º, 278.º, n.º 1, al. b), 552.º, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. b), e 590.º, n.º 1, todos do CPC, e art.º 10.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01-09, de cujo n.º 2, al. d), consta que o requerente deve, no requerimento “Expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão”], exceção essa que, quando naquele tenha sido aposta fórmula executória, pode ser conhecida, na oposição à execução - cf. art.º 857.º, n.º 3, al. b), do CPC, e do art.º 14.º-A, n.º 2, al. a), 2.ª parte, do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01-09. III – Tratando-se de um meio de defesa (não precludido) - exceção dilatória de conhecimento oficioso - que “contamina” o próprio título executivo (requerimento de injunção com fórmula executória), equivalendo à falta de título executivo, já que, se o título não se formou validamente, não pode valer como tal, o que se reconduz à previsão da alínea a) do n.º 2 do art.º 726.º do CPC, sendo fundamento para indeferimento liminar do requerimento executivo, absolvição do executado da instância executiva ou rejeição oficiosa da execução. IV – Limitando-se a Exequente, no Requerimento executivo, a alegar, em síntese, que é portadora de um requerimento de injunção, ao qual foi aposta fórmula executória, requerimento esse que constitui título executivo, nos termos do art.º 703.º, n.º 1, al. d), do CPC e art.º 21.º do DL 269/98 de 1 de setembro, e que na origem da dívida está um contrato, mas não tendo nesse requerimento de injunção indicado, de forma inteligível e completa, a causa de pedir do seu pedido, tão só alegado a celebração e vigência de um contrato dito de fornecimento de bens e serviços, a emissão de faturas e, de forma conclusiva, serem devidas “Outras quantias”, mais precisamente 600 €, “a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida”, é acertada a decisão que julgou procedente a oposição à execução por julgar verificada a exceção dilatória de nulidade de todo o procedimento de injunção por ineptidão do requerimento respetivo, com a consequente inexistência do título que serve de base à execução. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados I - RELATÓRIO NOS COMUNICAÇÕES S.A. interpôs o presente recurso de apelação da sentença que julgou procedente a oposição à execução (e à penhora) deduzida por ICONICFORM – ARQUITECTS, UNIPESSOAL, LDA., por apenso à ação executiva para pagamento de quantia certa que, sob a forma sumária, aquela instaurou contra esta última. Os autos principais tiveram início em 31-07-2023, mediante a apresentação de Requerimento executivo, em que a Exequente peticionou o pagamento coercivo da quantia exequenda no valor total de 5.545,01 €, acrescida de “custas, despesas e honorários”, com base em requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, indicando que tal quantia corresponde ao montante de 4.236,91 €, acrescido de juros de mora contabilizados à taxa legal comercial desde a data de entrada da injunção, dos juros compulsórios e das quantias exigíveis nos termos do art.º 33.º, n.º 4, da Lei 32/2014, de 30-05. Para tanto, alegou o seguinte: “A Exequente, NOS COMUNICAÇÕES, S.A, sociedade comercial anónima, com sede na Rua …, Lisboa, titular do número único de matrícula e de pessoa colectiva …, é portadora de um requerimento de injunção, ao qual foi aposta fórmula executória, requerimento esse que constitui título executivo, nos termos do art.º 703º, n.º 1, alínea d) do CPC e art.º 21º do DL 269/98 de 1 de setembro. No contrato que está na origem da dívida foi convencionado domicílio para efeito de citação/notificação. Não obstante ter sido notificado no âmbito da injunção que serve de base à presente execução, não procedeu o Executado ao pagamento. É, por isso, o Executado, devedor do valor remanescente do título executivo, acrescido de (i) juros de mora vencidos e vincendos, contabilizados à taxa legal comercial desde a data de entrada da injunção até efectivo e integral pagamento, (ii) juros à taxa de 5% ao ano, calculados sobre o título executivo desde a data de aposição da fórmula executória até efectivo e integral pagamento, nos termos dos art.º 21º e 13º alínea d) do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, os quais revertem em partes iguais para a Exequente e para o Cofre Geral dos Tribunais, (iii) das quantias exigíveis nos termos do art.º 33º, n.º 4 da Lei 32/2014, de 30.05 [art.º 5º, alínea c) vi) e vii) do mesmo diploma] e art.º 26º, n.º 3 alínea c) do RCP.” Juntou o referido Requerimento de injunção, do qual consta, além da menção de que “Este documento tem força executiva” e de que se trata de obrigação emergente de transação comercial, o pedido de que a Requerida (ora Apelada) seja notificada no sentido de pagar à Requerente (ora Apelante) a quantia de 4.236,91€, atinente a capital de 3.502,27 €, juros de mora de 58,14 € à taxa de 8,00%, desde 26-11-2020 até à presente data, bem como “Outras quantias” no valor de 600,00 € e taxa de justiça paga no valor de 76,50 €, conforme discriminação e pela causa a seguir indicada, tratando-se de “Contrato de Fornecimento de bens ou serviços”, datado de 22-06-2017, e estando em causa o período de 22-06-2017 a 28-04-2021, constando ainda a seguinte “Exposição dos factos que fundamentam a pretensão: A Req.te (Rte), celebrou com o Req.do (Rdo) um contrato de prestação de bens e serviços telecomunicações a que foi atribuido o n.º 1.60967139. No âmbito do contrato, a Rte obrigou-se a prestar os bens e serviços solicitados pelo Rdo, e este obrigou-se a efetuar o pagamento tempestivo das faturas, a devolver com a cessação do contrato os equipamentos da Rte e a manter o contrato pelo período acordado, sob pena de, não o fazendo, ser responsável pelo pagamento de cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato. Das facturas emitidas, permanece(m) em dívida a(s) seguinte(s): €184.33 de 06/11/2020, €195.24 de 09/12/2020, €182.62 de 08/01/2021, €223.85 de 05/02/2021, €2713.23 de 05/03/2021, €3 de 08/04/2021, vencidas, respectivamente, em 26/11/2020, 29/12/2020, 28/01/2021, 25/02/2021, 25/03/2021 e 28/04/2021. Enviada(s) ao Rdo logo após a data de emissão e apesar das diligências da Rte, não foi(ram) a(s) mesma(s) paga(s), constituindo-se o Rdo em mora e devedor de juros legais desde o seu vencimento. Mais, é o Rdo devedor à Rte de €600, a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida. Termos em que requer a condenação do Rdo a pagar a quantia peticionada e juros vincendos. O valor em dívida poderá ser pago, nos próximos 15 dias, realizando uma transferência bancária para o IBAN PT50 (…) 62.” Foi efetuada a penhora de depósito bancário. Por apenso à execução para pagamento de quantia certa, veio a Executada, em 11-12-2023, deduzir Oposição à execução mediante embargos, cumulados com oposição à penhora. Na Petição de embargos, defendeu-se por exceção e por impugnação, alegando, em síntese, o seguinte: - Subjacente à execução contra si instaurada não existe título executivo, uma vez que é nula a notificação da requerida, ora Executada, que foi efetuada no âmbito do procedimento de injunção, a que se reporta o requerimento de injunção com aposição de fórmula executória que serve de base à execução, pelo que deverá tal execução ser extinta, porque não existe “domicílio convencionado”, tanto assim que a Exequente não juntou qualquer documento ao requerimento executivo, nem mesmo o “contrato”; - O requerimento de injunção junto como título executivo é inepto, por falta ou ininteligibilidade da causa de pedir; - Estão prescritos os créditos cujo pagamento é peticionado, quanto a eventuais faturas/contratos, nos termos do art.º 10.º da Lei n.º 23/96, de 26 de julho; - Uma vez que não são descritos quaisquer factos no requerimento de injunção, nem no requerimento executivo apresentado, para além da referência a datas e valores reportados a alegadas faturas e alegado(s) contrato(s), nomeadamente não sendo referida a origem do alegado crédito da Exequente, não se poderá impugnar a matéria de facto, dado que não foi alegada, mas impugna-se a existência de qualquer dívida à Exequente, não aceitando possuir qualquer contrato com aquela; - Em particular, o valor de 600,00 €, relativos a alegada “indemnização por encargos associados à cobrança”, não é devido, uma vez que estes encargos (igualmente) não são discriminados, nem é referido a que respeitam concretamente, tão pouco sendo o procedimento de injunção o correto para uma tal pretensão; - Em relação aos juros de mora, não são devidos uma vez que o capital subjacente não é devido, nem se verifica qualquer fundamento legal ou contratual que possa justificar a sua cobrança; - Apesar de a Exequente não o alegar expressamente, se a quantia 2.713,23 € peticionada na injunção disser respeito a cláusula penal, já que se evidencia face aos demais valores (cuja proveniência também se desconhece), o procedimento de injunção é inadequado para a sua cobrança, existindo, quanto à mesma, erro na forma de processo, o qual configura uma nulidade e constitui uma exceção dilatória que conduz à absolvição da Ré da instância, nos termos do art.º 576.º n.º 2 do CPC; - A Embargada intentou a presente execução sabendo que não existe título executivo bastante para o efeito, tendo a Executada arguido exceção que, por si só, obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar, sem mais, à absolvição da instância da Embargante/Executada; deve a presente execução ser liminarmente indeferida e a penhora ser de imediato levantada. Foi proferido despacho que recebeu liminarmente os embargos de executado e oposição à penhora, determinando a notificação da Exequente para contestar. Na sua Contestação, apresentada em 14-03-2024, a Embargada alegou, em síntese, que: - A Executada/Embargante foi validamente notificada no âmbito do procedimento de injunção, não existindo qualquer nulidade dessa notificação, pois há convenção de domicílio, conforme documentos que ora junta; - Inexiste erro na forma de processo, já que, na fatura FT 202112/95797 é peticionado o montante de 2.584,23 €, a título de indemnização por incumprimento contratual, sendo o procedimento de injunção um meio adequado para peticionar o pagamento da obrigação resultante da aplicação da cláusula penal acordada para o incumprimento do período de fidelização, dado que tal encargo é uma obrigação pecuniária de valor determinável e resulta da celebração de um contrato de prestação de serviços e respetivo incumprimento, sendo uma obrigação enquadrável na previsão do art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro; - Deverão ser indeferidos os embargos à execução, pois o teor do articulado apresentado pela Executada não se enquadra nos fundamentos de embargos à execução estabelecidos pelos artigos 729.º e 857.º do CPC e pelo art.º 14.º-A, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, uma vez que, tendo sido regularmente notificada do requerimento de injunção, a Executada não deduziu oposição; - Assim, uma vez que os fundamentos dos embargos à execução apresentados pela Executada não se subsumem aos preceituado pelo art.º 729.º CPC, nem aos fundamentos estatuídos pelo art.º 14.º-A, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 269/98, os meios de defesa agora invocados pela Executada deverão considerar-se precludidos. Terminou concluindo pela improcedência da oposição deduzida. Em 03-01-2025, foi proferido o Despacho saneador (recorrido), tendo o Tribunal a quo considerado que, como a causa é de valor não superior a metade da alçada da Relação e os autos contêm já todos os elementos necessários à apreciação de tal matéria, irá conhecer das questões da ineptidão do requerimento de injunção e do uso indevido do procedimento de injunção, bem como da (in)admissibilidade dos fundamentos dos presentes embargos, tendo o segmento decisório o seguinte teor: “Pelo exposto, decide-se: a) Não tomar conhecimento dos fundamentos da presente oposição mediante embargos de executado respeitantes à defesa por impugnação e à invocação da prescrição extintiva (cf. os pontos iii), iv) e 1ª parte do ponto v), referidos no ponto III-B, supra), por constituírem de meios de defesa que se mostram precludidos; b) Julgar procedente a presente oposição mediante embargos de executado e, consequentemente, determinar a extinção da execução de que estes autos constituem apenso. Fixa-se o valor da causa em €5.545,01 (cinco mil quinhentos e quarenta e cinco euros e um cêntimo). Custas pela Embargada. Notifique e registe. Comunique ao Sr. Agente de Execução.” É com esta decisão que a Embargada não se conforma, tendo interposto o presente recurso de apelação, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões: 1. Considerou o Tribunal a quo ser inepto o requerimento de injunção absolvendo a Apelada da instância. 2. Salvo, porém, o devido respeito, tal decisão carece de oportunidade e fundamento, sendo contrária à Lei. 3. Indeferiu o tribunal a quo a petição inicial considerando ininteligível a causa de pedir. 4. Decorre dos art.ºs 1º, n.º 1 e 10º, n.º 2 alínea d) do DL 269/98, de 01.09 a obrigação do requerente de injunção expor, sucintamente, os factos, a sua pretensão e respectivos fundamentos. 5. De acordo com Decreto-Lei 269/98, de 01.09, não é possível ao Requerente de injunção anexar documentos: a ora Apelante não juntou os documentos porque o formato dos requerimentos de injunção, definido por lei, não o possibilita. 6. A Apelante cumpriu os art.ºs 1º, n.º 1 e 10º, n.º 2 alínea d) do DL 269/98. 7. A injunção constitui um meio adequado para o pagamento da cláusula penal e das despesas associadas à cobrança das faturas relativas à prestação dos serviços contratados pela Apelada. 8. Dado que, à semelhança do que sucede com os juros de mora, também a cláusula penal e as despesas de cobrança resultam diretamente da falta de pagamento da obrigação pecuniária principal e, por conseguinte, constituem uma obrigação pecuniária em sentido estrito, isto é, diretamente emergente do contrato. 9. Sem prescindir, o entendimento de que a cláusula penal e as despesas de cobrança não podem integrar o procedimento injuntivo não determina que a extinção total da instância, mas apenas a absolvição da instância relativamente aos valores que integram a injunção a tal título. Terminou a Apelante, alegando que a decisão proferida nos presentes autos violou os artigos 6.º e 590.º, ambos do CPC, e ainda os artigos 1.º, n.º 1, 10.º, n.º 2, al. d), e 17.º n.º 3, do DL 269/98 de 01-09, requerendo que seja concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida. Foi apresentada alegação de resposta, em que a Apelada concluiu nos seguintes termos: I. Não assiste razão à Apelante, sendo evidente a ineptidão do requerimento de injunção dos presentes autos. II. Não resulta claro, face ao método utilizado pela Apelante para fundamentar a sua pretensão, qual a natureza específica da alegada quantia em divida, o seu concreto objeto e, mais importante, quais os números e valores das respetivas faturas, o que possivelmente estarão em dívida, e qual a razão de alegadamente estarem. III. Na exposição dos factos que fundamentam a sua pretensão, a Requerente limita-se a “descarregar” datas, e valores, e nunca, mas nunca, refere quais os serviços contratados e se os mesmos eventualmente formam usufruídos. IV. Aliás, nem sequer explica qual a operação aritmética que a permite concluir pelo alegado valor em dívida, pelo que a Apelada, não entende AINDA, nem consegue atingir qual o contrato em causa, quais os valores em dívidas, quais as faturas em causa, e quais as datas de vencimento das mesmas. V. Cumpria à Embargada/Apelante indicar, para além do período a que se refere(m) o(s) contrato(s), especificar quais os serviços contratados pela Apelada, deveria especificar ainda, a qual contrato se reporta e ainda quais aquele (s) que a Apelada usufruiu - o que não faz. VI. Não tendo, não obstante, alegado quaisquer facto ou factos, integradores ou consubstanciadores da causa de pedir. VII. A causa de pedir, que com o pedido forma o elemento objetivo da instância e que se define como o facto jurídico concreto, de que procede o efeito jurídico que se pretende fazer valer com a ação (artigo 581.º do C.P.C.), constitui um dos elementos fundamentais da petição inicial, cuja falta ou ininteligibilidade é cominada com inconcludência ou ineptidão. VIII. É manifesto que a Apelante não descreveu na injunção, nem na Execução a factualidade concreta suscetível de integrar uma certa causa de pedir. IX. Limitando-se a indicar a uma data de contrato, referindo genérica, e de forma confusa datas, faturas e capitais... sendo que uma das faturas ascende a € 2.713,23. X. Não se dignando em concreto a referir a que tipo de serviço diz respeito, XI. Sendo evidente a exceção de ineptidão doutamente decidida pelo Tribunal ad quo. XII. A Apelante peticiona o valor de € 600,00 (seiscentos euros) relativos a alegada “indemnização por encargos associados às cobranças”, uma vez que, estes (igualmente) não são discriminados, nem referem a que se tratam concretamente, nem este, salvo melhor entendimento será o procedimento correto para tal pretensão. XIII. Não se verifica qualquer fundamento legal ou contratual que possa justificar/permitir tal cobrança. XIV. Em relação aos juros de mora (alegadamente vencidos e vincendos), os mesmos também não podem devidos pelo ao facto do capital subjacente também não o ser, e para além disso, não resulta claro, mais uma vez, qual a operação aritmética utilizada pela Exequente para o cálculo dos mesmos, não se verificando de igual forma qualquer fundamento legal ou contratual que possa justificar/permitir tal cobrança. XV. Em relação à clausula penal peticionada, a mesma não é passível de ser requerida em sede de requerimento de injunção, pois não existe uma forma especial para a pretensão do Autor, não podendo assim ser adotada a forma de processo especial – Requerimento de injunção como foi. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. *** II - FUNDAMENTAÇÃO Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC). Identificamos as seguintes questões a decidir: 1.ª) Se não se verifica a exceção dilatória de nulidade de todo o processo por ineptidão do requerimento de injunção; 2.ª) A concluir-se pela improcedência dessa exceção, se o procedimento de injunção constitui um meio adequado para exigir o pagamento da cláusula penal e das despesas associadas à cobrança das faturas (alegadamente) devidas pela prestação dos serviços contratados. Factos provados Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos: 1. NOS Comunicações, S.A., mediante requerimento executivo, dirigido ao Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, que deu entrada no dia 31-07-2023, instaurou contra Iconicform – Arquitects, Unipessoal, Lda., a ação executiva para pagamento de quantia certa, sob a forma sumária, de que estes autos constituem apenso, pedindo o pagamento da quantia de 5.545,01 € [cf. requerimento executivo apresentado nos autos principais] 2. Indicou, como título executivo, “Injunção” e, como fundamento da execução, alegou o seguinte [cf. requerimento executivo apresentado nos autos principais]: «A Exequente, NOS COMUNICAÇÕES, S.A.(*), sociedade comercial anónima, com sede na Rua …, Lisboa, titular do número único de matrícula e de pessoa colectiva …, é portadora de um requerimento de injunção, ao qual foi aposta fórmula executória, requerimento esse que constitui título executivo, nos termos do art.º 703º, n.º 1, alínea d) do CPC e art.º 21º do DL 269/98 de 1 de setembro. No contrato que está na origem da dívida foi convencionado domicílio para efeito de citação/notificação. Não obstante ter sido notificado no âmbito da injunção que serve de base à presente execução, não procedeu o Executado ao pagamento. É, por isso, o Executado, devedor do valor remanescente do título executivo, acrescido de (i) juros de mora vencidos e vincendos, contabilizados à taxa legal comercial desde a data de entrada da injunção até efectivo e integral pagamento, (ii) juros à taxa de 5% ao ano, calculados sobre o título executivo desde a data de aposição da fórmula executória até efectivo e integral pagamento, nos termos dos art.º 21º e 13º alínea d) do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, os quais revertem em partes iguais para a Exequente e para o Cofre Geral dos Tribunais, (iii) das quantias exigíveis nos termos do art.º 33º, n.º 4 da Lei 32/2014, de 30.05 [art.º 5º, alínea c) vi) e vii) do mesmo diploma] e art.º 26º, n.º 3 alínea c) do RCP. Termos em que requer a penhora de bens do Executado para satisfação da quantia exequenda, custas, despesas e honorários.». 3. Em 09-07-2021, o Secretário de Justiça do Balcão Nacional de Injunções conferiu força executiva ao requerimento de injunção apresentado por NOS Comunicações, S.A., em 25-05-2021, sob o n.º 50331/21.9YIPRT, contra Iconicform – Arquitects, Unipessoal, Lda., no qual era pedido o pagamento da quantia 4.236,91 €, sendo 3.502,27 € de capital, 58,14 € de juros de mora, 76,50 € de taxa de justiça paga e 600,00 € relativos a outras quantias [cf. requerimento de injunção junto com o requerimento executivo] 4. Do requerimento de injunção referido no ponto 3, supra, consta a referência a um contrato de «Fornecimento de bens ou serviços», com data de 22-06-2017, bem como a seguinte «Exposição dos factos que a fundamentam a pretensão»: «A Req.te (Rte), celebrou com o Req.do (Rdo) um contrato de prestação de bens e serviços telecomunicações a que foi atribuido o n.º 1.60967139. No âmbito do contrato, a Rte obrigou-se a prestar os bens e serviços solicitados pelo Rdo, e este obrigou-se a efetuar o pagamento tempestivo das faturas, a devolver com a cessação do contrato os equipamentos da Rte e a manter o contrato pelo período acordado, sob pena de, não o fazendo, ser responsável pelo pagamento de cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato. Das facturas emitidas, permanece(m) em dívida a(s) seguinte(s): €184.33 de 06/11/2020, €195.24 de 09/12/2020, €182.62 de 08/01/2021, €223.85 de 05/02/2021, €2713.23 de 05/03/2021, €3 de 08/04/2021, vencidas, respectivamente, em 26/11/2020, 29/12/2020, 28/01/2021, 25/02/2021, 25/03/2021 e 28/04/2021. Enviada(s) ao Rdo logo após a data de emissão e apesar das diligências da Rte, não foi(ram) a(s) mesma(s) paga(s), constituindo-se o Rdo em mora e devedor de juros legais desde o seu vencimento. Mais, é o Rdo devedor à Rte de €600, a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida. Termos em que requer a condenação do Rdo a pagar a quantia peticionada e juros vincendos.». 5. Na execução de que os presentes autos constituem apenso, a Exequente apresentou, como título executivo, o requerimento de injunção referido nos pontos 3 e 4, supra. Enquadramento jurídico Na fundamentação de direito da decisão recorrida (correspondente, na sistemática da sentença, à parte “III. Fundamentos” “B-De Direito”), o Tribunal a quo começou por tecer algumas considerações quanto à alegada inadmissibilidade dos fundamentos de oposição à execução invocados pela Embargante, lembrando designadamente que: «(…) No caso dos autos, o procedimento de injunção no qual se formou o título executivo dado à execução deu entrada no dia 09.07.2021, isto é, após a entrada em vigor da Lei n.º 117/2019 (que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2020 – cf. artigo 15.º da referida Lei), pelo que têm aplicação ao caso a nova redação dos artigos 13.º, n.º 1, al. c), do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.0 269/98 e do artigo 857.º do CPC, introduzida pela referida lei, bem como o artigo 14.º-A do referido Regime Anexo, aditado pela mencionada Lei. Por isso, apenas podem ser invocados como fundamentos de oposição à execução os previstos no n.º 2 do artigo 14.º-A: a) O uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso; b) Os fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.0 do CPC, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção; c) A existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas; d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente. Ora, no caso, a Embargante invocou como fundamentos de oposição à execução os seguintes: i) Falta de título executivo, decorrente da nulidade da notificação da requerida efetuada no âmbito do procedimento de injunção; ii) Ineptidão do requerimento de injunção; iii) Prescrição dos créditos reclamados no procedimento de injunção; iv) Impugnação da dívida reclamada no requerimento de injunção; v) Impugnação do valor de €600,00 constantes do requerimento de injunção, relativos a alegada “indemnização por encargos associados à cobrança” e inadequação do procedimento de injunção para formular tal pretensão; vi) Inadequação do procedimento de injunção para pedir o pagamento da quantia de €2.713,23, a título de cláusula penal. Dos referidos fundamentos, a alegada falta/nulidade da notificação efetuada no âmbito do procedimento de injunção (cf. o ponto i), supra) é subsumível, com as devidas adaptações, à previsão do artigo 729.º, alínea d), do CPC, para o qual remete o artigo 857.º, n.º 1, do CPC. A ineptidão do requerimento de injunção (cf. o ponto ii), supra), por sua vez, acarreta a nulidade de todo o processo, o que constitui exceção dilatória, de conhecimento oficioso (cf. artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 196.º, 576.º, n.º 2, 577.º, al. b) e 578.º do CPC), conduzindo à absolvição da instância (cf. artigos 278.0, n.º 1, al. b) do CPC e 3.º, n.º 1, 16.º e 17.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro), sendo, por isso, fundamento de oposição à execução, nos termos do artigo 857.º, n.º 3, alínea b), do CPC, e artigo 14.º-A, n.º 2, alínea a), do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.0 269/98, de 1 de setembro. A inadequação do procedimento de injunção ou, mais corretamente, o uso indevido do procedimento de injunção (cf. a 2.ª parte do ponto v) e o ponto vi), supra), constitui igualmente fundamento de oposição à execução fundada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória (cf. artigo 857.º, n.º 3, alínea b), do CPC, e artigo 14.º-A, n.º 2, alínea a), do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro). Já a defesa por impugnação, bem como a invocação da prescrição extintiva (cf. os pontos iii), iv) e 1ª parte do ponto v), supra) constituem meios de defesa que, conforme sustenta a Exequente/Embargada, se devem ter por precludidos, não podendo ser invocados como fundamento de oposição à execução fundada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, por se tratar de meios de defesa que poderiam ter sido invocados em sede de oposição no âmbito do procedimento de injunção (cf. artigo 857.º, n.º 1, do CPC, e artigo 14.º-A, n.º 1 e n.º 2, alínea d), a contrario, do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro). (…) No caso dos autos, a Executada/Embargante alegou que não foi devidamente notificada do requerimento de injunção pelo que, a concluir-se por essa falta/nulidade da notificação, o requerimento de injunção deixaria de poder ser considerado título executivo, o que acarretaria a procedência dos embargos, com base nos fundamentos previstos nas alíneas a) e d) do artigo 729.º do CPC, devidamente adaptados (cf. artigo 857.º, n.º 1, do CPC). No entanto, em face dos elementos constantes dos autos, não é possível, em sede de despacho saneador, conhecer da invocada nulidade da notificação do requerimento de injunção, pelo que se irá conhecer apenas das questões acima referidas (cf. o ponto I., supra). No entanto, independentemente da apreciação de tal questão, é de concluir, desde já, no que respeita aos fundamentos de oposição à execução invocados pela Embargante, que não se poderá tomar conhecimento dos respeitantes à defesa por impugnação e à invocação da prescrição extintiva (cf. os pontos iii), iv) e 1ª parte do ponto v), supra), por constituírem de meios de defesa que, pelas razões expostas, se mostram precludidos.» De seguida, o Tribunal a quo pronunciou-se a respeito da ineptidão do requerimento de injunção e do uso indevido do procedimento de injunção nos seguintes termos: «Quanto à ineptidão do requerimento de injunção: Segundo alegou a Embargante, o requerimento de injunção que serve de base à execução é inepto, por falta ou ininteligibilidade da causa de pedir. Cumpre apreciar. Decorre do artigo 10.º do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, que no requerimento de injunção o requerente deve, além do mais, expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão e formular o pedido, com discriminação do valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas (cf. as alíneas d) e e) do n.º 2 do referido artigo). Resulta, assim, deste preceito legal que, não obstante se esteja em presença de uma forma processual mais simplificada, terá o requerente de expor (ainda que de forma sucinta) a sua pretensão e os respetivos fundamentos, sob pena de se preterirem direitos fundamentais consagrados na nossa ordem jurídica. Como refere Salvador da Costa (in A Injunção e as Conexas Ação e Execução, Almedina, 2005, págs. 189-190), a lei não dispensa o requerente «de invocar, no requerimento, os factos jurídicos concretos que integram a respetiva causa de pedir, certo que a lei só flexibiliza a sua narração em termos sucintos, sintéticos e breves». Acrescenta ainda que «como a pretensão do requerente só é suscetível de derivar de um contrato ou de uma pluralidade de contratos, a causa de pedir, embora sintética, não pode deixar de envolver o conteúdo das respetivas declarações negociais e os factos negativos ou positivos consubstanciadores do seu incumprimento por parte do requerido», salientando que «o que verdadeiramente releva como causa de pedir é a descrição da origem do crédito invocado pelo requerente ou os períodos a que se reporta (...)». O requerente tem, assim, que alegar os factos que integram a sua pretensão, ou seja, os factos jurídicos que consubstanciam a causa de pedir e que justificam o pedido, levando à sua procedência, caso logre prová-los (cf. artigo 5.º, n.º 1, do CPC), de modo a possibilitar que o requerido conheça todos os factos que lhe são imputados e exerça sobre eles o contraditório. Em suma, o requerimento de injunção há-de conter os factos essenciais que fundamentam o pedido, devendo este, por seu turno, subsumir-se àqueles, sendo manifestamente insuficiente a simples referência ao módulo contratual que está em causa no litígio, uma vez que tal não passa de simples qualificação jurídica que nada tem a ver com a factualidade concreta que deve integrar a causa de pedir. A causa de pedir pode ser simples ou complexa e, quando complexa, tem que ser preenchida por todos os factos essenciais que a compõem (e que devem ser alegados pelo autor na sua petição, sob pena de, não o sendo, em sede de julgamento, o juiz só poder dar como provados os factos alegados, aqueles que eventualmente se provem e que sejam instrumentais ou complementares ou concretizadores do núcleo essencial da causa de pedir – cf. artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b) do CPC). No domínio das ações baseadas em contratos a causa de pedir assenta essencialmente na celebração de um certo contrato gerador de direitos, competindo ao autor alegar não só as cláusulas essenciais definidoras do negócio celebrado, mas igualmente os factos materiais indispensáveis à integração dos outros factos jurídicos ajustados à pretensão deduzida. No caso em apreço, verifica-se que a causa de pedir a que respeita o requerimento de injunção que serve de base à execução é referente a um “contrato de prestação de bens e serviços de telecomunicações”, nos termos do qual, segundo alegou a Requerente (ora Embargada) esta se obrigou a prestar os bens e serviços solicitados pela Requerida (ora Embargante) e esta se obrigou a efetuar o pagamento tempestivo das faturas, a devolver com a cessação do contrato os equipamentos da Requerente e a manter o contrato pelo período acordado, sob pena de, não o fazendo, ser responsável pelo pagamento de cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato. Ora, considerando o tipo de concreto de contrato indicado pela Requerente, a alegação dos fundamentos essenciais em que se baseia o pedido de pagamento dos créditos invocados implicaria a concretização: a) da data de celebração do contrato e respetiva descrição; b) dos períodos de faturação a que se reportam os valores que a Requerente alega não terem sido pagos; c) dos factos a que respeitam os valores incluídos das faturas cujo pagamento é peticionado (designadamente, se respeitam à prestação de serviços de telecomunicações e, na afirmativa, a que serviços; a fornecimento de bens e, na afirmativa, a que bens; a qualquer valor respeitante à não devolução de equipamentos da Requerente; ou ainda a qualquer valor reclamado a título de cláusula penal); d) dos factos em que a Requerente faz assentar o alegado incumprimento definitivo do contrato; e) do valor da penalidade contratual, com a identificação da cláusula contratual que a preveja e, eventualmente, do modo de cálculo da indemnização reclamada por tal incumprimento; f) dos fundamentos do pedido de pagamento do valor de €600, a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida. No caso sub judice a Requerente limitou-se a invocar a celebração de um “contrato de fornecimento de bens e serviços”, a indicar o número e a data do mesmo, referindo ainda que, no âmbito de tal contrato, se obrigou a prestar os bens e serviços solicitados pela Requerida e que esta se obrigou a efetuar o pagamento tempestivo das faturas, a devolver com a cessação do contrato os equipamentos da Requerente e a manter o contrato pelo período acordado, sob pena de, não o fazendo, ser responsável pelo pagamento de cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato. Enumerou ainda um conjunto de faturas alegadamente em dívida, fazendo referência ao respetivo valor, bem como às datas de emissão e vencimento. Ora, derivando o direito da Requerente de um contrato, tinha esta parte que invocar esse contrato, referindo as suas cláusulas e elementos essenciais (nomeadamente os anteriormente enunciados), para que possa saber-se, com precisão, qual foi o negócio jurídico celebrado pelas partes, não bastando, para isso, os elementos indicados, nomeadamente a data e o número do contrato (o qual apesar de ser suscetível de relevar na respetiva identificação, não constitui facto integrante da causa de pedir). Por outro lado, a referência às faturas alegadamente em dívida (as quais constituem meios de prova e não factos), não permite concluir a que bens e/ou serviços alegadamente prestados respeitam tais faturas, nem se alguma delas diz respeito à alegada cláusula penal (relativamente à qual não foram, também, nos termos expostos, alegados os factos essenciais que fundamentam o pedido). Atenta a forma processual empregue para a formulação do pedido, a nulidade decorrente da falta ou ininteligibilidade da causa de pedir não é suscetível de ser suprida, senão mediante o mecanismo processual previsto no n.º 3 do artigo 186.º do CPC (quando o réu, apesar de arguir a nulidade por falta ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir, demonstra pelo demais alegado, ter interpretado convenientemente a petição ferida de ineptidão). Não ocorrendo tal circunstância, não pode o juiz suprir aquela nulidade, designadamente por recurso ao disposto no n.º 2 do artigo 6.º n.º 2, do CPC. No caso concreto, não se pode concluir que a Embargante tenha percebido a causa de pedir, uma vez que não deduziu oposição em sede de procedimento de injunção (tendo, a esse respeito, invocado a nulidade da sua notificação no âmbito desse procedimento). Por outro lado, mesmo que se considere, para esse efeito, a oposição mediante embargos de executado, a verdade é que do teor dessa oposição não resulta que aquela tenha demonstrado ter conhecimento, em concreto, dos factos em que a Requerente (ora Embargada) se fundamentou para pedir o pagamento das quantias em causa no requerimento de injunção. Cumpre realçar, a este respeito, que embora a Embargante tenha presumido, apenas pelo respetivo valor, que a fatura no montante de €2.713,23, peticionada na injunção, dirá respeito à cláusula penal (cf. artigos 770ºe ss. da oposição), não demonstrou ter conhecimento dos factos em que se baseou a Requente/Embargada para reclamar tal valor. Acresce que, segundo alega a Embargante na contestação, do valor em causa, apenas o montante de €2.584,23 respeita a cláusula penal (cf. o artigo 10.º da contestação), o qual nem coincide com o valor que a Embargante presumiu estar em causa. Assim, não se pode, conforme se disse, concluir que a Embargante tenha interpretado convenientemente o requerimento de injunção, sendo que, conforme referido, os factos integradores da causa de pedir deveriam ter sido alegados no momento processual próprio – o requerimento de injunção – por forma a que a Requerida pudesse, quanto aos mesmos, ter exercido devidamente o contraditório. A falta dos referidos elementos essenciais leva-nos a concluir pela ineptidão do requerimento de injunção por ininteligibilidade da causa de pedir e pela consequente nulidade de todo o processo, o que constitui exceção dilatória, de conhecimento oficioso (cf. artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 196.º, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. b) e 578.º do CPC), conduzindo à absolvição da instância (cf. artigos 278.º, n.º 1, al. b) do CPC e 3.º, n.º 1, 16.º e 17.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro). Sendo este, nos termos referidos, um dos fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória (cf. artigos 857.º, n.º 3, al. b), do CPC, e do 14.º-A, n.º 2, al. a), 2.ª parte, do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01-09) e instaurada ação executiva com base nesse título, aquela exceção, de conhecimento oficioso pode ser conhecida nos embargos de executado. Julgando-se procedente a exceção dilatória de nulidade de todo o procedimento de injunção por ineptidão do requerimento respetivo, dessa nulidade deriva a inexistência do título que serve de base à execução (concretamente, o requerimento de injunção a que, no âmbito de tal procedimento, foi aposta fórmula executória). Como é sabido, todo o processo executivo tem necessariamente por base um título (cf. artigos 10.º, n.º 5, e 703.º do CPC), o qual, para além de determinar o fim da execução, define os limites objetivos e subjetivos da execução, sendo ainda com base nele que se afere da legitimidade ativa e passiva (cf. artigo 53º do CPC) e ainda da certeza, liquidez e exigibilidade da obrigação exequenda (cf. o artigo 713.º do CPC), sendo que, a falta desse título, constituindo fundamento de oposição à execução (cf. artigo 729.º, alínea a), do CPC), determinada a sua extinção Em face do exposto, deverá ser julgada procedente a exceção dilatória de nulidade de todo o processo de injunção por ineptidão do requerimento respetivo, da qual devida a inexistência de título, concluindo-se pela procedência da oposição mediante embargos de executado, com este fundamento. * Face à procedência da oposição à execução mediante embargos de executado, com o aludido fundamento, fica prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas. Sempre se dirá, no entanto, que ainda que se concluísse pela improcedência do referido fundamento de oposição à execução, sempre se seria de entender, no que respeita à outra questão que é possível, desde já, conhecer, que, quando às quantias peticionadas a título de cláusula penal e de €600,00, a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida, o procedimento de injunção é um meio inadequado para peticionar o pagamento de tais valores. (…) Julgando-se procedente tal exceção dilatória, tal implicaria, no que respeita às quantias peticionadas a título de cláusula penal e a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida, a falta de título executivo, o que sempre determinaria a consequente procedência da oposição à execução, nessa parte.» A Apelante discorda deste entendimento, argumentando, em síntese, que, no procedimento de injunção, observou o disposto nos artigos 1.º, n.º 1, e 10.º, n.º 2, al. d), do DL 269/98, tendo exposto, sucintamente, os factos, a sua pretensão e respetivos fundamentos; não juntou documentos porque o formato dos requerimentos de injunção, definido por lei, não o possibilita. A Apelada, por sua vez, defende que inexiste erro de julgamento a este respeito, já que, na exposição dos factos que fundamentam a sua pretensão, a Requerente se limitou a “descarregar” datas e valores, sem nunca referir quais os serviços contratados e se os mesmos foram prestados. Apreciando. A problemática que ora nos ocupa já foi apreciada, a propósito de casos próximos, nos acórdãos desta 2.ª Secção Cível da Relação de Lisboa de 05-12-2024, no proc. n.º 8399/23.4T8SNT.L1, e de 30-01-2025, no proc. n.º 4737/24.0T8SNT.L1 (ambos disponíveis em www.dgsi.pt), relatados pela ora Relatora e com a intervenção do ora 2.º Desembargador-Adjunto e do ora 1.º Desembargador-Adjunto (respetivamente). Assim, seguiremos de perto as considerações que aí fizemos, começando por lembrar que, conforme decorre do disposto no art.º 7.º do Regime Jurídico da Injunção (RJI) em Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01-09, o procedimento de injunção tem por finalidade conferir força executiva ao requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular - ou seja, o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000 € -, ou de obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17-02, cujo art.º 10.º, n.º 1, estabelece precisamente que “O atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida.” Conforme previsto no art.º 10.º, n.º 2, alíneas d) e e), do RJI, no requerimento de injunção, deve o requerente expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão, e formular o pedido, com discriminação do valor do capital, juros vencidos e “outras quantias devidas”, o que foi refletido no Formulário do requerimento de injunção, em que constam menções ao capital atinente à quantia devida, bem como aos respetivos juros de mora, e ainda a “Outras quantias” (cf. Portaria n.º 21/2020, de 28-01). No requerimento executivo, a alegação da causa de pedir (atinente à obrigação exequenda, fundamento substantivo da ação executiva - não se confundindo com o título executivo, o qual se apresenta como instrumento documental da relação jurídica, ou seja, documento demonstrativo de um direito que, nos termos da lei, é condição necessária da ação executiva) - poderá ser necessária quando não resulte (pelo menos inteiramente) do título executivo que é a base da execução, podendo carecer, em alguns casos, de alegação (e prova) complementar para fundar a pretensão deduzida na execução. É o que resulta expressamente do disposto no art.º 724.º, n.º 1, al. e), do CPC, ao prever que, no requerimento executivo, o exequente, “Expõe sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo, podendo ainda alegar os factos que fundamentam a comunicabilidade da dívida constante de título assinado apenas por um dos cônjuges”. A causa de pedir pode ser definida [tendo em atenção o disposto nos artigos 5.º, n.º 1, 186.º, 552.º, n.º 1, al. d), 581.º, n.º 3 e 4, e 724.º, n.º 1, al. e), do CPC] como o conjunto de factos jurídicos/factos essenciais (nucleares ou principais) ou factos substantivamente relevantes em que se fundamenta o pedido (sendo este o efeito jurídico que o autor/requerente/exequente pretende obter), o que significa que o autor/requerente/exequente deve concretizar os factos em que baseia a sua pretensão, em termos inteligíveis, não sendo suficiente o apelo a conclusões jurídicas, conceitos legais ou a invocação do direito sem indicação da sua origem. No requerimento executivo, a alegação da causa da obrigação exequenda poderá ser necessária quando a mesma não resulte (pelo menos inteiramente) do título executivo que é a base da execução, podendo carecer, em alguns casos, de alegação (e prova) complementar para fundar a pretensão deduzida na execução. É o que resulta expressamente do disposto no art.º 724.º, n.º 1, al. e), do CPC, ao prever que, no requerimento executivo, o exequente, “Expõe sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo, podendo ainda alegar os factos que fundamentam a comunicabilidade da dívida constante de título assinado apenas por um dos cônjuges”. Portanto, na ação executiva, os factos integrantes da causa de pedir podem resultar do próprio título executivo, caso em que o exequente poderá remeter para o mesmo, mas também podem ser articulados pelo exequente no respetivo requerimento executivo. Não constando do título executivo os factos que são fundamento do pedido, nem tão pouco estando indicada no requerimento executivo a respetiva causa de pedir - com a alegação, de forma completa e inteligível, dos factos essenciais constitutivos do direito de crédito cujo pagamento coercivo o exequente reclama -, verifica-se a ineptidão desse requerimento, geradora da nulidade de todo o processo, o que constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, que, consoante os casos, determina o indeferimento liminar do requerimento executivo, a absolvição dos executados da instância executiva ou a rejeição oficiosa da execução, nos termos dos artigos acima referidos (cf. art.º 551.º, n.º 1, do CPC) conjugados com os artigos 726.º, n.º 2, al. b), 732.º, n.º 4, e 734.º do CPC (aplicáveis também na execução sumária – cf. artigos 551.º, n.º 3, e 855.º, n.º 2, al. b), do CPC). Neste sentido, na doutrina mais recente, destaque para Rui Pinto, “A Ação Executiva”, AAFDL Editora, 2018, pp. 311 e 312, e Marco Carvalho Gonçalves, in “Lições de Processo Civil Executivo”, 2.ª edição Revista e Aumentada, Almedina, pág. 214 (que, por sua vez, também cita outros autores e jurisprudência). Na doutrina mais antiga, destacamos os ensinamentos de Castro Mendes, in “Direito Processual Civil, Recursos e Acção executiva”, AAFDL, 1989, págs. 272-273, explicando, a propósito do preceito a que corresponde o atual art.º 186.º, que: “Sendo o art.º 193.º disposição geral e comum, parece que também o requerimento inicial para uma acção executiva deve ser tido como inepto se não contiver menção duma causa de pedir. Assim o temos sustentado: se por exemplo o credor dispuser dum título meramente probatório por exemplo que não faça referência à causa debendi, não pode instaurar a acção executiva remetendo apenas para o título, e abstendo-se de indicar no requerimento da execução a causa de pedir.”; também Fernando Amâncio Ferreira, “Curso de Processo de Execução”, 12.ª edição, 2009, Almedina, páginas 41 a 43, e José Lebre de Freitas, “A Acção Executiva”, 5.ª edição, 2009, Coimbra Editora, páginas 59, 62 e 63, 156, 158, 163; idem na 7.ª edição, páginas 184 e 189, nota 6; aliás, este último autor, já na 2.ª edição da referida obra (Coimbra Editora, 1997, págs. 133-134), afirmava: “Uma vez que a execução tem sempre por base um título executivo e esta deve acompanhar a petição inicial, bastará quanto à causa de pedir, remeter para o título, a menos que: - este careça de prova complementar, - a obrigação precise de ser liquidada; - tratando-se de obrigação causal, o título não lhe faça referência concreta. Esta falta de referência ocorrerá quando o título executivo contiver uma promessa de cumprimento ou o reconhecimento duma dívida sem indicação da respectiva causa (art.º 458 CC) (…) A mesma alegação deve ter lugar nos outros casos de título que não mencione a causa.” De igual modo, é inepto o requerimento de injunção que não contenha a exposição (ainda que sucinta) dos factos que fundamentam a pretensão, com a consequente verificação da exceção dilatória, de conhecimento oficioso, de nulidade de todo o processo [cf. artigos 186.º, 196.º, 278.º, n.º 1, al. b), 552.º, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. b), e 590.º, n.º 1, todos do CPC, e art.º 10.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01-09, de cujo n.º 2, al. d), consta, conforme suprarreferido, que o requerente deve, no requerimento “Expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão”], exceção essa que, quando naquele tenha sido aposta fórmula executória, pode ser conhecida, na oposição à execução - cf. art.º 857.º, n.º 3, al. b), do CPC, e do art.º 14.º-A, n.º 2, al. a), 2.ª parte, do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01-09. Nessa medida, tratando-se de um meio de defesa - exceção dilatória de conhecimento oficioso - (não precludido) que “contamina” o próprio título executivo (requerimento de injunção com fórmula executória), isso equivale à falta de título executivo, já que, se o título não se formou validamente, não pode valer como tal, o que se reconduz à previsão da alínea a) do n.º 2 do art.º 726.º do CPC, verificando-se a falta do título, o que constitui fundamento para indeferimento liminar do requerimento executivo, absolvição do executado da instância executiva ou rejeição oficiosa da execução. Nos presentes autos, a Exequente, no Requerimento executivo, limitou-se a alegar, em síntese, que: é portadora de um requerimento de injunção, ao qual foi aposta fórmula executória, requerimento esse que constitui título executivo, nos termos do art.º 703.º, n.º 1, al. d) do CPC e art.º 21.º do DL 269/98 de 1 de setembro, e que na origem da dívida está um contrato. Tal alegação teria sido suficiente se, no Requerimento de injunção apresentado como título executivo, constasse a indicação, de forma inteligível e completa, da causa de pedir do seu pedido. Porém, aí apenas foram alegados os factos atinentes à celebração e vigência de um contrato dito de fornecimento de bens e serviços, a emissão de faturas e, de forma conclusiva, serem devidas “Outras quantias”, mais precisamente 600 €, “a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida”, não cuidando a ora Apelante de alegar, na sede própria – que não é seguramente a alegação de recurso –, quaisquer factos (essenciais) relativos à efetiva prestação dos serviços a que porventura se possam referir as faturas cuja falta de pagamento invocou. Na verdade, tanto nos Requerimentos de injunção como no Requerimento executivo, a Exequente optou por não alegar, de forma cabal, a que respeitavam concretamente as faturas emitidas, pois não alegou se foram prestados bens ou serviços nos valores faturados, se existiu uma rescisão antecipada do contrato por parte da ora Executada que a fez incorrer na obrigação de pagar a(s) quantia(s) faturada(s) a título de cláusula penal, ou se não foram por ela devolvidos equipamentos após a cessação do contrato assim incorrendo igualmente na obrigação de pagar a(s) quantia(s) indicada(s) na(s) fatura(s). A incipiente alegação que fez inviabiliza uma cabal aplicação do direito aos factos, não tendo sido alegados factos essenciais integrantes da causa de pedir, não se podendo afirmar se as faturas indicadas no requerimento de injunção dizem respeito a bens ou serviços prestados ou a cláusulas penais convencionadas para a rescisão antecipada do contrato e/ou para a não devolução dos equipamentos após a cessação do contrato; apenas se retira que a verba de 600 € nada tem a ver com as ditas faturas, dizendo respeito a “Outras quantias” peticionadas “a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida”. Não se ignora que, tantas vezes, uma alegação parca e genérica até acaba por ser suficiente, já que, sendo deduzida oposição no procedimento de injunção, com a convolação do mesmo numa ação declarativa, se o tribunal constatar que o requerido/réu interpretou convenientemente o requerimento de injunção/petição inicial, e perceber o que está a ser reclamado (mormente pela análise das faturas entretanto juntas aos autos), se torna irrelevante a ineptidão (cf. art.º 186.º, n.º 3, do CPC). Aliás, também no processo executivo isso pode acontecer, como é, desde há muito, jurisprudência pacífica (veja-se, a título de exemplo, o acórdão da Relação de Lisboa de 17-06-2010, proferido no proc. n.º 8016/08.2TBOER-C.L1-6, disponível em www.dgsi.pt: “3. Quando do título executivo não constem os factos que fundamentam o pedido o exequente deve expô-los sucintamente no requerimento executivo; 4. O requerimento executivo do qual, nessas circunstâncias, não constem os factos que fundamentam o pedido, não será de considerar inepto se o executado deduzir oposição em que revele ter compreendido de forma conveniente o requerimento e os factos omissos.”). Assim, tivesse a Executada deduzido oposição à execução evidenciando ter compreendido de forma conveniente o Requerimento executivo e os factos omissos, e a Exequente vindo, na contestação aos embargos, juntar as faturas em causa, estaria o Tribunal habilitado a tomar posição a esse respeito (na esteira da doutrina e jurisprudência acima referidas), e não seria caso para julgar verificada a nulidade de todo o processo. Mas o certo é que a Exequente não alegou - pelo menos de forma inteligível -, nem nos Requerimentos de injunção, nem no Requerimento executivo, o que, em concreto, subjaz à emissão das faturas, designadamente se foram efetivamente prestados serviços (mormente de telecomunicações) num determinado período de tempo; se não foram devolvidos equipamentos; se as faturas respeitavam à cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato ou a qualquer outra situação de facto. A Apelante, que por certo não desconhecia a jurisprudência atinente ao uso indevido do procedimento de injunção (a que é feita referência na decisão recorrida e no aludido acórdão da Relação de Lisboa de 30-01-2025), lançou mão desse procedimento, fazendo-o numa perspetiva puramente contabilística e sem observar princípios fundamentais do processo civil (mormente o princípio do dispositivo) e do Direito das Obrigações, limitando-se a alegar a celebração do contrato (em 22-06-2017), e a sua vigência (de 22-06-2017 a 28-04-2021), bem como a emissão de faturas que não foram pagas, como se estas constituíssem fonte de obrigações pecuniárias, e a existência de despesas associadas à cobrança da dívida. Ora, estas últimas só teriam razão de ser se estivesse a ser devidamente exigido o cumprimento de obrigações pecuniárias, o que não podemos assumir. Ademais, a Exequente nem sequer alegou, no Requerimento de injunção, que suportou tais despesas, nomeadamente com o recurso aos serviços de advogado, solicitador ou agente de execução, tão pouco tendo alegado, no Requerimento executivo, que suportou os referidos valores no âmbito de procedimento extrajudicial pré-executivo, nos termos do art.º 33.º, n.º 4, da Lei n.º 32/2014, de 30-05, que aprovou o procedimento extrajudicial pré-executivo. Apesar da litigância em massa que a Exequente pratica, não deixam de ser aplicáveis as regras legais e os princípios basilares do sistema jurídico, mormente o princípio do dispositivo e o princípio da autorresponsabilidade das partes, sendo inadmissível que os autos pudessem prosseguir nos termos requeridos, apenas com “a absolvição da instância relativamente aos valores que integram a injunção a tal título”, obstando a essa solução a circunstância de o Requerimento executivo ser inepto por falta de causa de pedir, logo insuscetível de aperfeiçoamento (ao abrigo do disposto nos artigos 6.º e 726.º, 4, do CPC, muito menos do art.º 590.º do mesmo Código), como inepto era o Requerimento de injunção, por não terem sido aí alegados, como se impunha, alguns dos factos essenciais constitutivos do direito que a Exequente se arroga. Reitera-se que cabia a esta última, quando lançou mão do procedimento de injunção, ter feito, no respetivo Requerimento, uma “Exposição dos factos que fundamentam a pretensão”, considerando o ónus de alegação de todos os factos essenciais integrantes da causa de pedir. Não o fez aquando do preenchimento do requerimento de injunção (a tanto não obstando o modelo ou formulário aprovado por portaria), nem sequer no Requerimento executivo. Assim, quer se considere que, ao Requerimento executivo falta a causa de pedir (como nos parece ser o caso), quer se entenda que não é inteligível, verifica-se uma nulidade de todo o processo, não podendo ser aproveitado o título na parte relativa às quantias faturadas (e respetivos juros), pelo que não se pode considerar que a decisão recorrida tenha violado quaisquer preceitos legais. Em conclusão, não pode a Exequente exigir, com base no Requerimento de injunção em apreço, o pagamento coercivo da quantia peticionada, incluindo a atinente a “indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida”, pois não alegou a Exequente, no Requerimento executivo (nem sequer por remissão para quaisquer faturas, que não juntou nessa altura), a que respeitavam. Diga-se, para terminar, que a parca alegação constante do Requerimento de injunção e do Requerimento executivo nem permitiria aferir, salvo no tocante às “outras quantias”, do uso indevido do procedimento e, concomitantemente, da existência/falta e suficiência do título de executivo. Mas, em face da nulidade de todo o processo por ineptidão do requerimento de injunção (e do requerimento executivo), fica prejudicado o conhecimento da questão atinente ao uso indevido do procedimento de injunção. Assim, improcedem as conclusões da alegação de recurso, ao qual será negado provimento, não merecendo censura a decisão recorrida que julgou procedente a oposição à execução. Vencida a Apelante, é responsável pelo pagamento das custas processuais (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC). *** III - DECISÃO Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida. Mais se decide condenar a Apelante no pagamento das custas do recurso. D.N. Lisboa, 10-04-2025 Laurinda Gemas Paulo Fernandes da Silva João Paulo Raposo |